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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 64

ANO DE 1946 13 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 64, EM 12 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

O Sr. Presidente declarou aberta a às 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Mira Galrão enviou para a ilesa um requerimento pedindo alguns elementos de estudo.
O Sr. Presidente mandou ler a carta que o Sr. Deputado Craveiro Lopes lhe enviou acerca da situação criada pela sua nomeação para os Açores, bem como o parecer da respectiva Comissão.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarães e Colares Pereira, que se ocuparam, respectivamente, da situação dos portadores de títulos estrangeiros e da necessidade de se proteger a classe piscatória da Nazaré no que respeita à falta de um porto de abrigo.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, na generalidade, da proposta de lei de autorizarão das receitas e despesas para o ano de 1917.
Usaram da pala ora os Srs. Deputados Pinto Bania, Melo Machado, que enviou para, a Mesa uma moção relativa ao inquilinato urbano, Mendes Correia, Salvador Teixeira, Mendes de Matos e Pacheco de Amorim.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 25 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.

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Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Bocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: mando para a Mesa o seguinte requerimento:

«Com fundamento no artigo 11.º do Regimento requeiro que me sejam fornecidos, com urgência, por intermédio dos Ministérios da Educação Nacional e das Finanças, os seguintes elementos:
1.º Importâncias gastas por cada uma das rubricas orçamentais, tanto do orçamento ordinário como dos suplementares e do participação em receitas, possivelmente durante os últimos dez anos, em cada uma das escolas do regentes agrícolas e práticas de agricultura, tanto para habilitação de capatazes como de feitores agrícolas, existentes no País.
2.º Qual a importância das receitas próprias cobradas em cada uma das mesmas escolas, e por anos, especificando as que são provenientes da exploração agrícola e as de qualquer outra proveniência.
3.º Qual o número de diplomados saídos das mesmas escolas durante o mesmo período».

O Sr. Presidente:-Está na Mesa o parecer da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Craveiro Lopes. Vou mandar publicar no Diário das Sessões este parecer, para depois ser submetido à votação da Assembleia.
Vai ler-se o parecer e a carta que o originou.

Foram lidos. São os seguintes:

«Lisboa, 10 de Dezembro de 1946. - Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Tenho a honra de informar V. Ex.ª de que, por ordem do Ministério da Guerra, fui nomeado para comandar a base aérea n.º 4, instalada na ilha Terceira, Açores.
Tratando-se de um comando militar fora do continente, julgo estar abrangido pela doutrina do artigo 15.º do Regimento desta Assembleia, e nestas condições apresento à consideração de V. Ex.ª este facto, para os fins que forem julgados convenientes.
Com os protestos da minha mais elevada consideração, sou de V. Ex.ª, At.º, V.ºs e Obg.º, Francisco Higino Craveiro Lopes».

Parecer

Conforme esclarece na sua carta dirigida a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia, o Sr. Deputado Francisco Higino Craveiro Lopes foi nomeado para o comando militar da base aérea n.º 4, instalada na ilha Terceira. Presta este esclarecimento e submete o seu caso à consideração da Assembleia. A Comissão de Legislação e Redacção, mandada ouvir por determinação de S. Ex.ª o Presidente, é do parecer que a seguir exprime.
O comando militar a que o, carta do Sr. Deputado Craveiro Lopes alude é, como em geral os comandos militares, um cargo que se não aceita, porque, conforme os princípios de disciplina militar, não pode recusar-se. Ao carácter obrigatório do comando para que foi nomeado deve o Sr. Deputado Craveiro Lopes querer referir-se quando, na sua carta, escreve as palavras «por ordem do Ministério da Guerra».
Tendo a Comissão consultado sobre a matéria o Sr. Subsecretário de Estado da Guerra, por S. Ex.ª lhe foi dito que, nos termos da legislação militar, os comandos militares são, em geral, impostos, sem que os nomeados possam recusar a nomeação. Ainda que pudessem legalmente, nenhum o faria, porque isso seria contrário aos princípios de disciplina que constituem o fundamento de toda a moral militar.
No caso particular acrescentou que o Sr. Deputado, Craveiro Lopes, em virtude de ter sido colocado no comando da base aérea n.º 4 (Açores), foi, ao abrigo da alínea 2) do artigo 58.º do decreto-lei n.º 32:692, de 20 de Fevereiro de 1943, mobilizado; e nenhum oficial mobilizado pode recusar a função de que, como tal, for incumbido.
Vem tudo isto para dizer que o Sr. Deputado Craveiro Lopes não aceitou do Governo emprego retribuído ou comissão subsidiada; limitou-se a cumprir o que a lei lhe impunha e que a sua consciência militar lhe imporia do mesmo modo se lho não impusesse a lei.
Por estes motivos a Comissão é de parecer que, não deve considerar-se verificado o facto previsto no n.º 1.º do artigo 90.º da Constituição.
Este o parecer da Comissão, por unanimidade.
Mesmo que o não fosse, a Comissão permitir-se-ia lembrar à Assembleia que, fosse qual fosse o seu parecer, a decisão tomada a propósito do caso do Sr. Depu-

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tado Amorim Ferreira conduziria, querendo manter-se o seu princípio informador, à mesma solução, porque conduz, praticamente e quanto às decisões a tomar pela Assembleia, à revogação do artigo 90.º, n.º 1.º e respectivo § 1.º, da Constituição.

Palácio da Assembleia Nacional, 12 de Dezembro de 1946. - Mário de Figueiredo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para voltar a falar de títulos estrangeiros.
A minha insistência tem justificação. Trata-se de um dos sectores mais importantes da fortuna portuguesa.
De um factor que se agrupa nas exportações invisíveis, como o turismo, de que já vamos tirando algum do muito proveito que o clima, a paisagem, a pesca desportiva, os monumentos e outros elementos nos poderão proporcionar quando convenientemente valorizados; como os transportes marítimos, agora em fase de franco renascimento, e outros campos de actuação já explorados noutros países, mas ainda não aproveitados nesta linda terra lusa.
Factor de exportação invisível, vinha eu dizendo, ao qual a nossa economia deve avultados e, durante muitas décadas, regulares proventos, em troca de serviços prestados no estrangeiro, pela admirável poupança do nosso povo, expressa em capitais que desde muito ali vínhamos colocando.
Factor de exportação que, mercê das divisas que correspondiam com regularidade a importantes cobranças de cupões, notoriamente contribuiu para a defesa da nossa situação cambial em momentos difíceis, circunstância que convém relembrar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, sim, de um dos mais importantes sectores da fortuna portuguesa, não só pelo que acabo de referir, mas pelo seu considerável valor e pelo elevadíssimo número de pessoas nele interessadas, as quais, mercê do deplorável e infindável chuveiro de vicissitudes que tem caído sobre os títulos estrangeiros, entravando-lhes o curso, quase impossibilitando as respectivas transacções e a regular cobrança de seus cupões, o que ruinosamente se reflecte nas respectivas cotações, aviltando-lhes o valor, se traduz muitas vezes em autênticas tragédias para muitos dos seus portadores, que acontece não disporem de outros rendimentos e que bem merecem a defesa precisa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, eu não voltaria a tomar o tempo desta Assembleia para mais uma vez glosar este tema se não tivessem surgido circunstâncias novas depois que na última sessão legislativa abordei este problema.
Tivera então V. Ex.ª a penhorante atenção de comunicar ao Sr. Ministro das Finanças o teor da minha intervenção em 6 de Fevereiro último sobre títulos estrangeiros, em que solicitava providências urgentes para que fossem facilitadas as formalidades para identificação dos respectivos portadores e se simplificasse a cobrança de cupões e outras operações sobre aqueles títulos.
Por sua vez, o Sr. Ministro das Finanças honrou-nos com providências sobre o momentoso assunto.
E em 7 de Novembro próximo passado a Secretaria da Assembleia Nacional enviou-me para o Porto um processo com .grande soma de circulares sobre o assunto expedidas pelo Banco de Portugal aos diferentes elementos da nossa banca, bem como diversos elementos sobre títulos brasileiros pagáveis em Londres e nos Estados Unidos.
Dispenso-me de aludir detalhadamente a todos eles, porque são conhecidos de banqueiros e cambistas, bem como de muitas pessoas interessadas.
Há, porém, um documento intitulado a Comunicação verbal dos estabelecimentos bancários que, por certo, não é tão geralmente conhecido e cuja influência na regularização de muitos títulos deve ter sido sensível.
Por isso, Sr. Presidente, peço licença para tomar alguns minutos à ilustre Assembleia com a sua leitura:

Ao verificar que se suscitavam dificuldades na execução do regime resultante dos regulamentos em vigor no Reino Unido - segundo os quais se tornou necessária a apresentação de uma declaração, certificada pelo Banco de Portugal, para efeitos da cobrança de juros ou dividendos ou do produto do reembolso de títulos ingleses ou de quaisquer outros pagáveis no Reino Unido -, o Banco de Portugal, tendo em vista a situação especial dos portadores portugueses, encetou desde logo diligências junto das autoridades inglesas no sentido de obter certas facilidades.
Obtidas agora essas facilidades, é possível simplificar os elementos a fornecer, para os fins acima indicados, pelos estabelecimentos bancários ao Banco de Portugal, e, assim, temos o prazer de comunicar que:
1.º Relativamente ao preenchimento do n.º 2.º da declaração (azul), a entregar pelos estabelecimentos bancários, torna-se desnecessário indicar a sequência da cobrança dos cupões desde antes de 2 de Setembro de 1939, bastando apenas mencionar um dos cupões cobrados posteriormente a essa data, desde que:
a) O cupão que for referido tenha sido cobrado por intermédio do Banco de Portugal, nas condições da sua circular n.º 5, de 6 de Janeiro de 1941. Neste caso será suficiente indicar o nome do estabelecimento bancário que entregou o cupão ao Banco de Portugal para cobrança, o número do cupão e a data da declaração entregue juntamente com o mesmo;
b) Não tendo sido efectuada por intermédio do Banco de Portugal a cobrança do cupão que for mencionado, essa cobrança tenha sido, no entanto, realizada por um estabelecimento bancário inglês e o respectivo produto haja sido levado a crédito da conta de uma entidade domiciliada em Portugal junto dos seus banqueiros no Reino Unido.
Neste caso deverá indicar-se:
O nome do estabelecimento bancário inglês que efectuou a cobrança;
O número e a importância do cupão;
O nome da entidade creditada e a data em que lhe foi efectuado o respectivo crédito.
2.º Quanto ao n.º 3.º da mesma declaração (azul), bastará, em virtude do que precede, que seja preenchido com os elementos relativos ao cupão que for indicado, na conformidade do número anterior.
Julga o Banco que desta forma se eliminarão praticamente as dificuldades que até ao presente se vinham verificando.
Todavia, se relativamente a alguns títulos vierem a suscitar-se ainda quaisquer dificuldades, devem estas ser submetidas ao Banco de Portugal, por intermédio de um estabelecimento bancário.
O Banco de Portugal considerará sempre com toda a boa vontade os casos que lhe sejam expostos

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e espera que os estabelecimentos bancários lhe prestem a sua valiosa cooperação, diligenciando em cada caso habilitá-lo com elementos de apreciação satisfatórios.

Sr. Presidente: repito, estou convencido de que a oportuna comunicação que acabo de ler deve ter facilitado a regularização de muitos títulos.
Contudo, consta-me que ainda existem alguns sem a conseguirem, tendo eu ouvido o alvitre de que as dificuldades se sanariam rapidamente se o Banco de Portugal aceitasse como garantia bastante as afirmações, feitas sob responsabilidade, dos banqueiros, como representantes dos seus clientes, acerca da legitimidade da posse dos respectivos títulos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também são gerais as queixas sobre a demora das cobranças de cupões, tendo acontecido que a verificação pelo Banco de Portugal da documentação extensa, trabalhosa e cara exigida (não se sabe por que motivos, pois uma vez feita nada se adianta com a repetição) para 03 sucessivos pagamentos de cupões do mesmo título chega a tardar bastantes meses, do que resultam transtornos e prejuízos para uma infinidade de interessados, importando por isso encontrar prontamente solução para o caso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: firo esperançado de que a já bem demonstrada boa vontade do Sr. Ministro das Finanças e do Banco de Portugal mais unia vez intervirá para a encontrar.
Há tempos li na imprensa a notícia de uma reunião em Lisboa para tratar deste momentoso assunto, mas ignoro o relato do que ali se passou. Oxalá os esforços dos que a ela acorreram sejam coroados de pleno êxito, pois trata-se de causa legítima, que interessa a muitos que não têm sido bafejados pela sorte.
Sr. Presidente: uma vez definida a situação dos diversos portadores de títulos estrangeiros, regulada a situação de todos os títulos brasileiros em face dos planos A e B e assegurada a cobrança dos respectivos cupões, sem exigências escusadas e nas datas de vencimento, há ainda a considerar a repercussão que sobre aquele distrito de valores acaba de ter o recente decreto-lei que regula o imposto complementar, que tem o n.º 35:594 e no seu artigo 14.º determina o registo obrigatório, nas direcções de finanças, dos títulos estrangeiros existentes no continente e ilhas adjacentes, ficando proibida a cobrança, negociação ou pagamento dos rendimentos dos mesmos títulos quando se não mostrem registados nos termos daquele artigo e suas disposições regulamentares.
Devo esclarecer que mais tarde, e com surpresa geral, foi determinado que, apesar de a lei apenas se referir a títulos estrangeiros existentes no continente e ilhas adjacentes, também seriam abrangidos nas disposições daquele artigo 14.º todos os que estivessem depositados no estrangeiro por intermédio ou conta (não me ocorrem os termos precisos, mas julgo ser esta a ideia) de entidade bancária com sede em Portugal. Verifica-se nesta interpretação uma elasticidade que não estava na lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na prática, aquele artigo determinou os portadores de títulos estrangeiros a depositá-los em casa bancária, para facilitar as diferentes e complicadas formalidades (embora me pareça que a lei a tanto não obriga), sendo para isso desde logo forçados à respectiva selagem na Casa da Moeda, que é muito onerosa. Uma vez depositados nos bancos e registados nas direcções de finanças, as exigências para a sua transferência de propriedade, ou simples deslocação, são de molde a privar aqueles fundos de todas as vantagens inerentes à sua anterior categoria de títulos ao portador, e, assim, podem considerar-se congelados, já não registando os jornais quaisquer operações de bolsa com eles relacionadas, não interessando à banca para garantir empréstimos e outras operações e não havendo quem os adquira, a não ser a preços de ruína, situação tão grave que não seria conveniente para o Estado ou para a economia da Nação prolongar-se, urgindo a publicação de providências que terminem com tal estado de coisas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Afirmaram-me que se uma nova lei tornasse facultativo aquele registo nas direcções de finanças, como se verifica com as acções ao portador de sociedades portuguesas, não faltaria quem preferisse não registar os seus títulos estrangeiros, embora sujeitando-se, como no caso das acções ao portador, ao pagamento da elevadíssima percentagem de 12 por cento sobre os respectivos juros.
Desta forma poderiam descongelar os seus títulos e restituir-lhes as incontestáveis vantagens de títulos ao portador.
Para concluir, Sr. Presidente, aprovas umas palavras mais, muito breves, porém, uma vez que o tempo regimental já está por mim excedido.
O decreto-lei n.º 35:594 estabelece no $ 1.º do artigo 13.º, quanto ao registo de acções ao portador de sociedades nacionais, que poderá ser feito nas sociedades emissoras das acções, que prestarão ao Estado as informações e garantias a estabelecer em regulamento.
E o decreto n.º 35:595, que regula o assunto, depois de prever o caso de tais acções terem sido depositadas, admite claramente a hipótese de o não serem, quando ali se diz: «Se a declaração respeitar a acções não depositadas, será feita em duplicado, etc.».
Pois, Sr. Presidente, na prática entenderam suprimir aquela faculdade e exigem que as acções ao portador sejam sistematicamente depositadas em casas bancárias.
Compreende-se que tal exigência se traduz em transtornos e despesas, pois há que privar-se da posse dos títulos e ter de pagar comissões por um serviço perfeitamente dispensável, o que não está certo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Complica-se e agrava-se assim a vida, quando melhor seria simplificá-la e facilitá-la, para que o trabalho nacional possa exercer-se e frutificar sem preocupações, embaraços e despesas com que ninguém lucra.
Sr. Presidente: eu ficaria muito agradecido se V. Ex.ª se dignasse, com a afirmação do meu reconhecimento pela gentileza da atenção dispensada às minhas palavras sobre este mesmo tema, tornar o Sr. Ministro das Finanças conhecedor das considerações agora feitas.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Colares Pereira: - Sr. Presidente: são rápidas as palavras que vou proferir. Digo-as, porém, com a natural emoção de quem tem vivido, acompanhado de

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perto, sentido bem no seu íntimo a atmosfera, posada como chumbo, que tem enlutado e tem trazido mergulhada em tristeza uma das terras mais lindas do nosso Pais: a Nazaré.
Não quis de forma alguma que, pertencendo essa terra ao meu circulo o tendo eu a honra do ter assento nesta Assembleia, se pudesse dizer que a tragédia passava, e que passava também a nova agitação que o problema suscitou, sem que nesta sala, que representa o País inteiro, tivesse havido uma voz, embora modesta
- e sou dos mais modestos que porventura aqui estão-, que chamasse a atenção para a situação da pobre gente da Nazaré.
É evidente que sei, como o sabem todos, que nada é mais difícil, que poucas tarefas serão tão árduas, como a de um homem pretender convencer outro, que desvairadamente sofra, apenas com palavras, por mais suaves, por mais justas, por mais prudentes e por mais honestas que elas sejam.
Tenho mesmo a impressão de que, quando o desvairo chega, são precisamente essas palavras -as mais sábias, justas, prudentes o honestas- aquelas que menos convencem, e aquelas que menos apaziguam.
Ora, se transformarmos a dor de um na dor de todos - como é a da grande família dos pescadores da Nazaré-, podemos compreender que eles hoje só tenham olhos para chorar e boca para se queixar. Podemos compreender que lhes não sirva de lenitivo para o inquietante temor da morte, temor que a cada momento lhes vai ferindo a alma sempre que se largam da praia para o mar -esse mar que lhes ceifa as vidas-, a fria expressão de que um dia talvez as suas condições melhorem.
É evidente que não se constrói nem se alicerça um porto sobre os simples anseios, por mais ardentes e legítimos que eles sejam. É infelizmente preciso que para ele existam reais possibilidades e que assente em fundações que só o cimento e a pedra tornam fortes.
Mas também é verdade que aqueles que têm a missão de servir esse grande senhor que é o mar - senhor que tom dias de raiva e de castigo- não- podem deixar de o servir nesses dias, mesmo que o não queiram, pois têm de servir a sua vida e a dos seus. que essa também tem exigências que são de todos os dias e que sem afrontar o mar se não satisfazem.
E assim nasce um circulo vicioso: ir para o mar para que a família viva, ou ir ao mar para dizer adeus à família.
A perda dos entes mais queridos, num ritmo que já tem qualquer coisa do constante vaivem das ondas, fero com uma cruel persistência aqueles que pedem um porto porque só vivem da faina do pescar.
Quando o pobre povo da Nazaré mais sangrava de dor, mais carregava o luto das suas tragédias e mais aguda sentia a angústia do dilema que referi, não admira que sobre o Governo convergissem as suas reclamações, os seus telegramas e os seus clamores.
Nem podia ser de outra forma, porque ele é o Governo da Nação. Não é o Governo de uma parcela; é o Governo de todos nós.
Aprovo inteiramente esse apelo feito ao Governo.
E aprovo-o pelo que ele traduz de merecida confiança.
E que o Governo a merecia comprova-o a nota imediatamente publicada pelo Sr. Ministro das Obras Públicas.
O conhecimento, por ele dado ao público, do carinho que o problema tem sempre merecido, dos estudos feitos e sobre os quais já recaíram até despachos de anteriores Ministros, justificam a calma que ele recomenda, a prudência que aconselha o a esperança que promete - então já era despacho seu - de que não deixará de oportunamente atender à necessidade do melhoria das condições actuais do porto da Nazaré e de dar assim a possível satisfação às legítimas aspirações desse bom povo.
Ele não esqueceu o porto da Nazaré. O próprio decreto n.º 33:922, apesar de o não ter incluído na nova fase do plano portuário, não o esqueceu também.
Esse porto fui devidamente estudado por técnicos; foi devidamente ponderada a necessidade da sua construção. Simplesmente, o desejo de construir um porto de abrigo e refúgio nem sempre está na razão directa das possibilidades naturais, técnicas e financeiras de o conseguir.
Essa nota do Sr. Ministro das Obras Públicas mostra, com toda a clareza, que já o falecido Ministro Sr. Duarte Pacheco se encontrou - como de um seu despacho se vê- perante a desproporção, que tanta vez existe, entre o desejo de realizar e a possibilidade de conseguir. É que parece ter-se a Natureza apostado em fazer daqueles escassos quilómetros de costa o palco favorito para a exibição trágica das suas fúrias indómitas.
Mas, Sr. Presidente, disso não pode inculpar-se o Governo da Nação.
E, assim, o que mais depressa se quereria fazer não pôde ainda ser feito. Mas felizmente que existo -e tenho o maior prazer em o proclamar aqui- da parto de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, não a passividade fatalista de cruzar os braços, mas antes o dinamismo que impulsiona, a inteligência que realiza e a vontade ferroa que vence, tudo convergindo para a ideia, salutar e construtiva, de que melhor é realizar o bom, a nada se fazer ante a impossibilidade de conseguir o óptimo.
Na verdade, impõe-se como dever de solidariedade que se tente tudo para que não continue a sor ingloriamente que os valentes pescadores da Nazaré se afoitem ao mar - a esse mar que tão impiedosamente lhes vem traçando as vidas e vestindo de luto as famílias.
Todos sabem que a Nazaré é uma das povoações portuguesas que só vivem do mar, e isto desde os recuados tempos em que os seus pescadores, como rezam as crónicas e o atesta a sua pobre fortaleza, quase desmantelada, eram dos mais fortes baluartes de que dispusemos contra aqueles que infestavam as nossas costas.
O Sr. Ministro das Obras Públicas sabe que a gente da Nazaré só para o mar e do mar vive; e, assim, pude bem compreender e sentir que o anseio dessa boa e laboriosa gente, e a sua esperança de conseguir, quando não seja um porto de abrigo e refúgio, ao menos aqueles meios que eficiência tenham para a segurança dos seus barcos e protecção das suas vidas, é como aquela claridade que ao separar a noite do dia vai alumiando, ainda muito embora, tendo já morrido a noite, não tenha nascido o dia.
Dentro disso, quando não possa fazer-se o óptimo, faça-se o bom, e quando não possa fazer-se o bom, faça-se o sofrível.
O que ninguém pode querer é que se não faça nada, pois não se pode assistir de braços cruzados a uma ceifa constante de vidas, roubadas a um trabalho que é, sem dúvida, dos mais gloriosos e honrados, sobretudo para nós, portugueses, que desde há tantos séculos quisemos a íntima convivência com o mar.
Eis porque eu peço daqui ao Governo que. enquanto não for possível fazer-se o máximo, a bem de todos os que trabalham na árdua faina da pesca, se lhes dê ao menos aquela mesma esperança de protecção e segurança que já foi dada aos espectadores dos teatros e cinemas.
Esses, que apenas buscam diversão, têm já garantida a serenidade do ânimo, que resulta de terem ante os olhos, escrita nos panos de ferro em letras bem visíveis, a afirmação tranquilizadora de que não devo existir

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pânico, pois que diminuíram as causas de perigo e aumentaram os meios de protecção.
Da mesma forma é preciso que não só os que da praia vêem os seus fazer-se ao mar, como os que para o mar partam, possam todos ler, escrito em letras que consolem a ai ma, e fortaleçam o coração, que já não há razão de pânico, pois que também para eles foram diminuídos os riscos e aumentadas as possibilidades de protecção e segurança.
Mão sou homem do mar nem da pesca; não sei como se evita o risco nem como se aumenta a protecção. Mas sei, e isso me basta como português, que no ânimo de todos nós está sempre vivo o grande desejo de que se aumentem os meios de defesa e se dó toda a possível protecção aos que arriscam a sua vida na faina tão dura da pesca.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Basto.

O Sr. Alexandre Pinto Basto: - Sr. Presidente: mais uma vez a discussão da lei de meios traz a esta tribuna um número elevado de Srs. Deputados. Não me parece de estranhar o facto, mas, pelo contrário, é de louvar, dado que é esta a única oportunidade que a Assembleia tem, que a Nação tem, através dos seus Deputados eleitos, de intervir na elaboração do diploma legal que é indiscutivelmente o de maior transcendência na vida do País. É, pois, bem natural que nesta ocasião seja grande o número dos Srs. Deputados que sobem a esta tribuna. Se eu aqui vim hoje não foi em especial para focar qualquer aspecto particular da proposta de lei em discussão, mas sim porque, dada precisamente a circunstância de ser esta a única oportunidade de colaboração da Câmara na elaboração do orçamento e porque essa intervenção, por circunstâncias que são por nós todos bem conhecidas e por mim lamentadas, é mesmo assim bastante restrita, me parece oportuno aproveitar este momento para fazer alguns breves comentários e referências ao que poderei chamar a orientação geral da vida governativa, que se traduz afinal, e deve mesmo traduzir-se, na elaboração do Orçamento Geral do Estado. E disse que lamentava que a intervenção da Câmara na preparação e estudo do orçamento seja tão restrita porque, se é facto que a Constituição não exige mais, a verdade é que não condena nem exclui uma mais íntima colaboração da Assembleia com o Governo em tão fundamental trabalho.
O Sr. Deputado Melo Machado, quando usou há dias da palavra nesta tribuna, referiu-se ao facto de há treze anos vir aqui pedindo instantemente ao Governo medidas tendentes à codificação das leis fiscais.
Treze anos é um longo período, e ninguém, depois de S. Exa., mais do que eu lamenta que a sua voz não tivesse sido ainda ouvida.
V. Ex.ª sabem, o País inteiro o sabe, as dificuldades, as atribulações, as preocupações que todos os contribuintes vivem devido à incerteza do regime que de facto se nos aplica.
Não é justo que se imponha ao contribuinte a necessidade do se rodear de peritos que tenham cuidadosamente estudado todos os insuficientes pormenores que contêm as leis fiscais, os regulamentos, as ordens de serviço, os despachos, etc., para poder afinal cumprir com o que é a sua obrigação, mas obrigação que lhe deve ser criada em circunstâncias tais que não compliquem nem interrompam a sua vida normal.
Em tempos ouvi uma pessoa de especial responsabilidade, a propósito de uma importantíssima lei fiscal, fazer a afirmação de que, se fossem mais geralmente conhecidas as normas que devem orientar os funcionários fiscais na execução dos seus trabalhos, se corria grave risco de levantar o véu de um mistério, que poderia trazer como consequência a fuga ainda maior da matéria colectável e, portanto, a diminuição dos réditos do Estado.
Isto, que me foi dito por pessoa especialmente qualificada para fazer tão séria afirmação, é, no entanto, a verdade, que nós em consciência sabemos ser assim.
Mas, se representa um estado de coisas e sobretudo uma deficiência de preparação e educação cívica lamentáveis, não é motivo para que o Estado não faça o possível, constantemente, para remover um ambiente desta natureza, tratando de conseguir por todos os meios - e são muitos -, ao seu alcance a criação de uma situação diferente. E da mais elementar justiça política que o contribuinte saiba facilmente quanto, como e porque paga o que deve pagar.
Sr. Presidente: há no meio de tudo isto um facto que sinto ter de referir, que é gravíssimo e me parece contribuir de certo moído para a situação em que nos encontramos. E que a falta aparente de interesse que o Terreiro do Paço mostra pelo que se diz nesta Assembleia justifica plenamente o desinteresse manifesto do público e até o seu cepticismo sobre o valor da colaboração política da Assembleia Nacional na vida da Nação. Isto é um facto grave e eu peso a responsabilidade desta afirmação.
É indispensável que se dê mais atenção às observações que aqui são feitas, principalmente quando essas observações são produzidas por pessoas com a categoria e responsabilidade política do Sr. Deputado Melo Machado, que aqui declarou que há treze anos vem fazendo um apelo, sem ser ouvido, e - o que é igualmente mau ou pior - sem que do seu apelo resultasse um esclarecimento, uma informação ou satisfação ao público - que os Deputados representam - de porque se fazem ou não fazem as coisas, se tomam ou não as providências e medidas que aqui se solicitam.
Isto é uma afirmação grave, que representa um estado de alma e um ambiente que devem ser urgentemente corrigidos se queremos evitar males irreparáveis.
Vários oradores têm usado da palavra para focar certos aspectos particulares da proposta em discussão e outros decerto se seguirão que apreciarão estes documentos nos seus vários sentidos e sob diferentes prismas. Por meu lado, proponho-me fazer a seu respeito apenas uns leves comentários de ordem geral.
Entendo que o nosso problema fundamental é o problema do nível de vida, que é baixíssimo o tem de ser melhorado. É essa a questão instante, premente, que temos de atacar, e o Governo - justo é acentuá-lo, para que se ouça em toda a parte- tem demonstrado interesse e zelo em resolvê-la. Mas, quanto a mim, é necessário fazer mais, melhor e depressa, que o mal não admite demoras para o seu urgente remédio.
Já várias entidades, e nomeadamente a Comissão Revisora de Contas e o seu ilustre relator, Sr. engenheiro Araújo Correia, repetidas vezes têm abordado o problema e focado que esta obra primordial e importantíssima implica a necessária criação de um aumento de fontes de riqueza, essencialmente no campo económico, tanto agrícola como industrial.
Sei que várias medidas de largo alcance têm sido tomadas, e ainda hoje os jornais se referem a uma pró-

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posta de lei sobre a utilização de baldios, que mostra o interesse que esse problema vai merecendo aos poderes públicos.
O que mais me choca, e estou convencido de que todos V. Ex.ªs pensam como eu, é constatar o atraso em que se encontra o nosso País quanto às condições de vida de tão grande número de portugueses.
E confrangedor pensar na situação em que labuta ainda grande parte da população, e nomeadamente certas populações rurais. Se pensarmos apenas na pobre gente que vive nos píncaros da serra do Geres - e tanta há no País em igual miséria - e se considerarmos como estão passando a invernia, só quem não for lotado de sentimento humano poderá considerar essa tragédia sem confrangimento. Melhorar as condições de vida de tanta gente humilde, criar riqueza nacional que a sustente, é obra que se impõe como imperativo categórico. É indispensável que o orçamento traduza, clara e generosamente, este propósito.
Mas não só os trabalhos e os planos na ordem económica podem resolver este grave problema; é preciso também educar e instruir. Para isso quereria daqui solicitar ao Governo que na elaboração do Orçamento Geral do Estado fosse prevista a criação ainda de mais escolas primárias, mas em condições de poderem desempenhar eficiente e utilmente a sua missão. Não basta criar as escolas e atribuírem-se-lhes dotações, por vezes insuficientes; é preciso ter em consideração o local onde vão funcionar e o meio em que vão trabalhar.
É preciso que a frequência seja, sobretudo nos meios rurais, útil e tornada possível. A maior parte das crianças que as deveriam frequentar serão crianças mal vestidas, vivendo às vezes a distâncias consideráveis, e estarão muitas vezes mal alimentadas. E preciso então que se criem as condições que favoreçam a solução desta parte do problema da instrução e da educação dos portugueses de amanhã.
Julgo que enquanto o número de analfabetos se mantiver no altíssimo nível em que se encontra, e que é uma das nossas maiores vergonhas, não é possível, dentro do nosso ambiente e considerando as nossas condições étnicas, uma melhoria considerável no standard de vida da maior parte dos portugueses.
Outro ponto que desejaria aqui também frisar, no sentido de chamar para ele a atenção do Sr. Ministro da Educação Nacional, é o problema do ensino técnico.
Sei que já foi presente, e até já tem parecer da Câmara Corporativa, um projecto de reforma do ensino técnico. E certamente na devida oportunidade esta Câmara se ocupará desse problema, e então pessoas certamente mais competentes na matéria do que eu poderão estudá-lo, para que saia uma obra tão perfeita quanto possível. Todavia, quero desde já chamar a atenção dos Srs. Ministros da Educação Nacional e das Finanças para que desde já e na medida do possível a organização existente seja melhorada e se possa suprir a falta terrível que a toda a hora constatamos.
As populações liceais e universitárias, onde o ensino, como todos nós sabemos, até por experiência própria, é demasiadamente doutrinário, aumentam de uma fornia extraordinária. E se tivermos em consideração a eloquência dos números representados pelas escolas técnicos e pela sua frequência verificaremos que é necessário que esse ensino seja provido desde já da orgânica e dos recursos financeiros indispensáveis para tornar a sua acção eficiente e assim contribuir para a melhoria do nível de vida, das condições económicas do País e das organizações nacionais.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações dizendo apenas mais algumas palavras que julgo indispensáveis pela gravidade do momento que vivemos.
Voltei há dias a Lisboa, depois de uma ausência de dois meses no estrangeiro.
Mais uma vez vi como resplandece com novo brilho o nome português. Dir-se-ia tela de primitivos a que o talento e amor rio artista deu renovada cor e nova força de expressão. Mas por toda a parte senti uma mesma preocupação e ansiedade nos espíritos, um ambiente de terrível cepticismo, uma atmosfera de desconfiança, de dúvida e de desalento, a angústia do desânimo e a tristeza que dá a perda da fé: miserável herança de uma guerra cuja apocalíptica tragédia continua ainda. Neste canto abençoado do Mundo, mercê da Graça Divina e da obra imensa de um homem, nós temos condições de resistir à contaminação mais intensa do mal se soubermos e quisermos servir-nos de todos os valores, de todos os elementos de ordem e de progresso que nos podem auxiliar a vencer a tempestade. Todos, Governo e governados, devem pensar que o caminho da nossa sorte está sobretudo nas nossas mãos, mas se não compadece do desprezo ou esquecimento das verdades eternas, a que o destino dos homens e das nações não escapa. Ë preciso, é necessário, é indispensável, que a obra imensa e magnífica do Sr. Presidente do Conselho seja prosseguida no nível em que o seu patriotismo e devoção exemplares a colocaram. Governe-se para a Nação, mas com a Nação; só assim se não atraiçoará o ideal que todos queremos servir.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Melo Machado: - Peço licença, Sr. Presidente, para enviar para a Mesa uma moção sobre o problema do inquilinato, para ser publicada no Diário das Sessões, a fim de que toda a Câmara possa tomar conhecimento dela.
É a seguinte:

Considerando que em matéria de inquilinato urbano não pode entrar-se abertamente, e desde já, em regime de ampla liberdade contratual; mas Considerando que o problema é de transcendente importância e demanda resolução urgente nalguns dos seus aspectos mais graves;
Considerando que, se não são de admitir as especulações por parte dos senhorios, igualmente não devem ser permitidas aos arrendatários;
Considerando que os diplomas fundamentais sobre inquilinato, por antiquados e dispersos, carecem de ser actualizados e codificados:
A Assembleia Nacional reconhece a necessidade de:
1.º Serem revistas as restrições legais em vigor sabre as rendas, sem descurar a situação das classes menos abastadas;
2.º Ser devidamente regulada a sublocação e fiscalizados os traspasses, com rigorosas penalidades quando sã trate de arrendamentos para habitações, que aliás a lei não permite;
3.º Ser assegurada aos senhorios e aos arrendatários igualdade de direitos perante os tribunais em matéria de recursos;
4.º Serem estabelecidas normas processuais mais rápidas e económicas para as questões simples de inquilinato;
5.º Proceder-se, sem prejuízo das providências urgentes atrás referidas, à codificação de ioda a legislação dispersa sobre inquilinato.
Os Deputados: Francisco do Melo Machado - João Antunes Guimarães - José Maria Braga da Cruz - Paulo Cancela de Abreu - Manuel Colares Pereira - A. Marques de Carvalho - Ricardo Spratley - Mário de Aguiar».

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O Sr. Mendes Correia: - Vou ser breve, porque se trata de um assunto que é ao mesmo tempo de tão grande magnitude e de tão intensa especialização que ultrapassa as minhas fracas possibilidades. Mas entendo que todos nós devemos trazer a esta tribuna o contributo do nosso depoimento pessoal, por mais modesto que ele possa ser, sobretudo perante o alcance e a importância da matéria que está sendo tratada.
O ano passado subi a esta tribuna para falar sobre um aspecto da lei de meios. Não ficaria contente comigo próprio se este ano não voltasse a insistir sobre alguns pontos que me parecem merecedores da consideração da Assembleia, do Governo e do País.
Congratulo-me por desta vez ter sido mais rica de informes a documentação enviada a esta Assembleia para nosso esclarecimento relativamente às necessidades financeiras do País.
Mas, com o treino que tenho de seis anos e meio de administração de uma autarquia local, sinto ainda a falta de qualquer coisa que, embora não constitua um imperativo da lei constitucional, não deixa de ser, de certo modo, uma necessidade imperiosa para nosso esclarecimento.
Refiro-me à falta de um resumo do orçamento. Não está na Constituição que tal seja apresentado juntamente com a lei de meios, mas a única maneira de fazer um juízo sobre o conjunto das finanças públicas é ter ao menos na sua frente um resumo dessas finanças.
Um relatório acompanha a maior parte dos projectos que são aqui apresentados. Porque é que não vem um relatório antecedendo a proposta de autorização do receitas e despesas?
É uma falta que sinto, tanto mais quanto é certo que dentro de poucas semanas um relatório larguíssimo esclarecerá seguramente o País. Porque não mandá-lo já a esta Assembleia?
Sr. Presidente: tive de me basear sobre as contas públicas de 1945 e sobre o orçamento de 1946, e ainda sobre orçamentos anteriores, para fazer um cálculo que me parece de subido interesse.
Um grande espírito, que é também um grande amigo do nosso País, figura de grande relevo num grande país amigo, quis um dia estabelecer o confronto entre o valor financeiro de um português e o valor financeiro de um seu compatriota, dividindo o quantitativo da soma global das contas do orçamento do País pelo número de habitantes.
Pois bem! Eu não reconheço que se possa dizer que um português vale duas, três, quatro vezes mais do que o habitante de qualquer outro país estrangeiro, pelo facto de o volume das receitas e despesas ser duas, três ou quatro vezes maior. Mas julgo que tem interesse para o exame da nossa vida financeira um cálculo dessa natureza feito sobre anos sucessivos.
Fiz a conta para o período anterior à guerra, mas já de administração da actual situação política; para o ano de 1929-1930. como para o ano de 1940 e para o de 1944. Pois bem! Dividindo a receita total ordinária pelo número de habitantes, encontro os seguintes números: 301$ por habitante para 1929-1930; 288$ para 1940; 415$ para 1944
Mas, Sr. Presidente, vou confrontar estes números, que parecem dar um aumento apreciável de receita nos orçamentos equilibrados desta situação, vou comparar este pequeno aumento com a evolução da moeda e com os índices de preços de retalho e verifico que o ritmo de aumento de volumes de receitas e despesas é muito inferior ao da desvalorização da moeda e da elevação dos índices de preços de retalho.
Isto significa que nós não enriquecemos com a guerra, apesar da nossa situação privilegiada em relação a outros povos e apesar de todos os esforços meritórios desenvolvidos pelo Governo da Nação.
Enfim, meus senhores, estas considerações de ordem geral levam à conclusão de que se não cobra tudo o que seria necessário cobrar para satisfazer todas as despesas que seria necessário realizar. E os serviços públicos encontram-se, portanto, todos insuficientemente dotados, sem que o Governo possa fàcilmente requerer à Nação o esforço tributário necessário para cobrir esse volume incomportável de despesas.
É, portanto, esta uma situação difícil e que se tem de encarar com medidas que na lei de meios estão felizmente encaradas.
Deixando, porém, a apreciação deste último assunto para considerações ulteriores, desejaria chamar a atenção para alguns pontos, quer do capítulo de receitas, quer do capítulo de despesas.
Quanto às receitas, quando surgiu o imposto complementar, com toda a sua papelada, tive uma mágoa profunda, porque mais do que uma vez tinha subido a este lugar para mostrar a minha discordância em relação à inundação de papelada que ameaça submergir muitas das actividades nacionais. E, a propósito, se o princípio da declaração é um princípio saudável, devo dizer que em muitos pontos a Nação não foi bem servida nem o contribuinte pelos esclarecimentos fornecidos pelas instâncias competentes - ou incompetentes - ao mesmo contribuinte.
Em alguns lugares deram-se informações erradas, que levaram o contribuinte a praticar erros.
É claro que, examinado com sossego e atenção, o problema das declarações do imposto complementar não oferece dificuldades de maior, e a estrutura da matéria está bem delineada, mas o contribuinte não pode estar a estudar minuciosamente estes assuntos, nem devia ser necessário que tenha de se dirigir a um advogado ou a uma entidade especializada para o esclarecer.
A lei tributária, mais do que qualquer outra, deve ser clara, clara como água, para que todos saibam o que devem pagar, nem mais nem menos do que aquilo que está estabelecido nessa lei.
Infelizmente o público nem sempre, foi bem esclarecido nas instâncias competentes, nem ele nem o Estado, e nós bem sabemos porque não são frequentemente bem servidos.
Eu, a propósito, quero aludir ao facto de, em alguns organismos, felizmente em poucos, os funcionários, ou, melhor, certos funcionários, tratarem o púbico com uma sobranceria inadmissível.
Entendo que quem exerce funções públicas tem do estar dotado de uma paciência imensa e evangélica para suportar até as injustiças do julgamento desse público, porque é ao serviço desse público e da Nação que se encontram esses funcionários.
Sr. Presidente: outro ponto é focado na proposta de autorização de receitas e despesas e que é igualmente focado, de uma maneira a que dou todo o meu aplauso, no parecer da Câmara Corporativa, tendo-se-lhe já aqui referido vários Srs. Deputados. É a questão das taxas.
Entendo que devemos reagir contra o abuso do emprego dessas taxas.
Entendo que as taxas são muitas vezes impostos disfarçados, que complicam a existência do contribuinte e do público e, portanto, só com razões simples, seguras e claras, só fundadas em razões absolutamente reconhecidas seriam de adoptar essas taxas.
É preciso, antes de fazer incidir sobre uma dada massa de contribuintes qualquer imposto, ajuizar rigorosamente, por inquéritos sérios, da capacidade tributária dessa massa populacional.
É preciso saber se ela pode pagar sem recorrer a expedientes, cair em situações dolorosas ou em situações

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de desequilíbrio económico que de modo nenhum o Estado deseja para si próprio.
Conheço alguns casos em que é apavorante a lista de taxas, adicionais, etc., que sobrecarregam determinados impostos.
Há concessões de várias licenças que implicam a aquisição de impressos com um número de linhas referentes aos adicionais e taxas que têm de ser pagos, de tal forma diversos, que apavoram quem tem de requisitar essas licenças.
Um exemplo muito curioso é o daquilo que se passa com as casas de espectáculos, para as quais, em certo momento, se reconheceu a necessidade de um imposto único. Chamou-se-lhe mesmo imposto único! Pois, eu não vou fatigar V. Ex.ªs lendo o estendal que aqui tenho de contribuições e taxas de variada ordem que, como imposto único, incidem sobre as casas de espectáculo.
Entende-se, geralmente, que as manifestações da vida colectiva têm um aspecto de puro divertimento, como se não houvesse também a considerar nelas os aspectos sociais e os de arte e de cultura.
Não se olha com simpatia para essa ordem de manifestações, mas, na realidade, eu julgo paradoxal que se fale num imposto único e que essas organizações tenham de pagar uma variedade considerável de impostos.
Cito o caso particular dos cinemas. Os cinemas representam na sua concorrência, na afluência que têm de espectadores presentemente, um volume de interesses materiais muitas vezes superior ao dos teatros. E que assim é demonstram-no os Boletins da estatística.
Pois bem. Pensou-se em proteger, e muito bem - a imprensa anunciou-o recentemente -, a produção nacional em matéria cinematográfica, mas pensou-se também em ir buscar as receitas necessárias para os prémios e subsídios a dar a essa produção, que interessa, não apenas no aspecto da cultura popular, mas também à educação em geral e à arte, pensou-se, repito, em ir buscar esses rendimentos a uma intensificação de encargos financeiros dos cinemas.
Julgo que o assunto tem de ser considerado em conjunto, de maneira a que a população pobre, Lumilde, que paga socorro social, mas que em grande parte devia também ser socorrida, porque não pode pagar bilhetes por preços mais altos, possa ter os seus cinemas de bairro, os seus cinemas de povoações modestas, de maneira que, ao menos, às quintas-feiras e aos domingos, e até muitas vezes só aos domingos, tenha esses espectáculos, é claro, devidamente seleccionados no ponto de vista moral e educativo.
Julgo que qualquer encargo que tenha de cair sobro uma parte da indústria de cinema, como sobre qualquer forma de espectáculo, deve abranger o exame prévio dos aspectos vários dessas organizações num todo integral.
Em matéria de cinema devo dizer que não posso considerar como autêntica produção nacional o que se possa fazer enquanto houver apenas um só laboratório de filmes e enquanto não se cuidar sèriamente da formação artística, cultural e moral dos artistas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-O projecto fala também na taxa de selo de especialidades farmacêuticas e presto a minha homenagem à intenção de a diminuir, transformando-a num imposto, quase estatístico, sobre importação de especialidades farmacêuticas.
Mas é preciso olhar para a situação dos doentes, por virtude do alto custo das especialidades farmacêuticas nacionais.
É de louvar também o esforço do Estado na elevação dos vencimentos do funcionalismo civil e militar, mas eles estão ainda muito aquém daquilo que é necessário, em faço da evolução da moeda e da elevação dos preços de retalho. Ora, por exemplo, um contínuo de 2.ª classe recebe, líquidos, 753§. Não creio ser possível hoje sustentar uma família de quatro ou cinco possuas com um mínimo de 753$ numa cidade como Lisboa ou Porto.
Faço justiça, aos esforços do Governo no sentido de, dentro das possibilidades do orçamento, realizar o máximo que pode para melhoria dos vencimentos do funcionalismo público e estou certo de que, à medida que as finanças o permitam, serão dadas novas melhorias ao funcionalismo civil e ao funcionalismo militar, como ainda se considerará a situação dos pensionistas em geral, de que já se começou tratando, e são classes que merecem todo o carinho dos poderes públicos.
Sr. Presidente: deixando estas considerações sobro receitas e despesas, passo ràpidamente a referir-me ao apetrechamento económico do País e ao fomento sanitário, cultural, assistencial e social que estão consignados como objectivo permanente e na verdade honroso do Governo da Nação.
Sr. Presidente: o apetrechamento económico do País é indispensável. O ilustre economista Ezequiel de Campos, num livro recentíssimo, escreve umas passagens que não posso eximir-me a ler a V. Ex.ªs

O orador leu algumas passagens do referido livro.

Quer dizer: a solução dos problemas económico e financeiro deste País só pode conseguir-se com uma real valorização dos recursos nacionais. Essa valorização, infelizmente, não se fez durante séculos; recorreu-se sempre a um certo número de medidas de emergência. As colónias, sobretudo o Brasil e o Oriente, davam para uma vida faustosa, mas desprezava-se a colonização interna, desprezava-se a situação metropolitana. Hoje, graças a estadistas que têm a consciência do seu papel, felizmente, encarou-se, talvez pela primeira vez na história moderna deste país, com eficiência e largueza, o problema do apetrechamento económico de Portugal.
Temos 8 milhões de habitantes. Com as condições actuais do Mundo, parecem já demais. Se consultarmos Anselmo de Andrade, nós vemos que temos um território que poderia alimentar 15 milhões de habitantes.
Verifica-se que Portugal não atingiu ainda a sua possível densidade de população.
Não me vou conduzir pelo saudoso amigo Bento Carqueja, visto que ele entendeu que se devia estabelecer o problema com base nos números de países de maior densidade. Assim, calculou a nossa população possível baseando-se, por exemplo, na densidade de população que tem a Bélgica.
Não vale a pena fazer o cálculo, mas dou o meu aplauso a Ezequiel de Campos, que nos diz que, se nós conquistarmos Portugal à natureza, como conquistámos Portuga] aos mouros, teremos enfim uma vida desafogada e feliz.
Há, no entanto, no apetrechamento económico do País um factor digno do maior apreço e importância e que já o ano passado na discussão desta lei acentuei, e que é o factor humano.
Não podemos deixar de entrar em linha de conta com o facto de, como dizia Ruskiu, o maior tesouro não estar nas minas nem estar no ouro, nos filões de metal, nas entranhas da terra, mas no homem, na carne, na vida, numa vida sã, física e moralmente.
É preciso que se realize em Portugal uma tarefa muito intensa na melhoria da alimentação da população, de assistência e de revigoramento físico.

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É tristíssimo verificar a percentagem elevada dos que são isentos da vida militar por incapacidade física.
No entanto, entre as disposições mais importantes desta proposta de lei, além das relativas ao apetrechamento económico, vemos também medidas de fomento cultural, sanitário e social.
Tenho o dever de, como professor universitário, como director de um instituto de investigação científica, subir a esta tribuna para dizer que é imperativo realizar um esforço enorme em matéria de cultura e de investigação científica.
Visitei o ano passado, por duas vezes, instituições culturais do país vizinho, e aproveito o ensejo para deste lugar render as minhas homenagens a todos os governantes daquele país, que tão sabiamente têm contribuído para o desenvolvimento e prosperidade daquelas instituições, de entre as quais destaco a Cidade Universitária de Madrid, obra colossal cujo custo anda à volta de 2 biliões de pesetas, e o Conselho Superior de Investigação Científica, que premeia o trabalho intelectual, quando, infelizmente, entre nós ainda há quem pense que esse trabalho deve ser gratuito.
Quero também referir-me, Sr. Presidente, à acção cultural realizada pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, bem como à acção que tem vindo desempenhando o Ministério da Educação Nacional, em conjunto com os organismos dele dependentes, entre os quais devo distinguir o Instituto para a Alta Cultura, que faz um esforço, por vezes, incomportável para as suas limitadas possibilidades.
Este Instituto, que tem tido uma acção brilhante, foi fundado, e felizmente ainda é dirigido, por uma pessoa a quem este país muito deve em matéria de cultura, que é o ilustre professor Dr. Cordeiro Ramos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu entendo que as verbas destinadas aos estudos para alta cultura, aliás já elevadas em 1946, estão ainda muito aquém daquilo que é necessário para que o nosso País ocupe o seu verdadeiro lugar entre as outras nações em matéria de desenvolvimento intelectual.
Em 1938 as bolsas de estudo no País importavam em 200 contos e em 1946 importavam em 500 contos. E muito pouco ainda.
As bolsas para fora do País continuam a ter o mesmo valor em 1946 que tinha em 1938 - 1:000 contos apenas -, o que se explica um pouco pela dificuldade de mandar bolseiros para alguns países do estrangeiro.
Estes números têm de ser todos multiplicados por coeficientes de 10 ou de 100. As actuais verbas são minúsculas em comparação com as exigências da civilização moderna e do nosso prestígio intelectual.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Eu quero ainda aludir à Estação Agronómica Nacional, dirigida pelo ilustre professor Sr. Dr. António Câmara, e ao labor do Ministério das Colónias, não só pela recente reforma da Escola Superior Colonial, que tenho a honra de dirigir presentemente. Reorganizou-se também a Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais, esforço a que não serão nunca excessivos os louvores que se dirijam, porque a exploração e aproveitamento das colónias, a defesa e protecção das suas populações, dignas de toda a nossa simpatia e interesse, devem ter, necessariamente, uma base científica, e hão-de tê-la.
Eu partilho a opinião do Sr. Deputado Henrique Galvão relativamente ao valor minúsculo da verba consignada para o Ministério das Colónias no orçamento metropolitano. Mas a verdade é que têm sido imensos os sacrifícios materiais, morais e humanos realizados por este país na valorização das suas colónias. E na metrópole não pode haver mais do que um pequeno número de repartições coloniais.
A verdade é que este país não se tem poupado em sacrifícios de toda a ordem, de sangue, de dinheiro, etc., em favor dos seus domínios ultramarinos.
As nossas colónias não nos devem menos do que nós a elas, e há alguns anos para cá, sob a orientação feliz do Governo, a política colonial portuguesa entrou num caminho bem direito, bem orientado, verdadeiramente inteligente e patriótico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu rendo deste lugar, Sr. Presidente, ao ilustre Ministro das Colónias as minhas homenagens por toda a sua acção legislativa e por todos os seus esforços inteligentemente feitos para o progresso das colónias portuguesas.
Dirijo também deste lugar, com carinho e entusiasmo caloroso, as minhas saudações, que são seguramente as de toda a Assembleia, àqueles portugueses de além-mar, seja qual for a sua raça, seja qual for a sua cor, que estão identificados connosco, como o disse há poucos dias aqui o Sr. Deputado Indalêncio de Melo.
Vou concluir. Entendo que a ciência está na base da técnica, entendo que para um país como o nosso a cultura da ciência tem de ser, como foi nos tempos áureos do Infante, a fonte principal do nosso prestígio no Mundo.
Se tudo fosse, como disse o economista há pouco citado, poesia e literatura, éramos um país riquíssimo. Mas não basta, como ele disse, termos conquistado Portugal aos mouros, tê-lo conquistado a outros invasores, porque ainda o não conquistámos à Natureza.
Senhores: não o conquistámos ainda aos nossos próprios defeitos, e a obra de renascimento, a obra de progresso e de fomento nacionais tem de ser, acima de tudo, uma obra do Homem e do Espírito.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: é sempre com muito prazer que aproveito as oportunidades que se me deparam para renovar a V. Ex.ª a expressão do meu profundo respeito, alta consideração e elevada estima. Agora o faço muito sinceramente, envolvendo também nestes meus sentimentos todos os nossos ilustres colegas desta Assembleia.
Sr. Presidente: pedi a palavra para do alto desta tribuna afirmar a minha aprovação à proposta da lei de meios na sua generalidade. Sr. Presidente: nesta minha modesta e rápida intervenção quero solicitar do Governo que sejam muito mais largamente dotados os melhoramentos rurais do que indica a comunicação feita a esta Assembleia pelo ilustre Ministro das Finanças. É que, havendo uni apreciável aumento para 300:000 contos durante o decénio 1947-1956, esta verba se me afigura ainda muito inferior às necessidades mais urgentes dos pequenos aglomerados populacionais, apesar do muito que também neste sector o Estado Novo já realizou.
Devo ainda vincar algumas notas sobre o aproveitamento hidroeléctrico do Sabor. Se alguém afirmasse que em Trás-os-Montes, nomeadamente no distrito de Bragança, é desconhecida a electricidade, seria exagero imediatamente denunciado. Mas se alguém se afoitar a dizer que a electricidade, como agente de criação de riquezas agrícola, mineira e industrial, de conforto na

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actividade doméstica pelas suas múltiplas aplicações, de iluminação pública e privada, é artigo só ao alcance de bem insignificante número, que a paga na base em que se cotam os artigos de luxo, produzirá afirmação bem fácil de verificar.
No entanto, a província de Trás-os-Montes é rica em energia cinética da água, em fontes hidráulicas de força motriz. E o Governo do Estudo Novo, pela acção sempre pronta e oportuna de Salazar, não esqueceu no plano hidráulico que resultou da lei n.° 1:914, e que foi submetido à Câmara Corporativa e por esta aprovado com elogioso parecer, a terra trasmontana, A seguir o Governo ainda, numa visão ampla do malogrado e grande Ministro Duarte Pacheco, atenção e carinhos especiais deu às necessidades da terra tão portuguesa de além-Marão, de modo a provê-la dos preciosos agentes de criação de riqueza, que são a água e a electricidade: 2:900 contos ele autorizou que fossem gastos com o .projecto cujas obras ele considerava de interesse urgente e justificado no mais amplo aspecto. Refiro-me às obras de aproveitamente hidroeléctrico do Sabor, incluídas no plano de 1937 que o Sr. Presidente do Conselho fez traçar à Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, estudadas e projectadas desde 1944 e suponho que já apreciadas e com parecer favorável emitido pelo Conselho Superior de Obras Públicas.
Do conhecimento de todos é o projecto em referência. Descrição pormenorizada dele faz o relatório daquela Junta publicado em 1945, documentário que tanto realça a obra do Estado Novo e por cuja publicação nunca serão bastantes os agradecimentos devidos ao actual ilustre Ministro das Obras Públicas e seu devotado colaborador, o presidente da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, engenheiro António Trigo de Morais.
Ninguém ignora (e se o ignorasse bastava-lhe compulsar os preciosos elementos dos pareceres da Câmara Corporativa e dos discursos feitos na Assembleia referentes às leis de industrialização e de electrificação do País para ajustar às realidades o seu pensamento) que as hidroeléctricas existentes, mais a do Cávado, destinada ao Norte, e a do Zêzere e outras em curso na parte central do País, logo que se ultimem não verão longe a hora da sua saturação. Isto, evidentemente, é só da convicção dos que acreditam na efectivação da industrialização do País, e eu sou um deles. De contrário não seria votada a lei respectiva pela Assembleia. O Estado Novo não falta ao que promete.
Ora, dando a lei de meios parte bem saliente às realizações da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola; havendo um projecto completamente elaborado sob a acção vigilante e carinhosa do homem que jamais traiu os verdadeiros interesses da Nação - o saudoso Ministro Duarte Pacheco - e actualmente um Ministro que tão dignamente está continuando a obra da reconstituição económica, bem grato seria a Trás-os-Montes que aqueles 2:900 contos gastos com estudos e projectos se convertessem na obra redentora da sua economia, pela aplicação dos 121 milhões de kWh de energia permanente da central do Sabor, de custo orçamentado em 148:000 contos.
Não se ignora que o projecto do Sabor também se ocupa da rega das terras da Vilariça. Mas no projecto concluído a rega e a produção de energia são independentes, nada tendo que ver uma com a outra.
Em síntese:
1) Plano que inclua as obras em referência fê-lo traçar S. Ex.ª o Presidente do Conselho já em 1937. E a proposta ministerial para a electrificação do País ao Sabor atribui lugar bem destacado.
2) Estudos e projectos estão ultimados desde 1944.
3) Técnica temos: lá estão as barragens de Burgães, da Idanha e do Vale do Sado a atestá-lo.
4) Necessidades de energia todos sabem quais são: enormes!
5) Por isso concluímos: pedimos, em nome de Trás-os-Montes, que o Governo não demore o início de uma obra que será agente precioso de criação de riqueza e engrandecimento de Portugal.
Confio solenemente que não serão baldados estes nossos apelos.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: desde que tomei assento nesta Câmara que tenho intervindo no debate sobro a proposta de lei de autorização de receitas e despesas.
Lei especificamente financeira, ela toca com o que há de mais profundo na vida nacional. Em bom rigor, nenhuma actividade da Nação lhe é estranha, quer pela origem das receitas que autoriza a cobrar, quer pela finalidade das receitas públicas que autoriza a despender.
A verdadeira administração não é uma operação de pura técnica; dela se pode também dizer, com inteira verdade, que é uma doutrina em acção. Nela, com efeito, se envolve o conceito das grandes realidades nacionais, que são o poder público e seus limites, o trabalho e suas finalidades, a família e suas funções.
Foi precisamente para combater o que nessa lei me pareceu exceder os limites da soberania fiscal do Estado e defender os legítimos direitos e justos interesses das pequenas economias familiares, construídas tanta vez à custa de grandes sacrifícios e heróicas virtudes, que fiz sempre a minha intervenção. Felizmente, posso hoje tomar outra posição, dividir as minhas palavras em duas partes distintas: a primeira para louvar, a segunda para advertir.
A Câmara Corporativa em mais de um ano pôde afirmar no seu douto parecer que a proposta de lei de meios do novo ano em pouco diferia da do ano anterior.
Já o mesmo se não pode dizer da que neste momento se encontra sujeita à apreciação da Assembleia. Nela figuram preceitos novos, e quase diria revolucionários, se esta palavra não andasse tão desacreditada, pelas sucessivas tentativas de revolução, não só estéreis mas demolidoras de todos os valores que deveriam fortalecer.
O artigo 8.°, elevando o limite de isenção do imposto profissional, consagra o sadio princípio da profissão e defende os interesses dos que a exercem.
O artigo 7.°, prometendo reduzir a taxa do selo das especialidades farmacêuticas, revela e afirma, embora apenas até ao limite em que esta possa considerar-se meramente estatística, cuidado e interesse pela saúde pública, principalmente pela saúde dos pobres, que são nessa redução os mais beneficiados.
O artigo 15.°, prevendo a concessão de um subsídio eventual às pensionistas do Montepio dos Servidores do Estado, prestigia o Poder, acode à situação angustiosa de numerosas famílias e premeia o trabalho dos que dedicadamente serviram a cansa pública.
O próprio artigo 5.°, se o considerarmos como golpe certeiro no «mercado negro» das sisas, defesa do contribuinte contra excessos de maus funcionários e em muitos casos defensor dos interesses, tanto do Estado como do contribuinte, não podemos deixar de o reconhecer um acto novo na nossa vida fiscal e merecedor da nossa aprovação.
Mas é sobretudo o artigo 4.° que merece as minhas mais calorosas homenagens, pela execução que anuncia

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para breve da reforma do imposto sucessório, pedida o ano passado por esta Assembleia.
Muito haveria que dizer nesta matéria, mas evidentemente que não vou antecipar-me à apreciação da reforma, e por isso me reservo para sobre ela dizer o que os interesses nacionais me sugeriram, quando vier à Assembleia. Mas não fica mal recordar desde já que ela vem acabar com uma autentica calamidade nacional para as pequenas economias familiares.
Prestado este justo louvor à obra do Governo, pela pasta das Finanças, posso agora, mais à vontade, fazer uma advertência sobre o que na proposta ou na política económica com ela relacionada merece justa critica.
O ilustre Deputado Sr. Dr. Mendes Correia reclamou há pouco que o Governo fizesse acompanhar a lei de meios por um relatório ou um resumo do orçamento. Eu quero reclamar, em nome da lei e dos direitos da Assembleia, alguma coisa que me parece mais necessária, indispensável mesmo, para justa apreciação da lei de meios.
Refiro-me ao preceito constitucional da unidade do orçamento.
Segundo o artigo 63.° da Constituição, «o Orçamento Geral do Estado para o continente e ilhas adjacentes é unitário, compreendendo a totalidade das receitas e despesas públicas, mesmo as dos serviços autónomos». Qualquer que seja a opinião que se tenha desta disposição do estatuto básico, ela representa uma imposição lógica da nossa política administrativa.
Uma fiscalização séria dos encargos pedidos pelo Governo à economia nacional exige de facto o conhecimento do montante total de todas as imposições que a oneram.
Em boa política, o Estado, até em própria defesa, deve não só evitar o esgotamento das fontes de produção, mas deixar-lhe ainda larga margem de lucros, suficiente para seu pleno desenvolvimento e valorização.
Para fazer a justa apreciação dos encargos pedidos pelo Governo à Nação importa, pois, conhecer o montante global de todas as imposições que é obrigada a suportar. De outra forma não poderá averiguar-se se o Estado excedeu os limites da sua soberania.
Mas se ao lado dos impostos propriamente ditos há outras imposições que na prática actuam como impostos indirectos, como acontece com as taxas lançadas pêlos organismos pré-corporativos e para-corporativos, e o montante dessas imposições não vem ao conhecimento desta Assembleia, o mesmo sucedendo com as despesas feitas com esses serviços, praticamente oficializados, como é possível fazer uma apreciação justa do peso dos impostos e julgar realizada a unidade orçamental imposta pela Constituição?
Sem intuito de fazer crítica desprimorosa, julgo que a letra da Constituição e os direitos da Assembleia reclamam, sob este aspecto, uma urgente reforma.
Esta conclusão toma uma força nova quando se considera o montante das receitas e despesas daqueles organismos. Não sabemos com exactidão qual seja esse montante, mas não faltam índices que nos dizem que ele é na realidade muito volumoso.
Em primeiro lugar, a extensão vastíssima da organização, que se estende a todas as actividades produtivas da Nação-considero aqui não apenas os grémios industriais e da lavoura, os sindicatos, as casas do povo e as dos pescadores, mas de um modo particular as juntas e federações, institutos e intendências.
Toda essa organização, complexa e complicada, obedece a reais necessidades da orgânica corporativa?
Como quer que seja, parece-me que nada justifica certos excessos de organização, que tomam o aspecto odioso de hipertrofia corporativa, que esmaga algumas das pequenas indústrias caseiras, sem qualquer vantagem para o sentido e justa eficiência do necessário condicionalismo e com largo prejuízo para as pequenas economias rurais, que o Estado deve amparar e fortalecer.
Toda esta máquina funciona com uma burocracia pesada, no volume e na lentidão, burocracia pletórica não tanto, talvez, pela complexidade dos serviços como pelo critério, nem sempre bem orientado e feliz, com que se fazem o recrutamento do pessoal e a fixação dos seus vencimentos.
Que critério é esse? Factos muito do nosso conhecimento dizem-nos que muitas vezes se dispensam as habilitações profissionais, e mesmo as qualidades morais, mais rudimentares e necessárias ao eficiente rendimento dos serviços e se fixam vencimentos que fazem concorrência aos quadros dos serviços públicos e mesmo das actividades particulares.
Não quero alongar-me nesta matéria, porque a Assembleia aguarda o prometido relatório do inquérito feito pela comissão especial que recebeu o encargo do o levar a cabo.
Não posso no entanto furtar-me a denunciar aqui o alarme que nas regiões do Pais que melhor conheço causa, ainda mais do que o peso dessas imposições, a forma, impertinente o por vezes vexatória como são exigidas e a maneira espalhafatosa como são gastas.
Dir-se-ia que esse pessoal pertence todo à classe dos novos ricos, herdeiros da velha aristocracia, não das virtudes que a criaram e engrandeceram, mas dos erros que a desprestigiaram e perderam.
E, para que essa impressão seja mais nítida e mais forte, certos serviços procuram instalar-se nos velhos palácios por ela deixados ou em prédios de rendas custosas, numa abundância de gastos que não podo deixar do considerar-se escandalosa, num pais pobre como o nosso, onde muitos dos serviços públicos, como os da instrução, apesar de toda a obra benemérita de fomento realizada pelo Governo, se encontram instalados em prédios mais do que modestos.
Veja-se o que se passa, não já na província, onde o facto seria por igual lamentável, mas aqui, em Lisboa, na cabeça do Império: enquanto certas juntas se encontram instaladas em prédios sumptuosos, há escolas e repartições que funcionam em quase pardieiros, em condições muito inferiores às exigidas pelo mais rudimentar decoro da Nação e absolutamente indispensáveis ao normal rendimento dos serviços.
Qual é o resultado deste estado de coisas? Peço desculpa da ideia e (ia forma, mas sempre me pareceu muito difícil que em repartições sujas se mantenham almas limpas.
Perante esta situação, que choca e escandaliza, ocorre perguntar: que razões há que justifiquem tais gastos? E quem é que os autoriza?
Deixo a pergunta em suspenso.
Como exemplo de taxas impertinentes quero ainda referir as cobradas a titulo de cadernetas e senhas de racionamento.
Também aqui as receitas são volumosas.
Também aqui as taxas exigidas são desproporcionadas à despesa que se destinam a cobrir.
Para o crer basta considerar que as cadernetas são individuais, temporárias e caras, injustificadamente caras, e as senhas, discriminadas segundo os géneros distribuídos, são impostas mesmo àquelas freguesias onde esses géneros não chegam nunca.
Por outro lado, o pessoal é também, pela mesma deficiência de critério de recrutamento, excessivamente numeroso. Organismos há que parece concorrerem com as casas de assistência.
A essas taxas devemos ainda juntar as que representam a perda de tempo e dinheiro para ir às sedes dos concelhos - distantes muitas vezes 20 e mais quilómetros - para receber 3 decilitros de azeite e 500 gramas de

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massa, que muitas vezes se não encontram por irregularidades de distribuição.
Como é possível que um Estado que se diz pessoa de bem, e o é, na verdade, pela sua doutrina e pela honorabilidade dos seus governantes, imponham aos povos obrigações teoricamente certas mas praticamente absurdas e desconcertantes?
Talvez porque a organização se montou sem os devidos estudos, com o desconhecimento ou com conhecimento imperfeito das realidades o da própria geografia. Um estudo prático e regional da execução das leis poderia facilitar os serviços do distribuição em normas mais cómodas, mais fáceis e mais eficientes, por isso com maior proveito para o País e para o Estado.
Impõe-se uma reforma dos serviços do racionamento e tanto mais urgente e necessária quanto os erros praticados estão prejudicando os sadios c louváveis esforços do Sr. Ministro das Finanças em favor das famílias pobres, visto que todas estas imposições dos organismos pré-corporativos e para-corporativos se lançam sem qualquer discriminação das situações económicas, como manda a lei, atingindo em igualdade de encargos os pobres e os ricos.
Sr. Presidente: numa hora grave e solene de crise económica os senadores romanos impuseram a si mesmos taxas superiores às de todos os demais cidadãos e ao mesmo tempo isentaram de toda a tributação as famílias pobres, alegando que essas famílias pagam à república o maior tributo, que é criar os filhos.
Nesta justa compreensão da finalidade do fisco parece inspirar-se a reforma do imposto sucessório, afirmada e prometida na lei em discussão.
Para que a Assembleia possa colaborar no seu estudo e aperfeiçoamento, em ordem a um resultado mais largo, é preciso que ela conheça o montante do todas as imposições que oneram a economia nacional.
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se sirva solicitar dos Srs. Ministros e demais autoridades do Governo a quem o assunto está afecto se dignem providenciar no sentido de que, no futuro, com a lei de meios, venha a esta Assembleia a informação de todas as receitas que pesam sobre a economia nacional. Só assim a fiscalização poderá ser exacta, justa e eficiente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 17 horas e 58 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Sr. Presidente: a palavra «rumo» está hoje muito em voga. Ainda há pouco vi num mesmo mostruário exemplares de três obras em cujo título se lia esse termo: a revista Rumo, Novos Rumos e Linha de Rumo.
Também as palavras estão sujeitas à tirania da moda; também os termos acabam por enjoar, à força de repetidos ; também as locuções se gastam com o uso; também para os nomes há Verão, Inverno ou entre-tempo. Se a linguagem é uma psicologia petrificada, como dizia Stuart Mill, porque nela se registam os estratos mais profundos e mais estáveis das aspirações e gostos do povo que a fala, os termos em voga constituem uma psicologia movediça que traduz as necessidades e as preocupações da hora que passa. O que dá neste momento oportunidade ao termo «rumo» é a incerteza, a preocupação, a angustiosa dúvida em que hoje se vive. Paira no ar o pressentimento de que houve algures um desvio que urge rectificar; que algo na vida portuguesa perdeu o rumo ... ou se desviou dele.
Será assim?
É a nós, Sr. Presidente, como legítimos representantes da Nação, por ela directamente eleitos, que cabe o encargo, a honrosa e nobre obrigação, o espinhoso e amargo dever, de traduzir em palavras claras e insofismáveis a inquietarão geral dos espíritos, a reviravolta que só deu nas almas, a onda de incertezas que assola o País de norte a sul.
Como representação nacional, o Parlamento deve ser como que um pequenino mapa onde os governantes possam ver com a máxima nitidez possível as aspirações espirituais e as necessidades reais da Nação. É por este mapa que os governantes têm de traçar o rumo à nau do Estado.
Enganados vivem os Governos que julgam que as suas melhores informações lhes são fornecidas pela burocracia. Não sou daqueles que negam a esta imprescindível classe todas as virtudes e a odeiam como M incómodos parasitas. Esto conceito de burocracia já não tem hoje razão de ser. Esta classe é tão imprescindível à vida social moderna como qualquer outra das grandes classes em que a Nação se divide. Burocracia ó a força armada, burocracia é o magistério na quase totalidade, burocracia é a magistratura, burocracia é o Estudo. Suprimir a burocracia sem suprimir o Estado, seria regressar à barbárie. Pode suprimir-se o comércio livre, a indústria livre, a agricultura e a banca livres e fazer de tudo isso burocracia, sem que o regresso a primitivas eras seja logicamente necessário. Ò que não pode é suprimir-se o Estado sem voltar aos mais recuados tempos da pré-história.
Simplesmente, nem o exército, nem o magistério, nem a magistratura, nem qualquer dos outros ramos da burocracia, nem toda a burocracia junta, se podem tomar como legítima nem adequada representação nacional, porque nem é essa a sua função legal, nem a sua capacidade natural. E essa função, e essa capacidade, ó a nós, Sr. Presidente, e só a nós, que pertence.
Disse alguém que muito honrou esta Casa com o brilho da sua palavra e fulgor do seu espírito que a pior das Câmaras era melhor do que a melhor das camarilhas. Ora é sabido, porque a História o regista em longas e por vezes bem dolorosas páginas, que onde as Câmaras se apagam as camarilhas surgem, como tentáculos de invisível e misterioso polvo, como secretos agentes de multiforme Proteu que as anima, as maneja, as orienta e as paga. E a camarilha prepara o ambiente, espalha as nuvens de fumo, lança o veneno, colhe a presa e some-se sem deixar vestígios da sua passagem.
Bem diferente é a acção de um Parlamento, Sr. Presidente, porque trabalha às claras, em sessões públicas, que todo o mundo pode presenciar, de que a imprensa dá extensas notícias e o Diário das Sessões faz pormenorizados relatos. O Parlamento é responsável, perante a Nação e perante a História, pelo que diz e faz e polo que consente e cala. A sua responsabilidade é individual e inalienável.
Um Deputado pode errar, que isso é humano, mas fica amarrado ao seu erro no Diário das Sessões.
Um Deputado pode ser subserviente, adulador, sabujo perante o Poder, seja de manto e coroa, seja de pé descalço. Pode, na verdade, mas a curvatura da sua espinha ficará indelevelmente projectada nos anais parlamentares.

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Em tempos revoltos um Deputado pode ser demagogo, feroz, sanguinário. Mas o veneno, a lama que se lhe extravazar da alma ficará patente, para elucidação dos vivos e memória dos vindouros.
É esta, Sr. Presidente, a diferença essencial que separa as Câmaras das camarilhas. Estas são irresponsáveis, porque trabalham na sombra. Nós somos responsáveis, porque trabalhamos à luz do dia.
É com a consciência nítida desta responsabilidade perante a Nação e perante a História que vou fazer, Sr. Presidente, a apreciação da proposta que estamos discutindo na generalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o problema básico de qualquer orçamento é o monetário, porque a moeda é a medida comum dos valores. E a experiência de todos os tempos e designadamente a da primeira guerra mundial demonstraram insofismavelmente que é pelo nível da moeda que se alinha o nível dos preços em futuro mais ou menos próximo.
Da moeda, entenda-se este termo no sentido estrito, isto é, como designando a moeda propriamente dita, seja ela metálica, sela em notas dos bancos emissores.
Também a experiência mostra que a circulação das mercadorias varia de ano para ano, com movimentos cíclicos ou periódicos, e na roda do ano com movimentos que se podem chamar sazonados. A esta variação do volume dos negócios tem de corresponder uma variação paralela do volume da moeda, para que o nível geral dos preços se mantenha o mais constante que seja possível. Esta elasticidade é dada ao volume da moeda circulante pelo desconto e pelo redesconto.
Por estas operações o volume da circulação fiduciária aumenta quando a actividade económica se intensifica e diminui quando esta afrouxa. A experiência nacional mostra que em tempos normais, ou, melhor, em tempo de paz, as oscilações do numerário exigidas por estes dois movimentos não vão além de 10 por cento da média, para mais ou para menos.
São movimentos automaticamente reversíveis e o seu principal fim é fixar o nível geral dos preços e facilitar a circulação das riquezas. Trata se, portanto, de movimentos monetários úteis para o bom andamento das actividades económicas e sociais.
Mas, dado o caso de o aumento do numerário circulante ir além destes limites, por força de causas estranhas ao redesconto normal, este movimento deixa de ser automaticamente reversível, o nível médio do numerário circulante aumenta, e com ele virão a aumentar os preços, por mais voltas que os governantes lhes queiram dar. É a este aumento irreversível do volume da moeda que eu chamo inflação propriamente dita, ou inflação monetária. É por esta inflação que alinham todas as outras. E esta é que é a vara, de que os preços e os salários são a sombra. Entortar a vara é entortar a sombra.
Posto isto, tomemos o ponto ou a altura em que vai a inflação da nossa moeda em relação ao que era no ano passado. Para tanto, comparemos a média da circulação fiduciária de 10 de Julho a 10 de Outubro deste ano com a de igual período do ano passado.
O volume médio da circulação fiduciária desde 10 de Julho a 10 de Outubro deste ano foi de 8.056:882 contos.
A circulação fiduciária média em igual período do ano passado foi de 7.696:925 contos.
A diferença destas médias é de 359:953 contos.
Nota-se, porém, que de 10 de Outubro próximo passado para cá, pelo que pude ver nos Boletins do Banco de Portugal já publicados, a circulação fiduciária continua crescendo.
A inflação propriamente dita, a inflação básica, essa é manifesto e insofismável que não só não parou, mas continua.
Sr. Presidente: verificado que a inflação monetária continua a crescer, natural é averiguar donde vem esse aumento. Para tanto, vamos comparar a situação semanal do Banco de Portugal em 23 de Outubro próximo passado (última publicada à data em que coligi estes dados) com a correspondente do ano passado, que tem a data de 24 de Outubro.
Em 24 de Outubro de 1945 o activo do Banco de Portugal montava a 20.376:557 contos.
Em 20 de Outubro deste ano ascendia a 21.376:557 contos.
O aumento foi de 1.065:708 contos.
É de notar, porém, que parte deste aumento é apenas nominal, porque resulta de valores depositados que figuram no passivo por igual quantia. Fazendo o abatimento do acréscimo dos valores depositados, que foi de 423:805 - 364:904=58:901 contos, fica o acréscimo do activo real reduzido a 1.006:807 contos.
Vejamos agora de onde proveio este aumento global.
As três primeiras rubricas do balancete da semana que terminou em 24 de Outubro de 1945, que são o ouro, os valores-ouro e as disponibilidades em moeda estrangeira, montaram a 17.966.047 contos.
O arrumo das contas nos balancetes actuais é diferente, mas facilmente se descortinam os valores correspondentes, que continuam englobados nas três primeiras verbas do activo e montaram em 27 de Outubro próximo passado a 18.854:032 contos.
O aumento nestas rubricas foi de 887:985 contos.
A carteira comercial, que era em 24 de Outubro de 1945 de 281:477 contos, subiu em 27 de Outubro de 1946 para 112:647 + 257:614 = 370 261 contos.
O aumento foi de 88:784 contos.
Em títulos de crédito o activo de 24 de Outubro de 1945 acusou 408:289 contos e o de 27 de Outubro de 1946, 305:964 + 130:572 = 436:536 contos.
O aumento foi de 28:247 contos.
Somam estes acréscimos 1.005:016 contos, onde estão englobadas as alterações das rubricas mais importantes do activo.
Vejamos agora, Sr. Presidente, as transformações sofridas pelo passivo, que são a contrapartida destas.
Comecemos pela circulação fiduciária, cujo aumento entre as duas datas foi de 8.303:739 - 7.708:395 = 595:344 contos.
Na rubrica «Outras responsabilidades à vista» o aumento global foi de 11.531:562 - 11.183:508 = 348:054 contos.
Somam estes dois acréscimos 943:398 contos.
O pouco que falta para completar o aumento do passivo real distribuiu-se por diversas rubricas sem importância para o nosso caso, que é o estudo da inflação monetária.
Subsiste, pois, a inflação monetária e a das responsabilidade à vista do Banco de Portugal e a sua principal causa continua a ser a mesma: o saldo positivo da balança de pagamentos, tal qual como em plena guerra.
Acabamos de ver que a inflação monetária continua, e porquê. Vejamos agora o que sucede à circulação potencial.
Chama-se assim ao montante dos depósitos à ordem feitos pêlos bancos e banqueiros no Banco de Portugal. Segundo o regulamento do nosso banco emissor, é abatida à circulação toda a nota que entre nos seus guichets para efectuar um depósito à ordem, seja quem for o titular do depósito respectivo. A nota só é restituída à

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circulação quando o depósito for levantado. É por isso que a estes depósitos se chama circulação potencial, isto é, circulação que de um momento para o outro se pode tornar efectiva, actual.
Esta circulação potencial é uma espécie de bilhete do Tesouro sacado contra o público, que, em vez de ameaçar a liquidez do Tesouro, põe em perigo a estabilidade dos preços e dos salários. É uma espada de Damocles suspensa sobre a cabeça dos consumidores.
Deve, porém, notar-se que o papel desta circulação não é inflacionista, mas deflacionista, visto que as notas que nela entram saem da circulação efectiva. Á rubrica «Bancos e banqueiros» dos balancetes do Banco de Portugal representa uma espécie de inflação negativa e por isso mesmo benéfica. O perigo não está em essa rubrica se encher, mas no poder esvaziar-se depois de cheia. Há por isso que ter muita cautela ao tratar desta espécie de circulação.
Vejamos, pois: mostram os balancetes semanais do Banco de Portugal que a circulação potencial média de Setembro deste ano cresceu de mais de 300.000 contos em relação à média do mesmo mês do ano passado, e que a média de Outubro deste ano, pelo contrário, diminuiu em relação à do mesmo mós do ano anterior de 18:000 contos. Além disso, a média do mós de Outubro deste ano é inferior em mais de 100:000 contos em relação à média do mês anterior.

[Ver tabela na imagem]

Estes números dão a entender que houve não só uma paragem no crescimento da circulação potencial, mas um retrocesso a partir de Setembro passado. Poderá chamar-se a isto um começo de deflação?
De modo nenhum, se quisermos usar este termo em sentido apropriado.
Consequentemente, a inflação real da moeda continua.
Sr. Presidente: outro capítulo de alto interesse para a política monetária é o dos depósitos.
Este ponto é melindroso, porque as estatísticas podem muito facilmente induzir em erro as pessoas menos experientes nestes assuntos.
Nos depósitos há que distinguir aqueles que os particulares fazem - e para os efeitos da circulação dos produtos só estes importam, pois só eles representam poder de compra do público - e os depósitos dos bancos e banqueiros uns nos outros e nas caixas económicas, que nada importam como poder de compra, porque representam apenas duplicações.
Para os depósitos dos bancos e banqueiros no Banco de Portugal, que constituem a circulação potencial, há estatísticas publicadas. Para os depósitos dos bancos e banqueiros entre si e nas caixas económicas não as há.
Porém, o Banco de Portugal, nos seus relatórios anuais e boletins estatísticos, dá o montante dos depósitos à ordem, feitos pelo público nos bancos comerciais e caixas económicas, apenas com as possíveis duplicações resultantes dos depósitos à ordem dos bancos comerciais entre si ou nas caixas económicas, com exclusão da Caixa Geral de Depósitos. Ora os depósitos dos bancos comerciais entre si e nas caixas económicas acima referidas são insignificantes em relação à massa dos restantes.
A totalidade desses depósitos, tanto à ordem como a prazo, foi a que consta do quadro seguinte:

Depósitos particulares nos bancos comerciais e caixas económicas

[Ver tabela ma imagem]

Estes números referem-se todos ao dia 31 de Dezembro, excepto o último, que se refere a 31 de Outubro. É fácil de ver que, desde 31 de Dezembro de 1940 a 31 de Outubro de 1945, os depósitos dos particulares cresceram à razão média de 2.572:000 contos por ano, digamos à razão anual de 2 milhões e meio de contos.
Só no relatório do Banco de Portugal, a publicar lá para Março do ano que vem, poderemos colher o montante dos depósitos no fim do ano passado e porventura os mesmos depósitos em 31 de Outubro do ano corrente. Mas, para o efeito da inflação dos depósitos, os números fornecidos pelo Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística, já publicados até 31 de Agosto do ano corrente, bastam para nos dar uma ideia suficientemente aproximada. Com os dados fornecidos pêlos mencionados boletins pode construir-se a estatística junta:

[Ver tabela na imagem]

Mostra esta estatística que o montante dos depósitos feitos em todos os bancos e caixas económicas, com excepção dos depósitos dos bancos comerciais (rubrica «Bancos e banqueiros») no Banco de Portugal, cresceram de 18.576:697 para 20.773:608, mais 2.196:911 contos durante os doze meses do ano de 1945. E que cresceram de 19.864:451 para 22.265:740, mais 2.401:289 contos de 31 de Agosto de 1945 a 31 de Agosto de 1946. A inflação dos depósitos dos particulares nos bancos comerciais e nas caixas económicas deve ter sido maior nos doze meses que vão de Novembro de 1945 a Outubro de 1946 do que nos doze meses do ano de 1945. A inflação dos depósitos continuou, pois, e em ritmo mais acelerado do que o da inflação da moeda.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Já vimos a que atribuir o crescimento da circulação monetária propriamente dita. Vejamos agora a que atribuir o avanço da chamada circulação bancária, isto é, dos depósitos à ordem.
O aumento desta circulação só se tornou alarmante a partir de 1940, mas a verdade é que já vinha mais de trás. Se exceptuarmos o ano de 1938, em que os depósitos à ordem do público tiveram uma diminuição insignificante (de menos de 2 por cento), o montante destes depósitos cresceu sempre, e a soma desses aumentos desde o princípio de 1932 até o fim de 1938 foi de mais de 43 por cento. A guerra acelerou este movimento, mas não foi a sua causa primeira.
Para isolar esta, notemos que estes depósitos representam geralmente o fundo de maneio dos seus titulares, 110 gorai comerciantes e industriais. É sabido que em Portugal só estes depósitos contam, porque o resto é insignificante.
Consequentemente, em período normal, as oscilações dos depósitos à ordem serão inversas das dos stocks do comércio e da indústria. Quando haja um movimento geral de reforço dos stocks, o nível dos depósitos baixa e vice-versa. Este fluxo e refluxo dos stocks é sabido que é sazonário e cíclico, e por isso faz-se em volta de uma média, como é sabido.
Consequentemente, se se verificar um movimento muito prolongado da subida dos depósitos, há que ir buscar outras causas, porque estas não bastam, visto que os stocks não podem estar a diminuir indefinidamente. Os stocks que não puderem renovar-se logo se esgotarão. Os acréscimos dos depósitos nos anos de 1939 e 1940 ainda se podem explicar assim. Os dos anos seguintes não.
Também este acréscimo de depósitos pode ter resultado de capitais refugiados. É possível que assim seja em parte, mas em parte diminuta. Só durante a guerra e antes dela é crível que houvesse entrada de capitais fugitivos. Mas a verdade é que a guerra acabou e os depósitos à ordem continuaram a crescer no mesmo ritmo. Não. a causa principal é outra e está à vista.
Os grandes lucros do volfrámio, do estanho, das conservas e doutros produtos que mandámos para o estrangeiro, ao mesmo tempo que inundavam o País de notas, enchiam de lucros certos ramos de negócio. E foram esses lucros, ou, melhor, aquela parte de tais lucros que não era possível aplicar nem desbaratar, essa é que foi acumular-se nos depósitos bancários.
Mas não se julgue que essa chuva de lucros veio toda lá de fora, que seria grande engano. O lucro é a diferença entre o preço da venda e o da compra. Ora se a venda se fazia lá fora, a compra fazia-se cá dentro.
Um exemplo tornará este facto mais compreensível. Está na lembrança de todos que houve um período durante a guerra em que os produtos resinosos subiram extraordinariamente no mercado internacional. Como consequência, a procura da resina aumentou enormemente e o preço das sangrias foi subindo, até que chegou a 5$. Claro que, subindo o preço das sangrias, subiria o preço dos produtos resinosos no mercado interno, como não podia deixar de ser. E foi então que as camarilhas espalharam a ideia de que era preciso tabelar as sangrias para defender o consumidor da ganância dos donos dos pinhais. E as sangrias foram tabeladas a 1$80.
Com esta grande descoberta foi arrancada ao proprietário a quantia de 3620 por sangria, para a meter no bolso do intermediário, que viu os seus já grandes lucros no mercado externo aumentados de mão beijada na cifra espantosa de 178 por cento. Foi esta cornucópia de ouro despejada sobre a cabeça dos resineiros que fez a celebridade de um porqueiro, que se tornou fabulosamente rico não a vender porcos, mas a comprar resina.
Risos.
Este exemplo mostra que não foi só do mercado externo que provieram os lucros de guerra. Foi também e principalmente do mercado interno.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outro exemplo, para reforço da minha tese, é dado pelo que se está ainda passando com as lenhas e madeiras. Com o pretexto de fornecer aos caminhos de forro lenha barata, para estes se não verem forçados a aumentar as tarifas, tabelou-se o preço dos pinheiros e outras espécies próprias para lenha.
Era manifesto que, à sombra do decreto e da ignorância e timidez do nosso lavrador, com a capa da lenha seriam as matas desbastadas sem dó nem piedade, como sucedeu e está sucedendo. Mas ainda por cima o lavrador tem de ceder aos traficantes a lenha por 10 para estes a venderem logo ao lado por 20 ou 30. E isto fez-se, faz-se e há-de continuar a fazer-se com o pretexto de não deixar as companhias aumentar as tarifas, que elas de facto vão aumentando, como não podia deixar de ser.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Conversando sobre este caso das resinas e das lenhas, vai talvez para três anos, com um velho amigo que me está ouvindo, disse-lhe eu: "Este método de espoliação que está sendo aplicado às madeiras e que já foi aplicado às resinas tem a vantagem de ser geral e ainda o havemos de ver aplicado ao vinho. Verá que ainda hão-de tabelar o vinho na adega do lavrador, para o comprarem pelo preço da chuva e o venderem depois lá fora e cá dentro a peso de ouro".
Já está no começo o cumprimento desta profecia. Já está tabelado o preço do vinho em Lisboa e no Porto. Em breve se começará a dizer que falta o vinho nas duas capitais porque se paga melhor na província e que o remédio é tabelá-lo lá também. Em seguida o lavrador fechar-se-á com o vinho, que passará a faltar também na província, e vem então a oportunidade de lhe aplicar a receita já em uso para o azeite.
Mas, segundo me consta, não esperaram estes desaforados que o vinho faltasse no mercado para começar a campanha em favor do tabelamento do vinho na adega do lavrador. A campanha já começou através das camarilhas. Não tardará muito que saia à luz do dia.
Aqui fica o aviso ao público e ao Governo. Foi para o fazer, para arrancar a máscara a esses tartufos, que eu hoje subi os degraus desta tribuna, sabe Deus com que sacrifício... Mas as férias estão à porta e depois delas podia ser já tarde.
Mas não é só o lavrador que se vê obrigado a comprar caro e vender barato, pois o mesmo sucede com o trabalhador do campo, como vou mostrar a V. Ex.ªs
Tenho presente uma exposição, muito elucidativa, de um oficial do exército residente no Alentejo sobre a situação financeira dos trabalhadores do campo naquela parte do País. Conhecedor das rações e equivalências dos géneros alimentícios adoptados no exército, o autor fez o cálculo do custo da alimentação diária de um homem em 1914 e em 1945 (Dezembro). Abateu o custo do sustento ao jornal, para obter a sobra diária. Por fim calculou quantos dias precisava de trabalhar, numa e noutra data, para comprar um par de botas de cano, um chapéu de feltro e um fato. Achou os seguintes resultados :

Em 1914:

Jornal ...................... $30
Sustento .................... $15(1)
_____________
Sobra ....................... $14(9)
_____________

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13 DE DEZEMBRO DE 1946 139

Com este saldo compraria: um par de botas de cano em 19 dias, um chapéu de feltro em 6,6 dias e um bom fato (12$) em 80 dias.

Em 1945 (Dezembro):

Jornal ....................... 13$
Sustento ..................... 8$93(2)
______________
Sobra ........................ 4$06(8)
______________

Precisaria de trabalhar para comprar um par de botas 63,9 dias, um chapéu 17,2 dias e um fato 221 dias.
Em média, o que em 1914 o trabalhador comprava com 10 dias de trabalho custava-lhe em Dezembro de 1945 28 dias, e hoje deve custar-lhe mais, talvez.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se se fizesse o mesmo cálculo para o trabalhador rural do Minho o resultado seria muito mais desolador.
O Minho tem vivido em miséria negra. No verão passado estive lá perto de um mós e num dos concelhos mais férteis estive uns dias. Pois nesse concelho e em muitos outros, senão em todos, a ração de farinha de milho que se estava distribuindo à população rural era de 500 gramas por semana!
"Mas para onde foi o milho que aqui se colheu?", perguntei ao lavrador que me deu em primeira mão a novidade. "Para onde foi não sei. Sei só que o levaram de noite, em camionetas, e nos deixaram reduzidos a esta miséria".
Um amigo, rico em terras, que exerce uma profissão liberal nesse mesmo concelho, disse-me: "Dantes, quando saia para a minha vida e quando regressava a casa, nunca deixava de ir ver os jornaleiros, para vigiar o que faziam. Agora não ponho pé nos campos. Andam cheios de fome, não podem trabalhar".
A um velho abade, a quem esse meu amigo perguntou diante de mim como ia do subsistências, ouvi esta resposta, indignado:
- Olhe, Sr. doutor, não tenho vergonha de o dizer: tenho passado fome... Não há pão, não há carne, não há arroz, não há azeite, não há nada. Que há-de a gente comer? Como sabe, tenho comigo uma sobrinha. Pois vou entregá-la ao pai, porque não tenho que lho dar".
Tal era a situação do Sul e a do Norte. Em ambas o trabalhador rural se via fundamente lesado nos seus interesses e até na sua saúde e força, que são a sua única riqueza.
Do funcionário público já aqui descrevi a sua situação em palavras claras, verdadeiras e proféticas. O que aqui anunciei no ano passado como iminente já está à vista: a debandada dos melhores, a corrupção de muitos, a miséria e a degradação de grande número, a má vontade e a inércia de todos. Por este andar, não tardará que a desorganização dos serviços atinja um grau nunca visto e muito dificilmente remediável.
Sirva de exemplo o que se está passando no magistério secundário. De há anos para cá que os novos abandonam essa carreira, tão miserável é a sua paga e tão odioso o regime a que a sujeitam. Só aparecem senhoras a concorrer a tal oficio. As consequências que depois advirão calculam-nas V. Ex.ªs muito bem, não preciso eu de as escrever.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que se está a dizer do professorado secundário dá-se na generalidade dos serviços públicos. Não vale a pena insistir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente, o dinheiro que deixou de entrar no bolso do lavrador, do trabalhador rural, do funcionário e de tantas outras classes que seria fastidioso enumerar não fica perdido, não cai no chão. Entra como lucros noutros bolsos e é com eles que uma pequeníssima minoria de indivíduos de certos ramos do comércio e da indústria estão açambarcando tudo: quintas, casas, palácios, jóias de milhares de contos, automóveis estupendos, peles e vestidos ultrajosamente ricos, jogatinas e amantes caras!...
O que sobra de tudo isto, por não haver em que o gastar, é que vai acumular-se nos depósitos bancários.
Aqui fica, em resumo, explicada a origem da inflação destes depósitos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Disse há pouco o ilustre Ministro das Colónias, que muito considero como professor de Direito Administrativo e de quem o eminente professor Gaston Gèze fez em minha presença o mais rasgado elogio - Gaston, que é o criador do Direito Administrativo moderno -, num discurso que os jornais publicaram na íntegra, que a deflação já começara. Já o mesmo dissera no ano passado, pêlos mesmos termos ou quase, o Sr. Ministro das Finanças, que também muito considero. A que factos se referiram Suas Excelências quando fizeram tal afirmação ?
Evidentemente que nem o Sr. Ministro das Finanças nem o Sr. Ministro das Colónias iriam fazer sem fundamento uma afirmação desta importância e gravidade.
Parece-me que a afirmação do Sr. Ministro das Finanças se baseou na baixa que então vinha verificando-se nos preços por junto. Mas essa baixa, devida a causas de momento, logo foi abafada pela inflação e passou sem ter obstado à constante subida do custo da vida - do real, que não só do estatístico.
A afirmação do Sr. Ministro das Colónias parece-me que se refere a um facto que tem ligação com a baixa, que já assinalámos, da circulação potencial e a que já ouvi referências em conversas particulares.
Há rumores de que a afluência de dinheiro aos bancos se estancou desde há uns meses. A procura de dinheiro no mercado subiu e os juros tendem também a elevar-se. Estes rumores explicam a baixa verificada na circulação potencial e, mais do que isso, a baixa de mais de 300:000 contos verificada na totalidade dos depósitos desde 31 de Julho a 31 de Agosto. Pelo visto, essa baixa continua e explica as palavras do Sr. Ministro das Colónias.
Simplesmente, essa baixa dos depósitos, essa deflação da moeda bancária, dado que continue, muito longe de vir iniciar a verdadeira deflação, a autêntica, que é a do volume da moeda circulante, vi-la-á agravar, se a nau das finanças públicas continuar a seguir no rumo que traz, isto é, se continuar a seguir-se o plano financeiro que o Governo adoptou já muito antes da guerra, manteve através de toda ela e que é ainda o que informa a proposta de lei que está em discussão. Que plano é esse?
O Sr. Ministro das Colónias resumiu-o em poucas palavras numa passagem do seu notável discurso já por nós citado. Diz Sua Excelência:

...que a inflação é uma das causas da alta do custo da vida...
Inflação que já se tornou em deflação, com legítimas esperanças de que, segundo a ordem natural das coisas, pela realização de grandes compras no estrangeiro (e basta lembrar todo o movimento normal de reconstituição da marinha mercante e a realização, também em curso, do plano de electrificação do País) se reduziria muitíssimo a circulação monetária.

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O plano é simples: esperar que a deflação se faça do mesmo modo que se fez a inflação, a saber: pela ordem natural das coisas.
Ora vejamos o que dou a ordem natural das coisas desde o princípio da guerra até hoje.
Em Dezembro de 1940 escrevia eu estas palavras, que foram publicadas em número de Ano Novo de 1941 de O Comércio do Porto, a respeito do custo da vida:

A média dos números-índices dos primeiros dez meses de 1939 foi de 100,2; a dos mesmos meses de 1940 (únicos publicados à data) foi de 110,1. O aumento é de 10 por cento, o que não é muito numa Europa em apertado regime de racionamento, quando não de fome.

E mais adiante, a propósito do numerário circulante:

O aumento médio foi (entre as mesmas épocas) de 16,6 por cento e portanto superior ao aumento médio do custo da vida.

E acrescentava:

Logo, para explicar o aumento do custo da vida de 1940 não é preciso recorrer directamente ao estado de guerra, pois bastam para tanto os naturais efeitos do aumento do numerário circulante.

Nos fins de Janeiro seguinte, isto é, de 1941, verifiquei, com certo espanto, que a inflação monetária já ia em 35 por cento. Isto levou-me a iniciar imediatamente uma série de artigos para o mesmo jornal, a dar o alarme. Saiu o primeiro logo no dia 4 de Fevereiro, intitulado «Inflação». O segundo, intitulado «O fulcro», foi publicado a 11. O terceiro, com o título «Esterilização», devia sair no dia 18 do mesmo mês, mas não saiu porque a censura não deixou.
No primeiro artigo fazia um resumo da história da inflação da nossa moeda durante e depois da outra guerra, e tirava para o caso presente as conclusões que a lógica impunha.
São desse artigo as seguintes palavras:

Claro que, se a circulação fiduciária duplicar, embora a libra esterlina continue a 100$, como estamos supondo, o poder de compra do escudo descerá, por mais esforços que as justiças empreguem contra os chamados açambarcadores. A libra esterlina poderá continuar a 100$; o custo da vida é que subirá de cerca de 100 por cento, pelo menos... Isto é o que diz a razão o a experiência vai confirmando, pois o custo da vida está subindo já, e basta o aumento da circulação fiduciária para explicar essa subida, como vimos no nosso artigo do Ano Novo.

E acrescentava:

Quer dizer, embora a origem da actual inflação monetária seja diversa da da outra guerra e os seus efeitos em parte sejam diferentes, noutra parte tom de ser os mesmos. E deve dizer-se que é justamente na parte mais importante para o público e para o Estado que os efeitos desta inflação são exactamente os mesmos da outra. Seja qual for a origem da inflação monetária, logo que ela ultrapasse certos limites a desvalorização interna da moeda é certa e inevitável. Ora, desvalorização da moeda quer dizer carestia da vida, e é nisto que todos estamos interessados - nós e o Estado.

E terminava esto artigo com estas palavras:

Os povos compreendem que há um mínimo de sacrifícios a que se não pode fugir, e que por isso é preciso aceitar de cara alegre. Quem assim não fizer agrava a sua situação, não a melhora. Querer levar os governos a afastar esse mínimo de sacrifícios é tempo perdido, pois é agravar os males que hão-de vir.
O mais que os povos podem exigir é que os governos reduzam as dificuldades e os encargos ao mínimo indispensável, ao estritamente necessário. Aplicando esta doutrina ao nosso problema, também nele há um mínimo de dificuldades que são irremediáveis. Esse mínimo teremos de o suportar, quer queiramos quer não. O que é preciso é procurar qual é esse mínimo e a forma de o alcançar. Todo o problema está nisso.

Ora, Sr. Presidente, este mínimo de sacrifícios nem implicava a inflação, nem implicava a distorção dos preços que anarquizou a economia nacional e deu pretexto à espoliação da imensa maioria dos portugueses a que já nos referimos. Este mínimo era muito mais humano.
No segundo artigo, depois de demonstrar com toda a clareza e evidência qual a origem da inflação em curso, dizia:

Este grave problema (o da inflação) não se compadece com meias soluções, com meias medidas. É preciso pô-lo nos seus verdadeiros termos e dar-lhe solução adequada.
Como vimos no nosso último artigo, a experiência da Grande Guerra faz prever que o valor total da nossa moeda continue a crescer enquanto durarem as hostilidades e que esse aumento se prolongue ainda durante alguns meses depois delas findas, devendo passar para além de 40 milhões de libras esse valor total. Passados, porém, alguns meses sobre o armistício, a nossa balança de pagamentos tornar-se-á negativa, e o valor total da nossa moeda começará a decrescer e descerá lentamente abaixo da média de 20 milhões de libras.

E, depois de explicar o mecanismo desta baixa, concluía:

A queda dos preços e a rarefacção do numerário seriam verticais e a crise que daí resultaria não ficaria a dever nada (salvo as devidas proporções) à que se deu na América em 1929.
A inflação em marcha não tem só os inconvenientes que lhe apontámos no nosso último artigo no que respeita à carestia da vida e ao círculo vicioso em que põe as finanças públicas; tem também este: o de nos lançar para uma crise fiscal de gravíssimas consequências.

O terceiro artigo desta série tinha, entre outras passagens que por brevidade omitimos, as seguintes:

Se as coisas continuarem no caminho que estão levando, não só os preços subirão para mais do dobro, mas iremos direitos a uma crise financeira e económica que deixará a perder de vista a de 1923-1924, que foi talvez a mais aguda por que passámos há cinquenta anos. Para sair deste plano inclinado é preciso tomar providências desde já, mas não basta, evidentemente, recorrer à polícia.

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E acrescentávamos:

O problema monetário tem duas fases, ama interna e outra externa. A cada uma destas fases corresponde um problema particular, que tem de ser estudado em separado.
No caso português actual a solução que se pede e deseja, tanto da parte do público como do Estado, é a fixidez do poder de compra, ou seja a estabilidade dos preços no mercado interno, dentro das possibilidades permitidas pelo estado de guerra.
Para a face externa, a solução que o Governo tem determinado é também a da estabilidade em relação à libra esterlina, embora se preveja a possibilidade de oscilações, que podem ir longe mas que até agora se limitaram à queda da libra da vizinhança de 110$ para 100$.
Foi na vigência deste regime monetário que a circulação fiduciária aumentou em dois anos de 35 por cento. E se este regime se mantiver a inflação e o seu cortejo de efeitos desastrosos continuarão, ainda mesmo que a polícia se lhes oponha na sua máxima força.

Isto foi escrito em meados de Fevereiro de 1941, para ser publicado no dia 18.
Seguia-se no artigo a técnica a aplicar, e que era pura e simplesmente a técnica usada a América anos antes para a chamada esterilização do ouro e que consistia no levantamento dos empréstimos precisos para recolher as notas à medida que elas fossem saindo do Banco do Portugal. Mais tarde, quando viesse a vazante, o empréstimo seria amortizado pela venda das cambiais que lhe serviam de contrapartida. O artigo terminava assim:
Quanto aos juros e mais despesas inerentes à gestão do empréstimo, podiam sair dos próprios lucros da operação e do rendimento dos valores-ouro e cambiais da sua contrapartida.
Os lucros da compra e venda do ouro, valores-ouro e cambiais da contrapartida dos empréstimos de esterilização dependem da solução que se pretender dar à outra parte do problema monetário, isto é, à face externa, ou seja ao problema cambial, mas isso é já outra questão que fica para o próximo artigo.
O artigo aqui prometido não chegou a ser escrito por este ter sido suspenso.
Tive pena que a censura se tivesse mostrado tão incompreensível e sempre supus que não era papel seu intrometer-se em assuntos deste quilate, que nada tem que ver com a estabilidade social nem tão-pouco com a Constituição Política, ou segurança do Estado.
Foi no mês de Janeiro de 1941, Sr. Presidente, que se começaram a fazer sentir aquelas correntes que obrigavam a fazer unia correcção nas agulhas das finanças publicas. Fez-se por acaso essa correcção? Não.
Recorreu-se à polícia e aos tabelamentos para evitar as necessárias consequências da inflação. Entortaram a vara e queriam que a sombra continuasse direita. O recurso aos empréstimos veio muito depois, tarde e a más horas, e com tal timidez que os seus resultados foram diminutos.
E o que resultou deste conjunto de circunstâncias foi que aos males monetários da inflação se acrescentou um outro, o pior de todos, que num país poupado pela guerra podia muito bem ser evitado: a distorção dos preços.
Disse o Sr. Ministro das Colónias no seu notável discurso:

No nosso País, como nos outros, a alta dos preços constitui centro de atenções gerais. Fonte de dificuldades do Governo é também o factor principal de descontentamento e o pior conselheiro do povo.
Peço licença para discordar de S. Ex.ª A cansa profunda do mal-estar e da irritação da grande massa da população, cá e lá fora, não é a inflação dos preços, mas a sua distorção. O que importa ao trabalhador, ao operário, ao empregado de escritório, ao funcionário público, que constituem a imensa maioria da população mundial, não é que os preços subam, é que os seus ganhos os acompanhem. Só a classe dos que vivem de juros ou rendimentos equivalentes, que é uma pequeníssima fracção populacional, é que põe o problema como o Sr. Ministro das Colónias o pôs. O povo do campo, que tem um sentido muito apurado das coisas económicas, dizia e com razão: «deixem subir os preços e subam também os salários. Ficará tudo certo».
O agravamento não proporcional dos preços é que foi a causa dos atropelos e dos desesperos em que foi lançada a imensa maioria do povo português.
Foi a distorção dos preços que deu origem às extorsões de que foram e estão sendo vítimas os produtores de cereais, de azeite, de lenhas o de todos os géneros agrícolas tabelados. Foi ainda a distorção dos preços que enriqueceu e está enriquecendo certos sectores da indústria e do comércio. O grande mal de que a Nação enferma vem daqui.
E que remédios nos são propostos para que estes males findem?
A paciência evangélica, a fim de aguardarmos os efeitos da «ordem natural das coisas». Ora a ordem natural das coisas, ajudada pelas brigadas de combate ao «mercado negro», deu isto que V. Ex.ªs acabaram de ouvir e muito bem conheciam antes que eu lho dissesse.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que dará este plano daqui em diante? Eu o vou dizer a V. Ex.ªs
Segundo as notícias que têm vindo a lume da Inglaterra, França e até da América do Norte, o mercado internacional só começará a ser fornecido sofrivelmente daqui a um ano ou dois.
A nossa balança comercial já está deficitária, mas a balança de pagamentos está ainda favorável. Quando é que esta se tornará também desfavorável? É possível que dentro em breve, mas ninguém o sabe ao certo. O que se pode afirmar de ciência certa é que, enquanto o mercado internacional não for abastecido com largueza, os saldos da nossa balança de pagamentos, mesmo que sejam negativos, serão muito pequenos para produzirem um desfalque sensível nas reservas de ouro e cambiais. É preciso não esquecer que temos grandes partidas de vinhos do Porto para exportar e muitos outros produtos, cuja procura não afrouxará tão cedo, felizmente.
Consequentemente, só lá para daqui a dois anos é que o nosso stock de ouro e cambiais começará a ser desfalcado de modo sensível. E daqui até lá que vai suceder?
Se o movimento de baixa nos depósitos à ordem, a que já nos referimos, continuar, e é natural que continue, visto que o dinheiro começa a ter procura e o juro está com tendência altista, segundo consta, se assim suceder, depressa os bancos comerciais começarão a levantar os seus depósitos no Banco de Portugal o a rubrica «Bancos e banqueiros» passará a esvaziar-se. Isto significa, como já foi dito, a passagem da circulação potencial para a actual. E teremos então dois movimentos simultâneos: a deflação da moeda bancária e a inflação da moeda propriamente dita, num montante que a pode levar a mais de 15 milhões de contos.
Ora só esta inflação importa directamente ao custo da vida e só por esta se faz o alinhamento dos preços. Quando daqui a dois anos, ou mais, começar a nossa balança de pagamentos a ser fortemente deficitária, já a

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situação geral dos preços se terá agravado horrivelmente.
Mas suponhamos mesmo que se iniciavam ao mesmo tempo a baixa da circulação potencial e a saída das cambiais. Viria isto trazer em breve uma queda sensível na moeda circulante e nos preços?
Vou mostrar a V. Ex.ªs que não.
Como já disse, não há elementos publicados que permitam calcular o montante exacto dos depósitos que constituem a circulação bancária a partir de 31 de Outubro do ano passado; mas pode fazer-se um cálculo aproximado de 19 milhões de contos.
Os banqueiros detentores destes depósitos tinham, como contrapartida, em 23 de Outubro próximo passado, cerca de 8 milhões de contos no Banco de Portugal; em caixa cerca de 10 milhões de contos, sendo uns 600:000 contos de dinheiro em cofre. Na Caixa Geral de Depósitos não sei quanto tenham. No total, é formidável a sua posição. Parece até segurança excessiva...
Claro que no dia em que os depositantes comecem a levantar os seus depósitos, e o dinheiro tenha colocação mais rendosa, a parte improdutiva destes depósitos será levantada na sua maior parte e neste número está a circulação potencial. Esta será a primeira sacrificada.
E vai pôr-se em acção o seguinte mecanismo: o exportador, para comprar cambiais, levanta dinheiro dos seus depósitos, digamos 1:000 contos, e estes 1:000 contos entram no Banco de Portugal. Mas o banco sacado, para refazer o desfalque da sua caixa, vai ao seu depósito do Banco de Portugal abastecer-se de igual quantia e os 1:000 contos tornam a sair.
Resultado: os depósitos à ordem baixaram de 1:000 contos e as reservas do Banco de Portugal de igual quantia, mas a circulação monetária ficou a mesma.
E estes alcatruzes de cambiais funcionarão até que a circulação potencial seja esgotada. Isto é, esgotar 8 milhões de contos!
Quantos anos serão precisos para obter 8 milhões de contos de produtos com o mercado internacional desprovido como está e estará?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, enquanto não se esgotar a circulação potencial, a inflação monetária, a autêntica e a única que verdadeiramente importa, continuará como está, ou tornar-se-á mais grave. E há-de o País continuar sujeito a um regime de tabelamento, fiscalização, racionamento, papeladas e vexames que o esmagam, o espoliam e o desesperam?
Há-de o funcionalismo público continuar nesta miséria em que está vivendo e morrendo há quatro intermináveis anos? Hão-de as sanguessugas do suor nacional continuar a viver num sistema que lhes permite explorar o País sem dó nem piedade?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas suponhamos que todo este plano, ou ausência dele, é levado até ao fim. Esgotada a circulação potencial, a quanto ficarão reduzidas as reservas? A cêrca de 11 milhões de contos. Mas se atendermos a que cerca de 8 milhões de contos estão imobilizados por tempo desconhecido, só podemos considerar como disponíveis cêrca de 3 milhões de contos.
Aqui há uma questão a levantar. Não conheço o peso exacto do ouro fino englobado nas reservas do Banco de Portugal porque a sua escrituração tem-se feito com critérios variáveis.
Espero que o próximo relatório do mesmo banco esclareça esse ponto. Mas é claro que, para o efeito da recolha das notas, o preço em escudos por que esse ouro seja vendido, é fundamental. Ainda que mais não fosse se não para fixar este ponto, a necessidade de um plano de direcção da moeda impunha-se, porque o valor a dar ao ouro das reservas depende desse preço. Mas suponhamos que o ouro é vendido por um preço tal que chega para levar longe a deflação e deixar ainda a reserva exigida por lei: a deflação monetária começaria então, mas os preços não desceriam logo atrás dela; ficariam durante meses na mesma. O que a moeda circulante perderia no volume ganhá-lo-ia em velocidade. Chegaria, porém, um momento em que se atingiria o ponto de rotura e então os preços cairiam verticalmente. A ruína do comércio e da indústria seria fatal. Só escapariam os senhores da finança, que negoceiam em tudo quando os negócios estão prósperos, mas que recolhem as velas logo que os ares se turvam.
Só os menos ricos e os pobres, os que precisam de ter sempre a porta aberta para ganharem o pão de cada dia, é que ficarão a aguentar a borrasca, porque têm de navegar com todos os ventos. E esses é que virão a ser as vítimas.
Tal é, Sr. Presidente, o futuro que os espera a eles, e a nós.
Tal é, Sr. Presidente, o futuro que nos espera a todos, se a nau das finanças publicas não mudar de rumo e por certo que não mudará enquanto não mudar o espírito que informa a proposta de lei em discussão, que é o mesmo que já informou as anteriores.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Há dias anunciei à Câmara a presença na Mesa da proposta de lei e respectivo parecer da Câmara Corporativa sobre a reforma do ensino técnico e exortei a Comissão de Educação Nacional a ocupar-se do assunto.
Esse parecer e a proposta já foram publicados no Diário das Sessões. É indispensável que essa Comissão - e para isso desde já a convoco - se reúna para eleger o seu presidente, secretário e relator e passe logo a estudar o assunto, que será submetido à apreciação da Câmara nas primeiras sessões de Janeiro.
Para o mesmo fim convoco a Comissão de Economia, dados os reflexos imediatos do ensino técnico na economia da Nação.
Na próxima semana será discutida a proposta de lei relativa à reorganização dos estabelecimentos fabris dependentes do Ministério da Guerra, cujo parecer já foi distribuído e estudado pela Comissão de Defesa Nacional.
A ordem do dia da sessão de amanhã será a continuação da discussão na generalidade, e se possível for na especialidade, da proposta de lei sobre a autorização de receitas e despesas para o ano de 1947.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Proposta enviada para a Mesa no decorrer da sessão:

Proposta de substituição

Artigo 5.º.............................................................................
§ 2.º Só os contribuintes poderão requerer avaliações, nos termos das leis em vigor, sempre que não se con-

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13 DE DEZEMBRO DE 1946 143

formem com o valor resultante das correcções estabelecidas no corpo deste artigo e no seu § 1.º

Os Deputados: Joaquim Mendes do Amaral - Diogo Pacheco de Amorim - Mário Borges - José Maria Braga da Cruz - João Garcia Nunes Mexia.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Cruz.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Maria Pinheiro Torres.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Saldanha.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Penal vá Franco Frazão.
Luís Pastor de Macedo.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Teófilo Duarte.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Carlos Borges.
Artur Proença Duarte.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Fausto de Almeida Frazão.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gabriel Maurício Teixeira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Ameal.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Soares da Fonseca.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Câmara Pina.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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