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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
ANO DE 1946 15 DE FEVEREIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 31 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
Em de FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmo. Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel de Abranches Martins
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 29.
O Sr. Presidente mandou ler uma comunicação do Sr. Presidente ao Conselho acerca das observações feitas pelo Sr. Deputado Melo Machado na sessão de 12 de Dezembro sobre o despejo do edifício onde tinha sede a Junta de Freguesia de Benfica.
O Sr. Deputado Bagorro de Sequeira ocupou-se do comércio de café de Angola com a metrópole.
O Sr. Deputado Sousa Pinto anunciou um aviso prévio sobre assuntos de administração da colónia de Moçambique.
O Sr. Deputado Belchior da Cosia apontou várias injustiças do racionamento de géneros e alguns moios de as evitar ou atenuar.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate, na generalidade, acere-a da proposta de lei de melhoramentos agrícolas, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Luís Cindindo da Costa e Artur Proença Duarte.
O Sr. Presidente, encanou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Gazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fausto de Almeida Frazão.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
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Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria da Câmara Pina.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 88 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 29.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação ao referido Diário, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um documento contendo explicações dadas pelo Governo à Assembleia acerca de uma intervenção do Sr. Deputado Melo Machado. Vai ler-se.
Foi lido na Mesa. É o seguinte:
Sr. Presidente do Conselho.- Excelência. - Na sessão da Assembleia Nacional de 12 de Dezembro próximo passado, e como se vê no Diário das Sessões n.º 9, de 13 do mesmo mês, a p. 89, foram, pelo Deputado Sr. Melo Machado, proferidas algumas críticas ao critério e aos processos usados pela Administração na resolução de determinado assunto.
Refiro-me às considerações produzidas relativamente à forma, por que o Estado - no caso, por intermédio da Direcção Geral da Fazenda Pública - promoveu o despejo do prédio, sua propriedade, em que uma junta de freguesia - no caso a Junta de Freguesia de Benfica - tinha, «não só a sua sede, mas uma cantina para cerca de oitenta crianças e escolas nocturnas para ambos os sexos».
Foi, certamente, por ter sido mal informado que o digno Deputado foi levado a classificar tal despejo de «esbulho», realizado com «um alarde escusado de polícia armada de espingarda», e a supor «que o Estado não se nobilita tratando assim uma das células primárias do seu organismo administrativo ...».
Foi, certamente, por não ter ao seu dispor informações completas, indispensáveis ao perfeito conhecimento da questão, que S. Ex.ª chegou àquelas conclusões.
Na verdade:
1.º Não se tratava de um arrendamento, mas de uma cessão a título precário, nos termos dos artigos 6.º e seguintes do decreto-lei n.º 24:489, de 13 de Setembro de 1934.
O edifício em questão, antigo pensionato da Escola do Magistério Primário, encontrava-se, no momento da cessão - 3 de Setembro de 1941 -, devoluto, por se encontrar provisòriamente encerrada a aludida Escola.
A cessão fez-se com aquele carácter, justamente por se prever que num futuro mais ou menos próximo o edifício pudesse voltar a interessar para o seu fim próprio.
2.º Muito embora a Junta não tivesse respeitado por inteiro as cláusulas que condicionavam a cessão, esta só foi dada por finda aio momento em que, pelo serviço competente - Direcção Geral do Ensino Primário -, foi considerada a necessidade do edifício para nele se instalar de novo o pensionato (Outubro de 1943).
3.º Notificada a Junta para despejar o prédio em 4 de Novembro desse ano, esperava-se que, como reconhecimento pelo benefício recebido do Estado - instalação gratuita durante mais de dois anos - e fundamento da decisão que lhe pusera termo, a Junta procurasse facilitar o despejo.
Ao contrário, porém, aquele corpo administrativo demorou e condicionou coou infundadas exigências a sua saída.
Assim, e durante meses, foi-se mantendo no edifício, não obstante repetidas insistências da Direcção Geral da Fazenda Pública, e condicionou a saída ao fornecimento, pelo Estado, de um outro edifício para a sua instalação.
Ora, nem ao Estado cumpria assegurar esta nem qualquer das hipóteses que pela Junta - adentro de tal orientação - foram apresentadas, e que caso contrário seriam consideradas com boa vontade, tinha viabilidade.
4.º Os meses foram decorrendo e nem a intervenção da Direcção Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior logrou pôr termo à atitude da Junta de Freguesia.
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A questão assim posta não só causava prejuízos pela demora na resolução do problema do pensionato - também afectava o prestígio e a boa disciplina da Administração.
Foi, por isso, resolvido - já em Maio de 1944 - pôr-lhe cobro, nos precisos termos do artigo 8.º do decreto-lei n.º 23:465, de 18 de Janeiro de 1934.
5.º Só em Junho, porém, se realizou o despejo, por intermédio das autoridades policiais, cujo equipamento foi, por certo, o determinado pelos respectivos regulamentos para actos desta natureza.
6.º Se, portanto, foram prejudicados pelo despejo interesses da Junta ou de qualquer das prestantes organizações «por ela mantidas - em parte graças às facilidades que, pela Direcção Geral da Fazenda Pública, haviam sido dadas -, parece que o prejuízo se deve sobretudo ao facto de a Junta não ter sabido aproveitar na resolução do seu problema os sete meses que para tal lhe foram dados.
O que fica dito parece bastante para mostrar:
Que não se trata de uma questão de inquilinato;
Que não houve um esbulho;
Que, longe de se tratar de actos desprestigiastes, se trata justamente de um procedimento enérgico, atinente a salvaguardar o prestígio do Estado.
7.º Finalmente, pode acrescentar-se que o edifício já se encontra aplicado a pensionato da Escola do Magistério Primário, sua prevista utilização.
Este Ministério fica, no entanto, ao dispor de V. Ex.ª para prestar quaisquer outros esclarecimentos que porventura sejam julgados necessários.
Com os melhores cumprimentos e a bem da Nação. - O Ministro das Finanças, João Pinto da Costa Leite.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Bagorro de Sequeira.
O Sr. Bagorro de Sequeira: - Sr. Presidente: por ser a primeira vez que faço uso da palavra nesta Assembleia, embora tardiamente, desejo dirigir a V. Ex.ª e a todos os Srs. Deputados os meus cumprimentos, a que junto os mais sinceros votos pelo êxito total dos trabalhos desta IV Legislatura, êxito que se traduza em prestígio e crédito público para o Governo e para a situação política e na maior soma possível de benefícios, de toda a ordem e natureza, para a Nação.
Desejo ainda explicar, Sr. Presidente, que a minha situação nesta Câmara política, embora seja de filiação e acatamento aos princípios basilares e fundamentais da ordem estabelecida, é também de subordinação, como não podia deixar de ser, aos imperativos do mandato que me confiaram os colonos de Angola, o qual, julgo, só poderei desempenhar honestamente usando de toda a independência no estudo e discussão dos problemas que interessam a Angola e à sua população, postos sempre num plano de razão e justiça, quer nos casos em que o seu condicionalismo próprio os isola dos problemas similares da metrópole e outras colónias, quer nos casos em que se enquadrem no arranjo nacional.
Assim pensando e procedendo, julgo bem interpretar a minha função na Assembleia como colaborador da situação e julgo corresponder com consciência e dignidade à obrigação que contraí com Angola vindo aqui pugnar pelos seus legítimos interesses morais e materiais e pelo seu crescente progresso, como terra portuguesa que é, onde um punhado de heróis da aventura e do trabalho, por lá espalhados naquele imensíssimo território, às vezes totalmente desprovidos de tudo que dá conforto, com a saúde sempre exposta às maiores ameaças, vem assegurando, com a sua presença e o seu sacrifício, os direitos da verdadeira soberania que é a ocupação e afirmando sàbiamente, pelo domínio do seu instinto e inigualáveis qualidades de adaptação, de resistência e de luta, que a raça, ao contrário do que muitos julgam, se encontra ainda na pujança das suas mais belas virtudes, sobretudo quando está entregue à sua tarefa histórica de colonizar e enriquecer novas terras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Postas estas breves considerações, passo a tratar, Sr. Presidente, do assunto que motivou o fazer hoje uso da palavra.
Trata-se do seguinte:
Desde 1941 que o comércio do café de Angola com a metrópole é regulado por um acordo realizado entre o Ministério da Economia e a Junta de Exportação do Café Colonial.
Segundo esse acordo, e em virtude de ter sido tabelado o preço do café de consumo no mercado metropolitano, foi fixado um contingente de importação de café de Angola e foi-lhe atribuído preço fixo, preço que à data do acordo foi já inferior ao preço corrente no mercado livre.
Como sucedeu a tudo o mais, a breve trecho estava esse preço fixo desactualizado e com o andar do tempo cada vez mais, o que motivou, com fundamento justificado no aumento constante de todos os encargos de cultura, transportes, exploração geral, encargos aduaneiros e outros criados pela própria Junta do Café, signatária do acordo, que os agricultores do café viessem pedir ao Governo a revisão daquela tabela de 1941, tanto mais que o sacrifício só os atingia a eles, sendo certo que o comércio de café na metrópole foi sempre e continua a ser objecto de importantíssimos lucros para toda a casta de intermediários que nele intervêm, muitos nem sequer sabendo como se cultiva o café, alguns tendo de Angola apenas a vaga ideia de ser uma terra de pretos.
Ora ... a tais solicitações dos agricultores do café nunca o Ministério da Economia atendeu, como aliás fez em parte a outras reclamações do comércio exportador de Angola, mais especificadamente referidas ao milho e à carne e mais recentemente ao açúcar, deixando assim os cafeicultores numa situação de injustiça, a suportarem sòzinhos as conveniências do comércio e do consumo do café da metrópole.
Sucede até esta coisa estranha: que o Ministério da Economia, embora indiferente aos apelos dos agricultores do café, autorizou o aumento do custo do café de consumo; quer dizer, autorizou o aumento do valor dos produtos da mistura (chicória, cevada, grão preto) e negou-o ao café, que é afinal o produto nobre que dá o nome à mistura.
Por via do café valorizaram-se assim os produtos que lhe fazem concorrência.
Outros aspectos do assunto haveria ainda a focar, que deixo para outra oportunidade, quando na Assembleia tratar, como penso, da viciosa mecânica existente nas relações económicas da metrópole com as colónias, mais directamente com Angola.
Julgo, porém, o caso do café, que acabei de expor em linhas gerais, suficientemente explicado para que a Câmara faça o seu juízo e possa acompanhar-me no pedido que daqui dirijo ao Governo, mais directamente ao Sr. Ministro da Economia, para que remedeie esta injustiça, autorizando a actualização dos preços dos cafés de Angola que vêm abastecer a metrópole, com benefício para os cafeicultores, ficando assim o Estado na posição moral conveniente de lhes poder exigir, como o está fazendo, maiores dispêndios com o aloja-
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mento, a alimentação, o vestuário e a assistência médica aos indígenas serventuários. Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para anunciar um aviso prévio sobre assuntos de administração da colónia de Moçambique. Proponho-me designadamente tratar dos seguintes pontos:
1.º Conveniência de se modificar, no sentido de uma ponderada descentralização, a administração da colónia e de alterar as disposições legais que tornam obrigatória a interferência do certos organismos metropolitanos na marcha da administração, com prejuízo da rapidez das resoluções a tomar;
2.º Necessidade de enveredar rasgadamente por uma política de barateamento de fretes e passagens entre a colónia, a metrópole e as outras colónias portuguesas, e bem assim dos fretes de cabotagem e das tarifas de transportes internos da colónia;
3.º Conveniência de serem diminuídos os encargos que, por parte dos organismos de coordenação económica, pesam sobre as actividades da colónia;
4.º Oportunidade de ser estudado e posto em execução um largo plano de melhoramentos da colónia, à margem dos seus orçamentos ordinários;
5.º Necessidade de revisão de vencimentos dos funcionários da colónia quando na situação de licença graciosa na metrópole e dos reformados quando aqui residentes.
O Sr. Presidente: - Vou mandar seguir os trâmites regimentais o aviso prévio formulado por V. Ex.ª
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Belchior da Costa.
O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: quando há dias, deste mesmo lugar, tive a honra de apontar à consideração do Governo o grave, o instante, o agudo problema da alimentação pública, afirmei que havia no sistema do racionamento dos géneros algumas injustiças que era preciso reparar e fazer desaparecer. Não tive, então, tempo de as indicar.
Permito-me, por isso, hoje, já para ilustrar aquela minha afirmação, já por dignidade intelectual, apontar, para ser breve, um exemplo típico dessas injustiças, e bem assim indicar alguns meios tendentes a repararias e, sobretudo, a evitá-las.
Para tal desideratum ouso pedir a esclarecida atenção da Assembleia, e bem assim a mesma benevolência com que já me ouviu da primeira vez que abordei o assunto, que pela sua oportunidade e importância bem merece ser considerado.
A isto me anima também o apoio que tenho recebido de diferentes pontos do País e especialmente dos Sindicatos do meu concelho.
Sr. Presidente: como já tive ensejo de demonstrar, a classificação administrativa dos concelhos, como base do sistema de racionamento dos géneros, afigura-se-me imperfeita, por isso que nem sempre a realidade administrativa de cada concelho está em correspondência com a sua realidade económica ou social.
Mas se, por outro lado, se desceu a uma averiguação mais profunda e mais próxima das realidades atendendo-se à feição grandemente, ou mesmo predominantemente, agrícola ou industrial de cada concelho (e se ponho a hipótese é porque o decreto-lei n.º 32:945, que criou a Intendência Geral dos Abastecimentos, é omisso com (referência a critérios de distribuição), ainda assim tal critério não me parece perfeito, porque num concelho, embora em parte de feição agrícola, pode haver zonas e regiões de feição acentuadamente muito diversa.
E assim, se não era possível adoptar-se, pela sua complexidade, o sistema de fixação dos contingentes por família, como seria o ideal, era e é, no entanto, possível fixá-los por freguesia, atendendo-se à realidade económica de cada uma.
Poderá dizer-se que este sistema de distribuição, ainda por complexo, causa dificuldade aos serviços?
Simplifiquemo-lo então: continue a fazer-se a fixação por concelhos, mas atenda-se nestes, não só a uma feição económica, mesmo que predominante seja, mas também às demais características económicas que o definem e individualizam na sua realidade concreta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim, por exemplo, o concelho da Feira (e se falo no meu concelho não é apenas por ser o meu - e já isso era bastante -, mas sobretudo porque pela sua importância e avultada população melhor ilustra as minhas considerações), se tem uma parte que é predominantemente agrícola, tem outra essencialmente fixada nas freguesias do norte, que é acentuadamente industrial e operária.
Com massas de operários de alguns milhares - só a indústria corticeira possui 110 concelho 179 fábricas, empregando para cima de 3:350 operários, na sua maioria concentrados em quatro ou cinco freguesias do norte do concelho, com populações que vão de 2:000 a 4:000 indivíduos por freguesia -, o concelho da Feira, sobretudo na sua parte norte, é essencial e nìtidamente industrial, e portanto operário, e tem as mesmas necessidades e as mesmas imperiosas exigências de qualquer outra zona industrial do País.
Nesse capítulo não difere dos concelhos que o circundam, como Gaia, Gondomar, Espinho ou S. João da Madeira, para não citar outros.
Apesar disso a fixação de géneros atribuída ao concelho da Feira está longe de corresponder ou de igualar aqueles concelhos que o circundam, alguns dos quais, como principalmente os concelhos de Gaia e Gondomar, têm manifesta semelhança com ele no aspecto da sua fisionomia económica: são também em parte agrícolas e em parte industriais.
Tomando por base a população desses concelhos referida ao censo de 1940 e as capitações fixadas pela Intendência Geral dos Abastecimentos, de acordo com o Grémio dos Armazenistas de Mercearia, referidas ao último trimestre de 1945, encontram-se os seguintes números:
A Feira, com uma população de 61:187 habitantes, recebeu por cada mês 451 fardos de bacalhau, 366 sacos de arroz, 359 sacos de açúcar e 692 lotes de massas.
S. João da Madeira, com uma população de 7:398 habitantes, recebeu, dos mesmos géneros, contingentes que se exprimem pelos seguintes números: para o primeiro, 96; para o segundo, 95; para o terceiro, 97, e para o quarto, 202.
Por sua vez Espinho, com uma população de 17:623 habitantes, recebeu, respectivamente, 216, 164, 168 e 444.
Gondomar, com uma população que não atinge a da Feira, ficando, aliás, próxima, recebeu, respectivamente, 632 fardos de bacalhau, 591 sacos de arroz, 672 sacos de açúcar e 848 lotes de massas.
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Finalmente Gaia, com uma população que não atinge o dobro da população do concelho da Feira, recebeu, respectivamente, 1:335 fardos de bacalhau, 1:272 sacos de arroz, 1:413 sacos de açúcar e 1:874 lotes de massas.
Do cotejo rápido destes números tiram-se as seguintes conclusões:
A Feira, com uma população de 61:187 habitantes, mais de oito vezes superior à de S. João da Madeira, recebeu, naquelas espécies de géneros, apenas quatro vezes mais, em média, do que este concelho.
Em relação a Espinho, tendo uma população 3,4 vezes superior à deste concelho, recebeu apenas contingentes duas vezes superiores aos atribuídos a Espinho nas três primeiras espécies de géneros e ainda menos de duas vezes com referência à última espécie.
Em relação a Gaia, tendo este concelho uma população inferior ao dobro da da Feira, a Gaia, para o mesmo período e relativamente aos mesmos géneros, atribuíram-se-lhe contingentes que ultrapassam três e quatro vezes mais os atribuídos à Feira.
Finalmente a Gondomar, com uma população que não atinge a do concelho da Feira, atribuíram-se-lhe contingentes que muito excedem os que foram atribuídos ao meu concelho.
Só em bacalhau, Gondomar recebeu a mais que a Feira 181 fardos, que, multiplicados por 60 quilogramas - peso de cada fardo -, atingem a cifra de 10:860 quilogramas.
Em arroz recebeu a mais 225 sacos, que, à razão de 75 quilogramas por cada saco, dá 16:875 quilogramas, que é uni número apreciável.
E tudo o mais na mesma flagrante proporção ou desproporção e referido a cada mês.
E todavia, meus senhores, como já disse, não há diferença sensível, nomeadamente entre estes dois concelhos e o meu, do ponto de vista da sua fisionomia económica.
Sr. Presidente: pode, porém, dizer-se que houve um tratamento excepcional para o concelho da Feira? De modo nenhum.
O fenómeno repete-se com a mesma vivacidade com relação a muitos outros concelhos pelo País todo.
Por isso mesmo o assunto atinge as proporções de um verdadeiro problema nacional, a que é urgente dar solução capaz - e é essencialmente por isso que o trago ao seio da Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A tese é, pois, esta:
Na fixação dos contingentes de géneros deve atender-se às realidades económicas de cada concelho, e não apenas a uma dessas realidades, mesmo que predominante seja.
Concelhos ou, de preferência, freguesias com características iguais, embora de concelhos diferentes, devem merecer neste capítulo igualdade de tratamento.
Assim o exige o imperativo de uma justiça distributiva.
Não podem, não devem, sob pena de se cometer flagrante injustiça, que, por ser relativa, é, por isso mesmo, mais dolorosa, continuar a subsistir tão berrantes anomalias.
Urge, por isso, pôr-lhes cobro, fazendo-as desaparecer.
Evidentemente que não é a mim, não é a nós que compete ditar os meios capazes de fazer desaparecei-ta is inconsequências.
Mas porque o meu maior desejo e o meu maior empenho é colaborar para um melhor aperfeiçoamento dos serviços, permito-me apontar dois meios que muito podem contribuir para fazer desaparecer ou atenuar as injustiças que apontei.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para remediar tal situação de flagrante anomalia será preciso tirar aos concelhos que tem mais e repartir com os que têm menos?
Mesmo que assim fosse era ainda fazer justiça, que ninguém poderia repudiar; mas é que os concelhos que mais recebem, afinal, ainda recebem menos do que o suficiente.
Por isso mesmo, e enquanto subsistir a impossibilidade de o País ser suficientemente abastecido, só duas maneiras práticas e possíveis se antolham para remediar ou, ao menos, obviar a tais situações anómalas: rigor nos manifestos e repressão e, sobretudo, medidas de prevenção do comércio negro.
Por um lado, fiscalizar, rigorosamente, o manifesto dos produtos, embora simplificando-se, como é desejo da Câmara, a burocracia desses manifestos, mas por forma que tendam, quanto possível, a exprimir a verdade.
E, por outro lado, reprimir-se o cancro do comércio negro com severas medidas e pesadas sanções e, sobretudo, evitar-se esse comércio ilegal e fraudulento, e principalmente evitar-se as suas causas, descobrindo-se as fontes abastecedoras desse comércio pernicioso ao bem comum, apontando-se à execração pública, ao pelourinho da ignomínia, os fautores e exploradores desse comércio, e, estejam onde estiverem, correndo com eles sem piedade, como quem escorraça um animal daninho, e tudo por forma que refluam ao comércio local, para uma melhor distribuição, as grandes quantidades de géneros que fogem ao manifesto ou que por outras vias ou por outras formas afluem ao comércio ilegal e clandestino.
Há que prestar rasgada justiça à forma actuante como a Intendência Geral dos Abastecimentos vem reprimindo os delitos contra a economia, mas, sobretudo mais do que reprimir, o que urge é evitar.
Mais do que curar dos efeitos o que urge é atacar as causas a fundo, sem tergiversações, sem contemplações, sem piedade.
Urge pois que o Governo, e especialmente a Intendência Geral dos Abastecimentos, tome ou afine ajustadas e severas medidas, sobretudo para evitar os males evidentes que advêm, para as classes menos favorecidas, dessas situações de irregularidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E urge também que, reprimidas ou evitadas elas, o Governo possa e deva proclamar ao País que foram efectivamente tomadas as medidas necessárias e capazes de acabar de vez com as possibilidades de abastecimento desse nefando comércio ilícito.
E este o novo e último apelo que faço à ilustre Assembleia e, por meio dela, ao Governo da Nação, agora e sempre movido pelas duas únicas forças que impelem os meus actos: imperativo de justiça; desejo intenso de colaborar, de servir.
Sr. Presidente: vou terminar e já me alonguei demais para poder merecer a benevolência da Câmara.
Era mais grato ao meu espírito ou mesmo às minhas naturais inclinações tratar, embora sem ser literato, qualquer problema literário ou principalmente qualquer problema jurídico.
Mas, acima das nossas preferências ou das nossas inclinações, há que olhar e meditar sobre as realidades prementes da vida.
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E a necessidade de viver é uma, é a principal, dessas realidades.
Primum vivere ...
O problema que apresentei afigura-se-me de importância mais que justificada e a sua possível e total ou satisfatória solução impõe-se como um indeclinável dever.
Estou firmemente convencido de que o Governo, que tão altos serviços tem prestado ao País, procurará e saberá resolvê-lo com a prontidão e a perfeição que merece, como tem resolvido, a bem da Nação, muitos outros.
É com esta fé que lanço este meu apelo, em homenagem à justiça de uma melhor distribuição e também em homenagem às necessidades do meu concelho.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei de melhoramentos agrícolas. Tem a palavra o Sr. Deputado Cincinato da Costa.
O Sr. Cincinato da Costa: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna na actual Legislatura, quero dirigir a V. Ex.ª os meus mais respeitosos cumprimentos, de muito apreço e consideração, pedindo licença para, na pessoa de V. Ex.ª, os tornar extensíveis a todos os meus dignos pares.
Sr. Presidente: há uns quinze anos passou-se num pequeno mas importante sector da actividade nacional, a Associação Central de Agricultura, um pormenor que eu desejaria tornar público.
Muitos lavradores, duramente atingidos pelos encargos resultantes de empréstimos que tinham realizado para melhoramentos nas suas propriedades, pediram àquela instituição, então presidida pelo nosso saudoso amigo Dr. Joaquim Nunes Mexia, um dos obreiros do Estado Novo, que ela se interessasse junto do Governo para lhe fazer chegar uma reclamação.
Por ser director da Associação Central de Agricultura, fui incumbido de participar nas reuniões realizadas, para saber até que ponto esses lavradores tinham razão e para aceitar a reclamação dos mesmos.
Elaborou-se um extenso relatório e tornou-se necessário pedir uma audiência a S. Ex.ª o Ministro das Finanças. Isto passava-se em fins de 1930. Há quinze anos, portanto, e era então Ministro das Finanças S. Ex.ª o Sr. Dr. Oliveira Salazar.
Uma comissão delegada dos representantes, presidida ainda pelo Sr. Dr. Joaquim Nunes Mexia, de que fazia parte um dos devedores hipotecários, e eu, por ter dirigido os trabalhos dessa comissão, foi recebida por S. Exa.
Apresentou-se o parecer elaborado, e depois ouviu-se da parte do Sr. Ministro das Finanças uma sábia exposição, embora a traços largos, sobre todo o problema do crédito em Portugal.
Recordo-me de que S. Ex.ª pôs o problema das garantias do crédito e, para o explicar melhor, ter tido esta comparação: «O Estado não pode emprestar por igual a quem tem um bem fundiário, a quem tem apenas um automóvel ou uma simples enxada»; mas, ao mesmo tempo, disse: «O Governo não descurará o assunto, e, depois de arrumar a casa e de pôr em ordem as finanças, no que o meu Ministério está empenhado, eu prometo que o assunto será resolvido, a lavoura pode estar certa de que receberá dinheiro a longo prazo e a juro barato».
As palavras do então Ministro das Finanças e depois, para honra e glória nossa, Presidente do Conselho, produzidas nessa reunião, pelo que hoje vimos, foram cumpridas. Tal como sempre o tem feito, S. Ex.ª prometeu e cumpriu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Devemos, por isso - e fica bem dizê-lo aqui -, estar agradecidos ao Sr. Ministro das Finanças de há quinze anos e hoje Chefe do Governo, e ainda a todos os membros do Governo que, desde o 28 de Maio, todos têm cumprido e trabalhado devotadamente para que aquela promessa se pudesse transformar num facto.
Posto isto, Sr. Presidente, quero referir-me à proposta de lei que é submetida à consideração desta Assembleia e analisá-la em determinados passos.
Oradores que me antecederam trataram já aqui, larga e pormenorizadamente, do assunto, e por isso seria desnecessário eu vir falar-vos ainda na sua generalidade. Todavia, parece-me que há certos aspectos que importa talvez analisar, pela causa e pelo interesse que revestem.
Na finalidade desta proposta nós temos dois pontos fundamentais, como se diz no relatório.
O primeiro é este:
Parece conveniente ao Governo, no prosseguimento da política encetada, estimular e auxiliar a realização de pequenas obras de interesse privado, mas de largo reflexo nas condições de vida rural e que, ao mesmo tempo, constituam poderoso auxílio na resolução do problema do desemprego periódico.
O segundo ponto consiste, conforme se diz no relatório da proposta, na forma como o Estado se propõe intervir.
Propõe-se o Estado, para realização destes dois objectivos, intervir, depois de prévio estudo, no sentido de que os melhoramentos possam ser realizados por particulares, por meio de assistência técnica e financeira, concedendo empréstimos a juro barato e a longo prazo.
Esta última cláusula julgo que constitui, por assim dizer, como que o dínamo de toda esta reforma. É o que vai de facto movimentar a lavoura e permitir que ela possa, efectivamente, continuar a melhorar os seus bens e a produzir mais e melhor.
No entanto, quando se analisam as. bases propostas e ainda as considerações que as precedem, ocorre fazer um apanhado daquilo que se tem feito em Portugal. Quando aqui abordei, há dois anos já, ao referir-me às Contas Gerais do Estado, o problema da assistência que tem sido prestada à lavoura, procurei enumerar tudo quanto pelos diferentes departamentos do Ministério da Economia se tem feito, demorando-me um pouco mais na parte que interessa à própria assistência ao lavrador, assistência que tem corrido e corre ainda pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas. Esta Direcção Geral, para a sua intervenção, tem, como se sabe, o País dividido em quinze zonas, onde actuam várias brigadas técnicas; tem ainda estações especializadas, postos experimentais e brigadas móveis especiais capazes de realizarem determinados fins.
No entanto, procurei analisar o panorama agrícola português e então dei nota à Assembleia de uns números que se referem à distribuição do solo português quanto à sua aptidão, fazendo um apanhado dos estudos dos diferentes economistas, vindos de 1874, 1902, 1931 e 1934, portanto num período de sessenta anos.
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Esses estudos resumem-se pela forma seguinte:
[Ver Tabela na Imagem]
Pelos números anotados vemos que os terrenos produtivos aumentaram na percentagem de 30 por cento em Portugal e que os terrenos incultos, mas cultiváveis, passaram de 45 por cento para um terço, isto é, nestes deu-se o inverso, e que continuam a existir os chamados terrenos incultiváveis.
Entre os incultos, mas cultiváveis, existe a área de baldios que a Junta de Colonização Interna nos diz, num interessante estudo, elevar-se a 4,6 por cento da superfície do continente, acrescentando ainda que a maior parte desta área só pode ser aproveitada para explorações florestais, ficando cerca de 100:000 hectares para colonização conduzida pelo Estado.
Diz-nos a Junta de Colonização Interna que estes 100:000 hectares podem ser destinados, em parte, a novas explorações, ao parcelamento para completar explorações deficitárias e ainda a glebas para distribuir a trabalhadores rurais, a fim de eles poderem assim ter um complemento dos salários que vão auferindo pelo seu trabalho.
Dentro desta parte cultivarei nós temos as grandes culturas, pois Portugal não deixa de continuar a ser um país essencialmente agrícola, influenciado pelo clima mediterrâneo, como já aqui foi dito pelo ilustre Deputado Sr. engenheiro André Navarro, sendo os terrenos muito aptos para as culturas da vinha e da oliveira e para a exploração florestal, tendo ainda uma parte muito intensa de cultura cerealífera.
Na análise do problema que nos convém focar agora, vejamos se realmente tem havido ou não melhoramentos capazes de demonstrarem que a lavoura não tem estado de braços cruzados, e, pelo contrário, tem agido em sentido progressivo, embora possamos concordar que tem muito a fazer ainda para chegar ao estado de prosperidade que lhe traga, senão uma independência absoluta, pelo menos um desafogo muito maior do que aquele que tem actualmente.
Procurando observar o que se passa com a cultura dos principais cereais panificáveis - o trigo, o milho e o centeio - e ainda com o vinho e com o azeite, coligi os números que vou procurar resumir, para não abusar da paciência de V. Ex.ªs
Eles ilustram o meu depoimento.
Produção de cereais panificáveis nos anos de 1920 a 1989, segando o Instituto Nacional do Pão
(Médias anuais, em toneladas)
[Ver Tabela na Imagem]
Estes números revelam-nos ter havido um aumento de produção, no decénio anterior à guerra, de 201:478 toneladas de cereais panificáveis em relação ao decénio precedente, o que dá um acréscimo anual de 20:000 toneladas.
Isso se traduz num aumento de 27 por cento no decénio.
A população nos períodos de 1920-1924 a 1935-1939 aumentou de 27,8 por cento, anãs é preciso ver que, segundo os cálculos do mesmo Instituto Nacional do Pão, 85:000 toneladas de cereais se destinam a sementeiras e 100:000 para sustento de animais e para a indústria.
Ao todo, antes da guerra, o consumo de cereais era avaliado em 1.080:000 toneladas, o que equivale a dizer, que, em média, precisamos de importar cêrca de 130:000 toneladas.
Examinando o que se passa em relação a cada um dos cereais, verifica-se que, nos dois decénios citados, o trigo teve um aumento de 64 por cento, enquanto que o milho teve um aumento apenas de 8 por cento e o centeio baixou de 8 por cento.
Vejam V. Ex.ªs: se o total nos é favorável, constata-se, no entanto, que só tem havido um aumento decisivo na cultura do trigo.
Parece que força estranha ou novos hábitos desviam a população para um maior consumo de pão de trigo, o que é pena, pois a cultura do milho é tradicional em muitos pontos do País e o respectivo pão tem grande valor alimentar.
Não podemos, evidentemente, falar dos tempos mais chegados, porque os números agora apurados são números de guerra, num período em que, infelizmente, nos faltou a matéria fertilizante e em que a produção foi menor, consequentemente.
O aumento de produção citado tornou-se necessàriamente possível por duas ordens de razões: em primeiro lugar porque se aumentou a área cultivada em Portugal e depois por uma maior intensificação cultural.
Já aqui disse, em 1943, quando me referia às Contas tas Gerais do Estado relativas a 1942, que depois da criação do Ministério da Agricultura, no tempo do grande Presidente Dr. Sidónio Pais, de evolução em evolução, se chegou ao período de 1929-1930, em que foi. Ministro da Agricultura o nosso colega Sr. coronel Linhares de Lima, que criou a chamada «Campanha do Trigo», mais tarde transformada em «Campanha da Produção Agrícola», trabalhando-se sempre em estreita comunhão com a Direcção Geral dos Serviços Agrícolas. Foram então arroteados cerca de 87:000 hectares de terrenos que não eram cultivados. O lavrador recebeu prémios de arroteia e viu assim, em parte, compensados os seus esforços. É certo que nem toda essa mancha de terreno continuou a produzir trigo, mas não deixou de ser aproveitada para outras culturas que trouxeram grande interesse à economia nacional.
Mas poderá dizer-se que se produz mais trigo por ter havido nova extensão territorial entregue à sua cultura?
Procurei coligir elementos que esclarecem o assunto: o rendimento médio por hectare passou de 840 litros em 1929-1930 para 1:170 litros em 1930-1934, o que revela um aumento de 330 litros por unidade de superfície.
Em Espanha, segundo La Politica Española sobre Trigos y Harinas, 1945, do agrónomo Montojo Sureda, passou, respectivamente, de l:058 para l:115 litros por hectare. Apenas um aumento de 57 litros.
O aumento registado no nosso País resultou de uma propaganda bem orientada sobre o emprego e vantagem dos adubos junto dos lavradores. É o que nos revelam os índices seguintes:
Em 1916 a indústria nacional produziu 121:000 toneladas e em 1939 245:000 toneladas de superfosfatos.
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Quanto a adubos importados, temos: em 1916, 65:000 toneladas de superfosfatos, e em 1939 apenas 4:200 toneladas, o que representa que a nossa produção aumentou a ponto de preencher as necessidades da nossa lavoura.
Ainda quanto a adubos importados, verifica-se que em 1920 recebemos 52:395 toneladas e em 1939 101:411 toneladas.
Desta quantidade, 90 por cento é constituída por adubos azotados, dando como resultado a diferença de valores seguintes: em 1920, 7:763 contos e em 1939 80:114 contos.
De tudo isto resultou um aumento decisivo na cultura dos cereais.
Mas resultou também um aumento do efectivo pecuário no nosso País, porque, segundo as estatísticas, tínhamos, em 1920, 7:006:057 cabeças de gado e em 1940 7.296:603, ou seja, em números exactos, um aumento de 290:546 cabeças. Aumentou, portanto, a produção agrícola e a população pecuária.
Por outro lado, quanto à produção de vinho e azeite, segundo as (produções que aqui tenho registadas, em relação ao período que decorre entre 1921 e 1942, período ainda não influenciado pelos manifestos, que eu ouso chamar de mentira estatística, dado os interesses que a eles estiveram ligados, verifica-se que houve um aumento de 37 por cento na produção de vinho e de 52 por cento na produção de azeite.
É o que se pode ver no mapa que leio:
Produção de vinho e azeite em Portugal
(Vinho em hectolitros; azeito em quilogramas)
[Ver Tabela na Imagem]
Entretanto, no Mundo e nos mesmos períodos ou, mais correctamente, até 1938, houve um aumento de l5 por cento aia produção vinícola e de 14 por cento na produção de azeite.
Para que trago todos estes elementos? Para concluir o seguinte: que em primeiro lugar o que se pretende com a proposta é maior quantidade de produtos, porque há vários milhões de portugueses a sustentar; em segundo, porque interessa colocar no mercado interno e exportar a mercadoria que nos sobra, e para isso torna-se necessário, evidentemente, que essa mercadoria seja da melhor qualidade.
E, assim, bem avisado andou o Governo na sua proposta, em que põe o problema de melhoramentos fundiários que interessam ao aumento de produção e outros, como os celeiros e indústrias anexas, à exploração, que podem trazer melhor arrecadação do produto e assegurar a sua qualidade.
Podemos ainda anotar o que tem sido a actividade dos nossos serviços agrícolas em matéria de instalação de pomares industriais e de vinhedos para uvas de mesa e quanto à construção de silos.
Publicou-se o decreto n.º 25:327 em Maio de 1935 e até à presente campanha o resultado verificado traduz-se nos números seguintes: número de pomares, 101; área em metros quadrados, 1.444:430; número de árvores distribuídas, 51:199.
Quanto a uvas de mesa, os resultados são igualmente animadores, pois desde 30 de Março de 1936 (decreto-lei n.º 26:481), eles se traduzem assim: numera de vinhas, 52; área em metros quadrados, 1.172:484; número de videiras, 404:259.
Igualmente tem sido altamente proveitosa a política seguida quanto à construção de silos.
À data da publicação do decreto-lei n.º 32:272, de 19 de Novembro de 1942, verificou-se, por uma estimativa feita, que havia em Portugal cerca de 300 silos. Depois disso foram construídos, subsidiados pelo Estado, 134 silos.
O que é interessante verificar, segundo informação que colhi no Ministério da Economia, é que ao lado de um silo que se constrói aparecem logo outros silos cuja construção não foi subsidiada pelo Estado.
E há um caso curioso, ocorrido na freguesia de Bagunte, do concelho de Vila do Conde: há um proprietário que, com subsídio do Estado, construiu um grupo de três silos; um vizinho viu e, constatando as suas enormes vantagens, não disse nada a ninguém, calou-se muito calado e pediu-lhe a planta emprestada para construir, sem qualquer subsídio do Estado, um silo na sua propriedade.
Têm-se verificado vários exemplos destes, isto é, depois de um subsídio dado, aparecem três ou quatro pessoas que, vendo os resultados obtidos, resolvem mandar também construir silos.
E é ainda curioso registar aqui o montante da verba que a repartição competente tem anualmente ao seu dispor para subsidiar a construção de silos e ao mesmo tempo o custo de projectos, custo este que anda à volta de 1.500$, 1.800$ e 2.000$ por cada projecto de uma bateria de dois a três silos.
Quer a Assembleia saber qual é essa verba anual? É apenas de 100 contos!...
Pois, apesar de tudo isso, alguma coisa se tem feito, realmente, entre nós, e ao mesmo tempo começam já os serviços a estudar o problema das nitreiras, para também as disseminar por esse País fora e assim poderem completar o arranjo agrícola de cada casa e se poder ter uma lavoura progressiva.
A proposta que é submetida à nossa consideração tem, como disse, aspectos que não podemos deixar de aprovar em absoluto, e o maior deles é o juro barato e a amortização a longo prazo.
Estou convencido de que desta proposta vai resultar um grande melhoramento nas nossas coisas agrícolas e estou convencido ainda de que certos sectores vão ser altamente influenciados.
Há, evidentemente, a parte florestal e a parte da hidráulica agrícola; para qualquer destas já foram aprovadas medidas legislativas da maior importância, que darão os melhores resultados dentro de poucos anos. Porém, há ainda muito a fazer pelo que respeita às pequenas coisas agrícolas, e ainda às pequenas obras de interesse privado, que muito contribuirão para o progresso da lavoura.
Sr. Presidente: há ainda um outro aspecto para o qual chamo a atenção da Assembleia e que respeita às vantagens que os empréstimos a juros baratos podem trazer ao cooperativismo agrícola.
Desde 1901 que temos uma lei da autoria do Ministro Vargas, que, apesar de muito criticada por serem diminutos os reflexos que teve na economia do País, se não foram bons os frutos que dela se esperava, essa circunstância deve-se a terem falhado capitais a juro barato.
Esta proposta vem, a meu ver, favorecer altamente essa união da lavoura, essa associação de lavradores, que permita fazer melhoramentos e criar condições de modo a poder agir como instrumento de grande interesse nacional para a valorização da nossa riqueza agrícola.
Em quase todos os diplomas sobre matéria vitivinícola que têm sido publicados pela actual situação se vê
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bem firme a ideia de o Governo querer dar impulso às cooperativas de produção.
Mas elas não se têm constituído, de facto, por lhe faltarem os meios indispensáveis para isso.
Se tivéssemos há mais tempo seguido o exemplo de outros países vinhateiros que adoptaram princípios idênticos aos da actual proposta de lei, teriam certamente sido outros os resultados.
Em França, por exemplo, elaborado o projecto de uma adega cooperativa e aprovado este pelos serviços do Génie Rural, que entre nós seriam de engenharia rural, o Estado entra com um subsídio, com participação não reembolsável, de 10 por cento do custo da obra e empresta depois duas terças partes da verba restante a longo prazo (vinte a vinte e cinco anos) e a 3 por cento ao ano. Além disso classifica as adegas cooperativas como organismos de utilidade pública. Os viticultores associados apenas subscrevem um terço do capital. Os resultados referidos a 1930 são os seguintes: 464 adegas cooperativas, reunindo 40:000 viticultores e trabalhando anualmente 300.000:000 de quilogramas de uvas.
A maior adega do Mundo, que ao tempo era a de Massillargues (Hérault), e que eu visitei, tinha em 1910 apenas 70 sócios e em 1930 já contava 520, laborando cerca de 20:000 pipas de vinho.
Em Itália trabalhava-se por um processo diferente: existia um consórcio bancário que emprestava a quantia necessária ao juro de 6 por cento, mas o Estado responsabilizava-se pelo pagamento de 2,5 por cento desse juro, ficando à conta dos sócios da adega apenas 3,5 por cento.
Entre 193,1 e 1035 o Estado italiano resolveu chamar sobre si o pagamento total dos juras, para assim fomentar a criação de mais adegas. Em 1932 existiam já 153 adegas, trabalhando mais de 100.000:000 de quilogramas de uva.
Com exemplos destes, a que poderia juntar os de Espanha, onde o cooperativismo vinícola igualmente triunfou, pergunto eu se não virão a ter um assegurado futuro, desde que lhe dêem os meios indispensáveis, as adegas cooperativas a instalar na região dos vinhos verdes, onde há 90:000 produtores, e na região do Dão, onde esse número se fixa em 40:000?
Como é sabido, nessas manchas vinícolas a média de produção por produtor não atinge três pipas, devendo, por isso, para preparação de tipos e solução de um problema comum, criar-se adegas cooperativas.
Mas onde o exemplo é anais interessante é nas cooperativas de lacticínios.
Vejam V. Ex.ªs o que sucedeu em França no fim do século passado, no Oeste francês, na região de Charente e do Poitou, quando foi da invasão filoxérica, em que os vinhedos foram completamente destruídos. Houve um agricultor, no dizer de Laribé, ilustre escritor francês, que, observando aquela tragédia heróica, resolveu aconselhar o arranque das vinhos devastadas e a constituição de pastagens que tornassem possível a criação de gado.
Depois, em 1888, fomentou a constituição de uma cooperativa de lacticínios, com 60 sócios. Em 19,24 havia já um total de 129 cooperativas, com 80:000 sócios, movimentando estas cooperativas 370.000:000 de litros de leite, com um lucro anual de 278.000:000 de francos. Vale a pena referir aqui uma particularidade muito especial: enquanto o preço do leite pago pela cooperativa oscilava entre 14 e 20 centimos o litro, a indústria particular só o pagava a 6 e 8 centimos. Havia uma valorização evidente a favor do produtor. Isto passava-se em 1888.
Entre nós parece viável - e eu terei ocasião de mandar para a Mesa uma proposta nesse sentido - que se acrescente àquela expressão «produtores agrícolas» a expressão «cooperativos de produtores». Aceito ainda a sugestão apresentada pela Câmara Corporativa, desejando que resultem benefícios desta proposta a favor dos grémios da lavoura, mas direi no entanto ser indispensável que os grémios da lavoura deixem de ser, como alguns foram neste período de guerra, verdadeiros instrumentos comerciais e que cumpram o seu dever corporativo, assistindo mais eficazmente ao agricultor.
O Governo, quando definiu a sua política acerca de grémios ida lavoura, definiu-os com propriedade, e não lhes deu a característica de estabelecimentos comerciais, que, infelizmente, é a política que muitos têm seguido.
É preciso trabalhar nas regiões dando assistência à lavoura e pugnando pelos seus interesses dentro da orientação dos serviços agrícolas, que, incontestàvelmente, têm muita competência. E tanto assim é que quando foi reformado o Conselho Técnico Corporativo ficou claramente expresso que os grémios da lavoura continuariam a depender da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas. A lei diz mesmo que os grémios podem pugnar pelos meios corporativos e julgo que não há nada que obste a que esta Assembleia considere sob os pontos de vista exarados na proposta de lei não só a lavoura, mas os próprios grémios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Resta-me agora analisar um último aspecto, que é o de se querer confiar, pelo Ministério da Economia, à Junta de Colonização Interna a competência técnica e financeira para dar execução ao disposto na proposta de lei.
A necessidade de se fazer ouvir o sector competente nesta questão e prestar-lhe assistência técnica é de absoluta evidência.
Mas eu prefiro aprovar uma proposta em que se eliminem as expressões «Junta de Colonização Interna» e se diga apenas «Compete ao Governo, pelo Ministério da Economia, prestar a assistência, etc.», para assim o Governo ficar com os movimentos absolutamente livres, regulando depois a matéria como melhor entendei. E porque digo isto? Não é porque não reconheça, ou não tivesse reconhecido, há muito tempo, o valor da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, não é porque não reconheça também o valor da Junta de Colonização Interna, que tem sido um organismo importantíssimo, que, apenas no espaço de nove anos, já tem estudado profundamente certa s questões que se prendem com a parte económica e social, não só numa área de 4,6 da superfície territorial portuguesa do continente, como já anotei, mas em certas herdades. Reconheço tudo isso, que é um elemento do maior valor e que tem feito uma obra admirável, mas quando ponho o problema assim é apenas por questão de princípio.
Poderão V. Ex.ªs dizer: «mas tudo pode ser reformado e essa proposta de lei pode estabelecer novas directrizes». A mim, porém, causa-me preocupação que tal possa suceder, por pensar que, competindo ao Governo regulamentar a proposta, ele então decidirá, com maior liberdade, sobre a entidade que terá de superintendei-nos respectivos serviços.
O Governo entende que é a Junta de Colonização Interna ou é a Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, ou os dois organismos em conjunto, ou pensa haver necessidade da criação de um novo organismo, aproveitando elementos daqueles dois organismos, a fim de conseguir mais fàcilmente o objectivo em vista; poderá fazê-lo à vontade, sem que esta Assembleia tenha de lhe pedir contas.
Não sendo assim, ficando em dois departamentos serviços semelhantes, como, por exemplo, o da construção
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de silos, suscitam-se problemas como este: um produtor fica sem saber se deve recorrer à Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, solicitando-lhe um projecto gratuito e uma comparticipação não reembolsável, que, como disse, vai até um terço do custo da obra, ou se, como agora se prevê na proposta de lei, terá de se dirigir à Junta de Colonização Interna, pedindo-lhe, mediante a aprovação de um projecto, um empréstimo a 2 por cento, a longo prazo e fiscalizado.
Digam-me V. Ex.ª se assim não pode surgir certa confusão para o lavrador?
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? Parece que uma coisa não exclui a outra.
O Orador: - É exactamente o meu ponto de vista. Por isso digo que terá de escolher uma ou outra forma.
Mas há uma questão de ordem legal que importa, acima de tudo, esclarecer.
Tenho aqui o decreto-lei n.º 27:207, que reformou os serviços do antigo Ministério da Agricultura. Por ele se vê que a antiga Direcção Geral da Acção Social Agrária compreenderá quatro repartições, sendo uma delas a dos baldios, incultos e colonização, lendo-se no relatório que justifica a reorganização o seguinte:
Resta a divisão de baldios e incultos. Como se sabe, está feito, grosso modo, o reconhecimento dos baldios do País. Uns serão arborizados, outros servem de logradouro comum dos povos e outros podem e devem ser aproveitados para colonização. Quantos milhares de hectares? Não tantos como parece, se se quiser fazer obra duradoura, e nada que venha resolver o problema que o aumento da população vai pondo em evidência. No entanto está aqui um problema de governo que é necessário resolver. Teremos de aproveitar o que ainda resta e encaminhar para as colónias com mais intensidade a corrente da população, desenvolvendo nelas condições gerais de vida dos colonos. Para aquele fim se cria a Junta de Colonização Interna. E porquê uma Junta? Em primeiro lugar, esses serviços são de natureza transitória. Duram enquanto houver que aproveitar. Por outro lado, julga-se que, a exemplo do que tem sucedido com instituições semelhantes, a Junta tenha maior capacidade de acção.
A Junta de Colonização Interna tem, pois, um carácter transitório, o que constitui para mim uma primeira preocupação.
Mas verifica-se, o que aliás sucede com instituições semelhantes, que a Junta tem maior capacidade de acção.
Não é apenas o carácter transitório da Junta que me preocupa. É a sua própria competência.
A Câmara Corporativa, no seu parecer, que V. Ex.ª leram, com certeza, diz:
Não parece, nestas condições, que haja o perigo de interferências ou atritos, e tanto mais que, apesar de à Junta de Colonização Interna ter já sido concedida, pelo decreto-lei n.º 27:207, de 16 de Novembro de 1936, a faculdade de e empreender obras fundiárias para aumento de produção ou melhoria de habitações rurais», sem que de tal resultassem inconvenientes,...
É fácil de ver que está errada a citação legal e não está completo o texto, porque não é no decreto-lei n.º 27:207 que vamos encontrar aquela disposição, mas sim no decreto-lei n.º 32:439, que diz o seguinte:
São fins essenciais da Junta de Colonização Interna:
3.º Empreender obras fundiárias de que resulte aumento de produção ou melhoria das instalações rurais não adstritas a outros serviços públicos.
E no § único que se segue apenas se fala em colonização e na instituição correlativa de casais agrícolas.
De maneira que me parece grave, e aqui é que nasce o conflito, dar competência a uma Junta que foi criada a título transitório e que tem de exercer funções em área restrita do País, talvez os tais 4,6 por cento da superfície do continente, visto o resto estar adstrito a outros serviços públicos.
Por isso, penso que séria preferível deixar ao Governo o acto de administrar ou regular, como melhor entendesse, o assunto.
Um colega propôs a criação de um conselho; mas também pode ser uma direcção geral, pois a qualidade do organismo não interessa.
Mas não se deve esquecer o que justamente se afirmou no relatório das contas do Estado de 1940, ao falar-se da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas:
Pode dizer-se que o problema do rendimento agrícola da terra depende da eficácia do trabalho desta Direcção Geral, visto nela se concentrar quase tudo o que diz respeito à vida rural portuguesa.
E ainda:
A assistência agrícola tem de ser elementar num país de propriedade extremamente fragmentada, a norte do Tejo; o técnico tem de descer até ao agricultor, que, em geral, é inculto, eivado de preconceitos agrícolas que só a realidade pode destruir. A agricultura é por excelência uma ciência experimental em que o senso prático desempenha papei importante, e é função do Estado canalizar até aos produtores os resultados da investigação, de uma maneira simples e acessível aos seus parcos conhecimentos.
Um outro aspecto quero analisar, por pretender apresentar uma proposta de aditamento à base VI.
Penso que a primeira anuidade da amortização se deveria fazer só depois de dois anos de o melhoramento concluído, para assim o produtor ter real benefício do empréstimo que lhe é feito.
Quanto ao mais, concordo inteiramente com a proposta, salvo estas pequenas considerações que acabei de fazer.
Termino lembrando estas palavras, que vêm num envelope que todos nós recebemos do Grémio da Lavoura do Grato e que foram escritas pelo nosso Chefe:
Pretendeu-se mais trabalho e mais riqueza para todos e forçou-se a terra pelo arroteamento, pelas obras da hidráulica, pelo intenso povoamento florestal, certamente o mais vasto desde D. Dinis, pelo aperfeiçoamento dos métodos de cultura, pela activa intervenção da técnica a dar alimento para mais milhão e meio de portugueses.
Isto disse Salazar e eu termino dizendo: bem haja o Governo do Estado Novo, que, com a presente proposta, procura enriquecer a agricultura pátria, pondo ao seu
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alcance os meios necessários para a melhoria das suas condições técnicas e financeiras.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: a circunstância de termos vivido aqui nesta Assembleia desde há largos anos, desde a primeira legislatura, põe-me à vontade para convictamente saudar V. Ex.ª por ter sido elevado a esse cargo, eleito por todos quantos aqui se encontram e que na sua vida lá fora desempenham outras funções com aprumo, com dignidade é com elevação, em benefício da causa nacional.
Eu saúdo V. Ex.ª, Sr. Presidente, e felicito-o por presidir a uma Assembleia Nacional que se mostra vibrante, possuída da mesma fé, da mesma energia e do mesmo entusiasmo com que aqui se apresentaram os Deputados eleitos para a primeira Assembleia Legislativa, o que revela que estamos possuídos convictamente do papel que desempenhamos na vida nacional e de que a nossa doutrina se alimenta daquela seiva fecunda e inexaurível que fez nascer e perdurar, através dos séculos, esta Nação, que reivindica para si um dos primeiros lugares na defesa da civilização cristã, dessa civilização pela qual continuamos a bater-nos, na certeza de que lutamos pela suprema verdade e de que, com ela e por ela, havemos de vencer.
Sr. Presidente: a proposta de lei que está em discussão apresenta-se a esta Assembleia sob a epígrafe de melhoramentos agrícolas. O enunciado da proposta, só por si, denuncia que o Governo considerou de necessidade absoluta promulgar disposições que viessem melhorar a produção e exploração agrícolas.
Por mim, Sr. Presidente, quando pensei nesta primeira parte submetida à minha apreciação, veio-me ao espírito aquela frase de Daniel Serruys, no Instituto Nacional Agronómico, quando disse que nenhuma nação pode alicerçar uma força real se não a firmar sobre a agricultura.
Na verdade, a vida agrícola, uma sólida organização agrícola, é indispensável não só para um estável progresso económico da Nação, mas também condição primária para que se mantenha a paz, a ordem e a disciplina social.
Depois, esta proposta de lei sugeriu-me ainda, e logo a seguir, este problema: carecerá a agricultura no momento que passa do auxílio e do estímulo do Estado para melhorar a sua produção e a sua exploração? Já aqui foi dito com números paciente e afanosamente rebuscados que a vida agrícola do País melhorou e se desenvolveu de 1926 para cá.
Mas também já aqui se disse e provou que a esse aumento de produção agrícola não correspondeu uma prosperidade da vida das populações rurais proporcional ao progresso que outras actividades têm tido. E se a lavoura não tem hoje uma posição de prosperidade correspondente ao esforço que desenvolve, há que procurar determinar quais as circunstâncias e causas desta desproporcionalidade de lucros auferidos pela lavoura e pelas outras actividades nacionais.
Na verdade, Sr. Presidente, através de vários índices se constata que, de uma maneira geral, não é próspera nem firme a situação económica da lavoura nacional.
Considero legítimo que se adoptem todas as medidas tendentes a melhorar o auxiliar essa produção, porque ela reverte em benefício do bem comum. E por isso sob este aspecto não tenho dúvida em dar o meu voto à aprovação desta proposta de lei.
Apreciar uma proposta de lei importa necessariamente formular um raciocínio lógico com o fim de se descortinar quais os objectivos e fins que por ela se pretendem alcançar e determinar depois se a técnica de realização estabelecida pela proposta é aquela que mais se adapta às necessidades do País.
Para mim considero que os objectivos da proposta são de natureza económica e de natureza social. São de natureza económica porque se pretende aumentar a produção agrícola, aumentando a produção da propriedade rural; mas eu queria que se dissesse que este novo esforço que se vai exigir da agricultura havia de redundar num benefício para a vida rural. Não compreendo que do todas as actividades que auferem lucros da produção agrícola seja a lavoura aquela que menos lucros obtém. Não me parece legítimo que o lucro comercial dos produtos da lavoura seja superior ao lucro agrícola que obtém o lavrador.
Quem conhece a vida do nosso campo sabe muito bem que poderia fazer-se dele melhor aproveitamento se houvesse para tanto nas mãos do lavrador capacidade financeira e se tivesse também a seu lado assistência técnica.
E porque é, Sr. Presidente, que a lavoura e a vida agrícola se vêem decair de tempos a tempos e se vêem as populações rurais abandonar a vida agrícola para virem para os grandes centros urbanos à procura dos salários industriais ou à procura de qualquer outra actividade menos difícil, menos árdua e trabalhosa e de melhor remuneração?
É precisamente por virtude desta desproporeionalidade que existe entre o lucro industrial, o lucro comercial e o lucro agrícola.
Esta é uma das razões por que as populações rurais abandonam a terra e se deslocam para os grandes centros urbanos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O fim económico que a proposta de lei se propõe alcançar poderá e deverá ser alcançado através dos processos que a lei apresenta; quere-me parecer que não podemos ter dúvidas a este respeito.
Todo o investimento que se faça, inteligente e ordenadamente, de capitais na terra há-de necessariamente reverter, há-de transformar-se em melhoria da produção da terra. Mas eu vejo na proposta de lei que se discute, além do fim económico, o fim social, que visa a fixar na terra as populações que nela nascem e que dela vivem.
É evidente que em Portugal, como em outros países do Mundo, a maioria da população vive da vida agrícola, trabalha na vida agrícola. Esta população agrícola é numericamente a grande consumidora aos produtos nacionais. Se se enfraquece a vida agrícola, se se não dá ao rural a remuneração correspondente ao seu esforço, evidentemente que isto há-de ter reflexo em todas as outras actividades nacionais, como seja sobre o comércio, sobre a indústria e sobre as profissões liberais.
O fim social da lei parece-me que se destaca nitidamente quando vemos que por ela e através dela se pretende fazer também obra de colonização interna. Quere-me parecer que não admite qualquer sombra de dúvida que por ela se pretendem fixar à terra as populações rurais, e isto é obra de colonização interna.
Tratar de obter melhor aproveitamento de todos os recursos do solo, para que esse aproveitamento empregue mais braços e absorva maior numero de trabalhadores, é procurar fixar directamente na terra esses homens, é procurar retê-los nos lugares em que nasceram e em que se criaram os seus antepassados.
Portanto, o fim económico e o fim social da lei são indirectamente também uma obra de colonização interna.
Qual a técnica da realização que se apresenta para conseguir levar a cabo os objectivos que a lei se propõe?
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Sr. Presidente: percorrendo o relatório e o articulado da proposta fica-se realmente reconfortado por ver que esta é uma das leis que nada vai impor à lavoura nacional.
É uma lei em que se respeita inteira e absolutamente a iniciativa individual.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Apenas essa iniciativa vai ser estimulada, vai ser despertada pelo processo de realização que a lei nos apresenta. E depois deste período calamitoso da guerra, em que tantos sacrifícios se impuseram ao proprietário rural, em que se lhe devastaram as suas matas, em que se requisitaram os géneros que a lavoura produzia, deixando por vezes aqueles que deram todo o seu esforço sem o necessário para manter as suas casas, é reconfortante, depois de tantas medidas de emergência que se impuseram à agricultura, ver que aparece uma proposta em que nada se retira, em que nada se impõe à lavoura e em que tudo se lhe oferece.
Na verdade, Sr. Presidente, a riqueza florestal deste País - as matas particulares - constitui uma base da economia dos indivíduos. As madeiras o lenhas provenientes dessas matas, nas mãos dos lavradores, daqueles que as semeiam, daqueles que com carinho as cultivam, daqueles que enternecidamente as vêem crescer, pouco valem, são pagas por baixo preço. Mas desde que esses produtos passam para a mão do comércio e da indústria, não se sabe porque fantasia adquirem uma valorização extraordinária, e o consumidor tem de os pagar por preço bem diferente daquele por que saíram da mão do lavrador. E então parece que, por espírito de justiça desta lei, se pretende de alguma maneira restituir à terra aquilo que as circunstâncias do momento, que o imperativo da vida colectiva exigiu que se lhe retirasse.
E então traz-se para a terra dinheiro a longo prazo e a baixa taxa de juros.
É estoutro problema que cada um daqueles que se tem de pronunciar tem de examinar detidamente.
Deverá na realidade o empréstimo feito à lavoura ser a longo ou a curto prazo? Por mim, parece-me que, tratando-se de fornecer dinheiro para investimentos fundiários, para obras reprodutivas sim, mas reprodutivas a longo prazo, não poderia de maneira nenhuma adoptar-se outro sistema que não fosse o do empréstimo também a longo prazo.
As obras de investimento fundiário não se compadecem nem se adaptam à modalidade de crédito a curto prazo, boa para o comércio e para a indústria. A lavoura não pode nem deve estar sujeita às modalidades de crédito que impõem andar periodicamente a reformar letras, a substituir títulos de crédito, enfim, a andar nesse jogo de capitais de que ela nada entende e que só lhe fará perder tempo. Portanto, a modalidade do empréstimo a longo prazo era aquela que se impunha.
Já Oliveira Martins, quando apresentou na Câmara o projecto de lei do fomento rural, projecto que nunca pode ser esquecido quando se tenha de fazer alguma coisa em benefício da agricultura, já nesse momento apresentava aqui, conjuntamente com esse projecto de lei, as taxas de desconto, as taxas de juro que à mesma agricultura se exigiam por esses capitais que lhe eram emprestados.
E é impossível investir capitais na terra a taxas de juros de 8, 10 e 15 por cento, quando é sabido que a média do lucro agrícola nunca vai além de 5 por cento. E o Governo teve a noção exacta e rigorosa desta realidade económica e desta realidade social; e o Governo, prosseguindo na sua obra de fomento, mandou para a Assembleia Nacional uma proposta de lei de melhoramentos para a agricultura. É a continuação doutras propostas de grande vulto: a da reinstituição económica, a do repovoamento florestal, a da hidráulica agrícola e tantas outras que parcelarmente têm vindo a esta Assembleia em vez de virem encorporadas numa única proposta, como fez Oliveira Martins.
A taxa de juro de 2 por cento é comportável pela vida agrícola. O sistema de empréstimo parece-me racional, lógico e adaptável às realidades e possibilidades da agricultura. O período largo de amortização e a forma de cobrança dessa amortização e respectivos juros conjuntamente com a contribuição predial de cada ano também dá ao proprietário a noção, melhor direi, a sensação de que se não trata de um débito seu, mas apenas de um aumento da contribuição predial compatível com os melhoramentos que no prédio se fizeram. Quer-me parecer, portanto, que a técnica de realização dos objectivos que transparecem desta proposta de lei é também perfeita, é também aquela que deve ser.
A quem confia a proposta de lei a realização deste objectivo? À Junta de Colonização Interna.
A proposta de lei em discussão propõe-se levar ao lavrador dinheiro e assistência técnica. O dinheiro há-de chegar mercê da execução dos decretos regulamentares que se hão-de fazer baseados nesta lei. A assistência técnica há-de chegar através da Junta de Colonização Interna.
E porque para mim sobressai nesta proposta de lei o aspecto social, não tenho dúvidas em aceitar e em dizer que a Junta de Colonização Interna, tal como trabalha e em conformidade com os fins para que foi criada, é o único organismo a quem deve ser confiada esta missão, como de resto se prática em todos os países da Europa em que se fazem melhoramentos agrícolas desta natureza. A Junta de Colonização Interna tem-nos dado a conhecer, através de bem elaborados relatórios, como trabalha e como actua, qual o seu dinamismo. E realmente uma repartição possuída de um espírito moderno de actuação, próprio do nosso tempo; ela estuda criteriosamente e depois põe em execução por uma forma firme e decidida.
A Junta de Colonização Interna publicou estudos vários, e entre eles alguns que representam o estudo de propriedades, como a propriedade da Torre e outras; a Junta de Colonização Interna fez o reconhecimento e publicou o relatório, em três grossos volumes, dos baldios do nosso País.
A Junta de Colonização Interna estudou no sul do País 4:800 propriedades de área superior a 60 hectares cada. Tem, portanto, técnicos preparados para execução imediata dos fins que nos propõe a presente proposta de lei. Tem métodos de trabalho já experimentados para a realização desses fins. Seria anacrónico, seria incompreensível, depois de todos estes trabalhos preparatórios, depois de se ter dado o carácter eminentemente social a esta proposta de lei, entregar a outra entidade, criada ou a criar, a execução da mesma lei. A lei, Sr. Presidente, entre os processos de realização dos fins que tem em vista, propõe-se levar os técnicos até junto da lavoura. E ainda bem que assim é, porque quem nasceu, se criou e tem vivido no campo é que bem pode avaliar o que serão os nossos técnicos agrícolas a ajudar o lavrador no cultivo dos campos. E parece me que não é descabido, tocando neste assunto, exemplificar os progressos feitos por algumas culturas que recentemente se desenvolveram e alargaram no nosso País e dizer qual a razão porque isso aconteceu. Quero, por exemplo, referir-me à cultura do arroz, em que os técnicos foram realmente junto do lavrador e com ele colaboraram na organização dos arrozais, ensinando-lhes os processos de cultura, ensinando-lhes as providências a adoptar. E devo citar aqui, porque bem o merecem,
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pelo menos dois desses técnicos: o engenheiro Benoliel, já desaparecido, e o regente agrícola Vieira.
E foi-me dado verificar que, por motivo dessa assistência, muito aprenderam os lavradores e muito desenvolveram as soas culturas orizícolas.
Ora, Sr. Presidente, se para fiscalizar a lavoura nestes anos de guerra, se para fiscalizar a sua produção de azeite, se para fiscalizar a qualidade dos seus vinhos e do sen arroz, havia técnicos que invadiam os lagares, que invadiam as adegas, que invadiam as matas e que tinham ao seu dispor todos os meios de que necessitavam para se deslocar, porque não há-de haver agora técnicos para irem, não numa função de fiscalização, não numa função de autuação, mas numa função de ensinamento e de colaboração, até junto da lavoura?
Forque é que se não há-de pôr à disposição dos serviços da colonização interna os meios necessários de transporte, os automóveis, as fourgonnettes, as motos, em que andavam por esse Pais fora os fiscais, quer dos serviços do Estado, quer dos organismos corporativos, que apareciam como sombra negra, como espectros, ao lavrador, quando deviam aparecer como aparece o médico, como conselheiro, para os ajudar, para ajudar a lavoura a sair da situação difícil em que se encontra? Eles deviam misturar-se com os lavradores, como faziam os técnicos da orizicultura, e proporcionar-lhes o saber teórico que adquiriram nas Universidades e aprender também com eles alguma coisa das realidades que os livros não ensinam.
Portanto, Sr. Presidente, posso, na realidade, votar na generalidade esta proposta de lei, seja qual for o aspecto sob que a encare; e voto-a consciente e confiadamente, na esperança de que a situação das populações rurais seja alguma coisa melhorada por virtude desta iniciativa do Governo.
É um facto, é uma verdade irrefragável, que o nível de vida das populações rurais, embora seja melhor que em 1926, é ainda assim inferior ao nível dos trabalhadores do comércio ou da indústria. E que assim é, Sr. Presidente, revelam-nos ainda alguns desses técnicos da Junta de Colonização Interna que andam trabalhando por esse País, dormindo nos montados, dormindo nas aldeias, mas trabalhando alegremente, porque o fazem com amor e carinho pela causa que lhes está confiada.
O engenheiro agrónomo Eugênio Queirós de Castro Caldas, no estudo que fez, escreveu num consciente e profundo relatório o seguinte:
Leu.
Isto é a observação directa que nos faz uma pessoa que fez a inspecção ocular e pessoal do que a vida dos nossos trabalhadores rurais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não é portanto destituída de fundamento a afirmação que aqui fez o Sr. Deputado Teófilo Duarte quando disse que eram ainda lamentáveis as condições em que viviam as populações rurais.
O Sr. Nunes Mexia:- V. Ex.ª dá-me licença? Refere-se aos trabalhadores ou aos seareiros?
O Orador: - Refere-se a todos os homens que trabalham no campo.
O Sr. Nunes Mexia: - Quanto aos seareiros, se considerarmos a permanência de poucos dias do campo, está bem, e assim mesmo em casos muito especiais.
O Orador: - Eu creio que disse quando li o relatório que os ranchos vêm de todos os pontos do País para trabalhar nestas regiões...
O Sr. Nunes Mexia: - E que vivem em choupanas?
O Orador: - Que vivem em choupanas, que são picados pelos mosquitos, que não têm habitações, etc.
O Sr. Nunes Mexia: - Apenas na cultura orizícola conheço casos frequentes de instalação no campo de ranchos sem os requisitos necessários, mas importa acentuar que são os próprios trabalhadores que se não subordinam às normas reputadas convenientes.
O Orador: - Por isso ou acho que os efeitos desta lei só podem ser eficientes quando, concomitantemente, se publicarem outras disposições legais que revertam em benefício da terra e daqueles que nela trabalham.
Quero referir-me uma vez mais nesta Assembleia ao condicionamento industrial.
Apresentei aqui, quando se discutiu essa lei - torno a dizê-lo -, uma proposta de emenda e de alteração, concebida pouco mais ou menos nestes termos: «que sejam isentas de condicionamento industrial as indústrias complementares da indústria agrícola».
Por maioria de um voto não triunfou o ponto de vista que então defendi; mas cada vez mais arraigadamente me convenço de que é preciso dar vigor a essas indústrias complementares da indústria agrícola. É preciso deixar ao trabalhador rural a perspectiva de que não há-de andar toda a vida agarrado à enxada ou à rábica do arado quando, pela sua inteligência, pode transitar para uma modalidade industrial daquelas que se exercem nos campos.
É preciso acabar desde já com as restrições que, em benefício da grande indústria, se impuseram àquelas pequenas indústrias, como sejam as azenhas de farinhar e as azenhas de descasque de arroz, porque isso não constitui especificamente uma modalidade industrial, mas apenas uma operação complementar da vida agrícola.
É tempo de robustecer e de dar vida a essas pequenas indústrias rurais, tantas vezes aqui defendidas pela voz eloquente e convicta do nosso colega Sr. Dr. Antunes Guimarães.
É tempo também de o Governo encarar o problema das requisições das matas dos particulares.
Porque essas requisições não atendem ao que de legítimo há no interesse desses particulares; casos há em que o homem que possuo uma pequena mata de pinheiros formula perante a comissão reguladora deste comércio a sua reclamação, o seu pedido de que lhe não levem o seu pinhal, porque é a única fonte de abastecimento de lenha para fazer trabalhar o seu lagar, e no entanto essa comissão reguladora a nada atende e manda cortar os pinheiros desse pinhal. E o proprietário, que andou a criar com amor e com carinho essas árvores, vê-se assim privado delas, em benefício de certos intermediários, para depois ter de ir pagar a lenha que há-de consumir no seu lagar por preços muito mais elevados.
É preciso também rever a disciplina jurídica a que estão sujeitos actualmente os contratos que se fazem sobre a terra - enfiteuse, arrendamentos, compra e venda e outros -, porque tenho para mim a convicção de que daí resulta também o não se terem feito mais investimentos fundiários na terra portuguesa.
É preciso que aqueles que abandonam os campos para virem para a vida cómoda da cidade deixem a quem lhes amanha directamente a terra a justa compensação do sen trabalho.
É que a situação desses que por qualquer forma, de parceria, de arrendamento ou por outras, se sentem numa situação precária, sujeitos ao capricho do senhorio, que aqui vive regaladamente, tem de ser considerada. Se esse absentista não quer dirigir a sua casa pode empregar a sua actividade dirigindo organismos corporativos da
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lavoura ou organismos administrativos, pode ainda empregar a anã actividade em obras de assistência social, que, mercê do Estado Novo, surgem por todo o País; é preciso, repito, rever a disciplina jurídica a que estão sujeitos todos os contratos dos que trabalham a terra.
É preciso rever a legislação sobre hidráulica.
Por virtude da minha profissão conheço o calvário doloroso que atravessam por vezes pessoas que têm a pouca sorte de a sua propriedade confinar com correntes de água não navegáveis nem flutuáveis. São os serviços que vêm disputar ao particular a propriedade dos cômoros; ainda esses serviços que lhe vêm disputar a propriedade das árvores que nesses cômoros existem.
A despeito de os tribunais terem firmado repetidamente doutrina a esse respeito, os serviços insistem em não reconhecer ao proprietário confinante dessas correntes de água não navegáveis o seu direito de propriedade sobre esses cômoros e até sobre os leitos delas.
E ainda a série de licenças, entraves e outras dificuldades a que obriga a simples montagem de um pequeno motor para aumentar os rendimentos dos campos e a sua produtividade, quando tudo parecia indicar que esses aproveitamentos de água deveriam ser isentos de todas e quaisquer licenças e que o sistema deveria ser muito diferente daquele que é hoje.
Em vez de licença prévia, os serviços deviam intervir para resolver qualquer oposição que um outro proprietário vizinho deduzisse ao aproveitamento realizado.
Dizia Oliveira Martins no artigo 124.º do seu projecto:
Leu.
Estas são, entre tantas outras, algumas das medidas que eu dizia que o Governo devia, concomitantemente, adoptar para que, na realidade, a vida dos nossos campos se eleve e o aproveitamento dos mesmos se possa fazer, evitando-se assim que a população rural abandone esses campos, trocando-os pela vida das cidades, verificando mais tarde que foram iludidos, mas não se atrevendo muitas vezes a regressar às suas terras e a readaptarem-se aos trabalhos agrícolas.
Há um aspecto, Sr. Presidente, nesta questão que já aqui foi focado e que me parece de primacial importância para os resultados que esta lei pretende alcançar. Trata-se do aspecto fiscal.
Está na Mesa uma proposta de aditamento, suponho eu, no sentido de serem isentos de contribuição predial os melhoramentos resultantes da aplicação dos princípios consignados nesta proposta de lei, e não me repugna aceitar nem perfilhar este ponto de vista, acreditando também que estou em boa companhia.
Socorro-me de novo do alto espirito que foi Oliveira Martins, que no seu projecto de fomento rural consignava no artigo 64.º o seguinte:
Leu.
Oliveira Martins, para trazer para a cultura terrenos incultos, isentou-os, de cinco a trinta anos, dos aumentos de contribuição predial; mas as propriedades continuariam a pagar a contribuição que pagavam anteriormente.
Parece-me ser tudo quanto há de mais justo.
Considero o artigo 151.º do nosso Código da Contribuição Predial um dos grandes impecilhos ao melhoramento das propriedades rústicas do nosso País e até uma das causas de desmoralização de alguns servidores do Estado.
Na verdade, esse artigo 151.º diz:
Leu.
Já tive ocasião de acentuar que os melhoramentos agrícolas são para se tornarem reprodutivos a largo prazo. Mas., porque o melhoramento se realizou, porque se adaptaram terras de sequeiro à cultura de regadio, e porque se montou algum engenho para aproveitamento de água, está logo a propriedade sujeita a avaliação, no intuito de ser aumentada a contribuição predial.
Neste momento em que a propriedade rústica tem sido avaliada sistematicamente, concelho por concelho, não me parece necessário que subsista esta disposição do Código da Contribuição Predial, que por vezes leva o funcionário respectivo a proceder à avaliação da propriedade daquele que não lhe agrada, deixando por avaliar outras que são de pessoas de sua especial simpatia e se encontram nas mesmas condições.
Amanhã o proprietário que venha pedir um benefício resultante desta lei e que venha investir capitais no sen terreno terá de ficar a pagar uma contribuição predial com aumento, porque lhe mandaram avaliar a propriedade, tendo ainda de pagar a anuidade e o juro correspondentes ao empréstimo, o que por vezes faz esmorecer o proprietário, levando-o assim a não fazer qualquer melhoramento.
Para finalizar, quero afirmar a V. Ex.ª que não tenho quaisquer dúvidas sobre a exequibilidade da lei.
O Governo do Estado Novo tem demonstrado que não falta com os recursos financeiros desde que promete concedê-los.
O plano de repovoamento florestal tem vindo a realizar-se e a desenvolver-se com método, integralmente, obtendo todos os anos as verbas necessárias para esse efeito, e é assim que as nossas dunas e uma grande parte das nossas serras oferecem um contraste reconfortante comparando-as com as serras e com as dunas do país vizinho.
O plano e projecto da hidráulica agrícola tem vindo a realizar-se pelos serviços com a mesma proficiência e regularidade.
Para esses grandes planos de engenharia, de hidráulica agrícola, que aproveitam a uma generalidade de pessoas, a sua execução não podia deixar de estar entregue também ao organismo competente, a Junta de Hidráulica Agrícola; mas para estes pequenos melhoramentos não é possível que seja ela que os realize, visto que se preocuparia mais com o aspecto de engenharia do que com o aspecto económico e social dos melhoramentos.
Confio, portanto, Sr. Presidente, que, uma vez posta a lei em execução, toda a lavoura saberá compreender o alcance e os benefícios que dela podem resultar, e que os serviços a quem for entregue o cumprimento da mesma lei saberão cumprir com o mesmo dinamismo, com a mesma dedicação e com a mesma eficiência tal como até aqui têm vindo preparando os elementos que hão-de servir à execução desta lei.
Tenho a convicção de que interessaremos ainda assim uma parte da nossa juventude, dos nossos técnicos, e que uma parte deles se dedeira a- valer a estes problemas fundamentais e sérios da vida da Nação, da política económica, da política agrária, da nossa terra, em prejuízo desses problemas teóricos, de idealismos políticos, de que só pode resultar a desarmonia entre os portugueses e nenhum benefício de ordem económica e social para o País.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Há ainda alguns oradores inscritos para usarem da palavra no debate sobre a generalidade, mas, como a hora vai já bastante adiantada, esse debate não poderá ficar concluído na sessão de hoje.
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Vão ser lidas a V. Ex.ªs as propostas apresentadas e que não foram ainda publicadas no Diário das Sessões.
Foram lidas. São as seguintes:
«Proponho que à base II se acrescente o seguinte:
§ único. O lavrador ou lavradores que desejem requerer a assistência técnica ou financeira a que se refere o corpo desta base poderão fazê-lo por intermédio de um grémio da lavoura a que pertença um, pelo menos, dos interessados, competindo ao grémio solicitado promover a organização do respectivo processo.
Assembleia Nacional, 14 de Fevereiro de 1946.- Os Deputados: Diogo Pacheco de Amorim - Francisco Higino Craveiro Lopes - Virgínia Faria Gersão - José Nunes de Figueiredo - José dos Santos Bessa».
«Proponho que sejam eliminadas nas bases i e seguintes as expressões: «... por intermédio da Junta de Colonização Interna...».
Proponho que se acrescente à designação «produtos agrícolas» das bases I e seguintes as expressões: «cooperativas de produtores e grémios da lavoura».
Proponho o seguinte aditamento à base IV:
A primeira anuidade só começará a ser cobrada dois anos depois do melhoramento efectuado.
Assembleia Nacional, 14 de Fevereiro de 1946.- O Deputado Luís Cincinato Cabral da Costa».
«Nos termos do § 2.º do artigo 38.º do regimento, propomos a seguinte emenda à base IV da proposta de lei sobre melhoramentos agrícolas:
BASE IV
Os pedidos de assistência financeira, ressalvada a representação legal, só podem ser formulados:
a) Pelos proprietários de pleno domínio;
b) Pelos enfiteutas;
e) No caso de usufruto, conjunta e solidariamente pelo proprietário e pelo usufrutuário;
d) Pelos colonos, nos contratos de colónia, sem prejuízo dos direitos garantidos aos senhorios pelos usos e costumes locais;
e) Pelos grémios da lavoura. Deverão todos os pedidos ser acompanhados (segue o texto da Câmara Corporativa).
Assembleia Nacional, 14 de Fevereiro de 1946. - Os Deputados: Álvaro Favila Vieira - Alberto Henriques de Araújo - Amorim Ferreira - Pedro Cymbron - Teotónio Machado Pires - Armando Cândido de Medeiros».
«Propomos as seguintes bases novas:
BASE XII
Nos casos em que exista interesse particular e também interesse público devidamente comprovado poderá ser concedida às respectivas autarquias locais uma comparticipação, que será fixada de harmonia com as leis em vigor e em proporção dos benefícios que das obras resultarem.
§ único. Esta comparticipação sairá do Fundo de Desemprego.
BASE XIII
O despacho do Ministro da Eeonomia de onde conste a quitação dos proprietários para com a Junta de Colonização Interna será documento suficiente na conservatória do registo predial para o cancelamento dos encargos assumidos por esta proposta de lei.
Assembleia Nacional, 14 de Fevereiro de 1946.- Os Deputados: Mário Borges - Rui de Andrade - José Esquível - Mário de Aguiar - João Antunes Guimarães - Paulo Cancela de Abreu».
O Sr. Presidente: - Além destas propostas, há as dos Srs. Deputados Sá Alves e Antunes Guimarães, já publicadas no Diário das Sessões, e as da Comissão de Eeonomia, que, no entanto, substituiu algumas delas pelas que vou mandar ler.
Foram lidas. São as seguintes:
»Propomos que a base I da proposta de lei passe a ter a seguinte redacção:
BASE I
O Estado, pelo Ministério da Eeonomia e por intermédio da Junta de Colonização Interna, prestará assistência técnica e financeira aos produtores agrícolas para execução de melhoramentos fundiários que tenham por fim manter ou aumentar a capacidade produtiva da terra ou facilitar a sua exploração, designadamente nos seguintes casos:
a) Captação, elevação ou distribuição de águas destinadas a regas ou ao abastecimento das explorações agrícolas;
b) Ampliação ou correcção de sistemas de rega já existentes;
e) Adaptação ao regadio e conversão de terrenos ao mesmo;
d) Enxugo, dessalgamento, despedrega de terrenos e correcção de solos;
e) Regularização de leitos e margens de cursos de água e defesa contra inundações ou erosão;
f) Construção ou melhoramentos de abrigos para gado, sãos e nitreiras;
g) Edificação, ampliação ou melhoramento de habitações para pessoal que viva permanente ou eventualmente nas explorações agrícolas;
h) Construção, apetrechamento e aperfeiçoamento de instalações agrícolas e de oficinas destinadas a indústrias anexas às explorações;
i) Aquisição de árvores ou terrenos encravados, extinção de servidões prejudiciais à economia das explorações agrícolas ou aquisição de serventias indispensáveis;
j) Sementeiras e plantações de árvores e arbustos de reconhecido interesse económico-social;
k) Levantamento de cartas parcelares do solo;
m) Reparação dos estragos provocados pelas intempéries nas propriedades rústicas».
«Propomos que a base m da proposta de lei passe a ter a seguinte redacção:
BASE III
Conforme a proposta do Governo, acrescentando:
Os pedidos de assistência técnica, que são gratuitos indicarão, etc.».
«Propomos que a base IV da proposta de lei passe a ter a seguinte redacção:
BASE IV
Os pedidos de assistência financeira só podem ser formulados pelos proprietários de pleno domínio
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e pelos enfiteutas, e no caso de usufruto, conjunta e solidariamente, ou respectivos representantes legais. Deverão ser acompanhados, além dos elementos referidos na base III, pelas informações convenientes à apreciação do seu objectivo. Quando a obra tenha sido aprovada em principio e na medida do necessário, pode a Junta exigir a apresentação de esboços, orçamentos ou projectos completos, assinados por técnicos responsáveis.
É obrigatória a junção a seu tempo da certidão da conservatória do registo predial referente ao prédio ou prédios a beneficiar ou a outros oferecidos também em garantia, da qual conste a inscrição como propriedade dos peticionantes e os encargos ou ónus a que estão sujeitos, e bem assim dos títulos de licença para as obras a realizar, passados pelas entidades competentes».
O Sr. Presidente: - O debate na generalidade continua na sessão de amanhã e, se for possível, entrar-se-á na discussão na especialidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 16 minutos.
Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria de Sacadora Botte.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Rui de Andrade.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António Maria Pinheiro Torres.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA