468 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 29
O Sr. Pinto Coelho: - Sr. Presidente: decerto que a muitos componentes desta Assembleia há-de parecer estranho o meu atrevimento de falar sobre uma proposta de lei relativa a melhoramentos agrícolas.
Acho legitimo que suponham ser pouca a minha prática do Campo... de Sant'Ana; mas àqueles que porventura não saibam, sempre posso acrescentar que, embora por afinidade, em limitada proporção, e só nas horas vagas, que são poucas, também sou lavrador. Todo o português é um pouco lavrador, e com os problemas da lavoura se hão-de preocupar sempre os que não ficam indiferentes aos grandes problemas económicos do País.
Está dito e redito que esta Assembleia é fundamentalmente mais política do que técnica; e, portanto, não devem ser exigidos grandes conhecimentos de técnica para que se possam aqui abordar quaisquer assuntos.
Se estas breves considerações preambulares não garantem a utilidade da minha intervenção no debate, pelo menos justificam que eu tenha sido tentado a colaborar também.
Não conheço a lavoura do todo o País. Há mesmo muitas zonas que desconheço totalmente, e o pequeno contributo de conhecimentos que posso trazer diz respeito a uma zona relativamente restrita, mas onde se tem passado ultimamente alguma coisa que me determina a trazer o meu depoimento a esta Câmara, para que não se faça, necessariamente, um juízo do conjunto que possa ser falho de realidade nalguns aspectos.
Espero ser muito breve e entro no assunto.
Devo dizer desde já que parto desta premissa: sendo ainda verdadeiro o velho lugar comum de que o nosso País é essencialmente agrícola, pode admitir-se, quase sem limites, que é útil e, portanto, louvável tudo quanto se faça em benefício da lavoura.
E digo «quase sem limites» porque julgo que há muito a fazer até se ganhar o tempo perdido e porque são constantes os progressos desta arte eterna que é a lavoura. Não se estranhará pois que emita já a minha opinião fundamental: é absolutamente louvável, sem reticências nem condições, o intuito constante da proposta que o Governo apresentou h apreciação da Câmara.
A lavoura precisa de ser constantemente acarinhada e amparada, pois nisso está uma condição indispensável à melhoria da vida do nosso povo.
O Governo sabe isso muito bem, e muito bem o tem praticado. Mas porque tudo o que está feito não torna vão o mais que se fizer, manifesto os meus louvores a este novo diploma que aqui é trazido.
Em contrário do que se diz no parecer da Câmara Corporativa, e já aqui vi também afirmado, não estou incondicionalmente de acordo quando se diga que a lavoura não está nem mais rica nem mais folgada.
Estas expressões, demasiadamente amplas e que tudo abrangem, muitas vezes dizem pouco. Entendo que devemos especificar para melhor conhecer a realidade.
Em primeiro lugar é preciso distinguir espécies de culturas e, em segundo lugar, classes de pessoas ligadas à terra. Se há realmente espécies de cultura que continuam a ser pobres, a importar grandes riscos e até sacrifícios para quem se dedica a elas, também estou convencido de que há outras que, pelo menos nos últimos tempos, têm sido francamente boas, francamente remuneradoras. Pode ser que as proporções em que umas e outras espécies entram no total não façam variar grandemente a conclusão final.
Mas para que se possam apreciar devidamente os mesmos queixumes, que sempre se ouvem de todas as pessoas que vivem da lavoura, é bom que todos digam o pouco ou muito que saibam a esse respeito.
Em harmonia com as antecedentes considerações sobre o êxito distinto das diversas espécies de culturas, creio
haver muitas pessoas que vivem da terra e têm beneficiado - em regra legitimamente, aliás - da melhoria das condições da lavoura e outras que, se não têm sido beneficiadas, o devem a circunstâncias estranhas à vontade humana e até do próprio Governo, que, por muito boa vontade que tenha, ainda não conseguiu fazer milagres.
É por isso que eu digo, olhando ao conjunto, que, se a lavoura não está mais rica, está, pelo menos, menos pobre. E isso, em conclusão, leva-me a dizer que está mais folgada.
Esta minha conclusão não pode ser considerada demasiado optimista. Basta atentarmos nos elementos que já foram trazidos a esta Assembleia.
Basta que se pense nas facilidades de crédito hoje existentes, enormes se as compararmos com as de outros tempos.
Se pensarmos também no enorme aumento de produção, aqui já demonstrado com números claríssimos, somos igualmente levados a concluir que alguma coisa foi feita para maior folgança da lavoura.
Quanto ao crédito, toda a gente sabe quanto tem sido eficaz o auxilio trazido directamente por organismos do Estado, por organismos de coordenação económica e por organismos corporativos; por outro lado, são bem conhecidos os benefícios obtidos, mercê da privilegiada situação económica e financeira que temos atravessado através do barateamento do dinheiro no mercado livre.
As cifras aqui apresentadas relativamente a hipotecas podem à primeira vista causar certa impressão; mas se as virmos por outros lados, interpretando a frieza doe números, poderemos tirar conclusões que, sem grande esforço, podem ser consideradas menos pessimistas. Vejamos o que diz respeito ao número de hipotecas. É certo que esse número aumentou. Mas isso pode muito bem representar um razoável recurso ao crédito bem organizado e em boas condições. Por outro lado, o valor dessas hipotecas aqui apresentado e que poderia criar uma impressão alarmante tem de ser considerado à luz de condicionalismo do período de tempo a que os números se referem. Não devemos esquecer-nos de que os número? se reportam a 1942-1944, período em que o valor de propriedade imobiliária atingiu o seu auge. Consequentemente não se pode concluir forçosamente que o valor das hipotecas contraídas seja relativamente mais alto de que nos anos anteriores e represente um agravamento da situação financeira da lavoura.
No que se refere ao aumento de produção, não é fácil explicar que, tendo ela atingido os limites amplíssimos que atingiu, como aqui foi demonstrado, a lavoura nada tenha beneficiado com isso.
Parece-me claro que um aumento de produção, embora a remuneração por unidade seja relativamente pequena há-de fatalmente traduzir-se em aumento de benefícios porque para um aumento de produção não é necessário nem é normal, que aumentem na mesma proporção o encargos. Portanto a margem dos benefícios deve se: maior, e normalmente o é.
Evidentemente que este raciocínio é feito na base de anos normais ou aproximadamente normais.
Quando se trata de anos maus, pode acontecer, e por vezes acontece, que até a um grande aumento de encargo corresponda um zero de produção.
Aqui entra a minha pouca experiência resultante de fraco tirocínio que fiz nalguns anos. Só num ano três vezes semeei e tudo a água levou.
É claro que quando os anos são calamitosos não há nada a fazer. Nem o próprio Governo pode dispor de meios para acudir a tudo, ainda que se adoptasse concepção do Estado-Providência.
Se a estes dois factores - o crédito e o aumento da produção - nós juntarmos alguns outros que [...]