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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65
ANO DE 1946 14 DE DEZEMBRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º65 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 13 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Aprovaram-se os n.ºs 62 e 63 do Diário das Sessões.
O Sr. Presidente informou que recebera da Presidência do Conselho, para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os decretos-leis n.ºs 36:012, 36:015, 36:018 e 36:022.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mendes Correia, que enviou para a Mesa dois requerimentos; Duarte Silva, sobre a situação de certas classes de funcionários coloniais, nomeadamente os que prestam ser oiço em Cabo Verde; Fernandes Prieto, que fez algumas considerações sobre problemas ligados à lavoura do Minho; Camarate de Campos, que aludiu à passagem do aniversário do Sr. Arcebispo de Évora, rendendo-lhe homenagem pelos relevantes serviços que tem prestado à Nação; Álvaro da Fontoura, que fez o elogio do comandante Gabriel Teixeira como governador de Macau, e Favila Vieira, que se associou às palavras do orador antecedente.
Procedeu-se a escrutínio secreto paia votação dos pareceres da Comissão de Legislação e Redacção, quanto aos mandatos dos Srs. Deputados Gabriel Maurício Teixeira e Manuel Murtas.
Contados os votos, verificou-se ter o primeiro perdido o mandato, continuando o segundo no exercício das tuas junções.
Ordem do dia. - Continuação da discussão, na generalidade, da lei de autorização de receitas e despesas para o uno de 1947.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ribeiro Cazaes, Águedo de Oliveira, Pacheco de Amorim e Bustorff da Silva.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
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Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria da Câmara Pina.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 87 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das Sessões n.ºs 62 e 63.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação a esses Diários, considero-os aprovados.
Comunico à Assembleia que se encontram na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Diários do Governo n.ºs 277, 278 e 282, de 5, 6 e 11 do Dezembro, contendo os decretos-leis n.ºs 36:012, 36:015, 36:018 e 36:022.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Correia.
O Sr. Mendes Correia: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para formular dois requerimentos.
O primeiro é o seguinte:
«Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.º Quantos oficiais do quadro técnico aduaneiro aprovados no concurso para segundos-verificadores em Novembro de 1942 perderam o direito à promoção em 1945, depois de três anos da validade do concurso;
2.º Quais as classificações dos oficiais que foram promovidos e quais as dos que o não foram;
3.º Quais as antiguidades dos oficiais não promovidos;
4.º Que diferenças estabelece a Reforma Aduaneira de 1941 entre as funções de oficiais e as de segundos-verificadores;
5.º Se o programa do novo concurso aberto para segundos-verificadores, e a que só podem concorrer os oficiais já aprovados mas não promovidos, é igual ao do anterior concurso;
6.º Se um dos objectivos da Reforma Aduaneira de 1941, promulgada depois de um largo período de suspensão de movimento nos diferentes quadros das alfândegas, foi atender à situação de todos os funcionários, porque não só prorrogou o prazo de validade do concurso dos oficiais, visto ter sido apenas nesta classe que ficou cerca de um terço na situação anterior;
7.º Quantos candidatos se apresentaram e foram admitidos aos três últimos concursos para oficiais;
8.º Constando-me que os actuais licenciados em Ciências Económicas não manifestam grande desejo de concorrer aos lugares de oficiais, por ser muito baixa a verba de seus vencimentos e por terem noutros lugares mais fácil acesso e melhores compensações, não seria razoável e de evidente utilidade para o serviço aduaneiro a suspensão da classe de oficiais e o alargamento do quadro de segundos-verificadores, alargando-se também os quadros de segundos o primeiros-escriturários, dentro da verba orçamental?».
O segundo requerimento é o seguinte:
«Requeiro que, pela Junta Nacional da Marinha Mercante, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.º Em que condições se estabeleceu a comissão de seguros para sinistros da guerra marítima e qual o seu actual modo de funcionamento;
2.º Qual o destino dado ou a dar ao saldo do fundo respectivo por efeito da terminação da guerra;
3.º Se não há possibilidade de melhorar as pensões ou os socorros recebidos pelas famílias dos sinistrados, como seria para desejar em vista da pequenez desses subsídios».
O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: o Diário das Sessões n.º 58, de 26 de Novembro último, insere um parecer do Conselho do Império Colonial e o despacho
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que sobre ele recaiu, enviados por S. Ex.ª o Ministro as Colónias para conhecimento da Assembleia Nacional.
Porque fui um dos Deputados que na passada sessão legislativa se referiram aqui ao assunto e porque considero este de grande relevância, desejo sobre ele fazer umas breves considerações.
Longe de mim o propósito de tomar uma atitude que possa sequer parecer desprimorosa para com o ilustre titular da pasta das Colónias, pessoa a muitos respeitos digna de toda a nossa consideração e a quem me apraz renovar deste lugar as minhas mais sinceras homenagens.
Pela sua inteligência, pelo seu saber, pela integridade de carácter, pelo seu admirável bom senso e nítida visão política, ainda há dias reafirmados no memorável discurso de encerramento da Conferência da União Nacional, S. Ex.ª bem merece o nosso respeito e sincera admiração.
Mas, exactamente porque S. Ex.ª se mostra possuidor de tão nobres predicados, tenho a certeza de que será o primeiro a compreender e a desejar que nesta Assembleia as questões sejam livremente apreciadas, os assuntos abertamente discutidos, sem outros limites que não sejam os que derivam da Constituição da República e do nosso próprio Regimento.
Dessa independência e boa orientação tem a nossa Assembleia dado bastas provas, manifestando muita vez os Srs. Deputados a sua discordância de alguns actos da Administração, sem receio de ferir susceptibilidades ou melindres e apenas discutindo sempre os assuntos com elevação e dignidade, não por virtude de qualquer imposição, mas porque é pendor natural da nossa maneira de ser e da nossa educação.
Nem outra foi, por certo, a intenção de S. Ex.ª ao enviar-nos o referido parecer e o seu douto despacho.
Queria, sem dúvida, que esta Assembleia, a quem cabe constitucionalmente apreciar os actos do Governo, tomasse conhecimento dos princípios que vão orientar a legislação a publicar pelo seu Ministério e sobre eles abertamente se pronunciasse de forma a serem ponderadas e devidamente consideradas as reclamações, as queixas e as aspirações da Nação.
É por isso, Sr. Presidente, que uso da palavra para declarar, em nome de Cabo Verde, e poderia seguramente dizer em nome de todas as colónias, que os princípios enunciados no parecer e no despacho em questão, longe de resolverem, antes agravam uma situação injusta, que se me afigura altamente perigosa para os destinos do Império.
Não se veja nas minhas palavras a reacção de um indivíduo ferido nos seus direitos ou beliscado no seu amor-próprio: ainda que funcionário público e natural de uma das nossas colónias (facto que nunca tentei ocultar e, ao contrário, sempre proclamo com orgulho), sou beneficiado pelas aliciantes excepções que o parecer e o despacho estabelecem, pois tenho um curso superior, tive na metrópole uma permanência superior a oito anos e aqui residia à data da minha nomeação.
Quando outras razões não tivesse para me mostrar reconhecido pela minha inclusão em tais excepções, bastaria esta: colocaram-me inteiramente à vontade para tratar do assunto, sem que se me possa opor qualquer suspenção.
Não tenho, pois, o menor interesse pessoal no assunto.
Para mim, trata-se apenas de uma questão de doutrina, questão melindrosa, que alguns dos vogais do Conselho do Império foram os próprios a considerar grave.
Um antigo e ilustre Ministro das Colónias, o Sr. engenheiro Bacelar Bebiano, que conhece bem o nosso ultramar, onde viveu alguns anos, afirma que ao problema é de grande importância política», havendo que encará-lo com amplitude, e tendo em conta a época em que vivemos e a tradição e o sentimento portugueses».
E outro vogal do mesmo Conselho, o nosso ilustre colega tenente-coronel Álvaro da Fontoura, não votou o parecer, que julgou «contrário às declarações públicas oficiais de ausência de preconceitos raciais na legislação portuguesa».
Estou, portanto, em excelente companhia quando me insurjo contra uma, política que considero nociva aos interesses do País.
Afirma o despacho em referência que a tradição colonizadora portuguesa é contrária a discriminações raciais.
Nada mais exacto.
Afirma também que e bem se vê não abundarem ainda hoje na nossa legislação normas que possam parecer reflexo de orientação contrária».
Também é exacto.
Mas justamente o que não se compreende é que essas poucas que existem sejam agravadas ou o seu número aumentado.
É contra a tendência, algumas vezes esboçada e agora mais uma vez manifestada, de alargar as discriminações entre funcionários ou fazer reviver normas que a experiência demonstrou injustificáveis, e que o bom senso e uma sã política colonial repelem, que me declaro e me insurjo.
E, valha a verdade, Sr. Presidente, neste capítulo não é de louvar a actuação dos Governos da Revolução Nacional.
Efectivamente, enquanto pela legislação anterior a subvenção colonial era abonada aos funcionários naturais das colónias que estivessem prestando serviço em colónia diferente da sua, o decreto n.º 29:244, de 8 de Dezembro de 1938, tirou-lhes esse direito, mostrando claramente que se não tratava de uma compensação por deslocação, como agora se pretende fazer crer, mas de um verdadeiro privilégio de raça.
E o próprio despacho que estamos analisando também se não mostra mais liberal, manifestando, ao que parece, a intenção de restabelecer em todas as colónias a odiosa subvenção colonial, que actualmente, como ele mesmo afirma, só subsiste em três das mais pequenas, e, no tocante à licença graciosa, elevando para oito anos a permanência consecutiva na metrópole, que dantes se exigia ser de cinco anos apenas.
Se a Mãe-Pátria, em vez de alargar os direitos dos naturais das colónias, os restringe e anula, como poderá ela esperar que os mesmos lhe correspondam em dedicação e patriotismo, se são tratados como enteados, e não como filhos?
Temos de concordar que, para um país que se diz adepto da política de assimilação, esta progressiva diferenciação entre metropolitanos e naturais das colónias não constitui um índice de grande capacidade civilizadora.
Se os naturais das colónias estão cada vez mais distanciados da cultura e do nível de vida dos metropolitanos, a ponto de tais diferenças terem de condicionar situações jurídicas distintas, o que não sucedia anteriormente, como se poderá afirmar estar-se realizando uma acção civilizadora, único fundamento aceitável da manutenção de colónias?
A verdade, porém, é que não existe a pretendida disparidade de civilização e nível de vida ou de cultura que imponha as diferenças existentes.
Entre indivíduos que exerçam a mesma função não é de presumir diferença de cultura. E esta, quando exista, nada tem que ver, como é óbvio, com a raça ou a cor dos indivíduos.
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Quem tenha vivido nas colónias sabe perfeitamente que nelas o nível de vida varia consoante a classe a que o indivíduo pertence e os proventos que aufere e não por ter nascido nesta ou naquela terra, por pertencer a uma ou outra raça.
Sucede até que nas colónias como Cabo Verde, onde o elemento nativo prepondera e onde, por injustificável anomalia, ainda subsiste a subvenção colonial, o funcionário europeu, por espírito de economia mais acentuado, com a ideia de amealhar para regressar à metrópole, faz muita vez uma vida mais modesta, privando-se de tudo o que considera uma despesa supérflua.
As elevadas rendas de casa, as consideráveis despesas de representação e os encargos da educação dos filhos, a que também alude o despacho, não são exclusivos dos funcionários europeus e apenas função da categoria do funcionário.
E, que eu saiba, nunca se atendeu, ao estabelecer a remuneração de uma função pública, à circunstância de ter o respectivo titular outros recursos de que viva.
O facto de ter um indivíduo nascido numa terra não garante que ali tenha casa e meios de vida.
Parecia, pois, mais natural, querendo estabelecer qualquer diferença - quanto a mim injustificável, pois a lei não deve descer a casos particulares e tão sòmente enunciar normas tanto quanto possível gerais -, que se adoptasse o critério da residência, pois é fora de dúvida que um indivíduo tem geralmente mais facilidades na terra em que vive do que na terra onde nasceu, e onde, muita vez, nem conhecidos tem.
Depois, por mais pequenas que sejam, as colónias apresentam regiões tão diferenciadas que, assim como em Sintra é tão estranho um caboverdiano como um minhoto ou um algarvio, assim na ilha de Santiago sente-se tão deslocado como qualquer metropolitano um indivíduo que tenha nascido em Santo Antão ou S. Nicolau, como em Cabinda um natural de Moçâmedes ou da Huíla.
Não tem base defensável a subvenção colonial.
Já tinha eu esboçado estas considerações quando li no Diário do Governo de 7 do corrente ontem distribuído, o decreto n.º 36:020, que precede a portaria aprovando os orçamentos coloniais, e verifiquei que algumas das ideias enunciadas no despacho de 14 de Setembro foram convertidas em preceitos legais.
Diz o artigo 7.º que ca licença graciosa pode ser gozada na metrópole por todos os funcionários civis e militares de raça branca, quer sejam naturais da metrópole, quer das colónias».
Desta disposição se vê não ser a naturalidade o critério diferenciador para a determinação da raça.
Qual será esse critério?
Existe uma classificação legal das raças, indicando os caracteres distintivos de cada uma?
Qual a entidade a quem cabe classificar sob tal aspecto os funcionários?
Quer-me parecer que esta disposição, como a do seu § único, contrariam a alínea b) do artigo 132.º da Carta Orgânica do Império Colonial.
Ao votar esta, ainda há poucos meses, a Assembleia Nacional encontrou uma fórmula justa, resolvendo que tivessem direito à licença graciosa todos os funcionários de nomeação ministerial.
Adoptou um critério preciso, que não dá lugar a dúvidas, e propositadamente evitou distinguir entre europeus e não europeus.
Porque se volta agora a insistir na destrinça entre funcionários de raça branca e funcionários de outras raças?
Sr. Presidente: o simples facto de se afirmar que as diferenças a que alude não obedecem a uma discriminação rácica não lhes tira esse carácter real, antipático e impolítico.
As expressões empregadas não deixam dúvidas sobre o seu real fundamento.
E, ainda que fosse de aceitar a afirmação de que tais normas não representam orientação racista, de que apenas podem parecer um reflexo, mesmo assim deveríamos seguir o prudente conselho desse homem avisado e prestigioso que é o Reverendíssimo Patriarca das índias, a quem se não podem atribuir propósitos de lisonja e que, num passo já por mim aqui citado, afirmou com desassombro que devemos repelir e eliminar cuidadosamente tudo quanto estabeleça ou possa parecer estabelecer uma diferença entre portugueses de cor branca e portugueses de outra cor.
Creio bem que S. Ex.ª o Ministro das Colónias, que tem mostrado um louvável espírito de colaboração com esta Assembleia, facto tanto mais para salientar quanto é certo que ele é, em face da Constituição, o Ministro que tem mais ampla competência legislativa própria, não deixará de reconhecer a justiça destas minhas despretensiosas palavras e as tomará em devida consideração no diploma sobre os vencimentos do funcionalismo colonial e esclarecerá desde já que as disposições citadas do decreto n.º 36:020 não colidem com a alínea b) do artigo 132.º da Carta Orgânica.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Fernandes Prieto: - Sr. Presidente: às considerações que nesta Câmara têm eido feitas por várias vezes no sentido de ser dado um tratamento cada vez mais carinhoso à nossa lavoura e de a desenvencilhar das mil dificuldades que prendem, perturbam e enfraquecem a sua função, aliás de indiscutível utilidade nacional, venho hoje associar-me com um pedido dos lavradores da minha região, que, por ser justíssimo, requer um franco e até urgente deferimento, isento, portanto, de delongas de ordem burocrática.
Sr. Presidente: por virtude das disposições contidas na lei n.º 8 de 1 de Dezembro de 1892, que organizou os nossos serviços hidráulicos e esboçou os quadros do respectivo pessoal, ficou instalada na cidade de Braga a 2.ª secção desses mesmos serviços, subordinada à Direcção Hidráulica do Porto.
Os proprietários de terras confinantes com os cursos de água e de uma forma geral, com interesses nas regiões das bacias hidrográficas do Cávado e Ave, deveriam, pela legislação que ainda hoje vigora, procurar em Braga as informações de que tivessem necessidade acerca de licenças para captação de águas para levadas destinadas à irrigação das terras ou para moagem, construção de muros marginais ou açudes, obras nos leitos ou margens de rios e ribeiros, etc.
Assim aconteceu durante muitos anos até fins de 1941. O lavrador, nas suas frequentes idas àquela cidade para fins relacionados com a sua vida agrícola, aproveitava a oportunidade para ràpidamente passar pela sede da secção e nela procurar resposta às suas dúvidas ou instruções para documentar as suas pretensões.
A partir daquela data, porém, foi a cidade surpreendida por uma resolução superior, que profundamente a desgostou: a sede da 2.ª secção, que aí se manteve por longos anos, foi transferida para Viana do Castelo, onde, consequentemente, passariam a ser tratados, cumulativamente com os serviços que já lhe pertenciam como sede da 1.ª secção, todos os outros que respeitavam aos povos com interesses nas bacias hidrográficas do Cávado e Ave.
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Quer dizer: a 2.ª secção, que deveria servir estas duas bacias, cuja linha de cumiada atravessa a cidade de Braga, foi transferida para a bacia hidrográfica do rio Lima, a grande distância, portanto, para os habitantes de certos concelhos da região de Braga. Chamou-se a isto uma solução provisória, mas o certo é que os factos se vão encarregando de lhe dar características de definitiva.
Qual ou quais os motivos que determinaram tal resolução, que, como é bem compreensível, vinha criar, como de facto se tem já verificado, sérias dificuldades aos lavradores da região de Braga?
Eis a resposta: a transferência fora determinada por falta de pessoal e após o falecimento do último funcionário que na sede da secção prestava ainda serviço. Isto poderá parecer estranho, mas é assim mesmo.
Compreendesse que, por motivos relacionados com falta de verba, nem sempre estejam preenchidos todos os lugares dos quadros do funcionalismo deste ou daquele departamento de actividades públicas. Fechar, porém, uma repartição de serviço de evidente utilidade por falta de pessoal não parece, salvo o devido respeita, muito razoável, porquanto a um concurso documental ou por provas não faltariam candidatos.
E a propósito:
No § 2.º do artigo 37.º da já citada lei de 1892 estabelece-se que a cada cantão sejam atribuídos 6 a 8 quilómetros de corrente quando a fiscalização abranja ambas as margens de um rio ou ribeiro e entre 10 e 12 quilómetros quando lhe pertença uma só das margens.
Pois a verdade é que actualmente cada guarda-rios é forçado a exercer vigilância numa extensão do rio dez ou doze vezes maior do que a que por lei lhe é determinada.
Bastará dizer que até há pouco tempo para a bacia do Cávado pouco mais haveria do que uns quinze guarda-rios e para o Ave o número deveria ser igual se não menor.
O resultado é que a fiscalização, com tão diminuto pessoal, sòmente se poderá fazer ao longo da bacia, o que representa, evidentemente, prejuízo para os serviços.
Mas reverto ao caso que determinou o pedido implícito nas minhas considerações iniciais.
Para pôr termo às constantes e justas queixas dos lavradores da região de Braga, que assim se vêem obrigados a deslocamentos a Viana, sempre dispendiosos e incómodos, foi requerido em tempo, a quem de direito, o restabelecimento da 2.ª secção.
Não devo esquecer neste momento o vivo interesse e o desvelado carinho com que a tal respeito procedeu a Liga de Defesa da Região de Braga, prestimosa associação que procura fomentar o progresso moral, científico e material da cidade e sua região.
Até hoje, porém, foram baldados todos os esforços despendidos. A resposta parece ser sempre a mesma: falta de pessoal.
Não faz sentido, Sr. Presidente, que subsistam os inconvenientes que dessa falta derivam e que tão fundamente desgostam os lavradores da minha terra.
Ao menos, e a título provisório, enquanto se não repõem as coisas no seu devido pé, que se ordene a ida a Braga de um funcionário de outra secção, num ou dois dias da semana, para esclarecer dúvidas, orientar esforços e resolver as questões que constantemente se verificam nas nossas aldeias sobre o aproveitamento das águas dos rios ou ribeiros. Esta solução, embora bastante escassa para o que se pretende, contentaria para já os lavradores do meu distrito, bem dignos de mais atenção e de acentuado auxílio pelo trabalho exaustivo, constante e quantas vezes ingrato, a que dedicadamente, direi mesmo heròicamente, se entregam dia a dia, hora a hora, desde manhã cedo até noite fechada.
Braga merece que a não esqueçam e a Viana não deve convir a acumulação de serviços de duas secções, porque isso só pode contribuir para que os que lhe cabem, como sede que é já de uma secção, sofram com a sobrecarga de responsabilidades.
O Estado, como aqui se tem dito por várias vezes, deve favorecer, apoiar e acarinhar os esforços da agricultura.
Ora, em homenagem à verdade, poderemos dizer que nem sempre o tratamento dado à lavoura está de harmonia com aquelas normas que deveriam fazer dela uma fonte de verdadeira riqueza e de bem-estar.
O que agora peço para os lavradores da minha região nada mais é, Sr. Presidente, do que a restituição de um direito que já vem de longa data e cuja manutenção representa um acto de inteira justiça. Repito, Sr. Presidente: Braga merece que a não esqueçam e confiadamente espera que assim suceda.
Disse.
Vozes - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - No final da sessão de ontem preveni a Comissão de Educação Nacional que devia reunir-se a fim de estudar a proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico.
Presumo que, por não estar presente o primeiro dos membros dessa Comissão, ela não tem reunido.
Insisto em que essa Comissão reúna para tratar deste assunto importante e bastante complexo, que exige muito tempo de estudo, e que tenciono pôr em discussão nas primeiras sessões de Janeiro. Desta Comissão fazem parte os Srs. Deputados Alexandre de Sousa Pinto, Álvaro Neves da Fontoura, Mendes Correia, Marques de Carvalho, Diogo Pacheco de Amorim, André Navarro, Morais Carrapatoso, Fernandes Prieto, João Ameal, Mário de Figueiredo, Virgínia Gersão, Luís Mendes de Matos e outros.
Como não está presente o primeiro dos eleitos, peço ao Sr. Deputado Neves da Fontoura, que figura em segundo lugar, para tomar a iniciativa de reunir a Comissão a fim de escolher os seus presidente, secretário e relator.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Conforme é do conhecimento de V. Ex.ªs, já foi publicado no Diário das Sessões o parecer da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar dos Srs. Deputados Manuel Mimas e Gabriel Teixeira.
Vou pôr à discussão o parecer dado por aquela Comissão sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Gabriel Teixeira, parecer esse que, como V. Ex.ª sabem, é de opinião de que aquele Sr. Deputado perdeu o mandato.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome da Comissão de Legislação e Redacção, prestar à Assembleia um esclarecimento.
Este esclarecimento não aparece no parecer da Comissão de Legislação e Redacção porque até ao momento em que esse parecer foi elaborado ainda não tinha ocorrido um facto que a Assembleia não poderá deixar de ponderar ao tomar uma decisão sobre o problema que agora lhe é posto.
A Comissão de Legislação e Redacção, ao elaborar os seus pareceres, olha com acurado cuidado não só para a lei como para a jurisprudência adoptada pela Assembleia. E quando, porventura, lhe aconteceu chegar a uma certa conclusão em face da lei, não deixou naturalmente de chamar a atenção da Assembleia para ama jurispru-
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dência da mesma Assembleia, ou do seu Presidente, que exprimiu uma interpretação diferente da sua.
Ora bem. Depois de a Comissão de Legislação e Redacção ter elaborado o parecer, que vem publicado no Diário das Sessões, sobre o caso quanto ao qual a Assembleia vai pronunciar-se ocorreu o facto relativo ao problema posto à Assembleia pelo Sr. Deputado Amorim Ferreira quanto ao seu mandato. V. Ex.ª chamou cuidadosamente, como sempre, a atenção da Assembleia para isto; é que o juízo que a Assembleia era chamada a emitir era antes de que um juízo de facto, um juízo de direito. Quer dizer, a decisão da Assembleia era a exteriorização de um certo sentido pela Assembleia atribuído à lei.
Sucede que a solução da Assembleia conduz a esta conclusão, se se mantiver a interpretação que nessa solução está implícita: revogação pura e simples do artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição e do § 1.º desse artigo e suas alíneas.
Se esta é a conclusão a que conduz a decisão da Assembleia, querendo esta ser coerente com a interpretação que deu não pode deixar do julgar que o Sr. comandante Gabriel Teixeira não perdeu o mandato.
Disse.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Gabriel Teixeira, o que será feito por escrutínio secreto. Recordo que o parecer da Comissão de Legislação e Redacção é no sentido da perda de mandato do mesmo Sr. Deputado.
Vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Deputados França Vigon e Colares Pereira.
Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - O escrutínio deu o seguinte resultado: entraram na primeira uma 55 esferas pretas e 37 esferas brancas e na segunda 37 esferas pretas e 50 brancas.
Está portanto votado que o Sr. Deputado Gabriel Teixeira incorreu em facto que importa constitucionalmente a renúncia do seu mandato.
Pausa.
O Sr. Presidente: - A Câmara conhece o parecer da Comissão sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Manuel Múrias.
Informo todavia a Câmara de que esse parecer conclui por que o Sr. Deputado Manuel Múrias não praticou facto que importe perda de mandato.
Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre o parecer, vai-se proceder à votação sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Manuel Múrias.
O Sr. Cancela de Abreu: - Peço a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para interrogar a Mesa o Sr. Deputado Cancela de Abreu.
O Sr. Cancela de Abreu: - Pedi a palavra para perguntar se é assim o que se passa:
O parecer da Comissão conclui por que o Sr. Deputado Manuel Múrias não perdeu o mandato?
O Sr. Presidente: - A Comissão é de parecer que o Sr. Deputado Manuel Múrias não cometeu facto que importe a renúncia e, por ela, a perda do mandato.
Na votação, a esfera preta lançada na primeira uma significa perda de mandato; a esfera branca lançada nessa uma significa permanência de mandato.
Portanto, é na primeira uma que só lança o voto afirmativo ou negativo; na segunda a esfera sobrante cuja contagem final serve de prova do escrutínio feito na primeira.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação. Convido de novo para escrutinadores os Srs. Deputados França Vigon e Colares Pereira.
Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - Entraram na uma 81 esferas brancas e 12 esferas pretas. Está, portanto, votado que não se deu facto que importe renúncia do mandato do Sr. Deputado Manuel Múrias.
Tem a palavra ainda antes da ordem do dia o Sr. Deputado Camarate de Campos.
O Sr. Camarate de Campos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: faz hoje setenta anos do idade S. Ex.ª Rev.ma o Sr. Arcebispo de Évora, D. Manuel da Conceição Santos.
Évora, a cidade-museu, a linda, encantadora e histórica cidade a que ficam ligados e presos, pelo espírito, todos aqueles que conscientemente a visitam o passeiam e a que estão ligados pelo coração todos aqueles que lá nasceram e lá vivem, veste hoje as suas melhores galas para prestar homenagem a S. Ex.ª Revma., grande académico e grande arcebispo.
É grande S. Ex.ª Revma., quer pela inteligência, quer pela cultura, quer pela sua dignidade pessoal, quer pela sua inquebrantável fé, quer, Sr. Presidente, pelo seu espírito de caridade, pelo seu espírito caritativo.
Évora aproveitará o ensejo, aproveitará a oportunidade para agradecer a S. Ex.ª Rev.ma, mais e mais grata, mais e mais reconhecida, a iniciativa que elo teve há pouco da realização do Congresso Mariano em homenagem à Padroeira, Congresso de que S. Ex.ª foi a alma e o braço.
Passaram-se nesses dias em Évora horas de grande fé e de grande cultura, pois ali se disseram lições sábias, orações magníficas, produzidas por alguns dos mais altos valores das nossas Universidades.
Eu, Sr. Presidente, como Deputado pelo círculo de Évora, terra onde vivo e onde tenho aprofundada a raiz do meu coração, visto que de lá são os meus filhos, não podia ficar alheio, não podia ser estranho, a esta homenagem que a cidade hoje presta a S. Ex.ª Revma.
Associando-me, Sr. Presidente, a essa manifestação, sincera e sentidamente faço votos por que Deus lhe prolongue a vida mais e mais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Álvaro da Fontoura: - Sr. Presidente: desejo em primeiro lugar dirigir as minhas respeitosas saudações a V. Ex.ª, congratulando-me por o ver novamente na presidência desta Assembleia, que V. Ex.ª tem sabido honrar de maneira tão notável, conduzindo os trabalhos por forma inteligente, digna e a bem da Nação.
Srs. Deputados: na minha qualidade de representante da colónia de Macau, é meu dever não deixar passar a oportunidade da comunicação que nos foi feita acerca do afastamento desta Assembleia do Deputado
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Sr. comandante Gabriel Teixeira para proferir algumas palavras de louvor a esse distinto oficial da nossa armada.
À colónia de Macau prestou o Sr. comandante Gabriel Teixeira os mais assinalados serviços, governando-a durante um dos períodos mais difíceis da sua história. O seu patriotismo e as suas notáveis qualidades de inteligência e dedicação revelaram-no intérprete fiel da sábia política do Governo de Salazar, que salvou a Nação dos horrores da mais tenebrosa guerra da história.
Numa das muitas homenagens de agradecimento que este governador de Macau recebeu da população da colónia, durante o seu dificílimo governo, proferiu a referida autoridade as seguintes palavras na emissora dessa província ultramarina:
«Não sei se esta emissora levará a minha voz até Portugal; mas, se o não fizer, a minha fé suprirá a deficiência e em espírito alcança a Mãe-Pátria com certeza».
Com efeito, Sr. Presidente, estive em situação de poder testemunhar como, mesmo durante os períodos mais graves por que passou a colónia de Macau, nunca faltou a fé ao representante da soberania nacional.
A galhardia do seu espírito alcançava sempre a Mãe-Pátria através, é certo, da descolorida, e também algumas vezes eloquente, linguagem dos telegramas, que eu ora o primeiro a conhecer, como chefe do Gabinete do ilustre Ministro das Colónias de então, Dr. Vieira Machado, mas que o fazia vibrar na mesma intensidade patriótica, não se poupando a esforços e canseiras para que ao governador de Macau não faltasse a mínima parcela do auxílio que humanamente podia ser-lhe concedida. Promoveu a descentralização do governo que a situação reclamava e trabalhou continuadamente com o Sr. Presidente do Conselho nas diligências de ordem internacional que tantas vezes foram necessárias para só conservar aquele padrão glorioso da expansão portuguesa no Oriente e proteger as vidas e haveres de todos que se acolhiam à protecção da nossa bandeira.
E se, por motivo de alguma avaria na estação de rádio de Macau, ficávamos privados por dias das comunicações telegráficas, sempre decifradas com tanta emoção, reliam-se os últimos telegramas, para dos factos ocorridos procurar adivinhar a sua evolução, e, mesmo sem notícias, era com certeza o espírito do governador que alcançava a Mãe-Pátria.
Sr. Presidente: é-me impossível, no curto tempo de que disponho, dar a V. Ex.ªs uma pálida ideia das difíceis condições da vida da colónia de Macau durante a sombria quadra em que sobre ela se acastelavam as mais negras nuvens.
Situada em plena zona de guerra, esteve cercada por terra e por mar de forças militares nipónicas, que não hesitavam nos processos u adoptar, desde que eles servissem para alargar a sua hegemonia e mais vincadamente marear a superioridade de que ali disfrutaram durante a maior parte da guerra.
Mas ao mesmo tempo era indispensável proteger os nacionais e estrangeiros residentes na colónia, acolher os fugitivos de Hong-Kong socorrer os muitos milhares de refugiados da guerra da China e enviar auxílio aos portugueses de Hong-Kong e Xangai.
Pois a colónia de Macau não deixou de cumprir estes deveres cristãos de humanidade por forma digna dos maiores louvores.
Este quase milagre, é de elementar justiça acrescentar-se, não seria possível sem o concurso da população da colónia, que na sua quase totalidade se revelou disciplinada e sofredora, sem a colaboração dedicada de muitos servidores do Estado, sem o constante e inestimável apoio moral do clero missionário, e, principalmente, sem a base de uma política colonial com cerca de quatro séculos de tradição, orientada sempre pelas inatas qualidades dos portugueses, que não têm preconceitos de raças e têm sido sempre compreensivos para com os usos e costumes dos outros povos, sem deixarem de demonstrar a superioridade da moral cristã, tão abnegadamente expandida pelo Oriente.
A autoridade moral e o prestígio da Nação Portuguesa na zona de influência de Macau foram sempre tão grandes que já no período de domínio de Portugal por Castela os usurpadores da soberania portuguesa recearam destruí-los. Apesar de então também ali concentrarem todas as possibilidades de domínio militar, a bandeira das quinas nunca deixou de flutuar na colónia de Macau.
Honramo-nos, portanto, homenageando todos os que durante a última conflagração contribuíram para que Macau mantivesse as suas gloriosas tradições.
Sofreram as acções dos piratas, as pressões exteriores de toda a ordem, a desmoralização produzida pelos bombardeamentos aéreos, a falta de iluminação pública por carência de combustível, as faltas de alimentos e medicamentos, que motivaram a morte de dezenas de milhares de pessoas, principalmente entre os refugiados chineses, as consequências dos atentados pessoais, entre eles o que atingiu mortalmente a tiro o próprio cônsul do Japão, Sr. Fukui.
Enfim, o desassossego e a incerteza de todos dias, juntos a restrições de toda a ordem; nada, nada conseguiu quebrar por completo a capacidade de resistência daquele bloco, reunido sob o comando do seu prestigioso governador, em torno da acolhedora e sacrossanta bandeira da Pátria.
Antes da guerra, o arroz, base da alimentação daquelas populações, custava 8 patacas por pica; pois chegou a atingir em 1943 o preço de 320 patacas por pica, e o pior era que as tentativas para o mandar buscar à Indochina num barco que se fretou para esse fim - o Mashate - esbarravam com as maiores dificuldades da parte dos beligerantes.
Perante o recrudescimento de casos de cólera houve necessidade de obter vacinas e fazer revacinações.
E porque ocultá-lo? Perante os contínuos entraves da máquina administrativa o governador devia ter verificado com desgosto que nem todos manifestavam o mesmo zelo e desinteresse. Por vezes, é possível que sentisse unia ponta de desânimo ao ter conhecimento do boatos infundados e malévolos, perante a impossibilidade de corrigir todos os desmandos, a impossibilidade de recrutar pessoal para substituir o que não cumpria e, quantas vezes, por sentir o contraste entre as palavras e os actos de alguns.
As beneficiações que a máquina administrativa reclamava eram impossíveis e o governador teve de dirigir aquela barca em mar tão encapelado, quem sabe se nalgumas vezes aceitando como boas peças que haveria a necessidade de substituir.
Mas, apesar de todas estas dificuldades, Macau vibrou também com a tragédia de Timor, que tanto feriu o patriotismo dos portugueses, e esteve sempre atenta a todas as nossas preocupações.
E chega a causar verdadeira surpresa como se conseguiu manter sempre na colónia um espírito geral elevado em relação aos acontecimentos. Em Macau não deixaram de se organizar reuniões da Mocidade Portuguesa e desafios desportivos, cujo produto era destinado à beneficência. Foi notável a acção da assistência da Misericórdia e o auxílio proporcionado às numerosas escolas chinesas.
A correcção para com todos os estrangeiros no respeito por uma digna neutralidade, foi tal, que merecem ficar registadas as seguintes palavras que o Sr. Orkoff,
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de nacionalidade russa, dirigiu em 1944 ao governador da colónia:
«Atravessei a China de leste a oeste e não encontrei em parte alguma o sossego que desejava. Vim finalmente a Macau e convenci-me de que nesta colónia há a paz e o sossego por mim desejados. Já passaram dezassete anos, e gosto tanto de Macau, que esta terra considero-a como a minha segunda mãe-pátria».
Sr. Presidente: antes de terminar, uma palavra de justiça e saudade para o governador que antecedeu o Sr. comandante Gabriel Teixeira, que muito contribuiu para este ambiente de cordialidade com a comunidade chinesa e outras comunidades estrangeiras. O Dr. Artur Tamagnini Barbosa deu à colónia de Macau o melhor da sua inteligência e da sua actividade e até lhe deu a própria vida.
E para terminar, a colónia de Macau vai ficar privada da mais autorizada voz para nesta Assembleia esclarecer a Nação sobre as suas necessidades mais instantes e as suas aspirações mais justas; nós todos ficaremos privados do convívio de quem soube, pelos seus méritos, impor-se à consideração de nacionais e estrangeiros.
S. Exa. o Ministro das Colónias, o ilustre Prof. Dr. Marcelo Caetano, deu mais uma prova da sua superior e inteligente visão escolhendo o Sr. comandante Gabriel Teixeira para administrar a progressiva colónia de Moçambique e em notável discurso no acto da sua posse definiu as linhas gerais da sua orientação administrativa.
É caso para se dizer que, se o governador bem mereceu a nomeação, a colónia também bem merece o governador.
Que o novo governador geral encontre no seu novo cargo as maiores facilidades, que o compensem das dificuldades passadas, para prestígio do seu nome, já tão glorioso, e para bem de Moçambique! São por certo estes os votos unânimes de toda a Assembleia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Favila Vieira: - Eu queria, Sr. Presidente, associar-me de todo o coração às demonstrações de admiração desta Assembleia pelo comandante Gabriel Teixeira.
Ligam-nos, antes de tudo, sentimentos de profunda amizade. Somos naturais da mesma terra. Fomos eleitos Deputados pelo mesmo circulo do Funchal.
Nem as minhas obrigações políticas, nem as circunstâncias de ordem pessoal admitem que eu tome conhecimento da perda do mandato de se nosso ilustre colega sem pronunciar algumas palavras de homenagem e justiça.
O facto tem, sem dúvida, marcada relevância.
Apoiados gerais.
O comandante Gabriel Teixeira deixa esta Assembleia para ocupar o alto cargo de governador geral de Moçambique em condições de interesse excepcional, que importa assinalar neste momento, como acaba de fazê-lo, numa apreciação directa e clara, com aquela honestidade de espírito que é seu timbre, o nosso caro colega Sr. engenheiro Álvaro da Fontoura.
A nobre figura desse bravo marinheiro, desse governador de alta estirpe, elevou-se, na verdade, a toda a sua altura no governo de Macau durante a guerra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O seu nome tem já hoje projecção nacional. Revelou-se um administrador exemplar, um político e firme, um coração magnânimo, um verdadeiro homem de acção: um grande português, na expressão do ilustre Ministro das Colónias.
Teve nas suas mãos durante anos o destino de Macau. Decidiu da vida de mais de 400:000 pessoas, de todas as raças e condições. Foi o sen amparo e o seu guia numa situação verdadeiramente dramática e complexa, de tensão moral e risco permanente.
Desdobrou-se, multiplicou-se, para fazer face às situações em todos os planos, Sr. Presidente.
O comandante Gabriel Teixeira teve mesmo, com certeza, Srs. Deputados, de curvar-se dolorosamente sobre si próprio para poder servir o interesse nacional e as exigências mais extremas da comunidade de Macau, através de tudo, contra a sua natural maneira de ser: espontânea e vigorosa, de linhas rectas.
Apoiados gerais.
As provas dadas de comando, abnegação e dedicação patriótica foram as mais altas, como o sublinhou nesta Assembleia, com toda a sua autoridade, o Sr. Presidente do Conselho.
Numa palavra: pode dizer-se, sem exageros oratórios, Sr. Presidente, que o comandante Gabriel Teixeira levantou o nome de Portugal no Oriente à grandeza do nosso espírito heróico e missionário.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Conhecemo-nos há bons anos, em condições de nenhuma dúvida ter sobre os traços fundamentais da sua personalidade e da sua linha de acção.
O comandante Gabriel Teixeira pertence à categoria daqueles homens públicos que, pela superioridade do carácter ou da formação, se mantêm acima das situações de confusão ou de crise, numa orientação superior, fiéis às verdades eternas, mas atentos e sensíveis, ao mesmo tempo, ao que há realmente do novo e essencial em cada momento.
É com homens destes, desta estatura, que se há-de vencer o peso morto de convencionalismo e rotina que domina ainda alguns sectores da vida nacional para abrir o caminho às mais altas aspirações da nossa política e aos imperativos do nosso tempo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A Madeira perde nas altas esferas políticas um representante insubstituível, de grande prestígio, devotado às situações da sua gente mais humilde. Honra-se, contudo, em dar à Nação um dos seus filhos mais estimados para governar a sua grande província ultramarina de Moçambique.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: foi apresentada ao País a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947.
Não difere muito das anteriores; mais precisamente das que têm sido apresentadas desde que se iniciou a era salazariana.
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Os mesmos métodos, os mesmos desejos de fazei mais e melhor, os mesmos princípios, a informam.
E as fontes de receita são também, pouco mais ou menos, as mesmas.
Quer dizer: parece que não haverá desvios na trajectória há muito traçada, e tudo leva a crer que se manterá o ritmo de marcha até agora seguido.
Deverá ser assim?
Observando a curva ascendente da nossa política financeira, pode afirmar-se afoitamente que o aumento das despesas públicas tem tido uma contrapartida nu aumento crescente de prosperidade. Obras em curso ou em projecto, já largamente dotadas, como os gigantescos planos de electrificação, hidráulica agrícola e outros, hoje uma esperança, até mais do que isso, uma realidade, demonstram, sem esforço, que tem sido preocupação constante da Revolução Nacional valorizar quanto possível o que havia de riqueza desaproveitada e económicamente sem utilidade efectiva ou potencial.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao saneamento das finanças públicas, ao pagamento integral dos nossos compromissos externos, à restauração do crédito em bases amplas foi sucedendo, paulatinamente, a acção reconstrutiva, que ainda está em movimento.
Os do 28 de Maio sabem bem que a nossa administração financeira não tem descurado um só momento o interesse nacional e, por ser uma administração inteligente e segura, soube a tempo impor aqueles princípios indispensáveis de segurança, de justiça, de cultura e de honra dos quais resultou o ensejo de defender externamente as bases da nossa política imperial ao longo destes últimos seis anos de convulsão e ruínas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas o equilíbrio financeiro, louvável e indispensável em determinado momento histórico da vida nacional dá ao País a sensação de bem-estar e de conforto?
Mas terá realmente o aumento das despesas públicas beneficiado as principais, as indispensáveis fontes do rendimento nacional?
Terá havido correspondência entre as despesas feitas e os serviços prestados?
Haverá realmente um bem-estar - fruto da acção grandiosa e quase nirvânica do Chefe do Governo?
A nossa observação diária das coisas nacionais escapa, por vezes, a visão grandiosa da reconstrução gigantesca levada a cabo nestes vinte anos de Revolução.
Tem-se a impressão de que se parou!
É que, na verdade, o nível de vida do nosso País, embora muito mais alto do que há vinte anos, encontra-se em franco contraste com aquela prosperidade que parece depreender-se das contas públicas, da administração financeira do Estado, das colunas de números copiosos fornecidos por estatísticas pacientemente elaboradas por técnicos, de ordinário competentes e que vivem mesmo a paixão dos números que apuram e arrumam.
É que o País não dá ainda a sensação de bem-estar e de conforto por que anseiam os homens de 1926; antes, pelo contrário, se verifica um ar de cansaço, de renúncia à vida digna, de aumento de vício e de ambição desregrada.
É que não escapa à nossa observação o quadro pouco satisfatório de algumas das nossas fontes produtoras. Assim: a agricultura, o comércio honesto, a pequena e média indústria, vivem horas difíceis, não só por dificuldades provenientes das consequências da crise geral do Mundo, mas também como resultado da política tributária excessiva e asfixiante, deixando, por esse facto, de constituir, como nos demais países, aquelas fontes de riqueza que estimulam e despertam a actividade dos povos e engrandecem a sua prosperidade e o seu bem-estar.
É que, finalmente, o mais valioso património nacional parece ter sido relegado para um plano secundário.
Mal se compreende, na verdade, que os portugueses ainda morram, numa proporção assustadora, à míngua de uma assistência rápida, humana e eficaz, por essas províncias de Portugal, quando os bancos e a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência abarrotam de copiosas disponibilidades, talvez simplesmente por falta de uma política inteligentemente definida, de sólida confiança no futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O combate às chamadas doenças sociais devia incrementar-se por tal forma que, em lugar de morrerem de tuberculose 20:000 portugueses anualmente, este número descesse a uma percentagem mínima e que se aproveitassem os saldos para prestar-se assistência eficaz a centenas de milhares de doentes que estão privados do mais pequeno tratamento.
As condições de habitabilidade do nosso povo, pela criação do lar confortável e higiénico em grande escala, estão ainda longe também dos desejos dos homens de 26
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando se olha para as condições fisiológicas dos portugueses, cujo índice de robustez, por demais inferior, põe em sério risco a integridade futura da raça; quando se medita nas considerações há bem pouco ainda expendidas pelo Sr. Dr. Santos Bessa sobre mortalidade infantil; quando nos debruçamos sobre deficiências encontradas em exames recentes feitos às crianças portuguesas (com frequentes assimetrias, incorrecções respiratórias e importante número de doenças determinadas e indeterminadas); quando se analisam as estatísticas fornecidas pelos serviços de recrutamento do exército, não podemos deixar de dizer que desejamos ver o Governo caminhar na resolução destes pungentíssimos problemas com mais rapidez e pedir-lhe que os considere primaciais, procurando assim refazer os males que a Revolução Nacional herdou e que tão profundamente abalaram os alicerces da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda hoje cerca de metade do País vive em «crise», sem condições humanas de uma existência feliz, digna e decente, embora as contas do Estado estejam certas e haja importantes saldos.
Dantes era pior, é certo - nem saldos havia. Mas esse argumento não basta.
Resumindo:
A administração financeira do Estado parece não ter sido realizada de modo a sentir-se correspondência entre as despesas feitas e os serviços prestados naquilo que mais profundamente pode interessar à vida da Nação.
Geffcken, com iguais preocupações, afirmava «que a administração financeira deve proceder como a natureza, que tira à terra a humidade por meio da evaporação para lha restituir sob a forma de orvalho e chuva fecundante».
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Os homens de 26 reconhecem em consciência a obra lapidar levada a cabo pela Revolução neste domínio difícil, onde tudo estava por fazer, mas o simples reconhecimento deste facto não pode inibir-nos de afirmar resolutamente quanto sentimos de mágoa que a Revolução tenha abrandado em determinados aspectos de utilidade púbica ou caminhe vagarosamente para a sua efectivação sem aquele dinamismo tão do nosso tempo, tão do nosso temperamento, e que a situação requer.
É forçoso reconhecer que ao balanço inicial se seguiu uma lentidão, em vários sectores da vida pública, que parece inércia, uma complicada burocracia dos serviços, a acção retardadora da engrenagem burocrática corporativa, um criminoso excesso de optimismo.
E tudo isto por falhas evidentes da nossa linha de política geral e social, pela falta do sentido imperial do nosso labor, pelo atrofiamento e cansaço de muitas fontes produtoras.
Mas dir-se-á: como proceder então?
Se, por um lado, há que considerar que o País é pobre de receitas, que o seu nível de produção está abaixo do normal necessário e as suas riquezas naturais são exíguas ou deficientemente aproveitadas, a verdade é que todos sabem que o Estado tem de cobrar para fazer face às despesas públicas.
Como será possível, nestas circunstâncias, satisfazer as necessidades instantes da vida nacional, deixar de sacrificar tão duramente o contribuinte e acelerar o ritmo da Revolução?
Pertence aos técnicos estudar convenientemente o assunto, mas eu não quero deixar de emitir o meu humilde parecer para a solução de um ou outro passo de tão importante problema, fiel aos sentimentos de procurar bem servir que sempre me animaram e convencido de que tais soluções podem garantir um aumento sensível de receitas em relação às previsões mais optimistas, mais desafogada vida a muitas fontes de produção, mais claros e vastos horizontes para a marcha, da Revolução Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em primeiro lugar, sou de opinião que se impõe a simplificação e justa repartição das contribuições, de forma a deixarem de ouvir-se os clamores e frases insofridas, que nos fazem lembrar as palavras de Girardin ao ocupar-se do sistema tributário da França: «um labirinto de contradições, de injustiças e de desigualdades».
Dizem os entendidos nestes assuntos que em matéria de imposto tudo deve ser claro e preciso, isento de arbítrio, a fim de que o contribuinte saiba o que é obrigado a pagar, quando e como e possa francamente usar da sua liberdade.
Manter tudo como está é fazer a escuridão em volta do contribuinte, daquele que desconta, permanecendo assim insensível à série de benefícios adquiridos, que já hoje o rodeia e serve, e com uma má predisposição, de que o próprio Tesouro sofre as consequências.
É preciso, impõe-se, uma política mais realista. E quando digo mais realista quero, decididamente, dizer mais compreensiva do problema dos indivíduos.
Só assim as contribuições podem chegar a ser consideradas, se não por todos, pela maioria dos portugueses, como a voluntária obrigação do cada um em proveito do bem colectivo e como pagamento de benefícios que lhes interessam e usufruem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Definida a forma de repartir e simplificar, urge forçar à justa contribuição todos aqueles que, artificiosamente colocados entre o produtor e o distribuidor, são, em regra, os que mais ganham e maiores fortunas acumulam e, muitas vezes também, os que menos contribuem para o bem comum, os que menos pagam em proporção com a desaustinada soma dos bens adquiridos.
Como, em geral, quem faz o mercado é esta espécie de argentário sem escrúpulos, é ele, por via de regra, quem onera gananciosamente os produtos pela fixação do «bom preço».
O imposto complementar em execução não consegue só por si abranger toda a multidão de ricaços que defraudam a economia nacional e o Tesouro Público.
Da acção antieconómica e anti-social destes verdadeiros parasitas fala eloquentemente a desorganização de preços no mercado consumidor.
A disparidade absurda do preço de um produto na origem com a que assume o mesmo produto, sem qualquer transformação ou trabalho, nas mãos do distribuidor explica cabalmente a soma que não entra nos cofres do Estado, para entrar toda inteirinha nos do abastado intermediário, o verdadeiro semeador também, como todos sabem, de tantas desgraças morais e de misérias que enegrecem a vida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Corrija-se esta anomalia, force-se a aplicação do imposto sobre os capitais imobilizados, assim como sobre o das empresas que sustentam os grandes conselhos de administração, e veremos como é possível suavizar o sistema tributário e dar um respiradouro às grandes e médias fontes do rendimento nacional.
Agarre-se pela gorja o dos metais que não vai arrancá-los à terra nem os trabalha, e às vezes nem os vê, o dos maquinismos que não os fabrica, que não os repara, que não os melhora e que nem os conhece, e tantos tantos outros, obrigando-os a contribuir para o bem comum com a justa quota-parte em que devem fazê-lo, e veremos o enorme volume de receitas que têm andado arredadas do Tesouro.
Basta reparar no espectáculo, que se desenrola quotidianamente aos nossos olhos, da vida material larga -até ser ofensiva -, folgada - até chegar a meter nojo e dó - que tantos levam para sermos arrastados a considerar que os valores mais representativos da nossa terra (os magistrados, os escritores, os catedráticos, os jornalistas, os advogados, os engenheiros, os oficiais, os médicos, os lavradores, etc.) vivem esmagados no ambiente criado por aqueles que, afinal, só possuem a característica, aliás pouco recomendável, porque é quase sempre acompanhada de gangrena moral, de «espertalhice» para o negócio.
Finalmente: não seria oportuna a revisão das leis tributárias, de modo que se desse ao imposto a forma progressiva, consoante os imperativos de aproveitamento de riqueza?
Quero dizer: não seria altura de usar o imposto como meio de incitamento de produção, já diminuindo-o àqueles que criarem os meios essenciais à vida - tanto mais quanto mais e mais criarem -, já aumentando-o em relações àqueles capitais improdutivos cuja estagnação redunda em prejuízo do bem comum - tanto maior quanto maior ele fosse e até àquele limite em que a razão económica o determinasse?
Nós, os soldados de 28 de Maio, sabemos em geral pouco destas coisas, mas ao contrário de muitos, de quase todos, sentimos a responsabilidade de uma obra que nós fizemos, que nós sustentamos e que está toda
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ela amassada com o suor e com o sacrifício da Nação inteira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, contra a paranóica obstinação dos optimistas e contra os sádicos desejos dos elementos das alfurjas, queremos a Revolução permanente!
Não queremos parar!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: peço hoje uma excepcional benevolência para comigo.
Vi-me forçado a estudar esta madrugada uns hieróglifos difíceis e ressinto-me disso.
Na verdade a minha situação é embaraçosa.
O Sr. Dr. Pacheco de Amorim, com o seu monetarismo quantitativista, deixou aqui ontem enorme impressão. E discutiu brilhantemente a situação monetária, ligada ao orçamento; a situação económica geral, que pede largos desenvolvimentos; a situação corporativa, que há-de ser ventilada quando lidos os resultados do inquérito; e a política, cujo debate transcende ainda estes quadros.
O Sr. Dr. Pacheco de Amorim atirou a luva aos seus contrários, reptou-os, ao mesmo tempo que se dizia juiz no torneio - porque, no fim, justará com a adaga ou com a lança, conforme entender da dignidade da argumentação.
Este processo parlamentar de responder acto continuo a detalhados estudos, longas exibições estatísticas, recortes de antigos escritos, eriçados ainda com nomenclatura e posição inédita de problemas, não é muito conveniente a qualquer cavaleiro andante do fracas posses e fracas armas como eu.
Por outro lado, a inteligência matemática, a grande cultura, a simpatia irradiante e até a sua delicada posição afectiva intimidam-me e enleiam-me, a mim, apagado escolar de leis de há vinte e tal anos, quando o Dr. Pacheco de Amorim ora já famoso lente da Faculdade de Matemática naquela melancólica e lendária Coimbra.
Dá-se ainda que grande parte do discurso ontem proferido, tocado de shopenhauerismo económico, entrou no caminho franco das negras profecias, anunciando catástrofe quase final-a catástrofe final sendo outra na literatura económica!
Devo dizer: não me assustam as catástrofes económicas quando anunciadas e à vista. Delas podemos resguardar-nos, abrindo o chapéu de chuva ou abrigando-nos, os governos transferindo capitais e trabalho dos tempos bons para os maus tempos.
Assusta-me, sim, uma crise como a de 1929 - a Grande Depressão -, que caiu inesperadamente como um raio o fez abalar, sem que ninguém o previsse, os fundamentos da própria civilização.
O ano passado também aqui foi anunciada grande e tenebrosa borrasca para Março ou Abril de 1945 e... o barómetro permaneceu, um pouco cèpticamente, com o ponteiro onde estava!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: posto este intróito, entremos na matéria.
Em outro debate, ao que consta, uns timoratos, assustados com o caminho da discussão parlamentar, foram para as bolsas, especialmente a do Porto, desfazer-se de alguns bens e valores que possuíam, e o fizeram com grande perda de interesses.
Esporemos, apesar de tudo, que este ano já não aconteça o mesmo!
Também outros timoratos, quando eu versei o problema da alta do custo da vida, que era indispensável travar, se lançavam à porfia em compras e especulações maciças de ouro.
Esperemos que ao desenganarem-se nesta altura com a baixa do preço do ouro, a qual os ameaça ainda, se encontrem capazmente arrependidos!
Não podem contestar-se certos aspectos deflacionistas - não baixou o preço do ouro apenas: baixaram os preços do ferro, carvão, gasolina o outros combustíveis, cobro o outros metais.
Os nossos barcos, já ao serviço, trazem os fretes para a bandeira nacional.
Certos produtos coloniais, abolidos os navicerts e facilitado o frete, chegam ao mercado com possibilidades mais económicas do que anteriormente.
Rodam pelas estradas camionetas com tarifas mais vantajosas do que através do monopólio de facto do caminho de ferro durante a guerra.
Certas importações batem em preço e qualidade as ofertas do mercado.
Um impermeável inglês de 600-5 ombreia com o produto nacional mais elevado.
Mas estou de acordo com o Dr. Pacheco de Amorim em reconhecer os dramas o destruições da inflação monetária - a nova redistribuição injusta da riqueza.
Nada devo acrescentar às muitas vezes que neste lugar versei o assunto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também estou do acordo em ter como agravada a situação agrícola, em relação aos grandes sectores bancário, industrial, comercial e, menos, porque não são altos os fretes, ao grande sector do transporte. Mas desejo explicar-me melhor.
Sr. Presidente: certos preços agrícolas têm sido sujeitos a uma deflação legal.
Desde 1931, que é quando se inicia a repercussão da crise mundial no nosso País, que se acentuava o desequilíbrio agrário-industrial. O produtor agrícola entregava por um preço moderado os resultados da sua exploração o pagava as outras mercadorias em nível mais alto, sujeito ainda a regime ascensional.
Ora as necessidades de adaptação dos salários à perda de valor da moeda, a política de abastecimento às grandes massas e o ter de se acudir às necessidades primordiais da classe trabalhadora com barateza levaram a agravar este desequilíbrio, já antigo, dos preços agrícolas com os preços da indústria, da construção civil, das importações e do transporte.
Resultou daqui debilidade e penúria do poder comprador nos campos e desafogo relativo nos meios urbanos, os quais crescem em número a olhos vistos e em potência económica e em cómodos.
Ora eu suponho que se deviam ter levantado alguns preços anormalmente baixos, não sòmente para manter um certo equilíbrio, como para se conservar o ritmo de benfeitorias agrícolas, plantações e construções, tão necessárias ao aumento dos resultados produtivos nacionais.
Devo ainda focar um segundo aspecto. O regresso ao comércio mundial está-nos arrastando para uma mentalidade de todo o ponto indefensável, que poderá agravar-se na medida em que os armadores portugueses disponham de belos barcos mercantes.
As deficiências, as faltas, as escassezes resolvem-se do pronto importando e pagando com os escudos amealhados parcimoniosamente nos últimos anos.
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Já não impugno a prática sorridente do Telho inglês de Júlio Dinis, que mandava vir tudo de Londres, mas verbero que se seja expedito a dar ao produtor e mercador estrangeiro o que poderia estimular o produto nacional, não muito distante do nível mundial de preços.
O que se tem passado com automóveis - alguns dos quais foram transferidos na alfândega quase por duplicação de preços-e com canetas de tinta permanente não é nada tranquilizador.
Negamos a um pobre rústico meia dúzia de patacos nuns litros de grão de bico e assistimos impávidos às larguezas de certos oportunistas que nunca fazem as suas coisas por menos de dezenas de contos.
Repito o que afirmei, ali de baixo, há alguns meses: o Ministério das Finanças deve seguir atentamente o que se passa quanto a importações, escaloná-las perante a desordem, hierarquizá-las perante o capricho.
Enquanto não estiver plenamente restaurado o comércio plurilateral livre no Mundo, de que sou convicto partidário, temos que vigiar as permutas externas, quer no aspecto financeiro, quer no aspecto social.
Não faltava mais nada que o snobismo e o estrangeirismo triunfassem sobre o mais rudimentar bom senso!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ultimamente temos assistido a uma revisão critica da política financeira durante a guerra, alvejando-a de frouxidão por não haverem sido tentadas entre nós as medidas drásticas de congelamento ou direcção usadas em certos países para se fazerem economias forçadas e lhes ser dado o destino que o Governo entendesse.
Um antigo Ministro das Finanças e jornalista de relevo defendeu por vezes a ideia da constituição de uma reserva para o após-guerra.
Uma personalidade política preconizou o bloqueio de parte dos lucros.
Eu mesmo também entendi ser necessário que se imobilizasse alguma coisa até ao pleno reabastecimento.
Estas ideas singelas havemos de julgá-las à luz da experiência actual, inçadas de dificuldades insuperáveis.
E senão vejamos:
Os conserveiros não dispensavam os fundos abundantes para fazer andar as suas fábricas de dia e do noite. Precisavam de pagar folha de Flandres em condições onerosas. Tinham de satisfazer as despesas de transporte, as demoras, as perdas, os riscos do negócio. Aos armadores deram muito, ou quase tudo, pelo pescado, que subira extraordinariamente de preço. Estes, por sua vez - vergados pela política social do Estado Novo -, deixavam na mão dos arrais e pescadores grande parte das suas disponibilidades.
Que poderia bloquear-se ao exportador, ao conserveiro ou ao armador?
Quanto ao volfrãmio e ao estanho o caso era diverso. Aqui, tirando meia dúzia de empresas de certo vulto, era gente humilde das aldeias, pedreiros, cabouqueiros, mineiros de ocasião que agenciavam uns meios quilos e haviam do ser pagos por umas centenas de escudos, acto imediato; às vezes directamente pagos pelo agente estrangeiro.
Poeira infinita de lucros pequeninos, sobre as quais não poderia agir a máquina fiscal!
Por outro lado, na intranquilidade em que se debatia o Mundo, o negócio era de expediente a pronto, quase à margem do mercado visível!
Mas há mais:
Já se pensou que, se se constituis se uma reserva, podia haver na paz discussões, incidentes, reclamações, horas intranquilas e complicadas, dada a actual crise do princípio de soberania?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A ideia de empréstimos grandiosos é outro reduto crítico donde se alveja a política financeira da guerra.
Que podemos avançar a tal respeito?
A ideia de empréstimos de juro excepcionalmente baixo equiparáveis a um imposto - destinados a substituir a inflação monetária, a influenciar a estrutura económica e amputar o poder de compra sobrante fez a sua aparição nas finanças alemãs, naquele clima alemão, dum país que dirigia, racionava, tabelava fatalmente tudo e já depois de iniciada a guerra mundial.
Aparece nos escritores - Laufenburger é dos primeiros - depois de 1942.
Havia dantes o empréstimo forçado, espécie de conscrição do capital, e com esse, em certos casos, se poderia assemelhar, talvez mesmo nas nefandas consequências a que levava.
Mas tem lugar aqui uma reflexão baseada na experiência.
Os que normalmente emprestam ao Governo não são especuladores, lucradores de guerra, beneficiários de inflação.
São outras classes - pequenas, médias e grandes poupanças, que procuram receita estável, ainda que modesta, a longo prazo.
Por isso se tem visto não ser a circulação excessiva grandemente anulada por este meio.
Em 1941, se discutíssemos aqui o problema, fatalmente teríamos grandes dúvidas teóricas e práticas.
As repercussões de uma tal política ter-nos-iam talvez desviado da rota que pretendíamos seguir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: a política monetária, se não é acrobacia de audácias nem acanhamento de hesitantes, também não pode deixar-se por inteiro à indiferença da opinião.
Já expliquei como haverá sempre inflação enquanto o público correr para os gastos e despesas num mercado rígido ou mal abastecido.
Convençamo-nos: a inflação dos preços e o custo da vida não dependem do Governo apenas, da intervenção dos Srs. Deputados ou das operações do Banco emissor - dependem do grande público, que está disposto a gastar, pródiga ou ordenadamente, o sen dinheiro.
Celebrou-se o centenário do já famoso Banco de Portugal, apreciando-se e louvando-se a sua herança secular de serviços prestados à causa nacional.
São incontáveis e incontestados e esperemos que algum historiógrafo, doublé de economista, possa condensá los em volume apropriado.
Por aquela casa passaram grandes e precavidos administradores, ali ficaram retidos e cristalizados os meios que haviam de lubrificar a grande máquina, dali veio a ajuda necessária a banqueiros e empreendedores e o auxílio prestante a um Estado faltoso ou a um Estado precavido.
Mas naquela cidadela, onde florescem os nomes sumptuosos ou peritos do armoriai financeiro, faltou uma palavra de tranquilidade sobro o presente ou o futuro do escudo.
Eu sei, Sr. Presidente.
O Banco dispensou-a porque, por si e bem alto, proclamam o seu crédito, as suas amizades, as suas reservas refulgentes, os seus títulos tão sólidos. Ouviram-se as afirmativas solenes da banca, do comércio, da indústria.
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E, mais que tudo, falam os números e os cofres a linguagem dos milhões.
Mas eu desejaria - havendo ali ama comissão de estabilização - que se dissesse: lutamos!... e que fosse acrescentada outra palavra sobre o período singular de 1928 a 1931.
No meio de tanta coisa oscilante, discutida, naufragada, a nau dourada emerge mais refulgente, navegando nos sete mares com todos os seus pavilhões desfraldados.
Qualquer de nós que tivesse milhões iria decerto levá-los à Rua do Comércio, e esse gesto não poderia ser trocado, no momento actual, por qualquer das ruas célebres da banca mundial.
Daqui, desta tribo na, louvo, Sr. Presidente, os que, desde D. Maria II, sofrendo, inquietando-se. vigiando apuradamente, sempre alerta, prescrutando os horizontes, fizeram do Banco de Portugal uma instituição notável que projecta o seu perfil no plano mundial.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: durante séculos os portugueses, como nenhuns outros, enriqueceram o património de filosofia social e jurídica do Mundo inteiro.
Entre nós e na vizinha Espanha se desenvolveu a doutrina de que existe uma sociedade natural dos Estados, tão natural e anterior como a sociedade dos homens.
Resultou daqui o enriquecimento étnico de uma concepção que alargou os seus horizontes ao mundo inteiro.
Não há pactos, nem métodos diplomáticos, nem estratégias políticas que alterem o vigor desta ideia, riqueza da Humanidade, tirada da razão natural, confirmada pela civilização cristã, propugnada pelo mais belo escol de jurisconsultos.
Por isso as relações internacionais se hão-de basear não só na existência natural da sociedade das sociedades como na unidade moral do género humano, e todo o esforço consistirá em converter uma unidade inorgânica numa unidade orgânica.
Se existem organizações ou tentativas de organização em nome da sociedade natural das sociedades, elas terão de ser abertas, genéricas, e englobar os respectivos Estados.
Por isso se enganam famosamente os que para atacar o Governo consideram ser um favor a entrada na O. N. U. ou em qualquer organismo de carácter internacional.
E mais se enganam quando supõem que é preciso conquistar complacências brandas para o fazer.
Estamos aqui vários que fomos doutrinados nesta matéria por um dos mais notáveis internacionalistas do Mundo, glória do Direito - o Prof. Machado Vilela.
Pouco se me dá que alguns opositores possuam noções tão falsas. A inversa do que patentearam é que é a verdade do Direito.
Como se diz no preâmbulo da Carta das Nações Unidas, há direitos fundamentais das nações grandes e pequenas.
Nós somos um povo sério e digno!
Nós somos um povo épris de paix, um peace loving state, uma nação amante da paz, a qual nunca perturbámos!
Nós temos a maior tradição jurídica de universalismo!
Nós temos um Estado limitado não só pelo direito como pela ética!
Não temos nenhum favor a mendigar!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se existe uma sociedade de Estados digna de tal nome, teremos um lugar por direito próprio e anterior.
Suarez afirmava: «Todos os Estados são membros de uma família humana universal».
Os textos emanados de S. Francisco obrigam a quem os subscreveu.
Ao discutir a nomenclatura e os textos pôde escrever o professor Beveridge:
«Contra esta pôde arguir-se que uma organização para a paz mundial não será completa enquanto não abraçar todas as nações».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parece-me deplorável, Sr. Presidente, o que se tem passado com as discussões havidas lá fora em torno do crédito aberto à Inglaterra e as cláusulas do acordo monetário, ou, melhor, dos dois acordos - o de liquidação dos 80 milhões de libras e o do liquidações comerciais correntes. Hei-de vencer natural relutância em abordar este problema. Não é primor de elegância quando o devedor é mais que solvável, honrado como poucos e o primeiro rico do mundo que o discreto credor se dê ares de cuidadoso excesso.
Tem-se dito que os nossos créditos vão sendo bloqueados, quando podem ser utilizados para compras em Inglaterra nu reembolsados em valores-ouro.
Já se pretendeu atirar o câmbio para uma margem de descrédito, que para pouco serviriam os nossos haveres e representaria uma tal penalidade às nossas exportações que daqui nada sairia para a área do esterlino.
Não se esqueça que as nossas relações comerciais com o continente europeu eram de toda a Europa agrária as menos importantes. A intimidade das relações comerciais com a Inglaterra depois de 1642 estava nisto - levava-nos pouco menos de um quarto da totalidade das exportações e deixava-nos pouco mais de um quarto das importações.
Em tempos escrevi que certas permutações das economias luso-britânicas não só representavam a consagração de tendências seculares de especialização como o resultado de aptidões naturais bem definidas.
Falou-se na gravidade da crise inglesa, que toldava e escurecia o seu futuro, mas já pode a esta hora garantir se a segurança e firmeza da recuperação do país aliado.
Até se disse mais: que o bloco esterlino, distendendo-se sob uma Inglaterra nuclear, individada, ameaçava pulverizar-se.
Esta observação não é válida, a nossa posição financeira permite-nos assentar arraiais onde bem quisermos, mas temos boas razões para permanecer onde estamos.
Portanto não vale a pena acompanhar tal discussão. É preciso acreditar na capacidade que Deus deu aos ingleses de suplantar as suas dificuldades, no potencial económico do seu império, na validade dos acordos feitos que desimpedem o caminho e na consagração das tradicionais amizades e preeminência do ético sobre o económico, do político sobre o material, que não repugnam às mental idades ocidentais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: a formula reinante, na maioria dos autores, em matéria de «poder comprador» é a equação geral de trocas, expressa algèbricamente pelo célebre Irving Fisher nos seguintes termos:
M V + M' V' = P T
Toda a gente a conhece e dispensa explicações. A ela aderiu um professor francês notável que está agora dando as suas lições em Lisboa.
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Ela não se ajusta perfeitamente às demonstrações aqui trazidas. Nessas demonstrações não se conta com a pequena velocidade do escudo.
Não se conta com o pequeno uso entre nós do cheque e da ordem de lançamento!
Porque é só moeda escriturai o depósito utilizado por aquelas duas formas.
Mas a moeda escriturai é pouco veloz e dura apenas vida curta e precária, pois que carece sempre da moeda real quando se interrompe o seu circuito. Só pode ser usada pelos que tenham depósito e conta corrente activa.
A sua função é temporária. Não conta com o termo da equação - quantidade de mercadorias! Aqui a reposição de stocks, os novos abastecimentos, uma população maior e a reactivação de tarefas implicam emissão de moedas sem pressão nos preços.
Bem sei que podem argumentar-me que uma grande massa de depósitos - não significando investimento nem gastos a longo prazo- representam uma ameaça para os mercados e podem influir psicologicamente os preços.
É verdade.
Mas então resulta falaz a teoria quantitativa e a conclusão a tirar, - que é a de grandes economistas - é só uma: o que faz subir os preços não são as notas, os cheques, as ordens, mas as compras.
É preciso não esquecer que a inflação estimula, aumenta a dimensão da vida económica, dá um prémio às exportações e faz andar muita coisa numa economia estagnada ou atrasada. A inflação tem actualmente mais defensores do que nunca.
O que se diz sobre depósitos aplica-se à rubrica «Bancos e banqueiros». Pareceu-me que não se admitia a hipótese de ela se anular por cambiais de importação, levantamento de capitais refugiados ou contrapartidas e anulações de contas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vou dizer porque receio uma adaptação, em escala gigantesca, de todos os preços e situações por meio de um coeficiente de correcção.
Ainda ninguém a tentou.
Primeiramente, o nível de preços tomados na quadra anterior à guerra torna-se falacioso, hoje.
Por toda a parte a estatística tem apontado grande revolução nos hábitos e nos consumos.
Difundiu-se nas populações uma utilização maior do arroz, do bacalhau, da batata, do açúcar e do café. Perdeu a carne, o feijão, o vinho, etc.
Aumentou, por toda u parte, o gosto pelas diversões, viagens e leituras.
Depois a aplicação do multiplicador acarreta novas dificuldades sobre as dificuldades que pretendia resolver.
Exemplo - multiplicam-se por 4 as receitas públicas o a cobrança de contribuições directas dará 2, 3, 1,5; o imposto de consumo pode não dar nada; certas taxas oscilarão nos resultados de maneira incrível...
Como aplicar o coeficiente às rendas de casas - antigas, velhas, intermédias, novas, novíssimas o opulentíssimas?
Como aplicar aos créditos, pensões, reformas e dívidas? Como manter a ligação com os valores capitais e com os fundos de reserva?
Ainda duas palavras, Sr. Presidente.
Não posso votar uma moção relativa a política colonial que não contenha uma pujante afirmação de unidade política e moral.
Confesso que não me parecem de aceitar as discriminações de força e responsabilidade financeira entre a Mãe-Pátria e o ultramar.
Não podemos alinhar no mesmo plano o esforço orçamental e as idas e vindas de rendimentos privados.
As colónias tem os seus orçamentos privativos. Os serviços militares, a marinha mercante, as Universidades, certos órgãos de fiscalização, grandes departamentos servem, por igual, a Mãe-Pátria e as províncias ultramarinas.
Quando aquela estabelece uma protecção ao algodão e ao açúcar, quando aplica ou inverte, não quer saber, nem faz distinções entre os seus filhos, que o são todos.
Podia ter sido posto aqui o problema da insuficiência de dotação de certos serviços e creio que muitos de nós acompanharíamos o autor da moção.
Mas assim como não há um balanço do sangue derramado, dos naufrágios, das agruras dos pioneiros, dos sacrifícios e desilusões, nem um apontamento dos capitais investidos em séculos e que nada renderam, também não pode haver conta corrente de serviços e créditos, de lucros e perdas.
Para os portugueses há missão colonial e não há capitalismo de empresa!
Confesso que receio os reflexos desagradáveis e as más interpretações de certos alvitres, que chegarão às colónias comprimidos demais para poderem ser perfeitamente trasladados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Encontro-me onde estava - o Governo, o Banco e o público devem lutar e travar como puderem a inflação.
Quando os horizontes abrirem, depois da paz verdadeira, da reconversão industrial, das eleições americanas e do restauro do comércio plurilateral, alinhar então.
Até lá, ir procurando melhorar e estabilizar cá dentro.
Pareceu-me que se sustenta a separação do poder de compra interno e externo como compartimentos estanques.
É, porém, um só e mesmo problema.
Nunca vi uma reforma monetária que se confinasse num dos dois sectores.
O monetário é muito mas não é tudo.
O problema económico suplanta-o e arrasta-o.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Sr. Presidente: não era minha intenção pedir hoje a palavra, mas o Sr. Deputado Águedo de Oliveira foi tão gentil na resposta que deu ao meu discurso que julgo ser obrigação minha responder-lhe.
Começarei por fazer uma rectificação. No ano passado não profetizei catástrofe a breve prazo. Disse apenas que não podia ser optimista; basta ver como subiu o custo da vida e os preços a retalho para se verificar que quem tinha razão era eu.
O que disse o ano passado é o que está hoje diante dos olhos, e se o caso levantou celeuma é porque havia alguma coisa que então ninguém via. Convido V. Ex.ªs a relerem o que então disse.
Fiquei espantado, e quase sem perceber, como tinha sido possível o País inteiro vibrar com o meu discurso.
Com respeito ao futuro, bem sei que houve certos preços que baixaram por cansa dos fretes e da produção, que vai aumentando, mas, não obstante isso, o índice geral, tanto dos preços a retalho como dos preços por junto, vai subindo. Há muitos preços que estão tabelados e no dia em que se cotarem pelo preço que teriam se houvesse mercado livre esses índices hão-de subir.
Quanto à equação de ficha, tenho escrito até um artigo, que será publicado brevemente.
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Mas não interpreto como habitualmente interpreto tudo, e sirvo-me dele para explicar o que julgo não estar certo na nossa política de preços, como já me servi no período da outra guerra, considerando o que chamo equivalente moeda, justamente para evitar estas questões de dialéctica e para me manter dentro da linha dos factos.
Eu sei que por vezes a inflação é benéfica, isto é, um estimulante como a estricnina, mas V. Ex.ªs sabem que este veneno ingerido todos os dias acaba por matar.
A objecção do Sr. Deputado Águedo de Oliveira de que era difícil obter um equivalente para saldo da balança devo dizer que isso já se fez na Alemanha e nos Estados Unidos, e esse ponto era justamente focado no meu trabalho que a censura cortou, em que sugeria a adopção desse sistema.
Era preciso ir para a inflação? íamos, mas para a inflação dirigida, para não trazer a influência nos preços. Isto era o que eu propunha e que não se fez. Aguarda-se!... Se continuarmos a aguardar, parece-me que vamos para o mesmo caminho, mas oxalá eu me engane!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: subi o ano passado a esta tribuna, precisamente quando se discutia a lei de meios, para me referir a certas insuficiências na forma da distribuição do imposto e fazer a tal respeito os protestos que considerei justos e necessários.
Aproveito a oportunidade para registar com satisfação o brilhantíssimo esforço, o trabalho absolutamente actualizado e moderno desenvolvido nos últimos dois ou três meses pela Direcção Geral das Contribuições e Impostos na execução da nova lei sobre o imposto complementar.
Na verdade, consola dizer que os serviços fiscais exerceram a sua actuação por forma a confirmar que tinha desaparecido por completo aquela velha e condenável preocupação da caça à multa, que andava na reprovação de todos nós.
Com a mesma sinceridade com que há um ano censurei, entendo de meu dever louvar agora, e folgo por ter oportunidade de o fazer deste lugar.
Sr. Presidente: tenho acompanhado o debate sobre a proposta da lei de meios com a maior atenção.
Quem desprevenidamente ouviu anteontem as considerações do ilustre Deputado Sr. Henrique Galvão e há horas as do não menos ilustre Deputado Prof. Pacheco de Amorim ou levanta os braços ao alto, de desespero pelo abandono a que essa proposta vai votar as colónias, ou os deixa cair de desânimo perante a visão catastrófica duma bancarrota vertical, a dois anos de prazo, anunciada pelo segundo ilustre Deputado a que me referi...
O Sr. Pacheco de Amorim (interrompendo): - Não sei que ideia V. Ex.ª liga à palavra «bancarrota»...
O Orador: - Já explico a ideia que ligo à palavra «bancarrota». Agora registo só a... ginástica a que ambos V. Ex.ªs nos forçaram e pergunto a mim próprio: tem razão qualquer dos Srs. Deputados, dentro dos limites restritos do debate, ou, independentemente dele, discreteando sobre... «matéria vaga» à face da situação especial do País ou da trágica carência em que se debate o Mundo?
Não tem.
Trata-se da lei de meios, a discutir na generalidade.
Não há sugestões ou emendas que seja possível introduzir nela para acudir às preocupações daqueles oradores.
Portanto, procurou-se aproveitar uma oportunidade.
Sigamos-lhes o exemplo.
Vou expor também as minhas críticas, sem reivindicar os primores de uma elevação científica nesta Assembleia, deslocada até certo ponto.
Devo, porém, acrescentar que o farei sem levar em conta a advertência anunciada ontem pelo ilustre Deputado Sr. Pacheco de Amorim no início das suas considerações.
Há largos meses trabalhamos nesta Casa em regime da mais franca e leal colaboração e perfeita urbanidade.
Os títulos científicos de cada um deixamo-los à entrada: juizes, advogados, médicos, militares, comerciantes, lavradores, industriais, sacerdotes invocam como única carta de autoridade...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Pode acrescentar mesmo professores.
O Orador: - Observa V. Ex.ª muito bem, porque, na verdade, todos os Deputados, incluindo até os que são professores, jamais invocaram, ao subir a esta tribuna, outra carta de autoridade que não fosse o mandato recebido e a preocupação de bem servir desinteressada o lealmente a Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Daqui não ser admissível, venha de quem vier, uma restrição no debate concebida nestes termos: «só respondo aos argumentos de justificado valor científico».
Quem decide deste valor?
O próprio interpelante?
E como fixar-lhe os limites a partir dos quais é lícito esperar uma resposta, desde que escutámos uma lição brilhante que abrange desde especulações do mais alio requinte mental até à «doutrina económica» do lavrador do Minho, a desistência do abade e os cálculos do Sr. oficial do Alentejo?
Não!
Consideremos como não pronunciadas tais palavras e passemos a responder sem peias.
O Deputado Sr. Pacheco de Amorim tem razão: câmara que abdique é câmara que se liquida.
Mas essas abdicações que arruinam o prestígio de organismos desta natureza não são apenas as assumidas perante o Poder ou a popularidade fácil; são, e com dobrada razão, as da renúncia da opinião própria em holocausto a meros argumentos da autoridade, a do fetichismo das ideias feitas, da abdicação perante seja quem for.
Não pode ser. Pelo menos comigo garanto que não será. E se o Sr. Deputado Henrique Galvão manifestar o receio de que nos tomassem por um coro, não me perturba menos a ideia de que me julguem num colégio. Entre um e outro leve o demo a diferença!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: referir-me-ei primeiro ao discurso do ilustre Deputado Sr. Prof. Pacheco de Amorim e a seguir ao do ilustre Deputado Sr. Henrique Galvão.
As palavras que ouviram a este último, e que apreciarei dentro em pouco, representam as reclamações de um apaixonado a quem nada é bastante para a sua dama; as do Prof. Pacheco de Amorim, essas revelam as profecias de uma inteligência do raro brilho, mas ra-
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ciocinando apertadamente dentro de uma teoria exclusivista, rígida, fechada, que ignora aqueles imponderáveis sempre verificados em todas as épocas de crise, procurando resolver o problema por uma vaga fórmula matemática.
Ora, Sr. Presidente e meus senhores, quem tem razão é Elmer Hantos, no seu excelente livro sobre a moeda na Europa Central, quando escreve com maliciosa ironia: e Na época actual não se pode falar só da inflação do papel-moeda, mas também de outra inflação: a das teorias monetárias».
Com efeito, embora não sendo aos cardumes, nem às dúzias, aparecem teorias em número suficiente paru impedir que o distinto Deputado Sr. Prof. Pacheco de Amorim cerre a porta da turris ebúrnea onde ontem nos ameaçou de fechar à chave os seus argumentos.
Já não invoco, porque cheirariam a bafio, as teorias de Ricardo, Stuart Mill e Deschene (conceito da moeda, integrando nele os do título de crédito)... Parto do contemporâneo Irving Fisher com a sua fórmula no The purchase power of the money, da qual logo divergiu a escola de Cambridge, do Kinge College, com Maynard Keynes, em A Tract of money reform.
A par de todos eles, Aftolion (Monnaie, prix et change) diverge; a teoria do rendimento aparece como o verdadeiro dogma, logo impugnado pela teoria psicológica; e, no capítulo de depreciação cambial, bate-se o Nogaro, com a teoria da balança económica, contra Gustav Cassel e a teoria da paridade do poder aquisitivo.
Teorias, teorias, teorias... Palavras e mais palavras...
E os factos a seguirem o seu curso natural, superiorres e indiferentes a tão geniais concepções científicas...
Ora o Sr. Deputado Pacheco de Amorim é perigoso teórico, porque dispõe da mais privilegiada inteligência...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... e de um poder de exposição aliciante, persuasivo como o de ninguém, e porque é um fanático do seu quantitativismo.
Com a franqueza que me caracteriza e sem quebra do respeito a que S. Ex.ª tem justificado direito, avançarei que o ilustre Deputado Sr. Pacheco de Amorim é um monetarista ferrenho. Esta frase do seu discurso define-o : «é pelo nível da moeda que se alinha o dos preços».
Para S. Ex.ª o problema do custo «de vida é um problema de moeda. Só de moeda.
A política económica passa a reduzir-se à regulação da questão da moeda.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Num futuro mais ou menos próximo.
O Orador: - Desejaria que V. Ex.ª me dissesse então o que é esse problema «num futuro mais ou menos próximo», porque eu discuto uma lei de meios de 1946 e não uma lei de meios de um futuro mais ou menos próximo...
Entretanto, vejo confirmado que para S. Ex.ª não há problema económico.
Caricaturalmente: a verdadeira sede do Governo do País seria... no Banco de Portugal.
Ora eu sustento - e em muito boa companhia - que se trata de um problema complexo, no qual, além da moeda, há que considerar a produção e o consumo, os mercados e vários outros elementos.
Não serão científicas as razões que informam este conceito?
Nos quarenta e cinco minutos que o Regimento nos consente é impossível responder.
Um problema desta amplitude não cabe no âmbito do presente debate nem na escassez de tempo de que cada orador pode dispor. Carece de maior amplitude e não serei eu quem lha negue.
Para o tratar com toda a complexidade que reveste tomarei dentro de pouco tempo a iniciativa de suscitar num aviso prévio uma discussão sem barreiras intransponíveis, de molde a que se possa fazer a dissecação da política financeira do Estado Novo de 1926 a 1946 e a sua projecção e os seus efeitos, quer nos anos mais próximos, quer naqueles que se lhes seguirem, e nos quais já então começaremos a recolher os valiosos frutos de uma autêntica revolução industrial.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Repito: o problema não cabe nem nesta fase do debate nem no escasso período de tempo de que cada orador pode dispor.
Carece de inteira amplitude.
E não serei eu quem lha recuse.
Ao contrário: forçá-la-ei pela forma que já disse.
Por agora não posso ir além de colocar duas ou três anotações à margem das considerações do Deputado Sr. Prof. Pacheco de Amorim.
Como um conceito rígido, fechado, exclusivista que é, a sua teoria constitui um bloco.
Eliminar-lhe um dos elementos que seja é fazê-la derruir verticalmente. Esta circunstância facilita-nos a tarefa.
Ora neste curto espaço de tempo que me separa da noite de ontem há, pelo menos, duas restrições a opor ao discurso do distinto Sr. Deputado:
A afirmação de que os depósitos nos bancos constituem circulação potencial que pesa necessariamente sobre os preços, representa uma generalização inexacta e perigosa, visto que essa massa de poder de compra constitui na sua grande parte capital à espera de colocação.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Quem diz isso é V. Ex.ª?
O Orador: - Não. Foi V. Ex.ª quem o disse.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Eu não disse isso. A circulação potencial não é essa proveniente dos depósitos dos bancos particulares, mas sim a do Banco de Portugal, rubrica «Depósitos de bancos e banqueiros».
O Orador: - Teriam sido, porventura, as palavras de V. Ex.ª que atraiçoaram o seu pensamento. Não sòmente eu, mas vários Deputados com quem troquei apressadas impressões que a escassez do tempo permitia compreenderam o mesmo.
O Sr. Pacheco de Amorim: - V. Ex.ª desculpe-me, mas confundiu tudo aquilo que eu disse a tal respeito. Eu não me podia confundir num assunto que trato há, pelo menos, quatro anos em O Comércio do Porto.
Há três circulações: há o somatório de depósitos do público nos bancos particulares, há uma rubrica nos balancetes do Banco de Portugal cujos números que lá estão é que se chamam a circulação potencial, e até nos relatórios do Banco de Portugal se chama assim, e...
O Orador: - Quer portanto V. Ex.ª dizer que a circulação potencial é aquela que existe, contabilizada na rubrica «Depósitos de bancos e banqueiros»?
Sendo assim, ficam à parte os depósitos efectuados pelos particulares nos seus banqueiros, que originam a circulação mais pròpriamente designada por bancária
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ou da moeda disponível, a qual no conceito de V. Ex.ª pesa directamente nos preços...
O Sr. Pacheco de Amorim: - É a circulação monetária propriamente dita.
O Orador: - Pois neste momento responde a V. Ex.ª o homem prático, e não o teórico.
Devemos distinguir várias categorias de capital nesses depósitos:
1.º O capital líquido, que representa reintegração de valores de capital que não puderam realizar-se tecnicamente por virtude da guerra e que esperam o momento de efectuar-se agora (máquinas que não se substituíram nem repararam como habitualmente, stocks que se esgotaram e devem ser refeitos, pois o País tem a sua utensilagem industrial estafada, etc.);
2.º Outra parte, que representa a capitalização normal da produção, o aumento regular do seu equipamento, e que também não pôde fazer-se materialmente por virtude da guerra, mas cuja satisfação deve ser atacada desde já.
Toda a gente sabe que não tem aumentado o equipamento do País...
Ora também este capital não pesa sobre os preços dos bens de consumo.
Representa capitalização normal que não pôde aplicar-se; e, finalmente,
3.º Uma outra parte representa de facto capitalização extraordinária devida ao período excepcional da guerra.
Estes últimos depósitos, desde que haja tine e patriotismo, devem representar uma reserva para a obra de aumento da produção e industrialização do País.
Pesarão, todavia, sobre os preços se, perdida a confiança no futuro, ou agravados por profecias terroristas, os seus detentores os fizerem pesar sobre o mercado interno de bens de consumo em puro desperdício esbanjador. Pelo contrário, aumentará a produção nacional se forem reservados para o aumento extraordinário de utensilagem.
Neles, é certo, está a zona de perigo.
O chefe que conduza a multidão tem de precatar-se nessa encruzilhada difícil. O seu esforço atingirá - quem sabe? - o impossível se essa multidão estiver em franca debandada, movida pelo pânico de «cassandrismos» trágicos, vaticinadores, por A ou B, de uma bancarrota vertical.
Essa margem muito especial dos depósitos nos bancos é que está preenchida pelo tal dinheiro que de uma hora para a outra pode entrar na loucura de casacos de peles, dos automóveis do dobro do seu valor, das prodigalidadas loucas a que se referiu aqui o ilustre Deputado Águedo de Oliveira.
Mas que remédios de efeitos absolutamente seguros se apontam para acudir à eventual crise? Quais?
Vai V. Ex.ª, Sr. Dr. Pacheco de Amorim, para a solução belga?
O Sr. Pacheco de Amorim: - Suponho que nesta altura não seja ainda preciso, mas talvez o seja ainda.
O Orador: - Os próprios belgas criaram uma situação de tal convulsão económica e financeira que o brado de descontentamento é geral.
Ponhamos, portanto, de parte a solução belga.
Prefere V. Ex.ª, convictamente, a fórmula de tributação extorsiva aplicada em França, e que é também em parte uma solução belga?
Será no momento em que se discute a lei de meios que há possibilidades de lançar semelhantes ideias?
Mais do que nunca se impõe uma discussão a fronteiras abertas, sem limitação de tempo; e esse debati; repito mais uma vez que o não dispenso, anunciando que nos primeiros dias de Janeiro terei a oportunidade de suscitar em aviso prévio o problema da moeda nacional no seu aspecto interno e externo.
É preciso dizer-se alto e bom som que a Assembleia Nacional não receia discutir os actos deste Governo ou de qualquer outro.
Quer apenas fazê-lo com amplitude, com conhecimento de causa, com uma troca de opiniões e de argumentos que sejam eficientes, e não atabalhoadamente, numa discussão de minutos, em que domina o perigo da adulteração dos propósitos mais honestos e melhor intencionados, que poderão vir a ser explorados fora do ambiente em que foram proferidos e da intenção dos respectivos autores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Uma segunda anotação pretendo ainda opor às considerações do ilustre Deputado Sr. Prof. Pacheco de Amorim: a afirmação de que, em relação às compras de cambiais e rubrica «Depósitos de bancos e banqueiros», sempre os depósitos se convertem em circulação, pois os bancos têm de ir buscar aos seus depósitos no Banco de Portugal o correspondente aos levantamentos.
Proclama-a a teoria?
Pois refuta-a a prática diária, a realidade material das operações levadas a efeito.
Os depósitos nos bancos não representam património dos bancos, mas sim responsabilidade, a que têm de fazer face com os valores do seu activo.
Que estes valores do activo, em vez de estarem imobilizados ou empregados a curto prazo, se encontrem em valores de caixa ou depositados no banco emissor - isso só representa imobilização do poder de compra.
E, quando um comerciante ou industrial que precisa de um cheque para pagar libras, dólares ou coroas suecas para liquidar máquinas ou mercadorias adquiridas nessas divisas faz diminuir do seu depósito no banco os escudos necessários, nem por isso aumenta a circulação: ao seu cheque sobre o seu banco corresponde uma diminuição do activo do banco e uma diminuição igual das responsabilidades do mesmo para com esse depositante.
Quando, a seguir, esse banco emite o cheque sobre o Banco de Portugal, repete-se o processo: diminui o activo em quantia igual ao passivo.
A operação normal, correntia, não se traduz em maior emissão de notas que pese sobre os preços internos, pois não está demonstrado que o banco emissor liberte para a circulação monetária as notas correspondentes a este «jogo» de contabilidade.
Mas tudo isto que é?
Teoria pura!
Academia de estudos económicos; Assembleia Nacional, lei de meios - não.
Esta... continua à espera de que a discutam.
Devo dizer que acompanho o Sr. Deputado Prof. Pacheco de Amorim em determinadas críticas à forma como têm funcionado alguns serviços públicos; mas não viso, não ataco o sistema, porque esse reputo-o perfeito. O que afirmo é que há que colocar no bom carril bastantes dos respectivos executores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª tem carradas de razão quando clama contra o tabelamento; mas pergunto se o tabelamento e o racionamento são males nacionais.
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O Sr. Pacheco de Amorim: - Há uma parte que é nacional.
O Orador: - V. Ex.ª tem carradas de razão quando se refere às dificuldades da vida que apoquentam todos aqueles lares de economia mais que moderada. Mas, se generalizarmos a afirmação de V. Ex.ª, se deixarmos de olhar apenas para aquilo que se passa dentro das nossas fronteiras e lançarmos os olhos pelo Mundo além, encontraremos em toda a parte tabelamentos, encontraremos em toda a parte dificuldades de vida, encontraremos em toda a parte milhares de operários cuja capacidade de trabalho está reduzida apavorantemente por insuficiência de alimentação.
Vencidos, vencedores, neutros - todos se consomem no rescaldo da última guerra!
De polo a polo arrasta-se unia humanidade que sofre, porque o mal é de ocasião, é mal da época, não é mal que se remedeie com um aditamento à lei de meios.
Falou-se, ou como se no Mundo existíssemos só nós, ou como se tivéssemos recuado cerca de quatro séculos na História, quando todos os caminhos do orbe apontavam a Lisboa e o Universo era partilhado a meias entre Portugal e Espanha, ou ainda como se com os nossos 9 milhões de habitantes e o nosso erário pudéssemos arrojar-nos a impor reformas às grandes potências financeiras mundiais.
Como é possível fazer-se hoje em Portugal uma estabilização sem conhecermos o que os outros países já fizeram ou se propõem fazer?
Não!
Na paisagem que nos rodeia, e em matéria monetária, a única atitude prudente é a de observação: velas içadas, mas manobra de capa, à espera da oportunidade de... «arribar». E o navio há-de seguir!
Há poucos meses, num país do Norte, imperativos da minha vida particular levaram-me a visitar de novo uma modesta vitória que, como tal, conhecera há dez ou doze anos. Deparou-se-me uma verdadeira cidade, onde a vida decorria num ambiente de conforto e de humanidade, boa iluminação, um perfeito oásis!
Procurei a explicação do súbito progresso. Era simples.
Determinado grupo de capitalistas aproveitara uma queda de água que havia próximo, electrificara a região, espalhara energia eléctrica a um preço mínimo, assegurara por pouco mais de um guinéu por mês ar renovado de verão, luz e aquecimento de inverno, águas quentes, energia, gastos de cozinha e económico conforto para cada família constituída.
Ouvi ontem ao Deputado Sr. Dr. Pacheco de Amorim, do alto desta tribuna e com uma sensibilidade patriótica que ninguém lhe põe em dúvida, considerações negras acerca do futuro de Portugal e das dificuldades que se aproximam dentro de dois anos se o Governo não tomar medidas prontas e drásticas.
Pois, por uma momentânea associação de ideias, passou pela minha mente a cidade a que me referi; lembrei-me de que, enquanto S. Ex.ª orava, no norte e no centro de Portugal centenas ou talvez milhares de homens trabalham afincadamente no esquema da electrificação geral do País, trabalho já em franco andamento e que dentro de alguns anos chegará a termo. Então veremos a situação das nossas finanças, o prestígio e o crédito que garantem milhões de libras que se encontram depositados em Inglaterra. Alegrar-nos-emos notando a nossa... «ruina», quando esse programa atingir a sua execução completa e quando o plano de reconstrução da marinha mercante tiver aproximado ainda mais a metrópole das colónias; e constataremos também, Sr. Dr. Pacheco de Amorim, como se liquidaram as suas profecias.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Peço a palavra!
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª dá-me licença?
Desejo esclarecer o Sr. Deputado Pacheco de Amorim de que regimentalmente só pode usar da palavra duas vezes, e V. Ex.ª já o fez. Faço esta observação para dar a V. Ex.ª oportunidade de com autorização do orador, prestar quaisquer esclarecimentos.
O Orador: - V. Ex.ª interrompe-me todas as vezes que quiser. Sobra-lhe autoridade para tanto.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Se V. Ex.ª me dá licença direi ao ilustre Deputado que o estamos ouvindo com todo o interesse o que a todos encanta, mas que não pus a questão da electrificação nem a questão económica. Pus apenas a questão monetária, que vinha a propósito da lei de meios, pois não há orçamento sério sem uma moeda estável. Eu usei da palavra em face da ameaça, que pesa sobre os lavradores, do tabelamento do vinho.
O Sr. Cancela de Abreu: - A ameaça não tem fundamento.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Oxalá. Dou-me por satisfeito com V. Ex.ª
O Sr. Proença Duarte: - A política do vinho já foi definida pelo Sr. Ministro da Economia e é norma do Governo não alterar a política iniciada no princípio do ano e aguentá-la até ao fim.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Dou-me por satisfeito em que não haja tabelamento do vinho na adega do lavrador.
Também queria dizer a V. Ex.ª outra coisa. Não limito a minha ideia sobre a economia política portuguesa ao aspecto mo etário. O que digo é que a parte monetária é capaz de anarquizar tudo.
Admito a inflação como um remédio para uma doença, como a estricnina, como uma medida excepcional, mas não a admito como fenómeno permanente.
Agradeço a V. Ex.ª que traga aqui essa questão para debate.
O Orador: - Trago-a com certeza. E agora continuo. Aquele quadro de calamidades que teria ficado nos espíritos desprevenidos depois das últimas considerações do Sr. Prof. Pacheco de Amorim na sessão de ontem não chegou a preocupar por muito tempo a minha ansiedade patriótica, porque vivo na arraigada fé de que estes dois planos grandiosos de natureza económica terão eficiência mais que suficiente para contrapor ao agravamento do custo da vida um dique intransponível.
Nessa revolução económica está implícita a defesa da política financeira do Estado Novo.
Porventura haverá quem acredite que o remédio se descobre de preferência na fórmula simplista do tal camponês do norte: «deixem subir os preços dos produtos e subam depois os salários»?
Raciocinando policialmente, garanto desde já que este informador do ilustre Deputado Sr. Prof. Pacheco de Amorim é, ou era, filho de um fabricante de carros, carroças ou camionetas - pois se lhe seguíssemos à letra a «doutrinas todos esses veículos viriam a ser insuficientes para transportar as notas com que iríamos à capelista da esquina comprar e pagar... uma caixa de fósforos.
Entre o muito saber do professor consagrado que é o Deputado Sr. Pacheco de Amorim e o «faro» dos banqueiros internacionais não hesito. Opto pelos segundos.
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Ora lá de fora, de um país de capitalistas cautelosos e prudentes, ainda há dias se telegrafava acentuando que Portugal é um dos treze países de morda forte.
Termino, por conseguinte, como comecei.
S. Exa. é um teórico doutíssimo. Vai enganar-se. Não exagero garantindo que terá no reconhecimento do seu errado vaticínio um vivíssimo prazer.
Sr. Presidente: dos pessimismos do Deputado Sr. Prof. Pacheco de Amorim vou passar agora aos negativismos do ilustre Deputado Sr. Henrique Galvão.
Relevem V. Ex.ªs que o faça em estilo de telegrama, porque, atento o adiantado da hora e as prescrições do Regimento, não me é licito dar a este comentário a latitude que em boa verdade merecia.
E que a impressão dolorosa recebida enquanto ouvia nesta sala a palavra fluente do autorizado colonialista foi agravada pelo cuidadoso estudo que fiz do seu discurso, já publicado no Diário das Sessões.
Podemos dividi lo era três partes, perfeitamente definidas: na primeira, o ilustre Deputado acumulou afirmações sobre afirmações, tendentes a demonstrar que a metrópole falseia o seu dever para com as colónias, financiando-as avaramente, explorando-as o descurando nos últimos anos os progressos que a colonização étnica em época mais remota apresentava; na segunda, o orador explicou os seus propósitos para concluir que as palavras que proferira se não devem prestar a explorações, pois reconhece a obra de ordem, de arrumação financeira e de disciplina administrativa levada a efeito pelo regime, e, na terceira, termina por apresentar a moção que já nos foi lida e a Assembleia conhece.
O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Henrique Galvão: - Nas minhas considerações não tive em vista senão expor o seguinte: primeiro, que a empresa colonial era uma empresa lucrativa para a metrópole; segundo, as circunstâncias exigiam que fossem considerados problemas instantes que tinham de ser resolvidos com meios de que as colónias não dispõem, e, por consequência, que a metrópole devia devolver parte dos lucros alcançados com a empresa: terceiro, a moção.
Pois muito bem: se o discurso de S. Ex.ª se limitasse à exposição dos seus propósitos, pela minha parte ainda assim não votaria a moção tal como está redigida.
Porquê?
Porque a leio escrita em termos que ao leitor desprevenido dão a impressão de que se aconselha ao Governo que dê à sua política colonial uma linha de conduta que tem sido, senão abandonada, pelo menos esquecida. Estudem V. Ex.ªs atentamente a moção e hão-de verificar que não exagero.
Mas se recordo as críticas da primeira parte do discurso do Sr. Deputado Henrique Galvão e as completo com o texto da moção a que já aludi, então qualquer coisa que não seja a sua rejeição pura e simples implica, em meu critério, coroar uma série de equívocos com uma censura a todos os títulos descabida.
Por isso não deixarei de enviar para a Presidência uma moção de substituição da que foi apresentada, na qual, segundo estou convicto, nada mais faço do que reconhecer a justiça de quem a ela tem jus.
É que é chegada a altura de pedir a atenção do ilustre Deputado e de quantos me escutam para a flagrante gravidade de uma acusação fundada ora em meias verdades só aparente?, ova em arguições de factos de que não é responsável o Governo da metrópole, ora em afirmações nem sempre controladas e merecedoras de absoluta fé.
Expresso-me nestes termos porque vivemos um momento em que cá dentro e lá fora milhares de olhos estão postos nas nossas colónias, ansiosos por descobrir a primeira fissura na política colonial portuguesa para danem imediato azo a manifestações que me abstenho de classificar.
Numa atmosfera de tal natureza, numa meia verdade, a alegação do mais insignificante facto imperfeitamente controlado transforma-se, nas mãos dos a «separatistas» dementados ou nas dos ambiciosos de além-fronteiras, em perigosa arma de ataque. E então, se lhes damos a possibilidade de valorizarem as suas insídias com a garantia de que reproduzem acusações formuladas na própria Assembleia Nacional, e por um dos seus categorizados membros - senhores, prostergamos as nossas obrigações de patriotas, por mais louváveis que sejam os propósitos com que nos abonemos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vejamos como pràticamente tudo se desenvolve em franca oposição com os elogiáveis propósitos do ilustre Deputado.
A primeira arguição de V. Ex.ª é a de que ordinariamente a metrópole paga como encargo da glória, prestígio e proveito que as colónias portuguesas lhe dão importância que anda à roda de 22:000 contos. Para apurar este número extrai a média das despesas ordinárias liquidadas pelo Ministério das Colónias nos últimos dezoito anos, conforme um mapa que acompanha o parecer da Câmara Corporativa, e, acrescentando à quantia apurada o despendido em despesas extraordinárias, proclama que as colónias têm custado ao contribuinte metropolitano, em média anual, a quantia de 25:000 contos.
Verdadeira que fosse a soma indicada - e já demonstraremos o equívoco - reparem V. Ex.ª, Sr. Presidente, e V. Ex.ªs, Srs. Deputados, na gravíssima especulação que desde logo facilita: haveria, nesse caso, um país com aspirações coloniais cujo orçamento anual se aproxima ou excede os 4.000:000 de contos e que para as suas colónias reservava a miserável quantia de 25:000 contos.
Não é preciso ir mais além para que ressalte a toda a evidência a gravidade da imputação.
Aqueles patriotas que V. Ex.ª, Sr. Deputado Dr. Froilano de Melo, há dias tão brilhantemente flagelou nesta Câmara - e com tamanho patriotismo o fez! - servir-se-ão de um argumento desta natureza, apresentado com toda a força da autoridade que lhe vem de ter sido feito na Assembleia Nacional, como de uma razão decisiva.
Efectivamente, cá ou lá fora, ninguém aceita de boamente que num orçamento metropolitano de 4.000:000 de contos se reservem apenas 25:000 contos para as colónias.
Há, portanto, que ver se se trata de uma novidade na orientação das finanças portuguesas em relação a 1946 ou se, pelo contrário, o Governo da Nação em 1946, mais do que nos anos anteriores, aumentara a dotação do Ministério das Colónias.
O Sr. Henrique Galvão: - Não é novidade, mas é verdade.
O Orador: - Ora é flagrante o «equívoco da afirmação do ilustre Deputado a que estou aludindo.
As despesas orçamentadas para o Ministério das Colónias no ano de 1946 atingem a cifra exacta de 59:424.749 $26, bastante mais do dobro da tal «média» referida pelo Sr. Henrique Galvão...
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Depois, é preciso, torna-se essencial esclarecer e gritar urbi et orbi que no exercício de que se trata o Ministério das Colónias não reduziu de qualquer modo as dotações anteriores. Ou antes, mais precisamente, que o Estado Novo vem nos últimos exercícios aumentando progressiva e vantajosamente a importância das suas dotações para o Ministério das Colónias.
E mais: que não há cotejo possível entre as dotações mais recentes e as que anteriormente a 1926 aquele Ministério recebia.
Cito dois ou três números: em 1925-1926 a dotação para despesas ordinárias e extraordinárias não chegou a atingir os 15:000 contos; em 1946 aproximou-se dos 60:000.
E excepção feita de um período de estagnação ou, mesmo, de decréscimo que, por motivos bem conhecidos t1 que a escassez do tempo me proíbe de esmiuçar, explica a redução das mencionadas dotações nos anos de 1931-1932 e 1942, já em 1943 andávamos pelos 38:500 contos de dotação anual, elevada para 29:500 em 1944 e para 32:964 contos em 1945 e, como não me canso de repetir, para 59:424.749$26 em 1946.
O Sr. Henrique Galvão: - Mas V. Ex.ª refere-se a despesas orçamentadas ou a liquidadas?
O Orador: - Orçamentadas.
O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª não sabe quais são as liquidadas ? Há uma diferença importante.
O Orador: - Tenho aqui os números e referir-me-ei a eles se tiver tempo.
Constato, entretanto, que V. Ex.ª não impugna, nem lhe seria fácil fazê-lo, que no orçamento de 1946 estas despesas ascenderam a 59:400 contos, ou seja mais 27:000 contos de acréscimo nas despesas orçamentadas para o Ministério das Colónias.
O Sr. João do Amaral: - E o orçamento traduz a intenção do Governo.
O Orador: - Diz V. Ex.ª muito bem. Numa síntese: precisamente quando se apresenta uma moção que se presta a fundamentar a acusação de desinteresse já salientemente posta a claro apura-se que nos encontramos em face de uma situação de facto incontroversa, em absoluto incontestável, do acréscimo em 27:000 contos, números redondos, relativamente à dotação para despesas ordinárias e extraordinárias orçamentadas para o Ministério das Colónias no exercício anterior.
Por mais breve que anseie por ser vejo-me coagido a tomar o tempo de V. Ex.ªs com estas minudências, visto que para julgar com a verdade inteira e não com destaques de verbas, sempre sujeitos a conclusões erróneas, tornava-se essencial verificar se, como parecia, se tratava de uma novidade na orientação de quem dirige os sopremos interesses da Nação.
O ilustre Deputado Sr. Henrique Galvão mencionou a seguir o coeficiente das exportações e importações da metrópole para as colónias e vice-versa e agravou-o com a afirmação de que enquanto Angola transferiu para a metrópole no ano de 1945 437:800 contos, a metrópole sòmente transferiu para as colónias 349:800 contos.
Não me detenho na análise desta alegação, atenta a sua mais que manifesta irrelevância.
Só a pode invocar quem desconhecer a unidade nacional, a unanimidade do Império. Está-se vendo o absurdo a que a aceitação de semelhante critério nos conduziria: a cada um dos distritos ou concelhos metropolitanos ficaria assistindo o direito de formular reclamações nestes termos: contribuímos para o erário com X contos de contribuições e impostos; o Governo despendeu, porém, em nosso directo beneficio apenas Y, quantia inferior a X. O Governo não corresponde aos sacrifícios que despendemos, explora-nos, estamos credores do Governo pela diferença e... vá de apresentar uma moção. Não pode ser.
O argumento, além de especioso, presta-se, excedendo os propósitos do Sr. Deputado Henrique Galvão, às tais especulações a que me referi.
O Sr. Henrique Galvão: - Acho que não temos que recear isso, porque quando aqui usamos da palavra para agitar estes problemas fazemo-lo num plano onde essa especulação nunca pode chegar, porque os especuladores que V. Ex.ª receia nunca o alcançaram. Estamos a tratar de questões entre nós.
O Orador: - Isso é sonho e ingenuidade pura.
O Sr. Henrique Galvão: - Talvez o ingénuo seja V. Ex.ª
O Orador: - Pergunte V. Ex.ª ao nosso brilhante colega Sr. Dr. Froilano de Melo se um argumento desta ordem nas mãos de qualquer antipatriota não seria apresentado como ouro do lei aos olhos dos ingénuos ou ignorantes de verdadeiras elementariedades no capítulo da administração política e económica do País.
E passo adiante, porque os minutos voam e tenho de terminar.
Na sequência do discurso do Sr. Deputado Henrique Galvão depara-se-nos a queixa das - como direi? - extorsões praticadas pela metrópole em detrimento das colónias.
Neste capítulo das pretensas espoliações de que a metrópole fez vítima as colónias acusou o Sr. Henrique Galvão a metrópole de ter emprestado à província de Angola à taxa de 3 por cento, ao passo que a Companhia dos Diamantes o fez a 2 por cento.
Falta-me o tempo para explicar a que cuidados se chegou no estado, discussão e apreciação por vários organismos competentes desta operação financeira.
Rectifico apenas a arguição recordando que a Caixa Geral de Depósitos empresta a juro superior a 3 por cento às autarquias locais metropolitanas!
Para as próprias obras de sanidade e outras de carácter idêntico o juro mais favorável de que as autarquias locais da metrópole têm conseguido beneficiar não baixou nunca dos 3 1/4 ou 3 1/2 por cento; para outros empréstimos o juro da Caixa sobe a 4, 4 1/4 e 4 1/2 por cento.
Quer dizer: a Caixa Geral de Depósitos não só reputou Angola como um prolongamento natural da metrópole, como a acarinhou, contentando-se com um juro inferior ao que legitimamente exige das câmaras municipais da metrópole.
Em lugar de censurar há que louvar.
Os portugueses de Angola podem e devem justificadamente orgulhar-se de um tratamento de verdadeira excepção.
O Sr. Henrique Galvão: - Porque é que desejando a Caixa Geral de Depósitos ir tão longe não foi tão longe como a Companhia dos Diamantes?
O Orador: - Se V. Ex.ª me pergunta se, sendo eu o Ministro das Colónias, recorreria a uma empresa concessionária para emprestar dinheiro à colónia onde exerce a sua actividade, respondo-lhe desde, já que, em princípio, não. Quanto, porém, ao procedimento da empresa concessionária não hesito em compreendê-lo... V. Ex.ª,
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Sr. Deputado Henrique Galvão, também o compreende sem esforço...
Pois não?
De resto, ainda nesta suspeita de falta de ampla contribuição da metrópole para com as colónias esqueceu o ilustre Deputado um pequeno detalhe: refiro-me ao empréstimo Norton de Matos, no valor de 800 mil e tantos contos...
O Sr. Teófilo Duarte: - Isso não é bem assim. Da dívida de 800:000 contos a que V. Ex.ª se refere, nem toda é do tempo do Sr. Norton de Matos.
O Orador: - É assim mesmo naquilo que importa e que se resume na afirmação, que mantenho, de que a metrópole, credora de Angola por mais de 800 mil contos, consolidou completamente o empréstimo pelo decreto-lei n.º 28:199, de 20 de Novembro de 1937, isentando-a do pagamento de juros até 31 de Dezembro de 1942 e passando a debitá-la por um juro de 1/4 por cento até Dezembro de 1947, susceptível de pequenos aumentos, ao ponto de só a partir de 1960 se alcançar o juro máximo de 2 por cento.
Note-se, todavia, que, para cúmulo de todas estas vantagens, existe no decreto um artigo 4.º, que prevê a hipótese de surgirem dificuldades quanto ao pagamento mesmo desses juros «teóricos», facilitando a sua entrega a instituições de crédito para utilização na colónia.
Completada com estes esclarecimentos, a alegação dos 25:000 contos de dotação e do pretenso desinteresse da metrópole já pode ser lançada a público sem risco de juízos precários e injustos.
Sem eles... V. Ex.ªs dirão.
Dirão que, havendo uma relação de crédito entre a colónia e a metrópole, a metrópole procedeu mais uma vez, e ainda e sempre, com generosidade.
O Sr. Henrique Galvão: - Mas isso é muito menos do que a colónia, sem se invocarem sentimentos de generosidade, precisaria para resolver os problemas de soberania a que me referi.
O Orador: - Já lá iremos.
Como se não bastasse aquele confronto, aparentemente clamoroso, dos 25:000 contos em relação a um orçamento de 4.000:000, ainda o Sr. Deputado Henrique Galvão aludiu à compra dos Palácios da Junqueira e das Laranjeiras, para, acto seguido, lançar esta interrogação gravíssima: «Seria para se acudir a tais despesas que se agravou o imposto indígena em algumas das colónias?»
Estando-se a discutir uma proposta de lei do Governo Central e acumulando-se criticas à acção do Ministério das Colónias, quem há aí que não tenha confiadamente admitido que a compra dos palácios e o agravamento do imposto tudo foi obra condenável do Governo da metrópole?
Quem?
Pois, em boa verdade, os palácios foram adquiridos por todas as colónias, com excepção de Timor, e por ambos foi paga como preço global a quantia de 3:000 contos.
Hoje qualquer dos palácios vale, só por si, duas, três ou quatro vezes o custo de ambos. Pessoa alguma o contestará.
O Sr. Henrique Galvão: - Porque não fez então a metrópole esse magnifico negócio?
O Orador: - E o decreto n.º 34:662, de 12 de Junho de 1945, regularizou a respectiva situação jurídica e patrimonial, digamos, reafirmando que esses valores imobiliários pertencem às colónias e podem ser vendidos pelo respectivo governo, ouvido o conselho do governo.
A operação de que estou esclarecendo a Assembleia tem, portanto, jus a louvores, e não a censuras.
Perguntou o Sr. Deputado Henrique Galvão porque não fez o Governo Central essa despesa.
Em Londres cada colónia tem a sua casa. O Sr. Deputado Henrique Galvão não o ignora. Recorde-se S. Ex.ª da Casa da Austrália, da Casa da Nova-Zelândia, etc.
O Sr. Henrique Galvão: - Mas o Palácio da Junqueira e o Palácio das Laranjeiras não são nem a Casa de Angola, nem a Casa de Moçambique. Também eu concordaria em que as colónias tivessem em Lisboa a Casa das Colónias, mas esses palácios não tiveram esse destino, como V. Ex.ª sabe.
O Orador: - Não são. Mas podem vir a sê-lo, e tudo aconselha a que assim suceda.
Em seguida àquela afirmação o Sr. Deputado Henrique Galvão pergunta: «Seria para acudir a tais despesas que se agravou o imposto indígena nalgumas colónias?».
Ora sabe que o imposto indígena é da estrita responsabilidade do governador de cada colónia quem tiver lido o n.º 4.º do artigo 36.º da Carta Orgânica. Mas aumentou efectivamente o imposto indígena?
O Sr. Henrique Galvão: - Aumentou.
O Orador: - Houve um aumento aparente do imposto indígena em Moçambique e um ligeiro aumento em Angola.
O Sr. Henrique Galvão: - Cerca de 20 por cento.
O Orador: - Disse aumento aparente em Moçambique e vou explicar porquê.
Até há pouco tempo o imposto indígena em Moçambique recaía não só sobre os homens, mas também sobre as mulheres.
Compreendia-se que assim fosse. É sabido que as mulheres são nessa e noutras colónias autênticos instrumentos de trabalho, índice de riqueza. Quanto mais rico é o preto, maior número de mulheres possui.
Enquanto o proprietário dessas mulheres passa repousadamente a vida à porta da cabana a fumar cachimbo, as mulheres, servindo-se das mais rudimentares ferramentas, trabalham no campo.
V. Ex.ª, Sr. Henrique Galvão, que tem uma experiência muito maior do que a minha, sabe que é assim.
Quando morria o «dono» desses «animais de rendimento», as viúvas continuavam pagando tributo. Então os pretos de Moçambique reclamaram do govêrno a abolição do imposto sobre as mulheres, para que só os machos pagassem, embora a uma taxa mais elevada. O govêrno da colónia assentiu e pôs termo à tributação das mulheres. O preto que possua avultado número de mulheres ficou mesmo beneficiado.
O Sr. Henrique Galvão: - Estou de acordo com V. Ex.ª nesse ponto e defendi o princípio durante muitos anos de que as mulheres não deviam pagar imposto.
O Orador: - Folgo imenso com isso.
Vamos ao último argumento de V. Ex.ª, e esse o mais alarmante, pela projecção internacional que pode ter. Aludo à afirmação de que o número de brancos existentes em Angola, que tinha subido num ritmo crescente até 1931, teve de então para cá um movimento nitidamente decrescente. As palavras de V. Ex.ª foram estas: «na colonização étnica, nos últimos anos, se não baixámos de nível tão gravemente como o referem as últimas estatísticas do recenseamento da população... perdemos, no entanto, nitidamente, o ritmo progressivo em
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que íamos desde 1900...». E cita números que se referem a alguns dos anos que decorrem entre 1930 e 1940.
Pois bem, um funcionário colonial, que me asseguram ser da maior distinção e, presumivelmente, amigo ou, pelo menos, bem conhecido de V. Ex.ªs - refiro-me ao r. Alberto de Lemos, inspector superior...
O Sr. Bagorro de Sequeira: - Não é inspector superior, mas sim chefe dos serviços de estatística.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o esclarecimento, que valoriza a autoridade da fonte de que me vou socorrer.
O Sr. Alberto de Lemos, chefe da Repartição Técnica de Estatística de Luanda, no relatório do censo de 1940, explica-nos a série de erros, insuficiências e confusões de todos os censos anteriores, cujos números não merecem crédito seguro, por variadíssimas razões, nomeadamente a de terem incluído e confundido mulatos no número de brancos, etc., e, depois de ter acumulado uma série de elementos de informação, escreve, em franca discordância com o que leio no discurso do Deputado Sr. Henrique Galvão: «A análise de sucessão numérica que fica registada mostra à evidência - notem V. Ex.ª, à evidência! - que não houve queda apreciável no quantitativo global da população branca. Crescimento lento, insignificante mesmo, mas sem fractura grave no período considerado».
Quer dizer: os portugueses da metrópole não voltaram as costas aos seus irmãos de Angola, principiando a não os procurar, como anteriormente.
Os múltiplos elementos de prova do censo de 1940 comprovam precisamente o contrário daquilo que nos foi dito. Convencem de que não houve queda apreciável.
Ainda bem. Em boa hora posso, apoiado em razões sérias, dizer que a afirmação contrária não se harmoniza com a realidade averiguada.
O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª está mais uma vez enganado. De resto é muito natural, e nisto não há o mais pequeno melindre para V. Ex.ª, que eu conheça um bocadinho melhor essa questão do que V. Ex.ª
O Orador: - Conhece, com certeza. Mas são as afirmações contidas no discurso de V. Ex.ª que estou rebatendo...
O Sr. Henrique Galvão: - Tentando rebater...
O Orador: - Sr. Presidente: não se suponha que nos comentários que aqui termino existe a intenção de combater a política de crescente colaboração espiritual, material e política entre a metrópole e as colónias. Proclamo-a essencial para a defesa do futuro que nos aguarda, inerente à própria dignidade da Pátria!
Que em cada novo exercício soja mais e melhor. Mantenhamos o ritmo. Aumentemo-lo sempre que for possível. Não é mister, para tanto, alterar a realidade.
Filho de um homem que liquidou até ao último real recebido de seus maiores para tudo ir enterrar numa empresa de África; que aí queimou a saúde em vinte anos de isolamento para regressar à metrópole, arruinado, avançado nos anos, sem outra herança para deixar aos filhos que não fosse um nome honrado entre os mais honrados; eu próprio nascido em S. Tomé - entusiasma-me o sonho da integração das colónias na própria metrópole, aplaudo a mãos ambas tudo que àquelas possa beneficiar.
Aspiro inclusivamente a tanto que chego a antever a possibilidade da eliminação do Ministério das Colónias pela dispersão dos seus serviços nos demais departamentos da administração central, para que o Mundo saiba que esse bloco, essa intimidade espiritual que sempre tem amalgamado portugueses de aquém e além-mar, foi ainda mais longe; fez desaparecer oceanos e ligar o próprio continente metropolitano às terras das descobertas!
Nesse dia experimentarei uma das mais exultantes alegrias que me pode estar reservada.
Hoje concluo entregando a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a seguinte moção:
«A Assembleia Nacional, verificando mais uma vez, e com júbilo, que na proposta de lei n.º 96, de autorização de receitas e despesas para o ano de 1947, se mantém e melhora o critério do elevação das dotações destinadas ao orçamento do Ministério das Colónias, aprova na generalidade a mesma lei e emite o voto de que nas futuras contas o Governo continue a elevar as aludidas dotações, do modo a activar as soluções dos problemas referentes à colonização étnica e assistência e civilização dos portugueses de além-mar.
O Deputado António Júdice Bustorff da Silva».
E, pedindo a V. Ex.ªs que me perdoem pelo tempo que lhes ocupei, tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henrique Galvão: - Uma vez que a moção do Sr. Dr. Bustorff da Silva amplia o voto expresso na moção que apresentei e não a contraria, retiro a minha e perfilho a de S. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Estava ainda inscrito para falar na generalidade o Sr. Deputado Querubim Guimarães, que não vejo na sala. Como há necessidade de se entrar na especialidade, e só nos resta, para concluir o debate, a sessão de amanhã, considero esclarecido o assunto na generalidade.
Há algumas moções que foram apresentadas durante o debate, e que vou mandar ler à Câmara para delas ter conhecimento, prevenindo a hipótese de o Diário das Sessões, dado o avançado da hora em que esta sessão termina, não estar aqui no princípio da sessão em que essas moções são votadas.
Foram lidas. São as seguintes:
«Considerando que, em matéria de inquilinato urbano, não pode entrar-se abertamente, desde já, em regime de ampla liberdade contratual; mas
Considerando que o problema ó de transcendente importância e demanda resolução urgente nalguns dos seus aspectos mais graves;
Considerando que se não são de admitir as especulações por parte dos senhorios, igualmente não devem ser permitidas aos arrendatários;
Considerando que os diplomas fundamentais sobre inquilinato, por antiquados e dispersos, carecem de ser actualizados e codificados:
A Assembleia Nacional reconhece a necessidade de:
1.º Serem revistas as restrições legais em vigor sobre as rendas, sem descurar a situação das classes menos abastadas;
2.º Ser devidamente regulada a sublocação e fiscalizados os traspasses, com rigorosas penalidades quando se trate de arrendamentos para habitações, que, aliás, a lei não permite;
3.º Ser assegurada aos senhorios e aos arrendatários igualdade de direitos perante os tribunais em matéria de recursos;
4.º Serem estabelecidas normas processuais mais rápidas e económicas para as questões simples de inquilinato;
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5.º Proceder-se, sem prejuízo das providências urgentes atrás referidas, à codificação de toda a legislação dispersa sobre inquilinato.
Os Deputados: Francisco de Melo Machado - João Antunes Guimarães - José Maria Braga da Cruz - Paulo Cancela de Abreu - Manuel Colares Pereira - A. Marques de Carvalho - Ricardo Spratley - Mário de Aguiar».
«Dando a sua inteira concordância ao disposto no artigo 8.º da proposta de lei n.º 96, a Câmara pondera a conveniência de se estudar a possibilidade de, sem diminuir o seu rendimento global, adoptar para o imposto profissional um regime de escalões e taxas progressivas.
Os Deputados: Mário Madeira - Joaquim Mendes do Amaral - José Maria Braga da Cruz - João das Neves».
«Considerando que o problema do inquilinato urbano não é apenas de ordem jurídica;
Considerando que ele é a consequência de fenómenos de ordem económica que não são solúveis ou facilmente modificáveis por instrumentos exclusivamente de ordem legislativa;
Considerando que um problema assim não pode ser resolvido modificando apenas as disposições que o regulamentam;
Considerando que não convém aumentar as causas de perturbação social, de modo a agravar ainda mais o mal-estar de determinadas classes da população:
A Assembleia Nacional emite o voto de que se intensifique a política que o Governo vem desenvolvendo em ordem a:
a) Construção de bairros económicos para as classes média e pobre;
b) Facilitar a criação de organizações particulares com a finalidade de ajudar a solução do problema habitacional;
c) Facilitar a aplicação de capitais dos organismos de previdência na construção de casas económicas para os seus associados;
d) Facilitar a aplicação de capitais particulares exclusivamente nas construções referidas;
e) Evitar a especulação de senhorios ou inquilinos em ordem a alterar as condições normais das rendas dos prédios urbanos, que deverão ser função das possibilidades económicas actuais.
Os Deputados: Manuel Hermenegildo Lourinho - José Esquível».
«A Assembleia Nacional, verificando que a proposta em discussão mantém o imposto sucessório nas transmissões a favor dos descendentes, embora com taxas reduzidas, tendo em atenção os valores transmitidos; e
Considerando que a Constituição afirma a necessidade de proteger a família por a considerar a «base primária da disciplina e harmonia social e o fundamento da ordem política e administrativa», aconselhando, com esse objectivo, a adopção do salário familiar e o lançamento dos impostos de harmonia com os encargos legítimos da família, o que ainda não passou de simples aspiração;
Considerando que as famílias numerosas carecem ainda de maior protecção, sobretudo nos tempos difíceis que correm, do que a efectuada pela instituição do casal de família e abono de família, e que merecem essa protecção, como em outros países se tem feito, por serem factores de progresso e de riqueza, assegurando a conservação e continuidade da raça e ao mesmo tempo a maior garantia da defesa da Pátria:
Aprova a proposta mas exprime o voto de que, dentro dessa orientação constitucional, o Governo, servidor como tem sido dos supremos interesses da Nação, encare com o maior interesse o problema da protecção à família e lhe dê, dentro das possibilidades do Tesouro, a solução mais justa e conveniente.
O Deputado Querubim do Vale Guimarães.
O Sr. Presidente: - Além destas moções, havia uma outra do Sr. Deputado Henrique Galvão, que acaba de ser retirada pelo mesmo Sr. Deputado. Há ainda a moção do Sr. Deputado Bustorff da Silva, que V. Ex.ª há pouco ouviram ler.
Está também na Mesa uma proposta de alteração, apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Borges, de que a Assembleia já tem conhecimento, e uma outra proposta de alteração da autoria da Comissão de Finanças, que se vai ler.
Foi lida. É a seguinte:
«Artigo 5.º.....................................................................
§ 2.º Só os contribuintes poderão requerer avaliações, nos termos das leis em vigor, sempre que não se conformem com o valor resultante das correcções estabelecidas no corpo deste artigo e no seu § 1.º
Os Deputados: Joaquim Mendes do Amaral - Diogo Pacheco de Amorim - Mário Borges - José Maria Braga da Cruz - João Garcia Nunes Mexia».
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, sendo a ordem do dia a votação das moções e a discussão na especialidade da proposta da lei de meios.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
António de Almeida.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Proença Duarte.
Diogo Pacheco de Amorim.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel França Vigon.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Teófilo Duarte.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Maria Pinheiro Torres.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Fausto de Almeida Frazão.
Gabriel Maurício Teixeira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Soares da Fonseca.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA