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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73

ANO DE 1947 16 DE JANEIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO n.º 73 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 15 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel França Vigon

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

O Sr. Presidente informou que o governador de Moçambique, comandante Gabriel Teixeira, havia apresentado as suas despedidas à Câmara e que julgava interpretar o pensamento da mesma jazendo votos por que aquele ex-Deputado continue a servir o Pais com o pundonor que já demonstrou em outros postos.

O Sr. Deputado Madeira Pinto tratou da assistência aos cegos e o Sr. Deputado Ricardo Durão enviou para a Mesa um requerimento no sentido de lhe serem fornecidos alguns documentos relativos à Junta da Fundação da Casa de Bragança.

O Sr. Presidente anunciou que foram recebidas na Mesa as contas públicas da gerência de 1945, as quais foram distribuídas pelos Srs. Deputados e remetidas à Comissão de Confias Públicas.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris, sobre a crise que os municípios atravessam.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Rocha Paris e Mendes Correia.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada

Eram 15 horas e 40 minutos. Fez-se a chamada, à responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Crua.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueira Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João de Espregueira da Rocha Pária.
João Garcia mines Mexia.

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João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botta.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Lufe António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Lufe Pastor de Macedo.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 78 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente Exposições

De alguns componentes do Sindicato Nacional dos Empregados da Assistência aos Emigrantes em Navios Estrangeiros do Distrito de Lisboa protestando contra a determinação da Inspecção dos Serviços de Emigração que excluiu do embarque naqueles navios os filiados no Sindicato com mais de 60 anos de idade.

De alguns funcionários civis internados na estância sanatorial do Caramulo protestando contra a diminuição de regalias nas suas refeições, o que não foi observado quanto aos funcionários da assistência militar e da marinha também internados naquela estancia.

Telegrama

Do Sr. Deputado Carlos de Azevedo Mendes dando o sen inteiro aplauso à matéria do aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris, sobre os municípios.

O Sr. Presidente: - Comunico à Assembleia que veio hoje a esta Casa o Sr. governador de Moçambique, comandante Gabriel Teixeira, apresentar à Câmara as suas despedidas e exprimir o pesar com que teve de abandonar os nossos trabalhos, só o tendo feito para servir, noutro posto, porventura de maior responsabilidade, o País.

Penso ter interpretado o pensamento da Câmara afirmando a S. Ex.ª, como afirmei, que os votos de toda a Assembleia acompanham o governador de Moçambique para que continue a servir o País no seu novo posto com o pundonor e o patriotismo que exemplificou brilhantemente em Macau.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Madeira Pinto.

O Sr. Madeira Pinto: - Sr. Presidente: «Estou informado de que muito tem feito o Governo da Revolução Nacional do seu país em matéria de assistência; mas quando chegará a vez dos cegos?» Esta pergunta me formulou o director da Organización Nacional de Ciegos, da vizinha Espanha, o cego D. Javier Gutiérrez de Tobar y Beruete, quando, em princípios de Novembro, tive ensejo de com elo me avistar em Madrid, para conhecer de perto a obra de assistência do Governo de Franco aos cegos.

Respondi ao meu interlocutor que a vez dos cegos portugueses havia de chegar, como chegou a voz de outras classes desprotegidas, a vez de muitas coisas novas em Portugal, e talvez mais cedo do que se suporia. E disse-o no convencimento em que persisto de que só a impossibilidade de se resolverem simultaneamente todos os problemas da assistência tem retardado o exame definitivo do assunto.

É que, na verdade, tem de classificar-se de notável o que de há dezena e meia do anos a esta parte se tem feito nos vários ramos da assistência social. Não preciso, Sr. Presidente, de inventariar agora o trabalho produzido, as verbas despendidas, os resultados alcançados - todos nós os conhecemos. Bastará referir, como índice, que se tornou necessário, já em 1940, criar no Ministério do Interior o Subsecretariado de Estado da Assistência Social, e não me surpreenderia que, em futuro não distante, se reconhecesse a necessidade de elevar este departamento da administração pública à categoria de Ministério, tal a variedade e importância dos problemas que interessam à assistência, tal o número de pessoas a quem eles respeitam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já tive ensejo de, em um dos diários da capital, dar notícia da excelente organização por meio da qual em Espanha se resolveu o caso dos cegos, e por isso, Sr. Presidente, pouparei V. Ex.ª e a Câmara à repetição do que o jornal O Século publicou em dois artigos nos começos de Dezembro. Mas, porque o problema português tem inegável importância e urge dar-lhe solução, entendi que devia chamar para ele a atenção da Câmara e do Governo.

Como se apresenta o panorama do nosso País no tocante a cegos?

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Portugal, continental e insular, excede um tanto a média europeia dos cegos: para uma população de 7.772:152 habitantes dá-nos o censo de 1940 11:891 cegos de ambos os sexos, o que se representa pela permilagem de 1,54. Em censos anteriores (anos de 1911 e 1920) apuraram-se permilagens de 3,14 e 3,68, que parecem ter de atribuir-se a erros de notação. As mesmas razões poderão explicar ter-se apontado anteriormente sor maior o número de cegos mulheres que o dos homens, quando se julga mais conforme com a realidade distribuir a cegueira em partes iguais pelos dois sexos.

Outros números censuários completam o panorama. No continente os distritos que contam maior número de cegos são os do Viana do Castelo e de Aveiro, em que as permilagens se expressam por 2,01 e 2,16 - mais do dobro da média europeia; os, de menor número de cegos são os de Portalegre e de Évora, com 1,24 e 1,14 por mil, respectivamente. Nas ilhas adjacentes é o distrito da Horta que a todos os outros - mesmo aos do continente- excede, pois se inscreve com 2,75 por mil.

Por capitais de distrito, os mais altos números pertencem, naturalmente, a Lisboa e ao Porto - centros de verdadeira atracção urbanística -, contando aquela í:005 cegos e esta 446; nas ilhas, ao Funchal, com 185.

A distribuição por idades cresce, obviamente, com os anos de vida: começa por 5 por conto até aos 10 anos, conserva-se entre os 7 e os 8 por cento dos 10 aos 40, para depois dos 50 galgar bruscamente para a ordem dos 63 por cento.

E de que vivem os quase 12:000 cegos portugueses?

Se nos ativermos ao censo de 1940, a distribuição por actividades é esta: 7,8 por cento trabalham; 45,8 por cento, ou seja 5:477, estão a cargo da família; 17 por cento, ou 2:023, vivem de esmolas; 5,4 por conto, quer dizer 644, estão a cargo da Assistência e os restantes 2:356 figuram na rubrica «Outros meios de vida».

À vista do tais indicações poderia supor-se que o problema dos cegos em Portugal estava notavelmente diminuído de importância, limitando-se aos 2:000 que vivem de esmolas, já que os restantes - por trabalho próprio, amparo de família, socorro da Assistência ou outros meios de vida - estariam arrumados.

Mas não é assim, e por duas razões. A primeira é a de que, no meu entender, das rubricas do censo de 1940 «A cargo da família» e «Outros moios de vida» não pode concluir-se que os 8:600 cegos que elas abarcam tenham o amparo devido.

O censo é mais arrolamento do que devassa; tem de contentar-se em larga medida com as respostas dadas aos questionários, não apurando da verdade das informações, que bem podem, no caso sujeito, encobrir o receio - compreensível no meio pobre de recursos e de ilustração onde se recruta a grande massa dos cegos - de que, conhecida a verdade, o Governo venha, um dia, arrebatar o «ceguinho» ao seu meio e à sua liberdade, para o internar num asilo.

Quando se atacar o problema dos cegos terá de fazer-se um inquérito rigoroso que ponha a Administração perante números-realidades; e não será difícil alcançá-lo desde que se faça compreender aos cegos ou às suas famílias o fim a que as averiguações se destinam.

A segunda razão por que o problema não diminuiria de importância - mesmo que os números referidos fossem expressão de certezas - é a do que o cego tem a possibilidade, o dever e o direito de trabalhar, não podendo constituir um peso morto para a família ou para a sociedade.

Ainda duas reflexões a respeito dos números que o censo de 1940 faculta. Vivem do seu trabalho menos de 8 por cento dos cegos-uns 920. Mas que espécie de trabalho praticam? Que remuneração média faculta ele ao cego trabalhador? Eis dois pontos importantes. Estou

seguro de que, se esquadrinharmos o assunto, havemos de chegar à conclusão de que nem o trabalho a que os cegos se dedicam é o mais adequado às suas possibilidades nem o mais remunerador dentro delas.

Sabemos todos que ainda hoje em Portugal a maioria dos cegos que trabalham esmola pelas ruas e feiras a troco de música que executam, tendo ainda de repartir com pessoas de boa vista, que fornecem o condimento da cantiga, o produto da jorna diária. Quando os acompanhantes não são crianças de pouca idade, expostas a todos os perigos e inconvenientes das peregrinações do cego músico.

A Assistência tem a seu cargo - diz-nos o censo da 1940 - 644 cegos. Presumo que neste número se incluem os asilados.

Neste particular direi: sendo vinte e dois os distritos do continente e ilhas, apenas em cinco continentais e um insular há asilos ou asilos-escolas para cegos, e todos nascidos da beneficência privada. Contam-se seis em Lisboa, três no Porto, dois em Évora e um em Coimbra, em Portalegre e no Funchal - ao todo catorze.

Este o quadro dos cegos.

E como vai resolver-se o problema? É evidente que não me cabe a mim dizê-lo; o Governo de Salazar o dirá a sou tempo. Mas estou certo de que há-de adoptar a solução mais adequada. O meu propósito, ao pedir hoje a palavra, foi apenas o de agitar o problema, que bom merece a atenção pública, e referir o que me foi dado conhecer no país vizinho, já que tenho por muito acertada a solução que ali teve.

Podem resumir-se deste modo os princípios a que obedece a assistência dispensada pela Organización Nacional de Ciegos: o cego é uma unidade social que pode, devo e tem o direito de trabalhar; se a falta de vista lhe veda certas profissões e modos de vida, ficam-lhe ainda abertos muitos outros em que pode ganhar o suficiente para se manter dignamente.

Para que o cego os possa conquistar tem de facultar-se-lhe o ensino conveniente, tomando-o na idade pré-escolar, levando o até onde a sua condição social, faculdades, aptidões e mais circunstâncias aconselhem, facultando-lhe depois ocupação ou trabalho.

A par da obra educativa, tendente a colocar cada cego em condições de se bastar a si mesmo, há que, desenvolver uma intensa acção profiláctica da cegueira, dando combate aos males de que ela mais frequentemente provém - a oftalmia purulenta dos recém-nascidos, o mal luético e o tracoma-, e tornar extensivas aos cegos todas as modalidades assistenciais de que desfrutem os trabalhadores com vista.

Portanto: não mais cegos pedintes, cegos ociosos ou inactivos; asilados, só os inválidos; assistidos, todos pela medida do comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não era, todavia, possível, ao instituir-se em Espanha, em meados de Dezembro de 1938, a organização nacional dos cegos, fazer regressar todos os que não desfrutavam de vista à idade pré-escolar e encaminhá-los para os diferentes graus de ensino; mas tornava-se indispensável facultar ao maior número possível os meios de vida suficientes para a sua mantença por meio do trabalho.

Os aptos foram colocados em diversas indústrias, a quem se impôs a obrigação de empregarem certa percentagem de cegos, pois muitas há em que o seu trabalho pode ser utilizado; a organização, por sua parte, foi montando fábricas dotadas de equipamentos modernos - de produtos químicos, de caramelos, de escovas e outros produtos -, em cujo pessoal os cegos entravam na pró-

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porção de 75 a 80 por cento; empregaram-se outros em bibliotecas da especialidade, em imprensas destinadas a editar obras pelo sistema Braille, na cópia de livros desse género; facultaram-se a muitos os meios para se estabelecerem nas suas terras com pequenos comércios, pequenas explorações agrícolas e semelhantes misteres.

Mas para os que não puderam adaptar-se lançou-se mão de um recurso transitório: o cupôn pro-ciegos - a lotaria dos cegos.

Aproveitando a experiência lançada em 1933 pela associação provincial de cegos, de Sevilha, La Hispalense, estendeu-se a todo o país a venda da nova lotaria, feita exclusivamente por cegos.

As características da operação assim oferecida ao público são estas: bilhetes ao preço de uma peseta, subdivididos em talões ou senhas a 10 cêntimos cada; séries de mil números, e tantas quantas o mercado reclame; extracções em todos os dias úteis; um prémio de 25 pesetas por cada número e nove prémios de terminação aos números cujos dois últimos algarismos correspondam aos do prémio maior; da receita da venda, 35 a 40 por cento para o cego vendedor, 47,5 por cento para prémios, o restante para despesas de expediente.

Um cego que venda duzentos e cinquenta bilhetes por dia - e não é difícil - terá alcançado um salário de 10 pesetas, e muitos há que realizam o dobro. O êxito da iniciativa foi tal que se tornou preciso fixar um limite ao número de bilhetes a fornecer a cada vendedor para remediar os inconvenientes de salários excessivos.

Não será possível adoptar em Portugal solução semelhante? Creio que sim. Nem as diferenças étnicas, económicas, sociais e outras são tão profundas que condenem o sistema. Poderíamos desde já ensaiar a lotaria dos cegos. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que por tão antiga tradição administra o jogo que é exclusivo do Estado, poderia interferir no assunto na medida e por modo a estudar.

Sr. Presidente: releve-me V. Ex.ª, releve-me a Câmara, o tempo que lhes tomei, mas a matéria merece que dela nos ocupemos. Volto a afirmar a minha confiança em que o Governo de Salazar há-de dar a conveniente solução ao problema dos cegos em Portugal. Até porque entre os cegos conta a Humanidade alguns dos seus maiores valores: cegos foram Homero, Demócrito, Milton e tantas outras figuras marcantes no campo do espírito; cego foi, desde os 3 anos, o francês Braille, a quem os seus colegas de infortúnio ficaram devendo o sistema da escrita em relevo; cego foi o nosso Castilho, cego foi essa figura heróica dos nossos poveiros - que se chamou José Rodrigues Maio, o «Cego de Maio».

A inteligente o infatigável actividade que o Sr. coronel Botelho Moniz, ilustre Ministro do Interior, tem posto ao serviço da Assistência Social, a muito valiosa e esclarecida colaboração que o Sr. Dr. Trigo de Negreiros, muito digno Subsecretário de Estado da Assistência, lhe tem prestado, são seguro penhor da minha confiança.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: na minha qualidade de Deputado pelo distrito de Évora, em defesa dos legítimos interesses das instituições de beneficência de Vila Viçosa, esperando assim contribuir para que seja respeitada e cumprida a vontade de um morto, exarada no testamento do Sr. D. Manuel II, rei de Portugal, nas cláusulas que abrangem essas instituições de beneficência, requeiro que me sejam fornecidos, pela Repartição do Gabinete do Ministério das Finanças, os seguintes documentos relativamente à Junta da Fundação da Casa de Bragança:

«1.º Valor anual dos arrendamentos já feitos pela Fundação.

2.º Valor de previsão dos rendimentos das propriedades rústicas e urbanas em administração directa.

3.º Montante, em arrobas, da cortiça tirada em 1945 e 1946 e a tirar nos sete anos seguintes.

4.º Valor de previsão para estas tiragens.

5.º Conta de gerência da Fundação da Casa de Bragança relativa ao ano de 1946, da qual constem, devidamente discriminadas, as seguintes verbas:

a) Despendida em pensões e subsídios a antigos ser: ventuários da Casa de Bragança;

b) Despendida com subsídios estabelecidos por força do § 4.º do artigo 10.º do decreto-lei n.º 23:240, designadamente instalação do musen-biblioteca da Casa de Bragança, Escola Agrícola D. Carlos I, Asilo Calipolense e Hospital-Misericórdia de Vila Viçosa;

c) Despendida com outros subsídios não consignados no referido decreto-lei;

d) Despendida com as festas organizadas pela Fundação no referido ano, indicando a razão justificativa da sua organização;

e) Despendida com guardaria do museu-biblioteca, discriminando a diurna e a nocturna;

f) Despendida com a organização do catálogo bibliográfico e tombo do museu;

g) Despendida com outros trabalhos ou publicações relativos ao mesmo museu;

h) Despendida com amortizações do empréstimo contraído na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.

6.º Em ordem a conhecer-se o ritmo estabelecido pela Fundação para execução das obrigações impostas pelo decreto-lei n.º 23:240, e bem assim a actuação da Junta da Fundação na qualidade de fiscal do sen conselho administrativo, pedem-se mais os seguintes documentos:

a) Cópia das actas da Junta da Fundação da Casa de Bragança relativas aos anos do 1945-1946;

ò) Cópia de todas as actas do conselho administrativo relativas ao mesmo período;

c) Cópia do orçamento da Fundação aprovado para 1947;

d) Cópia da escritura de empréstimo contraído na Caixa Geral de Depósitos, Crédito o Previdência ao abrigo do artigo 2.º do decreto-lei n.º 33:726;

e) Cópia dos actos e contratos realizados com a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em ordem à elaboração de projectos e execução das obras de grande reparação a que se refere o artigo 7.º do decreto-lei n.º 33:726;

f) Cópia do despacho ministerial ou equivalente que aprovou os respectivos projectos de grande reparação.

Não estando ainda aprovada a conta de gerência relativa a 1946, requeiro os mesmos elementos extraídos dos livros de escrita da Fundação a que se refere o § 3.º do artigo 4.º do decreto-lei n.º 33:726».

O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que foram recebidas na Mesa as contas públicas da gerência de 1945. Foram já distribuídas pelos Srs. Deputados e baixam à respectiva Comissão de Contas Públicas.

Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris, sobre a crise que os municípios atravessam.

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O Sr. Rocha Paris: - Sr. Presidente: na sessão de 21 de Março da III Legislatura tive a honra de apresentar ao Governo nota de um aviso prévio sobre a situação grave que os municípios atravessam.

Foi, finalmente, marcada para hoje a sua realização, e desse encargo me vou desempenhar, diligenciando sintetizar a minha exposição, para o que me cingirei o mais possível, procurando no entanto desenvolve-la, à nota publicada no Diário das Sessões e que vou reproduzir:

I

O município, organismo natural de formação anterior à do Estado, atravessa uma profunda crise, motivada principalmente:

a) Pelas constantes limitações da sua autonomia funcional;

b) Pelas constantes diminuições da sua capacidade de realizar ou de manter as receitas indispensáveis ao exercício das suas actividades próprias;

c) Pelos constantes aumentos dos seus encargos e obrigações.

II

Parece-nos, portanto, necessária uma revisão do estatuto regulador dos seus direitos e obrigações, no sentido de:

a) Restabelecer, dentro do possível e no seu tradicional significado, as antigas autonomias municipais, condicionando-as à tutela administrativa do Estado;

b) Devolver aos municípios a faculdade de restabelecer receitas que ultimamente lhes tem sido cerceadas e que são indispensáveis à sua acção administrativa, por exemplo:

Receitas provenientes de taxas aplicadas ao consumo de vinhos nos respectivos concelhos;

Receitas provenientes de taxas aplicadas ao consumo de carne nos respectivos concelhos e que actualmente, no todo ou em parte, estão adstritas a novos sectores da administração pública;

c) Reintegrar os municípios na sua função histórica de organismos fomentadores, realizadores e protectoras dos interesses locais, libertando-os, portanto, de encargos e despesas de carácter geral que lhes não devem pertencer, por exemplo:

Comparticipação na construção e conservação dos edifícios destinados aos serviços próprios do Estado (repartições públicas, tribunais, cadeias, etc.) e instalação completa desses serviços, incluindo fornecimento gratuito de água e luz.

E, assim, vou dar início às considerações que me proponho fazer num espírito unicamente de colaboração com o Governo, apontando defeitos que me parece estarem gravemente prejudicando a marcha natural dos negócios municipais.

Parece-me indiscutível que o município não pode ser considerado uma criação da lei, porque esta não decreta nem cria as instituições, mas são estas que se lhe antecedem.

O município deve ser considerado como um organismo natural e histórico anterior à vida e aparecimento do Estado.

Já Alexandre Herculano, referindo-se no município, dizia que o seu estudo, nas suas origens, nas suas modificações como elemento político, devia ter para a sua geração subido valor histórico quando a experiência tivesse demonstrado a necessidade de restaurar esse esquecido, mas indispensável, elemento de toda a boa organização social.

Julgo interessante reproduzir também os depoimentos de alguns historiadores, que servirão para comprovar a importância que sempre os municípios tiveram através dos tempos e dos lugares:

Se avaliarmos e decompusermos os elementos orgânicos de um Estado, em toda a parte encontraremos o município (Savigny).

O município existe em todos os povos, quaisquer que sejam as suas leis e os seus costumes.

Organiza e forma tanto os reinos como as repúblicas.

O município parece que saiu das mãos de Deus.

É a primeira escola onde o cidadão deve aprender os seus deveres políticos e sociais (Tocqueville).

O município não e um ser ideal ou fantástico, mas sim a verdadeira pátria, a que vemos, a que conhecemos em todos os seus pormenores, a que nos faia a todos os sentidos (Sismondi).

O município é a entidade primordial do território.

Quanto vale o município quanto vale a nação (Castadet).

E, assim, vemos que sempre o município foi considerado elemento primordial na orgânica política dos Estados, menos quando se

... basearam nos indivíduos, como células fundamentais da sociedade, fazendo portanto tábua rasa dos agrupamentos naturais de que o ser colectivo se tecia e que, sendo na formação organismos anteriores à vida e aparecimento do Estado, representam forças essenciais, para cuja coordenação e guarda o Estado existe como lógico agente ponderador.

Avoluma-se hoje uma reacção profunda no campo das ciências jurídicas e políticas, reclamando para os municípios o exercício da sua completa soberania.

Reconhece-se, pois, o erro dos critérios administrativos herdados do liberalismo e da corrente centralizadora francesa.

Para esses critérios os municípios não são anuis do que um grau inferior da administração geral do Estado.

Tem-se assim o município como uma exclusiva criação da lei, que ordinariamente o entende como sendo a associação legal de todas as pessoas que residam numa dada circunscrição administrativa, quando, em rigor, o município é uma criação espontânea ou natural de circunstâncias históricas e demográficas (António Sardinha).

Estas considerações tendem a demonstrar o real valor de que se revestiram sempre os municípios através, porém, de algumas vicissitudes que, por vezes, os transformaram quase em «corpos sem acção própria, simulacros de administração económica, fantasmas irrisórios do poder municipal», como em 1832 dizia a Câmara Municipal de Lisboa, protestando contra a lei n.º 23 de 16 de Maio, e que, pelo seu carácter extremamente centralizador, feria profundamente os sentimentos tradicionais da autonomia municipal.

Os tempos, porém, mudaram, e hoje município pode considerar-se em Portugal como sinónimo de concelho.

Seja como for, o que é indiscutível é que os municípios são organismos naturais, formando a base efectiva de qualquer Estado bem constituído.

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260 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 73

O artigo 325.º da actual Constituição considera o território do continente dividido em concelhos, que se formam de freguesias e se agrupam em distritos e províncias.

Continuam assim os concelhos a ser considerados como as células fundamentais da Nação, embora cada vez mais se acentue a crise que vem constantemente agravando o exercício da sua função histórica e em prejuízo das nossas grandes tradições municipais.

Tenho em meu poder depoimentos de dezenas de concelhos, todos eles unânimes em manifestar o seu desgosto por reconhecerem que são inúmeras as dificuldades com que se debatem, principalmente os concelhos rurais, para poderem desempenhar, honesta e patrioticamente, as suas funções.

Todos concordam em que é necessário revigorar a autonomia dos municípios e facilitar-lhes vida própria, libertando-os dos encargos que hoje os asfixiam, permitindo-lhes assim dedicar-se, com real e completo proveito, aos fins consignados no artigo 44.º do Código Administrativo.

Há até câmaras com as finanças equilibradas, em virtude de forte compressão de despesas, mas cuja situação social se pode considerar crítica, visto não ficarem em condições de poderem realizar o programa mínimo de melhoramentos impostos pelas necessidades públicas e pela própria orgânica municipal.

O problema de todos os municípios do País é este: receitas mínimas, incomportáveis, por vezes, com as necessidades da hora presente.

A seguir passo a referir-me a algumas considerações que me foram feitas por pessoas categorizadas de diversos concelhos e que pelo seu interesse desejo que fiquem arquivadas no Diária das Sessões.

1.º depoimento:

«Afigura-se-me, porém, sobretudo, que a grande e verdadeira razão das dificuldades que assoberbam os municípios está precisamente no constante aumento de despesas obrigatórias, e que na maior parte das vezes não deviam caber aos municípios.

Concelho de uma economia absolutamente pobre, com um orçamento de receita muito reduzido - 500 a 600 contos, embaraçado com encargos de amortização e juros de empréstimos que teve de contrair para a realização de obras de urgente necessidade, como o abastecimento de águas, saneamento e pavimentação da vila, absorvido em grande parte pelas despesas inevitáveis e inerentes à sua vida municipal, como a remuneração do seu pessoal, o custo da iluminação pública (uma das mais caras do País), etc., e onerado com serviços de assistência nos hospitais de Lisboa, Porto e Coimbra aos doentes pobres do concelho, ele vê pesarem no seu magro orçamento:

a) As rendas das casas onde funcionam as escolas, secretaria judicial e conservatórias;

b) O fornecimento de água e luz a todas essas repartições e ainda àquelas que se encontram instaladas no seu próprio edifício, a ponto de em algumas o consumo representar um verdadeiro abuso;

c) As reparações, modificações e fornecimento de mobiliário para todos esses edifícios e da cadeia comarca; e, enfim,

d) Tantas outras despesas com que a cada momento sobrecarregam as câmaras e que tudo tolhem e tudo embaraçam e impossibilitam de fazer coisa alguma, sobretudo nos municípios em que durante largos anos todos os esforços e todas as energias se consumiram ingloriamente em mesquinhas lutas de campanário e em que a vida se atrasou um século.

Durante a transformação política que se operou nos meados do século passado, a par de uma descentralização administrativa em que muito se falou e que a maior parte das vezes não foi mais que aparente e das poucas vezes- que foi real e verdadeira teve uma vida efémera, operou-se uma centralização política em Ministérios que concentraram em si toda a mecânica da vida social da Nação, mas que não foi acompanhada completamente de uma correspondente centralização económica.

Mantiveram-se ou criaram-se Ministérios que superintendem nas respectivos serviços, mas que deixam às câmaras municipais o encargo de os instalar e manter as suas instalações».

2.º depoimento:

«Não é equitativo que as sociedades anónimas de responsabilidade limitada possuindo estabelecimentos industriais em concelhos diversos dos da sua sede paguem nestes últimos as contribuições industriais, o que priva as câmaras dos concelhos onde funcionam essas indústrias dos respectivos adicionais, ou seja de uma receita que os compense dos encargos resultantes da assistência aos operários e suas famílias, da conservação das vias públicas utilizadas pelos veículos dessas indústrias e outras despesas provenientes da sua existência nos concelhos.

Seria equitativo que esses adicionais fossem pagos nos concelhos em que essas indústrias estão instalarias, embora se mantivesse o princípio de o pagamento da contribuição industrial ser feito no concelho da sede da sociedade, podendo para tal adoptar-se processos semelhantes aos que estabelecem o artigo 712.º e seus parágrafos do Código Administrativo para as licenças de comércio e indústria, relativamente à base do lançamento.

Para justificar esta sugestão basta citar o facto de neste concelho haver indústrias que ocupam cerca de 10:000 operários, pertencentes a sociedades anónimas com sede em Lisboa, tendo a Câmara de dar assistência hospitalar e outras, a cerca de 25:000 pessoas dependentes dessem operários, além de custear obras de conservação das vias públicas utilizadas por essas sociedades, que para esses gastos não contribuem para o cofre municipal com os adicionais às contribuições do Estado.

Aos municípios deveria de facto dar-se verdadeiramente autonomia financeira, estabelecida no artigo 688.º do Código Administrativo, embora sujeita à fiscalização do Estado, sendo contudo esta unicamente tendente à verificação da honestidade dos actos administrativos e à boa aplicação dos fundos municipais.

Portanto, entre outras, uma das regalias de que as câmaras carecem para revigorar a sua autonomia é a de serem respeitadas as suas atribuições sem intromissões das várias repartições públicas, que hoje têm uma interferência quase absoluta nas deliberações camarárias, e o não se perder de vista, que as câmaras, estando em contacto directo com as necessidades e possibilidades dos concelhos, melhor as avaliam do que quem, nas repartições da capital, se intromete nos seus actos por forma por vezes combinatórios.

3.º depoimento:

«Se não é desafogada a situação de uma grande parto dos municípios do País, se, a par da limitação da sua autonomia funcional, dia a dia se vai limitando o seu poder de realização, é nos pequenos concelhos rurais que esse poder de realização atingiu aquele limite mínimo para além do qual a própria existência dos municípios se encontra em perigo.

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Tenho presente um mapa estatístico que abrange o período de 1936 a 1945 - um longo período de dez anos, em que 1936 representa o último ano de vigência do Código Administrativo de 1896.

Por ele verifico que, um conjunto, as receitas do município muito pouco se têm expandido. Por outro lado, comparando as despesas actuais com as desse ano de 1936, é quase com terror que constato que elas aumentaram de uma maneira constante, inexorável, reduzindo-se de ano para ano as verbas necessárias à satisfação daquelas necessidades mais comezinhas da vida de um município rural.

O assunto merece um estudo, ainda que ligeiro. Num município rural as receitas principais, aquelas que podem servir de base ao seu funcionamento, são:

1.º As percentagens adicionais às contribuições do Estado;

2.º Os impostos indirectos (consumo).

Fora destas, todas as outras receitas são apenas tapa-buracos. São incertas e de valor reduzido. Poucas atingem a casa dos milhares de escudos; algumas ainda chegam à casa das centenas, mas são muitas as que se confinam à casa das dezenas.

No que se refere às percentagens adicionais às contribuições do Estado, é sabido que as verbas principais- predial rústica e predial urbana - se tem mantido estacionárias (excepção feita nalguns concelhos onde se procedeu ultimamente a novas avaliações).

Vejamos agora o que se passa com os impostos indirectos.

Vem de longe o princípio de impor a abolição da cobrança do imposto sobre géneros para os quais foi criado algum organismo especial. Haja em vista o que sucede com a farinha, com o vinho e, ultimamente, com o arroz. Assim, a cobrança dos impostos indirectos, por falta de matéria colectável, tem sofrido grande redução.

Em resumo: a situação financeira dos municípios rurais, sobretudo dos pequenos municípios, é actualmente muito grave. Não sói se não virão demasiado tarde as injecções de penicilina - neste caso os subsídios do Estudo, digo subsídios, e não comparticipações.

O Estado Novo criou um dinamismo especial que, talvez; por indução, se propagou às mais remotas aldeias. Teria sido preciso que esse impulso inicial não se tivesse confinado apenas aos diversos departamentos do Estado. Se os municípios, ainda os mais pobres, tivessem podido, neste longo período de orçamentos equilibrados (os orçamentos do Estado), beneficiar de subsídios constantes, Portugal, de norte a sul, teria um aspecto bem diferente do actual, apesar do muito que se tem feito e a que é lógico prestar justiça.

Um dos assuntos que também não posso deixar de abordar é o da assistência nos pequenos concelhos.

Aqui - nos pequenos concelhos - a maioria da população é constituída lê trabalhadores rurais e de artífices, portanto uma maioria esmagadora de gente que nada tem, ou que tem ião pouco que não isenta os municípios dos encargos com as operações ou tratamentos a que possam estar sujeitos quando adoecem. Ora, se se quer ver este problema com profundidade e com justiça, justo é confessar que são talvez apenas os municípios que fazem, no mais lato sentido, assistência em Portugal. Isto porque a fazem em relação a todos que dela necessitam (e não a podem pagar de sua conta) e o fazem em devido tempo.

Daqui resulta, como não pode deixar de ser, que uma grande parto das suas receitas é absorvida com o tratamento de doentes e os municípios se encontram sempre em débito com os hospitais».

4.º depoimento:

«A Revolução Nacional, levada a cabo pelo glorioso movimento de 28 de Maio, transformou o País, quer na parte financeira, quer económica e socialmente.

Afirmá-lo mais uma vez seria supérfluo, pois está â vista de toda a gente essa obra, que se impõe a nacionais e estrangeiros.

Na transformação que a Nação tem sofrido de há dezoito anos a esta parte têm tido um grande e valioso quinhão os municípios do País.

As câmaras municipais, levadas peio incentivo que lhes comunicou o Governo da Nação, parece que à compita, procuraram e procuram acompanhar o Estado na medida do possível, levando aos povos seus administrados aquele mínimo de conforto e bem-estar de que tanto necessitavam.

E assim as mesmas câmaras têm procurado, dentro dos seus magros recursos, satisfazer as necessidades desses povos, quer abrindo estradas e caminhos, quer calcetando os já existentes que se encontravam em pavoroso abandono, quer explorando águas potáveis e construindo chafarizes, quer fornecendo-lhes energia eléctrica, etc.

Sob o ponto de vista social e económico, parece que também a acção desenvolvida pelos municípios não é para desprezar, e bem assim em qualquer outro campo da sua actividade.

Porém, os encargos dos municípios são constantes e cada vez maiores.

Não há nada, há uns tempos a esta parte, que não venha contender e sobrecarregai- os encargos já existentes.

A autonomia dos municípios é actualmente quase que inexistente, pois se verifica que se não pode dar um passo sem ter em consideração, além do estatuído pelo Código Administrativo - que devia, em boa razão, ser a lei que determinasse a maneira de conduta dos homens de boa vontade que se encontram a servir sem remuneração alguma ou interesse próprio, as numerosas e quase diárias circulares que muitas vezes brigam com as disposições daquele Código.

Mas já não é só a doutrina que estabelecem essas circulares que muitas vezes vem lançar a perturbação nos serviços, a ponto de se não saber como cumprir.

Bem sabemos que estamos numa época de evolução e que se não pode nem deve parar, e por isso admitimos de bom grado que seja necessário modificar disposições que ontem eram boas e que hoje já não servem, por antiquadas.

Tem de se admitir que, sendo constante a evolução dos povos, as fórmulas ou leis por que se regem têm necessariamente de evoluir, procurando adaptá-los à nova forma de viver.

Mas, porque essas evoluções são constantes, também constantes e cada vez mais imperiosas são as necessidades dos povos.

Estes contraíram hábitos novos.

Foi o próprio Estado e, com ele, os municípios que lhos criaram e desenvolveram.

E é justo que se não pare, isto é, que se continue a grandiosa obra começada.

Mas como, se novas determinações legais vêm cercear o rendimento das câmaras, que já se vêem em dificuldades para bem cumprir a sua missão?

Não é do desconhecimento de V. Ex.ª que tal rendimento é absorvido em grande parte pelas obras que coercivamente as câmaras são obrigadas a fazer com as repartições do Estado, nomeadamente secção de finanças, registo predial e civil, casa dos magistrados, mobílias para estas repartições, secretarias judiciais, tribunais e tantos outros.

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Em conclusão:

Como o Governo da Nação já por mais de uma vez tem manifestado o desejo de que se lhe deve falar com clareza, expondo-lhe as dificuldades para que sejam atendidas na medida do possível, aqui deixamos, não o nosso protesto, porque nunca o faríamos em obediência à disciplina, mas uma exposição de factos concretos.

E na hora difícil que passa, em que as necessidades são grandes, em que se tem de dar trabalho a quem o não tem para ganhar o sustento dos seus -e quanta dificuldade não encontra na generalidade aquele que luta pela vida-, não é de cercear a magra receita das câmaras municipais, que, empenhadas na grandiosa obra de rejuvenescimento da Nação, amanhã não poderão fomentar e construir, por não terem receitas, não podendo dessa maneira contribuir para que haja menos fome, menos necessidade».

5.º depoimento:

«Atentando em primeiro lugar nas despesas obrigatórias impostas pelo artigo 751.º do Código Administrativo « atendendo a situação embaraçosa em que se encontra a maior parte dos municípios do País, sob o ponto lê vista financeiro, parece-nos que, sem procurar condenar quaisquer princípios contidos no referido diploma, as despesas com a renda, construção ou reparação dos edifícios destinados aos tribunais, bem como as de mobiliário, água e luz dos mesmos tribunais, deveriam deixar de figurar no número de tais encargos, devendo ainda tal procedimento ser tomado para com os restantes referidos nos n.º 2.º a 5.º e no n.º 9.º da referida disposição legal.

É que não se torna fácil aumentar, se qualquer modificação não for introduzida nalgumas disposições legais onerosas, as possibilidades dos corpos administrativos dos concelhos, que, cada vez mais acentuada e nitidamente, se têm de submeter e condicionar à realidade rígida e insofismável da compressão ilimitada da sua capacidade de realização, com consequente prejuízo da satisfação de necessidades palpáveis e urgentes, que bem de perto vivemos».

6.º depoimento:

«Disse-se no relatório do decreto n.º 15:467, acerca de rendimentos dos corpos administrativos, que c o contribuinte tem de ser poupado para as necessidades do orçamento do Estado» (Legislação Portuguesa, 1928, I, p. 896, col. 2.ª, lins. 22.º e 23.º). Esta política não deixou jamais de ser seguida, e não só se tem apenas «poupado» o contribuinte: têm-se de facto carregado os municípios!

Ora, se os rendimentos do Estado não chegam de facto a tudo o necessário, inegável é que permitem já um nível de realizações incomparavelmente mais elevado e grandioso no plano nacional do que podem sequer sonhar-se no plano municipal.

Sabe-se quanto a vida rural e dos pequenos centros sofre à míngua de comodidades e sabe-se até (provam-no os resultados da parca esmola dos 10:000 contos por ano para melhoramentos rurais) quanto poderia andar-se no caminho de ir assegurando as mais essenciais, à custa apenas de uma parcela dos gastos do Estado: bastará ler as considerações do engenheiro e Deputado Araújo Correia no último parecer sobre as contas públicas.

Parece que não é justo o Estado chamar tanto a si e deixar tão pouco aos concelhos! E, depois de deixar-lhes pouco, cometer-lhes ainda a obrigação de cuidarem de instalar e manter serviços seus! E tributar as autarquias como se entidades particulares fossem, cobrando-lhes selos, emolumentos, contribuições industriais, enquanto que não se esquece da sua condição de órgãos da Administração Pública para lhes exigir toda a espécie de cooperação gratuita!

Brada aos céus o que se passa com os serviços de finanças: os municípios hão-de instalá-los (e como!), iluminá-los, aquecê-los e ainda por cima pagai-lhes para que lhes prestem o serviço do lançamento e cobrança de receitas suas!

Bradaria também o que se admitiu (e afinal ainda é de lei) quando da recente reorganização da guarda nacional republicana: fazer pagar por todos os concelhos os novos postos criados em cerca de cinquenta deles, até então desprovidos da guarda! A disposição neste sentido, cuja defesa no preâmbulo do decreto-lei n.º 33:905 ressuma falta de sinceridade, não houve felizmente ainda decisão de a aplicar; porventura se terá reconhecido a sua injustiça. Pende ainda, contudo, sobre os municípios.

E, como por estas medidas, por quantas outras não estão sendo obrigadas as autarquias locais a despesas com serviços de interesse nacional, como os da defesa do País, da mantença da ordem pública, do ensino, da justiça, do registo civil, das aferições de pesos o medidas, dos censos populacionais, etc.?

O Estado contribui ainda com o outro grande factor da crise dos municípios pelo modo como decorrem as suas relações com eles.

Certos departamentos exercem estas relações por forma a darem-lhes aspectos que só um plebeísmo, ao mesmo tempo cru e expressivo, traduz bem: tornam-nas em verdadeiro «descarregar para a esquerda» ... Como há-de classificar-se de outro modo, por exemplo, o decreto-lei n.º 32:595, de 30 de Dezembro de 1942, que incumbe as câmaras municipais (claro, sem compensações) de passarem a cobrar para o Estado a contribuição industrial dos vendedores ambulantes, que se estava revelando difícil para as repartições de finanças?

E tantas disposições, instâncias, recomendações, exigências, cominações, aparentemente sobre tudo quanto aos serviços apetece!

E os inquéritos, os recenseamentos, os manifestos, as averiguações?

Como são solicitadas as secretarias municipais, as juntas das freguesias, os pobres regedores!

E como tudo há-de fazer-se grátis e a tempo, que nas relações do Estado com as autarquias parece serem estas apenas a deverem pontualidade, selos e emolumentos!».

7.º depoimento:

«As câmaras municipais com orçamentos inferiores a 400 contos passam em breve a não poder desempenhar as funções que lhes são atribuídas:

1.º Porque os encargos das reparações e instalações de repartições públicas, tribunais, secretarias, Fazenda, registo civil, conservatória, casas para os magistrados, cadeias, aquecimento, luz, mobiliário, etc., levam verbas avultadas que as câmaras não podem evitar, atendendo a que a lei as manda deduzir aos adicionais, quando não pagas voluntariamente.

2.º Porque a instalação, reparação e mobiliário das escolas obriga a dispêndio de somas elevadas, ainda que inferiores ao que de verdade seria necessário para manter essas escolas e mobiliários em apresentável estado de conservação e limpeza.

3.º A cumprir-se integralmente o Plano dos Centenários, com escolas construídas por arrematação, em que não é ouvida a câmara nem se lhe dá o direito de arrematar, e com a obrigação, imposta pelo decreto n.º 35:769, de pagar 50 por cento do custo das obras, em prestações distribuídas por dez anos, verificaremos que a maioria das câmaras fica em condições idênti-

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cas às desta Câmara, que, tendo presentemente onze salas de aula em construção, com o custo aproximado de 700 contos, fica com o encargo de 350 contos, pagáveis em dez anos. São 35 contos de anuidade, mas, como o Plano tem mais trinta salas de aula, a Câmara virá a despender cerca de 140 coutos por ano! O orçamento camarário é de cerca de 450 contos anuais. Com as despesas obrigatórias e as que os vários serviços absorvem restava à Câmara um caldo de 30 a 50 contos, que aplicava a escolas, caminhos, abastecimento de águas, etc. Com o encargo de 140 «untos e outros que nos são marcados constantemente parece-nos que para pouco servirá a nossa presença na Câmara».

Sr. Presidente: posto isto, vou referir-me particularmente ao aumento constante das despesas ordinárias, para o que apresento as seguintes notas, referentes a um período de dez anos de gerência municipal de diversas câmaras:

Aumentos:

Receita ordinária 25 %
Despesa ordinária 75 %
Despesa com repartições públicas 120 %
Despesa com doentes nos hospitais 600 %

Outra câmara:

Receita ordinária 25 %
Despesa ordinária 100 %
Despesa com doentes nos hospitais 600 %

Outra câmara:

Receita ordinária 50 %
Despesa ordinária 55 %
Despesa com doentes nos hospitais 80 %

Outra câmara:

Receita ordinária 25 %
Despesa ordinária 100%
Despesa com doentes nos hospitais

Outra câmara:

Receita ordinária 44%
Despesa ordinária 120%
Despesa com doentes nos hospitais 500%

O aumento das receitas ordinárias foi, na maior parte dos casos, obtido pela elevação ao máximo permitido das taxas.

Estas indicações servirão para se fazer uma ideia, embora ligeira, das dificuldades financeiras que os pequenos e médios municípios atravessam.

Sr. Presidente: passo agora a referir-me à segunda parte da minha nota de aviso prévio, embora alguns dos pontos que vou focar já tenham sido referidos nas palavras que tenho proferido.

Principiarei pela necessidade de «restabelecer, dentro do possível e no seu tradicional significado, as antigas autonomias municipais, condicionando-as à tutela administrativa do Estado».

Parece-me evidente que só traria vantagens para a administração municipal, quer sob o ponto de vista económico quer sob o aspecto social, que se procurasse restituir aos municípios, dentro dos limites da sua actual actuação, aquela dignidade que tanto caracterizava a função das câmaras, aquele respeito de que estavam cercados os seus dirigentes, que, fortes com a autoridade do mando, se apaixonavam tantas vezes, e até com sacrifícios da gerência dos seus bens o dos seus haveres, pela gestão do que afinal a todos pertencia e que para todos constituía o lar sagrado, a pequena pátria, o centro da vida local, em que a Nação se fortificava «através das suas formas imediatas - a fonte, o adro da igreja, a casa da câmara, a torre do relógio e a ponte romana, com o rio correndo, manso, entro choupos luzentes.

Tudo respirava, com a consciência da nossa pequena pátria, o sentido e a adivinhação duma pátria maior.

Então o patriotismo não se conhecia como vocábulo sonoro. Mas existia o sentimento da família e da religião - existia o brio profissional e o apego à vila em que se nascera e do cujas pedras seculares se dependurava o quadro pacífico das nossas aspirações» (Sardinha).

Nestas ideias se formou o nosso espírito nacionalista, habituados a crer na existência real dos laços que prendiam outrora os homens ao património ancestral, defendendo-os e solidarizando-os perante a intromissão abusiva do poder.

Mas, nestes momentos de grande e fecunda actividade, parece-me absolutamente necessária a sujeição do município a uma tutela do Estado, porque a transformação importantíssima que o País sofreu de há vinte anos a esta parte obrigou a instituir-se uma maior e mais íntima ligação entre o Estado e o município, sobretudo no domínio da técnica.

A acção do Estado é benéfica e notável perante as câmaras municipais quando é orientadora o de ordem técnica.

De facto, o notável incremento que as obras públicas tomaram em Portugal, e que se estendem por todos os concelhos, mercê desse notabilíssimo decreto que criou o Fundo de melhoramentos rurais, obra magnífica do nosso colega ilustre Dr. Antunes Guimarães, cujo nome ficou ligado para sempre a um dos mais interessantes e notáveis factos de administração local e de política nacional, modificou por completo a natureza das relações entre o Governo e os municípios.

E por isso eu acredito sinceramente que é indispensável submeter alguns dos actos da gestão municipal à direcção do Governo e ao seu conselho e apoio.

E é neste sentido que entendo a palavra e tutela», que, evidentemente, tom apenas de representar a coordenação entre a actividade local e a actividade governativa.

Do facto, como escreveu o Prof. Martinho Nobre de Melo, a subordinação das autarquias ao Estado não é a subordinação à Administração Central, mas ao imperium da lei do corpo jurídico total.

A autonomia consisto não só no livre exercício das atribuições dentro dos limites da lei, ou seja no direito de iniciativa que pertence às autarquias ao administrar os interesses a seu cargo, mas também no facto de não deverem obediência aos órgãos da Administração Central, visto as suas deliberações só poderem sor suspensas ou anuladas pelos tribunais.

É evidente que se trata apenas de independência administrativa, pois politicamente as autarquias não podem arrogar-se qualquer independência.

As palavras «tutela administrativa» devem ser interpretadas no sentido de, sem trair a personalidade jurídica e a independência dos corpos administrativos, estabelecer coordenação entre a actividade das autarquias e a actividade do Governo, dando unidade às linhas gerais da Administração. Através da tutela não é, a bem dizer, a supremacia da Administração. Contrai que se manifesta; é antes a colaboração entre a Administração Central o as administrações locais que se procura assegurar (Pires do Lima).

Convém, porém, não levar ao exagero este espírito de colaboração que sempre animou os municípios em prol do bom comum, para que não possam sor julgados inoportunos e, por vozes, vexatórios os pedidos o solicitações feitos sob tal aspecto...

As limitações que existem à autonomia municipal derivadas da tutela administrativa não devem ser consideradas entraves ou atropelos à actividade dos corpos

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administrativos. E, porém, indispensável que a acção tutelar seja exercida com o espírito que a criou.

Há também outra espécie de tutela: a tutela repressiva, que se destina a evitar que se resolvam problemas locais com prejuízo dos interesses gerais, e que tem a sua justificação no grande desenvolvimento que as obras públicas tomaram nos concelhos e freguesias do País.

Mas é indispensável impedir que neste capítulo se dêem factos como este:

Encaremos o que se passa nos domínios desta espécie de tutela com um projecto do matadouro municipal.

Escolhidos os técnicos que hão-de elaborar o projecto e fixado o local da construção - dois problemas de resolução difícil-, aguarda-se, durante bastantes meses, que se concluam os estudos da obra.

Depois, em obediência ao preceituado no § 5.º do artigo 51.º do Código Administrativo, solicita-se à Direcção Geral dos Serviços Pecuários a aprovação do projecto, e esta Direcção Geral não dispensa, como aliás é razoável, a informação do intendente de pecuária do distrito.

Aprovado o projecto pela Direcção Geral dos Serviços Pecuários, torna-se necessário remetê-lo ao Conselho Superior de Higiene, visto o § 4.º do artigo 51.º do Código Administrativo exigir que as deliberações definitivas sobre obras do carácter sanitário sejam precedidas do parecer favorável daquele Conselho.

O Conselho Superior do Higiene, por sua vez, não se pronunciará sem que só junte ao processo o parecer da comissão municipal do higiene.

Até aqui trata-se de formalidades a que está sujeita a deliberação da camará, e não propriamente da tutela repressiva que se segue à deliberação.

Em face dos pareceres favoráveis da Direcção Geral dos Serviços Pecuários e do Conselho Superior de Higiene, a câmara aprova o projecto o a sua deliberação é aprovada pelo conselho municipal.

Mas é evidente que ninguém admite a hipótese de que na construção de um matadouro se prescinda da valiosa cooperação financeira do Estado através do Fundo de Desemprego.

Assim, o processo segue instruído com os pareceres sugeridos e cópias das deliberações da câmara e do conselho municipal para o Ministério das Obras Públicas, onde terá do ser informado pela Secção de Melhoramentos Urbanos, da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização.

Transporta-se o processo para o Gabinete do Ministro, que manda ouvir o Conselho Superior de Obras Públicas, e, finalmente, aprova o projecto e concedo a comparticipação.

Isto é, pronunciam-se sobro o projecto da obra o intendente do pecuária do distrito, a Direcção Geral dos Serviços Pecuários, a comissão municipal do higiene, o Conselho Superior de Higiene, a câmara municipal, o conselho municipal, a Secção de Melhoramentos Urbanos, da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização, o Conselho Superior de Obras Públicas e o Ministro das Obras Públicas - três entidades do município e seis do Estado. Na melhor das hipóteses, ou seja, se todos os pareceres, deliberações e decisões forem favoráveis, imagine-se o número de ofícios, de registos, de despachos, de vistos e informações que provocará o processo e o tempo que há-de demorar a sua marcha!

Finda esta difícil peregrinação, ainda tem de restar ânimo para organizar processos destinados a pedir ao Ministro das Finanças autorização para o empréstimo da importância destinada à obra; pedir aos Ministros do Interior e da Economia autorização para o lançamento da sobretaxa sobre carnes de gado abatido, cujo produto se destina a fazer face aos encargos do empréstimo, e, possivelmente, pedir ao Presidente do Conselho de Ministros que seja decretada a expropriação urgente, por utilidade pública, do terreno destinado à construção (Pires de Lima).

Outros casos idênticos só poderiam citar, sendo porém este um dos mais típicos, o que vem demonstrar que é necessário abreviar a longa marcha que têm do seguir alguns projectos camarários através desse calvário de repartições públicas, reduzindo ao mínimo possível o número das entidades a consultar.

Vou entrar agora na parto mais positiva da minha nota de aviso prévio:

b) Devolver aos municípios a faculdade de restabelecer receitas que ultimamente lho têm sido cerceadas e que são indispensáveis à sua acção administrativa, por exemplo:

Receitas provenientes do taxas aplicadas ao consumo do vinhos nos respectivos concelhos;

Receitas provenientes do taxas aplicadas ao consumo de carnes nos respectivos concelhos o que actualmente, no todo ou em parte, estão adstritas a novos sectores da administração pública.

Do facto, Sr. Presidente, é indispensável que sejam restabelecidas receitas que ultimamente passaram, no todo ou em parto, para diversos organismos corporativos.

Impõe-se a revisão do imposto sobre o consumo dos vinhos, dando-lhe outra forma de incidência, pois não parece justo que nos concelhos onde é lançado a taxa que o representa seja uniforme.

Isto é, quer o vinho seja vendido por um preço mínimo, quer atinja preços elevados, como sucede hoje, a taxa é em geral sempre a mesma: $0õ por litro.

Esta taxa deve ser variável e proporcional ao preço obtido pelo vinho nas suas transacções.

O imposto indirecto sobro carnes verdes e taxas pelo uso dos matadouros devo recair sobre os preços estabelecidos pelas tabelas oficiais e, na sua falta, sobre os preços da estima camarária, desaparecendo portanto os limites fixados nas portarias n.º 9:403, de 13 de Dezembro do 1939, e 9:708, de 25 do Dezembro de 1940.

Não faz sentido que para a cobrança destes imposto o taxas só fixem preços sensivelmente inferiores aos que vigoram nos mercados.

E, desde que abordamos o problema das receitas municipais, julgo oportuno frisar mais uma vez a necessidade de as fortalecer, restabelecendo a cobrança do imposto ad valorem desde que as câmaras executem obras de grande interesse local e que pelo seu elevado custo exijam o recurso ao empréstimo, por exemplo: saneamento, captação o distribuição de água potável, electrificação.

Só desta forma os municípios pequenos poderão dar cumprimento a essas despesas verdadeiramente obrigatórias, e que devem constituir a base de qualquer plano sério de urbanização.

A propósito de empréstimos, lembro que deveriam ser fixados maiores prazos de amortização e menor taxa do juro.

E, passando para sectores mais modestos, advogo o restabelecimento da cobrança do taxas referentes ao custo dos impressos nos conhecimentos de receita, visto o agravamento quase diário do sen custo.

Também me pareço defensável o aumento de compensação sobre veículos automóveis, visto serem grandes os prejuízos que tem causado às finanças municipais.

Passemos agora à alínea c) da parte II, em que se advoga a reintegração dos municípios na sua função histórica de organismos fomentadores, realizadores e protectores dos interesses locais, libertando-os portanto de encargos e despesas de carácter geral que lhes não devem pertencer, por exemplo:

Comparticipação na construção e conservação dos edifícios destinados aos serviços próprios do Estado (repar-

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tições públicas, tribunais, cadeias, etc.) e instalação completa desses serviços, incluindo o fornecimento gratuito de água e luz.

É indiscutível que a função primordial dos municípios consiste na sua acção realizadora e protectora dos interesses locais cuja gerência lhes está confiada.

É por seu intermédio que se realizam as obras de grande interesse local, que dominam toda a actividade bem orientada de uma câmara municipal.

Mas, para que o município possa de facto desempenhar-se desta magna atribuição, que, som dúvida, exige, além do precioso auxílio do Estado, receitas próprias que cubram a parte das despesas que lhe compete, é indispensável ou proporcionar-lho as possibilidades de aumentar os seus réditos ou então libertá-lo de despesas que lhe não pertencem e que o Código Administrativo classifica de obrigatórias.

Refiro-me às que estão consignadas nos n.º l.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 8.º e 9.º do artigo 751.º do Código Administrativo.

Este artigo diz:

Serão também satisfeitas obrigatoriamente:

1.º As despesas de renda ou construção, conservação e reparação dos edifícios destinados aos tribunais da 1.ª instância com sede na circunscrição municipal e as de mobiliário, água e luz dos mesmos tribunais;

2.º As despesas com renda, instalação e mobiliário, água e luz das secções de finanças concelhias e dos bairros de Lisboa e Porto, tesourarias da Fazenda Pública, tribunais das execuções fiscais, conservatórias do registo civil, inspecções e delegações de saúdo, conservatórias do registo predial nos concelhos que sejam sede de comarca e das administrações de bairro nos concelhos de Lisboa e Porto.

Sr. Presidente: merecem estes dois números deste importante artigo considerações especiais, visto constituírem um dos grandes cancros dos orçamentos municipais.

Não é admissível que para cima das câmaras sejam atirados encargos desta categoria e que dizem unicamente respeito a serviços directos do Estado e portanto de carácter geral.

E eis nos dentro do campo vasto das despesas municipais, que constantemente aumentam, numa vertiginosa subida, que urge deter.

Não se compreende muito bem que apenas a alguns sectores do Estado seja dado o privilégio, ruinoso para as câmaras, de serem completamente instalados e, por assim dizer, mantidos na sua vida diária.

O Ministério das Obras Públicas, por exemplo, instala-se e vive sem o menor encargo para os municípios, e não é, sem dúvida, pequena a sua valiosa interferência em assuntos camarários!

Enquanto for obrigatória a despesa com a instalação dos serviços de finanças, por exemplo, não será possível às câmaras o exercício de grande parte das despesas previstas no artigo 750.º

Num concelho está posto o problema da construção de um edifício destinado à instalação das repartições de finanças, contribuindo a câmara com dois terços do seu custo e a junta provincial com o terço restante, visto tratar-se de serviços distritais.

Estas entidades terão de gastar com a aquisição de terrenos cerca de 500 contos e de arcar ainda com as despesas da construção do edifício.

Embora o Estado empreste a importância destinada à compra dos terrenos e comparticipe, pelo Fundo de Desemprego, nas despesas de construção do novo edifício, os encargos resultantes de tal facto vão posar grave 6 duramente nas finanças deste município, enquanto

durarem as amortizações dos empréstimos que necessariamente terão de ser contraídos.

Mas não é só este facto que posa na vida financeira das câmaras.

No n.º 3.º do artigo em referência trata-se do problema dos edifícios escolares.

Continuam as câmaras a ter de suportar, embora em regime de comparticipação com o Estado, as despesas com a manutenção o instalação das escolas primárias.

É outro encargo que me parece estar deslocado.

No n.º 4.º estabelece-se a obrigação de pagar as desposas com vencimentos e instalação dos carcereiros, funcionários que nem são nomeados pelas câmaras, nem delas disciplinarmente dependem.

Além disso, as câmaras são obrigadas a ceder gratuitamente terrenos para a construção das cadeias comarcas e a contribuir com 50 por cento do custo da sua construção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Mas não fica por aqui o sudário das despesas que «também são satisfeitas obrigatoriamente pelas câmaras».

No n.º 5.º impõe-se a obrigação de arcar com as despesas de renda ou construção, conservação e reparação de casas para os magistrados judiciais, doutrina que foi agravada recentemente com a publicação, em 1944, do Estatuto Judiciário.

As despesas com a renda ou construção de edifícios destinados aos tribunais o com as de mobiliário, água e luz indicadas no n.º 1.º deste artigo acrescem ainda estas do n.º 5.º, todas elas, sem dúvida, perfeitamente caracterizadas como despesas do Estado o, neste caso, do Ministério da Justiça, que nas comarcas cobra receitas especiais.

Continuemos porém a analisar o artigo 751.º do Código Administrativo.

Chegamos aos seus n.º 6.º e 7.º, que merecem análise especial.

No n.º 7.º atribuem-se às câmaras as despesas com o internamento de doentes pobres nos Hospitais Civis de Lisboa, Porto o Coimbra e em outros estabelecimentos congéneres e com o seu transporto para esses centros clínicos.

Estas despesas constituem um dos grandes males das finanças municipais, como já fui focado ao referir-me a um dos depoimentos dos concelhos.

Dispenso-me, portanto, de voltar a tão momentoso assunto, não deixando porém do notar que o que pesa sobre a vida municipal, neste caso concreto, não é o facto de exercer um dos mais nobres o reconfortantes deveres sociais -o de fazer bem aos desprotegidos-, mas simplesmente o peso por vezos incomportável das quantias que é necessário gastar.

O facto de esse encargo passar pura e simplesmente para as comissões municipais de assistência, recentemente criadas, se tal hipótese se der, com a obrigação de as câmaras subsidiarem essas comissões com uma verba igual à que em média e anualmente despendiam com o desempenho desta função assistêncial, não resolverá o problema financeiro das câmaras, que continuarão a suportar um encargo com que, infelizmente, não poderão arcar.

Analisado, embora ligeiramente, este famigerado artigo, sou de parecer que ele deverá ser suprimido ou modificado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E esta a opinião unânime contida nos depoimentos que, particularmente, recebi da quase totalidade dos concelhos de Portugal.

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Continuando na análise das despesas municipais e reconhecendo que não há dúvida do que são grandes e por vezes incomportáveis as despesas com a instalação e funcionamento de serviços do Estado a cargo das câmaras, desejo novamente frisar que devem ser suprimidas as deduções feitas nas receitas municipais a título do compensação pela cobrança dos adicionais às contribuições do Estado, bom como deve ser abolida a dedução para o Fundo de cadastro.

Outros encargos municipais de recente criação deverão também ser abolidos: os constantes dos artigos 83.º e 67.º do decreto-lei n.º 35:108, de 7 de Novembro de 1945, que reorganizou os serviços de assistência.

O primeiro artigo torna obrigatória a contribuição municipal (que pode ir até 10 por cento das receitas ordinárias) para os serviços de assistência.

Desde que se elimine das obrigações das câmaras a hospitalização dos doentes pobres do concelho ou nele residentes e este encargo passe para as comissões municipais de assistência, é justo que a câmara as subsidie com uma verba compatível com os seus recursos.

Mas até lá não é justa tal obrigação.

No artigo 67.º do decreto-lei a que me estou referindo impõe-se, embora transitoriamente, às câmaras a obrigação do fornecimento e conservação de edifício próprio e da mobília necessária ao funcionamento das delegações ou sub-delegações de saúde o bem assim a relativa ao pessoal auxiliar e ao expediente deste.

De facto, mais uma vez se verifica que são as câmaras que, quer lhe pertençam ou não os serviços novamente criados ou já existentes, têm de suportar os seus encargos, por vezes asfixiantes.

Não me parece, portanto, de aceitar mais uma obrigação que neste momento está ainda, nesta Assembleia, encorporada no projecto de lei apresentado pelo nosso ilustre colega Dr. Mário de Aguiar, referente ao restabelecimento dos lugares de administradores de concelho, cujos vencimentos seriam pagos pelas câmaras.

Estou do acordo com o parecer da digna Câmara Corporativa quando afirma que, sendo os administradores de concelho os representantes do Governo o fiscais da actividade das câmaras, não fossem pagos pelo Estado.

«Acresce que os encargos de toda a ordem -continuo a transcrever o parecer da Câmara Corporativa - com que lutam as câmaras lhes trazem as maiores dificuldades financeiras, que bom se verificam ao serem elaborados os orçamentos.

O volume daquelas dificuldades não permitiria, portanto, que as municipalidades suportassem obrigatoriamente mais aquela despesas.

E com estas doutas palavras, que só por si justificam a minha actuação neste assunto, palavras cheias de autoridade, por partirem de autorizados técnicos, considero terminada esta exposição, em que procurei analisar, embora imperfeitamente, a tormentosa e difícil vida dos municípios portugueses, que, se não se arripiar caminho, se transformarão em simples repartições do Estado.

Estou porém confiado em que acabará em breve a grande miséria dos municípios portugueses, bem dignos de serem acarinhados e elevados nas suas nobres funções pelo Estado, que, no desempenho de uma política nacional, deve manter no seu programa o dever de fortificar as instituições capazes de interessar o maior número possível do organismos vivos na manutenção da integridade nacional.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães: - Requeiro a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.

O Sr. Mendes Correia:-Sr. Presidente: concordo plenamente com o pedido, feito pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães, da generalização deste debate, porque entendo que, embora o assunto tenha sido amplamente exposto pelo orador antecedente, não é demais que se tragam a este lugar depoimentos que possam concorrer para fortalecer a impressão da necessidade de atender às circunstâncias difíceis que atravessam os municípios do País.

Pela minha parte, por ter desempenhado, num acaso da minha vida oficial, durante seis anos e meio, as funções de presidente da Câmara Municipal do Porto,
imponho-me o dever de trazer também aqui o meu testemunho, imponho-me o dever de não ficar silencioso, porque convém ajuizar também, para formar uma opinião segura do assunto, não apenas da situação dos municípios rurais ou dos municípios correspondentes a outras cidades do País, que não Lisboa e Porto, mas das circunstâncias em que se encontram as duas cidades mais populosas do País.

Sucede que o Município de Lisboa se encontra instalado paredes meias com o Terreiro do Paço, portanto em condições muito especiais de ver atendidas com mais rapidez as suas reclamações legítimas. Sou portuense, mas, destituído de um sentimento estreito de bairrismo, não hesito em reconhecer que todo o País deve concorrer largamente para a glória, para o brilho, para o progresso, para a prosperidade desta bela metrópole que é a capital do Império.

Sr. Presidente: excluo das considerações que vou fazer qualquer referência, mesmo mínima, à minha intervenção pessoal na administração da segunda cidade do País.

Entendo que não é o lugar em a ocasião para isso, nem isso interessa. Interessa precisamente o facto de o Porto tradicionalmente constituir um município que pode servir de paradigma ou padrão, o eu, que durante um largo período estive em contacto com a sua gerência municipal, encontro nisso uma justificação para trazer aqui estas considerações. Não, repito, com sentimento de bairrismo, embora tenha um grande orgulho em ser portuense e em ter nascido naquela terra, que tem o sen mais belo título heráldico nas estrofes imortais de Os Lu-

Lá na leal cidade donde teve Origem como é fama o nome eterno De Portugal...

Sinto, em qualquer ponto do Mundo em que me encontre, que a mesa em que trabalho, a cátedra em que ensino, a tribuna a que subo, mergulham fundas raízes no solo da terra em que nasci. Sinto, porém, que o Porto tem responsabilidades.

Evocava ontem esta figura desaparecida e tão ilustre e querida de Afrânio Peixoto.

Recordo precisamente neste momento, a propósito da cidade do Porto, o que ele disse: «não é só o nome que a gente dá aos filhos, é o sangue também e honra, e o Porto tem nobreza e dignidade que obrigam».

E por isso que o Porto tem responsabilidades. Ali, no que nos velhos textos de Fernão Lopes se diz ao sobrado da veraçom», o conselho e os homens bons da cidade pediam aos monarcas que «fosse sua mercê, que nos guarde seus usos e costumes e aquilo que lhes foi prometido por muitas vezes B. Ciosos da sua autonomia, dos seus privilégios e das suas regalias, eles eram entretanto fiéis cristãos. Embora contrários ao recrutamento militar for-

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çado, na hora do perigo «todos eram besteiros». O mercante e o mesteiral também souberam sonhar desinteressadamente façanhas de epopeia.

Ora, Sr. Presidente, não pode ser portanto em nome dam bairrismo estreito e egoísta, dum despeito ciumento que eu falo, mas sob o imperativo de uma verdadeira devoção cívica, que é o lema da minha terra. Eu, como universitário que sou, Sr. Presidente, desejaria reivindicar para o Porto que fosse dada satisfação às suas reclamações no que diz respeito à mutilação sofrida pela sua Universidade, mas deveria sugerir, para enobrecimento da nossa cultura e para engrandecimento do nosso património intelectual e espiritual, que se verificasse que a frequência das nossas Universidades silo o quíntuplo da de há trinta anos, com o mesmo quadro do pessoal docente, e que portanto não ficaria mal criar até mais Universidades no nosso Pais. Braga e Évora têm direito a possuir centros universitários.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Como médico e biologista, eu preferiria focar aqui o que se relaciona com certos problemas que tão profundamente interessam à população-os problemas de higiene, alimentação, assistência, etc.

Desejaria daqui dar todo o meu aplauso aos administradores municipais que por esse País fora estão realizando a higienização de bairros insalubres, a melhoria de povoados insalubres, e cuidando das más condições de vida das populações respectivas.

Seja-me permitido dizer, entre parêntesis, o que está ocorrendo precisamente na cidade de Lisboa - de resto, fenómeno frequente nas capitais.

Com uma perseverança desoladora, os boletins de estatística acusam constantemente saldos fisiológicos negativos no movimento da população de Lisboa.

Isto é extremamente grave - o número de óbitos superior ao número de nascimentos. O aumento da população da capital está-se fazendo com o afluxo de pessoas de outras proveniências.

Desejaria também, pelo interesse que me merecem em particular alguns serviços municipais, acentuar o que haveria de vantajoso em que se repetissem em muitas povoações do País, inclusivamente na própria capital da Nação, o que se passa no Porto, em Braga e em Coimbra, relativamente a alguns serviços de interesse colectivo.

Trago a este lagar o testemunho convicto de que a municipalização de serviços de transportes colectivos, iluminação, distribuição de águas, etc., só dá proveito às populações e às administrações públicas. É por isso que o Porto tem hoje tarifas de fornecimento de electricidade que não sofrem comparação, pela sua relativa exiguidade, com as que tem, por exemplo, a capital do País.

Este debate reveste, porém, uma transcendência maior do que pareceria decorrer da simples menção de alguns tópicos.

Entendo que realmente o Município do Porto é, de certo modo, um modelo, e portanto julgo que é interessante trazer aqui, no momento em que se discute o aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris, alguns informes sobre as dificuldades que ele atravessa.

As Câmaras Municipais de Lisboa e Porto é vedada a cobrança do imposto de prestação de trabalho.

Essa cobrança acarretaria dificuldades para os respectivos municípios, mas parece que não faz sentido que as juntas de freguesia nas duas cidades vivam quase exclusivamente dos subsídios municipais, sem que se tome por contrapartida o imposto de trabalho ou outro imposto similar.

Eu entendo que deveria criar-se um substitutivo do imposto de prestação de trabalho para Lisboa e Porto ou então autorizar as juntas de freguesia a cobrarem-no

directamente, dispensando-se os municípios de fornecer um subsidio às respectivas juntas de freguesia, subsidio que é bastante avultado.

As câmaras não têm comparticipação alguma no imposto complementar, como não tiveram participação alguma no imposto, que já cessou, de lucros de guerra.

O Estado pôde restabelecer o equilíbrio das suas finanças, recorrendo a esses impostos; as câmaras não tiveram contrapartida para as dificuldades da hora presente.

O Estado não reconhece uma reciprocidade equitativa no que diz respeito à cobrança de receitas pela câmara para o Estado e do Estado para a câmara. O Estado cobra ao município uma determinada percentagem como indemnização pelas cobranças efectuadas, mas não dá um vintém às câmaras pela cobrança, por elas, de receitas próprias do Estado.

No Porto, em 1939, os impostos directos e indirectos renderam 21:089 contos. Em 1940, apesar de se ter realizado uma medida muito útil, a que eu dei todo o meu aplauso, e que foi a supressão dos impostos de barreiras, os impostos directos e indirectos no Porto renderam apenas 22:000 contos.

Não há um aumento proporcional aos encargos, apesar destas circunstâncias que mencionei.

Por taxas e rendimentos de serviços teve em 1939 o Município do Porto uma receita de 12:300 contos. Em 1945 essa receita subiu a 12:294 contos, pouco mais ou menos.

Isto mostra a necessidade da actualização de taxas e de certos impostos, porque de outro modo os municípios que têm um certo volume de encargos não lhes podem fazer face.

O pessoal custa, de uma maneira geral, uma importância próxima de 50 por cento, com os encargos recentemente criados.

Criteriosamente o Código Administrativo estabelece que as câmaras municipais não podem elevar a mais de 50 por cento os encargos das receitas extraordinárias dessas despesas.

Na Câmara do Porto o pessoal, que custava há cerca de seis ou sete anos, uns 13:000 contos, custará este ano, apesar das reduções feitas nos quadros, perto de 20:000 contos. E no entanto a despesa ordinária consignada para obras não passa de 6:000 contos.

É certo que a despesa extraordinária para obras sobe a 60:000 contos, mas esta é, em grande parte, aparente, porque nem todas as obras indicadas na despesa extraordinária se fazem, e além disso a contrapartida desta despesa, tão vultuosa, de 60:000 contos, está em 45:000 contos de empréstimos, está na venda de terrenos e está ainda nas comparticipações do Estado.

Vão-se realizando algumas obras públicas de interesse para a cidade do Porto, e eu devo aplaudir que o Estado tenha tomado sobre si o encargo da realização da chamada via industrial ou via rápida para Leixões, a qual atravessa o bairro industrial da Senhora da Hora.

E certo que o Estado tem comparticipado em várias obras da cidade, mas, infelizmente, o aeródromo das Pedras Rubras foi custeado, em elevada parte, pela cidade.

Definiu-se agora o traçado da nova ponte sobre o Douro, a ponte da Arrábida, que eu desejaria viesse a ter uma grandeza compatível com a sua função e importância.

Mas julgo que para estas obras de grande monta o Estado deveria contribuir com uma quota-parte mais avultada do que aquela que está nas suas normas habituais, porque, na verdade, se trata de uma ligação de grande interesse entre o Norte e o Sul de Portugal.

Acho que, dado o carácter especial que terá uma ligação da ponte D. Luís I com o centro da cidade, essa avenida, chamada da Ponte, da qual se está fazendo um novo estudo, deveria ser amplamente auxiliada pelo Estado. A cidade merecia esse largo auxílio.

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Acho que se deveria continuar a higienização do Porto. Pensa-se na higienização de vários bairros, como Miragaia o Barredo, e estou em crer que não tardará a amplificação duma iniciativa, já tomada no tempo da minha administração, que se referia ao Bairro da Sé.

Mas, tudo quanto está em pleno coração da cidade é extremamente dispendioso e é preciso pensar que a cidade tem de fazer esforços financeiros colossais para suportar exclusivamente por si própria encargos tão consideráveis.

A respeito da concessão da comparticipação pelo Fundo de Desemprego, devo dizer que estranhei sempre que essa concessão fosse condicionada, de uma maneira absoluta e rigorosa, aos dispêndios feitos pelas entidades que recebem as comparticipações. Assim, as câmaras municipais mais ricas são precisamente aquelas que estão em condições de receber mais largas comparticipações e as mais pobres são as que tom menor possibilidade do receber alguma coisa.

De facto, deve haver da parte da administração local um certo volume de encargos, uma corta quota-parte de responsabilidades financeiras, mas sem dúvida deverá haver um coeficiente do correcção, de forma que evitasse que os municípios pobres tivessem menos possibilidades de serem subsidiados do que os mais ricos. E os encargos dos serviços do Estado, Sr. Presidente, que o Município do Porto suporta foram em 1938 de 1:150 contos e em 1946 do 1:338 contos. Mas isto ainda é minúsculo se considerarmos o facto de que há vários serviços municipais que o Estado deveria subsidiar largamente, ou até tomar, pela sua natureza, a sua exclusiva responsabilidade. Dá-se precisamente o contrário. O Estado, na organização do Instituto Maternal, incluiu neste o Abrigo dos Pequeninos, que pertencia à Câmara Municipal do Porto, mas quem paga é a Câmara Municipal do Porto.

Como aqui foi muito bem dito pelo Sr. Deputado Rocha Paris, a assistência é um dos encargos mais consideráveis dos municípios. No Porto em 1938 foi de 1:500 contos, em 1939 de 2:250 contos e em 194G de 3:229 contos. É muito para o volume de receitas e possibilidades de um município como o do Porto.

Deixando outras considerações que o assunto poderia suscitar, como a da menção da necessidade de o Estado realizar o mais rapidamente possível certos melhoramentos, como a estação central dos CTT, a conclusão do Hospital Escolar, construção do Estádio e construção de uma piscina, deixando por agora considerações sobre esses melhoramentos que seria oportuno evocar, eu passo à rápida análise da posição financeira dos municípios em conjunto em face do próprio Estado. No orçamento do Estado para o ano de 1946 o total das receitas era de 4.381:000 contos. Pois bem, o total das receitas dos orçamentos municipais, no mesmo período, segundo o Anuário Estatístico, foi de 836:000 contos, quer dizer, a quinta parte aproximadamente do volume total das receitas do Estado.

Isto mostra que neste País a vida local figura apenas como uma quinta parte da administração central.

Facto curioso: as juntas de província têm apenas 15:000 contos de receita própria.

As das ilhas tem 76:000 contos. No que respeita às dívidas, apesar de todos estes encargos que acabo de mencionar, os municípios têm-se talvez defendido melhor do que o próprio Estado, possivelmente, em parte, porque este também concorre para isso com a sua própria tutela.

O Estado tem uma dívida pública de 10 milhões de contos e os municípios apenas tem 318:000 contos de dívida global.

Julgo necessário, dentro das melhores tradições nacionais, que a vida municipal e, de uma maneira geral,

a vida local deste País se intensifique e não seja asfixiada por uma centralização excessiva. Apoiados.

No século XIV todo o País constituía já uma vasta rede de municípios, e todos nós sabemos qual foi o valor da colaboração por eles dada à obra magnífica realizada pelos monarcas dessas épocas.

Estou recordando que, ainda no tempo da monarquia, um político avançado português com quem eu tinha relações me salientava, com entusiasmo, o merecimento, o valor de uma lei que acabava precisamente de ser promulgada em Espanha - a lei de administração local, lei que tinha como autor um político, um estadista de larga visão, que era precisamente o chefe do partido conservador espanhol, D. António Maura.

Nessa lei afirmava-se todo o reconhecimento da necessidade de uma intensificação real e concreta da vida local. Em grande parte, entre nós, a vida administrativa local, infelizmente, é fictícia, raquítica. Apoiados.

Seria necessário estabelecer ainda maior continuidade na administração local. As quebras de continuidade exigem novos estudos do questões que se podiam considerar solucionadas e as consequentes demoras.

Estando no Código Administrativo, por exemplo, disposto que na administração municipal do Lisboa e do Porto a duração do mandato dos respectivos presidentes será um período de oito anos, logo de início, e em muito menos desses oito anos, houve dois presidentes da Câmara Municipal do Lisboa e três da do Porto. Quer dizer, logo de início a realidade foi o contrário do que estava contido na doutrina e na letra da lei. E eu já nem quero pensar em quais teriam sido os motivos, às vezes inacreditáveis, da quebra dessa continuidade.

O Código Administrativo trouxe uma inovação interessante : a criação nas Câmaras de Lisboa e Porto de direcções de serviços.

Quando eu exercia a presidência da Câmara Municipal do Porto supunha que os directores de serviços, sendo da confiança dos respectivos presidentes, os acompanhariam apenas durante o sou mandato e que seriam substituídos por outros sempre que viesse um novo presidente. Com grande espanto, VI transformarem-se as direcções de serviços em novas burocracias permanentes. Isto não significa, pelo que diz respeito à Câmara do Porto, que eu não esteja, da minha parte, convencido da boa escolha que fiz, da boa proposta que submeti ao Governo do então com os nomes que designei para essas direcções. Mas parece-me que, pagando melhor a quem exercesse essas funções de tão grande responsabilidade! se deveria também estabelecer para tais administrações uma duração limitada à duração do mandato de quem tinha feito essa escolha.

Em suma, embora entenda que sob certos aspectos a administração local necessita de uma tutela, uma fiscalização, é preciso notar que já tem a da inspecção administrativa, a do Tribunal de Contas, etc., e desta maneira acho que a autonomia municipal está demasiadamente restringida entre nós e seria interessante, na sequência das melhores tradições nacionais, que essa autonomia ressurgisse. Os municípios não devem ser repartições do Estado.

Não há entre nós o menor perigo de separatismo. Pode dar-se larga amplitude à vida local, à administração local, porque a grande verdade é que em Portugal, talvez mais do que em qualquer outro país, a grande Pátria, a Pátria maior é a integração de todas essas pequenas pátrias que são as nossas cidades, que são as nossas vilas e as nossas aldeias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de amanhã será a continuação do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris. Na segunda parte iniciar-se-á, se houver tempo, a discussão da reforma do ensino técnico.

Comunico à Câmara que, em seguida à discussão da reforma do ensino técnico, será dado para ordem do dia o aviso prévio do Sr. Deputado Cancela de Abreu sobre vários decretos-leis, dimanados ,do Ministério da Justiça, que remodelaram princípios básicos do processo penal, modificaram os serviços e atribuições da policia judiciária, instituição do Habeas corpus e criação de uma secção criminal no Supremo Tribunal de Justiça.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Herculano Amorim Ferreira.
Jorge Botelho Moniz.
José Luís da Silva Dias.
Luís Teotónio Pereira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Paulo Cancela de Abreu. Teófilo Duarte.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Joaquim, de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.

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