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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 21
ANO DE 1946 26 DE JANEIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 21 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 25 DE JANEIRO
Presidente: Exmo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel de Abranches Martins
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Diários n.ºs 18 e 19, respectivamente das sessões de 22 e 23 do corrente mês. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães e outros Srs. Deputados requereram que seja apresentado à ratificação o decreto-lei n.º 35:127.
O Sr. Deputado Querubim Guimarães requereu várias informações pelo Ministério da Educação nacional.
O Sr. deputado marques de carvalho requereu várias informações pelo Ministério da educação nacional.
Os Srs. deputados Colares pereira e Carlos Borges referiu-se à morte do poeta Afonso Lopes Vieira.
O Sr. Frazão falou sobre 40.º aniversário da Escola Superior Colonial.
Ordem do Dia. - Continuou o debate, na generalidade, sobre a proposta de lei de organização hospitalar, tendo usado da palavra os Srs. deputados Melo Machado, Cerveira Pinto, Carlos Mendes e Antunes Guimarães.
O Sr. presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 35 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteres Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fausto de Almeida Frazão.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
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Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José dos Santos Bessa.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria da Câmara Pina.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 97 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários n.°s 18 e 19, respectivamente das sessões de 22 e 23 do corrente.
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: no Diário das Sessões n.° 19, de 24 do corrente, p. 292, o § 1.º deve ter a seguinte redacção, e não a que vem publicada:
§ 1.° Os postos de consulta e socorro serão instalados de preferência nos meios rurais, sedes das freguesias, aldeias, povoados e centros de colonização, agrupados ou dispersos, ficando, sempre que possível for, a cargo de uma assistente social.
O Sr. Presidente: - Visto mais ninguém pedir a palavra, considero aprovados os referidos Diários com a rectificação apresentada.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Excelência. - Informamos respeitosamente V. Ex.ª que produtos lácteos manteiga queijo leite condensado leite pó farinha lácteas caseína estiveram todos já tabelados. Presentemente apenas está tabelado queijo e manteiga estando demais produtos regime livre. Fábrica vizinha Nestlé que produz artigos não tabelados em disputa com fábrica Favorita elevou preço leite de um escudo vinte centavos para dois escudos provocando desassossego região adquirindo ilegalmente leite nas áreas abastecimento doutras fábricas. Pedimos encarecidamente V. Ex.ª se digne evitar encerramento fábricas manteiga e queijo que fabricando produtos que foram tabelados à base leite escudo e vinte centavos não podem concorrer com os fabricantes que produzem produtos cuja tabela foi abolida. - Nunes Rodrigues & C.ª, Limitada.
Grémio Lavoura Cinfães pede V. Ex.ª e Deputados Viseu defendam assistência técnica financeira lavoura seja rapidamente estudada votada e conseguida com intervenção organismos corporativos. - Alberto Araújo, secretário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Albano de Magalhães.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa, em meu nome e no de outros Srs. Deputados, o seguinte requerimento:
«Pretendendo apreciar a oportunidade e as vantagens de ordem política social introduzidas na legislação portuguesa com o decreto-lei n.° 35:427, de 31 de Dezembro de 1940, que instituiu, para vigorar no ano corrente, o Fundo do socorro social, e, possivelmente, submeter à apreciação desta Assembleia aditamentos de emendas que dêem mais eficiência aos princípios que o informam, requeremos que seja apresentado à ratificação.
23 de Janeiro de 1946. - Os Deputados: Albano Pereira Dias de Magalhães - Artur Marques de Carvalho - José Nosolini- José Gualberto de Sá Carneiro - Luís Cincinato da Costa - António Maria Pinheiro Torres».
O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidas as seguintes informações:
a) Nota do número de professores primários que nesta última dezena de anos tem solicitado licença ilimitada, com a indicação das respectivas datas;
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b) Nota do número dos que entraram nesse regime e dos que regressaram ao exercício das suas funções, com a indicação do período de tempo que estiveram no regime de licença ilimitada;
c) Indicação das respectivas categorias e vencimentos que lhes eram atribuídos à data em que solicitaram aquela licença;
d) Número de escolas do magistério primário que se encontram a funcionar no País, localidades respectivas e número de alunos em cada uma matriculados desde que se abriram até hoje;
e) Número de escolas normais existentes no País à data da sua extinção, localidades onde se achavam instaladas e número de alunos matriculados em cada uma delas, numa média dos últimos três anos anteriores à sua extinção».
O Sr. Marques de Carvalho: - Sr. Presidente: algum dia será trazida a esta Câmara a apreciação da política do ensino na Revolução Nacional.
Certos postulados desta política suo evidentes o encontram-se expressos na Constituição e implícitos na própria ética do regime. Não se pretende estatismo escolar, repele-se o conceito comunizante da escola única e diz-se assegurar-se à família a livre escolha dos educadores dos seus filhos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É assim pela ética do regime e pelos textos constitucionais. Terão no entanto, Sr. Presidente, os serviços da Administração agido de acordo com tais postulados? Ou, ao contrário, em certos aspectos quase sistematicamente os contrariam?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A análise dessa actuação está por fazer e importa decididamente que venha a fazer-se. O requerimento que há dias apresentei, se bem que visando concretamente o estudo do problema do ingresso nos cursos superiores, não deixa também de servir aquele objectivo. E, hoje, Sr. Presidente, vou mandar para a Mesa um outro, que visa obter elementos de apreciação quanto ao volume do ensino particular e à sua importância no quadro escolar do País. No ramo do ensino liceal, ele abriga um número de alunos superior ao do ensino oficial, pelo que o Estado tem reduzidos a menos de metade os seus encargos com esse importantíssimo ramo de ensino, não se dispensando ainda assim de constituir com os alunos do ensino particular apreciável fonte de receita.
Oportunamente, Sr. Presidente, outros requerimentos farei, sempre no sentido de colher elementos do estudo da política seguida quanto ao ensino e da actuação dos serviços no quadro dessa política.
O requerimento de hoje é o seguinte:
«Requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos os seguintes elementos relativos a cada um dos últimos cinco anos escolares:
a) Indicação do número total de estabelecimentos de ensino particular, distinguindo os que têm ou não internato, bem como os que ministram ensino primário, liceal, técnico (comercial ou industrial) ou de qualquer outra natureza;
b) Número de alunos por cada ramo de ensino enunciado na alínea anterior;
c) Receita total cobrada pelo Estado aos alunos do ensino particular por registos de inscrição, taxa do saúde escolar e propinas de exame;
d) Receita cobrada por alvarás, diplomas e averbamentos respeitantes ao ensino particular;
e) Indicação dos encargos do Estado pela inspecção e fiscalização do ensino particular;
f) Indicação do número de alunos do ensino oficial de cada um dos seguintes ramos:
1.° Primário;
2.° Liceal;
3.° Técnico elementar;
bem como dos encargos do Estado com a sua manutenção, abrangendo não só as verbas orçamentais como as despendidas com a construção e sustentação dos edifícios o instalações».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente : - Comunico à Câmara que o Sr. Deputado Albano de Magalhães e mais quatro Sr. Deputados requereram para ser submetido à ratificação da Assembleia o decreto-lei n.° 35:427, publicado no Diário do Governo de 31 de Dezembro do ano passado.
Este requerimento é feito nos termos do § 3.° do artigo 109.° da Constituição. Portanto, na devida oportunidade, deverá ser, em ordem do dia, submetido à ratificação desta Assembleia o referido decreto.
O Sr. Colares Pereira: - Sr. Presidente: tanta pensei como seria difícil ou como seria para mim emocionante a vez primeira que tivesse a honra do falar nesta Assembleia, e, afinal, eu estava ainda bem longe da emoção que sinto...
Receava que, ao dirigir-me a V. Ex.ª, a emoção me fizesse perturbar a tal ponto que não fosse capaz de, com a sinceridade e com a consideração que devo a V. Ex.ª, lhe prestar daqui as minhas rendidas homenagens de muito respeito e consideração.
E no entanto, por força do destino - e triste destino -, esse momento chegou, e da forma mais pungente para o meu coração de amigo: ter de falar de um morto querido, o grande poeta Afonso Lopes Vieira, cujos olhos se fecharam para sempre esta madrugada.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Falo, Sr. Presidente, como português e como amigo o ainda, por maior razão, porque Afonso Lopes Vieira era de Leiria, isto é, do distrito que eu represento.
Por um determinismo fatal - ele ser de Leiria - é que ou tenho de cumprir este dever doloroso de ao mesmo tempo apresentar a V. Ex.ª, no dia em que falo pela primeira vez, os meus cumprimentos e saudações e de o recordar a ele. São duas emoções: por um lado, a homenagem, o meu respeito para com V. Ex.ª, e, por outro, o ter de falar de um querido amigo, de um poeta, que era um grande poeta!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não vou falar de Afonso Lopes Vieira como poeta, como prosador e como homem, pois, além de grande português, que era, Afonso Lopes Vieira, acima de tudo, foi poeta, e sempre poeta, durante toda a sua vida.
É sempre o poeta Afonso Lopes Vieira quem contempla a vida. É sempre poeta o cantor da necessidade de «aportuguesar» Portugal, que começou tão cedo a sentir, pois foi ele quem mais cedo, no alvor de uma geração que não pensara nisso, percebeu que o nacionalismo português não era o de comício, mas sim o de «reaportuguesar» os verdadeiros portugueses, o de «reaportuguesar» a nossa língua e a nossa literatura. E vejam V. Ex.ªs a que distância é ele quem inicia a campanha vicentina. Vejam V. Ex.ªs como é ele quem vai dar humanidade e corpo à ideia, cantada e sentida como poeta, quando trouxe nova-
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mente ao convívio das gerações actuais a figura extraordinária do Gil Vicente. E é ele ainda, no Bartolomeu marinheiro, ao cantar o mar, aquele mar que ele via do eirado da sua casa de S. Pedro de Muel, não com os olhos com que tantos, em frases empoladas, o descreviam, mas sim com os olhos da sua alma e sentimento de poeta, aqueles mesmos olhos que tinham sabido dar o grande abraço de poesia e ternura, unindo num só verde a cor magnífica do pinhal de El-Rei à das ondas quebrando-se junto ao eirado da sua casa. Fecharam-se-lhe os olhos deslumbrados, aqueles olhos que lhe fizeram ver o Pais Lilás e descobriu no horizonte as misteriosas Ilhas de Bruma.
Foram esses olhos ansiosos do descobrir «portuguesismo» que o aproximaram de Camões o que o levaram, dando o braço a José lufaria Rodrigues, a oferecer-nos, a nós todos, a melhor edição de Os Lusíadas que até hoje tivemos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ele, que se julgava vaidoso por ser o homem que tinha em sua casa alguns fios do cabelo louro de Inês, é o mesmo homem que, quando tem de enfrentar a História, descrevo com forte verdade o perfil do Inês, não a de cabelos do ouro, mas o da mulher que podia ter perdido Pedro, o seu Pedro o nosso Rei.
E, assim, foi ele quem escreveu o livro mais sério, mais digno, mais perfeito, mais político que tem sido escrito até hoje sobre Inês de Castro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Era a prova de que já na Demanda do Graal mais alguma coisa se «demandou», porque para nós, portugueses, não se pode «demandar» melhor nem com mais verdadeiro patriotismo do que ele o fez por Portugal, com o amor, o carinho e a fé, bem servida de ciência, de que ele, Afonso Lopes Vieira, deixou eloquente e indestrutível testemunho.
Grandes desvairos pode ter alguém, e ele, como poeta, talvez os tenha tido. Não pretendo de maneira alguma tocar no aspecto que pode resultar de uma obra tão nacionalista, apesar do grande isolamento do que ele há anos se cercara. Não me interessa.
O que interessa é que um grande homem de letras, um grande português, que a Portugal deu uma enorme contribuição para o seu património intelectual e literário, não pode, nem deve, ao ser tocado pela sombra da morte, sofrer que uma assembleia como esta não tomo conhecimento do facto e tenha por momentos exaltado a sua figura e chorado o seu desaparecimento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que interessa é que um país que não tem no seu alfobre tantas individualidades deste quilate não deixe desaparecer alguma sem que esse desaparecimento seja comovidamente lembrado.
Devemos fazê-lo, e eu, como Deputado por Leiria, donde ele era natural, essa linda terra onde está o pinhal de El-Rei, a sua «catedral verde e sussurrante onde mais se alonga e prolonga a longa voz do mar», relembro-o, profundamente emocionado, e estou certo de que os portugueses o lembrarão sempre com saudade e sobretudo com justiça.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: hoje, ao entrar nesta sala, fui dolorosamente surpreendido e gravemente ferido no meu coração pela notícia de que se haviam fechado para a vida terrena os olhos de Afonso Lopes Vieira, meu condiscípulo, meu companheiro de Coimbra, de Coimbra onde quase sempre se organiza a caravana das nossas amizades que vão pela vida fora, através de todas as vicissitudes, no bom e no mau caminho, com vento propício ou adverso, mas que vão sempre ligadas por íntimos o profundos sentimentos, que nada esmorece, que nada quebra, que nada destrói.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Eu era dessa admirável companhia, em que brilhava, em que fulgurava o altíssimo espírito de poeta o de português de Afonso Lopes Vieira. Senti, sinto amargamente a sua morte, e porque ele morreu, e porque morreu mais um camarada, também eu morri um pouco. E à medida que vamos caminhando o vamos vendo que a coorte se dissemina, se perde, e que dos muitos quo éramos, cheios de fé, cheios de entusiasmo, de esperanças o do ilusões, notamos que vamos chegando ao cabo da jornada, que somos cada vez menos, e todos cansados, exaustos, magoados e desiludidos, e sempre atraídos para a inevitável voragem. Uns não fizeram talvez ao seu País uma grande falta - eram homens obscuros, vulgares, que desempenhavam a sua função humana o nada mais; mas outros tinham funções mais altas e mais nobres.
Eram os que se afirmavam pelo seu talento, pelo brilho do seu espirito, pelas atitudes nobres dos seus actos. E Afonso Lopes Vieira, desde sempre, desde a primeira hora, mostrou a alta envergadura do seu espírito, da sua mentalidade: ora o companheiro dessa plêiade extraordinária de poetas e escritores em que fulgurou, com luz de deslumbramento, o nome do Eugênio de Castro, que honra as letras pátrias e o génio latino; era um dos cultores eleitos das letras portuguesas, cuja elevação e beleza lhe deram direito à incumbência honrosa, mas legítima, de representar Portugal junto do Brasil, levando à pátria irmã uma edição especial do Os Lusíadas, em que viverá sempre a eterna grandeza do valor e do heroísmo da nossa Raça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Afonso Lopes Vieira pertenceu àquela geração exuberante, alegre, irónica e boémia quo fez o «Centenário da Sebenta».
Foi ele quem escreveu o Auto da Sebenta, que mais tarde ressuscitou entre nós o gosto pelos velhos mestres; foi ele quem actualizou, quem apresentou aos olhos dos contemporâneos, esse tesouro riquíssimo que é a obra de Gil Vicente. Prestou ao País este grande serviço, fez notar aos portugueses uma das obras mais completas do génio latino, ao passo que o Dr. Mendes dos Remédios ia publicando as Crónicas desse grande historiador, desse grande mestre, que se chamou Fernão Lopes.
Afonso Lopes Vieira impôs-se sempre no espírito de todos pelo valor e pela elevação do seu estro de poeta, da sua prolixidade de escritor. Porque ele vivia na sua torre do marfim, uma casa portuguesa sobre um areal junto do Atlântico e perto dos pinheiros que tinham ouvido os lamentos de Pedro, O Cruel, e os arrulhos de pomba de Inês de Castro, não tivera grande contacto com o tumulto e a agitação dos tempos novos.
Mas não se esqueceu nunca de que era português; tributava a Portugal acrisolado amor de patriota sincero e de nacionalista de uma só fé, e por isso corre a todos a obrigação de se curvarem reverentemente sobre a sua
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memória e de se recolherem profundamente diante do seu ataúde.
Apoiados gerais.
Afonso Lopes Vieira foi redactor da Câmara de Deputados desde 1910 a 1916. Quando não tivesse outros direitos a que o seu nome fosse recordado nesta Casa, o simples facto de ter prestado serviços à representação nacional dar-lhe-ia o direito de ser lembrado neste momento; mas assistem-lhe outros e mais relevantes títulos para receber as homenagens do todos os portugueses. Eu, que fui seu condiscípulo e sou amigo, embora as nossas vidas só norteassem por diversos destinos, evoco com saudade essa elegante figura de poeta e do português, e, com lágrimas que sobem do coração e que se queimam nos meus olhos de velho, rendo-lhe, comovidamente, este preito de admiração e de respeito e peço à Assembleia Nacional que se associe a um voto de sentimento pela perda irremediável de um grande poeta que de todas as formas soube prestigiar a sua e nossa terra.
Disse.
Vozes: - Muito bom, muito bem!
O orador foi, muito cumprimentado.
O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: a 18 de Janeiro de 1906, sendo Ministro da Marinha e Ultramar o Dr. Moreira Júnior, foi criada a Escola Colonial, que em Outubro do mesmo ano foi inaugurada solenemente por D. Carlos I.
Tratava-se de manifestação de uma orientação política em matéria colonial, à qual devemos ligar outras medidas da mesma época, como seja a criação do ensino técnico no Instituto Superior de Agronomia, do Jardim Colonial e do Museu Agrícola.
Cuidava-se pela primeira voz a sério do problema da preparação adequada dos funcionários coloniais o da investigação o assistência técnica a realizar no ultramar, factores indispensáveis de uma verdadeira ocupação científica e económica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Escola Colonial ficava confiada à Sociedade de Geografia, pois modestos eram os recursos dos Governos nessas épocas e grande ainda a incompreensão em tais matérias. Tivera o Dr. Moreira Júnior no seu empreendimento dois colaboradores igualmente ilustres: o almirante Ernesto de Vasconcelos e Lourenço Caiola. A eles se deve ter podido continuar a subsistir a nova escola. Pela força da sua orgânica, era seu director o presidente da Sociedade de Geografia, e, assim, foi possível assistir ao espectáculo curioso de pessoas das mais diversas tendências políticas manterem, nesse capítulo, a mesma unidade de pensamento, procurando melhorar o ensino e aumentar a categoria cientifica da escola.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com os Governos da Revolução Nacional o assunto é tratado com o maior interesse, e especialmente por João Belo, espírito brilhante, dotado de vastos conhecimentos em matéria colonial e lúcida inteligência, e com a especial autoridade para se ocupar do um problema tão essencial à nossa administração: criar bons servidores.
Instalada em edifício próprio pelo Ministro das Colónias, Dr. Armindo Monteiro, a Escola Superior Colonial tem vindo a afirmar os seus méritos, ao passo que aumenta a frequência dos seus alunos.
Pareceu-mo, portanto, que não era descabida nesta Assembleia referência a este estabelecimento de ensino, que acaba de festejar o seu quadragésimo aniversário. Necessita, sem dúvida, do maiores possibilidades de trabalho, meios para ampliar a investigação científica a que se vota o sou corpo docente, e que já conta larga bibliografia, atenção e cuidados especiais do Governo. Tudo quanto se fizer neste sentido estará dentro de um espirito de continuidade da política iniciada por um grande Rei, ao qual a História fará um dia inteira justiça, política que só mantém ainda hoje como moderna na sua concepção básica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Certamente haverá nesta Assembleia pessoas muito mais autorizadas e competentes para versar o tema do ensino colonial sob todas as suas modalidades. Pretendi apenas, Sr. Presidente, animado, é certo, por sentimentos do piedade filial - não posso esquecer que meu pai foi doze anos director da Escola Superior Colonial, em comissão gratuita de serviço -, mas sobretudo por um sentimento de veneração por figuras ilustres do nosso passado político de nação colonizadora, usar da palavra relembrando uma data que, no seu simbolismo, parece traduzir, em linguagem moderna, as eloquentes missões de espiritualidade que caracterizam a nossa expansão além-mar.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bom!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai continuar a discussão na generalidade da proposta de lei sobre organização hospitalar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: há muitos anos, ainda eu não sonhava sequer ser Deputado, li uma vez uma história que se referia ao Parlamento francês. Um deputado novo, tomando assento na Câmara dos Deputados da França, encontrou em dado momento energia e coragem necessárias para pedir a palavra. Mas, como os deputados eram em número de 600, passaram muitos dias sem que a sua vez chegasse. Quando esse momento terrível surgiu, o nosso estreante, tendo perdido aquela energia impulsionadora, vendo o olhar severo, por vezes irónico, das «velhas barbas», conseguiu num último arranco a seguinte frase: «Sr. Presidente: ou pedi a palavra para afirmar a V. Ex.ª que nunca mais faço semelhante coisa».
Ora eu, Sr. Presidente, já há tantos dias que pedi a palavra que não digo que esteja no estado de intimidação do estreante a que me refiro, pois não há nesta Assembleia, e nunca houve, as «velhas barbas», não há severos olhares nem olhares irónicos: mas tenho a impressão de que perdi um pouco daquele impulso que me levou a pedir a palavra. E então peço a benevolência de V. Ex.ªs para as simples considerações que vou fazer sobre o assunto em debate, que, depois de ter trazido aqui tantos especialistas o quase todos os membros da nossa Comissão de Assistência, perdeu um pouco do seu interesse.
Mais um problema que o nosso Governo acaba de chamar a si para resolver.
Quando, em 1926, surgiu esta Situação, mercê de uma péssima política e das péssimas finanças e consequente má administração, quase todos os problemas neste País estavam por resolver.
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A actual Situação tem vindo a pouco e pouco resolvendo cada um desses problemas, pois que não é possível - de tal magnitude eles são - resolvê-los de um jacto e em conjunto. Tendo já abordado e resolvido tantos problemas que seguem o seu curso, o Governo trás-nos, através desta proposta, a solução de um dos de maior magnitude, que bem precisava de ser resolvido e que estava no espírito de todos nós, mas que necessitava indispensàvelmente de todos os meios para ser solucionado.
Não há, pois, que hesitar em dar o nosso louvor a esta proposta e aprová-la na generalidade. Mas, sem dúvida, Sr. Presidente, em problemas de tão delicada e tão vasta magnitude há sempre muitas coisas a dizer, e entendo que cada um que conheça este assunto sob determinadas facetas não deve deixar de trazer aqui as suas considerações, porque porventura delas pode resultar alguma utilidade.
Vamos, mercê desta proposta, ter construções hospitalares. Nós, que sabemos o espirito prático, a eficiência, a verdade e a seriedade com que estes assuntos são postos pelo Governo, não temos dúvida de que este problema vai ser resolvido. Simplesmente, Sr. Presidente e Sr s. Deputados, não basta que tenhamos hospitais. É indispensável que funcionem eficientemente.
Suponho que não há dúvida no nosso espirito, pelo que eu vi no parecer da Câmara Corporativa e através das emendas apresentadas pela nossa Comissão, de que a base da solução deste assunto está na administração.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: administrar não é só estar presente; administrar é procurar por todos os meios que o serviço que está confiado a essa administração melhore a cada momento e atinja a sua mais alta eficiência.
Diz a Câmara Corporativa que a média de estágio dos doentes nos hospitais estrangeiros é de quinze dias e que nos nossos hospitais é de trinta dias. Devemos concluir que há aqui, evidentemente, um vicio de administração.
E quando, em todos os momentos, nós ouvimos afirmar que o número de camas existentes nos hospitais não é suficiente, pensamos, com razão, que isso é devido a uma administração defeituosa, o que é extremamente grave...
O Sr. Moura Relvas: - Pode ser uma organização deficiente.
O Orador: - Se V. Ex.ª me diz que pode ser uma organização deficiente, posso afirmar a V. Ex.ª que essa má organização provém, evidentemente, de uma administração pouco cuidadosa, que tinha tido obrigação de a tempo e horas propor os remédios suficientes para se suprirem as deficiências ou alcançá-los.
O Sr. Moura Relvas: - Muitas vezes não pode.
O Orador: - Se temos a certeza de que há poucas camas, de que os doentes permanecem nelas mais do que o tempo necessário, é implícito que há um mau acto de administração.
V. Ex.ªs podem dizer-me: que sabe o senhor disso? O senhor não é médico, nunca esteve hospitalizado... Respondo: sei pela simples razão de que tenho pago, como presidente que sou de uma câmara municipal.
O Sr. Sacadura Botte: - V. Ex.ª dá-me licença, para um esclarecimento? V. Ex.ª sabe que essas demoras de hospitalização, sobretudo neste último período da guerra a que se referem as estatísticas, foram devidas à falta de exames laboratoriais, à falta de chapas fotográficas, de maneira que certos doentes chegavam a estar oito, dez e quinze dias sem serem radiografados? As estatísticas dizem respeito a este período da guerra, em que houve
deficiências de toda a natureza, em que houve falta de tudo.
O Orador: - Mas isso não quer dizer que essas deficiências não existissem já anteriormente.
O Sr. Moura Relvas: - Há também a ponderar o facto de ocuparem camas nos hospitais doentes crónicos incuráveis, que não deviam lá estar.
O Sr. Carlos Borges: - Mas que estão lá por caridade.
O Orador: - Desejo contar um facto que tem a sua graça.
A minha Câmara Municipal tinha um louco no hospital; esteve aí muitos anos. Um dia a Câmara Municipal recebeu, não direi a grata noticia, mas a não desagradável notícia, de que o pobre homem tinha morrido. «É menos um a gastar dinheiro v, pensou-se. Passaram-se anos, o já eu então estava na presidência da Câmara Municipal, quando se recebeu um ofício dizendo que o homem não tinha morrido e que a Câmara devia 17 contos.
Recusei-me terminantemente a pagar.
A Direcção Geral do Administração Política o Civil, para a qual recorreu a direcção dos Hospitais, mandou-me um oficio muito penhorante dizendo que, considerando isto e aquilo, não ficaria bem a uma câmara municipal negar o pagamento, e eu respondi simplesmente que também não me parecia ficar bem à direcção dos Hospitais ressuscitar um homem que tinha morrido há muito tempo.
Risos.
Vou agora ocupar-me do outro assunto muito grave: nós podemos de facto construir hospitais, podemos dotá-los com toda a aparelhagem e com toda a técnica no sentido de a assistência ser eficiente, mas surge este grave problema: quem é que paga a estadia desses doentes?
Se não tivermos resolvido esto problema, o resultado desta lei não será tão bom como nós desejaríamos.
O Sr. Dr. Moura Relvas disse aqui que as dívidas das câmaras municipais já subiam a 20:000 contos.
Ora, se as câmaras municipais continuam com os mesmos recursos o se a situação financeira é a que todos nós conhecemos, e se cada vez mais o nosso povo, mais educado, recorre aos Hospitais Civis, como é que as coisas se vão passar neste capítulo de assistência?
Haverá câmaras municipais que não poderão pagar as suas dividas, e então a acção dos Hospitais Civis vai, com certeza, limitar-se muito.
Assim, só os felizes que chegarem em primeiro lugar poderão ser assistidos.
Aos outros não sei o remédio que se lhes há-de dar.
Compreendo muito bem a gravidade deste caso, e, se nós não o resolvermos, a assistência nunca poderá ser aquilo que deveria e precisaria sor.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?. ..
Fui provedor de um hospital durante alguns anos. Não me importo nada que me aconteça, em face desta declaração, ser amanhã declarado como tendo infringido a lei. Pois bem: para doentes relativamente aos quais os médicos declarassem que havia urgência no internamento, havia de haver verba.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª fala como um director de hospital.
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O Sr. Carlos Borges: - O Sr. Deputado Mário de Figueiredo diz aquilo que eu também posso dizer. O hospital de que fui provedor nunca deixou de abrir as portas a um doente urgente.
O Orador: - Uma vez que o assunto interessa a V. Ex.ªs, vou dizer mais alguma coisa. É que a posição do presidente da câmara é diferente da posição do provedor da Misericórdia. O presidente da câmara tem a responsabilidade dos dinheiros, tem o sen orçamento, tem uma coisa que não se sabe bem o que é: é uma verba que desaparece e que é retirada pela repartição de finanças ou pela tesouraria da Fazenda Pública para pagamento de dívida aos hospitais.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A Misericórdia está precisamente no mesmo caso.
O Orador: - Nós cada vez que mandamos um doente para o hospital não sabemos bem como havemos de solucionar o problema.
Devo ainda dizer a V. Ex.ªs que uma inspecção, que passou ultimamente pelo meu concelho, à administração da Câmara Municipal, teve a petulância de afirmar no seu relatório que era tempo de se ir abatendo a dívida aos Hospitais Civis, quando precisamente no meu concelho essa dívida tom sido diminuída, pois tenho arranjado outros recursos e tenho mandado os meus doentes para o hospital da Misericórdia, pagando; mesmo assim não me pude furtar a essa censura.
Poucas vezes como neste momento se tem diminuído a dívida para com os Hospitais Civis.
Fica pois aqui afirmado que, sem a solução deste problema - do pagamento pelas câmaras municipais ou por alguém que se responsabilize pelas despesas inerentes ao internamento dos doentes que vêm dos respectivos concelhos para as cidades, o assunto não ficará resolvido inteiramente.
Devo dizer que impressiona o facto de todos os pobres da cidade de Lisboa poderem ser hospitalizados absolutamente de graça e que nem um único dos outros concelhos o possa ser.
Postas estas considerações genéricas, vou passar a analisar as emendas que foram propostas pela nossa Comissão, porventura algumas pela Câmara Corporativa, para dizer a V. Ex.ª o que penso sobre elas.
A primeira coisa a que não posso dar a minha aprovação é ao estabelecimento de 1.ª e 2.ª classes dos hospitais sub-regionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Digo isto porque não acho suficiente o critério das camas. Um hospital pode ter muitas camas e não ter doentes, e também pode não ter os serviços indispensáveis e convenientemente montados. Se através desta classificação se pretende dar a subvenção, seria melhor dá-la em razão do movimento do hospital.
O Sr. Carlos Borges: - O número de camas tem de ser calculado tendo como base a afluência de doentes ao hospital.
O Orador: - Não vejo necessidade, para dar subvenção, de se estabelecer o critério que me parece ter orientado a disposição.
Tal distinção pode até trazer um certo melindre.
Na base IV há uma referência que diz que o n.° 3.° se refere à possibilidade de se criarem outras regiões, além das de capitais de distrito, dispondo para isso do mínimo de 200 camas.
Tenho uma estatística que me diz que em qualquer país esse número do 200 camas não é atingido. Por esta estatística, nos hospitais da América, Alemanha e Dinamarca, etc., essa média não é atingida.
O número mais elevado é de 177, na Hungria. De resto, são normais os números de 77, 92 e até 41 para a Finlândia.
Não há portanto razão para estabelecermos esse número de 200 camas, e também me parece que é inconveniente pôr quaisquer dificuldades, visto que pode haver em determinadas circunstâncias um benemérito que queira construir um hospital em região determinada, e não se deve impedir, por mero sentimento, digamos, de inveja, que essa realização se possa fazer.
Depois vem um caso que tem sido muito discutido e que está traduzido aqui no § único da base v do parecer da Câmara Corporativa, que diz:
Em casos excepcionais poderá determinar-se em regulamento que certa freguesia ou freguesias sejam incluídas em sub-região diferente da do concelho a que pertencem.
O nosso País é um país em que se levantam as grandes questões sobre pequenas coisas.
Parece que, quando se trata de assistência hospitalar, o que interessa acima de tudo é a comodidade dos doentes, isto é, que eles possam chegar o mais comodamente possível ao hospital mais próximo.
Mas, para evitar susceptibilidades, V. Ex.ªs foram para a divisão distrital, confundiram a região com o distrito, e eu acho que fizeram bem; simplesmente, se podemos admitir que num concelho ou noutro haja a vantagem de transferir para outro uma ou outra freguesia, eu não posso conceber que essa vantagem não possa ser extensiva a um ou outro concelho.
Cito um exemplo que, por estar aqui ao pé da porta, é facilmente compreensivo.
Ninguém convencerá os doentes da zona ribeirinha em frente de Lisboa a irem para o hospital de Setúbal em lugar de virem para os de Lisboa, para onde têm um transporte frequente e fácil e onde, além da atracção dos grandes mestres, que, evidentemente, estão em Lisboa, há ainda todos os meios para melhor poderem tratar das suas doenças.
E isto que sucede aqui pode suceder em outros concelhos que por qualquer razão estejam deficientemente ligados com as sedes do seu distrito. Parece, pois, haver necessidade de alterar esta disposição, acrescentando, além de freguesias, a palavra «concelho».
Sr. Presidente: a base IX representa uma duplicação da base XV; por isso suponho que para simplificar se deve suprimir a base XV.
Na base XIX do parecer da Câmara Corporativa foi acrescentado um § único, onde se diz que tem qualquer dos casos, incumbo ao Estado assegurar os meios necessários para que os hospitais regionais funcionem com plena eficiência».
A intenção é das melhores, mas esta afirmação está em contradição com o que se diz no corpo da base.
Se isto ficasse na lei, ninguém mais procuraria obter meios para os seus próprios hospitais, porque aguardaria que o Estado cobrisse todas as despesas.
Quanto à base XX tenho apenas que fazer umas ligeiras observações. A proposta de lei indicava para a execução desta lei o prazo de dez anos e V. Ex.ª na emenda que apresentaram estabelecem esse prazo de dez anos como máximo.
O Sr. França Vigon: - V. Ex.ª emprega as palavras «V. Ex.ªs» e parece-me que se refere à Comissão, quando afinal está a tratar de um acrescentamento proposto pela Câmara Corporativa.
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O Orador: - Nas minhas primeiras palavras disso que ia fazer referências a uma e outra, e não vale a pena, portanto, estar constantemente a estabelecer a destrinça, porque isso leva tempo e não terá importância de maior.
O que quero dizer é que, como V. Ex.ª têm podido verificar, os prazos estabelecidos pelo Governo para as diferentes obras que tem mandado fazer quase sempre são largamente excedidos.
Nós temos visto no orçamento do Estado verbas que permanecem anos e anos sem que essas obras consigam sequer ser principiadas.
Ora, se o Estado puder executar tudo isto no prazo de dez anos, é claro que será uma lança metida em África.
Não é por falta do dinheiro, mas 6 que num meio pequeno como é o do nosso País, de recursos escassos, o que falta geralmente são os meios materiais, a mão do obra e outros.
O facto de lermos aqui o prazo máximo de dez anos não vai remover estas dificuldades e fica uma afirmação que poderá não ser cumprida, sem vantagem de espécie alguma, visto quo o desejo do Governo é de, se for possível, cumprir a sua determinação e construir os hospitais escolares no prazo do dez anos.
Há também aqui duas palavras que não fazem muito sentido. Diz-se a beneficiar desde já da comparticipação do Estado pelo Fundo de Desemprego». Não compreendo esta expressão «desde já». Se a obra é para ser comparticipada polo Fundo de Desemprego, é claro que é desde já. Trata-se de uma questão de palavra, e certamente que a ilustre Comissão de Redacção atenderá a este pormenor.
O aumento até 75 por cento tom um precedente, é certo, e parece-me que isso é suficiente para o desculpar, mas desde que o fundo é um, e não se podo alargar, se há muito quem concorra a estas obras e se alargarmos a percentagem para 75 por cento, pode ser que suceda que, de facto, uns sejam beneficiados, porque apareçam primeiro, e outros sejam prejudicados, porque vêm depois, e a verba, estando já esgotada, não chegará para todos.
Mas como aqui está até 75 por cento, o caso não merece grande discussão.
Chegámos, meus senhores, à base XXIII. Quanto a esta base, peço licença a V. Ex.ª para ler o artigo 92.° da Constituição:
As leis votadas pela Assembleia Nacional devem restringir-se à aprovação das bases gorais dos regimes jurídicos.
O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª pode responder-me a uma pergunta?... Não estará V. Ex.ª a discutir a proposta na especialidade?
O Orador: - Não, senhor; eu estou a pôr os meus pontos do vista, que dizem respeito a toda a proposta. Hás se V. Ex.ªs assim o não entendem, passam pelo desgosto de ter de subir a esta tribuna para discutir a base XXIII.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?. ..
Pôr o problema do sabor só uma base está ou não no elenco geral da proposta é pôr um problema de generalidade, não é pôr um problema de especialidade.
O Orador: - Eu penso como V. Ex.ª É que esta base XXIII parece-me nitidamente do natureza regulamentar, visto que se entra aqui em excessivo pormenor.
Há anteriormente uma outra base que estabelece também uma comissão.
Mas essa base é absolutamente indispensável para a execução desta lei.
Desce-se de tal forma ao pormenor, que até se fala nela na questão de reforma, do provimento dos lugares quo se estabelecem, ato do número de membros que hão-de dar representação às diferentes entidades que a compõem.
Parece-mo que, quando o Governo precisar de uma comissão deste género, a primeira entidade a que deve dirigir-se é a Câmara Corporativa, como aliás já tem feito várias vezes.
A Câmara Corporativa é a câmara técnica, onde estão representados todos os sectores da vida nacional e à qual o Governo, quando se sentir com necessidade de esclarecimentos, se pode dirigir. De rosto, nós ainda ontem ouvimos aqui dizer qual a influência de uma determinada comissão na resolução de um problema urgente, o que apenas tem actuado no impedimento da solução necessária.
Há ainda um outro aspecto que me parece de considerar. É que, quando se desce a todas estas minudências e se pretendo impor ao Governo uma comissão para estudar tudo quanto ele deve depois fazer, se poderia deixar antever uma tal ou qual desconfiança que não está no espirito do nenhum dos proponentes.
Aqui têm V. Ex.ªs a razão por que não estou de acordo com a base XXIII. Se for possível dar-lhe outra redacção que impeça os inconvenientes apontados, poderei porventura reconsiderar; por enquanto, assim como está, vejo-me na necessidade de manifestar o meu desacordo.
E, porque já excedi em muito o tempo que tinha pensado tornar-lhes, termino as minhas considerações por pedir desculpa a V. Ex.ªs do meu abuso e em especial ao Sr. Dr. Carlos Borges, por ter em sua opinião infringido o Regimento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: vai já dilatada a discussão, na generalidade, da proposta de lei da organização hospitalar. Com o douto parecer da Câmara Corporativa, de que foi relator um dos mais ilustres e mais respeitados mestres da medicina portuguesa, e com os discursos brilhantes dos oradores que me precederam, e entro os quais se encontram todos ou quase todos os médicos que nesta Câmara têm assento, o assunto pode considerar-se quase completamente esgotado.
No entanto, também quis subir a esta tribuna para, como Deputado e como português, mostrar publicamente o meu regozijo por ver - sem imagem literária - mais um marco miliário a atestar, na História-Pátria, a marcha vitoriosa e gloriosa da Revolução Nacional.
Está dito e escrito que a proposta de lei em discussão envolvo um dos mais urgentes o angustiosos problemas da saúde individual e pública e que com ela vai terminar um dos maiores males que afectam a saúde e a vida dos portugueses.
O nosso distinto colega Sr. Dr. Santos Bessa, pediatra ilustre, para vincar bom no nosso espírito a importância desta proposta, nomeadamente no que respeita à profilaxia e tratamento das doenças das crianças, afirmou:
«Quanto maior for o número de crianças nascidas em Portugal, quanto menor influência exercerem sobre elas os factores geradores da doença o da morte, quanto mais robustas e sadias forem crescendo, tanto maior será a riqueza do País.
A criança é um factor económico do alto valor - é ouro precioso que conta na vida económica da Nação».
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Concordo inteiramente, mas, por mim, algo que é outro o estalão por que deve aferir-se o valor da vida humana.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Devemos defender o homem e a sua vida porque foi criado por Deus à sua imagem e semelhança e está animado de influxo divino.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Concordo inteiramente; mas isso não está excluído das palavras do Sr. Dr. Santos Bessa.
O Orador: - Pois não; e eu também comecei por dizer que concordava com o Sr. Dr. Santos Bessa; simplesmente, acho que o ouro ó um estalão absolutamente secundário para medir o valor da vida humana.
Devemos defender o homem e a sua vida porque é o nosso próximo, a quem devemos amar como a nós mesmos.
Devemos defender o homem e a sua vida porque é uma pessoa humana, porque é quod perfectissimum in totta natura, na definição sempre actual da filosofia tomista.
Se, como está dito e redito, a moral cristã exerce poderosa influência no regime político em que vivemos, V. Ex.ªs hão-de achar natural que eu analise os fundamentos das soluções dos grandes problemas nacionais à luz dos princípios que dessa moral dimanam. O maior ou menor punhado de ouro que se perde ou se ganha, embora seja um factor importante, é, quanto a mim - e como já frisei -, absolutamente secundário.
Sobre a proposta usaram já da palavra muitos médicos e na discussão muito se tem falado de médicos.
O nosso ilustre colega Sr. Dr. Moura Relvas falou aqui dos abnegados, dos que exercem sacerdócio e dos que sofrem martírio, mas só desses falou.
Estou inteiramente ao seu lado na exaltação justa e comovida dos médicos que reúnem tão altos predicados.
Eu também conheço os mutilados por amor à Ciência e à Humanidade.
Eu também sei que houve médicos que perderam a vida contagiados por doentes que abnegadamente trataram.
Eu também sei que há médicos que com justiça merecem o título de beneméritos da Humanidade, almas de eleição que, elevando-se, elevaram o Mundo.
Eu também conheço os que trabalham exaustivamente por avenças ridículas.
Eu também conheço médicos que, nos nossos meios rurais, vão, debaixo de sóis ardentes ou sob invernias bravas, aliviar a dor dos que sofrem, muitas vezes sem outra recompensa além do dever cumprido.
Mas todos se poderão medir por esta craveira? Infelizmente não.
E os plutocratas da medicina, que da ciência apenas fazem balcão de negócio?
O Sr. Moura Relvas: - Infelizmente há de tudo isso!
O Orador: - E os charlatães, perdão, aqueles a quem outros médicos chamam charlatães? E os que malsinam certos grandes cirurgiões, acusando-os de fazerem concorrência desleal e de relaxarem os preços, apenas porque eles, numa atitude humana e caritativa, graduam os seus honorários conforme as posses dos doentes, levando pouco àqueles que têm pouco e não levando nada aos que nada possuem?
O Sr. Marques de Carvalho: - Há de tudo, como em todas as classes...
O Orador: - E os que zombam da maior de todas as virtudes cristãs - a caridade - porque a não praticam e tudo confiam à filantropia, sentimento que não é aquecido pelo calor das almas?
E os néscios que proclamam a inexistência da alma porque, ao retalharem os cadáveres, nunca a encontraram na ponta do bisturi?
E os soberbos intelectuais que, possessos de furor jacobino, preconizam a necessidade do aniquilamento do que eles chamam o obscurantismo religioso, como se fossem senhores absolutos dos mistérios da vida e da morte?
O Sr. Moura Relvas: - Essa categoria de gente há em todas as classes.
O Orador: - Mas V. Ex.ª só falou dos abnegados, dos sacerdotes e dos mártires.
E os hipercríticos do Estado Novo, que querem fazê-lo sentar à fina força no banco dos réus por ele não ter realizado, de um momento para o outro, toda a vasta obra de assistência social, eles, que emparceiram com os que, em dezasseis anos de demagogia, nada fizeram nesta matéria e que conduziram o País à última degradação?
Todos estes constituem excepções na classe médica?
Firmemente o creio e convictamente o declaro nesta tribuna; mas dos malefícios dessa minoria, insignificante mas actuante, nós temos a obrigação indeclinável de defender o País.
O Sr. Dr. Moura Relvas - e foi este o principal motivo por que eu subi a esta tribuna - afirmou aqui que as Casas do Povo pensaram na criação de lugares de facultativos privativos, isto às vezes com prejuízo dos médicos municipais, atirando-se assim com alguns médicos municipais para uma proletarização.
A verdade é que todas as Casas do Povo do País prestam assistência clínica aos seus sócios efectivos. É a primeira coisa que fazem apenas se constituem, pois que a assistência clinica representa uma necessidade imediata.
Nos termos do regulamento respectivo, as Casas do Povo podem contratar com as câmaras municipais ou com as Misericórdias a concessão de assistência clínica, podem contratar vários médicos, regulando-se, neste caso, a remuneração dos clínicos por pontuação numa escala estabelecida, ou podem contratar médicos privativos.
As Casas do Povo têm obrigação, necessidade absoluta, de prestar assistência clínica aos seus sócios efectivos porque, muitas vezes, a assistência médica prestada pêlos facultativos municipais é pouco menos do que teórica.
Eu não quero generalizar, porque a generalização é muitas vezes um processo de tirar conclusões erradas, mas posso afirmar que em muitos concelhos os médicos municipais se distinguem dos outros apenas por receberem 600$ ou 700$ dos cofres municipais.
Concelhos há em que prestam mais assistência aos pobres os clínicos que não percebem ordenado da câmara do que aqueles que são médicos municipais.
Eu conheço-os.
Ora a assistência médica prestada pelas Casas do Povo é efectiva porque é devidamente fiscalizada. É natural que com estas nomeações se vão afectar os interesses dos facultativos municipais, mas a verdade é que com elas se consegue colocação a médicos que a não tinham.
O Sr. Manuel Lourinho: - Mas por isso o médico não deixa de ser explorado, porquanto é insignificante a verba que as Casas do Povo atribuem aos médicos que lhes prestam serviço, e ainda permitem que muitos sócios das referidas Casas que não tinham direito a assistência se sirvam do médico e o explorem.
O Orador: - A média da remuneração destinada aos facultativos das Casas do Povo anda à volta de 40 e 50 por cento das receitas ordinárias; há casos em que essa
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percentagem vai até 80 por cento. Não se pode ir mais além.
Além disso, a assistência médica das Casas do Povo destina-se apenas aos sócios efectivos. Os ricos que paguem.
O Sr. Albano de Magalhães: - Um médico das Casas do Povo ganha por prestar serviços simplesmente numa freguesia cerca de 500$, enquanto um médico municipal, por prestar assistência aos doentes de várias freguesias, pouco mais ganha. A eficiência dos médicos das Casas do Povo é muito maior.
O Orador: - É evidente. Isso só prova que as Casas do Povo pagam melhor do que as câmaras municipais. Daí ser a sua acção meritória tanto para os doentes como para os próprios médicos que contratam. Servem-se, pois, os interesses da classe médica e os interesses das populações, e é indiscutível que os interesses da classe médica e os interesses dos sócios efectivos das Casas do Povo estão acima dos interesses dos facultativos municipais.
Vou mais longe. Quando todos os concelhos do País estiverem cobertos por Casas do Povo, os lugares de facultativos municipais tenderão a desaparecer.
O Sr. Moura Relvas: - Podem prejudicar-se interesses legítimos de médicos municipais, e é isso que eu desejo pôr em evidência. A classe médica, por esse sistema, proletariza-se.
O Orador: - Eu pergunto a V. Ex.ª se é bom ou é mau que o médico aceite 500$ da Casa do Povo?!
O Sr. Moura Relvas: - Como ele não andou a estudar para cavador...
O Sr. Presidente: - Considero o assunto suficientemente esclarecido.
O Orador: - Também aqui foi dito pelo Sr. Dr. Moura Relvas que as federações, institutos, juntas e sindicatos deviam dispor de verbas para a hospitalização dos seus sócios.
Quanto aos grémios, posso dizer a V. Ex.ª que muitos dão um contributo substancial para as caixas de previdência. Quanto a sindicatos e Casas do Povo, eles não dispõem de meios materiais para poderem custear a despesa proveniente da hospitalização dos seus sócios e as caixas sindicais têm possibilidades muito fracas.
O Sr. Dr. Alberto Cruz disse que a Caixa de Previdência dos Profissionais da Indústria Têxtil era rica, que tinha 70:000 contos. Eu sei que ela tem, de facto, não 70:000, mas 60:000 contos, e que é muito pobre, porque tem 68:000 beneficiários. Há uma certa diferença em ter muito dinheiro e ser rico. Diz o povo que aquém tem muitos filhos é pobre», e, neste caso, mais uma vez se verifica que tem razão.
O Sr. Moura Relvas: - V. Ex.ª dá-me licença?...
Quando pus o problema da solução financeira da hospitalização dos doentes pobres pensei que havia várias organizações, todas do Estado Corporativo, para auxiliar as câmaras nessa despesa que elas não suportavam.
Eu tenho em meu poder documentação americana muito recente, de 1945, em referência à situação dos doentes que vivem exclusivamente do seu trabalho.
A pergunta que hoje o trabalhador americano faz quando adoece é aquela que fará amanhã o nosso trabalhador também.
Antigamente o doente perguntava: onde é que eu me vou tratar? Realizada a organização hospitalar o doente não se importará de ir para o hospital ou de ser tratado em casa, mas perguntará naturalmente: o que sucederá à minha família no caso de eu não poder ganhar o meu sustento?
O doente precisa de resolver esta incógnita, assim como a de saber a maneira como há-de pagar a sua medicação.
O meu pensamento resume-se no seguinte: o dinheiro que as Casas do Povo gastam com os seus médicos privativos poderia, sempre que houvesse ocasião de economizar esse dinheiro, servir para subsidiar o doente sob o ponto de vista de medicamentos.
O Orador: - Lá voltamos nós ao primeiro ponto. A Casa do Povo só poderia dispensar o médico na altura em que a assistência médica por parte dos facultativos municipais fosse efectiva, o que não sucede agora.
O Sr. Moura Relvas: - Não é sempre.
O Orador: - É muitas vezes, e isso me basta. O problema de o doente pensar quem valerá à família em caso de se ter impossibilitado de continuar a trabalhar será resolvido pelas caixas de previdência, que, como é sabido, concedem aos trabalhadores doentes um subsídio equivalente a dois terços do ordenado ou salário.
A carestia dos medicamentos é uma questão de capital importância, que é urgente resolver.
As caixas sindicais, sindicatos e Casas do Povo prestam* assistência médica aos seus filiados. Hás, por mais distintos e abnegados que sejam, os médicos não conseguem curar só pelo facto de auscultarem ou palparem os doentes e receitarem remédios indispensáveis à cura ou ao alívio da doença; e como a maior parte das vezes os doentes não podem comprá-los, por serem muito caros, segue-se que a assistência médica é quase sempre inoperante.
O Sr. Moura Relvas: - Então a minha questão está de pé.
O Orador: - No que respeita a assistência medicamentosa, está absolutamente de pé. E eu pergunto: não haverá possibilidade de baratear os produtos farmacêuticos ?
Deve haver uma razão forte para isso, mas eu não consigo compreender que, por exemplo, uma caixa de injecções de cálcio custe, em embalagem hospitalar, 10$, e nas farmácias custe três o quatro vezes mais.
Parece-me absolutamente necessário que a entidade competente autorize, com largueza, o fornecimento de medicamentos, em embalagens hospitalares, a todas essas instituições e organismos que têm como beneficiários indivíduos das classes menos favorecidas.
Sr. Presidente: queria referir-me a algumas das bases da proposta de lei em discussão. No entanto, como são muitas as alterações e na reunião da Comissão se apresentaram tantas sugestões, sou forçado a dizer que eu não sei bem já qual é o texto e então reservar-me-ei para na discussão na especialidade as apreciar.
Foi aqui afirmado que a melhoria da saúde da população portuguesa não seria realizável só por efeito da organização hospitalar e que a essa organização é necessário acrescentar a profilaxia das doenças e a elevação do nível de vida da população, com a extensão da previdência e elevação do salário.
Plenamente de acordo.
A Câmara não levará a mal que eu presto justiça à grande obra realizada pelo Subsecretariado de Estado das Corporações no sentido de elevar o nível de vida dos trabalhadores portugueses. Sinto-me à vontade para o fazer, pois só em parte mínima colaborei nessa obra.
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E agora V. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, hão-de permitir-me que eu dirija uma palavra de saudação a esse punhado de rapazes, meus camaradas de trabalho, que, animados de um grande sonho, dispondo do meios materiais do uma pobreza mais do que franciscana, têm dedicado a sua juventude a uma obra que há-de continuar e que há-de ficar.
Sr. Presidente: para terminar, quero afirmar que dou o meu inteiro o caloroso aplauso a esta proposta de lei, que será decisiva para a saúde e vida dos portugueses e que abrirá vastos horizontes a tantos jovens médicos quo estão a estiolar, por inaproveitamento dos seus serviços, que começam a descrer da sociedade em que vivem e - o que talvez seja pior - começam a descrer das suas próprias aptidões e possibilidades.
Com a lei em que vai converter-se a proposta gastar-se-á meio milhão do contos.
E faz-se isto num País quo durante cinco anos de guerra sofreu restrições de toda a ordem e teve de gastar somas enormes para ocorrer às necessidades do defesa do seu Império.
E faz-se isto num país que, há uns escassos dezoito anos, era um país falido e sem erudito.
E um milagre dos novos tempos; milagre que as espadas sem mácula dos tenentes do 28 do Maio condicionaram e o génio de Salazar vertebrou e consolidou.
Sejamos dignos desse milagre; não o deixemos perder.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bom, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mendes: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a oportunidade e as vantagens desta proposta, depois de tantos o tão brilhantes discursos, têm absolutamente, pelo que tenho visto, o aplauso desta Assembleia. E ainda bem.
Se venho aqui é porque vinte e cinco anos de vida intensa numa Misericórdia, como seu provedor, procurando desenvolver a sua acção o alargar os seus benefícios de maneira que todos os que necessitam possam encontrar o devido auxilio; colaborador dos congressos das Misericórdias, onde foram estudadas e discutidas as suas regalias o os seus esforços, que são a mais encantadora história de caridade de que um povo se pode orgulhar; seu Procurador à Câmara Corporativa na primeira sessão legislativa, e como tal num íntimo contacto com os anseios de que lhes fossem reconhecidos os seus direitos de autonomia e garantida a possibilidade de continuarem a sua obra inigualável de bem-fazer, mal ficaria com a minha consciência se não viesse a esta tribuna para dizer a V. Ex.ªs. Srs. Deputados, ao Governo e à Nação quo as Misericórdias continuam a ser o mais lídimo expoente da alma boa e generosa do povo português o sobretudo que elas reclamam, agora que vão ser dadas possibilidades de poderem resolver um dos principais fins da sua fundação, que a sua posição deve ser considerada e lhes devem ser dadas facilidades para poderem continuar a desempenhar essa acção tão benemérita.
O que representa no plano geral da assistência social esta proposta?
Em todos os sectores da vida pública, aquele onde a Revolução mais tarde entrou foi precisamente no sector da assistência.
Havia muita gente que era assistida, e não eram precisamente aqueles que o deveriam ser. Pois se até se chegou a proibir um congresso das Misericórdias depois de estar organizado!
O problema da assistência estava votado a um verdadeiro ostracismo, até que após uma intervenção, em aviso prévio, da Assembleia Nacional, segundo aqui só disse, foi criado o Subsecretariado da Assistência Social. O seu primeiro titular, o Sr. Dr. Joaquim Dinis da Fonseca, persistentemente, cautelosamente, foi preparando uma revolução salutar que tornou possível a radical transformação por quo tem passado este sector. Acção continuada pelo actual Subsecretário, Sr. Dr. Trigo de Negreiros, com o mesmo acrisolado carinho e boa vontade, sempre com o caloroso aplauso do Sr. Ministro do Interior.
O Estatuto da Assistência Social, publicado em Maio de 1944, depois de largamente discutido nesta Assembleia, veio definir princípios, tendo o decreto n.° 35:108, do Novembro passado, quo o regulamentou, reajustado a orgânica dos serviços e estabelecido planos de acção. E nós verificamos, ao ver neste decreto quais as atribuições da Direcção Geral de Saúde o da Direcção Geral da Assistência, que todos os princípios submetidos agora à nossa apreciação estão aí incluídos.
Nas modalidades do assistência à vida ameaçada ou diminuída, enunciadas na base XIV do Estatuto, devem integrar-se os hospitais, como rodas da mesma engrenagem, diz o relatório da proposta.
E se a engrenagem é a mesma, se entre as atribuições das Direcções Gerais de Saúde e da Assistência fàcilmente podemos encontrar os princípios estabelecidos nas bases da proposta em discussão, temos de concluir que é de grande relevo o significado que o Governo quis dar trazendo à Assembleia Nacional esta proposta, quando afinal já lhe tinha dado todas as possibilidades de a poder pôr em prática.
A proposta é, afinal, a realização de uma parte do plano estabelecido para a solução do magno problema da assistência social.
Mas dentro da organização hospitalar qual a finalidade da proposta?
Só o problema da construção, pois nela não estão previstos nem o da administração nem o da organização. Afirma-se que a proposta é insuficiente quanto a organização hospitalar. Se são três os problemas quo constituem a assistência hospitalar, como diz o brilhante parecer da Câmara Corporativa - construção, organização e administração -, e do exame à proposta claramente se conclui que só um dos três grandes problemas se procurou resolver - o da construção -, a sua eficácia não deve ser apreciada no plano de conjunto, mas só na parte que procura agora resolver.
Devemos ter a certeza de que o Governo, em continuação do plano estabelecido, há-de trazer a esta Assembleia os outros problemas, que completarão a organização hospitalar, como se deduz da parte final do relatório da proposta, ao referir-se à preparação técnica do respectivo pessoal.
No relatório do decreto n.° 35:108 diz-se: «Ao elaborá-lo teve-se em conta que a assistência social não deve limitar a sua acção a minorar ou a curar os sofrimentos provenientes da doença ou da miséria (assistência paliativa e curativa), pois lhe cumpre combater, na medida do possível, as suas próprias causas, através da luta contra os flagelos sociais (assistência preventiva) e da melhoria das condições de vida da população (assistência construtiva)».
E já em 1937, ao abrir a 10.a Conferência contra a Tuberculose, dizia o Sr. Presidente do Conselho:
«Socialmente o que mais importa não é que nos ensineis a curar o mal; será que nos ensinásseis a evitá-lo». Sr. Presidente: o Governo vai procurar resolver, com a proposta e com grande largueza, o problema da assistência curativa.
Muito se tem feito ultimamente a favor da assistência preventiva e da construtiva, mas muito mais há ainda a fazer, precisamente para que o mal se evite.
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O alcoolismo tem ainda boje uma protecção muito especial nas disposições regulamentares. As tabernas têm um horário de encerramento, do autêntico privilegio, que nem sequer as farmácias e concedido. E o nível de vida da maior parte do funcionalismo, do operário, nomeadamente do trabalhador rural, é a porta aberta para o mal terrível da tuberculose, que tantas vidas vai ceifando.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É de esperar que o Governo encare este problema, porque não há possibilidade de haver camas nos hospitais para todos os doentes quando se não procure resolver a assistência preventiva e construtiva.
Mas o facto de o Governo ter encarado desde já o problema da assistência curativa e a garantia de que os outros dois lhe vão merecer igualmente a mais decidida atenção, para que os três, em franca colaboração, tornem possível realizar assistência social.
E, Sr. Presidente, qual a função, qual a importância das Misericórdias no plano da organização hospitalar?
Diz o Estatuto da Assistência Social na sua base XVII: «As Misericórdias serão, quanto possível, o órgão coordenador e supletivo das finalidades previstas nas bases XII e XIV, e, nesse sentido, deverá encaminhar-se a reforma dos seus compromissos e respectivas actividades de assistência».
O decreto n.º 35:108 estabeleceu as bases para a reforma dos compromissos. A base XII trata da assistência a maternidade e a primeira infância; a base XIV das várias modalidades do assistência a vida ameaçada ou diminuída.
No relatório da proposta afirma-se que as instalações dos hospitais sub-regionais ficarão a cargo das Misericórdias; nada, porém, se diz quanto aos hospitais regionais. Mas a doutrina do Estatuto da Assistência diz-nos que, tanto quanto possível, esses hospitais deverão girar em torno das Misericórdias. Elas são já uma força em marcha, uma organização que deu as suas provas, e por isso não poderão ser esquecidas.
No parecer da Câmara Corporativa parece delinear-se uma ofensiva contra as Misericórdias. Eu não creio, Sr. Presidente, que os nomes ilustres que assinaram este parecer tivessem a intenção do criar as Misericórdias uma situação menos justa, menos nacional, direi mesmo, uma situação menos digna para o nosso País, que se orgulha da formidável soma de benefícios que ha quatro séculos as Misericórdias vêm espalhando em auxílio dos abandonados da fortuna.
Mas a verdade é que a redacção sibilina de dois períodos do parecer dá claramente a perceber que se procurou atingir a tradicional organização das nossas Santas Casas das Misericórdias...
Eu tenho a certeza, Sr. Presidente, de que não vingará qualquer ofensiva que nesse sentido se pretenda planear, porque as Santas Casas das Misericórdias hoje em toda a terra portuguesa têm um prestígio, têm um ambiente de simpatia, que não permitirá que esse assalto seja feito...
Diz ainda o parecer da Câmara Corporativa que as Misericórdias não têm meios para assegurar a assistência, mesmo precária, da área que servem.
Sr. Presidente: eu recordo que o riquíssimo património das nossas misericórdias, piedosamente amealhado por uma legião de benfeitores durante muitos anos, quando um dia o Estado se viu a braços com uma perigosa situação financeira, passou para este ao abrigo de espoliadoras leis de desamortização, então publicadas. Os bens das Misericórdias foram então desbaratados, foram leiloados e foram pasto da cobiça política.
Assim em 1913, por virtude das leis de desamortização, havia averbados como pertencentes às Misericórdias cerca de 33:000 contos.
Era um rico património, reduzido porém a uma miséria, porque o juro de 2 1/2 por cento desta quantia nenhuma garantia dá à vida das Misericórdias.
Salazar, no relatório do decreto n.º 23:865, de Maio de 1934, dizia: «Os prejuízos causados pelas leis de desamortização têm uma nota saliente de injustiça e de maléfica repercussão social e o Governo vai no caminho das reparações até onde as circunstâncias lho permitem».
Já lá vão quinze anos e as circunstâncias ainda não permitiram ao Governo, infelizmente, que o maléfico prejuízo causado pelo Estado fosse reparado pelo mesmo Estado. Mas, enfim, há os subsídios de compensação e vai haver os subsídios de cooperação, a que se refere uma das bases da proposta, que, aumentando na proporção da acção assistencial das Misericórdias, certamente procurarão compensá-las daquilo em que foram desfalcadas, e que lhes irá permitir continuar a sua missão benemérita.
Mas é um autêntico milagre como as Misericórdias têm conseguido manter a rede extraordinária de tantos benefícios, depois de terem sido desfalcadas dos seus rendimentos.
A sua acção assistencial é uma epopeia de encanto, uma página de glória.
Quando em 1937 as representei na Câmara Corporativa fiz um ligeiro inquérito e verifiquei que elas tinham tratado nesse ano de 41:851 doentes e feito 792:506 curativos, além de outras modalidades de assistência.
Estes números têm aumentado extraordinariamente.
As Misericórdias são ricas da generosidade dos seus benfeitores. Sobretudo quando vivem e mantêm as tradições tão cristãs que foram a razão de ser da sua fundação, não lhes faltam os donativos particulares livremente oferecidos ou nobremente mendigados.
Todas as semanas noticiam os jornais a realização dessas manifestações de encanto, que são os cortejos de oferecidas, que o nosso povo, entre música e galas, passa a cantar, levando para os hospitais carros e carros de generoso carinho com tudo o que arranca as suas economias para conseguir que as suas Misericórdias possam continuar a missão tão santa como portuguesa. E ha ainda, Sr. Presidente, quem queira diminuir o significado dos cortejos de oferendas, somente porque eles são, no fundo, o expoente de caridade, essa excelsa virtude que manda amar o próximo como a nós mesmos. Mas fazem-no com sentido reservado, porque sabem bem que o horror a pobreza é o caminho mais próximo para o ódio à riqueza. Mas nada conseguirão, porque na alma do nosso povo esta profundamente arreigado o sentimento de caridade.
Muito se tem falado sobre médicos, e eu quero tambem trazer a esta Assembleia o meu depoimento.
Para a acção assistencial das Misericórdias muito tem contribuído o seu esforço desinteressado e até sacrificado.
É com justiça que lhes presto esta homenagem, porque tenho vivido e sentido a sua vida de abnegado apostolado.
Pode haver alguma excepção, mas isso afinal só confirma a regra.
Com a sua técnica, persistente trabalho e carinhosa assiduidade, em ínfima e leal colaboração com a Mesa administrativa, é fácil e é garantido o bom rendimento de um hospital.
E permita-me também, Sr. Presidente, que eu frise um outro problema de que tanto se tem falado aqui - o da enfermagem, que a maior parte das Misericórdias tem resolvido, com as mais salutares vantagens, com as enfermeiras religiosas. Sempre prontas e pacientes por mais variados que sejam os casos ou os auxílios a prestar aos médicos; alegres e prazenteiras para todos os feitios; tantas vezes sem o indispensável repouso e até, quantas vezes, sem comodidades, por terem cedido a sua própria cama, como último recurso, a um doente de urgência,
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no doente vêem um irmão, a quem sentem o dever do dar todo o carinho; o ideal, vivido no sacrifício incruento da Cruz,
levou-as a tudo deixar, para só se dedicarem e nada exigirem.
Nas suas enfermarias há aquele nascer do sol, de esperança e alegria de que com tanto encanto nos falou o ilustro Deputado Bustorft da Silva, mas esperança e alegria que e permanente e sempre viva.
Depois, a vida administrativa, com esta dedicação o isenção, torna-se mais fácil e produtiva.
Não devo, porém, deixar de reconhecer que na enfermagem civil não haja dedicação, carinho e boa vontade. A finalidade, o ideal entre as duas, é, porém, muito diferente.
For isso me merece todo o aplauso a proposta da Sr.ª D. Maria Luísa van Zeller para que as escolas particulares de enfermagem sejam subsidiadas pelo Governo.
E as Misericórdias podem, na verdade, prestar os serviços que lhes estão marcados na proposta de organização hospitalar?
Têm-no feito até hoje com vantagem. Precisarão alguns hospitais do ser melhorados ou ampliados, mas poderão facilmente consegui-lo com os 75 por cento de comparticipação, como propõe a Câmara Corporativa e com a boa vontade e seguro auxílio do Subsecretariado da Assistência.
Fala-se no parecer da Câmara Corporativa em estudos preparatórios da rede dos hospitais sub-regionais, a realizar como segunda fase do piano de a55isteneia hospitalar. Foi com alegria que a um dos ilustres Deputados da nossa Comissão Permanente ouvi dizer que com ela não concordavam. Esse estudo esta feito pelo Subsecretariado da Assistência. E para que ficavam os hospitais sub-regionais a espera dos dez anos previstos para a construção dos regionais, só nem sequer a verba a despender é a mesma?
Esquece o parecer que os pequenos centros populacionais tem direito também a ser respeitados o atendidos.
O parecer da Câmara Corporativa divide os hospitais sub-regionais em duas classes. A necessidade, a vantagem e as regalias dessa divisão não as aponta. Não as encontro, nem as reconheço, e estou certo de que, a manter-se, as dificuldades e complicações acarretara de futuro.
A abnegada dedicação de tantos cirurgiões ilustres que tem ido operar aos hospitais sub-regionais nunca foi, nem poderá ser, uma situações condenável, como diz a Câmara Corporativa. A experiência mostra precisamente o contrario. E o pós-operatório não ser seguido pelo cirurgião não acarreta delicadeza, nem gravidade, porque os médicos desses hospitais são ajudantes e a55istentos dedicados e competentes, pois nem de outra forma se pode compreender que organizassem e mantive55em as enfermarias de cirurgia.
Não só alcança a finalidade com que se pretende diminuir o dedicado esforço que tem sido desenvolvido pelos hospitais sub-regionais...
Parece, Sr. Presidente, ter havido a preocupação de os transformar em postos de socorros!
Centralizar para os casos muito especiais de alta cirurgia e para as mais cuidadas e complicadas especialidades está bem, mas que se deixem possibilidades aos hospitais sub-regionais de continuarem, os que puderem, a operar e a tratar os doentes dos seus concelhos, evitando-lhes complicadas de viagens e para que possam sentir, pertinho, a companhia carinhosa da família.
Mas quais são os serviços que podem ser distribuídos aos hospitais sub-regionais ?
Se no parecer da Câmara Corporativa se afirma, justificadamente, referindo-se a situação dos hospitais do Porto, não poder conceber-se que um operário ou uma mãe, acompanhando um filho, po55a ir a 3 ou 4 quilómetros da sua casa para tratamentos sucessivos sem que isso importe perturbação grave na vida do lar ou perda de grande parte do dia de trabalho; se pelos mesmos motivos faz reparos a situação dos hospitais em Lisboa, em volta do Campo do Santana, preconizando a necessidade de outros se construírem em bairros excêntricos, e refere-se ainda aos inconvenientes e dificuldades para o doente com o afastamento da família, é legítimo esperar, mais ainda, temos direito de pedir, que aos hospitais sub-regionais sejam atribuídos aqueles serviços que permitam aos doentes ter na sedo do sou conselho, tantas vezes a 20 ou 30 quilómetros da sua aldeia, os socorros em medicina e cirurgia, as especialidades de uso mais corrente e necessário, deixando para os hospitais regionais os casos muitos especiais e de mais excepcional dificuldade.
A solução a adoptar esta nas bases apresentadas pela nossa Comissão Permanente, para que os serviços de especialidades usuais e os serviços de cirurgia e medicina de maior necessidade sejam atribuídos a esses hospitais.
Igualmente deverá ser atribuído aos hospitais sub-regionais o serviço social, pois, como disseram alguns Srs. Deputados, se o inquérito aos doentes deve ser feito junto da família, é lógico que funcione junto dos hospitais que mais perto estejam do agregado familiar a ser estudado. O serviço social será assim o grande auxiliar para os socorros a prestar em todos os variados aspectos.
Vários planos indicados no Estatuto da Assistência Social há ainda a realizar para que tantas misérias e tantas dificuldades tenham amparo seguro e solução pronta.
Nisso tenho confiança ou, antes, a certeza, porque Salazar disse um dia: "Quando o Governo diz que vai fazer-se alguma coisa, é certo que se fará". Tenhamos cuidado, porem, com comissões a indicar, pois ainda ontem aqui só disse, entre muitos aplausos, que ... quando só não quer realizar qualquer problema, nomeia-se uma comissão!... Deixemos a resolução a quem de direito.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: estamos perante uma notável proposta de lei com que o Governo visa resolver o momentoso problema da organização hospitalar.
Após os Estatutos da Assistência Social e da Assistência Psiquiatria, continua o Governo a valorizar a sua tão acertada política assistêncial, afirmando princípios, organizando pianos, dotando-os com verbas suficientes e passando desde logo as realizações, para que a Nação colha depressa os benefícios da sua benéfica actuação.
Recordo também, como, aliás, se lê no douto parecer da Câmara Corporativa, os pareceres notáveis, de que foram relatores o distinto Prof. Dr. Marcelo Caetano e o também distinto académico Dr. Júlio Dantas, sobre a55isteneia social e assistência psiquiátrica, aos quais agora se junta o parecer, não menos valioso, de que é relator o muito ilustre Prof. Dr. Reinaldo dos Santos, cuja leitura fiz com grande satisfação e proveito.
E foi assim que, mais uma vez, verifiquei como os voos altos espíritos se valorizam descendo até as realidades, o que frequentemente se verifica no parecer que acompanha e tanto valoriza esta proposta de lei.
Sr. Presidente: e deveras elucidativa o rápido escorço que no parecer da Câmara Corporativa, e a maneira de intróito, nos esclarece sobre o que tem sido e ainda é a nossa assistência hospitalar.
Ácerca de edifícios, encontramos quase sistematicamente adaptações de velhos casarões, marcadamente
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conventos de que o século passado tanto se valera para instalações de quartéis, de institutos de ensino, tribunais e toda a restante mas extensa gama de repartições públicas.
Salvo unia ou outra edificação geralmente nascida de iniciativa privada e as que já vamos possuindo graças a política do Estado Novo, os hospitais foram instalados, como fica dito, em edifícios velhos, não podendo escapar ao desconforto de uma arquitectura, por vezes de certa beleza, mas que se adaptava a severidade de ascetas que ali viviam para a devoção o penitência.
Existe ainda certo deficit de camas em algumas localidades porque os hospitais preenchem também funções de asilos e ainda merece da elevada media de duração dos internamentos de doentes (trinta dias, sensivelmente o dobro de outros países), não porque as doenças exijam mais prolongado tratamento, mas devido a demoras resultantes de má organização e das endémicas complicações burocráticas, que, aliás, abundam em todos os domínios.
Mas não faltam por esse país fora camas por ocupar e ale enfermarias vazias: não e porque esea55eiem doentes, mas por insuficiência de verbas.
Carência de quase tudo: desde os meios auxiliares, tanto laboratoriais como radiológicos, para a diagnose, as condições essenciais para a cirurgia.
Insuficiente preparação e correspondente dificuldade no recrutamento de enfermagem, a demonstrar, como aliás se diz no parecer, que, apesar do esforço realizado recentemente, se impõe a urgente necessidade da criação de núcleos de ensino de enfermagem, não só em Lisboa, como no Porto e Coimbra, para que a obra em que o Governo tanto se empenha com esta proposta de lei não venha a ser lograda por falta dos grandes factores de funcionamento hospitalar expressões na enfermagem e também nos não menos importantes serviços de assistência social, que vão ate ao meio em que o doente se enquadra, guiando-o, despertando-lhe a personalidade, e procurando melhorar-me o meio familiar e profissional.
Sr. Presidente: não deixarei este tema das insuficiências hospitalares, aliás tratado eloquentemente, embora de maneira sucinta, no rápido escorço do parecer da Câmara Corporativa, sem afirmar a minha admiração pelos beneméritos que através da gloriosa e tradicional instituição das Misericórdias, e por outras manifestações de grande altruísmo, tem contribuído para o combate a doença e atenuação da dor (apoiados), pela abnegação que tão frequentemente caracteriza a enfermagem, não só a exercida exclusivamente por devoção, mas a nos domínios do profissionalismo (apoiados), a classe médica, a cujos valiosíssimos serviços abnegadamente prestados só negaria justiça quem vivesse completamente alheio as trágicas realidades do Mundo, onde a falta de saúde e a duríssima lei (apoiados) e, por ultimo, a já notável obra realizada neste sector pelo Estado Novo.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: com sobejas razões salienta-se no parecer a situação mal escolhida de muitos hospitais, o que muito contraria a eficiência da sua acção e se traduz em injustificados incómodos para a colectividade.
Cita o caso da capital, onde se verifica exagero de concentração de edifícios hospitalares, condenando os bairros populosos da periferia a viagens caras e demoradas para a da diária a consultas, curativos e outros fins.
São também, nesse capitulo, oportunas e infelizmente bem acertadas as observações ali feitas sobre o que em matéria hospitalar se passa na cidade do Porto, aconselhando-se com indiscutível justiça a imediata criação naquela grande cidade nortenha de mais um centro hospitalar situado junto dos bairros populosos, que actualmente distam muito do Hospital de Santo António, como distarão do hospital em Construção.
Além disso, no referido Hospital de Santo António, da Santa Casa da Misericórdia do Porto, verifica-se unia sobre55aturavao, que seria absolutamente impossível exceder-se; e o hospital escolar em construção está situado no lugar da Asprela, em plena construção, a grande distancia do bairro oriental, onde mais se nota a falta de assistência hospitalar, que o ilustre relator calcula em 3 ou 4 quilómetros, mas que pelo mapa da cidade se verifica andar sensivelmente pelo dobro no que respeita as zonas mais populosas daquele bairro.
Como hão-de transportar-se para ali as pessoas que careçam de curativos frequentes, as famílias dos doentes, os estudantes e ate os próprios médicos e professores, se as linhas dos eléctricos passam a grande distancia?
Há quantos anos e quantas vezes apontei nesta tribuna os grandes inconvenientes do local escolhido.
Não consegui que as autoridades interessadas me ouvissem. Agora, volvidos anos e quando a construção já está adiantada, verifico que o ilustre relator, com a sua incontestável autoridade, e a Câmara Corporativa apontam também aquele erro, procurando
atenua-lo com ei sugestão feliz da construção de outro centro hospitalar na cidade do Porto, o qual, na minha opinião, deveria situar-se no bairro oriental, onde se aglomeram as "ilhas" habitadas pelas classes pobres e que é servido por varias lihas de carros eléctricos e fica nas imediações da estação ferroviária de Campanha.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Sousa Pinto:- Permita-me V. Ex.ª uma pequena interrupção.
Acho muito bem que se faça um outro hospital distante do primeiro. com relação ao que está em construção quero apenas dizer que na altura em que se fez a expropriação; em que tive de intervir somo presidente da Comissão dos Novos Edifícios Universitários, se fizeram os maiores esforços para encontrar mais no centro da cidade um local apropriado e que foi absolutamente impossível consegui-lo, senão em circunstancias dispendiosíssimas, dadas as exigências do problema quanto a extensão da área considerada necessária.
E, quanto a essa excentricidade, há a considerar que o local esta dentro da circunvalação, a cerca de 800 metros do extreme actual da linha eléctrica que serve o bairro de Paranhos, a qual, com um prolongamento relativamente curto, atingira a grande prava que vai ficar em frente no conjunto hospitalar.
Se não foi o óptimo, foi o melhor que pode ser.
O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª que na freguesia do Bonfim, justamente ao lado das Ruas Barros Lima e do Pintor Carlos Carneiro, existem áreas que bem podiam ser aproveitadas para a construção desse hospital.
Sr. Presidente: a Câmara Corporativa, a propósito do § único da base XVII da proposta de lei, que define o regime de expropriações para instalações hospitalares. Pretendendo inclui-las nos estranhos princípios criados por ocasião dos Centenários,
vedando-se assim aos proprietários qualquer recurso para os tribunais das resoluções tomadas por arbitragem, como se o Poder Judicial apenas existi55e no papel, elaborou unia serie de observações ditadas por alta inteligência e saber, ten-
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dentes a defesa do uma formula justa, oportuna e perfeita, que a tenda às reclamações fundamentadas que sobre esse gravíssimo problema tem sido apresentadas, sobretudo nas cidades de Lisboa e Porto.
Já os ilustres Deputados Srs. Dr. Bustorff da Silva, Jorge Botelho Moniz outros aludiram a este assunto com grande brilho.
Mas eu, que desta tribuna, desde a, promulgação do inadmissível principio que norteia as expropriações centenárias, tenho manifestado o meu absoluto) desacordo sobre tal orientação, não poderia deixar de também aludir, com o maior louvor, a atitude da Câmara Corporativa, e ate de manifestar o desejo de que tão bem deduzidas considerações saíssem do estreito âmbito do Diário das Sessões
para encontrarem na grande imprensa o acolhimento de que são dignas.
Em resumo: a Câmara Corporativa sugere uma formula que, sem entravar o andamento de obras de interesse publico, garanta iniludívelmente, e mediante prévia identificação do imóvel expropriado, o pagamento do justo valor fixado pelos tribunais.
Já esta Assembleia, em diplomas aqui discutidos durante a última legislatura, rectificou algumas propostas de lei do Governo, introduzindo-lhes a garantia, para os proprietários, da faculdade de recurso para, os tribunais, caso não estejam de acordo com o valor atribuído pela entidade de expropriadora.
Eu, que sempre defendi e dei o meu voto a essas garantias basilares, não deixarei agora de aprovar a inteligente sugestão da Câmara Corporativa e até desejaria que ela se generaliza-se a todos os outros casos. a bem da justiça, a qual consiste, como só diz no aludido parecer, em afazer suportar por todos os membros da comunidade, e não apenas pelo indivíduo casualmente atingido pela expropriação, o sacrifício patrimonial em que esta importa».
Nestes termos, entendo ser de adoptar e de aprovar o § único da base XX sugerida pela Câmara Corporativa, em que se diz que as expropriações, para efeitos da lei de organização hospitalar,
poderão efectuar-se ao abrigo de determinadas leis, «mas desde que se assegure ao expropriado o recurso para os tribunais, exclusivamente quanto ao valor da indemnização, e haja a faculdade de requerer vistoria sumaria ad perpetuam rei memoriam, tudo em termos a regulamentar. O recurso e a vistoria não poderão prejudicar a entrega do prédio e a execução imediata das obras».
Sr. Presidente: nas bases II e III da proposta de lei definem-se desde já os limites das três zonas e das regiões hospitalares em que o território metropolitano deveria ser dividido segundo o critério do Governo.
A Câmara Corporativa sugere, em meu entender com fundamento, que em regulamento se determinar quais as regiões compreendidas em cada uma das três zonas e que, além das regiões correspondentes as capitais de, distrito, poderão criar-se outras em regulamento, se as necessidades de assistência hospitalar assim o e exigirem.
Acrescenta outras condições que eu reputo desnecessárias, porque eu que acabo de citar esta dito tudo o que e de considerar, isto e, as necessidades de assistência hospitalar.
Efectivamente, se e discutível a delimitação de zonas constante da base II da proposta, encontram-se lacunas no agrupamento dos concelhos para a constituição de regiões.
Assim, encontra-se a criação, ao lado das regiões hospitalares correspondentes ás sedes dos distritos, de outras determinadas por grandes centros de laboração, como a Covilhã, Portimão, etc., o que está muito bem indicado; mas verifica-se que a Guimarães, centro da maior zona fabril do País, correspondente aos vales do
Ave e Vizela, esta destinada uma modesta sub-região, a qual corresponderia uma menor percentagem de camas e de outros recursos hospitalares, mas que não seria compreendida na primeira fase do plano de assistência e teria de suportar, pelo menos, 50 por cento dos respectivos encargos, nos termos da base XVII, em que se estipula competir ao Estado a totalidade das despesas nas regiões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas não são estas as únicas razões que exigem que a considerável região fabril do Ave e Vizela corresponda uma região hospitalar com sede em Guimarães.
A importância das contribuições que o Estado ali cobra
coloca-la-iam na cabeça do rol das regiões a criar.
E não seria razoável condenar as famílias dos trabalhadores das numerosas fabricas que ali laboram, lado a lado com uma lavoura fértil, e, assim, servida por muitas dezenas de milhares de braços, a terem de favor grandes, demoradas e dispendiosas viagens para visitar seus doentes.
Na conformidade do que venho de expor, concordo com o alvitre da Câmara Corporativa de se deixar para ulterior regulamento a fixação das regiões, porque desta forma, ao lado das correspondentes as sedes de distrito, que julgo estarem bem, outras corresponderão a centros populosos e de grande actividade, e neste número tenho a certeza de que não deixara de ser empreendida a região de Guimarães, por todos os títulos para tão importantes funções hospitalares indicada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: no n.º 8 do parecer da Câmara. Corporativa salienta-se a deficiência gravíssima da assistência de socorros de urgência em caso de acidentes ou doenças súbitas. E diz-se, com a incontestável autoridade do ilustre professor que o relatou, que «a maior parte dos casos graves de shock:, hemorragia, feridas torácicas, perfurações abdominais, traumatismos cranianos, feridas dos membros, fracturas expostas, queimaduras extensas, etc., são enviados - quando algum tempo de sobrevivência o - permite - para os centros de Lisboa, Coimbra ou Porto, por vezes de sítios a 100 e 200 quilómetros de distancia, com demora que só agrava a situação e um transporte que diminui ou corta as probabilidades de êxito».
E afirma-se: «Os socorros médico-cirúrgicos de urgência do País não têm o menor esboço de organização».
Alude-se à circunstancia deplorável de não haver capital de distrito que disponha de uma ambulância de socorro, com os meios essenciais que permitam acudir in loco aos desastres graves de viação ou outros acidentes da sua área.
, depois de se referir as consequências trágicas de alguns acidentes, mercê da lamentável lacuna dos socorros urgentes, diz ser preciso organiza-los, mas para isso seria indispensável ter com que e quem esteja habilitado a presta-los.
Por outro lado, já aqui se afirmou, e, pelo que ouvi, com perfeito conhecimento do assunto - foi o Sr. engenheiro agrónomo Mira Galvão que desta tribuna o disse -, que e manifesta a insuficiência de socorros hospitalares na parte rural da região alentejana, e por e55e motivo apresentou uma oportuna. proposta. de aditamento, que V. Ex.ª já conhecem.
Efectivamente, se a nossa organização hospitalar tem insuficiências, que o Governo, com mareada oportunidade pretende remediar com esta proposta de lei, nas
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zonas rurais, com rarissímas excepções, estamos perante deploráveis lacunas, onde os SOCOITOS faltam por complete, sendo frequentes os casos de moléstia que no sen longo ciclo não chegam. a conhecer a intervenção clínica.
á excepções, porque a caridade floresce aqui e ali, de maneira a, quando corremos o País, sobretudo na região do Noroeste, temos a agradável surpresa de pequenos hospitais-asilos, agarrados as encostas das serranas ou mergulhados na vegetação dos vales, a oferecerem o acolhimento das suas enfermarias as vitimas de desastres e aos tocados pela doença.
É o caso do hospital-asilo de Donim, fundado o dotado no século passado por um meu tio-avô e padrinho, João Antunes Guimarães, actualmente administrado pela Misericórdia, de Guimarães e entregue a devotadas franciscanas portuguesas, a quem a população das cercanias muito deve.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Diz a Câmara Corporativa, em seu valiosíssimo parecer, que para remediar tão grandes males e prestar os socorros precisos indispensável seria «ter com quê e quem esteja habilitado a presta-los».
Ora eu entendo que, de facto, já haveria com que, sem que para isso tivéssemos de criar novos encargos para os contribuintes, nem exigir grandes encargos para o Estado ou corpos administrativos.
Bastaria dar conveniente e coordenada aplicação a avultadíssima verba das responsabilidades criadas a todos os patrões - do sector domestico, agrícola ou industrial - pela lei de acidentes de trabalho, que os obriga a garantir a assistência clinica e medicamentos, independentemente de pensões e indemnizações, a todos os seus empregados em caso de acidentes de trabalho ou de moléstias profissionais.
Estas responsabilidades, que podem ser obrigatoriamente transferidas para companhias de seguros, traduzir-se-ão num avultadíssimo montante de prémios distribuídos pelas diversas companhias de seguros, mas que, devidamente coordenadas entre si, para evitar duplicações que a nossa economia não comporta, e estas conjugadas com as Misericórdias, instituições de assistência hospitalar e organismos públicos, permitiriam a organização imediata de uma rede completa de assistência hospitalar, a qual iria ate aos postos de socorro rurais, resolveria o problema das ambulâncias e contaria também com as manifestações de caridade que não deixaria de continuar - a florescer das Misericórdias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para se avaliar o que seria a receita dos prémios de seguros, bastará dizer que no sector agrícola, onde eles por vezes igualam a contribuição predial rústica, o montante daquela contribuição cobrada pelo Estado em 1943, com os respectivos adicionais, andou por 214:000 contos, segundo informação muito obsequiosa do nosso ilustre colega Sr. engenheiro Araújo Correia.
Bem sei que em muitos casos os prémios ficariam aquém daquela contribuição, e bom será que assim aconteça; por outro lado, nos referidos prémios, além do tratamento clinico, há que separar a verba destinado a pensões e indemnizações.
Contudo, os fundos assim reunidos devem constituir uma sólida garantia de eficaz organização hospitalar em todos os seus pormenores, desde que conjugados com a comparticipação do Estado e do outras entidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que importa e que o Governo, ao resolver este magno assunto, chame a colaboração da Ordem dos Médicos e dos lavradores, através dos seus grémios e Casas do Povo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Conto na especialidade voltar a tratar este tema, sendo possível que nessa ocasião já disponha de mais elementos, que não deixarei de expor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se V. Ex.ª, Sr. Presidente, permite, lerei o texto das minhas propostas, a que venho de aludir.
São as seguintes:
Proposta de base nova
«O Governo estudará o instituto de responsabilidade patronal de prestação do todas as formas de assistência clinica em casos de acidentes de trabalho e doenças profissionais, nos seus vários sectores - agrícola, industrial e domestico -, e ainda a hipótese da sua extensão a caseiros e trabalhos exercidos pelo próprio, para averiguação do montante provável dos respectivos prémios, em caso de obrigatoriedade do seguro daquelas responsabilidades nos termos da lei, a fim de se definir a parte que na organização hospitalar devera competir as companhias de seguros, especialmente lias zonas rurais, centros fabris e suas ligações por ambulâncias com hospitais de maior categoria, bem como para fixar os ter-mos da sua rigorosa coordenação com as Misericórdias e demais instituições hospitalares, para maior rendimento dos recursos de todos a favor de uma indiscutivelmente proveitosa assistência aos sinistrados e aos doentes.
Proposta de substituição as bases II e III
«As zonas são três: Norte, Centro e Sul, com sede, respectivamente, no Porto, Coimbra e Lisboa.
As regiões serão constituídas por concelhos designados em regulamento.
A cada sede de distrito corresponderá uma região, mas poderão criar-se outras se as neee55idados da assistência hospitalar assim o exigirem».
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Espero que termine na próxima segunda-feira o debate na generalidade, para o qual estão inscritos os Srs. Deputados Mendes Correia o França Vigon, este como relator da Comissão, e que, como tal, será o ultimo a usar da palavra.
Desejo que ato quarta-feira se possa concluir a votação desta proposta de lei, visto quinta-feira ser feriado e os subsequentes dias da semana serem neee55aries para os trabalhos das Comissões e, seguidamente, a Assembleia passar a apreciar esses documentos.
Comunico à Câmara que a Comissão de Colónias escolheu para seu presidente o Sr. Deputado Alexandre Alberto de Sousa Pinto e para secretário o Sr. Deputado António de Almeida; e que a Comissão de Finanças escolheu para seu presidente o Sr. Deputado Pacheco de Amorim e para secretário o Sr. Deputado Luís Maria da Câmara Pina.
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A próxima sessão será na segunda-feira, a hora regimental, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Maria Pinheiro Torres.
João Mendes da Costa Amaral.
Paulo Cancela de Abreu.
Srs. Deputados que faltaram a sessão:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Benardes Pereira.
Gabriel Maurício Teixeira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Manuel Beja Corte Real.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Propostas enviadas para a Mesa, no decorrer da sessão de hoje, respeitantes a proposta de lei sobre organização hospitalar:
Proponho a seguinte alteração a base vi da Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social:
Suprimir na alínea a) as palavras «de 1.ª e 2.ª classe».
25 de Janeiro de 1946.- Jorge Botelho Moniz.
Proponho a seguinte alteração à base II da Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social:
Em cada zona haverá hospitais centrais; em cada região haverá um hospital regional; em cada sub-região um hospital sub-regional.
(Suprimem-se, portanto, as palavras de 1.ª ou 2.ª classe do final do corpo da base e todo o seu § único).
25 de Janeiro de 1946.- Jorge Botelho Moniz.
Proponho que a base XVII (base XV da proposta do Govêrno) tenha a seguinte redacção:
A distribuição de camas pelos diferentes serviços será feita pela direcção do respectivo hospital, com recurso para a Direcção Geral do Saúde.
§ único. Com a redacção que tem.
25 do Janeiro do 1946.- José dos Santos Bessa.
Proponho que o § 1.º da base VI (base IV da proposta do Governo) tenha a seguinte redactor
§ 1.º Além dos hospitais gerais, haverá em cada zona um ou mais hospitais especializados, destinados ao tratamento de doenças especiais ou contagiosas. O Governo procurara instalar na sede de cada uma delas, dentro do mais curto prazo de tempo, um hospital de crianças e um de infecto-contagiosos.
25 de Janeiro de 1946. - José dos Santos Bessa.
Proponho o seguinte aditamento ao n.º 2 da base IV proposta pela Câmara Corporativa:
devendo ser sempre ouvidas as câmaras da área das províncias que tenham a sua sede em outras capitais do distrito.
Proponho o seguinte aditamento ao § único da base V proposta pela Câmara Corporativa:
depois do ouvidas as respectivas Câmaras e juntas de freguesia.
25 de Janeiro de 1946. - Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA