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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 37
ANO DE 1946 27 DE FEVEREIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 37 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 26 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel de Abranches Martins
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 36, que insere o parecer n.º [...] da Câmara Corporativa, sobre a proposta de lei n.º 51 (regime, jurídico dos casais agrícolas).
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Diários n.ºs 35 e 36. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Câmara Corporativa o parecer sobre o projecto de lei de remição de foros, e do Governo, para a hipótese de ser pedida a ratificação, vários decretos-leis.
O Sr. Deputado Craveiro Lopes ocupou-se das demoras havidas na concessão de pensões pelo Montepio dos Servidores do Estado.
O Sr. Deputado Quelhas Lima, a propósito da visita do navio brasileiro Duque de Caxias, saudou a marinha de guerra do Brasil.
O Sr. Deputado Cancela de Abreu verberou o procedimento de certos emigrados politicos portugueses no estrangeiro.
O Sr. Deputado Henrique de Almeida tratou das obras de hidráulica agrícola na veiga de Chaves.
O Sr. Deputado Soares da Fonseca criticou a atitude do director geral do ensino secundário em relação ao inquérito sobre a coeducação de sexos.
O Sr. Deputado Antunes Guimarães ocupou-se do abastecimento de géneros e pediu que os táxis posam fazer serviço interurbano.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo requereu que fosse publicado no Diário das Sessões o último discurso do Sr. Presidente do Concelho.
O Sr. Deputado Colares Pereira requereu várias informações pela Repartição de Distribuição Geral dos Tribunais [...] da Comarca de Lisboa.
Ordem do dia. - Iniciou-se o debate sobre os Acordos de navegação aérea entre Portugal e a Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Luís da Câmara Pina, Antunes Guimarães, Bagorro de Sequeira e Craveiro Lopes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 4O minutos. Fez se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Fausto de Almeida Frazão.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
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Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Liana.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Bocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Câmara Pina.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das Sessões n.ºs 35 e 36.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto não haver nenhuma reclamação a estes Diários, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Misericórdia de Gavião, em que solicita a aprovação do projecto de lei do Sr. Deputado João Amaral que estabelece as regras para a remição de foros.
Da Câmara Municipal de Portalegre, secundando a defesa feita pelo Sr. Deputado Ernesto Subtil dos interesses vitais daquela cidade.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um oficio da Presidência do Conselho remetendo as explicações dadas por S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas e Comunicações àcerca das providências pedidas pelo Sr. Deputado Ricardo Spratley quanto ao conveniente apetrechamento do porto de Leixões.
Vão ler-se os dois documentos.
Foram lidos. São os seguintes:
«Ex.mo Sr. 1.° Secretário da Mesa da Assembleia Nacional. - Para os devidos efeitos junto envio a V. Ex.ª o ofício n.° 239, de 23 do corrente, de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas e Comunicações, acerca das providências pedidas pelo Sr. Deputado Ricardo Spratley, no período anterior à ordem do dia da sessão de 21, quanto ao conveniente apetrechamento do porto de Leixões, sobre o qual exarou S. Ex.ª o Presidente do Conselho o despacho:
Envie-se a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia Nacional. - 23 de Fevereiro de 1946. - Oliveira Salazar.
A bem da Nação. - Gabinete da Presidência do Conselho, 25 de Fevereiro de 1946.- O Chefe do Gabinete, José Manuel da Costa».
«Sr. Presidente do Conselho. - Excelência. - No período anterior à ordem do dia da sessão de 21 do corrente da Assembleia Nacional o Sr. Deputado Ricardo Spratley pediu providências do Governo no sentido do conveniente apetrechamento do porto de Leixões.
Ora é certo que os problemas que interessam aquele porto estão sendo objecto de estudo aturado por parte do Ministério, no desejo de lhes dar a devida e urgente satisfação.
Na 2.a fase do plano portuário, actualmente em execução, está convenientemente dotado com o programa do equipamento necessário, assim como a construção do porto de pesca, e, quanto aos dois principais assuntos concretamente versados pelo ilustre Deputado, congratulo-me com o facto de eles serem justamente daqueles sobre os quais já recaiu decisão definitiva e eficiente.
Com efeito, vencidas, embora parcialmente, as dificuldades resultantes da guerra, estão já em adiantado fabrico oito guindastes, que devem começar a instalar-se no local dentro de um mês ou pouco mais; e a linha férrea de via larga vai ser levada desde já, tão rapidamente quanto possível, ao cais e ao molhe do lado sul do porto.
Levo estas considerações ao conhecimento de V. Ex.ª para o caso de entender conveniente transmiti-las à Presidência da Assembleia Nacional.
A bem da Nação. - Lisboa, 26 de Fevereiro de 1946. - O Ministro das Obras Públicas e Comunicações, Augusto Cancella de Abreu».
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O Sr. Presidente:-Comunico à Assembleia que se encontram na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.° do artigo 109.° da Constituição, os Diários do Governo n.08 39 e 40, respectivamente de 22 e 23 do corrente mês, contendo os decretos-leis n.ºs 35:511, 35:512 e 35:513.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia referentes ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Cincinato da Costa.
Estes elementos ficam à disposição deste Sr. Deputado.
Encontra-se na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado João do Amaral.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Craveiro Lopes.
O Sr. Craveiro Lopes: -Sr. Presidente: são constantes as queixas de viúvas e famílias de funcionários falecidos contra a direcção do Montepio dos Servidores do Estado pela morosidade com que é paga a primeira pensão a que têm direito.
Há o tempo perdido em reunir os numerosos documentos exigidos para a organização do processo, vêm depois os trinta dias dos editais publicados no Diário do Governo e em seguida chegam essas pobres criaturas a aguardar três, quatro e mais meses que ... «haja cabimento de verba»!
No entanto, como desejamos rodear de todos os cuidados as considerações que poderemos vir aqui fazer, roqueiro que pela Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência me sejam fornecidas as seguintes informações:
a) Qual é o prazo médio, relativo aos processos de habilitação para pensões concedidas no último semestre de 1945, entre a data de entrega dos documentos o a data em que os interessados receberam a pensão?
b) A concessão da pensão está dependente da existência de verbas para o seu pagamento ?
c) Se assim for - o que é estranho -, por que razão a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência não adianta as quantias necessárias para satisfazer os encargos contraídos por falecimento dos contribuintes, como tão bem lho podia caber dentro da sua função de previdência social?
d) Qualquer outra informação que possa esclarecer o assunto a que diz respeito este requerimento.
Tenho dito.
O Sr. Quelhas Lima: - Sr. Presidente: a presença no majestoso Tejo do transporte da marinha de guerra brasileira Duque de Caxias dita ao meu pensamento obrigação formal de proferir algumas palavras, ainda que breves, no registo do facto e do seu luminoso e destacado significado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: em situação de relações normais, amigáveis, entre os Estados, a estada de um navio de guerra, seja qual for a bandeira que ostente, gera de per si - atenta a sua condição jurídica como a mais imponente e qualificada afirmação externa da soberania do Estado de que provém- um cerimonial rigoroso, eloquentemente distinto dentro das regras universalmente reconhecidas entre as «gentes do mar», e lança como natural irradiação uma nota de expressiva coloração no meio populacional e que entre nós atinge exuberantes aspectos de carinho e tolerância e hospitaleira solicitude ao contacto com os membros da guarnição.
Se esta é em regra lei geral, contudo, a presença do transporte da marinha de guerra brasileira Duque de Caxias, da imensa e florescente pátria irmã, ultrapassa de largo as fórmulas protocolares, quer pelo complexo da alta missão de que está investido, quer pelo expresso e delicado propósito de cortesia na sua visita, que desta forma reveste uma característica distinguida, impõe primores de sensibilidade, a mais desvanecedora intenção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Duque de Caxias larga da base na sua pátria conduzindo a seu bordo altos dignitários da Igreja do Brasil e de outros Estados Sul Americanos, em caminho para a Cidade Eterna, e simultaneamente valorosos elementos da sua decidida e galharda juventude militar de terra, mar e ar, e entre a qual se destaca o corpo de alunos da sua Escola Naval.
Em rápido parêntese permito-me dizer que no momento em que os príncipes do espírito da nossa civilização tomam assento em tão transcendente reunião, ante um mundo trémulo e incerto, desponta a esperança que dali brote hoje, como sempre, grata acção para abreviar a aurora da renascença entre os povos, plena de paz, justiça e humanidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se é altamente dignificadora a missão do Duque de Caxias na condução a seu bordo dos eminentes dignitários da Igreja Romana, a velada de orgulhoso respeito aos campos de batalha da Itália da esperançosa juventude militar brasileira e a romagem recolhida, em passo firme e altivo, aos túmulos dos seus companheiros de armas, sacrificados ao mais rude dever perante a honra da pátria, completam ainda mais aquela missão na jornada grandiosa da exaltação das virtudes militares.
É após esta dupla missão de excepcional significado e grandeza humana que. chega ao Tejo o Duque de Caxias, em primorosa visita de cortesia e fraterno afecto.
É por certo bem conhecido o alvoroço, a sincera emoção com que foi acolhida a guarnição do Duque de Caxias e essencialmente a sua esplêndida juventude militar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E assim, de mãos dadas com os camaradas portugueses, vemos a juventude militar brasileira contemplando e meditando nos castelos de Santarém e Almourol as fainas e ouros da conquista, nos plainos de Aljubarrota o mais espantoso feito de armas do nosso exército, firmando para todo o sempre a independência da Pátria, na Batalha, nos Jerónimos, no convento de Cristo, de Tomar, sacrários da História, onde adeja denso o fluido das glórias dos nossos maiores, e da qual compartilham irmãmente, na rectidão de destinos de pátrias comuns, com a mesma raiz originária de acções e sentimentos uniformes.
Nestes tempos conturbados os dois povos irmãos, fronteiros do orgulhoso e lendário Atlântico, cingem-se de perto para perpetuarem em fraterno entendimento o património da sua civilização comum.
A Câmara quererá, pois, exprimir com clamor e exaltação a sua homenagem às forças armadas do Brasil, de terra, mar e ar, e enviar as melhores saudações ao brilhante agregado da sua juventude militar sob a nossa fórmula carinhosa e íntima: «sede benvindos ao velho e honrado solar da vossa casa».
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Paulo Cancela de Abreu:-Sr. Presidente: se V. Ex.ª e a Assembleia notarem nas minhas considerações certo calor e vibração, não as levem à conta de simples sintoma normal de temperamento, mas sim de justa e sincera indignação.
Quando, em Fevereiro de 1922, fiz a minha estreia parlamentar com singelas palavras de homenagem ao Papa Bento XV, então falecido, precedi-as da seguinte declaração :
Encontrarão sempre em mim um combatente leal, respeitador das ideias e crenças de qualquer e cooperador sincero, como todos os monárquicos, em tudo o que se nos afigure conducente ao bem do meu País. Sim, porque se tenho, se temos um grande ideal que embala as nossas melhores esperanças, tenho, temos também um ideal supremo que a todos sobreleva e que sempre e ardentemente servimos: o bem de Portugal!
Com mais autoridade e maior brilho, mas em termos semelhantes, se manifestaram naquela, nas anteriores e na imediata legislaturas os meus correligionários, alguns deles ilustres membros desta Assembleia Nacional. E sempre cumprimos. Monárquicos, nunca levantámos obstáculos ou embaraços aos Governos da República quando estavam em jogo a dignidade e o prestígio da Nação, nem, se necessário, lhes recusámos o voto nessas emergências. Era dever indeclinável de patriotismo.
Esta atitude, agora mantida, investe-nos de autoridade para indignada e clamorosamente condenarmos a campanha que alguns inimigos da Situação estão desenvolvendo no estrangeiro contra ela e contra o Governo do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desesperados, cegos de ódio, sedentos de vingança e sôfregos do Poder, não olhando aos meios para conseguirem os fins (apoiados), esquecem os deveres para com a Pátria e as graves responsabilidades que, directa ou indirectamente, lhes pertencem num vergonhoso passado que nos arrastou à ruína e ao descrédito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos simples emigrados voluntários, alguns intitulam-se deportados políticos para, sob esta máscara, se apresentarem como vítimas e melhor fazerem ouvir nos países incautos os seus clamores de revolta postiça contra uma imaginária opressão.
Deturpam, difamam e caluniam conscientemente.
Impotentes perante a repulsa do País, dirigem apelos sucessivos às nações estrangeiras para que neguem a Salazar e ao Governo de Portugal respeito, relações e colaboração que as elementares normas internacionais, os deveres de amizade e aliança e a dignidade da nossa conduta lhes impõem, incitando-as assim a influírem na vida interna da Nação, isto é, em última análise, atentarem contra a nossa soberania! Temos como exemplo o telegrama, agora revelado, que dirigiram aos chefes das potências reunidos em Potsdam, incluindo a Rússia!
Vozes: - Apoiado! Muito bem!
O Orador: - Este documento, se não dimanou, foi contemporâneo de uma reunião realizada no Rio de Janeiro, a pretexto do 5 de Outubro, com assistência de estrangeiros e intervenção na mesa de três brasileiros e um representante dos republicanos espanhóis no exílio, e onde foram proferidas as maiores infâmias, que sujavam os meus lábios se as reproduzisse. Nem sequer escaparam o capitalismo americano, o conservantismo inglês e - vejam lá!...- ao serviço da situação portuguesa a venalidade internacional e o suborno da grande imprensa da Inglaterra e da França!...
Infelizmente a reunião realizou-se na Associação Brasileira de Imprensa; e ali houve também, em 24 de Janeiro, um jantar oferecido a um estrangeiro que dizem presidente da Sociedade de amigos da nossa democracia e que se permitiu bolsar certas insolências. Mas não vá por isto imaginar-se que aquela instituição tem cumplicidades no ocorrido, como poderá concluir-se por errada interpretação. De resto, a boa imprensa como o Governo do país irmão e a grande massa da colónia portuguesa reagem contra a campanha.
Apoiados.
Demonstrou-o ainda recentemente a forma excepcionalmente brilhante e carinhosa como foi acolhido o novo embaixador português, não obstante as tentativas que, sem rebuço, se esboçaram para que assim não acontecesse. E agora mesmo o nobre Governo do general Dutra deu-nos novo testemunho de amizade e respeito enviando-nos, em visita de cortesia, a sua luzida embaixada de cadetes, já saudada calorosamente pelo ilustre Deputado Sr. comandante Quelhas Lima.
Mas os inimigos não desarmam. Reincidiram apelando para a recente conferência da UNO, mediante telegrama, dirigido ao seu presidente, Henri Spaak, para o que, de entre centenas de milhares de portugueses, conseguiram 62 assinaturas, entre mulheres e homens, e não sei se todos com folha corrida sem mácula...
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não comento. Não classifico.
Os factos são por demais evidentes para se imporem ao conceito de todos os portugueses, a fim de formularem juízo seguro sobre a loucura dos homens que se servem de semelhantes processos para escalarem o Poder e colherem os frutos de uma vitória e de uma obra que lhes não pertencem e imediata e irremediavelmente destruiriam.
Mas vale a pena um confronto; e é necessário fazê-lo, porque dele resulta contraste esmagador.
Desde 1930 os acontecimentos de alguns países, nomeadamente do Brasil e de Espanha, trouxeram a Portugal numerosos exilados políticos. Muitos permaneceram largo tempo e alguns permanecem ainda no nosso País.
Pois julgo poder afirmar que foram e são hóspedes leais. Não traíram a generosa hospitalidade portuguesa. Teriam, porventura, um ou outro comentado a marcha da política no seu país; mas procederam com compostura e correcção; e sobretudo não transformaram Portugal em baluarte ou campo de manobras contra os seus Governos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para confronto basta referir alguns exemplos: dos espanhóis, o malogrado Calvo Sotelo, Gil Robles, Alexandre Lerroux, importante chefe político, um dos fundadores da fugaz república espanhola, aqui homiziado há muitos anos sem nunca se ter manifestado. Dos brasileiros, Júlio Prestes, presidente eleito, que o triunfo de Getúlio Vargas em 1930 impediu de tomar posse; Plínio Salgado, ainda entre nós, chefe político, grande pensador, um dos maiores valores da sua geração, que em notáveis conferências e outras formas de publicidade se tem abstido sistematicamente de comentar a política do Brasil; e finalmente Washington Luís, presidente da República antes de Getúlio Vargas, declarando que, se criticasse a política do Brasil fora de fronteiras, seria desleal com o seu Governo e com o país que o agasalhou.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
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O Orador: - E como estamos fazendo confrontos e estabelecendo contrastes, é oportuno recordar o nobilíssimo exemplo de Churchill quando há pouco tempo desembarcou na América do Norte. Assediado pela sôfrega ansiedade de dezenas de jornalistas, respondeu que no estrangeiro não comentava o Governo do seu pais.
É certo que invoquei homens de outra envergadura; mas por isso mesmo o seu exemplo deve ser conhecido e imitado. E devemos-lhes esta homenagem.
Naquela sessão «internacionalista», rotulada de comemorativa do 35.° aniversário do regime, que paradoxalmente recebeu nela um golpe profundo, os corifeus demagogos, recordando porventura uma conhecida estrofe do nosso Épico, fizeram a «prevenção» de que seriam apontados como «traidores à Pátrias»!
Não lhes faço a vontade. Que cada português contemple os factos e formule os conceitos. Mas como 'proclamam que «confundimos a Pátria com um homem» e que «jamais um homem a valeu», digo que há homens que são a encarnação da Pátria. É a Pátria que estes simbolizam ergue-se e clama bem alto, para que a ouçam os seus inimigos internos e externos, que Portugal é só dos Portugueses, e só os Portugueses mandam em Portugal!
Vozes (prolongadas):-Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: não me é lícito, neste momento, apresentar moção; mas julgo que as minhas palavras, embora modestas e descoloridas, e enquadradas no pouco tempo de que dispunha, traduzem o sentimento unânime da Assembleia e o pensamento da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado por toda a Assembleia.
O Sr. Henrique de Almeida: - Sr. Presidente: como homenagem devida às elevadas virtudes morais e destacados predicados intelectuais que ilustram a figura prestigiosa de V. Ex.ª, são de saudação para V. Ex.ª as minhas primeiras palavras nesta Assembleia.
Poderá parecer, até pela maneira como o disse, que estas homenagens vão mais em cumprimento de uma velha praxe estabelecida do que por impulso de um sentimento real que a minha consciência me exige que exprima.
Não é, porém, assim, Sr. Presidente. As excepcionais faculdades de inteligência e dotes de coração e o saber e o aprumo que V. Ex.ª tem revelado na sua já longa carreira de homem público eminente e magistrado integérrimo, e, particularmente, no desempenho da altíssima função que nesta Câmara lhe está confiada, impõem, irrecusavelmente, a todos aqueles que têm a honra de colaborar com V. Ex.ª o indeclinável dever de, sempre que o ensejo se ofereça, dar público testemunho do respeito e veneração que, justamente, são tributados a V. Ex.ª
E eu, cumprindo agora esse dever, sinto corresponder a uma obrigação que é gratíssima ao meu espírito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aproveito igualmente este ensejo para significar aos Srs. Deputados, meus ilustres colegas, a minha sincera admiração e elevado apreço e assegurar-lhes, com toda a lealdade, que a minha colaboração, modesta embora, será sempre prestada com a mais decidida boa vontade e dentro do melhor espirito de camaradagem.
Pedi a palavra, Sr. Presidente, para ventilar aqui um assunto que, respeitando directamente ao concelho de Chaves, do distrito que tenho a honra de representar nesta Câmara, é também, e dentro de certa medida, um problema de interesse nacional.
Dentro da política de valorização do património nacional, que tem constituído a preocupação dominante dos Governos do Estado Novo e que, felizmente, vem sendo compreendida e secundada pela maioria dos organismos e departamentos oficiais, que desenvolvem as suas actividades no sentido de lhes darem efectivação, tem sido considerado de primacial importância o desenvolvimento e progresso da agricultura portuguesa.
O princípio de «dar à Nação, pela agricultura o pelo amparo devido à propriedade, o lugar proeminente e de riqueza a que aspira», enunciado pelo Sr. Presidente do Conselho, tem tido plena e continuada consagração, quer através de abundantíssimas medidas isoladas de proteção à lavoura, quer em diplomas de grande projecção, em que são encarados c resolvidos muitos dos problemas que à lavoura dizem respeito, como é aquele que ainda há pouco tempo foi objecto de longo debate nesta Assembleia e em que ficaram estabelecidas as bases da assistência técnica e financeira a conceder aos produtores agrícolas, em ordem a permitir e possibilitar a valorização dos seus prédios e o aumento e melhoria das suas respectivas produções.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mas um dos mais graves obstáculos dos que se opõem ao progresso da agricultura portuguesa é, sem dúvida, o desfavor do nosso meio agro-climatérico. E, assim, é o da rega o magno problema a encarar.
Na verdade, por quase toda a extensão do território metropolitano se faz sentir a pobreza do solo e a aridez do clima.
E se ao primeiro destes inconvenientes é possível obviar, mediante a encorporação nos terrenos de doses convenientes de adubos e correctivos diversos, o segundo exige já uma acção de mais largo alcance, tendente a corrigir a irregularidade e a escassez das quedas pluviométricas.
Foi a ponderação dos inconvenientes apontados e o desejo de os eliminar ou, pelo menos, minimizar que levou o Governo a promulgar, em 1937, a lei de fomento hidroagrícola, onde ficou definido o regime da construção das obras de rega, e que representa o verdadeiro coroamento do vultuoso programa de realizações hidráulicas, preconizado e enquadrado no plano geral da reconstrução económica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com efeito, lê-se no relatório que antecede o projecto de lei que deu forma a este grandioso plano, cuja execução a guerra, infelizmente, afrouxou, que a rega é considerado magno problema, de interesse simultaneamente económico, social e militar, e que, como nenhum outro, contribuirá para a valorização do património nacional, para a criação de riqueza pública, para a absorção do nosso excesso demográfico e para o desenvolvimento do comércio interno e externo do País.
A rega, por tornar possível, na maioria dos casos, a adaptação das terras à policultura e exigir, necessariamente, maiores percentagens de mão-de-obra na lavoura, proporciona condições excelentes de fixação de maiores contingentes populacionais e impulsiona, inclusive, a divisão da grande propriedade, dando lugar a que surja, naturalmente e sem intervenção dos poderes públicos, a pequena e média propriedade.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Dada a considerável importância económica e social do problema e atentas as dificuldades que .os particulares encontrariam para levar a cabo qualquer empreendimento de vulto, confiou-se o Estado, e muito bem, através da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, do estudo e realizarão das obras em que aquele interesse fosse incontroverso e da orientação e fiscalização das obras realizadas, no sentido da sua boa utilização e conservação.
Ora, neste sentido e dentro desta benéfica orientação, projectou e está a executar aquela Junta Autónoma um plano de obras que tem por objectivo promover a rega, defesa e enxugo de 1:070 hectares de terras que se situam na margem esquerda do Tâmega e que fazem parte da afamada e fertilíssima veiga de Chaves.
Sem entorpecer a cultura da batata, que antes ó facilitada e estimulada e continuará a representar o principal papel na exploração agrícola da veiga, pretende-se, com aquela obra, corrigir a forma de exploração das terras, orientando-a no sentido do aumento da produção de forragens, para a intensificação da exploração pecuária, e da introdução das leguminosas nos afolhamentos, para compensar a falta de adubos orgânicos.
Ora isto representará, incontestavelmente, um meio de enriquecimento da região.
Mas sendo, como é, uma obra de tão destacado alcance, que só deveria merecer louvores pêlos elevados intuitos que a inspiraram e pelas possibilidades e dons de que é portadora, verdade é que se diga que a sua efectivação, longe de ser festejada e encarada com simpatia, ao menos pêlos interessados, por aqueles que, parece, deveriam directa e imediatamente sentir-lhe os seus benefícios, antes provocou um movimento de geral descontentamento e um clamor quase unânime de desaprovação.
Das razões invocadas como geradoras de um tal estado de espirito em gente que de modo nenhum é refractária aos benefícios do progresso e que em todos os seus actos patenteia, francamente, um decidido e acrisolado amor pela sua terra, e rejubila com o seu progresso e engrandecimento, algumas há, efectivamente, merecedoras de ponderação; e eu, que tenho a desvanecedora honra de deter nesta Assembleia a representação dos laboriosos e leais flavienses, sinto-me constituído na obrigação de aqui as acentuar e para elas chamar a esclarecida atenção do Governo, a fim de promover a sua eliminação, se possível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Duas razões há principalmente que justificam, a meu ver, aquele movimento de desaprovação e protesto: a primeira-e esta toca a todos os flavienses- é o perigo de a cidade de Chaves ficar privada da posse das águas de um belo rio precisamente durante os meses de verão, o que, tanto sob o ponto de vista higiénico como sob o aspecto sentimental, é absolutamente indesejável para os seus 10:000 habitantes; e a segunda -esta respeitando apenas aos beneficiários da rega- é o exagero do encargo por hectare que resultará para os proprietários dos terrenos beneficiados pela obra, se for tornada efectiva a previsão de esta ser por eles custeada e conservada.
Sob a alegação de que não era de aconselhar, por antieconómica e insuficiente, a rega daquela zona pelo alargamento da malha dos poços existentes, o projecto da Junta Autónoma, que se encontra em execução, estuda e prevê a rega da veiga de Chaves pela derivação para tal fim do caudal de estiagem do rio Tâmega.
Mas essa solução não pode deixar de sofrer também correctivo, porque, além de deixar praticamente sem o seu belo rio uma cidade de 10:000 habitantes, que
desde a sua fundação se habituou a rever-se na doçura que as suas águas lhe emprestam à paisagem, condena à míngua e à aridez as verdejantes hortas da margem direita do Tâmega e os prédios, até agora férteis, que se situam a jusante do vale, cuja fertilidade e viço vão buscar precisamente ao caudal de estiagem cujo aproveitamento e derivação se prevêem em beneficio exclusivo da margem esquerda.
Com base num presumível aumento do lucro líquido das terras a beneficiar, prevê o projecto uma média de encargos para o proprietário, em virtude de aumento de contribuição, reembolso ao Estado, conservação das obras e administração, que deverá oscilar à roda de 1.400$ por ano e por hectare, e isto se não houver variação no custo orçamentado da obra.
Parece-nos intuitivo que um tal encargo é absolutamente incomportável, mesmo na hipótese de os lucros previstos se poderem manter constantes - o que é impossível- e efectivamente se verificar o aumento que, em teoria, se preconiza.
Tratando-se de uma obra de larga projecção económica e de manifesta utilidade social, parece não ser justo que fiquem a pesar exclusivamente sobre os donos dos prédios da zona beneficiada os encargos de reembolso ao Estado das despesas efectuadas com as expropriações, indemnizações, estudos, projectos e execução das obras, além das que resultarão da sua administração e conservação.
É para estes pontos que ouso chamar a esclarecida atenção de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas e Comunicações, na esperança do que o assunto merecerá, como sempre, o interesse de S. Ex.ª e receberá uma solução justa e razoável.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: pedi a palavra somente para duas muito breves considerações.
Em 22 de Janeiro último requeri, nesta Câmara, que me fossem fornecidos vários elementos relativos a um estranho inquérito sobre coeducação escolar.
Na última sessão da Assembleia Nacional V. Ex.ª anunciou que estavam na Presidência os elementos por mim solicitados. São eles, como depois verifiquei, os seguintes: cópia de um questionário que fora dirigido aos reitores dos liceus pela Direcção Geral do Ensino Liceal em 11 de Dezembro de 1945; cópia da circular que acompanhava o dito questionário, de igual data; cópia de uma ordem de serviço emanada de S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, de 21 de Fevereiro corrente, isto é, da véspera do meu requerimento; e, finalmente, cópia da informação, resposta ou justificação prestada pelo Sr. director geral em obediência à ordem de serviço aludida, com data do passado dia 24, e, portanto, já posterior ao meu requerimento e à sua divulgação tanto pela imprensa como pelo Diário das Sessões.
Reservando para outra oportunidade considerações mais desenvolvidas que eventualmente seja necessário apresentar sobre o próprio fundo desta questão, desejo por agora limitar-me a apontar as circunstâncias seguintes :
Verifica-se que três dos documentos que me foram enviados têm data anterior à da apresentação do meu requerimento e que só a resposta do Sr. director geral à ordem de serviço de S. Ex.ª o Ministro tem data posterior, aliás apenas de três dias.
Não obstante, o recebimento de tais documentos demorou cerca de um mês, tendo-se dado até o caso de chegarem precisamente no dia em que deveria terminar
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a actual sessão legislativa, se V. Ex.ª, no uso dos poderes conferidos pela lei constitucional, a não houvesse prorrogado. Significa isto, a meu ver, que nem sempre é observada a rapidez necessária ao regular andamento dos serviços burocráticos.
Verifica-se também que já antes do meu requerimento o Sr. Ministro da Educação Nacional actuara muito acertadamente, redigindo a ordem de serviço atrás referida e que é do teor seguinte:
À Direcção Geral do Ensino Liceal.-Indiquem-se as razões que levaram essa Direcção Geral a dirigir aos reitores dos liceus um questionário absolutamente descabido acerca da coeducação dos sexos, sem aprovação ou mesmo conhecimento prévio do Ministro ou do Subsecretário de Estado, o que constitui gravo falta profissional. Trata-se de política pedagógica, que excede em muito a competência de um director geral.
Lamento, muito sinceramente, ter de dizer que, infelizmente, a esta apontada falta se juntou outra, a meus olhos igualmente de considerar.. Vem a ser, Sr. Presidente, que o mesmo alto funcionário fez largamente distribuir nesta Casa, ainda antes de me serem enviados os elementos por mim requeridos, e até alguns dias antes, cópia do seu questionário-inquérito, por sinal pedagogicamente errado e tecnicamente pobre, e cópia do que se inculcou como sendo «justificação» à ordem de serviço ministerial acabada de ler.
Talvez com excessiva cortesia, quando vi fazer-se larga divulgação destes documentos na Assembleia Nacional, firmei-me no deliberado propósito de me abster de classificar tão estranho procedimento e até de simplesmente o apontar em público.
Sucede porém, Sr. Presidente, que, quando pude cotejar a cópia oficial da resposta dada ao Sr. Ministro da Educação Nacional e a versão fornecida anteriormente aos Srs. Deputados pelo Sr. director geral do ensino liceal, verifiquei, com justificado espanto, que não só os dois documentos não coincidiam perfeitamente, mas até se notavam entre eles grandes diferenças de forma o profundas diferenças de fundo.
Como já acentuei, não é ainda da matéria do inquérito que hoje me propus tratar. Não entro, por conseguinte, na análise pormenorizada destas diferenças.
Mas, apurado o facto, ficaria de mal com a minha consciência se desde já não protestasse contra o insólito procedimento de se divulgar, sem prévia autorização ministerial, um documento dirigido ao Ministro e de se haver inculcado uma versão diversa da verdadeira.
Para a Câmara poder, sem mais delongas, ajuizar da legitimidade do meu protesto, roqueiro, Sr. Presidente, que sejam publicadas no Diário as duas aludidas versões. Entretanto, para imediata ilustração da Câmara, peço licença para sublinhar aqui uma das importantes divergências formais, a saber:
Quando, em resposta ao sen Ministro, o Sr. director geral se referiu às inevitáveis repercussões políticas do seu intempestivo inquérito, fê-lo numa atitude de quase evangélica humildade, própria de quem sente a consciência a notar-lhe a falta. E disse textualmente: «Ao ordenar o pequeno inquérito pedagógico, para mera informação pessoal, bem longe estava de prever as desagradáveis repercussões políticas que ele poderia ter. Peço a V. Ex.ª (o Ministro) me releve ter dado involuntariamente azo para isso».
Quando, porém, Sr. Presidente, do mesmo aspecto se pretendeu fornecer uma versão directamente aos Srs. Deputados, aquele alto funcionário parece assumir, sem cabimento, o ar arrogante de quem, depois de fazer o mal, vem fazer a caramunha. E, então, diz que disse ao sen Ministro: «É evidentemente uma especulação politiqueira (sic)..., com fins inconfessáveis muito fáceis de compreender» .
Assim se menospreza, Sr. Presidente, a alta função fiscalizadora que, antes de tudo e acima de tudo, cabe a esta Câmara política - a Assembleia Nacional.
Acaso, Sr. Presidente, não seria eu que, da minha bancada de Deputado e no uso das atribuições fiscalizadoras da Assembleia, não seria eu, repito, que teria o direito de perguntar ao Sr. director geral do ensino liceal se o seu inoportuno questionário-inquérito não era uma triste manifestação e politiqueira», segundo a própria expressão de S. Ex.ª, própria do compromisso incolor daqueles que comodamente se refugiam na conhecida técnica invertebrada de que, se Deus é bom, o diabo também não é mau?!
Lavro, assim, o meu justificado protesto contra a atitude de um alto funcionário, contra o qual, escusado seria dizê-lo, me não move qualquer- animosidade pessoal e que nem sequer conheço pessoalmente.
Ao lavrá-lo tenho em mente as funções fiscalizadoras desta Câmara É mister que nos não deixemos enganar com acusações por esse País além formuladas, talvez com demasiada insistência e alguma injustiça, aos organismos corporativos ou de coordenação económica, deixando na sombra os possíveis deslizes da máquina administrativa do Estado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: mais do que nunca, e com isto encerro as minhas modestas considerações, é preciso que a Assembleia Nacional esteja vigilante sobre todos os desvios ou erros de ordem administrativa e de ordem política dos funcionários que servem o Estado. Há-de ter-se em mente que as funções desta Câmara são sobretudo fiscalizadoras. Ou ela as exerce efectivamente, ou não será nada.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Soares da Fonseca, durante as suas considerações, fez um requerimento à Presidência para que se publicassem dois documentos, um que consta dos elementos enviados pelo Ministério da Educação Nacional e outro que teria sido distribuído na Câmara particularmente.
Não há conhecimento oficial na Mesa do segundo documento a que S. Ex.ª se referiu.
Peço, por isso, ao Sr. Deputado Soares da Fonseca que o mande para a Mesa devidamente rubricado.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: porque ontem, na imprensa da noite, tivesse surgido uma nota cheia de interesse e oportunidade acerca do abastecimento de pneus, logo ouvi comentários sobre aquele assunto e outros relativos a transportes automóveis, que registei e julgo dignos desta Assembleia pela magnitude do sector económico com que se relacionam.
Após bastantes anos de escassez de gasolina, que determinou grandes restrições na circulação de automóveis (algumas delas bastante discutíveis) e provocou o seu encarecimento e a criação do correspondente «mercado negro», com grandes transtornos e prejuízos para muita gente, que ficou privada do uso dos respectivos veículos, quase sempre autênticos instrumentos de trabalho, pelo menos vários dias por semana, e para muitas povoações, que aconteceu ficarem quase isoladas do resto do mundo, tiveram os automobilistas, em particular, e, de uma maneira geral, toda a Nação o júbilo de ver que
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a circulação de veículos automóveis voltava a ser autorizada todos os dias o que em quase todos os casos era reforçada a quantidade de gasolina distribuída.
Com tão feliz providência, em que muito empenhado andava o Automóvel Clube de. Portugal, terminou o «mercado negro» da gasolina, pois, segundo me informam, já não falta aquele precioso combustível a 5$20 o litro, o que é motivo para todos nos felicitarmos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Infelizmente continua a carestia de pneus, embora, como se dizia ontem na imprensa, tenham chegado recentemente dois barcos com remessas de pneus americanos e se aguarde para breve outro carregamento.
É que as quantidades, segundo ali se informa, são ainda insuficientes para as enormes necessidades registadas, continuando por isso os pneus a ser distribuídos por meio de guias passadas pêlos serviços de viação, com prévia inspecção dos veículos.
Mas alude-se à existência de pneus usados -não sei se rechapados pela indústria nacional se importados - e à repressão de certas operações comerciais com eles realizadas, para evitar especulações de preço e defesa de alguns comerciantes.
Sr. Presidente: nos comentários feitos àquela repressão que ontem ouvi afirmava-se que os automobilistas, em geral, são competentes para saber se o preço pedido pêlos pneus é economicamente aceitável e se lhes convém a sua aquisição. No caso de fraude lá estariam a polícia e os tribunais, a quem compete a sua repressão.
Se, de facto, existem pneus usados, mas susceptíveis de prestarem ainda algum serviço, o que importa é permitir a sua utilização imediata, para que, acabando por ficar ressequidos, não sirvam afinal para nada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais vale que os veículos circulem, embora com pneus usados, do que continuem parados e sem prestar à colectividade serviços de que ela está absolutamente carecida pela grande crise que se verifica no ramo dos transportes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: mais comentários ouvi, e ouvi-os até certo ponto com aquele espírito de concordância que me vem da minha formação médica, a qual manda que o médico retire as talas ao doente logo que ele delas não careça e lhe dó a «alta» precisa para que retome a indispensável liberdade de movimentos para se entregar às suas actividades normais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois bem, Sr. Presidente, perguntaram-me ontem porque continua ainda certas categorias de taxímetros proibidas de fazer serviço interurbano, o qual continua reservado à categoria A, quando é certo haver carência de transportes entre muitas localidades e se verifica insuficiência de serviço urbano para a sua completa utilização, como acontece na cidade do Porto, onde os motoristas se queixam de incomportável falta de trabalho, porque ali, segundo afirmam, a falta quase sistemática de retornos prejudica a exploração económica dos táxis.
É um assunto sério e de grande vulto, que, além de afectar a numerosa classe dos chauffeurs, prejudica toda a vida citadina do importante burgo portuense e requer imediato estudo e remédio eficaz, sendo do meu conhecimento que tão grave problema já está a ser considerado pelo ilustre presidente da Camara Municipal e outras autoridades, as quais não deixarão de encontrar uma fórmula equilibrada que sirva convenientemente a cidade e atenda com justiça a numerosa classe dos motoristas.
Mas para já, alvitra esta classe, a situação difícil a que venho de referir-me seria aliviada se fosse restabelecida a liberdade de circulação interurbana, isto é, se, passado o trágico e longo período de guerra, durante o qual tantas restrições tiveram de suportar, lhes retirem finalmente e de uma vez as talas, para que possam trabalhar como precisam para viver honradamente e bem servir o público.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para notar que entre a última sessão e a de hoje ocorreu em Portugal um acontecimento da maior importância política.
Quero referir-me ao discurso do Sr. Presidente do Conselho.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não vou procurar extrair do discurso as directrizes de acção que nele se contêm. Também não vou dizer palavras de cumprimento a respeito do discurso a quem está muito acima de todos os cumprimentos que possam ser-lhe dirigidos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quero só notar que me não parecia bem que o acontecimento ocorresse sem que ficasse marcado nesta Assembleia e registado no Diário das Sessões.
E, por isso, eu, que julgaria irreverentes os cumprimentos e pedante a análise, me limito apenas a requerer a V. Ex.ª que esse discurso seja publicado no Diário das Sessões.
Vozes: - Muito bem, muito bem l
O Sr. Presidente: - Associo-me gostosamente às palavras de V. Ex.ª e mandarei transcrever no Diário das Sessões o discurso do Sr. Presidente do Conselho, certo de que cumpro os desejos da Câmara.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Colares Pereira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pela Repartição de Distribuição Geral dos Tribunais Cíveis da Comarca de Lisboa, me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos:
Qual o número de actos (escrituras, testamentos e outros de aprovação) lavrados por cada um dos notários da comarca (incluindo os das Câmaras Municipais de Lisboa, Oeiras e Cascais) em cada um dos anos de 1942, 1943, 1944 e 1945».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em apreciação os Acordos entre o Governo de Portugal e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte sobre serviços aéreos entre os territórios português e britânico e através deles.
Tem a palavra o Sr. Deputado Câmara Pina.
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O Sr. Câmara Pina: - Sr. Presidente: vêm agora à Assembleia Nacional, para ratificação, os Acordos entre o Governo de Portugal e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte sobre serviços aéreos entre os territórios português e britânico e através deles, e a Comissão dos Negócios Estrangeiros, chamada a pronunciar-se sobre o assunto, formula o voto de que a Câmara conceda a ratificação pura e simples dos Acordos feitos.
Parece, no entanto, conveniente, apesar de muito completo o douto parecer da Câmara Corporativa, focar cercos pormenores e referir alguns tópicos principais que façam ressaltar no campo político a importância e a vantagem dos documentos em causa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os pontos mais salientes dos Acordos são, em resumo, os seguintes:
Concessão recíproca de direitos para estabelecer os serviços aéreos pretendidos. - É o reconhecimento inequívoco, aliás já expresso em outros diplomas (Convenção de Paris de 1919, Acordo de Chicago de 1944), da soberania completa e exclusiva de cada potência sobre o espaço aéreo que cobre o seu território.
Incluído na propriedade particular ou encorporado no domínio público, dividido em camadas sujeitas a determinadas servidões ou considerado indivisível, como um todo que todos devem usufruir, e, portanto, objecto só de Legislação internacional, o certo é que o espaço aéreo possui dimensões físicas e dimensões psicológicas altamente influidoras no bom entendimento entre as nações.
O progresso da aviação, ou, melhor, o bem comum que dele deriva, exige a maior liberdade de navegação aérea; a soberania dos Estados, ou, melhor, a segurança dos territórios, exige a fiscalização efectiva de todas as penetrações.
Sem entrave para o progresso e sem perigo para a segurança é, pois, mister definir o espaço aéreo de cada país, precisar-lhe os limites - como se se tratasse de uma substância elástica, adaptável mas não rompível.
E porque o direito de existência prima sobre todos, a questão resolve-se admitindo a soberania nas três dimensões do território e aconselhando liberdade plena para «o sobrevoo inofensivo ou inocente».
Os diferentes países são assim levados a regular por acordo o problema dos serviços aéreos e os pequenos Estados vêem mais uma vez reconhecida, mantida e asegurada a sua independência.
Garantia de nacionalidade das aeronaves e sua fácil identificação. - É realmente importante este assunto, porque, no fundo, trata-se de uma definição de responsabilidades, logo de um possível exercício de direitos fixados em convenções internacionais.
Qual a nacionalidade de uma aeronave? A do seu proprietário? Mas então seria possível a um Estado concentrar num outro Estado determinado número de aviões e de lá fazê-los partir para um ataque de surpresa - sob o ponto de vista de segurança, a solução é precária.
A do seu piloto? Mas então as aeronaves poderiam mudar frequentemente de nacionalidade sem que os seus proprietários nisso interviessem e os Estados teriam muito dificultada a sua acção sobre aeronaves pertencentes a súbditos seus e domiciliados além-fronteiras - sob o ponto de vista da destrinça de responsabilidades, a solução é precária.
A Convenção de 1919 e o Protocolo de 1929 assentaram no critério de registar as aeronaves em conformidade com as leia e disposições especiais de cada Estado,
o que tem como resultado, para o nosso País, o seguinte: só são portuguesas as aeronaves matriculadas em Portugal e só podem ser matriculadas as que pertençam exclusivamente a cidadãos portugueses ou a sociedades consideradas legalmente e para todos os efeitos como portuguesas.
Definida assim a nacionalidade de uma aeronave e identificada pela aposição de marcas bem visíveis e iguais para todos os aviões de um mesmo Estado, é agora já possível, no caso de ofensa de direitos, pôr em funcionamento o mecanismo jurídico que o assunto reclama.
Reciprocidade de tratamento para as duas partes contratantes. Eliminação da concorrência. Espirito de colaboração. Recurso à arbitragem. - A instalação de serviços aéreos levanta problemas e desperta questões que, no aspecto económico ou técnico ou aduaneiro, vão bulir com pontos essenciais de soberania. E as susceptibilidades, os receios, são tanto maiores quanto mais fracos ou mais vulneráveis são os Estados em causa.
Nos presentes Acordos, entre dois Impérios que apenas se equivalem na sua força moral, manda a justiça reconhecer que ambos se dignificaram, porque ambos mutuamente se respeitaram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À navegação aérea internacional pressupõe, para a sua efectivação perfeita, a existência de certas liberdades de procedimento, que é costume designar por «as cinco liberdades do ar». São elas:
a) Privilegio de voar sobre o território de um Estado sem aterrar;
b) Privilégio de aterrar para fins não comerciais;
c) Privilégio de deixar passageiros, correio e carga recebidos no território do Estado a que pertence a nacionalidade da aeronave;
d) Privilégio de receber pasageiros, correio e carga que se destinam ao território do Estado a que pertence a nacionalidade da aeronave;
e) Privilégio de receber pasageiros, correio e carga que se destinam ao território de qualquer outro Estado contratante e o privilégio de deixar passageiros, correio e carga vindos de quaisquer desses territórios.
A Conferência de Chicago não logrou unanimidade neste ponto e poucos foram os Estados, dos que verdadeiramente representam grandes potências, que subscreveram em bloco as cinco liberdades.
Os presentes Acordos entre Portugal e a Inglaterra materializam a aceitação dias quatro primeiras liberdades - a 5.ª corresponderia a uma era de fraternidade entre os povos -, mas, se não é descabido desejá-la, parece mais prudente, por agora, não a usufruir.
Sr. Presidente: os Acordos cuja ratificação a Comissão dos Negócios Estrangeiros propõe à Câmara vêm influir vantajosamente na vida portuguesa, quer sob o aspecto interno, quer sob o aspecto externo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Interessa, embora de relance, uma brevíssima referência a ambos.
Em Portugal é o Secretariado da Aeronáutica Civil o organismo director e coordenador das actividades aéreas que não sejam propriamente militares. A sua actividade, notavelmente estimulada pelo estabelecimento das carreiras aéreas, exerce-se nos mais variados sectores: escolas, preparação de pilotos civis, subsídios de voo, para que possam manter-se em forma os pilotos recentemente brevetados, aeródromos, aviões, companhias particulares, fiscalização, relações com entidades estrangeiras, numa palavra, tudo o que é necessário para ter a funcionar bem um serviço aéreo.
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De 1944 a 1946 o Estado entregou ao Secretariado cerca de 110:000 contos - e esta verba não pode deixar de ter benéfica repercussão na vida nacional.
Agora mesmo, em Fevereiro de 1946, estão em funcionamento, por todo o País, 15 escolas civis de pilotagem e estão prontos para serviço de voo mais de 700 homens, repartidos pelas diferentes especialidades.
O aeródromo de Santa Maria e o da Portela de Sacavém. para só falar dos dois melhores, já absorveram mais de 120:000 contos - e esse dinheiro representa inegavelmente trabalho, representa equipamento do País, representa, no fim de contas, aumento de riqueza.
O próprio aeródromo da Portela tem de ser novamente aumentado, pois as novas carreiras aéreas acarretam um volume e frequência de tráfego que não é comportável nas dimensões actuais. Para se ter uma ideia do movimento - assim como que o seu limite inferior - basta referir os números (grosso modo) relativos a 1945:
Aviões entrados, 1:592; aviões saídos, 1:588; passageiros entrados, 6:678; passageiros saídos, 6:345; mercadorias entradas, cerca de 200:000 quilogramas; mercadorias saídas, cerca de 38:000 quilogramas; correio entrado, cerca de 42:000 quilogramas; correio saído, cerca de 44:000 quilogramas.
Relativamente à modéstia dos nossos recursos estes valores são, de certo modo, significativos e, ao citá-los aqui. não me cega a amizade nem me induz a presença de camaradas no Secretariado da Aeronáutica Civil: tenho a certeza de que à Câmara interessa estar ao facto de uma actividade que hoje já indicia um grau de civilização.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sob o aspecto internacional, não é vantagem de somenos o ter-se reconhecido neste pequeno rectângulo de 550 quilómetros x 160 quilómetros um poder de absorção que leva a tocarem em território português as linhas aéreas que sobre ele passam, e que constitui, além do mais, um precedente a influenciar acordos futuros.
A História faz-se com actos praticados deliberadamente pelos homens; não é obra do destino ou da fatalidade. Por isso, convém intervir o mais cedo possível nos actos alheios que em nós vêm influir e procurar desde o princípio trabalhar em comum. Ganha-se, pelo menos, uma recompensa: melhor espírito de compreensão.
Os Acordos sobre os serviços aéreos vêm permitir ao nosso País, mais uma vez, colaborar activamente na vida internacional; os seus negociadores são dignos de elogio, porque eles marcam uma digna presença portuguesa no concerto das nações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, para terminar, uma observação mais, que não destoa no conjunto de considerações pertinentes à Comissão dos Negócios Estrangeiros.
A guerra é um dos vários meios por que um Estado impõe a sua vontade a outro, é uma das maneiras - quantas vezes desproporcionadamente cara - de conseguir determinado objectivo, de resolver determinado conflito. A paz não poderá, por consequência, ser apenas a recusa da guerra, o negar-se a fazer a guerra; na expressão feliz de Ortega y Gasset, a paz não poderá ser o oco que a guerra deixaria se desaparecesse.
Terá de representar um trabalho positivo e mão virá a ser, com certeza, menos do que uma nova técnica ou um novo sistema de técnicas para solucionar conflitos,
para aplanar dissídios - provavelmente exigindo tão grande soma de esforços como a própria guerra.
Entre essas técnicas, relativas à acção recíproca dos homens ou dos grupos humanos, talvez figurem os acordos.
Primitivamente, eram o roubo ou a dádiva os modos de aquisição conhecidos. Depois inventou-se o acordo, a troca, isto é, determinou-se uma tábua de valores equivalentes que permitia substituir determinada grandeza por outra que encerrava, embora sob forma diferente, a mesma quantidade de valor.
Certamente chocou a humanidade de então este processo de regular sem luta a oposição de interesses e deve ter sido necessária uma longa evolução para vencer o apetite da posse imediata e fazer aceitar uma substituição que no fundo, e até sob o ponto de vista psicológico, podia ser menos atraente.
Agora é necessário um esforço de invenção semelhante. É preciso descobrir a nova forma de substituição, de troca. É indispensável reavaliar os bens da humanidade e ver se são insubstituíveis os que se perdem.
Os Acordos entre Portugal e a Inglaterra para os serviços aéreos resolvem a questão que se propunha, aos dois países, sem acrimónia, sem violência, sem atritos.
Não é este o seu menor benefício - prouvera a Deus que o exemplo frutificasse.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador, no final das suas considerações, juntou ao seu discurso o seguinte documento:
Pessoal existente em Fevereiro de 1946
[Ver Documento na Imagem]
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: o Estado Novo, reconhecendo as enormes vantagens da navegação aérea, desde logo lhe consagrou a maior atenção.
Recordo que, em 1929, um dos problemas que o primeiro Ministério do que fiz parte, da presidência do ilustre general Ivens Ferraz, teve desde logo de tratar relacionava-se com a aviação e consistia na celebração de um convénio e concessão de determinadas carreiras internacionais.
Nas conferências então realizadas, porque o assunto interessava particularmente ao comércio e comunicações de que eu estava encarregado, tomei larga comparticipação, tendo sido ali reconhecida a urgente necessidade de se dotar o País pelo menos com dois bons aeródromos, que respectivamente assegurassem as ligações aéreas da capital e da cidade do Porto com as nossas províncias ultramarinas e com o estrangeiro.
Nesta conformidade foi nomeada uma comissão de técnicos competentes, que, após demorados estudos, propôs que para o aeroporto da capital se preferisse a Portela de Sacavém e que se situasse na freguesia da Madalena, a poucos quilómetros da cidade do Porto, o respectivo aeródromo.
Tendo eu concordado com a proposta, apresentei-a em Conselho de Ministros, que a homologou.
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Recordo-me que, relativamente ao aeródromo do Porto, se considerou desde logo a sua ligação com a cidade através da projectada ponte sobre o rio Douro, no lugar da Arrábida, e a construção de uma auto-estrada de ligação da referida ponte com as magnificas praias situadas a sul, a qual permitiria simultaneamente rápido e magnífico
acesso ao campo de aviação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: aquele despacho ministerial cumpriu-se relativamente à Portela de Sacavém, onde a capital já dispõe de magnífico aeroporto, que presta esplêndidos serviços, assegurando variadas carreiras internacionais, e estando-lhe ainda reservado grande futuro, porque a topografia do terreno e condições climáticas são ali particularmente favoráveis.
Mas a cidade do Porto foi menos feliz na solução adoptada para o seu campo de aviação.
Não sei com que fundamentos, puseram de parte a ideia de se construir o aeródromo nas suas imediações, isto é, na Madalena ou na Senhora da Hora, ou mesmo no concelho de Gondomar, e ainda noutros pontos para isso indicados, e resolveram construí-lo lá para os lados de Vila do Conde, na freguesia do Pedras Rubras, a mais de 3 léguas da zona ribeirinha do Porto, com ligações péssimas e, segundo ouço, em terreno argiloso, que demanda enormes despesas para obter a consistência requerida para segura aterragem de aviões pesados, e condições climáticas que deixam bastante a desejar.
Chamaram-lhe campo de aviação do Porto. Calculo que deve ter sido este o único fundamento da exigência de comparticipação financeira daquela cidade para as despesas da sua construção, o que, até Agosto ultimo, já tinha custado aos cofres municipais 8:131 contos, que muita falta vão fazendo indiscutivelmente a outras obras da cidade do Porto.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Mendes Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?
A escolha de Pedras Rubras para localização do aeródromo chamado do Porto obedeceu a uma série de indicações cuidadosamente estudadas. Não se tratou de uma improvisação gratuita; não foi uma questão de sentimentos ou de simpatias.
Tenho uma parte de responsabilidade nessa escolha e sinto-me com plena tranquilidade de consciência a tal respeito. Aliás, as distâncias a que V. Ex.ª aludiu são insignificantes para a navegação aérea de hoje. As grandes empresas de aviação internacional não multiplicam as escalas nas suas carreiras. Muitos aeródromos num pais pequeno têm o interesse das comunicações nacionais e de emergência.
O Orador: - Também quando estive no Governo esses estudos foram feitos minuciosamente, com toda a atenção e superior critério, e a escolha veio a ser feita nas imediações do Porto, isto é, na freguesia da Madalena, junto de Lavadores, frente à Foz do Douro.
Sobre distâncias, não é indiferente ter de fazer-se, para seguir viagem para Londres, dois percursos desnecessários entre Lisboa e Porto, isto é, cerca de 500 quilómetros.
Se na rota Lisboa-Londres houvesse, para servir os interesses nortenhos, um aeródromo com características internacionais, não seria para estranhar que os grandes interesses comerciais e a numerosa colónia inglesa que ali vive determinassem as empresas a fazerem ali ama paragem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Verifica-se assim que depois de tão avultado dispêndio a cidade do Porto ainda não está convenientemente preparada para aproveitar as incontestáveis vantagens que para o País não deixarão de resultar dos Acordos com a Grã-Bretanha e Irlanda do Norte sobre serviços aéreos internacionais sujeitos à nossa ratificação.
Reconhecida naqueles diplomas a nossa soberania sobre o espaço aéreo, nos termos do preceito constitucional que considera do domínio público do Estado «as camadas aéreas superiores ao território, para além dos limites que a lei fixar em benefício do proprietário do solo», verifica-se, como acertadamente se diz no douto parecer da Câmara Corporativa, «que os Acordos agora submetidos à ratificação da Assembleia Nacional estão em perfeita harmonia com as estipulações das convenções internacionais e com os ensinamentos da doutrina».
Foi-me grato verificar que não se trata de acordos rígidos, estando ali previstas modificações nas cláusulas do respectivo anexo que regula as rotas das linhas aéreas projectadas, e se admite a utilização nas referidas rotas de aeródromos indicados para uso internacional.
Assim, embora nas rotas constantes do quadro n.° 1 anexo aos Acordos não se fale na cidade do Porto, fica implicitamente prevista a hipótese da aterragem ali de aviões internacionais se houver um aeroporto com os requisitos indispensáveis e, compreende-se, se o tráfego for de molde a tal determinar.
Ora, como já disse, as intensas relações comerciais da cidade do Porto com o estrangeiro, notoriamente com a Inglaterra, mercê dos seus magníficos vinhos e doutros artigos de intensa exportação, bem como derivadas de importantes importações, tudo isto junto a uma colónia inglesa de elevado nível de vida e habituada a viajar, não deixarão de concorrer para que a cidade do Porto venha a ser considerada como estação intermediária na rota Londres-Lisboa, digna de ser frequentemente servida pela aviação internacional Estariam assim de parabéns os portuenses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas para isso impõe-se que sem delongas aquele importante centro económico seja dotado com um campo de aviação como o da Portela de Sacavém.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ao congratular-me com os Acordos submetidos à aprovação da Assembleia Nacional, emito, como Deputado pelo círculo do Porto, o voto de que o Governo, reconhecendo os legítimos interesses do Porto, que tanto se relacionam com a prosperidade da economia nacional, ordene imediatamente o estudo do problema a que venho de referir-me, para que, finalmente, se preencha aquela deplorável lacuna, que obrigaria os portuenses, quando tivessem de ir a Londres, a mais de cerca de 500 quilómetros de percurso, a trasbordos, despesas e incómodos desnecessários, e justiça seja feita não só àquele velho e progressivo burgo, mas a todo o Norte de Portugal.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Bagorro de Sequeira: - Sr. Presidente: há cerca de dez anos, por iniciativa e contribuição particular, deram-se em Luanda os primeiros passos definitivos no caminho da criação e da organização dos serviços aéreos da colónia de Angola.
Um grupo de entusiastas pelas coisas da aviação, gente moça de mistura com alguns veteranos, fundou
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o Aero Clube de Angola, e com tanta seriedade e realismo o fez que logo a instituição mereceu o carinho e a ajuda do governo da colónia, por fornia a poder contar coem mais avultados recursos e dão* maior desenvolvimento à sua actividade.
Logo de início o Aero Clube de Angola se instalou em sede própria, por si construída, e montou a sua escola de pilotagem, que nunca mais deixou de funcionar e que tem sido, a par de um interessante agente de propaganda, o alfobre donde saiu a maior parte dos aviadores que em Angola existem - talvez mais de uma centena -, entre os quais algumas arrojadas raparigas, e onde receberam a sua primeira instrução e as asas de aviadores os magníficos pilotos da Divisão de Transportes Aéreos, que é o serviço público que tem a seu carpo as comunicações aéreas dentro e para fora da colónia - pilotos que, pela esplêndida conta que têm dado de si, honram a escola onde aprenderam e o instrutor que foi seu mestre.
Depois, com o mesmo entusiasmo, aquecido pelo bairrismo local, vários outros clubes de aviação se fundaram, se bem me recordo, mas cidades de Benguela, Moçâmedes, Sá da Bandeira, Nova Lisboa e Malange, para prática da aviação desportiva, tendo também cada um deles a sua escola de pilotagem e sendo igualmente centros de propaganda.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: seria deselegante esquecimento e até feia ingratidão se, ao referir-me aos primeiros tempos da aviação em Angola, eu não invocasse aqui os nomes daqueles a quem tais serviços e a colónia muito ficaram devendo.
São eles: coronel Brandão de Melo e capitão Pereira de Barros, seus primeiros directores administrativos; capitão aviador Joaquim Baltasar, que Angola nunca mais esquecerá, seu primeiro director técnico e instrutor, e coronel Lopes Mateus, que à data era governador geral e que muito auxiliou a vida do Clube.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De justiça é também recordar aqui o incondicional apoio que à iniciativa e à sua execução deu toda a imprensa ide Angola.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E se estas referências julgo dever fazer é também porque foi esta primeira iniciativa que criou o ambiente favorável à criação da Divisão de Transportes Aéreos, que hoje presta a colónia incalculáveis serviços, e também porque, desde a primeira hora criou e radicou no espírito de todos os portugueses que vivem em Angola a esperança de verem em breve a colónia ligada à metrópole e às outras colónias por uma linha de navegação aérea nacional - a que logo se chamo a «carreira imperial» -, muito embora se não vislumbre ainda, com pesar, quando será inaugurada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: após esta breve referência acerca da aviação de Angola, a que dirijo desta tribuna as minhas melhores saudações, cheguei ao momento de dizer algumas palavras sobre os Acordos realizados entre o nosso Governo e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha, referidos aos serviços aéreos entre os territórios dos dois países e através deles, que vêm a esta Assembleia para serem ratificados - Acordos que nos aparecem revestidos de grande importância na vida nacional, como mais uma afirmação da amizade, bom entendimento e melhores relações com a nossa velha aliada, e também porque assim resolvemos a primeira dificuldade que existia para o estabelecimento da referida carreira imperial, que fará a ligação aérea directa da metrópole com as colónias da Guiné, Angola e Moçambique e indirectamente, por outras vias, com as colónias mais distantes da índia, Macau e Timor.
Salientando e resumindo as vantagens da aviação para os países coloniais, diz no seu parecer a Câmara Corporativa:
Aos países com vastos domínios no ultramar traz a aviação inapreciáveis vantagens. Estreita a amizade entre a metrópole e as colónias, facilita o seu melhor entendimento e auxilia poderosamente o se a Governo.
Receber em cinco ou seis dias pessoas e notícias vindas das possessões mais remotas tem tanto alcance sentimental como prático. O recrutamento dos funcionários, a emigração, tudo isso melhora com o extraordinário progresso das comunicações.
É assim, com rigorosa exactidão, o nosso caso, o caso de Portugal metropolitano nas relações com os territórios que possui espalhados pêlos outros continentes, a distâncias enormíssimas, que só a aviação pode encurtar no tempo, proporcionando mais estreitas, mais íntimas e mais familiares ligações entre todos os portugueses, tanto no domínio da vida espiritual como no campo dos interesses materiais.
Era assim também o caso de outros países coloniais, entre eles a Bélgica, que, apesar de manter com a sua colónia do Congo uma bem organizada carreira marítima, servida por esplêndidos paquetes, logo nos alvores da aviação comercial, e por impulso do seu grande rei Alberto, montou e desenvolveu uma linha de navegação aérea entre Bruxelas e Léopoldville, linha que foi inicialmente do Estado ou por ele subsidiada e que passou mais tarde a constituir objecto da exploração de uma empresa particular - a Sabena.
E a esta linha aérea liga o Estado Belga tanta importância que após poucos dias da reocupação de Bruxelas inaugurava a Sabena para ali as carreiras de Léopoldville, que já mantinha antes da guerra, a princípio semanalmente, depois três vezes por semana, sendo seu programa para breve realizar viagens regulares de dois em dois dias, nos dois sentidos, com aviões Douglas para 44 passageiros.
O mesmo se está passando entre a África do Sul e a Inglaterra, que mantêm desde Novembro uma carreira de serviço semanal entre Johannesburg e Londres, via Kartum-Nairobi-Salisbury, com três dias de viagem, serviço que se anuncia para em breve comportar uma carreira diária postal.
Agora mesmo, segundo informa a imprensa, a partir de amanhã começam os aviões da Pan American, da carreira Nova York-Léopoldville, via Lisboa, a fazer essa carreira semanalmente.
Vai essa carreira beneficiar imenso o serviço do correio entre Angola e Lisboa, pois está já estabelecida a ligação entre Luanda e Léopoldville pelos aviões da Divisão de Transportes Aéreos.
Desculpem-me V. Ex.ª estas citações relativas ao que se passa com outros países e colónias. Não é meu objectivo estabelecer, pelo confronto e com sentido depreciativo, a nossa posição de inferioridade em matéria de comunicações aéreas. Não.
Neste caso, como noutros, aceito (perfeitamente que as circunstâncias de guerra nos criaram dificuldades insuperáveis, que dominaram as melhores intenções e boas vontades.
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Sei também que assuntos desta natureza não se improvisam nem se facilitam, dispensando-os do que é necessário, do que é fundamental, e que, pelo contrário, requerem estudo ponderado e organização sólida antes de se iniciarem, para que fiquem a coberto do maior número possível de contingências e resolvam os seus objectivos com maior segurança.
Todavia, considerando todas as razões e vantagens de ordem política e económica que colidem na criação e realização da carreira imperial que se projecta, daqui felicito o Governo pela efectivação dos Acordos e lhe peço, julgando bem interpretar o pensamento de todos os portugueses de Angola, que ponha na resolução rápida e definitiva de tal empreendimento toda a sua decisão.
Tenho dito.
ozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Craveiro Lopes: - Sr. Presidente: não subi a esta tribuna para vir repetir as considerações aqui já feitas, que eram necessárias para V. Ex.ªs poderem decidir sobre a ratificação dos Acordos presentes a esta Assembleia.
Quer do parecer da Câmara Corporativa, quer das declarações aqui feitas pelo nosso colega Sr. Câmara Pina, todos V. Ex.ªs e eu também estamos esclarecidos sobre a grande importância desses instrumentos diplomáticos. Mas como outros oradores aqui se referiram a assuntos que não são propriamente dos Acordos, mas que com eles se relacionam, julgo que este debate não seria convenientemente encerrado sem que um aviador presente nesta Assembleia alguma coisa dissesse também sobre tão importante assunto.
É claro, meus senhores, que é muito difícil, em tão pouco tempo e em coisas de aviação, organizar e realizar, tanto mais que nós atravessámos um período dificílimo, em que, no que respeita à aviação, estávamos completamente dependentes das facilidades que fossem postas à nossa disposição por aqueles países que possuem os meios industriais indispensáveis à construção de aviões.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No entanto, mercê do interesse do Governo pelo problema e das circunstâncias especiais derivadas da nossa neutralidade, houve possibilidade de levar a efeito realizações sem as quais estes Acordos não teriam possibilidade de se fazer: refiro-me à construção dos aeroportos da Portela e do Porto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas em aviação não se pode parar; a insatisfação tem de ser nosso pensamento dominante, como fonte de progresso. Não devemos estar completamente satisfeitos com o que se tem realizado na Portela e no Porto; há que marchar com um ritmo ainda mais acelerado.
Para nós, os velhos aviadores, foi sempre motivo de grande ansiedade que aquela excelente posição geográfica de que desfrutamos pudesse, por falta de compreensão ou incúria, ser perdida em benefício de outros, mas tal receio já hoje não tem razão de ser, mercê das garantias estabelecidas nos Acordos em discussão.
Mas isto não é suficiente. É preciso que se continue a trabalhar, é indispensável que as faixas da Portela se alonguem, que os serviços de segurança aérea se completem, que as instalações melhorem e possam corresponder a todas as exigências do tráfego aéreo moderno.
O Porto, mesmo com o seu aeródromo em condições que de facto não são razoáveis de aceitar neste momento, pode necessariamente modificar a sua pista, construindo faixas que resolvam o problema local.
Devo, porém, chamar a atenção de V. Ex.ªs para o facto de que nos transportes aéreos interessa sobretudo a grande distância.
Não podemos conceber que numa faixa estreita, como é o nosso País, de umas escassas centenas de quilómetros, se construam dois aeroportos principais - um no Porto e outro em Lisboa.
Há necessidade de dotar o aeródromo do Porto com todas as condições necessárias para que a aterragem das aeronaves se faça com a maior segurança; será por assim dizer um aeródromo satélite do de Lisboa, que permita que qualquer aeronave, que não possa atingir o aeródromo principal, por motivo de mau tempo ou avaria, pouse em território nacional.
É também indispensável que se construa um aeródromo no Sul, e assim ficaria o País equipado com um sistema de infrastruturas capaz de satisfazer todas as exigências a que nos obrigamos nos Acordos.
Outro ponto: a questão das taxas.
Não podemos no nosso País desviar-nos da fórmula geral da organização das tabelas de taxas dos aeródromos de todo o Mundo.
Ainda há poucos dias um ilustre colega nosso, ao regressar da Guiné, presenciou a indignação dos passageiros que o acompanhavam quando à saída do aeródromo da Portela lhes foi exigida uma taxa complementar de serviço de aeródromo, na importância de 180$. V. Ex.ªs estão a ver a irritação de todos esses passageiros vindos de terras estranhas, magnificamente dispostos ao aterrar por terem feito uma feliz viagem, bem impressionados pelo aspecto atraente e simpático, embora sem luxo, do nosso aeródromo, ao serem obrigados a pagar uma taxa que nunca lhes foi exigida em qualquer dos aeródromos por onde passaram.
Essa gente, mensageiros que depois se espalharão por todo o Mundo e que podiam criar um ambiente de simpatia por este País, devido a este facto é muito possível que se possam transformar em pessoas irritadas e mal dispostas contra nós.
Quer isto dizer que na navegação aérea, que hoje abarca todo o Mundo, não podemos pôr em vigor disposições que sejam diferentes das usadas nas restantes partes do Mundo.
Respondendo às considerações do ilustre Deputado que me antecedeu no uso da palavra e para que seja compreendida em Angola a razão por que ainda os aviões com a bandeira portuguesa idos da metrópole não demandaram os seus aeródromos, permito-me chamar a atenção para a dificuldade de organizar e pôr em movimento a máquina complicadíssima que são os transportes aéreos, quando nós sabemos muito bem que ainda há pouco tempo a nossa posição pouco mais era do que zero.
Há que ser justos e refrear um pouco a ansiedade, que é natural que exista, na certeza de que aqueles que estão à frente da aviação civil põem toda a sua boa vontade em realizar bem e o mais depressa possível essa grande aspiração nacional.
Por fim, Sr. Presidente, e para terminar, não quero deixar de acentuar e fazer recordar ao País que, se houve possibilidade de, em tão pouco tempo, fazer trabalho útil, foi necessariamente devido às nossas forças aéreas, pois que do seu pessoal saíram os dirigentes da aviação civil, os seus pilotos, os seus navegadores, os seus mecânicos e radiotelegrafistas.
Quando, através do espaço das Unhas imperiais, os nossos aviões rasgarem o céu, levando nos seus lemes as cores da bandeira da Pátria, que todos se não esqueçam de que boa parte desse grande trabalho teve
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como origem e como núcleo inicial elementos das forças aéreas de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Há ainda oradores inscritos sobre os Acordos entre os Governos de Portugal e da Grã-Bretanha sobre serviços aéreos entre os territórios dos dois países.
Por consequência, continua amanhã a discussão sobre esses Acordos.
A ordem do dia da sessão de amanhã será a mesma designada para hoje, acrescida da discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Mira Galvão sobre fomento apícola.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que a Comissão de Obras Públicas escolheu para seu presidente o Sr. Deputado Antunes Guimarães, para vice-presidente o Sr. Deputado Melo Machado e para secretário o Sr. Deputado Salvador Teixeira.
A Comissão de Finanças escolheu para sen presidente o Sr. Deputado Joaquim Mendes do Amaral, na vaga aberta, a sen pedido, pelo Sr. Deputado Pacheco de Amorim.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Maria Pinheiro Torres.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel França Vigon.
Srs. Deputados que faltaram, à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
António Carlos Borges.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gabriel Maurício Teixeira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Sá Alves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Discurso do Chefe do Governo, Sr. Dr. Oliveira Salazar, na reunião das comissões dirigentes da União Nacional, em 23 de Fevereiro de 1946, na Sala da Biblioteca da Assembleia Nacional:
Meus Senhores:
Esta reunião da Comissão Central, Junta Consultiva e presidentes das comissões distritais da União Nacional tem, por fim trocar impressões acerca do momento político e aprovar algumas alterações ao Estatuto da organização. No momento em que por todo o País se reorganizam as forças políticas que estão na base do regime, convém chamar a atenção para o interesse dos trabalhos. É só esta a razão das minhas palavras.
I
O último acto eleitoral não teve a concorrência efectiva da oposição às urnas, mas foi precedido de um debate tão largo e tão livre que se pôde ajuizar com bastante rigor dos intentes, dos métodos e das possibilidades. Apesar de o inimigo - chamemos-lhe assim para facilidade de entendimento- ter trazido para as discussões dose maior de paixão que de inteligência prática e apesar de muito haver sacrificado ao subjectivismo das nossas velhas lutas partidárias, parece ter-se debatido nesse lapso de tempo a maior parte dos problemas que constituem a própria vida da Nação e terem-se agitado todas as ideias com que pode governar-se e -ai de nós!- certamente também, arruinar-se um povo.
Sem preocupações da minúcia, mas com exactidão suficiente, as posições respectivas eram as seguintes: a situação tinha a seu favor duas grandes razões - o inequívoco- êxito da sua política de guerra e a extensa c profunda obra realizada nos quase vinte anos de que tem a responsabilidade. O inimigo tirou das dificuldades momentâneas e da carestia da vida o seu único argumento para bater a organização corporativa em conjunto e sentiu-se apoiado, contra um regime de disciplina e ordem, nessa espécie de mitos verbais com que a Europa, à falta de trigo, está enganando a fome.
Quando a maioria do povo britânico, devedor da vitória a Churchill, lhe negou, ao seu partido, a confiança para governar, logo um grande jornal, prevenindo um errado comentário que a consciência do Mundo poderia fazer, lançou numa frase a síntese filosófica do veredictum da opinião - pública: a gratidão pertence à história, não pertence à política. Não nego o valor da sentença, que, à parte a diferença, de proporções, bem nos poderia ter servido a nós, e tem em qualquer caso o valor de providencial consolação para os grandes sacrificados das lutas eleitorais. Mas o problema reveste outros aspectos, e o mais saliente é que, na cadeia ininterrupta da vida dos povos, o passado é o melhor alicerce do futuro, e os que realizaram oferecem no mesmo que fizeram, a segurança do que são capazes de fazer.
Parece-me que o resultado eleitoral de Novembro, feito pela Nação o balanço final, resultante dos confrontos possíveis, se exprimiu por estes dois sentimentos - gratidão e confiança. E não só as eleições. Essas expressivas, quase ingénuas, mensagens de populações inteiras, como as dos arquipélagos, e o agradecimento colectivo das Mulheres de Portugal pela paz, tão sentido e espontâneo, como se, por dom, da natureza, florisse em votos e em bênçãos a ansiedade anos contida nas almas, penso que têm o mesmo profundo sentido e de igual forma nos obrigam. Mas temos de examinar o reverso da medalha.
É erro dizer que as eleições criaram uma oposição ao regime. É mais correcto pensar que a oposição existente pelo precipitado de descontentamentos, fruto da acção governativa, e pela ânsia de renovação do pessoal ou dos princípios sociais e políticos, se resolveu a lutar.
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O que fez da liberdade concedida não vale a pena anotá-lo; neste como noutros casos semelhantes se verificou nada ter aprendido e nada esquecer do muito pouco que tivesse de olvidar.
Nem na febre do combate alguns repararam na contradição entre os seus ataques à falta de liberdade e as posições de onde desferiam os seus golpes, posições criadas, mantidas, prestigiadas e pagas pela longanimidade, a largueza de ânimo, o espirito nacional da actuação do Governo. Outra coisa foi manifesta e é cada vez mais nítida ao nosso espírito: a liberdade em Portugal não se limita nem disciplina a si própria; se, juntamente com a vasta loquacidade permitida, mais largas se houvessem dado no respeitante à acção, a ordem correria o risco de ser subvertida.
Quais os propósitos da oposição? A melhor de todas as hipóteses seria tratar-se apenas de uma aspiração à mudança do pessoal político. Nós somos em Portugal pouco menos ou menos da mesma estatura e podemos admitir que todos obedecem ao mesmo padrão de moralidade média. Outros homens, enquadrados no mesmo sistema de ideias, guiados pelos mesmos princípios, animados pela mesma ambição de servir, olhos postos nas mesmas necessidades da Pátria, poderiam,, apesar disso, em cambiantes de execução, encontrar outros caminhos, dar a impressão de estarem abertas outras vias de acesso. Mas não é esse o caso.
Do que se trata é de tentar o regresso ou uma revolução, por via constitucional, se possível, por outra qualquer, se o não for.
Nas primeiras filas tomaram lugar, amigavelmente, acomodados, sobreviventes de todos os partidos políticos que em tempos foram irredutíveis e irreconciliáveis. Estes manifestaram a anais tocante fidelidade (salvo leves retoques) aos mesmos princípios e métodos que desacreditaram a política e a administração do País e que em vez de nos fazerem unir, prosperar e engrandecer-nos, diminuíram, empobreceram e anarquizaram. Este é, salvo o que se deve à acção meritória de alguns, um facto histórico sem possibilidade de contestação.
Mais atrás, na sombra prudente e recolhida, compareceram também, no encontro fortuito das oposições, os que, reconhecendo como nós a decrepitude de certo número de princípios e a falta de adaptação aos novos tempos, receiam a revolução social empreendida por nós e desejariam fazê-la violentamente por conta própria... ou alheia.
Não parece que os propósitos dos primeiros tenham qualquer viabilidade. Mesmo abstraindo das circunstâncias peculiares do caso português, o certo é que o Mundo,
cansado ou desiludido, vai varrendo do terreno político os meios termos e formando nitidamente à direita e â esquerda. O debate já não é sobre, o movimento social em marcha, mas sobre os melhores métodos políticos para o conduzir e fazer triunfar, sem destruição dos valores materiais e morais do agregado social. É cada vez mais evidente que na impossibilidade humana de ressuscitar mortos só poderíamos fazer que a Constituição de 1911 passasse como um cadáver sobre um cemitério de ruínas.
Concluímos assim que não temos outras soluções senão a solução nacional que disfrutamos e uma solução de extremistas, mesmo que estes por amabilidade e camaradagem condescendam, em chegar lá pela antecâmara do partidarismo renascido. Esses outros têm ao menos, rigidamente erguida sobre princípios falsos, a grande força da lógica e não se lhes dará muito da liberdade. Sabemos bem que a exigem para vencer e a dispensam para governar.
Se a oposição tem concorrido às urnas e tem podido aqui e além sobrepor-se às nossas forças, tê-la-íamos neste momento na Assembleia Nacional. Desde que problemas desta magnitude hajam de ser postos no terreno eleitoral, não se pode deixar de aceitar lealmente as consequências da incerteza e contingência do sufrágio. Mas o bom povo português, posto com inteira franqueza em face das realidades e em face dos perigos, devia compreender, a bem do seu interesse, não se tratar já nessas pugnas de marcar preferências pessoais, mas da escolha de princípios que, na sua síntese suprema, são a mesma interpretação da vida dos homens e das nações.
Abandonadas as urnas pelas razões ou com os pretextos conhecidos, seguirão uns aqueles obscuros caminhos onde a nossa vigilância não tem deixado enraizar e crescer a erva daninha das conspirações, outros se arvorarão às claras em paladinos de, uma oposição por tudo e em toda a parte. Isto significará que a política partidária, abandonado o terreno adequado às respectivas batalhas ou debates, invadiria a despropósito todas os manifestações da vida social. Devo dizer sobre este ponto uma palavra clara.
Nós temos mostrado, através das instituições, das leis e dos actos do Governo, a preocupação absorvente de reconduzir tudo e tudo integrar no plano nacional. A Nação tem estado sempre presente ao nosso espírito, não só como indefinível essência da continuidade histórica dos portugueses através dos séculos, mas como o seu património material e moral. Todos nos devemos a ela, todos nos sacrificamos pêlos seus interesses superiores, todos beneficiamos directa ou indirectamente da sua grandes e prestígio. Para que esse sentimento não possa ser atingido na sua intensidade afectiva, ou como fonte de acção, tem sido necessário excluir da vida corrente, dado o desregramento passional dos portugueses, tudo que pudesse quebrar a unidade moral da Nação. Daqui vêm, o empenho e cuidado em que as organizações culturais, recreativas, profissionais ou outras, e na medida do possível os próprios órgãos da Administração, não se imiscuam nem sejam teatro de lutas partidárias, mas conduzam a sua vida livremente, apenas condicionada às grandes linhas do interesse nacional. Assim a Nação se nos tem apresentado como unidade que é ou deve ser, dotada da homogeneidade e coesão no que é essencial à sua vida colectiva. E sobre essa base se lhe tem defendido a dignidade e o prestígio; e partindo desse pressuposto se tem governado na defesa intransigente do que se reputa, sem considerações estranhas, o interesse geral.
Pois bem: como por outros caminhos se prejudicará o pensamento e a ética do regime, nós somos obrigados a evitar por Iodos os meios ao nosso alcance se destrua o que, mercê de tantos esforços, se tem, podido construir. E porque a experiência revela não terem alguns podido elevar-se acima dos seus pequenos sentimentos de grupo, desejamos lealmente que se compreenda bem ser muito duvidoso podermos continuar a tratar no plano nacional aqueles que a si próprios teimam em confinar-se e agir no plano partidário.
II
Julgo da maior vantagem estarmos seguros de um pensamento político, especialmente nestes anos críticos a seguir à guerra, porque a atmosfera mundial me parece singularmente confusa e é difícil descobrir com precisão sobre que ideias se está reconstituindo o Mundo. Não me refiro ao ódio, que torna desagradável a atmosfera internacional e sob vários aspectos nos tem feito retroceder séculos, com algum desprestígio do pobre direito das gentes. Visto que o ódio cansa, ele passará com o tempo. É preciso compreender que a guerra cavou abismos de paixão. A miséria, os sofrimentos doa povos que houveram de bater-se, o esforço da luta, as riquezas para sempre perdidas, o longo espectáculo da dor endureceram as almas, e reclamam castigo à face da terra e do céu. Esperemos que os espíritos acalmem e
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restabeleçam, normas de vida sob que os próprios vencidos possam também um dia viver. Não me refiro, pois, a nada directamente afectado pela paixão que domine as relações entre vencidos e vencedores, mas ao que n observador de boa-fé, interessado no resultado da contenda e não no debate, pode descortinar para além, dos discursos de circunstância, congratulatórios e solenes, das grandes assembleias internacionais. Tenho a impressão, oxalá que errada, de existirem no limiar desta novo mundo, turvando fortemente a atmosfera, alguns equívocos, contradições e fraquezas. Limitar-me-ei a um exemplo de cada, para tornar intelegível a referência.
Nenhum povo verdadeiramente civilizado pode deixar de garantir nas leis e na realidade os direitos fundamentais da pessoa humana. Em nome deles se fez em grande parte a guerra, mas à sua roda gira um equívoco que pode deixar um rasto funesto nas instituições europeias. Este deve-se a ter-se admitido sem maduro exame como axiomática verdade a tríplice equação: liberdade igual a democracia, democracia igual a parlamentarismo, parlamentarismo igual a oposição, e tornou-se negramente responsável por que em documento oficial as aposições portuguesas tenham acusado de ditadura o regime pelo facto de o governo não cair perante as câmaras, Afinal o problema é redutível ao seguinte: o grau e efectividade das liberdades individuais dependem esencialmente de determinada forma de organização do poder? A resposta é francamente negativa na doutrina e na prática, mais os que desejaram furtar-se a discussões incómodas resolveram aqui e além a dificuldade, vestindo, ou, nem vestindo, crismando à moda as suas instituições. Deus permita que o único mal seja a anarquia do dicionário.
Outro ponto. Não há dúvida de que o Mundo está cheio da palavra liberdade. Aqui significa independência política, além independência económica; numa parte emancipação e igualdade racial, noutra extinção de privilégios de classe; mais perto a abolição das monarquias (aliás e pelo menos em potência tão liberais como as repúblicas), mais longe a própria carência do poder público. Pois repetida em todas as línguas e reboando sob todos os céus, é certo que a famosa e enganadora deusa não dará o seu nome à nossa época: e aí está a contradição.
Continuo a crer que, para bem dos homens e da sua vida em sociedade, haverá a «autoridade necessária e a liberdade possível»; mas, seja qual for o grau de liberdade, política, no futuro, já está moribunda no presente a liberdade económica.
Nós somos dos que mais convictamente se têm conservado fiéis à ideia de que uma razoável liberdade é salutar à vida económica e não temos hesitado em mante-la nos domínios e no grau compatíveis com o interesse geral. Mas cada vez se afigura mais claro que, independentemente das razões peculiares ao tempo de guerra, persistem motivos para se manterem e intensificarem as duas tendências que em si mesmas envolvem restrições à liberdade - a organização e o intervencionismo do Estado. A política social que nos surge como marca inconfundível da época presente postulei melhor aproveitamento e mais justa distribuição das riquezas, e nem um nem outra são possíveis sem sujeição a planos que em muitos casos transcenderão o nacional para se situarem no domínio mundial. Tal ordem de trabalho não é, por outro lado, possível sem a prévia sistematização dos elementos nacionais, sem se ordenarem os órgãos e os factores da produção. Que o Estado se converta, ele próprio, em produtor e distribuidor das riquezas criadas ou se limite a dar o impulso e direcção superior à economia, a impor regras de justiça distributiva e garantir a disciplina do trabalho, isso nos distinguirá, por exemplo, a nós dos socialistas e dos comunistas. Mas num caso ou noutro a organização e o intervencionalismo serão a lei, e essa lei - queiramos ou não - c o crepúsculo da liberdade económica. Tão certo é que os homens não podem definir a sua liberdade mas apenas usufruir a que a vida lhes consente.
Tem-me parecido errónea e perigosa certa tendência para defender no plano teórico e no das realidades práticas a uniformidade dos regimes políticos como base indispensável da cooperação internacional. Esta deverá contentar-se com a existência daqueles princípios comuns que caracterizam, a civilização moderna; e por vezes será obrigada a contentar-se com menos... Mas se a vida internacional tem de ser tão intensa como se anuncia, já me parece que os regimes políticos não são indiferentes para a condução dos negócios do Mundo. É neste ponto que vejo certas fraquezas aludidas acima.
Não se trata da pureza dos intentos nem da justiça das questões, nem da correcção dos processos: trata-se dos meios de acção política. A cada momento se verifica a necessidade de decisão rápida, que só pode emanar de um poder executivo forte, sustentado ainda pela força da opinião. O primeiro requisito depende em alto grau das instituições e dentro delas se há-de buscar solução às dificuldades; a segunda é sobretudo uma questão de ética, pois de um modo geral os Estados civilizados não podem proceder nem à margem nem contra a consciência da nação. Mas verificá-la é concluir ser impossível a um grande Estado desempenhar na política do Mundo um papel dirigente, se não vai ter cuidados especiais com a formação da sua opinião pública Estão aí no horizonte dois problemas - o da rádio e o da informação mundial - que ou são resolvidos de modo a garantir-se a objectividade, a justiça e o respeito alheio ou vão converter-se em sérios factores de perturbação no Mundo. Ninguém hoje pode afirmar que as soluções alcançadas através de organizações capitalistas sem responsabilidades políticas nem, fins diversos do lucro ou de organismos públicos ao serviço de ideologias incendiárias correspondem às necessidades e aos anseios das nações. Já é mau que os pequenos Estados sejam batidos por ventos contrários à sua formação, aos seus interesses; seria desastroso que grandes potências não estivessem devidamente garantidas no campo moral e político para o seu papel de direcção.
III
Ao tocar nalguns aspectos e princípios da vida internacional passei em silencio o novo organismo de coordenação e cooperação designado por Nações Unidas. Fi-lo muito de propósito, por dois motivos: porque não fazemos ainda parte da organização e porque, mais importa à paz do Mundo o espírito dos homens do que as palavras da Carta e os seus órgãos.
Em Abril estaremos em Genebra para votar a dissolução da Sociedade das Nações e a liquidação e entrega cios respectivos valores às Nações Unidas. Fiéis adeptos da Liga, não faltaremos ao último acto da sua existência, nem, sempre brilhante, nem sempre coroada de êxito, mas, queremos crer, geralmente bem intencionada. Haverá um certo ilogismo no voto que nós e outros daremos, despojando-nos daquilo para que contribuímos em favor de uma organização a que não pertencemos. Mas a solução só pode ser essa e a vida vai tão falha de lógica que não vale mesmo a pena fazê-lo notar.
Mais estranho se afigura o desembaraço com que na ausência e desconhecimento de algumas potências interessadas se procedeu em Londres à escolha dos juizes para o Tribunal Permanente de Justiça Internacional de Haia. De tudo concluo que o estudo da transição do anterior regime para o novo, aprovado em S. Francisco,
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parece não ter sido levado muito fundo e de modo que se evitassem estas incongruências. O Mundo, porém, está doente e lia problemas tão graves a, resolver que não se deve fazer questão de pequenas coisas.
Nesta primeira sessão as Nações Unidas foram ainda apenas a associação dos vencedores, incluindo evidentemente alguns obreiros da última hora. Ela tem necessidade de, após os seus primeiros trabalhos de constituição, começar a abrir as portas e a alargar o seu âmbito não só aos neutros (ainda que não tão fortemente colaborantes como nós próprios), mas aos vencidos de ontem. Só desta forma poderá aspirar a verdadeira representação mundial, sem exclusivismos injustificados.
Por tais motivos não apresentámos ainda ao Secretariado Geral, como é do regulamento, o pedido de admissão, embora a nossa Constituição Política, nas suas disposições e no seu espírito, nos autorize e de certo modo nos imponha fazer parte de organizações internacionais que se propõem resolver pacificamente as divergências entre as nações e cooperar com todos para o maior bem-estar e progresso da humanidade. Temos, porém,, entendido ser ainda cedo para o fazer, pois a qualquer pessoa razoavelmente observadora não terá passado despercebido que a admissão de novos membros contende, no momento com o equilíbrio interno das Nações Unidas. Talvez por isso nenhuma das nações que podiam legitimamente pretendê-lo requereu a admissão, como foi oficialmente declarado.
O facto não tem no desenvolvimento da nossa vida e na defesa dos nossos interesses o menor significado. Nem me parece conveniente alimentar a falsa ideia, de que qualquer organização daquele género há-de arcar com o peso das dificuldades internacionais e incumbir-se ainda de resolver os problemas de cada um, Estou convencido de que ela terá tanto mais probabilidades de êxito quanto menos a sobrecarregarem as questões próprias de cada nação. Desde que a Nação, com seus atributos de igualdade jurídica e de independência, continua a ser a base da organização internacional, continua a ser igualmente exacto que o conjunto beneficia da ordem, do progresso e do trabalho de cada povo e não são as soberanias claudicantes ou precárias que podem prestigiar ou facilitar a acção daquela. Isto pode ser expresso de outra forma: a cooperação internacional pressupõe o nacionalismo bem ordenado e bem entendido.
Dentro ou fora das Nações Unidas, a nossa política externa não tem senão de seguir, ao lado dos tradicionais imperativos históricos e geográficos, as claras indicações do ultimo conflito. O centro de gravidade da política europeia, como já tenho afirmado, senão da política mundial, deslocou-se mais ainda para o Oeste e situou no primeiro plano o Atlântico com os Estados que o rodeiam. Em reconhecê-lo não deixámos de ser europeus; o que damos é mais largo sentido ao Ocidente.
Dentro destas linhas simples queremos continuar a trabalhar, esperamos que sem poeira nos olhos nem ódio no coração. Acreditamos que se esteja construindo o futuro e que se aspire a um estado de relações mais seguro e pacífico que o anterior. Mas, como entre tudo que muda o homem é que menos muda, não pode perder-se de vista para o êxito de qualquer política o que por facilidade de expressão chamaremos as «constantes humanas».
Estamos convencidos de que se impõe, não só para curar as feridas da guerra, mas normalmente e para o bem geral, estreita, amigável, confiante colaboração. Estendemos os braços para, dentro da nossa modéstia, ajudar, servir os que se encontram em piores condições do que nós. Assim, vamos reatando relações económicas e financeiras com, os que surgem, do abismo das suas tribulações, e pena temos de que os recursos disponíveis da metrópole e do Império não sejam maiores para nos permitirem sermos mais prestáveis. Podemos dizer que tontos posto nos acordos económicos - será isso erro no actual momento? - mais coração que negócio. Penso estarmos assim bem dentro do melhor espírito do tempo, não porque lhe tenhamos aderido, mas porque, para honra nossa, o herdámos.
Vou terminar. Tomei porventura por caminhos que não estavam no meu propósito e muitos suporão mesmo não se encontrarem no lógico desenvolvimento das primeiras frases. Não o cuido assim.
O Mundo está cheio de ideias falsas e de palavras vãs. Enquanto umas e outras se movem no domínio estranho à nossa terra, a concordância ou desacordo têm puro interesse académico e são irrelevantes. Mas quando começam, a invadir-nos e ameaçam fazer estrago dentro de nós, então impõe-se exame mais cuidado para determinar até que ponto atingem a, nossa independência de, julgamento, a saúde do nosso espírito e os nossos interesses de Nação.
O debate político que se trava não tem em geral o valor limitado de uma disputa partidária. Não. É em muitos casos um aspecto da eterna luta entre o bem e o mal, a verdade e o erro, a vida e a morte. O meu desejo, o meu empenho é que os portugueses se elevem por momentos acima das suas preocupações e pequeninos despeitos, para considerarem estes problemas que transcendem a vida de todos os dias e cuja correcta solução interessa ao futuro da Pátria.
De harmonia com a, decisão do Sr. Presidente, publicam-se a seguir os documentos referidos no discurso do Sr. Deputado Soares da Fonseca:
Ministério da Educação Nacional - Direcção Geral do Ensino Liceal - Secção Pedagógica. - Circular n.° 1:222 - Livro 27 - N.° 268. - Ensino liceal feminino. - Aos Exmos. reitores dos liceus. - A fim de elucidar esta Direcção Geral, queira V. Ex.ª dignar-se de mandar preencher o incluso questionário, colhendo para tanto a opinião dominante nesse liceu, pelo processo que a V. Ex.ª se afigurar mais conveniente. (V. Ex.ª indicará qual o processo de que se tiver servido).
Na resposta usar-se-á de estilo o mais sucinto possível - sem prejuízo da clareza -, indicando-se apenas os principais fundamentos das opiniões mais gerais, sem desenvolvimentos que a natureza do questionário não comporta.
Peço a possível urgência.
A bem da Nação. - Direcção Geral do Ensino Liceal, 11 do Dezembro de 1945. - O Director Geral, António Augusto Riley da Mota.
Questionário
Atendendo às diferenças - anatómicas, fisiológicas, psicológicas e sociais - entre os dois sexos, indicar-se:
A Devem as raparigas e os rapazes ser sujeitos a uma educação liceal praticamente a mesma para umas e outros, como até agora?
ou
A1 Devem, pelo contrário, existir ligeiras diferenças:
a) No número e qualidade das disciplinas? Quais?
b) Nos programas e intensidade do ensino? Quais?
ou
A2 Devem existir diferenças fundamentais? Quais?
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B Deve existir a coeducação ou a separação dos sexos?
a) Vantagens da solução preferida?
b) Inconvenientes?
c) Vantagens da solução oposta?
d) Inconvenientes?
B1 Havendo coeducação, poderão os professores ensinar raparigas em todos os anos do curso ou só em alguns? Quais?
B2 Havendo coeducação, poderão as professoras ensinar rapazes em todos os anos do curso ou só em alguns? Quais?
B3 Havendo separação de sexos, deverá o ensino fazer-se:
a) Em liceus separados, masculinos ou femininos?
b) Em secções femininas, praticamente independentes ?
c) Em secções femininas anexas, no mesmo edifício e com economia comum?
B2 Havendo separação de sexos, poderão os professores ensinar nos liceus femininos ou secções femininas?
a) Em todos os anos do curso?
b) Só em alguns e quais?
c) Como efectivos, auxiliares, agregados e contratados ou só nalguma ou nalgumas destas modalidades? Quais?
B3 Havendo separação de sexos, poderão as professoras ensinar nos liceus masculinos?
a) Em todos os anos do curso?
b) Só em alguns e quais?
c) Como efectivas, auxiliares, agregadas e contratadas ou só nalguma ou nalgumas destas modalidades? Quais?
C Deveriam os futuros professores e professoras frequentar escolas universitárias diferentes?
C1 Deveriam frequentar liceus normais diferentes?
C2 Deverão continuar a ter vencimentos iguais para uns e para as outras em todas as situações sociais?
C3 Só deverão ter vencimentos iguais em determinadas situações sociais? Quais?
Direcção Geral do Ensino Liceal, 11 de Dezembro de 1945. - Q Director Geral, António Augusto Riley da Mota.
À Direcção Geral do Ensino Liceal. - Indiquem-se as razões que levaram essa Direcção Geral a dirigir aos reitores dos liceus um questionário absolutamente descabido acerca da 21 de Janeiro de 1946. - O Ministro, J. Caeiro da Matta. Está conforme. - Ministério da Educação Nacional, 19 de Fevereiro de 1946. - O Chefe do Gabinete, João de Almeida. Sr. Ministro da Educação Nacional. - Excelência - Por doença, só agora me é possível dar cumprimento ao determinado na ordem de serviço de V. Ex.ª de 21 do corrente, o que tenho a honra de fazer, nos termos seguintes: Respeitosamente e a bem da Nação. - Direcção Geral do Ensino Liceal, 24 de Janeiro de 1946. - O Director Geral, A. A. Riley da Mota. Está conforme. -7- Ministério da Educação Nacional, 19 de Fevereiro de 1946. - O Chefe do Gabinete, João de Almeida.
1.° Na própria circular se indica o motivo que me levou a dirigi-la aos reitores dos liceus: «A fim de elucidar esta Direcção Geral . . .». Como único funcionário permanente dos serviços centrais com preparação e competência pedagógicas, devo manter-me informado dos assuntos dessa natureza, para bem poder informar os meus superiores hierárquicos, nos termos da alínea i)
do artigo 51.° do decreto n.° 16:836, de 4 de Maio de 1929 (regulamento do Ministério), ou os corpos com funções pedagógicas a que pertenço na Junta Nacional da Educação, Conselho Permanente da Acção Educativa, de que sou vogal, e 3.a Secção, de que sou presidente, os quais V. Ex.ª manda consultar quando entende.
2.° Aos assuntos tratados nas várias alíneas do questionário poderia V. Ex.ª referir-se na próxima [revisão do projecto de reforma do ensino liceal, que a V. Ex.ª foi presente pela comissão de aninha presidência, e eu necessitava de estar preparado para informar V. Ex.ª nos termos regulamentares, tanto mais que me dissera um dos secretários de V. Ex.ª que algumas professoras liceais tencionavam falar a V. Ex.ª sobre a projectada reforma, na parte de educação feminina.
3.° O pequeno questionário apresentado é exclusivamente pedagógico e de mera informação, nenhuma posição doutrinária ou de acção nele se tomando. Faz-se ali breve e despretensioso inquérito sobre alguns problemas essenciais da educação liceal feminina, que tanto preocupa pedagogistas de todo o mundo. A secção fundamental do questionário está designada pela letra A e nela se pergunta se «Raparigas e rapazes derem, ser sujeitos a uma educação liceal pràticamente a mesma para umas e outros», ou se «Devem existir ligeiras diferenças», ou ainda se «Devem existir diferenças fundamentais». As outras duas secções do questionário, designadas pelas letras B e C, são o complemento natural da primeira, indicando o modo de pôr em prática - em diversas modalidades que se podem apresentar - as respostas dadas em A e referindo-se à preparação, exercício e remuneração de professores.
Apenas um exemplo, para concretizar: se a resposta na secção A foi: «A mesma educação», na secção B poderão dar-se-lhe lògicamente várias modalidades, como: liceus separados; liceus com secções em edifícios diferentes ou no mesmo edifício; simples turmas separadas, maculinas umas, femininas outras; turmas mistas.
E o mais semelhantemente, como V. Ex.ª doutamente suprirá.
4.° Informações semelhantes poderia eu, aliás, colher directamente - salvo se V. Ex.ª determinasse o contrário - como inspector ex officio que sou do ensino liceal português (nos termos do disposto no § 1.° do artigo 1.° do decreto-lei n.° 32:241, de 5 de Setembro de 1942) ou aproveitando as reuniões de reitores que a lei preceitua (§ 3.° do artigo 24.° do decreto-lei n.° 27:084, de 14 de Outubro de 1936). Era simplesmente mais rápido e prático recorrer a uma circular aos reitores, com a vantagem ainda de ficar na posse de elementos escritos.
5.° Pelos motivos acima indicados e como a circular não estava nas condições do artigo 78.° do citado regulamento do Ministério, por não ser de natureza a estabelecer doutrina nova nem a interpretar leis ou regulamentos, não solicitei visto prévio de V. Ex.ª ou de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado.
6.° Resta-me ainda afirmar a V. Ex.ª que nunca procurei imiscuir-me na política pedagógica do Ministério, que não está nas minhas atribuições. Ao ordenar o pequeno inquérito pedagógico, para mera informação pessoal, bem, longe, estava de prever as desagradáveis repercussões políticas que ele poderia ter. Peço a V. Ex.ª me releve ter dado involuntàriamente azo para isso.
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Documento distribuído na Assembleia e a que faz referencia o Sr. Deputado Soares da Fonseca:
Justificação
1.° A circular foi dirigida aos reitores dos liceus: «A fim de elucidar esta Direcção-Geral . . .».
2.° O director geral é o único funcionário dos serviços centrais com preparação e competência pedagógicas e cumpre-lhe manter-se informado dos assuntos dessa natureza, para poder informar os superiores hierárquicos, nos termos da alínea i) do artigo 51.° do regulamento do (Ministério, ou os corpos com funções pedagógicas da Junta Nacional da Educação (Conselho Permanente), de que é vogal, e 3.a Secção (liceal), de que é presidente.
3.º O Ministro podia referir-se aos assuntos tratados no questionário na próxima revisão do projecto de reforma do ensino liceal, elaborado por uma comissão de que é presidente o director geral, tanto mais que várias professoras iam procurar o Ministro para com ele tratar de educação feminina.
4.° O questionário é exclusivamente pedagógico e de informação, não se tomando nele qualquer posição doutrinária ou de acção.
5.º A secção fundamental do questionário é a primeira (letra, A), em que se pergunta se a educação a dar ü rapazes e raparigas deve ser exactamente a mesma para uns e outras, ou pouco diferente, ou muito diferente. As outras duas secções (letras B e C) são secundárias e servem para dar modalidades à primeira e investigar sobre preparação e retribuição das professoras.
6.º É evidentemente uma especulação politiqueira destacar a parte referente a coeducação ou separação de sexos com fins inconfessáveis muito fáceis de compreendei.
7.° Como questão de facto, são mistas, na frequência e professorado, as Universidades, as escolas técnicas, 30 liceus sobre 40 e várias escolas primárias, incluindo as do magistério respectivo, ultimamente organizadas.
8.° Com pouquíssimas excepções, são destinados a liceus mistos os novos edifícios liceais, já construídos, ou em construção, ou a construir ainda, e isto por decreto do Governo (assinado pelo Presidente da Republica, pelo Presidente do Conselho e pelos (Ministros).
9.º O director geral podia obter as mesmas informações como inspector ex officio do ensino liceal, visitando os liceus ou nas reuniões dos reitores preconizadas na lei, mas era mais rápido, barato e concreto obtê-las por questionário.
10.° O visto prévio só é determinado pelo regulamento do Ministério quando se estabeleça doutrina nova ou se interpretem leis ou regulamentos, e no questionário só se faziam perguntas, nada se estabelecendo nem interpretando.
IMPRENSA NACIONAL DB LISBOA