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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 67

ANO DE 1946 18 DE DEZEMBRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 67 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 17 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com alterações, o Diário das Sessões n.º 64. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou a Câmara de que estavam na Mesa os documentos solicitados pelos Srs. Deputados Mendes de Matos e Cunha da Silveira, respectivamente ao Conselho Técnico Corporativo e ao Ministério do Interior, e que os referidos documentos iam ser entregues àqueles Srs. Deputados.
Os Srs. Deputados Couto Zagalo e Mendes de Matos enviaram para a Mesa requerimentos no sentido de lhes serem fornecidos elementos de estudo por parte dos respectivos serviços.
O Sr. Deputado Mendes Correia fez o elogio fúnebre dos professores universitários João Duarte de Oliveira e Pereira Salgado.
Os Srs. Deputados João Amaral e Pinheiro Torres referiram-se com louvor à iniciativa da Junta Central das Casas do Povo ao instituir uma série de prémios destinados a escritores que versem especialmente assuntos relativos à vida dos trabalhadores portugueses.
O Sr. Deputado Bustorff da Silva enviou para a Mesa um aviso prévio.
O Br. Deputado Duarte Silva deu à Câmara alguns esclarecimentos acerca de uma nota oficiosa do Ministério das Colónias publicada nos jornais de 14 e 15 do corrente.
O Sr. Deputado Salvador Teixeira congratulou-se por ter visto publicada a notícia de que se achavam em execução algumas estátuas destinadas a perpetuar a memória de alguns portugueses ilustres.
Finalmente, o Sr. Deputado Querubim Guimarães referiu-se à moção aprovada no dia 14, explicando-a e fazendo sobre a mesma algumas considerações, visto estar ausente no momento da votação, e, por este mesmo motivo, associou-se à homenagem prestada naquele dia à memória do Sr. Sidónio Pais.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão da proposta de lei de reorganização dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, usando da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarães e Melo Machado, que enviou para a Mesa três propostas de alterarão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 2 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 1 minuto. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sonsa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.

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188 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 67

Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João de Espregueira da Bocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva, Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia, Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 64.

O Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: peço a rectificação do Diário das Sessões n.º 64, de 13 do corrente, para que a p. 133, col. 2.ª, 1. 10.ª, onde se lê: «solenemente», se leia «plenamente».

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: peço também a seguinte rectificação ao mesmo Diário: a p. 133, col. l.ª, 1. 19, onde se lê: «as manifestações», deve ler-se: «essas manifestações». Refere-se a espectáculos.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Da Cooperativa Portuguesa dos Proprietários congratulando-se com a aprovação da moção apresentada pelo Sr. Deputado Melo Machado.
Dos doentes da casa de saúde da Guarda manifestando o seu reconhecimento pela aprovação da proposta do Sr. Deputado Carlos Borges quanto à isenção do imposto de turismo nas contas pagas pelos doentes dos sanatórios e casas de saúde.

Exposição

De Alexandre Teixeira Leite, antigo chefe do farol de Nossa Senhora da Luz, à Foz do Douro, pedindo que seja aumentada a sua reforma, que é insuficiente para prover à sua sustentação.

O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que estão na Mesa os documentos pedidos pelo Sr. Deputado Mendes de Matos ao Conselho Técnico Corporativo. Vão ser entregues a esse Sr. Deputado.
Estão também na Mesa os documentos solicitados pelo Sr. Deputado Cunha da Silveira ao Ministério do Interior. Vão ser entregues a esse Sr. Deputado.

O Sr. Couto Zagalo: - Sr. Presidente: envio para a Mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que, pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações (Direcção Geral de Caminhos de Ferro), me sejam fornecidos com urgência os seguintes elementos:
1.º Nota da importância total despendida na construção da ponte sobre o rio Douro, no troço da via férrea, em construção entre a Régua e Lamego.
2.º Nota de todas as verbas despendidas na construção da referida ponte em mão-de-obra, fornecimento e transporte de materiais, mas tudo devidamente discriminado.
3.º Se alguma vez houve material fixo (carris, agulhas e ligações) destinado a esse troço ferroviário e, se assim foi, em que via férrea reduzida se fez posteriormente a aplicação desse material.
4.º Cópia do estudo feito pelo Conselho Superior dos Caminhos de Ferro, em 1935, sobre o regime deficitário das vias reduzidas do Estado (Vale do Corgo e Sabor)».

O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que pela repartição competente me seja enviada cópia:
1.º De todos os documentos referentes à distribuição das casas económicas construídas na cidade da Guarda;
2.º De todos os documentos constantes de queixas que, porventura, hajam sido feitas contra aquela distribuição».

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18 DE DEZEMBRO DE 1946 N.º 189

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: a Universidade Portuguesa está de luto e com ela toda a cultura nacional.

No dia de ontem morreram dois ex-reitores de Universidades: faleceu no Porto o professor de Química, e durante longos anos reitor da Universidade portuense, .Dr. José Pereira Salgado e, poucos horas depois, em Coimbra, o Prof. Dr. João Duarte de Oliveira, que durante muitos anos foi também reitor da velha Universidade coimbrã. Um e outro desempenharam, embora transitoriamente, funções parlamentares, porque foram Procuradores à Câmara Corporativa, onde e pertenceram à secção dos Interesses morais, culturais e espirituais, em representação das Universidades.

Conheci pouco o Prof. Dr. João Duarte de Oliveira, mus do convívio curto que com ele tive e da sua tradição recolhi a impressão de um homem bom, de uma pessoa cheia de qualidades morais e afectivas, de uru homem cheio de bonomia e de integridade de carácter. Regeu longos anos na Universidade de Coimbra, na sua Faculdade de Medicina, a cadeira de Fisiologia.

Veio para essa Universidade depois de ter exercido a clínica rural no Alentejo, e ali permaneceu até ser atingido, há poucos anos, pelo limite de idade. Exerceu várias funções públicas.

Ninguém deixou de encontrar na carreira académica o pedagógica do Prof. Dr. João Duarte de Oliveira qualidades que fazem jus à gratidão de todos os que neste País se interessam pelo progresso e prestígio da cultura e do ensino.

Ao Prof. Salgado conhecio-o, ao contrário, desde a minha mocidade. Há quarenta anos, quando eu frequentava as cadeiras de Química da Antiga Academia Politécnica do Porto, já Pereira Salgado era assistente do grande professor Ferreira da Silva, do eminente químico português, e algumas lições recebi do saudoso colega agora desaparecido.

Mais tarde encontrámo-nos como membros do corpo docente da mesma Faculdade e tive o prazer e a honra de servir na minha escola sob o seu reitorado.

Recordo com alto apreço todo o entusiástico esforço dado por Pereira Salgado para o prestígio da Universidade do Porto por ocasião dos centenários da Academia Politécnica e da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, e mais tarde, por ocasião das comemorações centenárias da fundação e restauração de. Portugal, José Pereira Salgado esteve sempre no seu posto com entusiasmo e dedicação sem limites, que pude apreciar muito de perto.

Ele pertencia, Sr. Presidente, ao número daqueles homens que se filiavam na velha escola portuense de Química de que foi chefe eminente e prestigioso o professor Ferreira da Silva.

Recordo também aqui neste momento este mestre insigne que tão altos serviços prestou à Nação. Recordo a sua acção brilhante, no ponto de vista científico e no ponto de vista moral, por ocasião de um processo criminal célebre.

Recordo a defesa benemérita que ele fez dos vinhos licorosos do Douro, do bom nome dos vinhos do Porto, uma das grandes riquezas nacionais, quando se debateu no estrangeiro a célebre questão da salicilagem desses vinhos.

Evoco com saudade o tempo em que ainda estudante, frequentava, não só os laboratórios da Politécnica, mas o próprio laboratório municipal de Química, hoje extinto, que teve por chefe e fundador o grande químico Ferreira da Silva.

Ali encontrei um convívio que nunca, esqueci. Além do mestre de todos estou recordando de um modo especial, a convivência daquele que desapareceu agora, deixando em funda saudade todos os que o conheceram.

Foi ali que primeiro estive em contacto cardeal, com Pereira Salgado. Depois fomos colegas na mesma Faculdade e sempre verifiquei que de cia um digno discípulo de Ferreira da Silva.

Nele aliavam-se, como em Ferreira da Silva aliança do que muitos pretendem em vão contestar o fundamento -, a Fé e a Ciência. Eram, Salgado e Ferreira da Silva, simultaneamente homens de ciência e homens de fé.

Tenho uma recordação emocionada das manifestações repetidas da bondade extrema de Pereira Salgado, o qual nas funções de comando, nas funções de chefia que lhe foram entregues, ou seja, na reitoria da Universidade do Porto, afirmou incessantemente, para com colegas e para com estudantes, essas qualidades de bondade nata.

Mas a sua bondade nunca chegou às transigência, às complacência» que deslustram e que roçam, por vezes, pela deslealdade e pela traição.

Era um homem leal, um homem de um só rosto, um homem digno, um homem de bem.

Trabalhou muito, foi um analista distintíssimo, um grande trabalhador, e a homens destes, a homens desta qualidade, aplica-se o pensamento de Mantegazza, quando dizia que os indivíduos laboriosos são os verdadeiros valores de uma nação e que os outros são parasitas, são devedores insolventes. Com pleno direito, Pereira Salgado inscrevia-se no número glorioso e prestante dos primeiros.

Bondade, modéstia e simplicidade eram as características de Pereira Salgado. Tive ocasião de o apreciar no seu convívio familiar.

Evoco na família a que ele se ligou por laços de afinidade figuras de tão grande prestígio intelectual neste País como as de Alberto de Oliveira, Agostinho de Campos, já desaparecidos, e Antero de Figueiredo, felizmente ainda vivo.

Sr. Presidente: estou recordando também congressos e conferências internacionais em que Pereira Salgado tomou parte e em que era querido pelos seus colegas d« todos os países. Ainda não há muitos meses, numa Universidade estrangeira o respectivo professor de Química me falava com apreço e com simpatia do Prof. Pereira Salgado, de quem pedia notícias.

Sr. Presidente: num campo santo da Itália há um fresco de Orcana que se intitula O Triunfo da Morte. E bem verdade, Sr. Presidente, que a morte acaba sempre por triunfar, mas nem tudo desaparece com ela; ficam sempre as recordações verdadeiramente perduráveis das personalidades distintas, ficam os espíritos gentis daqueles que merecem essa sobrevivência, e pode dizer-se do homem aquilo que disse o grande Pascal: «Que é o homem no Mundo? Um nada em face do infinito, o infinito perante o nada, um meio termo entre nada e o infinito».

Pois bem, estou pensando no prazer com que ainda, algum tempo depois de Pereira Salgado ter atingido o limite de idade, eu cruzava com ele nos corredores c átrios da antiga Academia Politécnica. Não mais o verei, não mais o veremos por lá.

Quando num dos próximos dias deste inverno glacial eu voltar ao Porto, à minha querida terra, e for à antiga Academia Politécnica, encontrarei lá a menos a sua presença, o calor da sua amizade, do seu afecto e das suas virtudes, e encontrarei a mais um grande vácuo, mais frio e as flores desfolhadas de uma enorme saudade. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. João Ameal: - Sr. Presidente: tanto gosto de ouvir os meus ilustres colegas, tão pouco de me ouvir a mim próprio, que é a primeira vez que peço a palavra na presente legislatura.

Sou por isso dos últimos, senão o último, a prestar a V. Ex.ª. as homenagens devidas pela sua ascensão à Presidência da Assembleia, ma* V. Ex.ª. sabe que fui dos primeiros a congratular-me por o ver nesse lugar, para o qual o indicavam as suas raras qualidades de inteligência, prudência e tacto político.

Pelos valores fundamentais que defendemos, pelo fervor e pela boa vontade que pomos ao serviço da Pátria, pelo espírito de colaboração construtiva que nos anima em relação aos governantes, pelo interesse e seriedade com que nos dedicamos ao exame dos problemas nacionais, constituímos uma forte unidade de princípios e de desígnios. Mas, pela formação diversa, intelectual e profissional, pelos múltiplos sectores e múltiplas regiões em que se desenvolvem as nossas actividades, pelas preocupações que nos dominam e pelas reacções que nos distinguem e também pela independência com que exercemos a nossa livre crítica e pela sinceridade com que apresentamos as sugestões que se nos afiguram mais justas e oportunas, existe também aqui larga variedade de critérios, temperamentos e pontos de vista.

Não se trata, pois, de um coro monótono e uniforme, mas de um conjunto que bem cabe na clássica fórmula da filosofia tradicional: unidade na variedade.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - A presidência de uma assembleia assim requer que não seja ignorada ou contrariada a benéfica variedade dos depoimentos e dos pareceres, mas seja sempre mantida e garantida a unidade do esforço em proveito do bem comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eis o que V. Exª. sempre tem sabido compreender e executar com singular lucidez, sem nunca impedir ou sequer tolher a qualquer de nós a normal expressão do seu pensamento, mas sem nunca deixar, quando o momento chega, de ser o intérprete seguro, esclarecido e vigilante da unidade superior que importa manter através e acima de tudo. JÜ isto que eu queria pôr no relevo merecido; é por isto que desejo dirigir a V. Ex.ª os protestos da minha estima, da minha admiração e da minha confiança.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aos Srs. Deputados, meus companheiros da anterior e actual legislaturas, aproveito o ensejo para mais uma vez manifestar os melhores sentimentos de consideração e de afectuosa camaradagem.

Sr. Presidente: é digna do maior louvor e do maior aplauso a recente iniciativa da Junta Central das Casas do Povo ao instituir uma série de prémios destinados a escritores que, através de romances ou novelas, procurem dar -a verídica imagem da vida portuguesa, especialmente da vida dos trabalhadores portugueses.

Torna-se, de facto, dever moral e nacional reagir contra uma literatura de ficção - e de triste ficção! - que nos últimos anos tem proliferado entre nós com abundância mais do que suspeita - a par de numerosas bibliotecas de divulgação pseudo-científica e de numerosíssimas traduções de obras estrangeiras portadoras das mais perigosas e nefastas doutrinas.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Ao aparecerem os primeiros livros desse género, quando revelavam novos autores de real talento, foram, de um modo geral, bem acolhidos. Eram, quase sempre, cenas da vida rústica de uma ou outra das nossas províncias - aqui e além talvez pintadas com cores um tanto sombrias, mas em que havia também certas notas de flagrante e sugestivo realismo. A mim próprio me aconteceu, como crítico literário, recebê-los com palavras de elogio e de incitamento. Embora lhes apontasse, com inteira boa fé, determinadas passagens insólitas e tendenciosas, nem por isso me negava a reconhecer-lhes e a festejar-lhes o vigor do estilo, a força dramática de alguns episódios, a beleza de algumas descrições; e procurava não ser demasiado severo para o romantismo e o primarismo dos conceitos acerca do homem, da sociedade, do mundo que nitidamente constituíam o fundo do quadro e lhe prejudicavam a harmonia e a verosimilhança.

Correu o tempo e multiplicaram-se excessivamente os casos semelhantes. Certos escritores que se haviam auspiciosamente estreado comprometiam os seus nomes e os seus créditos pela repetição sistemática da mesma receita, e, à medida que a repetiam, exageravam-na e agravavam-na.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outros, muitos outros, aliás de mais reduzido valor, surgiam e adoptavam, com estranha docilidade, a receita invariável. E tudo aquilo se carregava desmedidamente de intenções sociais, políticas, económicas; tudo aquilo começava a ter desmedido sabor a romance russo, depois, pouco a pouco, mais ainda: a romance marxista.

O Sr. Botelho Moniz: - Mais, não; menos, porque os russos já traíram os marxistas. Desculpe V. Ex.ª, porque esta é que é a verdade histórica.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão e estamos inteiramente de acordo. Mas, continuando:

Se, a princípio, o figurino dominante era o do patriarca Tolstoi, com sua vaga mística panteísta e rousseauista, não tardou a ser-lhe preferido outro figurino, mais agressivo, o de Grorki, já desmascarado em seus apelos revolucionários, até se chegar ao modelo perfeito do romancista de choque soviético, do tipo de Constantino Fedine, ou de Ilya Ehrenburg, ou de Boris Pilniak, ou de Yladimiro Maiakowski. A ligação com um mínimo de realidade perdeu-se gradualmente; os últimos escrúpulos cederam ante o zelo na observância da férrea disciplina da «linha geral»; e apresentou-se diante de nós uma desumanizada galeria de símbolos ein torno dos dois protagonistas fatais: o patrão, monstro de egoísmo, de rapacidade e de crueza, e o proletário da oficina ou do campo, sua vítima e mártir, esmagado sob tarefas exaustivas a troco de salários irrisórios..

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Nada disto era já aldeia portuguesa, povo português, vida portuguesa; em, sim, venenosa deformação marxista, baseada no ódio, no ressentimento, na inveja, na vingança, à luz sinistra e convencional da luta de classes, a terminar pelo convite, mais ou menos disfarçado, à revolta e pela nebulosa promessa da alvorada libertadora, que traria consigo o paraíso na terra ...

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O Sr. Manuel Múrias:- Também é lição da História.

O Sr. Botelho Moniz: Essa é da Historia contemporânea.

O Orador: - Da História de todas as épocas. Assim se abandonaram os domínios da arte literária para entrar nos da pura empresa demagógica e subversiva. Não se tratava já de literatura de ficção, mas de literatura fictícia ...

O Sr. Botelho Moniz: - Be verdadeira literatura fictícia.

O Orador: -Ou melhor: de verdadeira ficção fictícia.

Mas dizia eu: literatura fictícia, estimulante dos piores instintos, das piores aventuras, dos piores impulsos fratricidas. Perante essa onda de romances e novelas, como perante a criação misteriosa de sucessivas editoriais com títulos vários, mas obedientes ao mesmo plano e ao mesmo comando, a lançar a cada passo novas colecções de falsa cultura, em que todas as más ideologias são apregoadas e vulgarizadas, não restaram mais dúvidas a nenhum observador atento de que estava em marcha uma ofensiva metódica de intoxicação das inteligências e, em especial, de intoxicação da juventude. E tornou-se fácil calcular donde vinham as ordens, os lamirés-porventura as recompensas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pois agora, Sr. Presidente, mercê da excelente iniciativa da Junta Central das Casas do Povo, outras recompensas se destinam aos romancistas e novelistas da autêntica vida portuguesa, do autêntico povo português, que não será, preciso idealizar ou transfigurar, mas pode e deve mostrar-se tal qual é, com suas virtudes e seus defeitos, sua capacidade de trabalho e suas crises de desalento ou de impaciência, suas festas e seus conflitos, suas misérias e suas aspirações - acima de tudo, porém, com o fundo irredutível de vivo amor da Pátria e de sincera crença em Deus, que caracterizam, desde o início, a sua psicologia de velho ocidental, cruzado e apóstolo, trabalhador heróico da tem a e do mar, sem nada de comum com a trágica figura desamparada do mujique eslavo, ontem habitante nómada da estepe, hoje escravo diligente de uma técnica sem alma ao serviço de um materialismo totalitário.

Os votos que formulo - que decerto formulamos todos - são de que os nossos escritores, nomeadamente os mais novos, se dediquem a revelar ao Mundo, em vez de esquemáticas a abstractas personagens de romance russo, para uso e abuso de uma propaganda antinacional, a clara imagem, em toda a sua verdade e perenidade, do homem português!

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi multo cumprimentado.

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte aviso prévio:

«Em confirmação dos propósitos que manifestei ao usar da palavra na discussão na generalidade da proposta da lei de meios, declaro que pretendo suscitar em aviso prévio o problema monetário português nos seus aspectos interno e externo».

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Bustorff da Silva, conforme tinha anunciado no sen discurso pronunciado na ordem do dia da discussão da proposta da lei de meios, acaba de mandar para a Mesa uma nota de aviso prévio sobre a questão monetária portuguesa nos seus aspectos interno e externo.

Esta nota vai ter o devido destino dentro dos trâmites legais, dando-se conhecimento dela ao Governo, e para a sua discussão será indicada oportunamente sessão, que não poderá ser antes de Janeiro.

O Sr. Pinheiro Torres: - Sr. Presidente: na mesma ordem de ideias do meu colega e grande escritor nacionalista Dr. João do Ameal, também considero a nota da Junta Central das Casas do Povo digna de especial menção nesta Assembleia, pelos altíssimos fins que visa e pelos importantíssimos problemas- que sugere.

A referida nota aborda uma questão de manifesta oportunidade.

Com efeito, de há tempos a esta parte as montras das livrarias quase só expõem livros em que se pinta o trabalhador rural como um verdadeiro escravo, lutando contra um solo ingrato e um patrão explorador e devasso, sempre à espera do dia em que possa arrancar as grilhetas que o prendem à gleba.

Retoque-se este quadro com cores fortes de miséria, de fome e de depauperamento físico; desenvolva-se, com pornografia, a sedução da mulher e das filhas pelo patrão, as quais cedem à infâmia para não serem despedidas - e teremos os temas, os motivos, os enredos dessas obras.

Ora nós sabemos que o nosso meio rural não é assim!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há, evidentemente, dramas sombrios nas aldeias, como nas cidades, mas são a excepção, e não a regra, como pretendem fazer crer.

Esses romancistas têm, sem dúvida, outra intenção além de fazer arte. Há neles um manifesto intuito político - o de provocar a indignação e a revolta dos bem intencionados contra a organização actual.

No fundo essas obras são panfletos para servirem uma ideologia contrária à nossa, que se escudam sobre aquelas formas literárias.

Esses literatos são daqueles a quem Salazar chamou, como a nota lembra, «os romancistas políticos da miséria.

São autênticos agentes perturbadores, cuja acção, até agora impune, tem sido bem perniciosa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: há tanto que dizer sobre este aspecto da vida intelectual portuguesa!

Os nossos inimigos, que não podem lançar-se na acção directa para atingir os seus fins, procuram consegui-los pela acção intelectual, lançando no mercado obras que visam envenenar, intoxicar as inteligências.

Essa campanha é principalmente dirigida contra a mocidade.

Vozes: - Muito Bem!

O Orador: - Eles sabem, como já alguém afirmou, que a melhor forma de matar uma causa é fazer com que a juventude se desinteresse dela.

A cada canto surgem editoriais com uma frequência que torna suspeita a origem...

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Essas empresas só traduzem obras de autores conhecidos pelas suas ideias comunistas.

Essas empresas só empreendem estudos de divulgação, a que chamam cientifica, de problemas materialistas, negados e condenados pela moral.

Ao romance português, às traduções estrangeiras, aos estudos científicos, acrescentemos as revistas, os folhetos e os jornais de crítica literária e artística feitos com o mesmo fim de infeccionar as consciências sãs do micróbio do comunismo.

Por todos os meios de acção intelectual se desenvolve uma verdadeira ofensiva contra os princípios que defendemos, atacados na raiz, atacados na essência!

O caso é muito grave, porque está em causa a mocidade, quer dizer, o futuro da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que educação séria pode resistir, se a mocidade, para satisfazer os seus naturais anseios literários, se lança na leitura dessas publicações?!

Que princípios podem prevalecer, se, ao lerem o que as montras das livrarias expõem, eles são negados, espatifados?!

Admiram-se muitos de que na mocidade haja a tão discutida inquietação.

Se aprofundarmos o assunto, encontraremos a explicação na intoxicação intelectual produzida por essas leituras de autêntico proselitismo antinacional.

Que admira que muita gente moça se afaste de Deus, negue a Pátria, aborreça a família, se torne indiferente aos grandes acontecimentos nacionais ou envelheça precocemente num pessimismo e desalento de decrépitos?!

A mocidade precisa de sentir-se amparada, de olhar à sua roda com confiança, para que o sen carácter não enfraqueça, a sua vontade se não quebre e, acima de tudo, a sua fé não esmoreça, encarando de frente o futuro!

Temos de a defender cada vez mais da grande heresia do nosso tempo!

A propósito é interessante notar como certos Estados se defendem contra o comunismo mesmo fora do campo das ideias.

Refiro-me às medidas ultimamente tomadas no Brasil e nos Estados Unidos.

Os Governos destes dois países vão empreender uma grande depuração no funcionalismo dos elementos activos do comunismo, tendo até o Ministro da Guerra do Brasil recentemente proibido que esses elementos tomassem parte numa manifestação patriótica.

A novidade foi-me dada num artigo do ilustre jornalista Correia Marques, que esclarecia serem atingidos pela depuração não menos de 2 000:000 de norte-americanos. Ainda é curioso e oportuno indicar o processo usado nos Estados Unidos para conseguir a depuração.

É muito simples. O Presidente Truman determinou que se constituísse uma junta com o fim de estudar os métodos para verificar a lealdade dos funcionários à Constituição do país e ao seu regime.

Não seria caso para copiarmos entre nós a determinação do chefe da grande democracia americana?

A junta entro nós não teria grandes dificuldades em descortinar os métodos que dessem a medida da lealdade dos funcionários aos princípios sancionados na nossa Constituição ... Bastava que a junta se ocupasse de verificar a veracidade dos compromissos anticomunistas apresentados pelos funcionários...

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Botelho Moniz (interrompendo): - O melhor era aproveitar o inquérito às listas do M. U. D. e nomear

para os lugares públicos todos os que assinaram essas listas...

O Orador: - Era uma ideia...

Sr. Presidente: o que temos feito nós de prático contra o mal cada vez mais crescente dessas publicações?

Em 1943 foi publicado o decreto-lei n.º 33:010, precisamente para vigiar a actividade das empresas editoriais.

Nessa altura sentiu-se já a necessidade de pôr um freio às publicações mais que suspeitas atiradas à publicidade por essas empresas mais que snspeitíssimas.

E procedia-se assim em nome do princípio constitucional de que incumbe ao Estado defender a opinião pública de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum!

Dispôs aquele notável diploma, entre outros preceitos, o que manda funcionar junto daquelas empresas delegados do Governo, com o fim de fiscalizarem tudo o que possa desvirtuar a opinião pública.

Mas este preceito salutar que evitava tanto mal, que eu saiba, nunca teve execução, continuando tudo como dantes, o número das empresas editoriais suspeitas a crescer e os escritos subversivos a multiplicarem-se!

Não seria altura de pôr em execução aquele decreto-lei?

Seria o bastante, pois é um diploma notável e que atinge o fim em vista.

A resolução da Junta Central das Casas do Povo é um apelo aos homens do letras.

Mais ainda:

É um incitamento aos intelectuais a que meditem no papel que desempenham na sociedade, no mal que podem fazer se se consideram livres de todas as peias.

É um aviso aos escritores das gravíssimas responsabilidades pelo que escrevem! Está em jogo a grande missão dos intelectuais!

Sobre eles recaem as atenções do País.

Foi assim que entendi a feliz, eficaz e oportuna iniciativa daquele departamento do Subsecretariado de Estado das Corporações, que dirige uma das criações mais belas do Estado Novo!

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem I O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para uma explicação que julgo do meu dever dar à Câmara.

Os jornais de 14 e 15 do corrente publicaram uma, nota oficiosa do Ministério das Colónias que deixa a impressão de que eu teria procedido pouco correctamente nas considerações que aqui fiz no dia 13.

Como penso que o assunto interessa sobretudo à Câmara e através da Presidência teria sido bem posto, vou procurar expor os factos com toda a objectividade para que a Câmara os possa julgar.

Sabem V. Ex.ª que na passada sessão legislativa me manifestei, com alguns ilustres colegas, contra as disposições legais que estabeleciam diferenças entre metropolitanos e naturais das colónias.

O Diário das Sessões n.º 58, de 25 de Novembro último, publicou um. parecer do Conselho do Império e o despacho sobre ele lançado por S. Exª. o Ministro das Colónias, os quais representavam, por assim dizer, a resposta ao que nesta Assembleia havia sido afirmado.

Alguns colegas chamaram a minha atenção para eles e, como não concordasse com certas afirmações nos mesmos contidas e com os argumentos apresentados, resolvi voltar a falar sobre o assunto.

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No dia 10 do corrente, tendo sido recebido por S. Ex.ª o Ministro das Colónias, com quem ia tratar de diferentes assuntos, comuniquei-lhe, por atenção, o propósito em que me encontrava. Disse-me, realmente, S. Exª. que não tinha a intenção de restabelecer a subvenção colonial nas colónias onde fora extinta, e acrescentou, se não estou em erro, que na remodelação de vencimentos, a fazer dentro de poucos meses, porventura desapareceria a subvenção colonial.

Quando no dia 13 eu fiz as minhas considerações, limitei-me a analisar o despacho publicado, e fi-lo até com particular cuidado.

Eu não estava autorizado a fazer uso público daquilo que, em conversa, me fora dito por S. Exª. o Ministro. Fazê-lo seria cometer uma inconfidência, cuja gravidade eu não tinha elementos para avaliar.

Por outro lado, eu não podia deixar de me referir à subvenção colonial, cuja existência eu havia atacado, desde que apareciam no despacho vários argumentos a pretender justificá-la.

«Se V. Ex.ª me dão licença, eu leio:

O parecer trata depois da subvenção colonial, abolida em quase todas ias colónias e apenas subsistente em três das mais pequenas. E assumpto a considerar na próxima revisão de vencimentos do funcionalismo colonial.

O fundamento da subvenção colonial - que melhor se teria chamado subsídio tropical - é o seguinte: nas colónias tropicais, onde já existia grande número de funcionários nativos, há que ter em conta a diferença de posição entre estes, nascidos na colónia, nela desde sempre estabelecidos, e ao seu meio habituados,, tendo por vezes outros recursos de que vivem, e o nível de vida comum, e que são suficientemente remunerados com determinado vencimento, e os europeus, que, estranhos á terra, dela dependem para tudo, forçados a altas rendas de casa, a consideráveis despesas de representação, a nível de vida elevado que lhes permitam enfrentar a acção depressiva do clima, a constantes despesas de médico e medicamentos e, quase sempre, ao pagamento de pensões à família deixada na metrópole ou aos encargos da educação dos filhos . distantes.

Não se negará a existência desta diferença, por todos os países coloniais reconhecida.

Em circunstâncias tão desiguais uma igualdade de tratamento seria injustiça. Daí a necessidade do estabelecimento do suplemento de vencimentos para os europeus, denominado subvenção colonial.

Parece, pois, justo que desde já seja legislado que a subvenção colonial será abonada, nos mesmos termos que aos funcionários europeus, aos funcionários dos quadros comuns do Império naturais das colónias quando colocados em colónia que não seja a da sua naturalidade.

Se não tivesse ouvido S. Exª. o Ministro, eu diria, como toda a gente, que estava no animo de S. Ex.ª restabelecer a subvenção colonial.

Mas, exactamente porque o ouvirá, não disse isso nem mesmo disse que o despacho revelava tal intenção.

Disse apenas que o despacho parecia revelar essa intenção.

Só assim eu podia tratar o assunto sem a inconfidência, que eu não desejava. S. Exª. esclareceria as suas intenções quando e como lhe parecesse melhor.

Ficam expostos os factos sem qualquer comentário.

A Assembleia fará o juízo que entender.

Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Sr. Salvador Teixeira:-Sr. Presidente: li, com sincero júbilo, no Diário da Manhã que estavam em execução as estátuas dos navegadores portugueses Gonçalves/arco, Gil Enes, Nuno Tristão, Pedro da Sintra, João de. Santarém, Diogo Cio, Pêro de Alenquer. Nicolau Coelho, Gaspar Corte-Real, António de Abreu e Pedro Escobar, destinadas ao futuro plano urbanístico da zona da Torre de Belém, e outras estátuas, como as de D. Dinis e D. João III, para a cidade de Coimbra e de D. Nuno Alvares Pereira, D. João I e D. João II para a cidade de Lisboa, estas em locais a estudar com a Câmara Municipal.

Confesso o meu contentamento por esta iniciativa, que é expressão da política de espírito, e que vem dar-nos unia grande lição, lição que é o reconhecimento da dívida que temos para com todos os construtores do Império; e digo simplesmente reconhecimento porque o pagamento dessa dívida impende sobre a nossa geração o sobre as futuras, que têm sobre si o imperativo dever de trabalhar afincadamente pelo engrandecimento espiritual da Nação e assegurar a sua. eternidade.

E porque é assim, e porque tive a honra, de já nesta sala por duas vezes me dirigir ao Governo solicitando que a estátua a Nuno Alvares Pereira fosse erigida na capital do Império, deixo aqui o testemunho do meu reconhecimento a S. Exª. o Ministro das Obras Públicas e Comunicações, engenheiro Cancela de Abreu, que foi ilustre membro desta Câmara, e. de uniu maneira geral, ao Governo, reconhecimento que é muito vivo como manifestação de aplauso à política de espírito.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dar uma explicação à Assembleia.

No decorrei- da discussão da lei de meios mandei para a Mesa uma moção, que verifiquei, com agrado, ter sido aprovada por unanimidade pela Assembleia. Não estava presente e por isso obrigo-me a dar uma explicação que julgo necessária. Outros deveres me fizeram ausentar de Lisboa. Bis a razão por que não estava presente para nessa altura dar uma nota explicativa da minha moção.

Mas as razões estão contidas na própria moção. Cumpre-me perguntar, Sr. Presidente, quando é que o Estado Novo se resolve a enfrentar decidida e claramente o problema da família em Portugal?

O Sr. Botelho Moniz: - Quando for Estado velho!

O Orador: - A família tem na nossa Constituição um lugar especial. Está-lhe indicado um sector, o título IIT, dando à família o valor que ela tem na sua essência, como fonte de conservação e desenvolvimento da raça e base primária da disciplina e harmonia social. Daí o carinho especial de que a reveste a. Constituição.

Assinalo ao Estado o dever de protegê-la, assegurando-lhe os meios necessários para os fins sociais a que se destina e ao mesmo tempo, em matéria fiscal, regulando os impostos de harmonia com os seus encargos.

Por ora simples aspiração de doutrina constitucional, mais nada. Em matéria fiscal estamos em pleno domínio do regime individualista.

E a unidade-indivíduo que é a matéria colectável, não a unidade-família.

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Fala-se na Constituição do casal ri e família, que na verdade está instituído em disposições legais, mas o que é um facto é que não se sentem efeitos alguns dessa instituição na família.

Foi instituído também o abono de família; todavia ele dá na prática resultados curiosos, anómalos, de incongruência e de injustiça, como os que vou citar.

Numa carta que não tenho aqui diz-me um chefe de família: «eu funcionário modesto, minha mulher funcionária modesta, porque não tenho seis filhos não recebo abono algum.

Todavia, a meu lado, um funcionário rico de meios próprios, rico mesmo pelo volume dos seus vencimentos, porque é bem remunerado, tem dois filhos e recebe o abono!».

Cita-me um casal miserável, pobríssimo. Ele um empregado de um grémio, com 300$ por mês de ordenado, a mulher, guarda num VV. C. de senhoras, ganha 100$ por mês, tem quatro filhos, mas porque são ambos funcionários e não têm seis filhos não recebem abono algum.

Temos assim um funcionário que não precisa e que recebe o abono de família, tendo tido o cuidado especial de defender a sua economia, apesar de rico, com uma procriação limitada e restrita; por outro lado, temos aquele infeliz casal, pobre de recursos, mas pródigo a dar filhos à Pátria - braços para trabalhar e para criar riquezas e prosperidade e peitos fortes para defender a Nação em momentos aflitivos. O primeiro recebe o abono, prémio da sua continência na procriação. O segundo, que se sacrifica em benefício da comunidade, nada recebe! Isto é francamente injusto!

Depois, a protecção às famílias numerosas encontra-se infelizmente esquecida entre nós.

Em vários países são especialmente protegidos os lares fecundos, as famílias numerosas que têm à sua responsabilidade encargos penosos na sustentação e educação de muitos filhos com que enriquecem o património nacional.

E em Portugal o que se tem feito? Muito pouco, e isso ainda dando lugar às injustiças a que aludi.

Por isso eu quis chamar a atenção da Assembleia para este assunto. E naquela moção que apresentei e que tive a satisfação de ver aprovada por unanimidade colectiva que, a treze anos da vida constitucional do Estado Novo, o Governo se resolvesse, enfim, a enfrentar decididamente este problema.

Isto o que eu queria dizer sobre a moção.

Ao mesmo tempo, e para concluir, quero significar a V. Ex.ª que, se estivesse presente na sessão de sábado passado, de bom grado me associaria ao voto de sentimento expresso pela Assembleia pela memória do grande português que foi Sidónio Pais.

Sidónio Pais foi um precursor, um destes precursões que, como o malogrado Rei D. Carlos, quis estabelecer a ordem num país em desordem, quis reivindicar para a Pátria, à qual tanto queria, aquele prestígio e grandeza de outros tempos, e que os dissídios dos partidos no velho regime monárquico, a que se associavam o trabalho subterrâneo dos seus adversários e, na República, a fúria demagógica das alfurjas revolucionárias, com ataques à vida e aos bens dos cidadãos, fizeram cair em descrédito. Ficaram vencidos os dois precursores, varados por balas traiçoeiras quando caminhavam, esperançados, para a realização dos seus sonhos.

Como acontece aos precursores, caíram a meio caminho, ou no início da jornada, pois os primeiros passos suo sempre vacilantes, com horizontes vagos e incertos na sua frente. Sidónio foi uma dessas grandes vítimas. Tenho nos meus olhos esse espectáculo deslumbrante de emoção, grandioso de lágrimas e hossanas, que de tudo isso houve no momento, que foram o» seus funerais.

Lágrimas serviam nos olhos de tantos, sobretudo dos que iam em romagem de gratidão levar junto da sua uma na câmara ardente, erguida nos Paços do Concelho, o grito doloroso da sua alma reconhecida a tanto bem dispensado, como tive ocasião de presenciar nos momentos em que velei o seu cadáver.

O que foi o seu funeral no momento de pânico que o ódio inimigo fez deflagrar, tudo reconstituído na mais efusiva manifestação de entusiasmo delirante, era bem a demonstração que ia depositar-se no Panteão Nacional o corpo de um homem que morreu pela Pátria.

E lembro-me que, deste lugar, pouco tempo depois, ocupando a bancada da oposição monárquica, numa sessão nocturna em que se reuniu o Congresso numa sessão conjunta do Senado, de que eu fazia parte, e da Câmara dos Deputados, para se dar ao Governo uma larguíssima autorização legislativa que era pedida, eu gritei, com grande escândalo da maioria do outro lado da Câmara, um viva à ditadura de Sidónio Pais, porque, não obstante esses protestos e esse escândalo da maioria, eu tinha toda a razão para gritar assim, visto que Sidónio Pais arriscara a sua vida leal e nobremente pela Pátria. E entre a ditadura irresponsável de um partido e a ditadura franca e leal de Sidónio Pais não havia que hesitar: a primeira merecia condenação e a segunda só merecia louvor.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: -Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Inicia-se a discussão, na generalidade, da proposta de lei relativa aos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: mando para a Mesa, em nome da Comissão de Economia, algumas propostas de alteração à proposta de lei que vai ser discutida.

O Sr. Presidente: - Vão ler-se as propostas enviadas para a Mesa pelo Sr. Deputado Melo Machado.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE II

Em vez de «Pode, porém, ser autorizada», «Deve, porém, ser preparada e fomentada».

BASE III

§ 3.º No último período, depois da frase c salvo o que estritamente interesse ao aproveitamento económico de, subprodutos da sua laboração», acrescentar na medida em que não colida com os interesses legítimos da indústria particular».

§ 8.º Depois das palavras «A Manutenção Militar pode ainda ser autorizada a colocar no mercado» acrescentar através de organismos adequados» e suprimir á palavra «livre».

BASE X

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O Sr. Antunes Guimarães: -Sr. Presidente: tendo faltado às primeiras sessões, não assisti às reuniões da Comissão de Economia, a que pertenço, razão por que não conhecia o teor desta proposta de lei nem do parecer que a acompanha.

Confesso que quando V. Ex.ª durante os debates sobre a absorvente proposta da lei de meios, comunicou que ainda antes do Natal seria aqui discutida a proposta de lei relativa aos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, não sei porquê, talvez impressionado pela modéstia do título, convencera-me de que se trataria de um diploma essencialmente técnico, sem marcar novos rumos, limitando-se a simples alterações de estrutura e visando um melhor arranjo para garantia de eficiência daquele importantíssimo acervo constituído por valiosos edifícios, maquinismos caríssimos e grandes capitais.

Encontrei a confirmação daquele meu precipitado prognóstico logo nas primeiras palavras da proposta de lei, que afirmam não haver ali matéria nova, nem no domínio dos princípios nem no campo da aplicação.

E, não obstante, verifiquei, com surpresa e satisfação, pela leitura de tão notável diploma, que se visa nele uma autêntica, vasta e utilíssima revolução, como as melhores que o Estado Novo tem orientado.

E tão importante revolução é feita quase em silêncio, em linguagem simples, que nos apresenta, além da consagração de princípios já estabelecidos pelo Estado Novo, inovações originais, do maior alcance não só para o Ministério da Guerra, mas para toda a Nação, como se fossem coisas correntes e não houvesse razões em abundância para lhes dar o maior relevo, a fim de que todos as conheçam, apreciem e agradeçam.

Recordo, Sr. Presidente, por ter a mesma excelente marca de origem, o ingente esforço militar realizado durante a última guerra, que se traduziu na mobilização de muitas dezenas de milhares de soldados (no relatório fala-se em 140:000, sendo 80:000 para as célebres linhas de Torres e 60:000 para o Império), no sen modelar apetrechamento, na aquisição de numeroso, perfeito e valiosíssimo material de guerra, e na deslocação, para os nossos principais pontos estratégicos do Atlântico e das colónias, de soldados valentes, mas desta vez miludlvelmente armados e convenientemente municiados para que nada lhes faltasse na missão prática da defesa da nossa soberania.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E tão considerável esforço realizou-se também em silêncio, para tranquilidade dos espíritos e sem perturbar o trabalho nacional, que tão necessário era e continua a ser, não só para nos assegurar o indispensável, mas ainda para valermos a muitas desventuras alheias.

A Nação quase só deu por ele quando o perigo já passara. Por isso aplaude e agradece!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: nem só promovendo-se novas e grandiosas realizações materiais a Pátria é mais bem servida.

Na condigna valorização do importante património recebido encontramos afirmações de grande categoria sob todos os aspectos, desde o artístico restauro de castelos e outros monumentos, a conservação e notória melhoria de palácios, museus e inúmeros edifícios, até aos extraordinários trabalhos de reparação e actualização, que transformaram a nossa importante rede de estradas -agora consideravelmente aumentada com longos percursos, pontes magníficas e inúmeras malhas nas suas diversas categorias (nacionais, municipais e vicinais)- em factor

inestimável nos seus múltiplos aspectos económico, turístico e outros.

Por outro lado, à grande reforma de organização tão característica da nossa política devem muitas instituições e actividades poderem agora ser francamente úteis à colectividade e transformarem resultados negativos em perene fonte de benefícios para todos.

Sr. Presidente: não encontramos em qualquer das vinte bases desta proposta de lei projectos de grandes obras o a de novas realizações no campo material. Procura-se nelas, antes de mais nada, evitar de repetir uma situação difícil como aquela -diz-se no relatório- em que foram encontrados certos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, quando o Governo, empenhado, como estava, no rearmamento do exército, precisou da sua colaboração.

Mas não se trata de novas e simples experiências em matéria de tanta responsabilidade.

Em 1937 o Governo enfrentara com decisão o apetrechamento daqueles estabelecimentos fabris e restabelecera princípios de administração e regras de contabilidade e escrituração que já haviam sido determinadas pela Estado Novo em 1928 e desde logo frutificaram.

Mercê do rumo desde então seguido, tive eu agora a satisfação de ler no relatório da proposta de lei ser desafogada a actual situação financeira daqueles estabelecimentos fabris, sorridentes as suas expectativas, e que o respectivo apetrechamento é de molde a poder resistir-se às dificuldades geradas em épocas de menor movimento de trabalho.

Todos V. Ex.ª leram, por certo, no respectivo relatório que em 1944 foi de 470:500 contos o capital empenhado na indústria militar que o Ministério da Guerra acciona.

O valor dos edifícios, equipamentos fabris e diversas instalações subia a 138:200 contos e era de 164:500 contos o dos artigos armazenados.

Os saldos em caixa, depósitos à ordem e papéis dê crédito somavam 105:380 contos, sem contar 28:500 contos de créditos de exploração, realizáveis em curto prazo, e a importância de trabalhos em curso valorizados em 32:500 contos.

O passivo achava-se tão largamente coberto que ficara inteiramente livre o lucro líquido daquele exercício, computado em 34:000 contos.

Tão acertada e tenaz administração, bem como o esforço perseverante e disciplinado de todo o pessoal, permitiram assim sair (são palavras do relatório) de uma situação caótica quanto a equipamento fabril e obter uma posição financeira sólida, manter rigorosa disciplina e atingir um grau de produtividade que fazem honra à indústria nacional e não deslustram a administração do Estado num período fulgurante da sua existência.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-No valioso parecer da Câmara Corporativa, que li com a maior atenção, salienta-se que os magníficos resultados apontados dizem respeito apenas a um ano (o de 1944), de situação anormal, em que aqueles estabelecimentos fabris receberam do Ministério da Guerra encomendas, por recurso a receitas extraordinárias, superiores às comportadas pelo respectivo orçamento de receitas ordinárias.

É natural que tal circunstância tenha contribuído para os bons resultados apontados; mas estou convencido de que eles não se teriam verificado tão acentuadamente se continuasse o caos a que se alude no relatório do Governo.

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baseiam as considerações do relatório do Governo e no qual se afirma:

Em condições normais, o Estado reconhece ter a sua actividade no campo económico rendimento inferior ao resultante da actividade privada, inferioridade que, se por vezes se não manifesta no domínio da qualidade, é geralmente evidente no que respeita ao preço do produto ou ao tempo útil gasto na produção.

Compreender-se-ia o acerto deste postulado quando a comparação visasse actividades privadas, administradas consoante as boas normas de autonomia e poupança e estimuladas por anseios de progresso na luta duríssima da vida, de um lado, e actividades em situação caótica e indisciplinadas.
Sr. Presidente: nas actividades do domínio privado e nas do Estado os homens, tanto dirigentes como dirigidos, os maquinismos, capital, técnica e demais factores são idênticos, distinguindo-se apenas no campo da organização.
A fórmula em que a laboração se efectua é que tem particular importância.
Como se diz no douto parecer da Câmara Corporativa, já em 1928, no decreto n.º 16:134, o Governo afirmava que «c A industrialização tem por base o salutar princípio da autonomia administrativa dos estabelecimentos produtores, sem a qual não poderão eles desempenhar por forma eficiente a missão que lhes compete».
Desde logo, como já afirmei, se subordinaram às fórmulas da industrialização alguns estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, como a Manutenção Militar, então confiada à superior direcção do Sr. coronel Linhares de Lima, agora nosso muito ilustre colega, com resultados apreciáveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim se evitaram as excessivas intromissões de ordem burocrática, que tanto prejudicavam e prejudicam ainda muitas actividades.
Assim, como acabo de dizer, tais óbices verificavam-se noutros organismos do Estado e dos corpos administrativos, dificultando a respectiva administração e tornando precários os seus resultados.
Recordo-me de que certo excesso de limitações de funções não permitia aos caminhos de ferro dar às respectivas tarifas a elasticidade precisa para aproveitarem grande parte do tráfego, que, por isso, se ia escoando para outros meios de transporte.
Algumas providências foram tomadas, mas sem a latitude indispensável, e, assim, as receitas dos caminhos de ferro foram baixando.
Recordo-me também dos óbices com que lutavam os serviços municipalizados do Porto, que eram forçados a protelar e até deixavam de executar trabalhos de primeira necessidade, ou de aceitar propostas vantajosas, porque estavam na dependência da aprovação de orçamentos suplementares ou de ordens superiores que demoravam o suficiente para, em muitos casos, prejudicar seriamente aqueles serviços e os munícipes.
Já, com marcada oportunidade e louvável acerto, no recente decreto que permitiu, após vários mas discutíveis adiamentos, o resgate e a municipalização dos transportes colectivos do Porto (que eram explorados pela Companhia Carris) se previu a faculdade de industrialização do organismo que agora os administra.
Contudo é-me grato registar que, apesar de uma orgânica errada, toda inçada de peias e complicações, os serviços municipalizados da cidade do Porto, que distribuem água o electricidade àquele grande centro e arredores, têm conseguido, mercê de uma boa administração e de zelo assaz demonstrado do respectivo pessoal, fornecer aqueles elementos fundamentais em boas condições de qualidade, preço e regularidade.
Basta que se diga que a electricidade já é utilizada até pelas classes menos favorecidas pela fortuna, para variados trabalhos, nos usos domésticos, nos quais se incluem os culinários.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a reforma já operada nos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, iniciada, como disse, em 1928 e que esta proposta de lei pretende agora consagrar e legalizar em novas normas, abrange todos os sectores daquele vasto organismo.
A norma, anteriormente seguida, de um só conselho de administração para todos os estabelecimentos entendeu o Governo substituí-la pela da constituição de direcções para cada um deles, para estimulo da respectiva iniciativa e ânsia de prosperidade.
Lembrei-me, ao ler esta oportuna e magnífica organização, do colossal empreendimento de Batha, julgo que na Checoslováquia, o qual conseguiu triunfar nos múltiplos ramos da indústria de sapataria sobre concorrentes de valor, como os japoneses, americanos, alemães e muitos outros.
Embora constituindo uma só empresa, tivera o seu original criador a ideia de a fraccionar em numerosas unidades fabris, com ampla autonomia e administração própria, cujos poderes podiam em certos casos ir até à faculdade de livre compra de matérias-primas e livre venda de artigos fabricados, se pudessem assim obter melhores resultados do que por intermédio da secção central, encarregada directamente dessas operações.
Os gerentes tinham assim a impressão, mais que impressão, exerciam funções de categoria patronal, a que não faltavam as correspondentes responsabilidades e também as regalias que lhes são inerentes.
Realizava-se, assim, o ambiente próprio para estímulo das faculdades criadoras e provocava-se a compita entre os diferentes estabelecimentos daquela grande firma, que desta forma conseguiu vitória sobre os mais apetrechados e organizados concorrentes de todo o Mundo.
Na base VII desta proposta de lei a descentralização directiva é regulada pelos princípios e normas que regem a actividade das empresas privadas.
Dotada a gerência de completa autonomia administrativa, exige-se-lhe rigorosa observação dos preceitos da contabilidade orçamental e da contabilidade industrial e que os métodos da escrita sejam idênticos em todas as fábricas, oficinas e laboratórios.
Esta base era suficiente, porque define nas suas linhas gerais o regime da industrialização, em boa hora instituído nos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra.
Mas entendeu o ilustre autor da proposta de lei não só documentá-la com uma valiosa série de mapas elucidativos acerca da económica exploração daqueles estabelecimentos sob os métodos da industrialização, mas dedicou várias bases a estabelecer preceitos de carácter regulamentar, os quais, assim, poderiam ser omitidos neste diploma, mas que definem o critério seguido na aplicação daquele regime no que respeita a laboração, contabilidade, distribuição de lucros, constituição do pessoal civil e militar, respectivos vencimentos e obrigações e outros aspectos ainda que ali se verificam.
Não tomarei o tempo desta Assembleia com a apreciação pormenorizada daquelas bases que, como acabo de dizer, são mais de carácter regulamentar e que, na minha opinião, poderão vir a entravar a acção do Ministro, se acontecer dar-se o caso de carecerem de rápida

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remodelação para se adaptarem a necessidades que porventura surgirem.
Repito: a base VII bastava, porque nela se define a industrialização ali visada, que, como se afirma no relatório, já é um facto.
Sr. Presidente: se esta proposta de lei se limitasse a definir e a autorizar o regime da industrialização nos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra já ficaria assaz justificada e seria de louvar não só pelos benefícios assegurados naquele importante sector, mas porque traçaria o rumo a seguir noutros serviços do Estado e dos corpos administrativos para garantia da respectiva eficiência a bem da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas há mais, muito mais, e muito importante.
Pela base I o Ministério da Guerra apenas manterá na sua dependência os estabelecimentos ou organizações industriais e comerciais indispensáveis ao provimento das necessidades da defesa nacional que não possam ser satisfeitas por intermédio de empresas privadas ou que razões de segurança ou de conveniência na manutenção do segredo em assuntos à mesma defesa aconselhem a reservar.
Por sua vez a Câmara Corporativa sugere se acrescente «para mais perfeita eficiência da força armada no que respeita a rapidez de acção».
E na base II proíbe que os seus estabelecimentos concorram no campo económico com as empresas particulares, o que é de louvar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim fica afirmada a intenção de estimular, defendendo-as de concorrências desiguais, as iniciativas privadas no momentoso problema da produção.
Não só as defende da concorrência dos seus estabelecimentos, mas procura ajudá-las determinando que eles poderão colaborar com empresas privadas para facilitar à economia nacional a utilização da sua técnica especializada e do sen melhor apetrechamento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: há uma passagem do relatório do Governo que me impressionou extraordinariamente pela sua grande oportunidade e considerável alcance, que é a seguinte:
«As fábricas seriam um centro de educação profissional e técnica para operários e engenheiros, tão indispensável à vida do País, sobretudo em caso de crise grave, como qualquer outro centro de preparação cultural ou profissional...».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sendo assim, ficaria remediada uma das grandes lacunas do nosso ensino técnico, aliás geralmente e desde há muito por todos reconhecida; e até a proposta de lei respectiva, que vai ser aqui discutida após o Natal, termina dizendo ali haver um problema prévio de ordem material que condiciona a solução de todos os outros.
Ficaria desta forma largamente remediada a grande lacuna a que venho de referir-me - falta de oficinas - relativamente à região de Lisboa, o que já representaria grande vantagem para o ensino técnico.
Mas ficariam o Norte e Centro para já desprovidos de idênticos e tão valiosos recursos, podendo contudo aproveitá-los deslocando os estudantes até à capital, auxiliando-se para isso os menos abastados com bolsas de estudo.
Notei, porém, que na base IV, em que aquele tão feliz pensamento é concretizado, a sua latitude ficaria assim restringida:
«O Ministro da Guerra pode ainda determinar a organização, nos estabelecimentos fabris, de estágios ou cursos técnicos e profissionais necessários à preparação de mecânicos, artífices ou outros especialistas das forças militares».
Eu entendo que seria muito mais vantajoso adoptar as palavras do relatório e o espirito que as ditou, escrevendo-se na base que tais estágios e cursos se destinariam à educação profissional e técnica de operários e engenheiros, etc.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a latitude da redacção a que acabo de referir-me, além de corresponder mais rigorosamente à letra do relatório, que tão favoravelmente me impressionara, conjuga-se melhor com a faculdade que ao Ministro da Guerra se garante de em caso de guerra declarada ou iminente, ou de emergência grave, determinar a mobilização extraordinária de técnicos ou operários especializados necessários à laboração dos estabelecimentos fabris, mesmo quando não sujeitos a obrigações militares.
Óbvio é que a circunstância de os estágios nos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra serem facultados apenas a elementos militares não se coadunaria com a mobilização, prevista na base XVIII, de técnicos não sujeitos a obrigações militares para ali trabalharem.
A mobilização nos termos expostos constitui um encargo novo e pesado sobre os cidadãos, mas que encontra justificação no facto de que a guerra total, expondo aos mesmos riscos e sujeitando a idênticas restrições os exércitos e a população civil, de todos exige trabalhos e sacrifícios consoante as respectivas habilitações.
Ainda bem que esta mobilização extraordinária será limitada a eventualidades bélicas ou emergências graves, sendo assim muito mais restrita que a dos oficiais milicianos, que estão sujeitos a chamadas frequentes e deslocações para longe das suas actividades, o que por vezes lhes determina sérios transtornos e prejudica as respectivas carreiras.
Seria muito para agradecer que as obrigações militares, que, aliás, ninguém discute, porque a todos cumpre o dever indeclinável da defesa da Pátria, se harmonizassem, tanto quanto possível, com os interesses legítimos dos referidos oficiais milicianos, para que do sen cumprimento não viessem a resultar ou se atenuassem aqueles inconvenientes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: permita V. Ex.ª que me refira ainda a certos pormenores que são vistos à luz das realidades na proposta de lei, como o que se refere ao recrutamento de pessoal civil e fixação dos respectivos vencimentos, em cujo cálculo se deverá ter sempre em atenção o que se paga na indústria particular.
Norma excelente, que bom seria generalizar-se ao restante pessoal e a todos os serviços do Estado, não só para se ir corrigindo a desigualdade que tão desagradàvelmente nos impressiona ao compararmos retribuições das diferentes classes, mas que será a única forma de garantir nos serviços públicos a permanência indispensável de pessoal idóneo para as graves funções ali exercidas e de cujo bom cumprimento depende em grande parte o bem-estar e prosperidade da Nação.

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198 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 67

A preocupação da defesa dos dinheiros do Estado verifica-se em toda a proposta de lei, desde as acertadas disposições relativas à constituição do capital dos diferentes estabelecimentos e respectiva administração até aos pormenores, como o que prevê a deslocação do pessoal que em determinadas ocasiões não tenha trabalho suficiente para outro estabelecimento onde a sua actividade seja mais proveitosa.
Sr. Presidente: o relatório desta proposta de Lei põe-nos em contacto com problemas da maior transcendência e actualidade, como quando ali se alude à corrente de ideias que no domínio do económico e do social hoje correm mundo e se afirma estarem em oposição com os princípios que nortearam o Governo e o seu autor quando há cerca de um ano a redigira.
Magnífico toma para larga dissertação, se o tempo desse para tanto o a ordem do dia o permitisse.
Mas é força terminar as minhas já longas considerações de conformidade e franco aplauso sobre esta notável proposta de lei.
Notável porque reserva para o Ministério da Guerra apenas o estritamente indispensável à defesa nacional, mas sem prejudicar as actividades particulares, antes propondo-se colaborar com elas através de maquinismos excelentes e da mais aperfeiçoada técnica verificada nos estabelecimentos do Estado.
Notável porque, como se não bastasse para justificação completa das despesas feitas naqueles estabelecimentos, a circunstância de concorrerem para a defesa nacional, procura valorizá-los com a função nobilíssima de colaborarem, facultando estágios o cursos para a formação técnica (base essencial do grande problema da produção) de engenheiros, operários e demais colaboradores das diferentes actividades ali exercidas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Notável porque, corajosamente, quando a rede burocrática vai sucessivamente enleando em suas malhas as iniciativas e o próprio trabalho, entravando-lhes a franca marcha para o progresso com exageros dirigistas, concentrações desnecessárias, restrições sem número e formalidades incomportáveis, consagra a deliberação acertadíssima do Estado Novo de encaminhar os estabelecimentos dependentes do Ministério da Guerra para a fórmula vantajosíssima da industrialização, com escrituração e contabilidade modeladas pelas das empresas privadas, descentraliza a sua administração, garantindo a cada estabelecimento gerência própria com larga autonomia, e no campo das retribuições marca o rumo geralmente indicado de se aproximarem das que vigoram nas empresas particulares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muito mais nos promete a proposta de lei que estamos apreciando, mas basta o que acabo de expor para eu a receber e aprovar com franco aplauso.
Estava no meu espírito enviar para a Mesa propostas de alteração no sentido das palavras que V. Ex.ª se dignaram escutar, mas aguardo a exposição de outros oradores, e muito especialmente a da nossa Comissão de Defesa Nacional, para julgar da sua oportunidade e fixar o respectivo texto, mas declaro desde já estar de acordo com as propostas da nossa Comissão de Economia, já aqui lidas.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia de hoje. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 2 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
António de Sousa Madeira Pinto.
José Esquivel.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.

Srs. Deputados que faltaram, à sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Fausto de Almeida Frazão.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Penal vá Franco Frazão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Borges.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rafael da Silva Neves Duque.
Rui de Andrade.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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