O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 685

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 41

ANO DE 1946 9 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 41 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 8 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Manuel José Ribeiro Ferreira

Secretários: Exmos. Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel de Abranches Martins

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou que estavam na Mesa as respostas a alguns requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
O Sr. Deputado Ricardo Spratley referiu-se às obras ao porto de Leixões.
O Sr. Deputado Pedro Cymbron advogou a necessidade de se erigir ràpidamente um monumento ao infante D. Henrique, em Sagres.
O Sr. Deputado Froilano de Melo requereu que lhe fossem fornecidas estatísticas relativas aos casos de lepra no nosso País.
O Sr. Deputado Cincinato da Costa fez várias considerações sobre o abastecimento de
Milho.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão, na generalidade, do projecto de lei sobre foros-ouro, tendo usado da palavra os Srs. Deputados João do Amaral, Botelho Moniz, Luís Pinto Coelho e Bustorff da Silva.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 25 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.

Página 686

686 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41

João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Câmara Pina.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

Do advogado em Penafiel, Dr. Vitorino Coelho da Silva, queixando-se da actuação do juiz daquela comarca.

Telegramas

«Excelentíssimo Presidente Assembleia Nacional - Lisboa. - Nome colónia Macau pessoal endereço Assembleia profundo sentimento perda sofreu Nação morte Dr. Manuel Rodrigues. - Governador».

Foram ainda recebidos na Mesa outros telegramas no mesmo sentido de diversas entidades.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em resposta aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Ernesto Subtil, Cerveira Pinto e Querubim Guimarães.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças relativos ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Henrique Galvão.
Estes elementos ficam à disposição destes Srs. Deputados.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Ricardo Spratley.

O Sr. Ricardo Spratley: - Sr. Presidente: depois da sessão de 21 de Fevereiro, em que tive a oportunidade de me referir à função económica do porto de Leixões e ao estado actual do sen apetrechamento, não me foi possível comparecer nesta Câmara por motivo de saúde.
Tive, no entanto, ensejo de verificar o interesse e a atenção que as reivindicações apresentadas mereceram ao Governo, tanto pelas explicações tão prontamente fornecidas pelo Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações, como pala imediata transmissão desses mesmos informes pela Presidência do Conselho à Mesa da Assembleia Nacional.
Cabe-me, portanto, vir manifestar nesta primeira oportunidade que se me oferece - e em nome dos interesses em cansa - todo o meu reconhecimento pelas informações prestadas pelo Governo e a minha satisfação pela fundada esperança de uma rápida solução dos problemas abordados.
Essa solução, a avaliar por aquelas mesmas informações, só vem confirmar as qualidades de inteligência, acção decidida e equilibrado bom senso de S. Ex.ª o Ministro Cancela de Abreu.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Pedro Cymbron: - Sr. Presidente: fez no passado dia 4 de Março 552 anos que veio ao mundo, no Porto, o infante D. Henrique. Não houve nesse dia sessão na Assembleia Nacional, e, na impossibilidade de o ter feito mais cedo, só hoje lembro aqui a figura daquele notabilíssimo príncipe, de cuja casa partiram os conquistadores do mar, que, de entre tantas e tantas terras, trouxeram também para a coroa dos reis de Portugal as ilhas abençoadas onde vivem os açorianos, que, por isso, consagram à memória do infante particular sentimento.
Não foi ainda prestada, em monumento condigno, homenagem devida a tão grande figura da nossa história, o mesmo acontecendo, de resto, a outros ilustríssimos portugueses.
Ergueu-se ao infante de Sagres uma estátua no Porto e outra em Vila Franca do Campo, antiga capital da ilha de S. Miguel, que, assim, dentro dos modestos recursos de que dispõe, lhe pagou a sua dívida. Esses monumentos, manifestações de projecção local, não bastam para perpetuar a memória de um homem cuja obra ultrapassa as fronteiras do seu país e se espalha por todo o Mundo.
Está devidamente averiguado que este príncipe, cuja vida de pureza e trabalho é exemplo magnífico para poderosos e humildes de todos os tempos, escolheu Sagres para instalar a sua academia de estudos náuticos. Conheço a região. Difícil seria encontrar melhor ambiente, para meditação profunda, trabalho absorvente, vida toda dedicada ao estudo do mar e do céu, do que esse, em cuja paisagem, de tão austera imponência, se não vê qualquer detalhe que atraia o espirito aos encantos da terra. E, em contraste, o resto do Algarve é lindo! A beleza das

Página 687

9 DE MARÇO DE 1946 687

amendoeiras em flor, a alegria das aldeias risonhas, o ar puro e sadio, o Sol radioso, que cai de um céu sem nuvens, tudo enfim que a natureza generosa nos concedeu ali só pode realçar a dor causada pelo abandono a que os homens votaram Sagres, santuário das nossas maiores glórias, aonde todos os portugueses deveriam ir em romagem patriótica.
E, mesmo que não tivesse sido esta a região onde o infante trabalhou, viveu e morreu, bastaria a tradição ligada ao promontório para ser esse o local destinado a nele se levantar o monumento que deve lembrar aos vindouros a figura do ínclito príncipe.
De resto, a ideia de perpetuar a memória do infante D. Henrique no promontório e Sagres está bem arraigada entre nós. Dela se foz eco há anos a imprensa do País. Como também é sabido, o Governo promoveu concursos entre arquitectos portugueses e foram expostas ao público as maquetas dos concorrentes; foi lançado no orçamento do Estado verba para a execução do monumento, mas não foi possível ver erguida obra de tão grande valor.
Realizou já o Estado Novo magnifica política do espírito na restauração dos monumentos que são padrões do valor da raça e na construção de outros comemorativos das grandes figuras da nossa história, mas não se prestou ainda ao infante de Sagres a homenagem verdadeiramente nacional que lhe é devida.
Mal ficaria às gerações de hoje, a quem cabe a honra e a glória de colaborar na obra da reintegração de Portugal no seu verdadeiro destino, não promover a consagração de um dos maiores, senão do maior, dos portugueses.
Sr. Presidente: não pedi a palavra, evidentemente, para exaltar nesta Assembleia uma figura tão bem conhecida de todos nós - seria estulta preterição -, mas sómente para apresentar, ao Governo da Nação o desejo de ver erguido em Sagres, logo que as circunstâncias o permitam, um monumento ao infante D. Henrique digno do fim a que se destina.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Frollano de Melo: - Sr. Presidente: há dias vi na Baixa um leproso altamente infectante em plena liberdade, por entre os numerosos transeuntes que se acotovelam naquela parte da cidade.
Passados tempos vi num comboio suburbano, e por entre os passageiros do mesmo comboio, uma jovem tendo na face a mancha eritematosa de uma lepra em início.
Se este caso inicial pode passar despercebido aos olhos de quem não seja especializado na diagnose da lepra, não sucede outro tanto com o primeiro, que entra no grupo dos grandes gafos, que o próprio vulgo classifica como lepra à distância e à primeira vista.
Tendo contado o facto a um colega, proporcionou-me ele a oportunidade de visitar alguns leprosos que vivem numa região em que existe uma esplêndida estação termal.
E, aproveitando de uma féria parlamentar, vi e dei consulta a nada menos de três dúzias de leprosos que, sob a acção benfazeja de um filantropo, são assistidos gratuita e desinteressadamente por três jovens colegas.
A caridade para com os leprosos é uma obra bendita por Deus - é nestas palavras que presto a minha homenagem a esses obreiros caritativos, que não devo nomear, porque manda a minha ética que a lepra seja tratada sob o manto sagrado do sigilo profissional.
Sr. Presidente: conquanto sinta um certo acanhamento em o dizer, devo declarar a V. Ex.ª que sou médico especializado em leprologia, a quem colegas nacionais e estrangeiros fazem a graça de conferir uma certa autoridade.
O que eu vi! O abandono, a promiscuidade, as condições de vida, a miséria desses leprosos! Livre-me Deus de aproveitar da dor alheia para tirar efeitos de oratória! Posso porém garantir à digna Assembleia, com a autoridade que tenho, que a situação que vi é simplesmente de causar pavor!
Na minha qualidade de Deputado doublé de leprólogo roqueiro, pois, que, pela repartição competente do Ministério do Interior, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

A) Estatística:

a) Em que aldeias dos nossos distritos existe a lepra;
b) Quantos os casos de:
I. Inválidos e grandes mutilados;
II. Válidos e infectantes e suas formas clínicas, possivelmente subordinadas à notação internacional;
III. Focos familiares;
IV. Casos iniciais que porventura tenham sido descobertos por inquérito feito entre os contactos de cada leproso averiguado ou descoberto;
V. Profissões e condições de vida dos leprosos dos grupos I e II.

B) Terapêutica:

Centros de isolamento e tratamento antileproso, oficiais ou particulares, existentes ou projectados:
I. Asilos para os inválidos? Quantas camas?
II. Hospitais privativos? Quantas camas?
III. Enfermarias especiais em hospitais gerais? Quantas camas?
IV. Dispensários? Como funcionam? Que tipos clínicos de lepra socorrem?

C) Propaganda e profilaxia:

Tendo verificado que parece existir no povo um certo desconhecimento do perigo que representa o convívio com leprosos, roqueiro também que me seja indicada a legislação sanitária antileprosa (diplomas, avisos, circulares) em vigor em Portugal, bem como a existência de quaisquer organizações de propaganda constituídas para efeitos de campanha antileprosa.

Sr. Presidente: é meu desejo colaborar com o Governo para se enfrentar com coragem o problema da lepra entre nós. Os elementos que peço subordinam-se às regras estabelecidas por conferências internacionais e que se resumem ou, melhor, se englobam sob a designação abreviada de P. T. S. (propaganda, tratamento, inquérito - survey).
Compreendo que esses dados me não possam ser fornecidos de um momento para o outro; nem desejo que os dêem precipitada e atabalhoadamente.
E como, terminada a presente sessão legislativa, vou regressar à índia, ousaria rogar a V. Ex.ª desse as suas instruções à Secretaria para mós remeter para a Índia, a fim de, na calma do meu gabinete, estudar aí as soluções que se me afigurarem práticas e viáveis e que sob forma de bases apresentarei ou à discussão desta digna Assembleia ou à consideração do Governo, a fim de se tentar resolver um problema que - afirmo - é grave e precisa de ser solucionado, para o bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Cincinato da Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar ainda do problema do abastecimento do milho aos consumidores e muito principalmente às populações nortenhas.
Como é do conhecimento desta Assembleia, em 29 de Janeiro findo dirigi um requerimento ao Sr. Ministro

Página 688

688 DIÁRIO DAS SESSOÕS - N.º 41

da Economia no sentido de ser elucidado acerca dos problemas seguintes: por que razão se não resolvia distribuir o milho pelos centros consumidores através de comissões locais e directamente em grão; por que razão se não facilitava a moenda do milho aos moinhos e azenhas que existem disseminados por toda a região nortenha, e ainda por que razão se não eliminava, de certo modo, a fiscalização intensa que se fazia e que só tem servido para prejudicar o sistema.
Recebi em 20 de Fevereiro uma resposta circunstanciada a estes diferentes pontos, mas, entretanto, como é também do conhecimento da Assembleia, S. Ex.ª o Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura deslocou-se às regiões do Norte, demorando-se principalmente em Viana do Castelo, Braga e Porto. Aí teve ocasião de conhecer de perto todo este problema, de ouvir os organismos interessados, de ouvir as entidades representativas locais e, certamente, fez um juízo seguro sobre tão palpitante assunto.
Tanto bastaria, Sr. Presidente, para que fossem neste momento dispensáveis todas e quaisquer considerações sobre o problema, porque tenho a certeza que do estudo feito por S. Ex.ª, que costuma analisar todas as questões com a maior proficiência, encarando-as de frente, muito há-de resultar no sentido de ser facilitada a distribuição de milho e o consumo do pão naquelas regiões.
Mas pela nota enviada, que, de certo modo, vem confirmar as minhas preocupações a respeito desta questão, nós verificamos o seguinte: em 1942-1943 a distribuição de todo o milho requisitado foi feita pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo; em 1943-1944 e em 1944-1945 passou esse serviço a ser desempenhado pelas comissões reguladoras de comércio local, sob a orientação da Intendência Geral dos Abastecimentos, e, por último, em 1945-1946 passou a efectuar-se em cada freguesia ainda pelas comissões reguladoras do comércio local, depois dos manifestos apresentados nos grémios da lavoura. Orienta essa distribuição o Instituto Nacional do Pão.
Tanto basta para se verificar a existência de um sistema complicado, com intervenção de vários organismos, desviados da sua função normal, como diz a nota do Governo, o que justifica terem sido as minhas objecções a tal respeito absolutamente fundadas.
Diz-nos a mesma informação que o produtor encontra todas as facilidades quanto à distribuição de milho, porque se centraliza o serviço - o que nem sempre é proveitoso-, mas não se esconde que, embora o manifesto seja feito através dos grémios da lavoura, o Instituto Nacional do Pão, a Comissão Reguladora das Moagens de Ramas e a Intendência Geral dos Abastecimentos ainda intervêm no assunto.
Todavia, o sistema, a meu ver, continua a ser bastante complicado, dando lugar a demoras na distribuição do milho, o que de forma alguma se justifica.
Devo acrescentar que até hoje o milho era distribuído pela moagem, conforme as taxas que pagava à Comissão Reguladora das Moagens de Ramas, de forma que todo o milho era mais ou menos enviado para o Porto. Nos concelhos de Entre Douro e Minho eram os padeiros quem tinha a incumbência de dirigir esses serviços, e quantos padeiros não foram improvisados depois que esse sistema existe? Conheço alguns que se arvoraram em padeiros, absolutamente aceites por entidades oficiais, e têm sido os agentes da maior especulação que se tem provocado em toda a região.
E o pior é que isso se faz com evidente prejuízo da economia local!
Diz ainda a nota que recebi do Ministério que outro problema difícil de resolver tem sido a aceitação por parte dos moleiros locais do milho que se destina a consumo público, e por uma razão curiosa: os moleiros
não têm possibilidades financeiras suficientes para receber o milho e pagá-lo imediatamente.
Toda esta, nota assenta sobre uma preocupação, muito justa, da parte do Governo, de que a última colheita foi deficitária, apontando o caso de o milho destinado a consumo público e o reservado para as casas agrícolas ter sido, em 1944, de 315:000 toneladas, ao passo que no ano de 1945-1946 foi apenas de 240:000 toneladas.
Sobre este caso continuo a supor que o defeito é de quem executa, e sobretudo da multiplicidade de organismos existentes, que nem sempre jogam certo uns com outros e que, por isso mesmo, vão prejudicando a distribuição de milho a tal ponto que o consumidor reclama com justíssima razão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para demonstração do que afirmo, basta verificar que já foi possível simplificar o sistema, embora exista menos milho disponível, simplificação que é absolutamente de louvar e merece aqui ser registada, o que faço com grande satisfação.
Mas, porque me parece que nem todos os casos, direi melhor, os vícios da distribuição, são do conhecimento do Governo, permito citar aqui alguns casos concretos.
Por exemplo: no concelho de Santo Tirso, freguesia de S. Martinho do Campo, em 1944-1945 foram recolhidos perto de duzentos carros de milho. Esse milho saiu todo de um celeiro, e em troca, passadas duas ou três semanas, foi recebida farinha, mas muita dela imprópria para o consumo.
No concelho de Paredes, em 22 de Dezembro de 1945, quando estava toda a gente sem pão, apelava-se insistentemente para quem de direito pedindo se fizesse a distribuição de farinha que já estava prometida.
Isto passava-se nas vésperas do Natal, quando todos desejariam ter pão nos seus lares.
No mesmo concelho, já em Fevereiro, pedia-se à Comissão Reguladora das Moagens de Ramas que, de doze vagões de milho, já pagos, fossem, pelo menos, dois enviados para a estação de Recarei e Paredes, porque o milho não existia naqueles concelhos.
Um outro caso que quero aqui frisar é o que se passou em Lousada.
Tenho aqui duas guias do Grémio dos Industriais de Panificação do Porto: uma delas, passada em 31 de Dezembro, para uma distribuição de 24 de Janeiro a 6 de Fevereiro; a farinha só foi paga em 7 de Fevereiro, chegando a Lousada em 17 desse mesmo mês. A outra guia foi passada também em 31 de Dezembro para uma distribuição de 24 a 30 de Janeiro; a farinha foi paga em 4 de Fevereiro, só tendo chegado a Lousada no dia 14.
Quer dizer: aquela demora, de que falei atrás, complica o sistema, com a agravante de que o milho sai dos centros de produção, vai ser farinado longe para a farinha voltar para as localidades de onde saiu o cereal.
Todos os grémios protestam contra a demora na entrega das farinhas e não deixam de apontar o caso de os milhos não serem aproveitados para a moenda na própria região, o que constitui uma verdadeira tradição, estando a* produção e essa indústria caseira tão intimamente ligadas que é difícil separá-las.
O mesmo se passa no concelho de Penafiel. Ainda há poucos dias tive conhecimento de um ofício do Grémio da Lavoura de Paço de Sousa, freguesia importante daquele concelho, onde se lê o seguinte:

É necessário que quem manda tenha conhecimento dos erros que é necessário corrigir, a saber:
No mês de Julho de 1945 foram os moleiros desta área levantar, com a devida autorização, milho e

Página 689

9 DE MARÇO DE 1946 689

centeio ao celeiro de Fonte Arcada (outra freguesia do concelho), para farinarem nas suas azenhas. São passados quase oito meses e a esse precioso cereal não foi dado ainda um destino, razão por que existe ainda em casa dos seguintes moleiros:

Carlos Nogueira, Vau, Paço de Sousa, 300 quilogramas de farinha; Manuel Morais, Vau, Faço de Sousa, 200 quilogramas de farinha; Manuel Nogueira, Barco, Paço de Sousa, 100 quilogramas de farinha; João Nogueira, Azenha, Faço de Sousa, 200 quilogramas de farinha; soma, 800 quilogramas de farinha de milho. João Nogueira, Azenha, Faço de Sousa, 150 quilogramas de farinha de centeio; António Nogueira, Vau, Paço de Sousa, 225; soma, 375 quilogramas de farinha de centeio.

E, entre outras coisas, mais se diz no ofício:

... por vezes, e bem amiudadas, têm faltado distribuições de farinha de milho a uma imensidade de famílias ...

De um ofício do Grémio da Lavoura de Entre-os-Rios também consta:

Continua a falta de pontualidade na distribuição de farinha aos não autoabastecidos, o que provoca grandes dificuldades aos artistas e trabalhadores na sua alimentação ...

Em Felgueiras não se fugiu ao que foi regra em toda a região.
Posso citar o caso de uns lavradores terem enviado o seu centeio, de Barrosas, que fica no extremo do concelho, para a sede do mesmo concelho, que fica a uma distância de 12 quilómetros, para depois os moleiros naturais de Barrosas terem de o ir buscar à vila, quando ele lhes foi distribuído para moerem. E falo no centeio porque é anais ou menos igual o sistema da sua distribuição.
Poderia ainda acrescentar que, aqui e acolá, há padeiros improvisados, especuladores de ocasião, que muito prejudicam o fornecimento, pelo simples e evidente motivo de não estarem dentro do negócio. Isso coloca mal quem nos governa e é aproveitado como constante motivo de especulação.
Bastam estas citações para se ver quanta complicação existe no problema da distribuição de milho, com a agravante de a própria nota do Ministério dizer que foram desviados organismos das suas funções normais.
Por mim estou convencido de que bastaria adoptar este critério simples: depois do manifesto feito nos termos do decreto n.º 34:816, manifesto que é obrigatório para todos os produtores, e uma vez fixadas as quantidades de milho para consumo de cada habitante, o que se impõe devido às circunstâncias anormais que o País atravessa e, muito principalmente, no momento em que é notória a falta de milho, bastaria, dizia eu, entregar o milho em grão a cada consumidor e ele se encarregaria de o mandar moer por sua própria conta. É tradicional a moenda gratuita em casa de quem tenha moinho ou azenha ou mediante uma quantia que não excede, em média e normalmente, mais de $10 a $15 por quilograma.
O que vemos, porém, é que continua o sistema estabelecido, o que torna o >pão mais caro, visto o milho ser vendido a esses moleiros ou moagens a l$90 e a farinha correspondente, que devia ser fornecida a 2$20j preço de tabela, geralmente só se pode adquirir a 2$30 e 2$40.
Como disse, muito se lucrou com a ida ao Norte do Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura, mas verifico que, apesar da publicação do decreto n.º 35:470 e
das suas claras determinações e do que sei já ter sido decidido para simplificar o regime em vigor, as coisas não se apresentam por enquanto de maneira a conseguir-se esse objectivo, ainda por culpa dos executores.
Para o provar basta ver isto, Sr. Presidente: há uma circular, n.º 64, da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas, circular posterior ao citado decreto n.º 35:470, que determina, entre várias coisas, que o milho deverá ser distribuído pelas moagens, moinhos e azenhas locais pela forma mais equitativa possível, mas tendo em atenção a capacidade de laboração de cada uma.
Ora o decreto mencionado diz muito claramente no n.º 2.º do seu artigo único que os actos de compra e venda de milho continental podem ser efectuados «entre a Federação Nacional dos Produtores de Trigo e as empresas de moagem ou entre aquele organismo e os particulares para consumo».
Porque se não entrega então o milho aos particulares, deixando-os moer nos moinhos ou azenhas que preferirem?
Será porque a Comissão Reguladora das Moagens de Ramas quer assegurar a cobrança de uma taxa que de modo nenhum se justifica?
Entregue o milho directamente a quem o consome fica o pão mais barato e não há possibilidade do mercado negro, como se tem querido fazer crer, porque quem o recebe vai mandá-lo moer ao moinho ou azenha mais próximos e, em verdade, precisa dele para seu sustento.
É este o grande problema a resolver, que da forma como preconizo ficará automaticamente solucionado, pois não só haverá melhor farinha como, além disso, se evitarão perdas e despesas com transportes de trás para diante, que tornam sempre o produto caro, e se evitará também o aparecimento dos especuladores de ocasião, que prejudicam todas estas distribuições.
Se o milho não sair dos locais de produção, estou certo de que haverá mais verdade nos manifestos, aliás melhor controlados pelas comissões paroquiais, e tal medida terá ainda o condão de exercer como que um efeito psicológico sobre os consumidores no tempo de fraca abundância, por eles não verem sair o bom cereal para em troca receberem farinha muita dela de má qualidade.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu penso que seria esta a boa solução e que o defeito não é da organização, mas sim de quem executa e de quem informa o Governo, tantas vezes mal, da forma como as coisas se vão passando.
Se em pleno regime democrático alguém se lembrasse de tirar milho de casa de um produtor e mandá-lo para muito longe para ser farinado, voltando a farinha ao ponto da partida do milho, julgo que as críticas deveriam ser as mesmas.
O mal não é, portanto, da organização.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A ordem do dia é a discussão do projecto de lei sobre foros-ouro, da autoria do Sr. Deputado João do Amaral.
Alguns dos Srs. Deputados que constituem a Comissão de Economia mandaram para a Mesa um parecer, que,

Página 690

690 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41

para elucidação da Câmara, foi mandado imprimir e distribuir pelos Srs. Deputados. Tem a palavra o Sr. Deputado João do Amaral.

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: quando há dias sugeri que se fizesse a discussão do meu projecto de lei sobre a revogação do decreto-lei n.º 30:131 sem se aguardar o tardio parecer da Câmara Corporativa estava longe de subestimar o concurso que esse parecer certamente traria à Assembleia, concurso que em tantas circunstâncias se tem revelado notabilíssimo è acima dos maiores elogios.
E precisamente agora a colaboração da Câmara Corporativa assumiu um carácter de excepcional interesse pela matéria em discussão, do que resultou ser o seu parecer tão extenso que não me é possível fazer a análise dele no pouco tempo que o Regimento me dá para a defesa do projecto; far-lhe-ei, pois, apenas referências incidentais e limitar-me-ei a definir a minha posição em face da posição adoptada pela digna Câmara Corporativa.
Todavia, Sr. Presidente, por pouco que seja o tempo que o Regimento me concede para este efeito, não quero deixar de dizer que partilhei e partilho do sentimento de alta consideração expresso no voto com que esta Assembleia elegeu V. Ex.ª para seu Presidente. Jubilosamente reconheço, com base na experiência de onze anos de jornadas parlamentares, que seria difícil, e em qualquer hipótese seria injusto, não ter consagrado as excepcionais qualidades de V. Ex.ª, os seus méritos, os seus esforços e o seu trabalho em prol do comum, elevando-o à alta dignidade política que hoje ocupa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desejaria ter tempo, Sr. Presidente, para encarecer as dificuldades da missão de V. Ex.ª, para dizer que não é fácil dirigir uma Assembleia como esta, uma Assembleia constituída por homens que não são dirigidos aqui por comandos estranhos à sua orgânica e à sua competência. Vêm para aqui decididos a tomar as atitudes que a sua consciência lhes indique, e isso assinala a cada uma das pessoas que fazem parte desta Assembleia uma situação de singularidade e de irredutibilidade que torna mais difícil a missão de V. Ex.ª
Não tenho dúvida, e já fizemos uma bela experiência nos meses decorridos nesta sessão parlamentar, de que a irradiante simpatia da sua personalidade e a sua probidade mental saberão triunfar de todas estas dificuldades.
E, assim, permita-me V. Ex.ª que lhe diga: estou certo de que V. Ex.ª honrará nesse lugar a alta tradição que lhe legou o Sr. Dr. José Alberto dos Reis. E, porque falo no nome do Sr. Dr. José Alberto dos Reis, desejaria pedir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que, em qualquer oportunidade que se lhe oferecesse, lhe afirmasse que, no merecido e fecundo repouso com que pretende pôr termo à sua vida de professor eminente e homem público, o acompanhará sempre a admiração, a estima e a saudade enternecida dos que com ele trabalharam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Proponho a revogação do decreto-lei n.º 30:131, que pretendeu regular a forma de pagamento e remição de todos os foros e que, especificadamente, se atribuiu o objectivo de pôr termo ao pagamento em ouro dos foros que nessa forma de pagamento se liquidavam, total ou parcialmente, por força dos respectivos contratos. Fundamento esta proposta de revogação na circunstância de, tendo sido esse decreto elaborado, promulgado e ratificado na presunção de que o interesse geral e um objectivo de bem comum reclamavam as soluções legais que nele se contêm, se haver demonstrado ser errada tal presunção.
A presunção de que a lei surge para satisfazer uma reclamação da consciência social e do interesse comum não precisa sequer de ser formulada ou alegada, mas o autor do decreto-lei n.º 30:131 julgou conveniente formulá-la e alegá-la de uma maneira enfática e solene. Assim, começou por invocar a disposição constitucional que lhe permitia, sob a premência de urgente necessidade pública, decretar durante o período do exercício efectivo das funções parlamentares. Concedo que o uso quotidiano de certas fórmulas, mesmo as legais, mesmo as constitucionais, desvalorize o seu conteúdo; mas não até o ponto de se esvaziarem dele completamente. E desta arte, embora fosse irrisória qualquer tentativa de provar que a publicação do decreto-lei n.º 30:131 obedeceu a uma necessidade urgente do interesse público, não quero arguir de fraudulenta a invocação dessa urgência e dessa necessidade; não duvido de que o autor considerou necessária a sua publicação.
Mas por que a considerou necessária? Em que se fundou a sua presunção de que a lei respondia a uma reclamação de interesse geral? Essa presunção, diz-nos o relatório do decreto-lei n.º 30:131, fundava-se na ideia de que dificuldades e problemas de ordem jurídica e económica eram repetidamente postos pela execução dos contratos de emprazamento. Diz, por exemplo, o relatório do decreto: «É porém necessário que o regime enfitêutico, em consequência da imprecisão de encargos fixados em épocas muito distantes, não constitua fonte de dificuldades e, por vezes mesmo, obstáculo à valorização da propriedades; e noutra passagem: «As dificuldades a que a enfiteuse dá origem surgem sobretudo na determinação da forma de pagamento do foro e provêm das vicissitudes da terra e da moeda, das valorizações e desvalorizações de uma e de outra. E se é certo que dificuldades da mesma natureza se verificam na generalidade dos contratos a longo termo, aqui excedem a todos ...»; mais adiante lê-se: «Tais dificuldades põem, repetidamente, o problema do pagamento nas obrigações pecuniárias ...», e finalmente lê-se ainda no referido preâmbulo: «Às dificuldades da questão em si junta-se também a variedade das leis reguladoras».
Os trechos do relatório do decreto-lei n.º 30:131 que acabo de ler são claramente demonstrativos de que o sen autor presumia, ao elaborá-lo e publicá-lo, a existência de numerosos problemas jurídicos e económicos cuja solução se lhe afigurava necessária e urgente, a fim de restabelecer um equilíbrio social perturbado ou ameaçado de perturbação. E, verificado que o decreto não traz a esses problemas soluções novas ou inovadoras além da que atinge a liquidação dos foros rústicos total ou parcialmente pagáveis em ouro, devemos concluir que foi esta categoria de foros a que motivou as preocupações do legislador.
A demonstração de que tal presunção era errada, de que não havia problemas que afectassem a ordem económica e social, de que não havia «dificuldades» pondo repetidamente tais problemas, essa demonstração não põe em causa a boa-fé do autor do decreto-lei n.º 30:131, mas autoriza-me e autoriza a Assembleia a julgar que se ele soubesse, ao elaborá-lo, se o Governo, ao perfilhá-lo, e o Parlamento, ao ratificá-lo, soubessem, como hoje sabemos todos, que os motivos alegados para justificar a sua publicação não eram verdadeiros, o decreto-lei n.º 30:131 não teria sido nem elaborado, nem promulgado, nem ratificado.

Propondo-se, como no relatório se lê, terminar com as dificuldades e problemas que repetidamente surgiam na forma do pagamento do foro, pôs termo ao pagamento

Página 691

9 DE MARÇO DE 1946 691

em ouro dos foros rústicos que em ouro deveriam ser pagos por força de estipulações antigas. Para se avaliar da importância e número dessas dificuldades e da repetição perturbadora com que surgiam, formulou-se esta pergunta: São assim tantos, tão numerosos, os foros rústicos pagáveis em moeda metálica ouro?
A resposta foi pronta, categórica e harmónica com a presunção expressa no relatório do decreto: «há centos, senão milhares, de foros nessas circunstâncias», disse-se num ofício expedido do Ministério da Justiça para a Presidência do Conselho; «são aos centos», bradou aqui nesta Assembleia um dos paladinos da ratificação do decreto, o nosso saudoso colega Dr. Vasco Borges; aso a Casa Palmeia tem mais de quarenta e nove foros nessas condições», corroborava o digno Deputado Sr. Dr. Sá Carneiro. E, na mesma ordem de ideias, em resposta a um pedido de informações que enderecei ao Ministério da Justiça, era publicada no Diário daí Sessões uma lista de foros cuja extensão chegava para impressionar as pessoas menos impressionáveis ...
Sucedeu, porém, Sr. Presidente e meus senhores, que um exame, aliás perfunctório, dessa longa lista e um inquérito feito depois pelo Ministério da Justiça nos levaram à conclusão de que dos foros mencionados nela muitos estavam remidos e extintos, outros eram foros urbanos, ou foros rústicos em ouro e prata, ou em ouro ou prata convencionados depois da reforma monetária que pôs termo ao bimetalismo, isto é, categorias que não estavam em causa nem tinham sido objecto do meu pedido de informações. Quanto aos foros rústicos pagáveis em ouro, ou aos foros rústicos pagáveis em ouro ou prata por título de emprazamento anterior à queda do bimetalismo, quanto a esses sobre que incidira a interpretação inovadora do decreto-lei n.º 30:131, apenas se teve notícia, aliás vaga, da existência de quatro ou cinco, sem notoriedade que, de longe ou de perto, os denunciasse como factores das a repetidas dificuldades» a que, por mais de uma vez, alude o relatório do decreto.
Entendo (e penso que a Assembleia o entenderá como eu) que seria menosprezar a seriedade da função legislativa não considerar grave o facto de se ter fundamentado o exercício dessa função em motivos que depois se averiguou serem inexactos. Considero o facto grave e julgo que importa ao prestígio da função legislativa que se faça a demonstração cabal de que semelhante prática é condenável; e a forma mais perfeita de o demonstrar é revogar a lei que nasceu com tais vícios de formação.
Mas, infelizmente, não é este o único motivo que me leva a propor a revogação do decreto-lei n.º 30:131.
O já longo processo de informações e averiguações que se organizou para esclarecimento deste assunto autoriza-me a afirmar que o decreto-lei n.º 30:131 foi elaborado tendo-se em vista um único caso de foro rústico pagável parcialmente em ouro -o foro que onera a Herdade das Xévoras, sita no concelho de Campo Maior - ao qual o legislador, iludido na sua boa-fé, terá atribuído a importância de um caso-tipo, de um caso standard, cuja pluralização ou generalização criava um problema de interesse geral. Provada, como foi, a não existência desta pluralidade de casos, está a Assembleia colocada no ponto crucial da questão: o decreto-lei n.º 30:131 foi elaborado e publicado com base na solicitação das Misericórdias de Campo Maior e do Alandroal, que, durante anos, baldadamente tinham tentado obter nos tribunais a diminuição do ónus eufitêutico; e não havendo muitos outros enfiteutas a quem se generalizasse o interesse pleiteado pelas referidas Misericórdias, sucedeu que da vigência e da aplicação do decreto-lei n.º 30:131 resultou não a satisfação de uma reclamação de interesse geral, como o autor supunha e enfaticamente proclamou, mas a satisfação de um interesse particular - o das Misericórdias já citadas, mediante uma expropriação em proveito delas do património de uma senhora viúva e idosa contra quem conspirou triunfantemente a caridade bem entendida de certas pessoas, que, por bem a entenderem, fazem caridade à custa alheia; e também o interesse de uma rica firma inglesa, foreira da Herdade das Polvorosas, sita no concelho de Gavião, em prejuízo do património de um lavrador português, bem conhecido neste País como alto exemplo de devoção cívica ao interesse nacional e que não só desse património, mas do próprio sangue, tem feito pródigas dádivas e ofertas u s aã terra, à sua Pátria e a esta ordem social, cujo prestígio e cuja defesa nos estão entregues!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Devo, Sr. Presidente, inserir aqui algumas breves considerações premonitórias da minha crítica à posição que nesta matéria assumiu a digna Câmara Corporativa.
Não é a particularização ou individualização do objectivo da lei que a faz iníqua. Podem uma relação social ou uma situação jurídica, não generalizadas, prejudicar o equilíbrio social, ofender a justiça, lesar o bem comum. Torna-se então necessário submeter a relação social à disciplina do Direito ou criar à situação jurídica um novo condicionalismo legal. Em qualquer das hipóteses, porém, é o interesse geral que reclama a intervenção do legislador, que postula a necessidade de instaurar ou de restaurar o Direito, que deflagra a acção legislativa, com o fim de disciplinar uma relação social perturbadora ou de impedir que certa situação jurídica, protegida embora pelo Direito vigente, seja motivo de escândalo ou de lesão da ordem moral, económica e política.
Mas não foi nenhuma destas a hipótese formulada pelo legislador do decreto-lei n.º 30:131 na longa exposição de motivos com que o justificou. Relendo essa exposição de motivos e considerando que o legislador só tinha conhecimento de um caso de foro rústico pagável em ouro, o da Herdade das Xévoras, podemos reconstituir pela forma seguinte o processo de gestação deste decreto-lei: chegou ao conhecimento do legislador que na execução de determinado contrato de enfiteuse surgiram certas dificuldades, resultantes de uma relativa onerosidade do foro e, eventualmente, do próprio facto de dever liquidar-se em moeda metálica do ouro. Evidentemente, a simples circunstância de surgirem dificuldades e problemas na execução de um contrato entre particulares não justifica, só por si, a intervenção legislativa do Estado, que não tem legitimidade, nem poder, nem sequer meios materiais, para intervir na execução das centenas ou milhares de contratos que diariamente se celebram dentro das suas fronteiras e muito menos o poderia ou deveria fazer com o simples intuito de modificar o convencionado em pleno domínio de autonomia das vontades - melhorando a sorte do comprador ou do vendedor, do senhorio ou do inquilino, do industrial ou do consumidor que, eventualmente, viram iludida pela realidade a sua expectativa de maiores lucros ou de menores encargos. Todavia, essa intervenção já se justifica se as dificuldades reveladas na execução de determinado contrato tomarem, ao repetir-se numa certa pluralidade de casos, o vulto de um autêntico problema nacional ou social, dada a sua possível repercussão (como pode supor-se em contratos de enfiteuse) na valorização e mobilização da propriedade rústica, na remuneração e incentivo da empresa agrícola e, digamo-lo por mera transigência, na valorização ou desvalorização da moeda. E porque, figurando esta hipótese, viu na generalização das dificuldades re-

Página 692

692 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41

veladas em certo caso concreto unia causa de perturbação económica e social, o autor do decreto-lei n.º 30:131 entendeu que era oportuno obstar a tais dificuldades e resolver esses problemas.
Mas, Sr. Presidente, o processo dialéctico que desta forma conduziu à construção do regime do decreto-lei n.º 30:131 enferma do erro de facto que já denunciei: o caso do foro rústico da Herdade das Xévoras, pagável em ouro, era único, ou quase, e não constituía nem podia constituir por si só «fonte de dificuldades e obstáculo à valorização da propriedades».
E, assim, repito, não veio o decreto resolver qualquer problema de interesse geral. E, assim, repito, serviu apenas para se consumar a acção violenta e iníqua de transferir do património de A para o património de B algumas centenas de milhares de escudos. Esta violência, esta iniquidade, devem ser evitadas ou reparadas mediante a revogação do decreto e a anulação dos seus efeitos.
Mas, Sr. Presidente, formulei antes a hipótese de uma situação jurídica se revelar, em determinado momento, imoral, anti-social, injusta; e afirmei que nessas circunstâncias se justificaria a intervenção do legislador no sentido de, com invocação desse forte motivo de interesse e ordem pública, a integrar num novo regime legal. Não foi esta, insisto em lembrá-lo, a hipótese com que se justificou a elaboração do decreto-lei n.º 30:131. Mas trago-a ao debate para enfrentar a posição, mais audaciosa que a do parecer da digna Câmara Corporativa, dos que, confessando embora a inexactidão dos motivos invocados para a publicação do decreto-lei n.º 30:131, entendem que a sua doutrina deve prevalecer desde que não possa ser arguida de erro grave ou de injustiça absoluta.
O mérito de determinada doutrina não basta para que se altere, de harmonia com ela, um regime legal vigente. As leis regulam factos em atenção às pessoas a quem os seus imperativos se dirigem, disciplinando interesses que as têm por titulares, como sujeitos de direito que são. Não podemos alhear as leis da realidade pessoal e social que atingem, nem creio, no caso do decreto-lei n.º 30:131, que se pretenda agora, depois de provada a inexistência da pluralidade de foros rústicos em ouro que se disse estarem na sua origem, que se pretenda agora afirmar que ele não visava nenhuma realidade concreta e que, por isso, deverá ser exclusivamente apreciado pelo mérito ou demérito da doutrina que o informa. Não, isso também não seria exacto; o decreto, com efeito, não veio resolver um problema de ordem geral, ao contrário do que o seu autor supunha e fez supor, mas aplicou-se efectivamente a dois factos concretos, a duas situações jurídicas legitimamente constituídas, cuja legitimidade fora certificada por assentos sucessivos do Supremo Tribunal de Justiça, situações jurídica e moralmente viáveis durante o grande prazo de um século, sendo evidente que as modificou, que atingiu nelas direitos sujectivados, não podendo nós, portanto, apreciá-lo na sua doutrina e nos seus efeitos sem ter em vista a legitimidade, a oportunidade e a justiça da sua aplicação a esses casos.
E porque, dos dois ou três casos sabidamente atingidos pelo decreto, foi o contrato de enfiteuse que vincula a Herdade das Xévoras aquele que, confessadamente, deflagrou a iniciativa do legislador, vou relatar, sumariamente, o que com esse contrato se passou.
Trata-se de um foro de 400$000 réis metálicos, ouro ou prata, instituído por escritura pública de 4 de Janeiro de 1840, ao tempo em que vigorava o regime bimetalista e em que, portanto, a moeda de ouro e a moeda de prata tinha o mesmo, poder liberatório. Com a instauração, pela lei de 29 de Julho de 1854, do regime monometalista, a equivalência de valores pressuposta na estipulação «ouro ou prata» rompeu-se, desapareceu, visto que só a moeda de ouro ficou sendo moeda padrão e a de prata se degradou ao papel de moeda subsidiária, com recebimento obrigatório limitado à quantia de 5$000 réis. E óbvio que, rota aquela equivalência entre a moeda de ouro e a moeda de prata, a expressão «ouro ou prata», que traduzira, em determinado momento e em determinadas circunstâncias, a intenção dos contraentes de liquidarem a prestação enfitêutica indiferentemente em qualquer das duas moedas, por terem o mesmo poder liberatório e assegurarem a mesma estabilidade ao valor da prestação, é óbvio que aquela expressão «ouro ou prata» deixou de traduzir esta intenção, esta vontade. E, porque assim era, a própria lei de 1854, que instituiu o monometalismo, veio esclarecer que a estipulação «ouro ou prata» nos contratos de pretérito deveria ser entendida como uma estipulação em «ouro e prata», passando o pagamento a fazer-se em ouro, visto que só o ouro mantinha o poder liberatório antes atribuído aos dois metais, e mantendo-se a tradição, isto é, a entrega e recebimento em prata apenas no limite em que o recebimento da prata seria obrigatório, quer dizer, até 5$000 réis. Significa isto que a pensão enfitêutica da Herdade das Xévoras, estipulada em ouro ou prata, passou a ser, por força do bom senso, da equidade e da própria lei, uma pensão em ouro e prata, com expressa limitação da parte pagável em prata à quantia de 5$000 réis.
O contrato, como disse, é de 1840 e durante mais de meio século viveu nesta base justa e legal. Em 1924, porém - oitenta è quatro anos depois -, tendo sido publicada a lei n.º 1:645, de 4 de Agosto de 1924, e dispondo essa lei que as prestações foreiras estabelecidas exclusivamente a dinheiro seriam aumentadas multiplicando-se pelo coeficiente 10, o enfiteuta da Herdade das Xévoras pretendeu primeiramente pagar o foro em moeda corrente, multiplicando por 10 a quantia estipulada no contrato, e depois, como os tribunais o não atenderam nesta pretensão, pagá-lo todo em prata, alegando que a expressão «ouro ou prata» lhe deixava a alternativa da escolha.
Também o Supremo Tribunal lhe não deu nisto satisfação, mantendo a doutrina, que já expus e que o parecer da Câmara Corporativa notavelmente esclarece, de que as obrigações contraídas em ouro ou prata antes do monometalismo tinham deixado de ser obrigações com alternativa por força da própria lei de 1854 que pôs termo à equivalência monetária dos dois metais, devendo desde então entender-se como obrigações em ouro e prata.
Cabe aqui informar a Assembleia de que a lei n.º 1:645, cuja interpretação deu ensejo ao primeiro pleito em que é atacado o direito secular do senhorio directo das Xévoras, foi o primeiro de uma longa série de diplomas provocados pela desvalorização da moeda e tendentes a manter quanto possível, e sempre que fortes motivos de interesse de ordem pública o não desaconselhavam (como sucedeu quanto ao inquilinato), a equação de valores que é objecto dos contratos. Entenderam os tribunais, como acabamos de ver no caso das Xévoras, e entenderam jurisconsultos ilustres, como são os redactores da Revista de Legislação e Jurisprudência, que a lei n.º 1:645 só visava as estipulações contratuais em que a desvalorização da moeda corrente não fora prevista; mas nos casos em que a previdência dos contraentes, clausulando a prestação em ouro, se acautelara contra essa contingência não havia que aplicá-la.
Mas continuemos a breve história do foro das Xévoras. É de 16 de Dezembro de 1932 o assento do tribunal pleno que condena o enfiteuta, com trato sucessivo, a pagar o foro conforme fora estipulado, ou seja

Página 693

9 DE MARÇO DE 1946 693

com 390$ ouro e 10$ em prata. Já no decurso deste processo, tendo sido publicados os decretos n.º 19:869, que estabilizou a moeda, e 20:188 e 21:799, relativos ao pagamento e remição de foros, o enfiteuta os invocara, sem êxito, no intuito de reforçar a reclamação inicialmente fundada apenas na lei n.º 1:645.
Mas um novo enfiteuta, herdeiro do anterior, e antecessor, nessa qualidade, das Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior, levantou mais uma vez a questão do modo e forma do pagamento deste foro, deduzindo em novo processo, e contra a excepção do caso julgado, que havia lei nova, constituída pelos citados decretos n.º 19:869, 20:188 e 21:199. Mais uma vez o Supremo Tribunal de Justiça pôs termo ao pleito, sentenciando que havia caso julgado com trato sucessivo e que contra ele não prevalecia a lei nova.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª pode fazer o favor de me dizer o nome de quem levantou inicialmente a questão?

O Orador: - Ernesto de Vasconcelos.
Mais uma vez, por esta decisão do Supremo Tribunal, confirmada pelo tribunal pleno em acórdão de Julho de 1938, foi o enfiteuta condenado a pagar o foro nos termos estipulados, prosseguindo a senhoria directa na acção executiva para cobrança das prestações que desde 1933, isto é, durante seis anos, lhe não tinham sido pagas.
Pois bem! quando a execução atingia o seu termo, surge publicado no Diário do Governo, com a invocação constitucional de urgente necessidade pública, o decreto-lei n.º 30:131. Sabendo-se que esse decreto foi promulgado sobre representação dos enfiteutas da Herdade das Xévoras, a quem os tribunais negaram a diminuição, teimosamente reclamada, do ónus enfitêutico, e ignorando-se ainda hoje a existência de outros casos rústicos de foros em ouro que originassem as dificuldades e os problemas a que alude o relatório do decreto, temos de concluir que, na sua parte verdadeiramente inovadora, esse decreto-lei o epílogo de uma longa luta judicial em que o Estado decidiu tomar parte, pondo a espada do seu poder legislativo na balança da justiça!
Não interessa recordar a história do foro das Polvorosas, em ouro metal sonante, que foi trazida ao conhecimento da Assembleia e do Governo pela representação do senhorio directo, Dr. José Pequito Rebelo.
A eficácia da estipulação áurea foi atacada pela primeira vez na crise financeira de 90, quando se estabeleceu entre nós o caso forçado; foi de novo atacada quando da reforma monetária de 1931, com base na interpretação do artigo 25.º dessa reforma, agora adoptada pelo decreto-lei n.º 30:131. Em todos os pleitos o senhorio directo obteve ganho de causa e a excepção do caso julgado prevaleceu contra as pretensões do enfiteuta; mas também este contrato foi atingido pelo decreto cuja revogação proponho.
Num e noutro caso apressaram-se os enfiteutas a requerer a remição do foro e até o pagamento das próprias pensões vencidas nos termos do novo regime legal. E os tribunais, que durante dezenas de anos, e sob a firma de dezenas de magistrados, resistiram inflexivelmente à violação da letra e do espírito destes dois contratos, não ousaram manter a sua atitude, talvez por não poderem ignorar que o autor do decreto-lei n.º 30:131 o tinha elaborado com base numa representação do litigante até então desatendido por eles, e, mais ainda, que o apresentara como uma condenação e uma correcção da doutrina consagrada nos assentos do Supremo Tribunal de Justiça.
Sr. Presidente: quando nesta Assembleia se discutiu a ratificação do decreto-lei n.º 30:131, aflorou-se o problema de intertemporalidade que a sua aplicação suscitaria. Tratando-se de uma lei interpretativa, tinha de admitir-se a sua retroactividade e, portanto, a sua aplicação não só aos foros vincendos como aos vencidos.
Quanto aos casos julgados, porém, três dos mais ardentes defensores da ratificação sustentaram, com base no princípio geral do artigo 8.º do Código Civil, que o decreto não podia atingi-los.
Assim, o Sr. Dr. Vasco Borges declarou: «Diz-se que o artigo 6.º deste decreto revoga um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1937. Nada de mais inexacto e insustentável. O decreto-lei que se discute é um decreto interpretativo. Ora a lei interpretativa revoga as leis interpretadas, mas não revoga as decisões dos tribunais proferidas ao abrigo das leis interpretadas. Isto é da mais rudimentar hermenêutica jurídica; que, porém, assim não fosse, o artigo 8.º do Código Civil poria as decisões proferidas de harmonia com a lei interpretada ao abrigo dos efeitos da lei interpretativa».
Também o Sr. Deputado Sá Carneiro, em comentário à informação que o Sr. Deputado Boto de Carvalho dera à Assembleia de que logo após a publicação do decreto e antes da sua ratificação já um magistrado se apressara a aplicá-lo contra o caso julgado, afirmou: «Quanto ao caso julgado não houve o intuito de contrariar a nossa tradição jurídica, segundo a qual a lei interpretativa respeita o caso julgado».
Por sua vez, o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, insurgindo-se contra a afirmação, que então fiz e hoje repeti, de que o decreto dera provimento a um recurso levado ao Ministro da Justiça por litigantes condenados no Supremo Tribunal de Justiça, também sustentou a doutrina de que o decreto não atingia o caso julgado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - E continuo a sustentar.

O Orador: - Apesar de tão claramente definido o pensamento que, neste particular, orientara o voto dado pela Assembleia à ratificação do decreto, os tribunais aplicaram-no aos casos julgados. Até hoje só um notável acórdão da Relação de Lisboa reagiu contra este movimento jurisprudencial: um acórdão de Maio de 1945 que julgou dever a remição do foro das Xévoras ter lugar, não nos termos do decreto-lei n.º 30:131, mas sim nos das decisões anteriores proferidas a favor da senhoria directa, pois o caso julgado anterior prevalecia, nos termos do artigo 675.º do Código de Processo Civil, contra as posteriormente proferidas no processo de remição.
Apesar desta notável reacção, receio, Sr. Presidente, que a iniquidade da aplicação do decreto a estes foros rústicos pagáveis em ouro seja consumada, tão acentuada foi a reviravolta que operou nos tribunais a sua publicação, reviravolta explicável pela evidência de que a doutrina inovadora do decreto visava precisamente estes casos.
Importa, pois, que se revogue o decreto e em termos tais que impeçam a consumação da iniquidade. Para isso, expressamente preconizo, no artigo 2.º do meu projecto, que se restabeleça a eficácia dos casos julgados anteriores ao decreto-lei n.º 30:131.
A aplicação do decreto a um ou dois casos que estavam no ângulo de visão do legislador, provando-se a não existência de outros cuja pluralidade, como em sua boa-fé o legislador supôs, multiplicasse as dificuldades e problemas que nesses verificara, afigura-se ao senso comum, à sensibilidade moral e cívica do comum das gentes, odiosa e iníqua. Há que dar satisfação a essa sensibilidade moral e cívica revogando a lei, na certeza de que o alto exemplo que essa revogação exprime com-

Página 694

694 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41

pensa os pequenos inconvenientes a que alude o parecer da digna Câmara Corporativa.
Acresce, finalmente, que a revogação do decreto-lei n.º 30:131 e o restabelecimento da realidade jurídica, certificada e coberta por casos julgados, defere as legítimas reclamações dos interessados vítimas do decreto que para obter esse deferimento usaram, com fé no Poder, o direito constitucional de representação. Este direito constitucional de representação, usado agora com o longínquo e vigoroso alcance de anular uma lei, não deve ser desiludido na sua fecunda expectativa. A complexidade da orgânica política interpôs entre o cidadão e o Estado tantas barreiras, tantos obstáculos, que já nos parece lendário o espectáculo medieval de reis ouvindo, sob a fronde das árvores, as súplicas ou as reclamações do povo. Mas, uma vez que os cidadãos apelam directamente para o Poder, e se fazem ouvir dele, acho que devemos ponderar com o maior cuidado as suas razões de queixa, sobretudo tratando-se de uma Assembleia como esta, órgão da soberania de um Estado autoritário, a quem incumbe, na confusão da hora que passa, defender a liberdade até mesmo contra os que se dizem liberais e a democracia contra os que se dizem democratas.
Sr. Presidente: os fundamentos de ordem moral e política por mim invocados para a revogação do decreto-lei n.º 30:131 não foram considerados devidamente no parecer da digna Câmara Corporativa. Apenas incidentalmente se lhes refere quando opina c que o facto negativo de não se encontrarem muitos foros em ouro pode não significar que só existam os conhecidos através da discussão provocada pelo decreto-lei n.º 30:131, sendo possível que se trate de simples manifestação de desinteresse a que muitos senhorios votam os foros ...» e quando, mais adiante, diz que «o que importa não é saber se há muitos casos de foros rústicos pagáveis em ouro, mas sim averiguar, em referência à economia de cada contrato, se é ou não legítimo modificá-los, sujeitá-los a um novo regime jurídico». Fui ao encontro desta opinião da digna Câmara Corporativa no decurso do longo arrazoado que a Assembleia fez favor de ouvir-me, quando figurei a hipótese de que uma situação jurídica, legitimamente constituída ao abrigo do direito vigente, se revele imoral ou anti-social, justificando-se assim a intervenção do legislador. Mas essa hipótese, que não foi figurada pelo autor do decreto-lei n.º 30:131, também se não verificou: os contratos de enfiteuse atingidos pelo decreto não são imorais nem anti-sociais; não se provou, nem se provará, em relação a qualquer deles, a excessiva onerosidade ou a incompatibilidade do foro, nem o carácter antijurídico ou antieconómico da cláusula-ouro. E, assim, mantém-se de pé a reivindicação política e moral que, contra a legitimidade e a viabilidade do decreto, submeto à consideração da Assembleia.
Esta reivindicação política e moral, dados os fundamentos invocados, atinge o decreto na sua integralidade. Eu não podia, portanto, nesta ordem de ideias, adoptar o critério da digna Câmara Corporativa, distinguindo nele uma parte boa e uma parte má. Também não podia aceitar o ponto de vista de que a parte boa do decreto legitimasse a sua vigência quando da vigência simultânea da sua parte má resultava uma iniquidade manifesta. Por isso propus a anulação de todos os seus efeitos, fórmula pouco usada em técnica legislativa, mas - mercê de Deus!- menos singular, menos rara e mais aceitável do que a de se publicarem leis com invocação de motivos inexactos e com aplicação restrita a relações patrimoniais entre particulares.
Manifesta-se o douto parecer da Câmara Corporativa contra o meu projecto de revogação do decreto-lei n.º 30:131, por entender que, na medida em que ele é
uma compilação da vária e dispersa legislação sobre foros, deve o decreto ser mantido, e ainda porque esclarece e modifica, embora ligeiramente, algumas disposições das leis anteriores. O parecer da Câmara Corporativa não encarece excessivamente estes méritos do decreto, e, assim, na lógica das considerações que já fiz, esses méritos não podem invalidar a grave reivindicação que contra ele formulei.
Encarece, porém, com uma lúcida e primorosa exegese, os defeitos e erros do decreto na parte em que se refere aos foros rústicos total ou parcialmente pagáveis em ouro, precisamente na parte em que o decreto modificou substancialmente o regime dos contratos de enfiteuse e que, por isso mesmo, é especialmente criada pela minha proposta de revogação.
Nesta parte, confirmando, melhorando e reforçando de forma decisiva a argumentação com que nesta Assembleia o Sr. Dr. Boto de Carvalho e eu atacámos a doutrina do decreto-lei n.º 30:131, declara a digna Câmara Corporativa em seu parecer que o regime legal vigente â data da sua publicação não negava eficácia ou validade à cláusula-ouro, antes pelo contrário, e reconhece na estipulação áurea o sentido jurídico-económico de manter no tempo a equação de valores existente à data dos contratos de enfiteuse.
Todavia, Sr. Presidente, quando no pendor da luminosa argumentação do parecer da Câmara Corporativa nos era lícito esperar que ele concluísse pelo restabelecimento do regime legal anterior ao decreto-lei n.º 30:131, tal como o interpretrou a jurisprudência dos tribunais, eis que o mesmo parecer nos surpreende como uma iniciativa semelhante à do referido e condenado decreto: a abolição pura e simples, nos contratos de enfiteuse, da cláusula-ouro e a instauração de um novo regime de liquidação dos foros rústicos total ou parcialmente pagáveis em ouro, que derroga da mesma maneira o regime geral das obrigações pecuniárias estabelecido pelo Código Civil e que modifica substancialmente os contratos de enfiteuse rústica que o decreto-lei n.º 30:131 já visou e já atingiu.
Sr. Presidente: a análise do contraprojecto da digna Câmara Corporativa não pode ser feita, ainda que sucintamente, no pouco tempo que me resta. Nem me importa fazê-la, se voltar a esta tribuna, senão a título subsidiário; porque a objecção primordial e fundamental que tenho a opor-lhe está já contida na exposição de motivos com que justifiquei o meu projecto.
Esta objecção primordial e fundamental é a seguinte:
O contraprojecto da Câmara Corporativa viola o princípio da observância dos contratos, do mesmo modo que o decreto-lei n.º 30:131, pois, como ele, modifica substancialmente a expressão que neles teve a vontade autónoma dos contraentes. Mas ao passo que o decreto-lei n.º 30:131 se abonara, para fazê-lo, com a presunção de que os problemas jurídico-económicos suscitados na execução de um contrato particular se pluralizavam em muitos outros contratos, integrando um problema de interesse geral, a Câmara Corporativa não pode partir de semelhante presunção. O abuso, a iniquidade que o decreto-lei n.º 30:131 praticou ao expropriar dois senhorios directos em benefício de dois enfiteutas tinha a atenuante daquela presunção. O abuso, a iniquidade que resultaria da adopção do contraprojecto da Câmara Corporativa não a teria: porque hoje está provado que a abolição da cláusula-ouro nos contratos de enfiteuse, já de si excepcional, visa exclusivamente dois casos de foros rústicos pagáveis em ouro. A Câmara Corporativa legisla conscientemente, deliberadamente, para dois casos particulares, sem que, ao fazê-lo, possa invocar fortes motivos de interesse e ordem pública.

Página 695

9 DE MARÇO DE 1946 695

E assim prevalece, contra a conclusão do seu parecer, a reivindicação de ordem moral e política que formulei contra o decreto-lei n.º 30:131.
Voltarei aqui, repito, para dizer a minha opinião acerca dos problemas e das soluções jurídicas e económicas trazidas ao debate pelos pareceres, quer da Câmara Corporativa, quer das comissões parlamentares. Por agora, cumprirei apenas o dever de agradecer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Assembleia a generosa atenção com que me ouviram.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: começo por agradecer à Comissão Permanente de Economia a honra que me concedeu ao nomear-me seu relator no parecer , relativo ao projecto de lei n.º 5, da autoria do nosso colega Dr. João Mendes do Amaral.
Antes de falar em nome da Comissão de Economia julgo conveniente estabelecer uma premissa em meu nome pessoal, para que não haja confusões entre o Deputado Jorge Botelho Moniz e o relator da Comissão de Economia. Pessoalmente, eu seria pela revogação do decreto-lei n.º 30:131. Mas, pela forma como há longos anos tem sido conduzida a discussão do problema dos foros, entendo continuar na orientação, que desde 1924 venho mantendo, de me recusar sistematicamente a fazer da questão dos foros uma questão política. Por consequência, aceitarei uma solução conciliatória, em vez daquela que reputo óptima. Ignoro quais foram os motivos por que a Comissão de Economia me deu a honra de nomear-me sen relator.
Dizem uns que pelo conhecimento, infelizmente prático, que eu tenho destes assuntos de foros; dizem outros que pela isenção que porventura eu teria demonstrado ao recusar-me sistemática e constantemente a fazer da questão dos foros uma questão política ou pessoal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Garanto a V. Ex.ª que grande parte, a maior parte do patrimómio de minha família foi definitivamente perdida por eu me haver recusado a fazer dos foros uma questão política, antes do 28 de Maio e depois do 28 de Maio.
Entendo que o homem político, ao ver os seus interesses pessoais em jogo, deve abdicar completamente desses interesses, para ter autoridade naquele momento e para ter autoridade no futuro. É-lhe defeso, de maneira completa, subir escadas dos Ministérios ou mover influências políticas no sentido de defender quaisquer interesses próprios, directamente ou por interposta pessoa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, quando interposta pessoa, em defesa de interesses determinados, venha a dizer que age em nome de princípios de benemerência, eu então (com o respeito devido pelo preceito constitucional relativo ao direito de propriedade) possuo cada vez mais autoridade para lhe responder que, se quer fazer actos de benemerência, os faça à casta dos seus próprios bens e não dos bens alheios.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Posta a minha questão pessoal, pouco resta para dizer.
Porque acho que foi mal colocado por muitas pessoas o problema dos foros ao fazerem dele questão política, porque entendo que, se se quisesse fazer dele questão política, ela não se situaria dentro do Estado Novo, mas sim anteriormente a ele, porque na base de tudo isto está uma lei do Congresso da República (a lei n.º 1:645, de 4 de Agosto de 1924), e essa lei (toda a gente o sabe) é muito anterior (dois anos quase) à Revolução do Exército Nacional - ninguém deve dizer que esteja em cansa a situação política actual.
Se o defeito é defeito político, se há que verberar métodos políticos, então verberemos o nascimento dessa lei pouco clara que deu origem a múltiplos processos nos tribunais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, exactamente porque a Comissão de Economia era, como eu, da opinião de que se deveriam afastar da discussão os aspectos políticos e os casos pessoais, ao encarregar-me de elaborar este parecer ela deu-me como instruções procurar uma solução que fosse ortodoxa sob o ponto de vista económico e que ortodoxa fosse também sob o ponto de vista jurídico.
Em busca duma fórmula justa, aceitável pela maioria da Camará, abstraí inteiramente do meu desejo pessoal de revogação do decreto-lei n.º 30:131, e procurei cumprir apenas funções de relator, dentro do critério que as instruções recebidas traduziam.
Apresentada aquela fórmula à Comissão de Economia, tive a satisfação de vê-la aprovada por unanimidade pelos Deputados presentes à reunião dessa Comissão, com excepção do Sr. Deputado Antunes Guimarães, que assinou vencido. S. Ex.ª explicará, se o desejar, os motivos da qualidade reservativa dessa assinatura ...

O Sr. Presidente: - Informo o Sr. Deputado Botelho Moniz de que o Sr. Deputado Antunes Guimarães já está inscrito para usar da palavra.

O Orador: - ... que porventura se filiam em ser um dos Ministros signatários do decreto n.º 20:188, revogado pelo decreto-lei n.º 30:131.
Entretanto, devidamente autorizado pelo Sr. Deputado Pacheco de Amorim, quero contar a V. Ex.ª o que se passou entre a Comissão de Economia e o ilustre presidente da Comissão de Finanças, que, sem melindre para ninguém, é um dos mais distintos economistas portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Pacheco de Amorim, sem qualquer conhecimento prévio do parecer da Comissão de Economia, ao estudar o assunto chegara precisamente às mesmas conclusões que ela.
Quando eu e a Comissão de Economia ouvimos a sua opinião não resistimos a pedir-lhe autorização para que, do alto desta tribuna, eu afirmasse que S. Ex.º estava de acordo connosco. É que nos sentimos imensamente honrados com a aprovação do mestre, de quem sou apenas discípulo humilde, mas discípulo que soube adivinhar-lhe a opinião.
Não vou ler a V. Ex.ª o parecer da Comissão de Economia, porque ele já foi distribuído, devidamente impresso.
Simplesmente, quero colocar-me à disposição da Assembleia para explicar, em resposta a qualquer interrogação que os Srs. Deputados desejem fazer, os pontos desse parecer que considerem obscuros.
Pausa.
Se não vale a pena lê-lo, também não quero fazer perder tempo a V. Ex.ª com explicações que não tenham

Página 696

696 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41

sido pedidas. Elas virão a seu tempo, se isso for necessário.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Luís Pinto Coelho: - Sr. Presidente: por incumbência da Comissão Permanente de Legislação e Redacção, cabe-me relatar, por forma muito resumida, a discussão havida no seu seio em volta do projecto de lei sobre foros, da autoria do Sr. Deputado João do Amaral.
O parecer que vos relato é o da Comissão como tal, isto é, considerada independentemente dos seus membros componentes. Não significa que tenha havido sempre unanimidade, nem que os membros da Comissão estejam inibidos de, individualmente, expender, desta tribuna, pontos de vista diversos dos manifestados pela Comissão.
Em harmonia com o preceituado no nosso Regimento, a Assembleia tem de pronunciar-se, em via de generalidade, sobre a rejeição ou admissão do projecto, considerando o duplo aspecto da sua economia e da sua oportunidade.
Mas a Comissão entendeu que, em vez de adoptar secamente este sumário de apreciação, seria mais conveniente distinguir antes o duplo aspecto jurídico e pré-jurídico.
Estas fórmulas, porém, não devem ser entendidas como expressão de uma ordem cronológica.
Creio poder dar a mesma ideia dizendo que no aspecto jurídico se apreciam questões puramente jurídicas, ao passo que no aspecto chamado pré-jurídico se apreciam questões que, embora ligadas às primeiras, não revestem aspecto técnico de direito.
Assim, começarei, justamente, pelo aspecto jurídico.
Posta, neste capítulo, a questão da rejeição na generalidade, só havia que considerar o problema da economia do projecto. A questão da oportunidade interessa ao aspecto pré-jurídico.
Pela expressão «economia» entende a Comissão, em síntese, «coerência interna».
E essa conclui que a há, como se vê logo à primeira leitura das duas disposições do projecto.
A apreciação das disposições do projecto, na especialidade e sob o aspecto jurídico, suscitou duas questões, que surgem sucessivamente:
a) Da sua constitucionalidade;
b) Da sua conformidade com os princípios gerais da organização jurídica.
A essência do projecto exprime-se na anulação do decreto-lei n.º 30:131, anulando-se todos os seus efeitos, tal como se o decreto nunca tivesse existido. As consequências da anulação iriam até à anulação de sentenças proferidas na sua vigência.
A comissão entendeu que as disposições do projecto, uma vez convertidas em lei, não seriam inconstitucionais, salvo na parte em que interferissem com o caso julgado (ou seja, concretamente, a parte final do artigo 2.º).
Mas, posta em seguida a questão da conformidade das disposições com os princípios gerais da organização jurídica, foi de parecer que a anulação pura e simples de um diploma que não viciado por inconstitucionalidade - teve vigência efectiva durante mais de cinco anos- só se justificaria quando houvesse instituído um regime de notória iniquidade.
E entendeu não ser este o caso do decreto-lei n.º 30:131.
Outro problema posto no aspecto jurídico foi o das soluções jurídicas a que conduziria a conversão do projecto em lei.
A Comissão aceita, de um modo geral, as conclusões a que, neste capítulo, chegou a Câmara Corporativa no seu parecer enviado à Assembleia Nacional; só não as aceita no tocante ao alcance atribuído ao artigo 25.º do decreto n.º 19:869, de 9 de Junho de 1931, que estabeleceu o novo regime monetário, e quanto ao artigo 7.º do decreto n.º 20:188, de 8 de Agosto de 1931, com a redacção do decreto n.º 21:199, relativo ao pagamento de foros.
Assim, enquanto a Câmara Corporativa é de parecer que o artigo 25.º da reforma monetária apenas estabelecia a equivalência do novo escudo, a maioria da Comissão entende que aquele artigo visava a determinação do quantitativo a pagar em moeda corrente no cumprimento das obrigações estipuladas em ouro.
E, por outro lado, enquanto a Câmara Corporativa atribui o mesmo sentido de simples equivalência ao referido artigo 7.º do decreto n.º 20:188, a maioria da Comissão entende ainda que também este visava a determinar o quantitativo da liquidação.
Tendo-se debatido o problema de saber se o decreto-lei n.º 30:131 foi meramente interpretativo ou antes inovador na parte que interessa à cláusula-ouro, a Comissão assentou no parecer de que ele foi meramente interpretativo, pois se limitou a fixar-se em uma das duas correntes de opinião surgidas no domínio da legislação anterior - aquela precisamente que a Comissão reputa a mais fundamentada.
Entrando na apreciação a que se chamou pré-jurídica, foi abordada, em primeiro lugar, a questão da possibilidade de rejeição na generalidade por inoportunidade do projecto.
Os aspectos em que esta apreciação recaiu foram dois:
a) O da actual instabilidade da situação económica;
b) O da restrição e unilateralidade da solução proposta.
Efectivamente, sendo evidente e bem conhecida a referida instabilidade económica, pode questionar-se se é oportuno operar uma reforma legislativa que, mesmo quando considerada justa no momento, viria provavelmente a revelar-se inadequada dentro de pouco tempo.
Por outro lado, é também manifesta a unilateralidade da solução proposta, isto é, poderá duvidar-se da oportunidade de um diploma legislativo que, de entre tantas relações jurídicas porventura carecidas de novo exame, apenas envolve uma espécie.
A Comissão, embora não tenha formulado observações que invalidem estes reparos, não chegou a fixar-se na ideia de que eles fossem definitivos no sentido de justificarem a rejeição na generalidade.
Admitindo, pois, que o projecto e o respectivo parecer da Câmara Corporativa entrassem em discussão, a Comissão Permanente procurou determinar qual a solução justa para o problema fundamental.
Apreciou a do decreto-lei n.º 30:131, cuja anulação se propõe no projecto.
Apreciou a sugerida no parecer da Câmara Corporativa.
E procurou outra, diversa de ambas, que pudesse merecer apreciação.
Mas encarou-se a possibilidade de outras soluções, também maleáveis, mas de mais segura Justiça.
Assim, enquanto a Câmara Corporativa sugere que a actualização dos foros em ouro se faça mediante duas operações, uma na base do decreto n.º 19:869 (reforma monetária de 1931) e a segunda na base do agravamento dos preços de retalho posteriores a 1931, a vossa Comissão admite que pudesse ser considerada preferível uma única operação de actualização com base no agrava-

Página 697

9 DE MARÇO DE 1946 697

mento dos preços de retalho desde 1914, sem necessidade, portanto, de prévia conversão de escudos de 1914 em escudos de 1931.
E a Comissão admite ainda que possa haver outras soluções, baseadas em diversos critérios de liquidação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: devo a mim próprio e a esta Assembleia o culto de uma verdade integral ; por isso, entendo que hei-de principiar pela afirmação de que ao ouvir ler o projecto de lei do Sr. Deputado João Amaral a minha primeira atitude foi de reserva.
Ao contrário do que na generalidade dos casos acontece, não senti, inicialmente, nem um movimento de aplauso incondicional, nem uma atitude de decidida oposição. Pelo contrário, reservei-me e apliquei aquele velho princípio que a vida profissional me ensinou: de que os problemas desta natureza não autorizam uma conclusão final segura sem previamente os analisarmos em todos os seus detalhes, estudando cautelosamente a respectiva origem e a sua projecção ulterior. Ora, levado a efeito esse estudo, todas as reservas e todas as hesitações cessaram e, pelo contrário, determinei-me a subir à tribuna para discutir, neste momento, apenas a generalidade do projecto, na certeza, na convicção, que reputo inabalável, de que nesse aspecto, e segundo o projecto de alteração formulado pela digna Câmara Corporativa, merece não só o apoio de todos aqueles que não tiveram qualquer participação na ratificação do decreto-lei n.º 30:131, como também o assentimento, a concordância daqueles que votaram a ratificação pura e simples do dito decreto-lei.
Nas rápidas considerações que vou produzir, não farei mais do que pensar em voz alta. Peço, portanto, a todos os ilustres colegas que me acompanhem nessa como que confissão pública, e, sem ofensa seja para quem for, solicito muito em especial a atenção daqueles que, pela sua formação jurídica, dispõem de natural competência e especialização para apreciarem o assunto que neste momento a todos interessa.
Remontemos às origens do decreto-lei n.º 30:131.
Em 14 de Dezembro de 1939 teve lugar a sua publicação.
Decorrem algumas semanas. Em Janeiro de 1940, na sessão da Assembleia Nacional de 18 desse mês, o Deputado João do Amaral apresenta um requerimento no senti do de que, pelo Ministério da Justiça, lhe fossem fornecidas cópias de duas representações que, segundo lhe constava, haviam sido dirigidas ao Sr. Ministro da Justiça pelas Santas Casas da Misericórdia do Alandroal e de Campo Maior acerca do pagamento de foros em ouro.
Dias decorridos, no Diário das Sessões de 22 de Janeiro vejo publicada uma representação de D. Ana Cristina Pedroso Barata, e outra, bastante extensa, do Dr. José Adriano Pequito Rebelo; algumas páginas adiante, no Diário das Sessões n.º 68, lê-se um requerimento, formulado pelo Deputado a que há pouco me referi, em que anuncia a distribuição, na comarca de Eivas, de determinada acção destinada à remição de um foro em ouro a cargo das mencionadas instituições de assistência, que nesse mesmo Diário representam solicitando da Assembleia Nacional a plena ratificação do decreto-lei n.º 30:131.
O ilustre Presidente da Assembleia anuncia, então, estar na Mesa uma comunicação do Governo acerca das reclamações feitas; e, efectivamente, a pp. 158 e seguintes, podemos ler um extensíssimo relatório do ao tempo ilustre Ministro da Justiça.
Da exposição das Santas Casas da Misericórdia de Campo Maior e do Alandroal importa destacar estas duas passagens, respeitantes às providências tomadas no decreto em referência, ambas a p. 148 do Diário:

Foram algumas delas solicitadas até dos Poderes Públicos pelos dois institutos de assistência ...
Como lhes cumpria, chamaram ambas as Misericórdias para o assunto oportunamente a equitativa e douta atenção do Governo.

A Assembleia Nacional entra pouco depois abertamente na discussão do assunto. Usa da palavra em primeiro lugar o Deputado João do Amaral, respondendo-lhe o Deputado Mário de Figueiredo; fala ainda o Deputado Boto de Carvalho, usa da palavra o Deputado Sá Carneiro e a ratificação pura e simples do decreto é aprovada na cessão de 8 de Fevereiro.
De toda esta discussão destacam-se três princípios fundamentais que presidiram ou dominaram a deliberação tomada pela Assembleia Nacional.
O primeiro princípio é que o decreto-lei n.º 30:131 é uma lei nítida, restrita e indiscutivelmente interpretativa. Afirmou-o o relatório do Sr. Ministro e confirmaram-no muitos dos Deputados que usaram da palavra.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª desculpe-me, mas está equivocado. Para que V. Ex.ª siga a discussão numa base de facto certa, devo dizer-lhe que não se afirmou aqui, não é do meu conhecimento que se tivesse dito que o decreto-lei n.º 30:131 era interpretativo. Disse-se que o decreto-lei n.º 30:131 tinha disposições de carácter nitidamente interpretativo, referindo-se os oradores especialmente àquela que tinha originado o debate sobre a ratificação do referido decreto.

O Orador: - O Sr. Dr. Mário de Figueiredo terminou. V. Ex.ª ouviram. Vamos a ver se a minha informação de facto merecia aquela rectificação ou se, pelo contrário, a memória do Sr. Dr. Mário de Figueiredo falhou neste momento, e pela primeira vez, na sua brilhante carreira.

O Sr. Sá Carneiro: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu disse até que o decreto era inovador e que, em certas disposições, favorecia os senhorios directos.

O Orador: - A p. 217 desse Diário das Sessões diz-se:

O decreto-lei n.º 30:131, que se discute, é um decreto interpretativo. Basta esse mesmo artigo 6.º para o tornar evidente.
Ora a lei interpretativa revoga as leis interpretadas, mas não revoga as decisões dos tribunais proferidas ao abrigo das leis interpretadas.
Isto é da mais rudimentar hermenêutica jurídica ...

Isto é da mais elementar hermenêutica jurídica - repito. Posso, por conseguinte, repetir a afirmação que há momentos fazia a V. Ex.ªs O primeiro pensamento que orientou a deliberação da Assembleia Nacional ao votar a ratificação pura e simples do decreto-lei n.º 30:131 foi, com a corroboração das linhas que acabo de reproduzir do Diário das Sessões, a p. 217, a de que se tratava de um decreto interpretativo.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não! V. Ex.ª isola uma passagem. E para o problema ser posto importa colocar a Assembleia agora no ambiente da discussão de então. É evidente que dessa passagem, assim isolada, V. Ex.ª pode concluir o que acaba de dizer. Mas do

Página 698

698 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41

ambiente da discussão aqui travada não se pode concluir que a Assembleia foi induzida em erro sobre esta matéria : a de que o decreto fosse totalmente interpretativo. Isto, como disse, tem em vista dar a V. Ex.ª a vantagem de não continuar a raciocinar sobre uma base de facto errada.

O Sr. Sá Carneiro: - A p. 217 do Diário das Sessões disse o seguinte:

O ilustre Deputado que me antecedeu atacou o artigo 6.º do decreto com o fundamento de que ele contém uma disposição violenta e procurou demonstrar que nem todo o decreto é interpretativo. Ora na brilhante exposição do Sr. Ministro da Justiça mostra-se que há inovações no decreto-lei n.º 30:131. É de notar que todas elas são favoráveis aos senhorios directos, pelo que apenas os enfiteutas poderiam considerar-se lesados com o artigo 6.º

O Orador: - Citei o Diário das Sessões. Respondeu-se-me invocando o «ambiente» que dominava esta Assembleia no momento em que foi tomada a decisão.
Eu aceito a invocação incondicionalmente, pois vem de quem vem. Aceito que, precisamente quanto ao artigo 6.º e ao pagamento com cláusula «em ouro», o decreto foi considerado interpretativo. E vamos agora a ver se entre o «ambiente» da Assembleia e o que consta do Diário das Sessões haverá alguma divergência contra p princípio fundamental e que reputo inatacável: o caso julgado anterior.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Esse é, realmente, o ambiente da discussão de então.

O Orador: - Eu afirmo que quando se tratou da ratificação do decreto-lei n.º 30:131 a Assembleia o fez pretextando o princípio do respeito incondicional pelo caso julgado anterior.
O «ambiente» foi, decerto, esse e ... nem podia ou devia ser outro.
No relatório do Sr. Ministro da Justiça, a p. 171, lê-se:
No pensamento do signatário não houve o intuito de contrariar a prática tradicional do País, conforme a qual o caso julgado não é atingido pelo decreto.

Notem V. Ex.ªs bem: «o caso julgado não é atingido pelo decreto».
E o próprio Sr. Dr. Mário de Figueiredo, nosso ilustre e prestante colega, igualmente proclamou a fl. 215:

Em todo o caso o tribunal decidiu. Execute-se a decisão, pois seria muito grave não o fazer (embora o fazê-lo conduza a soluções manifestamente injustas), em virtude do princípio superior do respeito pelo caso julgado.

Neste ponto, ao menos, encontramo-nos de acordo perfeito e completo. O terceiro princípio que orientou a Assembleia Nacional ao votar pura e simplesmente a ratificação do decreto-lei n.º 30:131 foi o de prevenir a justiça económica de certas situações; com a sua clareza de sempre, o Sr. Dr. Mário de Figueiredo afirmou, segundo leio a p. 216 do Diário das Sessões de 30 da Janeiro de 1940:

«Seria curioso encontrar o critério a que o legislador terá obedecido.
Talvez o critério tenha sido este: como a enfiteuse é uma forma de propriedade, o movimento do foro deve aproximar-se do movimento dos preços dos produtos agrícolas. Mas, se assim é, a disposição que manda multiplicar por 24,444 é um critério de justiça aceitável. Isto é, a solução que este decreto vem fixar é a que está mais perto da justiça, porque o coeficiente médio, em geral, da valorização dos produtos da terra é de 20».

Chegados a este ponto, e como fixação de posições para desenvolver os desapaixonados raciocínios que vou produzir, quer-me parecer que nos encontramos todos em acordo unânime sobre estes três princípios que dominaram a vontade e as intenções da Assembleia Nacional ao ratificar o decreto-lei n.º 30:131 em Janeiro de 1940:
1.º Pelo menos a disposição contida no respectivo artigo 6.º, sobre pagamentos de foros em ouro, devia ser considerada como lei interpretativa;
2.º Com a votação ou a ratificação do decreto ratificava-se ou consagrava-se o princípio do respeito superior pelo caso julgado;
3.º Ao fixar o coeficiente 24,444 o pensamento do legislador foi o de fazer vingar a solução que estivesse mais perto da justiça, pois nessa altura -1940- o coeficiente médio dos produtos da terra andava também muito perto de 20.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Teriam estes princípios sido observados ou acatados nas aplicações que veio a ter o decreto ratificado?
Antes de verificarmos como estes princípios foram observados ou acatados nas aplicações que veio a ter o decreto ratificado, facilita-se a discussão desenvolvendo e esclarecendo um certo número de ideias intimamente ligadas ou dependentes do ânimo que presidiu à votação da ratificação pura e simples do decreto-lei n.º 30:131 na sessão legislativa de 1940.
Vamos por partes.
Quanto ao primeiro princípio, que genericamente designarei pelo de cláusula-ouro, regulado no artigo 6.º do diploma, e ao carácter de nítida disposição interpretativa com que a Assembleia o votou, convém recordar que, «... em rigor, a lei interpretativa não é uma lei nova ...».
«A lei interpretativa propriamente dita ...».

O Sr. Mário de Figueiredo: - Melhor se dirá: não é inovadora.

O Orador: - Está claro... «A lei interpretativa propriamente dita, em regra, não tem, nem pode ter, efeito retroactivo, porque não suscita o conflito de duas leis».

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas isso é contra o artigo 8.º do Código Civil. O que V. Ex.ª diz é perfeitamente admissível em análise jurídica, mas é contrário ao Código Civil.

O Orador: - Aguarde V. Ex.ª uns momentos, enquanto eu continuo... «Essa lei faz corpo com a que interpreta; é a mesma lei publicada com o verdadeiro e exacto sentido e que se supõe desde o princípio emanada com tal explicação, sentido que os juizes e os cidadãos não apreenderam. .». A lei interpretativa «reputa-se por isso publicada na mesma data em que o fora a lei interpretada, sendo aplicável a todos os actos posteriores a esta, salvo aqueles em que as partes acordaram cousa diversa ou os tribunais diversamente julgaram por sentença de que já não há recurso».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Perfeito.

Página 699

9 DE MARÇO DE 1946 699

O Orador: - Perfeito? Nem poderia deixar de ser, porque acabo de reproduzir quase ipsis verbis o que o Sr. Dr. Cunha Gonçalves escreve no seu monumental Tratado de Direito Civil, a pp. 379-380 do 1.º vol. ..
Passemos, pois, agora, ao segundo pensamento dominante na ratificação do decreto-lei n.º 30:131: o do respeito superior pelo anteriormente julgado em decisões com trânsito.
Discutiu-se nessa altura (1940) se o caso julgado tinha ou não aplicação ao trato sucessivo, e jurisconsultos distintíssimos afirmaram, socorrendo-se de óptimos argumentos, que da circunstância de por uma decisão com trânsito ter sido estipulada determinada forma de pagamento não resultava a inibição para o Poder Legislativo de modificar essa forma de pagamento por uma lei posterior.
Relativamente a um acórdão em que o Supremo Tribunal de Justiça se tivesse limitado a decidir que o foro ou foros de determinado ano ou anos seriam pagos em moeda metálica de ouro ou ao sen correspondente valor real, entendo que a hipótese não autorizava dúvidas sérias.
Mas, já com referência a um acórdão em que o Supremo Tribunal de Justiça fixasse não só essa forma de pagamento, mas também que ela deveria ser aplicada em todos os foros vincendos, estabelecendo expressamente o trato sucessivo, então é que me arrisco a assegurar que a doutrina tem de ser colocada de parte, pelo menos enquanto se tratar não de lei nova, mas de mero diploma interpretativo.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Qual doutrina?

O Orador: - Esta: temos, por exemplo, um acórdão que decide que um foro-ouro, vencido em 1938, tem de ser pago em moeda metálica de ouro e que nada dispõe relativamente aos foros futuros. Se V. Ex.ª sustenta que a lei interpretativa é aplicável a estes últimos foros, não estou longe de concordar. Se a decisão, porém, não se limitar a julgar restritamente quanto a esse foro, e for mais longe, acrescentando e deixando decidido, com trânsito, que iguais princípios regulariam o pagamento dos foros de 1939, 1940, 1941 e por aí adiante, sempre com trato sucessivo, então já a lei interpretativa (como o decreto lei n.º 30:131 foi nesta parte) seria inoperante e antes se tornava e torna indispensável a publicação de lei nova e expressa para que o trato sucessivo possa ser afectado.
Esta tese afigura-se-me indiscutível.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - É o mais discutível possível.

O Orador: - Na douta opinião de V. Ex.ª ... Encaremos, por último, o terceiro pensamento, o que inspirou a votação da Assembleia Nacional em Janeiro de 1940: o da justiça económica do coeficiente nessa altura aprovado. Claramente confessado, como está, há sómente que verificar se as condições económicas previstas em 1940 se mantêm em 1946, para, caso negativo e sempre na confessada ânsia de descobrir a solução mais justa e equitativa, efectivarmos praticamente aqueles mesmos princípios que constituíram ponto de fé para os votantes da ratificação do decreto em Janeiro daquele primeiro ano.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: na hora que vivemos a discussão restringe-se à generalidade do novo projecto de lei.
O artigo 34.º do Regimento preceitua que tal discussão versará sobre a vantagem e oportunidade da nova medida e sobre a economia da proposta ou do projecto.
Vou observá-lo cuidadosamente.
Quanto aos resultados práticos da execução da vontade dos legisladores de 1940 ao classificarem de lei interpretativa o artigo 6.º (da cláusula-ouro) do decreto-lei n.º 30:131 e ao proclamarem o propósito de verem consagrado o respeito pelo caso julgado, só seremos cabalmente esclarecidos se inquirirmos o que ocorreu nas aplicações judiciais daquele diploma.
Relativamente ao confronto entre a situação de valorização do ouro e dos produtos agrícolas em 1940 e em 1916 teremos de volver os olhos sobre certas realidades incontestáveis.
E a conclusão obter-se-á seguidamente, logicamente, sem o menor esforço: respeitou-se o caso julgado? Aplicou-se a lei como interpretativa? Caso afirmativo, a nova medida é inútil; caso negativo, impõe-se que acudamos, restituindo os bons princípios a toda a sua eficácia.
A desvalorização da moeda em relação ao ouro mantém-se no coeficiente 24,444? A valorização dos produtos da terra continua no coeficiente 20? E, consoante as circunstâncias habilitarem a responder afirmativa ou negativamente, também a aprovação da generalidade do projecto constituirá um dever ou a consciente manutenção de uma injustiça!
Daqui não há que sair.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora, quanto ao que se passou nos tribunais julgo suficiente destacar um simples exemplo. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1939 julgara definitivamente e ordenara que fossem pagos à senhoria os foros vencidos e vincendos em moeda metálica, prata ou ouro, ou o equivalente em escudos ao câmbio do dia do pagamento, decisão esta mais tarde corroborada e esclarecida pelo acórdão do mesmo Supremo Tribunal datado de 2 de Junho de 1931, ambos publicados no Diário das Sessões de 1940.
Promulgado o decreto-lei n.º 30:131, os enfiteutas vieram reclamar a sua aplicação aos foros vencidos desde 1933, inclusive, instando pela respectiva liquidação na base do coeficiente 10 previsto na alínea c) do artigo 1.º do mesmo decreto!
Pois os tribunais sancionaram essa pretensão, antagònicamente com o que já esclarecemos acerca da não retroactividade da lei interpretativa, desde que houvesse, como havia, direitos adquiridos por força da garantia do trato sucessivo, expressamente consignada no respectivo acórdão!
Ao exposto acresce que o decreto-lei n.º 30:131 foi publicado em 14 de Dezembro de 1939 e ratificado em 8 de Janeiro de 1940.
Todavia, desde 1 de Outubro daquele ano de 1939 estava em plena vigência o novo Código de Processo Civil, promulgado em 28 de Maio anterior.
O artigo 675.º do novo Código estabelece que, havendo duas decisões contraditórias sobre o mesmo objecto, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar, e no artigo 763.º acrescenta-se que, se no domínio da mesma legislação o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos opostos sobre a mesma questão de Direito, pode recorrer-se para o tribunal pleno do acórdão proferido em último lugar.
Qual o pensamento do legislador com estes dois textos da nova lei do processo? Acabar de uma vez para sempre com a disparidade, com o antagonismo, por vezes escandaloso, de certas decisões dos tribunais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - No mesmo dia até!

Página 700

700 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41

O Orador: - Disse a V. Ex.ª, ao iniciar estas considerações, que era minha regra de vida dever-me e dever aqueles a quem me dirijo uma verdade completa.
A oportuna interrupção que acaba de ter lugar força-me a referir um incidente da minha vida profissional que preferiria não ver lembrado. Em dada altura tive de interpor recursos sobre duas hipóteses semelhantes, e tão semelhantes que, ao produzir as alegações destinadas a instruir os respectivos processos, disse ao meu dactilógrafo que metesse na máquina uma folha de papel químico e tirasse duas cópias. Deste modo, com a mudança apenas dos nomes, entraram nos tribunais competentes - não interessa saber quais foram- duas minutas de recurso, que eram a cópia uma da outra, até por sobreposição na escrita dactilográfica.
Pois um recurso foi provido e o outro foi negado.

O Sr. Querubim Guimarães: - É frequente.

O Orador: - Era; infelizmente era frequente...

O Sr. Mário de Figueiredo: - É frequente e é explicável.

O Orador: - Explicável no domínio da antiga lei do processo; indefensável à face do actual. Seja, porém, como for, estamos a discutir a lei dos foros em ouro sobre prédios rústicos, pelo que será prematuro apreciar a reforma do processo. Lá iremos...
Reatando as minhas considerações e regressando ao estudo da aplicação que os tribunais deveriam ter dado ao estatuído naqueles artigos 675.º e 763.º, poderei acrescentar que, precisamente quanto à hipótese regulada nos acórdãos de 29 de Janeiro de 1929 e 2 de Junho de 1931, decisões posteriormente proferidas, nomeadamente no acórdão de 3 de Janeiro de 1942, decidiram contra o trato sucessivo que a primeira decisão determinara, aplicaram retroactivamente o decreto-lei n.º 30:131, modificaram estruturalmente o aludido caso julgado!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - A hipótese é que a gente queria ouvir.

O Orador: - A hipótese é a mesma.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu não vi.

O Orador: - Mas eu repito: era a da existência de um acórdão anterior do Supremo Tribunal de Justiça onde se decidia que determinado foro em ouro devia ser pago em moeda metálica de ouro, não só com referência ao foro vencido em certo ano como aos foros vincendos com trato sucessivo. Perante a intenção que presidiu à ratificação do decreto-lei n.º 30:131 e que ficou frisado qual fora, a regra do artigo 675.º ou a faculdade do artigo 763.º parece que deviam ter sido acatadas ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas parece mal.
O objecto em questão são as prestações a pagar posteriormente à publicação do decreto-lei que regulou directamente a matéria.

O Orador:-Assente que a lei é uma lei interpretativa naquilo que respeita à cláusula-ouro, V. Ex.ª, pela primeira vez na sua vida, está a ser contraditório consigo próprio.
Se é lei interpretativa, não é lei nova; o caso julgado, desde que estabelecia que a sua aplicação se devia fazer tanto às prestações vencidas como às vincendas, era de respeitar no seu todo, sem possibilidade legal de se
manter uma parte e modificar a restante, a menos que tivesse sido promulgada lei nova (e não interpretativa) e, além de nova, expressa.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
São da mesma natureza esses recursos? Trata-se de foros já cobertos por caso julgado e que a Misericórdia se recusou a pagar, como devia?
O problema é um quando se põe relativamente a foros vincendos ainda não cobertos pelo caso julgado.

O Orador: - Já isolei um caso concreto: o de foros cujo pagamento em ouro fora determinado expressamente por um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça transitado em julgado, o que não impediu que outra modalidade de pagamento -a consignada no decreto-lei n.º 30:131 - fosse julgada e decidida pelos tribunais após a promulgação deste diploma...
Quer-se hipótese mais clara?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu desisto das explicações que tinha pedido a V. Ex.ª, mas irei depois a essa tribuna demonstrar que V. Ex.ª está a fazer análise jurídica defeituosa.

O Orador: - Lamento ter de dizer a V. Ex.ª que a análise jurídica que aqui estou fazendo a reputo absolutamente inatacável.
V. Ex.ª sabe muito bem que uma lei que é interpretativa não pode revogar ou alterar casos julgados proferidos no domínio da lei interpretada.
Proclamou-o do alto desta mesma tribuna o falecido Dr. Vasco Borges, consoante já li a p. 217 do Diário das Sessões de Janeiro de 1940.
Que mais é preciso?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a situação de facto no capítulo, digamos, processual era precisamente esta quando o ilustre Deputado Dr. João do Amaral apresentou o seu projecto de lei.
Ora, para que a vantagem, a oportunidade ou a economia desse projecto mereça a nossa aprovação não é mister que cumulativa ou concomitantemente se verifique a infracção ou a modificação de todos e cada um daqueles três princípios que dominaram a ratificação do decreto-lei n.º 30:131.
Basta que qualquer deles careça de novas providências para que o novo diploma seja de aceitar na generalidade, discutindo-se depois na especialidade qual ou quais as medidas que mais justa ou equitativamente se impõem, em virtude da disparidade entre as condições de hoje e as de há seis anos.
Apartemo-nos, consequentemente, do aspecto jurídico ou processual dos diplomas e analisemos o que ocorreu relativamente ao fenómeno económico.
O Diário das Sessões esclarece-nos, a p. 216, como já salientei, que a Assembleia ratificou o decreto-lei n.º 30:131, fixando o coeficiente 24,444, porque, em 1914, o coeficiente médio da valorização dos produtos da terra andava ao redor de 20.
A situação é a mesma? E lícito insistir em que o coeficiente de valorização do ouro de 24,444 mantém, com dignidade e verdade, a representação da chamada justiça económica?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esta Assembleia Nacional vai deliberar convicta de que, nos tempos que correm, a alguém

Página 701

9 DE MARÇO DE 1946 701

é possível adquirir libras ao preço de 250$, números redondos? As libras a 24,444 são sequer libras de papel? Não são! São libras no papel, são libras absolutamente impossíveis de obter par quem seja titular de obrigações estabelecidas em moeda metálica de ouro.
Trata-se de uma irrealidade ... axiomática.
Negando-a, negaremos a própria evidência, obstinar-nos-emos na estultícia de impor fantasias e mentiras à confusa e convulsionada situação material em que se encontram, neste momento, senhorios directos e enfiteutas de foros pagos em moeda metálica de ouro.
Ora bastava esta circunstância, independentemente de todas as outras, para que não pudessem haver dúvidas acerca da vantagem, da oportunidade, da justiça económica da aprovação de qualquer projecto atinente a remediar, na medida do possível, as anomalias económicas averiguadas.
Mais claro: estamos colocados na obrigação de conciliar, com a possível justiça, interesses, senão irredutíveis, pelo menos antagónicos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Qual é a forma mais razoável de alcançar essa conciliação? Qual a modalidade mais perfeita e equitativa de equilibrar as relações de ordem material que se encontram em conflito?
Isto já não é matéria da generalidade. É matéria clara da especialidade.
Quando encararmos a sugestão da Câmara Corporativa, a da nossa Comissão de Economia ou o projecto do Sr. Deputado João do Amaral, então é que atingiremos a oportunidade de definir, numa discussão aberta e ampla, o melhor sistema para emendar injustiças, iniquidades ou extorsões como aquelas que brotam da manutenção em 1946 de coeficientes explicáveis ou atendíveis quando em 1940 se ratificou o decreto-lei n.º 30:131.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não está em risco o prestígio seja de quem for -nem o do Ministro, nem o da Assembleia de 1940, nem o desta de que fazemos parte-, mas sim a lastimável realidade económica, que, independentemente da vontade de todos nós, faz subir, consecutiva, inexorável, implacàvelmente, o valor da libra, indiferente ao Diário do Governo e ao coeficiente de 24,444, impedindo a sua aquisição no mercado nem por 250$, nem por 300$, nem por 350$.

O Sr. Sá Carneiro: - Nem por 500$!

O Orador: - É possível; nem por 500$ ...
Se é assim, se todos aqueles que me escutam reconhecem que é assim, para que persistir na manutenção de um sistema reconhecidamente iníquo, locupletante para uns, ruinoso para outros? Para quê?
Sr. Presidente: são estes os motivos pelos quais entendo que a aprovação na generalidade do projecto do Dr. João do Amaral é intuitiva; constitui, a bem dizer, um imperativo categórico. Quanto à modalidade preferível, lá iremos.
E porque não há nesta Assembleia quem discuta, nem examine estes problemas noutro espírito que não seja o de procurar a justiça, a verdade, o equilíbrio dos interesses legítimos onde quer que se encontrem, seja no campo dos amigos ou no dos inimigos, tenho antecipadamente a certeza de que na discussão na especialidade havemos de encontrar e aperfeiçoar a fórmula que corresponda à justa aspiração de todos os seus membros.
Contra tal desiderato o que se opõe? Praticamente, nada!
O parecer da Câmara Corporativa é um documento memorável. Honra o organismo que o produziu. Serve para podermos fazer a afirmação de que nessa Câmara se encontram juristas, economistas, homens de competência nunca atingida em quaisquer instituições desta natureza.
Apoiados.
O problema foi examinado objectivamente, equilibrada, raciocinadamente. Se a fórmula não é a ideal, procuremos uma outra que satisfaça. O que não pode ser -e vou concluir-, o que provoca a minha indignação e protesto é a pretensão de nos fazerem baixar desse nível superior, independente de influências pessoais, em que esta discussão tem decorrido e há-de decorrer, fazendo uso, para tão reprovável propósito, de exposições dirigidas aos digníssimos Procuradores à Câmara Corporativa e aos Srs. Deputados da Assembleia. Nacional, mas que afinal de contas nem são entregues na Presidência desta Assembleia nem distribuídas indistintamente por todos nós.
Aqueles que mesmo de longe me conhecem não ignoram que desprezo xenofobias ridículas e mantenho excelentes e íntimas relações com indivíduos e entidades estrangeiras.
Dobrada força me assiste, portanto, como português, como Deputado e como patriota, para repelir indignadamente intromissões descabidas, admoestações inconcebíveis nos negócios públicos ou políticos do meu País.
Em matéria de relações contratuais -civis, administrativas ou comerciais - que cada qual defenda os seus direitos, sem distinção de nacionalidades. Mas que uma sociedade estrangeira se arrogue o direito de advertir os membros da Assembleia Nacional sobre o aspecto político do voto que vão proferir ou os ditames que impõe a defesa da moeda nacional - já me parece que excede os limites do razoável.
Jamais o consenti; não o consentirei.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Lavro, pois, o meu protesto veemente contra as impertinências impressas e distribuídas por uma entidade que não é portuguesa, nem constituída por portugueses, e que, todavia, intenta induzir-nos em erro ao assegurar que «são muitos os interessados- na manutenção do regime do decreto-lei n.º 30:131»; ou amedronta com «o prestígio do Poder que ... não se compadece com o facto de, em tão curto período de tempo, se pretender fazer uma segunda revisão do mesmo problema»; ou, sem sombra de base, jura e trejura, ao cabo de seis anos de experiência e inútil investigação, que «há ainda por remir um número elevado, mas indeterminado, de foros desta espécie»; ou se arroja à indelicadeza de insinuar que determinados senhorios directos «sem justiça e sem direito, tinham alcançado decisões judiciais inteiramente contrárias ao texto e ao espírito dos decretos n.ºs 19:869, 20:188 e 21:199»; ou por último, e num travesti ressumante de picaresco, apregoa «defender, intransigentemente a moeda nacional, à custa, bem entendido, de quem melhor possa suportar os encargos dessa defesa». E apetece-me perguntar-lhe, portuguêsmente, se na sua terra - dele, organismo estrangeiro - não ofende os tribunais quem os argúi de estabelecerem decisões judiciais inteiramente contrárias ao texto e ao espírito das leis; se, sendo indeterminado o número de foros em ouro, como sabe - o sábio - que é elevado e a que moeda nacional queria referir-se: se à dele, postulante, se à dos portugueses que «melhor podem suportar os encargos da defesa»?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Página 702

702 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41

O Orador: - Uma outra exposição foi oferecida à minha leitura, por gentil favor de um colega, claro está.
Mas nem vale a pena prender-me no respectivo exame.
Bastará reproduzir o seguinte argumento ... «impressionante: «Os senhores não revoguem o decreto-lei n.º 30:131, porque a senhoria directa do foro de que se trata é uma pessoa abastada e até há pouco comprou uma casa para uma sobrinha». Aqui têm V. Ex.ª a razão «decisiva» que se traz à Assembleia Nacional! ...
Vai responder-lhes de além túmulo alguém a quem ontem, em palavras mais que descoloridas, prestei uma homenagem que está longe de corresponder ao seu altíssimo valor, à sua inconcussa probidade moral, à sua competência como jurisconsulto e como professor absolutamente incomparável. Esse alguém, a p. 166 do Diário das Sessões de 26 de Janeiro de 1940, escrevia: «Não parece bastante que uma lei deixe de existir só porque não convém a qualquer». E assim mesmo. Não me parece bastante que o projecto de lei de que se trata deixe de ser votado só porque não convém a qualquer.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão, mas antes de o fazer comunico à Assembleia que a Comissão de Contas Públicas, na sua primeira reunião, designou para seu presidente o Sr. Deputado Linhares de Lima e para seu secretário o Sr. Deputado Araújo Correia. Para relator das Contas Gerais do Estado foi escolhido também o Sr. Deputado Araújo Correia.
Desejo ainda comunicar a V. Ex.ªs qual o programa dos nossos trabalhos até ao fim do prazo por que foi prorrogada esta sessão legislativa, para que V. Ex.ªs possam estar aptos a entrar nos debates que forem sendo marcados para ordem do dia.
Ao debate sobre o projecto de lei do Sr. Deputado João do Amaral seguir-se-á o aviso prévio do Sr. Deputado Henrique Galvão sobre marinha mercante. Deverá ter preferência, em seguida, a proposta de lei de alteração à Carta Orgânica do Império, que, após ter chegado à Assembleia, foi enviada à Comissão das Colónias, e para a qual de novo chamo a atenção desta Comissão e dos Srs. Deputados que se interessem pelo assunto.
Deverá seguir-se a discussão da proposta de lei sobre o regime jurídico dos casais agrícolas, que foi mandada baixar às Comissões de Legislação e Economia. Advirto igualmente os Srs. Deputados que fazem parte destas Comissões da conveniência de iniciarem o estado dessa proposta de lei e do respectivo parecer da Câmara Corporativa.
Depois teremos a proposta de lei sobre melhoramentos no porto de Lisboa. E temos ainda de encontrar tempo e maneira de discutir as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público.
Quis prevenir a Assembleia e preparar, assim, os Srs. Deputados para o trabalho intensivo que teremos de realizar no pouco tempo que nos resta e em que deveremos apreciar diplomas e questões que são reputados de grande importância.

O Sr. Cancela de Abreu: - Desejava perguntar a V. Ex.ª se o meu aviso prévio não está incluído no programa que V. Ex.ª acaba de comunicar.

O Sr. Presidente: - Não tive intenção de excluir o aviso prévio de V. Ex.ª do elenco dos trabalhos a realizar até ao fim da sessão e farei o possível por incluir o aviso prévio de V. Ex.ª na ordem desses trabalhos.

O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: eu também queria pedir a V. Ex.ª se poderia marcar para ordem do dia, logo a seguir à discussão das alterações à Carta Orgânica do Império, o aviso prévio que aqui anunciei.

O Sr. Presidente: - Sinto não poder garantir a V. Ex.ª que o aviso prévio apresentado por V. Ex.ª seja efectivado ainda nesta sessão legislativa, visto haver outros assuntos a tratar que primam sobre ele. Posso apenas assegurar a V. Ex.ª toda a minha boa vontade para esse efeito.
A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem de trabalhos marcada para hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano Duarte Silva.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Proença Duarte.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Fausto de Almeida Frazão.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Maria de Sacadura Botte.
José Nunes de Figueiredo.
José dos Santos Bessa.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique de Almeida.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Sá Alves.
João de Espregueira da Rocha Paris.
José Alçada Guimarães.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Sebastião Garcia Ramires.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

Parecer da Comissão Permanente de Economia relativo ao projecto de lei n.º 5

Ponderado o douto parecer n.º 6 da digna Câmara Corporativa, relativo ao projecto de lei n.º 5, não pode restar dúvida de que ele constitui manifestação:
a) De respeito pelo princípio de observância dos contratos ;
b) De reconhecimento do espírito de previdência que estabeleceu, por livre acordo entre as partes contratantes, o sistema de pagamento em moeda que se previa

Página 703

9 DE MA-RÇO DE 1946 703

estável, de torna a fugir a crises económicas e a não diminuir o poder de compra da prestação a pagar;
c) De co-relação efectiva, em consequência daquele espirito de previsão, entre os contratos enfitêuticos-ouro e os contratos de enfiteuse em género (é curioso registar que tal correlação ainda se mantém entre o valor-ouro metal e os valores de muitos géneros agrícolas e da propriedade rústica);
d) Da legalidade, vantagem e justiça da cláusula-ouro;
e) Do respeito pelo caso julgado ou, o mesmo é dizer que, de condenação das leis de efeitos retroactivos, sempre verberadas pelos portadores de verdadeiro e desapaixonado espírito jurídico.
A Comissão Permanente de Economia da Assembleia Nacional só incidentalmente, ou quando indispensável para a compreensão do problema, deve considerá-lo sob o aspecto jurídico. Esta última função pertence à Comissão Permanente de Jurisprudência, que também é ouvida sobre o parecer.
Cabe especialmente à Comissão de Economia pronunciar-se quanto às consequências económicas do projecto em causa e, porque não há economia sem moral, sobre o seu aspecto moral.
Ora verifica-se:
1.º Que o decreto-lei n.º 30:131, na parte relativa, a foros em ouro, ao contrário da suposição dos seus ilustres autores, de cuja boa-fé ninguém duvida, em vez de aplicar-se a enfiteuses numerosas que, pela sua extensão ou importância, poderiam afectar a economia geral do País, estabelecia doutrina apenas em relação a dois casos especiais.
Portanto, não há dúvida de que, sob o ponto de vista económico, o decreto não interessa à generalidade da população.
Os únicos casos que surgiram foram os já mencionados.
Se mais não apareceram, é lógico concluir que, mesmo que existam, os valores respectivos são de tal maneira ínfimos que não afectam a economia geral do País.
2.º A cláusula-ouro, quando aplicada à enfiteuse, possui consequências económicas totalmente diversas dos demais casos de aplicação:
a) Já vimos que os seus efeitos são restritos, ou, melhor dizendo, referentes a casos particulares pouco numerosos.
b) Quer por tal motivo, quer pela natureza especial do contrato enfitêutico, quer ainda pelo facto de este ser originariamente perpétuo, nunca poderá ou deverá, sob o ponto de vista económico, invocar-se o foro como precedente para tentar generalizar a cláusula-ouro a contratos onde nunca foi estabelecida ou a contratos não perpétuos em que, tendo sido estabelecida, a sua falta de cumprimento foi compensada por várias formas.
c) As restrições ao direito de fruição da propriedade urbana ou rústica e ao estabelecimento de preços que, em épocas de crise económica, têm sido oficialmente adoptadas em certos casos são de natureza meramente transitória. Por sua vez, não podem servir de precedente à alteração definitiva, forçada e (neste caso pode dizer-se) unilateral de um contrato de natureza perpétua.
Pelo contrário, deve vincular-se que, sob o ponto de vista económico, essa alteração, prejudicial a uma das partes contratantes, destrói precisamente o espírito básico do contrato, que tinha em vista colocar o senhorio directo ao abrigo das crises económicas ou financeiras transitórias e, por maioria de razões, das suas consequências definitivas.
d) Sob o ponto de vista económico, há ainda que perguntar: a cláusula-ouro é ruinosa para o foreiro? Resultaria da sua aplicação dano incomportável que justificasse, nos termos da lei geral, rescisão ou modificação do contrato?
Responde-se francamente pela negativa. Prova-se que o rendimento dos prédios rústicos considerados se elevou em proporção maior que o valor do ouro. Prova-se que o valor da propriedade rústica sofreu ... ou beneficiou de valorização também superior.
E não pode argumentar-se que essa maior valia pertença, de direito, àquele que trabalha a terra, porque em ambos os casos, senhorio directo ou foreiro, são senhorios e não cultivadores ou trabalhadores da terra.
De resto, a finalidade do contrato enfitêutico em ouro ou género é, claramente, entregar a terra ao foreiro para que ele a trabalhe ou valorize, mediante retribuição perpétua que, por sua vez, não sofra desvalorização no seu poder de compra.
Inicialmente a renda transformou-se em foro; quer dizer, o foro começou por ser igual à renda.
Ora é facto averiguado que houve maior valia na renda e que esta reverteu em favor do foreiro e não do senhorio directo.
Inicialmente a propriedade não suportaria foro e arrendamento: dava apenas para o proprietário e para o rendeiro ou para o senhorio directo e para o foreiro. Actualmente a propriedade dá para três entidades: senhorio directo, foreiro e rendeiro.
e) Não há que considerar comparações entre foros rústicos e arrendamentos. Não há que invocar as restrições impostas pelo Estado no caso das rendas urbanas. Efectivamente, além de tudo o que já se disse sobre o carácter económico e juridicamente transitório dessas restrições, e do muito que se tem discutido sobre a sua justiça, há que recordar algo de que muita gente parece andar esquecida: desde que, em consequência do princípio de facilitar a constituição da propriedade perfeita, se tornou obrigatória a remição dos foros, não é justo que se altere definitiva e arbitrariamente, contra o espírito e a letra do contrato de enfiteuse, o valor da prestação anual, porque esse valor serve de base à remição, e reduzi-lo ao sabor dos desejos ou conveniências do foreiro significa prejuízo irremediável e injusto para o senhorio directo.
Repete-se:
No caso de arrendamento o prejuízo é transitório. No caso de foro é definitivo.
E, se se quiser argumentar com a actualização de circunstâncias económicas para justificar certa legislação sobre foros, haverá que actualizar primeiramente a taxa de juro de 5 por cento que tem servido de base à remição (vinte prestações anuais). Então, porque a taxa de juro do Banco de Portugal já há muito é de 3 por cento, e no mercado livre chega a 211/2, a remição deveria fazer-se por trinta e três a quarenta prestações anuais ... Não se pode ser partidário da actualização num sentido sem que se seja no outro!
f) Economicamente, não pode deixar de considerar-se completamente diverso o regime de foros em ouro (cuja prestação varia, por combinação inicial dos contratantes, conforme o valor do ouro) e o regime do decreto-lei n.º 30:131, que determina um pagamento fixo em papel-moeda. Tal decreto-lei, sob o ponto de vista económico, sómente poderia justificar-se se, simultaneamente, aplicasse o mesmo coeficiente 24,444 aos preços de todas as coisas e impedisse efectivamente a sua alta. Só dessa maneira se respeitariam, sob o ponto de vista económico, o espírito e a letra da cláusula contratual, destinada a manter o poder de compra.
3.º Não são de considerar, no campo económico-social, as alegações de que num dos dois casos afectados pelo decreto-lei n.º 30:131 estão abrangidas Misericórdias.
Com todo o respeito por tão úteis como tradicionais instituições, nem sequer se deve dizer que no outro caso

Página 704

704 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41

o foreiro é um grande estabelecimento industrial «estrangeiro, porque à justiça ou à decisão política deve ser indiferente a qualidade, personalidade ou nacionalidade dos interessados.
Já se disse que quer os rendimentos quer os valores das propriedades rústicas aumentaram em proporção superior ao ouro, motivo por que os foreiros não se acham prejudicados em relação à situação existente na época do contrato de enfiteuse. Significa isto que a parte disponível dos rendimentos, mesmo depois de pago o foro-ouro, fica superior ao que era, tanto em valor absoluto como em poder de compra actual.
Besta agora pôr a solução preconizada de acordo com o douto e brilhante -parecer da Câmara Corporativa.
Para tanto sugerimos que:
A) Se adopte como base de discussão o projecto-lei da Câmara Corporativa;
B) Se lhe introduzam as modificações seguintes, todas de harmonia com as doutrinas essenciais daquele parecer. Ressalvam-se com este qualificativo «essenciais» as restrições admitidas pela Câmara Corporativa à aplicação da cláusula-ouro, restrições essas que, conforme já se explicou, pela natureza especial dos contratos de enfiteuse, não podem aceitar-se em relação a
Eles.
Por consequência, o projecto de lei ficaria assim redigido:

Artigo 1.º O pagamento e a remissão de foros total ou parcialmente em ouro, relativos a prédios rústicos, regular-se-ão pelas disposições da presente lei e pelas demais actualmente em vigor que estas não contrariarem.
Art. 2.º Para efeito de pagamento, o foro será calculado nos termos seguintes:
1.º Se os contratos de enfiteuse de prédios rústicos forem anteriores ao decreto n.º 19:869, de 9 de Julho de 1931, multiplicar-se-á o valor da prestação pelo coeficiente 24,444 estabelecido pelo artigo 25.º desse decreto, de maneira a reduzir-se a importância do foro ao escudo-ouro definido no mesmo decreto, e o montante assim obtido será pago em qualquer das espécies de moeda metálica-ouro designadas no respectivo artigo 1.º
2.º Para os contratos de enfiteuse posteriores ao decreto n.º 19:869 o pagamento far-se-á em qualquer das espécies da moeda metálica-ouro designadas no respectivo artigo 1.º
§ único. No caso de, pela inexistência em mercado livre de algumas das moedas designadas no artigo 1.-1 do decreto n.º 19:869, o foreiro não poder optar entre elas, terá o direito de efectuar o pagamento ou entregando o peso de ouro correspondente ao número de escudos-ouro definidos pelo referido artigo 1.º que deveria pagar ou o respectivo valor em moeda corrente, calculado na base de cotação em mercado livre do mesmo peso de ouro no dia anterior ao do pagamento.
Art. 3.º O preço da remição do foro calcular-se-á nas bases estabelecidas no artigo anterior.
Art. 4.º No caso de foros só parcialmente em ouro, aplica-se o disposto no artigo 2.º e seus números e § único à parte do foro que for devida nesse metal.
Art. 5.º Nos contratos de enfiteuse, anteriores à lei de 29 de Julho de 1854, em que se houver estipulado o foro em ouro ou prata, sem direito de escolha do metal por parte do senhorio, ou em ouro e prata, o cálculo do foro, para efeito de pagamento e remição, reger-se-á pelas normas seguintes:
1.º Até à importância de 10$ o foro será liquidado em moeda corrente, multiplicando-se aquela importância por 10;
2.º Na parte restante do foro observar-se-á o que fica disposto para os foros em ouro.
Art. 6.º Os preceitos da presente lei aplicam-se a todos os foros vincendos, bem como às remições sobre que não haja decisão com trânsito em julgado ou que não estejam consumadas pelo facto de o senhorio ter recebido o respectivo preço.
Art. 7.º Se, por aplicação do decreto-lei n.º 30:131, de 15 de Dezembro de 1939, se tiverem proferido decisões judiciais a respeito de foros vencidos na data da entrada em vigor do mesmo decreto, com ofensa de casos julgados anteriores, qualquer interessado pode, no prazo de trinta dias a contar da publicação da presente lei, requerer que se execute a decisão primeiramente transitada em julgado, nos termos do artigo 675.º do Código de Processo Civil.
§ 1.º O disposto no presente artigo é aplicável a todos os foros que se encontrem nas condições nele previstas, ainda que não pertençam às categorias referidas no artigo 1.º
§ 2.º Havendo caso julgado anterior sobre a forma de pagamento do foro, não afectado por caso julgado proferido no domínio do citado decreto-lei n.º 30:131. observar-se-á para todos os foros vencidos e não pagos o disposto na presente lei.
Artigo novo. Esta lei entra imediatamente em vigor e revoga toda a legislação em contrário, nomeadamente os decretos ...
(Segue o mapa dos valores necessários à compreensão fácil do assunto versado).

Lisboa, Assembleia Nacional, 38 de Fevereiro de 1946.

Artur Augusto Figueiroa Rego.
André Francisco Navarro.
José Penalva Franco Frazão.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
José Martins de Mira Galvão.
Rui de Andrade.
João Antunes Guimarães (vencido).
João Garcia Nunes Mexia.
Francisco de Melo Machado.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jorge Botelho Moniz, relator.

apa explicativo dos pareceres da Comissão de Economia e da Câmara Corporativa

Pesos das moedas-ouro:

Escudo-ouro. ... = 0gr,0739 de ouro de título 900/1:000

(decreto n.º 19:869, de 9 de Junho de 1931, artigo 1.º).

Soberano (ou libra) . = 7 gr,98805 de ouro de título 916,666
(decreto n.º 19:869, artigo 1.º) ou 7 gr,3223 de ouro puro.

110$-ouro equivalem a um soberano. Pesam 8 gr,129 de ouro 900/1:000, isto é, 7gr, 3161 de ouro puro.

Cotações em 28 de Fevereiro de 1946:

Libra-ouro (Banco de Portugal):

Compra .... 205$03(2).
Venda ..... Não vende.

Barra-ouro (Banco de Portugal):

Compra .... 28$ por grama de ouro puro.
Venda..... Não vende.

Nota. - A falta de voada por parto do Banco de Portugal transforma os câmbios acima em nominais e dá lugar à grande diferença existente com o mercado livre.

Libra-ouro (mercado livre):

Compra .... 472$ papel.
Venda ..... 475$ papel.

Barra-ouro (mercado livre):

Compra .... 44$20 por grama de ouro puro.
Venda ..... 45$ por grama de ouro puro.

Página 705

9 DE MARÇO DE 1946 705

Cálculos comparativos:

Valor real da libra-ouro segundo a cotação da barra-ouro no mercado livre = 7gr,98805 X 450$ X 0,916666. = 329$50(6) papel.

(Portanto, verifica-se não haver justificação material para os câmbios de compra e venda da libra-ouro actualmente praticados no mercado livre).

Valor real do escudo-ouro segundo a cotação da barra-ouro no
mercado livre = Ogr, 0739 X 45$ X 0,900. = 2$99(29) papel.
Valor de 110$-ouro ............. = 329$21(9) papel.

índices, multiplicadores e ágios:
índices Multiplicadores

Preços de retalho ............ 3:550 35,50
Géneros de origem vegetal ........ 2:983 29,83
Géneros de origem animal ........ 4:242 42,42

(Boletim do I. N. E., Novembro do 1945, na base de 1914).

Grande propriedade rústica........ 20:000 200
Média propriedade rústica ........ 25:000 250
Pequena propriedade rústica ....... 35:000 350

(Cálculos do relator, reportados à base 100, 1840).

Géneros de origem vegetal ........ 7:500 75
Géneros de origem animal ........ 9:000 90

(Cálculos do relator, reportados a 1840).

Ágio da libra-ouro (475.00 : 4.50) ..... 10555,5 % 105,55
Ágio do ouro-barra (329.506 : 4.50) .... 7322,2 % 73,22
Ágio hipotético do escudo-ouro (2.9929 X
X 24,444). ............................. 7315,5 % 73,15
Ágio do escudo-ouro ref. 1931 (2.9929:1) 299,29 % 2,992

Comparação entre quatro formas de pagamento de um foro de 45$000 réis:

Decreto-lei n.º 30:131... 45$X24,444 = 1.099$99 24,444
Ágio da libra ouro ......10 £ X 475$ = 4.750$00 105,55
Ouro-barra no mercado livre 10 £ X
X 329050(6) .........................= 3.295$00 73,22
Ouro-barra, escudo-ouro 45$ X 24,444 X
X2.9929 ............................= 3.292019 73,15

Nota. - Os multiplicadores mínimos da propriedade e dos preços dos géneros são, respectivamente, 200 e 75.
Portanto, o exercício legitimo do direito de opção por parto do foreiro quanto ao ouro-barra no mercado livre beneficia-o também em relação ao pagamento em género.
No caso do remição, o foreiro continua altamente beneficiado em relação ao valor da propriedade (na proporção de 73,15 para 200), único com que, economicamente, há que estabelecer comparação.

Lisboa, Assembleia Nacional, 28 de Fevereiro de 1946. - O Relator da Comissão de Economia, Jorge Botelho Moniz.

Parecer adicional da Comissão Permanente de Economia

Ao discutir-se o problema dos foros em ouro na Comissão de Economia da Assembleia Nacional, registaram-se sugestões tendentes a que fosse dada expressão mais ampla ao princípio, hoje quase geralmente adoptado, de facilitar a constituição da propriedade perfeita.
Não deve julgar-se que a solução dada ao caso restrito dos foros rústicos em ouro se destina a dificultar directa ou indirectamente a remição; visa apenas a determinar que, quer esta, quer o pagamento das prestações, se efectuem na moeda contratada livremente, nos precisos termos do artigo 724.º e parágrafos do Código Civil.
Para não demorar a solução, que já se arrastou demasiado, do problema dos foros rústicos em ouro, entendeu a Comissão de Economia não introduzir no projecto da Câmara Corporativa aditamentos que conduzissem a novo atraso, pela necessidade de também serem submetidos àquela Câmara.
Mas julga necessário pedir a atenção da Assembleia Nacional para o facto de em numerosos casos ser difícil ou impossível a constituição de propriedade perfeita, pela dificuldade ou impossibilidade de remir foros cujos senhorios directos não se acham devidamente habilitados ou de remir censos, quinhões e direitos de compáscuo.
Por isso mesmo lhe parece necessário, logo que discutido o problema dos foros em ouro, submeter à apreciação da Assembleia Nacional, depois de ouvida a Câmara Corporativa o projecto de lei seguinte:

BASE I

É concedido aos censuários, quer no censo cousignativo, quer no reservativo, aos posseiros e aos proprietários a remição de censo, quinhão e do direito compáscuo em prédios particulares, qualquer que tenha sido a sua duração, solvendo os censuístas aos credores ou pensionistas, os posseiros aos quinhoeiros, os proprietários aos beneficiários do direito de compáscuo, o valor do censo, o quinhão ou do direito de compáscuo.

BASE II

O preço do valor da remição será pago em dinheiro e, na falta de acordo, corresponderá:

a) Nos casos de censo e quinhão, a vinte vezes o censo ou quinhão;
b) No direito de compáscuo, a vinte vezes o valor médio atribuído à comunhão de pastos determinado por avaliação.

BASE III

A remição judicial, tanto no caso de enfiteuse como nos referidos no artigo 9.º, será requerida contra os titulares do ónus a remir que figurarem no respectivo registo na conservatória do registo predial, sendo a citação para a acção feita nas moradas constantes desse registo.
A favor desses titulares será o preço da remição consignado em depósito na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
§ 1.º O falecimento dos titulares que figurarem no registo predial não obstará à remição, mas os seus herdeiros poderão, querendo, habilitar-se no processo para com eles seguir a acção.
§ ,2.º Declarado extinto o ónus e mandado cancelar o respectivo registo, poderão os herdeiros do titular do direito remido, quando anteriormente o não tenham feito, habilitar-se para o efeito de receber o preço consignado em depósito.

BASE IV

Na remição de que trata a base I é aplicável o disposto no artigo 1030.º e parágrafos do Código de Processo Civil.

Artur Augusto Figueiroa Rego.
André Francisco Navarro.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Penalva Franco Frazão.
Francisco de Melo Machado.
José Martins de Mira Galvão.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Rui de Andrade.
João Antunes Guimarães (concorda com o princípio da remição).
João Garcia Nunes Mexia.
Jorge Botelho Moniz, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 706

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×