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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 75

ANO DE 1947 18 DE JANEIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 75 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 17 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel França Vigon

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou, aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

O Sr. Presidente informou que designara os Srs. Deputados Joaquim Mendes do Amaral e Carvalho Viegas para apresentarem cumprimentos de despedida, em nome da Assembleia, do Sr. governador geral de Moçambique.

O Sr. Deputado Ernesto Subtil ocupou-se dos vencimentos do funcionalismo público, em especial do judicial e dos tribunais colectivos.

Os Srs. - Deputados Mendes Correia e Pinheiro Torres referiram-se à barra do Douro e aos naufrágios que ali tem havido.

O Sr. Deputado Morais Carrapatoso requereu vários elementos sobre professores em serviço no ano lectivo de 1946-1947.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Araújo Correia, Manuel Lourinho, Luís Teotónio Pereira e Ricardo Spratley.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Freilano de Melo.
João Ameal.
João Carlos de Sá Alves.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.

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Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Luís da Silva Dias.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luis Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama Van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o

Expediente

Telegrama

«Câmara Municipal Castro Daire em face debate situação aflitiva municípios saúda essa Assembleia exprimindo o voto se modifique actual estado de coisas a bem vida local. - Presidente, Azeredo Pereira».

Exposição

«Sr. Presidente da Assembleia Nacional. -Excelência. - O Grémio Nacional dos Industriais de Especialidades Farmacêuticas, no exercício da competência legal e estatutária de «representar todos os elementos que o constituem», em defesa do bom nome, reputação e legítimos interesses dos industriais portugueses de especialidades farmacêuticas, mui respeitosamente, tem a subida honra de trazer ao conhecimento de V. Ex.ª e dos Srs. Deputados à Assembleia Nacional as considerações seguintes:

Na discussão da matéria do artigo 7.º da proposta de lei n.º 96 (de que emergiu a lei n.º 2:019, de 28 de Dezembro de 1946), para autorização das receitas e despesas públicas para o ano de 1947, três Srs. Deputados referiram-se ao momentoso problema do «alto custo dias especialidades farmacêuticas nacionais», tendo sido afirmado que cos lucros auferidos pelos fabricantes de especialidades farmacêuticas são muito grandes».

Na verdade:

O Sr. Deputado António Augusto Esteves Mendes Correia, na sessão de 13 de Dezembro passado, afirmou:

... é preciso olhar para a situação dos doentes, por virtude do alto custo das especialidades farmacêuticas nacionais (Diário das Sessões n.º 64, ano de 1946, p. 131).

O Sr. Deputado José Martins de Mira Galvão, na sessão seguinte, entre outras, fez as considerações seguintes:

Eu duvido que esta diminuição do selo resolva satisfatoriamente o problema grave da carestia destes medicamentos.

... os lucros auferidos pelos fabricantes de especialidades farmacêuticas são muito grandes, pelo que me parece haveria forma de elas chegarem ao consumidor por um preço mais barato que o actual.

... termino chamando a atenção do Governo para este problema, no sentido de o mesmo ser estudado de forma que se consiga uma melhoria real no preço destas especialidades ... (Diário das Sessões n.º 66, ano citado, pp. 176 e 177).

O Sr. Deputado Artur Águedo de Oliveira, naquela mesma sessão, entre o mais, proferiu as palavras seguintes:

Os remédios não estão caros - estão caríssimos.

O problema não é grave - é gravíssimo.

A obra notável e palpitante do Subsecretariado da Assistência tem aqui o seu calcanhar de Aquiles.

Há médicos ... que se sentem embaraçadíssimos - corações caritativos crispados pela angústia de só poderem receitar do mais barato, que é quase nada.

E peço ao Governo que ... se examinem os custos e preços ... e se procure embaratecer o que é necessário a ricos e pobres, a estes, pela sua pequena resistência, talvez mais do que àqueles (Diário das Sessões, número e ano citados, p. 177).

Salvo todo o respeito devido aos dignos Srs. Deputados, não pode este Grémio deixar de manifestar o seu desacordo com as transcritas afirmações.

Se não fora a alta categoria pessoal e elevada qualificação dos seus autores e ainda a circunstância de terem sido feitas no órgão de soberania que é a Assembleia Nacional, não assumiriam o grau de acuidade e de melindre que assim manifestamente revestem para todos os industriais portugueses de especialidades farmacêuticas.

Por isso, não pode este organismo eximir-se ao imperativo de trazer a V. Ex.ª e aos Srs. Deputados a prova de que semelhantes assertos pecam por inconformidade para com a realidade.

Com efeito:

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que as estrangeiras são de menor alto custo - ilação tanto mais verosímil quanto é certo ter-se dito que «uma alta protecção aduaneira, além de danosa, pode levar a indústria a trabalhar até ao mais elevado nível da protecção» (Sr. Deputado Artur Águedo de Oliveira, loc. cit.).

Ora, semelhante suposição afasta-se por completo da realidade, como os números a seguir indicados demonstram irrefutavelmente.

Para não importunar V. Ex.ª com exaustiva torrente de referências numéricas, citar-se-ão sómente os elementos estatísticos relativos aos dois últimos anos.

Assim:

No ano de 1945 o preço médio de venda ao consumidor da especialidade nacional foi de 18$, ao passo que o da estrangeira foi de 36$.

Quer dizer: o preço médio da especialidade estrangeira foi precisamente o dobro do preço médio da nacional.

A venda de especialidades nacionais elevou-se a 8.050:000 unidades, pelas quais o consumidor despendeu 144:900.000$; e a venda das estrangeiras não ultrapassou 2.650:000 unidades, para aquisição das quais o público teve de abrir mão de 95:400.000$!

A importância total da selagem das especialidades nacionais foi de 11:900.000$ e a das estrangeiras foi de 7:000.000$.

No ano de 1946 o preço médio da venda ao consumidor da especialidade nacional manteve-se em 18$, mas o da estrangeira, subiu para mais de 37$.

Por consequência, o preço médio da especialidade estrangeira ultrapassou o dobro do da nacional.

A venda de especialidades nacionais elevou-se a 8.900:000, pelas quais o consumidor despendeu 160:200.000$, c a venda das estrangeiras subiu para
3.700:000 unidades, pelas quais o público teve de pagar 136:900.000$!

A importância total da selagem das especialidades nacionais foi de 13:200.000$ e a das estrangeiras foi de 11:300.000$.

Estes números, só por si, falam eloquentemente e, por isso, dispensam quaisquer comentários ou considerações.

Se a indústria nacional de especialidades farmacêuticas não existisse, os doentes, em vez de 144:900.000$ por que em 3945 adquiriram 8.050:000 unidades de medicamentos especializados portugueses, teriam de esportular 289:200.000$ - o dobro para poderem obter o mesmo número a e unidades de similares estrangeiros, e em 1946 ainda a situação seria proporcionalmente mais onerosa: em vez de 160:200.000$ por que obtiveram 8.900:000 unidades de especialidades portuguesas, seriam forçados a despender 329:300.000$ - mais do dobro -- para poderem adquirir o mesmo número de similares estrangeiras!

Pelo exposto, não podem restar quaisquer dúvidas de que os medicamentos nacionais são incomparàvelmente menos caros que os de origem estrangeira.

Doutro lado, cumpre evidenciar que o preço dos remédios nacionais não empresta o flanco à exorbitância num está além do poder médio de compra da população, comparado com o dos primeiros alvores do presente século.

Ainda o exemplo numérico patenteará de modo aberto a curialidade desta afirmação: comparando os preços fixados pelo regimento dos preços dos medicamentos, aprovado pelo decreto de 26 de Abril de 1900, com os actualmente em vigor, verifica-se a indestrutível verdade de que actualmente os medicamentos não estão caríssimos, porque nem sequer estão caros.

Na verdade:

Em 1900 1 grama de bissulfato de quinina custava 200 réis; em 1947 1 grama de bissulfato de quinina, custa 2$. Logo: aumento de 10 vezes.

Em 1900 1 grama de sulfato de quinina custava 100 réis; em 1947 1 grama de sulfato de quinina custa 4$80. Logo: aumento de 30 vezes.

Em 1900 1 grama de cafeína custava 300 réis; em 1947 1 grama de cafeína custa 3830. Logo: aumento de 11 vezes.

Em 1900 1 grama de diuretina custava 200 réis; em 1947 1 grama de diuretina custa 1$90. Logo: aumento de 9,5 vezes.

Em 1900 10 gramas de electuário de sene custava 120 réis; em 1947 10 gramas de electuário de sene custa 2$50. Logo: aumento de 12 vezes.

Em 1900 1 grama de extracto de beladona custava 40 réis; em 1947 1 grama de extracto de beladona custa 1$. Logo: aumento de 25 vezes.

Em 1900 100 grama de xarope de ruibarbo custava 250 réis; em 1947 100 gramas de xarope de ruibarbo custa 4$. Logo: aumento de 16 vezes.

A média do preço dos produtos é actualmente 14,71 vezes superior ao do princípio do século.

E nos produtos especializados também a média do aumento de preço não foge da daqueles. V. g.: um frasco de qualquer xarope -produto especializado - custava 1$; hoje custa entre 18$ e 25$. Ainda outro exemplo mais frisante: em 1934 um frasco de Tonocálcio vitaminado custava 15$; hoje é vendido por 16$.

Pondo em equação especialidades nacionais com as similares estrangeiras, ainda mais nítido ressalta o comedido lucro auferido pelas empresas exploradoras de laboratórios de especialidades farmacêuticas, vindo confirmar em absoluto os números globais atrás referidos.

Só dois exemplos:

Uma caixa de Transpulmino, produto alemão, custava em 1939 45$; uma caixa dos similares nacionais, com o mesmo número de ampolas, custa hoje 26$.

Uma caixa de 6 ampolas de 1 e c. cada de cálcio coloidal Ostelin, produto inglês, custa hoje 45$; uma caixa dos similares nacionais, com 6 ampolas de 2 e c. - portanto com o dobro de volume de medicamento-, custa 15$.

Comparando o aumento de preço dos medicamentos nacionais com o aumento de preço que sofreram outros produtos igualmente indispensáveis à vida (designadamente os alimentos e o vestuário, que ainda são dos que menos aumento sofreram), verifica-se que o que há de menos caro são as especialidades farmacêuticas.

Dois exemplos, apenas:

Em 1906 1 quilograma, de pão custava 45 ré ia; em 1947 1 quilograma de pão custa 4$50.

Em 1906 um par de botas custava 1:000 reis; em 1947 um par de sapatos custa (por tabelamento) 218$.

E não se olvide que os preços que vêm de indicar-se não são percebidos na totalidade como receita bruta das empresas. Não. Os produtores nacionais, além do pagamento do imposto do selo de 8 por cento do preço de cada unidade de venda ao público (decreto-lei n.º 23:822, de 4 de Maio de 1934), têm obrigatoriamente de fazer ao armazenista os descontos de 20 por cento, mais 10 por cento e mais 3 por cento nos produtos especializados de preço superior a 10$ e os de 30 por cento, mais 10 por cento e mais 3 por cento nos de preço inferior a 10$ (regulamento do comércio dos medicamentos especializados, aprovado por despacho do Sr. Ministro da Economia de 15 de Abril de 1941) - o que dá como resultado receberem os industriais apenas 50 a 60 por cento dos preços de venda ao público.

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E não peca por exagero computar-se em cerca de 20 por cento da receita bruta o montante das contribuições e impostos pagos por cada industrial!

De resto, o preço de venda das especialidades farmacêuticas não depende do livre arbítrio do produtor. A disciplina dos preços tem forte e apertada regulamentação legal (decreto-lei n.º 29:537, de 18 de Abril de 1939, artigo 15.º, e citado despacho de 15 de Abril de 1941, artigo 7.º e parágrafos).

Com efeito, os preços de venda ao público dos medicamentos especializados são propostos pelos fabricantes à Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos. Por isso, não pode a indústria nacional de especialidades farmacêuticas, ao contrário do que sucede com a totalidade ou quase totalidade das restantes indústrias, fixar e alterar livremente os preços dos seus preparados, visto tal fixação e alteração dependerem, sempre e obrigatoriamente, de prévia autorização daquele organismo de coordenação económica.

E, no exercício desta competência, tem sido a Comissão Reguladora tão escrupulosamente cautelosa que, ao ser-lhe submetido algum pedido de fixação ou de alteração de preço, exige do requerente uma detalhada justificação, acompanhada da competente prova, só concedendo a solicitada autorização depois de se assegurar de que no preço não há vislumbre de especulação ou de lucro desmedido.

Para tanto, exige do requerente a mais minuciosa discriminação e justificação do preço de fabrico e, frequentemente, não anuindo ao proposto preço de venda, altera-o, reduzindo-o.

Quando autoriza o aumento de preço de venda, limita-o escrupulosamente ao correlativo aumento de preço das matérias-primas e das embalagens, o que, em relação àquele, reduz a percentagem de lucro líquido.

Acresce que os aumentos de preço de venda têm sido insignificantes, tanto em número como em valor, dado que os industriais, cônscios da gravidade do momento que passa, só tem recorrido a esse meio quando as circunstâncias em absoluto o impõem.

E - o que é mais - logo que se anteolha hipótese de barateamento do medicamento nunca os industriais deixam de o praticar (por exemplo: em 1946 foi pedida u Comissão Reguladora autorização para baixar o preço de venda de 111 especialidades nacionais).

Nestas condições, torna-se aos industriais de especialidades farmacêuticas absolutamente impossível a menor especulação com os preços (e, ainda que lhes fosse possível praticá-la, nunca a fariam, pois bem conhecem os deveres primários que a defesa da saúde e da economia públicas lhes impõem), que, como se disse e não é demais repisar, não são fixados livremente por eles, mas antes pela Comissão Reguladora rios Produtos Químicos e Farmacêuticos.

Se fosse fundada a persuasão dos referidos Srs. Deputados - qual a de que cos lucros auferidos pelos fabricantes de especialidades farmacêuticas são muito grandes» -, a Comissão Reguladora tinha negado a razão de ser básica da sua existência, certo como é que lhe compete c... disciplinar e fiscalizar ... a indústria dos produtos farmacêuticos, tendo principalmente em vista ... a manutenção do justo preço dos produtos» (decreto n.º 30:270, artigo 4.º, n.º l.º), para o que deverá «fixar ... os preços dos produtos ...» (citado decreto, artigo 5.º, n.º 11.º).

Cabe aqui fazer referência, ainda que célere, a uma circunstância que onera fortemente o preço de várias especialidades farmacêuticas nacionais: o preço do açúcar.

Na verdade, desde Fevereiro de 1945 que o preço do açúcar para a indústria de medicamentos especializados (que, assim, ficou com tratamento igual ao dado à indústria de confeitaria ...) foi aumentado para 12$ por quilograma, por ter sido elevada para 6$20 a taxa destinada ao fundo de compensação de fretes marítimos! Quer dizer: o aumento de preço da matéria-prima que é o açúcar foi superior a 100 por cento.

O agravamento anual das despesas com este aumento vai de 5.580$ a 148.800$ para os laboratórios que consomem mensalmente cerca de 2:000 quilogramas de açúcar, o que para alguns representará uma absorção total de lucros, pois são muitas as especialidades em que na respectiva composição entra o açúcar, e especialmente nas formas farmacêuticas, xaropes, granulados, confeitos e alguns elixires entra em larga percentagem (em algumas em mais de 40 por cento).

Se as empresas auferissem os lucros muito grandes que se lhes imputam, seguramente não teria o Sr. Ministro das Finanças julgado procedente a solicitação que este Grémio teve a subida honra de formular para que «no lançamento da contribuição industrial às empresas suas agremiadas haja o maior cuidado e ponderação, de forma a evitar-se que as que se propõem desenvolver certos fabricos, que impõem a inversão de copiosos capitais, fiquem exageradamente sobrecarregadas e desistam dessas iniciativas s (Setembro de 1945).

E, do mesmo passo, não teriam sido julgados procedentes os recursos e reclamações que a quase totalidade das empresas levou da liquidação do imposto sobre lucros extraordinários de guerra.

Parece, assim, manifesto que os lucros dos industriais aqui representados são bem modestos, por o preço dos medicamentos ser módico; mas, se lhes fosse possível diminuir os preços dos produtos, gostosamente o fariam, para mais ainda contribuírem para a situação ideal de todos os portugueses se poderem tratar - problema social de projecção decisiva na saúde pública e na vida da Nação.

Sr. Presidente: a indústria portuguesa de medicamentos especializados é hoje uma realidade e um valor na economia nacional, como exuberantemente o patenteiam as 2:142 especialidades farmacêuticas nacionais (muitas delas compreendendo formas farmacêuticas diversas) que os ficheiros deste Grémio registavam no último dia do ano que findou há pouco e que todas as farmácias do País dia a dia fornecem para sarar os achaques da população portuguesa.

Acalenta ela a esperança d« mais e mais prosperar, científica e industrialmente, pois, se é certo que com o fim da guerra o consumo de especialidades importadas voltou a subir (e esta ascensão seguramente tomará maior vulto quando os medicamentos importados chegarem em maior volume, parecendo indúbio que a indústria estrangeira fará todos os esforços para reconquistar o mercado português), não é menos certo que poderá rapidamente ser sustado se os Poderes Públicos tomarem as medidas proteccionistas a que a indústria nacional tem inteiro jus - medidas que serão tomadas não só «m favor dos seus legítimos direitos e interesses, como ainda nos da própria economia nacional, em que os do consumo se integram.

(Todos os elementos estatísticos referidos nesta exposição podem ser comprovados pelo Ministério das Finanças ou pela Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos).

Estas as considerações que este Grémio entendeu dever levar ao esclarecido conhecimento de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e ao dos Srs. Deputados à Assembleia Nacional, alicerçadas em exclusivo na eloquente e incontroversa linguagem dos números.

Lisboa, 17 de Janeiro de 1947. -A bem da Nação. - Grémio Nacional dos Industriais de Especialidades Farmacêuticas, a Direcção: Bernardo Augusto da Costa Simões- Manuel Leite â a Silva - José Sebastião Viegas.

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O Sr. Presidente: - Comunico que designei para, em nome da Assembleia, apresentar cumprimentos de despedida ao governador do Moçambique, que hoje parte a assumir as suas funções, os Srs. Deputados Joaquim Mendes do Amaral e Carvalho Viegas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Ernesto Subtil.

O Sr. Ernesto Subtil: - Sr. Presidente: depois da publicação dos decretos-leis n.ºs 35:977 e 30:978, ambos de 23 de Novembro do ano findo, é hoje a primeira vez que me é permitido falar, nesta sessão legislativa, antes da ordem do dia.

Quero, pois, aproveitar a oportunidade para fazer algumas considerações, ainda que muito ligeiras, sobre cada um desses diplomas.

Pelo primeiro foi alterado o sistema de remuneração dos funcionários judiciais, no sentido de melhorar consideràvelmente a condição destes, que estavam, em regra, muito mal pagos, e em situação, como se escreveu no relatório desse diploma, de injusta inferioridade em relação à generalidade dos outros servidores do Estado.

Bom foi, pois, Sr. Presidente, que essa alteração se fizesse, e bom foi também que, para estímulo dos funcionários judiciais, a sua remuneração passasse a ser composta de duas partes: uma, principal, fixa, estabelecida de harmonia com a classificação das comarcas e as categorias e a graduação dos funcionários; outra, acessória, variável, proporcional ao movimento das secretarias, traduzido no seu rendimento emolumentar.

É que com tal sistema se concilia, como também se escreveu no já citado relatório, o interesse da estabilidade e hierarquia das remunerações com o da sua variação, em conformidade com o maior ou menor trabalho dos funcionários.

Simplesmente, e desde que assim foi reconhecido pelo Governo, seria de justiça que se adoptasse igual sistema em relação ao serviço de tantos outros funcionários, designadamente aqueles que, a par do vencimento orçamental, sempre receberam emolumentos até à reforma de 23 de Novembro de 1930 - reforma essa que precisa absolutamente, e com a maior urgência, de ser revista, sobretudo na parte que, para efeitos de vencimentos, distribuiu por grupos os vários funcionários do Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essa distribuição, tal como foi feita e se tem mantido, dá lugar, Sr. Presidente, a situações que não podem nem devem continuar, e consistem em pagar o Estado muito mal a certos funcionários, que vivem, por isso, descontentes e desmoralizados - como os professores do ensino primário e liceal, por exemplo - em relação a tantos outros que, não tendo mais habilitações, nem mais trabalho, nem mais responsabilidade, percebem, todavia, vencimentos mais elevados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Para acabar com essa anomalia e evitar, porventura, que outras só criem, e enquanto não for publicado o Estatuto do Funcionalismo Público, que o Sr. Deputado Figueiroa Rego já preconizou nesta Assembleia, na sessão de 23 de Março do ano findo, deveria o Governo nomear uma comissão, constituída pela forma indicada pelo mesmo ilustre Deputado, ou seja por três funcionários de cada Ministério, que estudasse e propusesse o reajustamento dos quadros do funcionalismo, a revisão das respectivas classes e a redução do número de categorias dos respectivos vencimentos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É isso, Sr. Presidente, o que sobre o assunto, e por minha vez, tenho a honra de lembrar ao Governo.

Pelo segundo decreto-lei a que fiz referência, o n.º 30:978, passou a alçada das Relações, em matéria civil, a ser de 50.000$ e a dos tribunais de comarca a ser de 20.000$, qualquer que seja a natureza dos bens.

Não sei, Sr. Presidente, quais as razões que levaram o Governo a elevar essas alçadas, visto o referido decreto-lei não ter sido, ao contrário do anterior, precedido de qualquer relatório com a indicação dessas razões.

Mas, quaisquer que elas fossem, não hesito, Sr. Presidente, em declarar que as referidas alçadas foram excessivamente elevadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Permitir que os juízes das comarcas o das Relações julguem sem recurso as acções de valor, respectivamente, até 20.000$ e 50.000$ constitui, sem dúvida, um inconveniente grave, porque, se há juizes bons e escrupulosos - e eles constituem, graças a Deus, o maior número -, a verdade é que há também, infelizmente, alguns juízes maus, sem ciência nem consciência, que julgam verdadeiramente à vara larga, como dizia um juiz meu conhecido, e por sinal que muito distinto.

E esse inconveniente, Sr. Presidente, é tanto maior quanto é certo que uma acção mal julgada nos tribunais de comarca, de valor inferior a 20.000$, e nas Relações, de valor inferior a 50.000$, pode muito bem conduzir à ruína de uma família que não seja rica, e tantas há nessas condições que, em defesa dos seus direitos, se vêem na necessidade de recorrer aos tribunais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tendo, pois, em consideração o que sucintamente acabo de sugerir, e tendo ainda em vista a desvalorização da moeda e bem assim o valor anterior das alçadas dos tribunais de 1.ª e 2.ª instância, que, pelo último Estatuto Judiciário, eram, respectivamente, de 6.000$ e 20.000$, deveria o valor das alçadas actuais ser reduzido a metade, e semelhança do que se fez ao ser publicado o primeiro Estatuto Judiciário, nos termos do qual baixou para 2.000$ a alçada das Relações, que era de 4.000$, valor este que então se considerou elevado.

É que os juízes são homens e como tal sujeitos a errar, e a lei, ao fixar as alçadas, deve, por isso mesmo, tomar por base, como já dizia Dias Ferreira, aquelas cansas que, pela sua pequena importância, não vale a pena levar aos tribunais superiores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Mas, Sr. Presidente, a elevação das alçadas teve, em todo o caso - para alguma coisa a desgraça é boa -, uma certa vantagem: é a que resulta do facto de, por virtude dessa elevação, deixarem de intervir nos tribunais de comarca, em todas as acções de valor inferior a 20.000$, os chamados colectivos, que foram instituídos pelo saudoso professor Dr. Manuel Rodrigues, a quem o País ficou devendo inestimáveis serviços, e que, tal como estão constituídos actualmente, não oferecem a garantia de exercer convenientemente a alta função de julgar.

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O Sr. Armando Cândido: - Não tenha V. Ex.ª receio dos tribunais colectivos e dos magistrados judiciais que os formam; eles mantêm bem alta a consciência e a pureza de julgar.

O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª que ninguém considera mais do que eu a nobre classe da magistratura portuguesa, na qual, como em todas as classes, há bons e maus elementos. Dos últimos, confesso que tenho receio.

A verdade é que colectivos constituídos por dois juízes efectivos e um substituto, além de terem os inconvenientes já doutamente apontados nesta assembleia pelo ilustre Deputado que é o Sr. Dr. Carlos Borges, são tribunais que não inspiram nem podem inspirar confiança, pois é evidente que, embora os primeiros estejam em maioria, como se diz no relatório do decreto-lei n.º 33:547, de 23 de Fevereiro de 1944, é, por vezes, o último quem afinal decido.

Basta, para tanto, que haja divergência entre os dois juízes togados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E neste capítulo têm-se visto, Sr. Presidente, coisas muito curiosas, como aquela que se passou, ao que se conta, numa comarca do centro do País.

Não havendo entendimento entre os dois juízes efectivos quanto à aprovação de certa matéria do questionário a que o colectivo deveria responder, foi o juiz substituto - que não era, valha-nos isso, diplomado em Direito - quem decidiu a contenda, e desta maneira, que seria cómica, se não fora grave, dada a importância que deve ter a administração da justiça: não sabendo qual dos juízes togados devia acompanhar e tendo, necessariamente, de acompanhar um ou outro, resolveu atirar ao ar uma moeda e aprovar ou reprovar a matéria em causa conforme a referida moeda caísse de caras ou não! (Risos).

E numa outra comarca do Norte o juiz substituto resolveu, em idênticas circunstâncias, inclinar-se para o juiz presidente, simplesmente porque este era o mais velho e deveria, por ser o juiz da comarca, conhecer melhor o processo! (Risos).

Podia, Sr. Presidente, citar mais alguns casos que conheço e levam ao descrédito e à condenação formal dos tribunais colectivos, que, tal como estão constituídos agora, são de condenar absolutamente e deveriam ser banidos o mais rapidamente possível, para prestígio da justiça e dos tribunais portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, se me é permitido formular a minha modestíssima opinião a tal respeito, eu direi, Sr. Presidente, que aos actuais colectivos prefiro os colectivos anteriores, constituídos por três juízes togados, e que foram postos de parte por uma simples questão de economia- como se a administração da justiça, que constitui um dos altos fins do Estado, pudesse estar sujeita a questões dessa natureza!...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E aos colectivos assim constituídos prefiro ainda, nas cansas cíveis, o juiz singular, com depoimentos escritos, como acontecia antes das últimas reformas judiciais.

O Sr. Armando Cândido: - Não apoiado! Isso é um indefensável retrocesso.

O Orador: - É uma opinião, aliás muito respeitável, mas com a qual não concordo.

E que os depoimentos escritos podem ser devidamente meditados e pesados, e são, por isso, de preferir aos depoimentos orais, que se não fixam nem pesam convenientemente, motivo por que alguns juízes mais escrupulosos, e no desejo - honra lhes seja - de bem julgar, se vêem na necessidade de os escrever.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É certo que cornos depoimentos escritos as questões nos tribunais levariam mais algum tempo, embora não tanto como na vigência do velho Código de Processo Civil, em que não existia o questionário, que separa o trigo do joio e limita, portanto, a matéria e, consequentemente, o tempo da inquirição.

Isso, porém, não importa, porque, Sr. Presidente, se é inadmissível que os processos se arrastem com uma lentidão desesperadora, é perigoso que o seu ritmo se acelere a ponto de os interesses das partes ficarem desprovidos das garantias necessárias, como escreveu o eminente jurisconsulto Sr. Dr. José Alberto dos Reis, meu distinto professor na Universidade de Coimbra, ilustre presidente, que foi, desta Assembleia, e a quem, deste lugar, dirijo as minhas melhores e mais respeitosas saudações.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: na discussão que se seguiu à apresentação pelo ilustre Deputado Sr. Rocha Pária do seu aviso prévio sobre a situação dos municípios do País tive ocasião de insistir num certo número de realizações, as quais o Município do Porto está aguardando ansiosamente.

Falei na necessidade da conclusão do Hospital Escolar, da conclusão e urbanização correlativa do aeródromo, da construção de uma grandiosa ponte na Arrábida, com a respectiva urbanização, da construção da nova estação central dos correios, telégrafos e telefonas, da necessidade de se dotar o Porto e o seu Município com meios de realização, obras de salubrização e urbanização da cidade.

Falei também noutras iniciativas e reclamações portuenses que se impõem de modo igualmente indeclinável.

Falei na necessidade de se completar a Universidade do Porto, há anos lamentavelmente mutilada.

E, a propósito, não deixei de acentuar que, para enobrecimento da cultura nacional, para prestígio da nossa inteligência, não ficaria mal que, dado o facto de se ter elevado ao quíntuplo, com o mesmo quadro do corpo docente, a frequência das escolas superiores do País, se criassem em Braga e Évora novos centros universitários.

Apoiados.

Mas, Sr. Presidente, eu pedi agora a palavra para tratar de qualquer coisa do muito instante, de qualquer coisa profundamente angustiosa, que a leitura dos jornais desta manhã trouxe ao meu conhecimento.

Trata-se das condições deploráveis em que se encontra a barra do Douro, de modo a repetirem-se, sem cessar, tragédias como a de ontem, ficando o movimento da barra suspenso por tal motivo, com prejuízo para a navegação.

Antes da jornada de Ceuta, para a qual a população do Porto, os burgueses dessa velha cidade, contribuíram da maneira que é bem conhecida de todos os que estão ao facto das páginas mais gloriosas da história portuguesa, pouco antes dessa jornada já se falava em «porto sem porto», antífrase ainda há pouco evocada por Ezequiel

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de Campos, no seu livro Problemas Fundamentais Portugueses.

Quando os cruzados do Norte abordaram ao Douro e subiram à sua acrópole para ouvirem o prelado Pedro Pilões, que os convenceu a acompanharem D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa aos mouros, já o cruzado Osberno aludia ao Cabedelo, dizendo que as suas areias tinham grandes virtudes medicinais. Hás, se as areias da foz do Douro tinham então essas pretensas virtudes medicinais, hoje têm defeitos gravíssimos. Já então a barra do Douro possuía o Cabedelo.

No século XIII, segundo decretos de D. Afonso III, como é recordado sobre ampla documentação por Alberto Sampaio, o porto do Douro estava em comunicação estreita, em comércio ou tráfego marítimo, com os países do Norte - França, Holanda, Flandres e Inglaterra.

No século XIV os moradores de Lisboa e Porto faziam um tratado de pesca com Eduardo III de Inglaterra. No mesmo século, segundo Fernão Lopes, o maior rendimento do Rei D. Fernando, autor de muito altas realizações nacionais, era o das Alfândegas de Lisboa e Porto.

Sr. Presidente: não vou alongar-me numa evocação que trouxesse aqui à tela do debate a história do porto do Douro através dos tempos.

Basta recordar nomes como os de dois portuenses, Ricardo Jorge e Magalhães Basto, que nos seus trabalhos puseram em evidência a função primacial do porto do Douro através da história como meio de ligação e tráfego com outros pontos do Mundo.

O movimento do Douro nas condições actuais consta de algumas estatísticas. Do 1931 a 1935 o comércio especial foi o seguinte:

Importação: Lisboa, 60,8 por cento da total do País; Porto, 32,3 por cento. Exportação: Lisboa, 38,2 por cento; Porto, 36,3 por cento.

Estes números mostram a importância do tráfico marítimo do Porto, embora não só através da barra do Douro, mas também através do porto de Leixões, realização para cuja eficiência tem contribuído as obras complementares levadas a efeito por esta situação política.

É certo que, sob alguns aspectos, parece que o movimento pela barra do Douro e por Leixões tem diminuído de volume.

Assim, por exemplo, as estatísticas de Agosto do ano findo dão para a pesca de arrasto desembarcada no continente, por Leixões e Porto apenas 271 toneladas, para a Figueira da Foz 206, Peniche 30, ao passo que pura Lisboa o movimento do descarga ascendeu a 2:545 toneladas, quase 10 vezes mais do que o movimento correspondente dos portos do Norte do País, onde se encontra uma densíssima e avultada população. Isto é grave, por mostrar uma desnecessária e prejudicial concentração do abastecimento de peixe na capital. Porém, o movimento de navegação marítima nos portos da metrópole em Setembro do 1946 aparece com números mais confortantes. Nesse mos, em Lisboa o movimento foi de 241 embarcações, no Porto foi de 78 na barra do Douro e de 57 em Leixões, sendo certo que as 57 que entraram na barra de Leixões representam uma tonelagem tripla das embarcações na barra do Douro.

Seja como for, Sr. Presidente, eu não vou alongar-me em considerações sobre esta matéria, certo de que ninguém duvida da importância do rio Douro como porto marítimo.

A construção do porto de Leixões representa uma solução feliz e indispensável das dificuldades oferecidas pelo Douro à navegação de grande cabotagem, mas uma solução completa que lhe não faça perder as características de porto de tráfego interior e para embarcações de pequena tonelagem de tráfego exterior, não devendo esquecer-se o papel do Douro no importante comércio dos vinhos do Porto.

Infelizmente, Sr. Presidente, continuam sem um ataque, que se impunha, os baixios e cachopos da barra do Douro, e o Cabedelo lá está apenas à merco das vicissitudes do regime fluvial do Douro; são as cheias mais ou menos periódicas do Douro que resolvem, por meios naturais, o que já há muito devia ter sido objecto de providências governativas enérgicas.

Em meados do ano passado, graças às solicitações incessantes da Associação Comercial do Porto e da Associação Industrial Portuense, foi enviada para o Douro a draga Salazar. Essa draga trabalhou durante alguns dias e depois retirou sem ter concluído a tarefa.

Entendo que a situação criada pelo desastre bem penoso de que esta manhã todos tivemos conhecimento -a obstrução da barra do Douro por um barco naufragado- não deve repetir-se com a frequência desoladora com que se dá. São necessárias providências enérgicas para a retirada do barco naufragado.

Esta situação deve terminar; devem ser atendidos os pedidos instantes da Associação Comercial do Porto o da Associação Industrial Portuense. Devem realmente ser efectivadas com energia e urgência as providências que estão em estudo ou que foram decretadas já em alguns diplomas legislativos recentes. As leis dos portos de 1926 o 1927 estabeleceram a classificação daqueles e o financiamento das obras que neles se impunham. Depois, os decretos n.ºs 15:644, de Junho de 1928, 17:049, de Junho de 1929, etc., estabeleceram o regime de empréstimos para esses financiamentos. Mais recentemente, o decreto n.º 33:922, de Setembro de 1944, fixou a segunda fase das obras a realizar nos portos.

Eu sei que está em estudo cuidado no Ministério das Obras Públicas a série de providências que se impõem para melhoramento da barra do Douro. Mas esta tarefa é urgente. Torna-se indispensável que a cidade do Porto assista com satisfação à obra imediata da melhoria do seu porto do Douro.

Eu sou um dos mais calorosos admiradores da obra do grande Ministro que foi o malogrado engenheiro Duarte Pacheco, e, no entanto, encontro-me em discordância com a sua acção no facto de ele ter ligado uma importância muito secundária ao porto fluvial do Douro. Entendia o engenheiro Duarte Pacheco que bastava fazer a regularização das margens do rio, como, por exemplo, com a estrada marginal que vai da ponte de D. Luís I até perto da foz do Sousa; que bastava construir um porto fluvial e um mercado mais ou menos na altura do esteiro de Campanhã. A meu ver, Sr. Presidente, impõe-se, quer do lado do Porto, quer do lado do Gaia, a construção de cais acostáveis e, de um modo geral, o devido apetrechamento do nosso porto do Douro.

Assisti, alanceado, já a duas grandes tragédias marítimas nas proximidades do Porto. Assisti há trinta e cinco anos ao naufrágio do Véronèse. Levei aos náufragos o concurso modesto dos meus serviços clínicos de médico recém-formado e tive uma grande satisfação em ver que, graças à ligação que foi feita entre o paquete o a costa, foi possível salvar muitos tripulantes e passageiros.

Mas assisti, ainda mais alanceadamente, a um dos espectáculos mais trágicos que tenho presenciado: foi o naufrágio do Deister na barra do Douro, junto da qual uma multidão enorme, de que eu fazia parte, viu, impotente, o desenvolver de esforços inúteis para acudir a pessoas de cuja morte nós fomos afinal testemunhas de vista.

É necessário melhorar o serviço de pilotagem e o de socorros a náufragos na barra do Douro; é necessário que não mais possam morrer assim, à vista de uma multidão impotente e angustiada, tantos desgraçados. Especialmente, não faz sentido que a barra do Douro fique obstruída com o naufrágio de uma pequena embarcação.

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Termino estas considerações exprimindo o meu sentimento de pesar e de lato, que será seguramente o sentimento de pesar e de luto do todos os membros desta Assembleia, perante a dor das famílias que foram atingidas, desde as mais humildes, com o desastre de ontem na barra do Douro, e creio que a melhor, a única, a verdadeira satisfação que se pode dar às mães, aos órfãos e às viúvas que ali perderam os seus entes queridos estará em que o Estado providencie enérgica e urgentemente no sentido das considerações que acabo de expor.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinheiro Torres:-Também quero referir-me à tragédia que se deu ontem na barra do Douro, e a que os jornais fizeram larga referência, quando uma embarcação demandava aquele rio.

De repente o mar alterou-se e, atirando o barco contra os rochedos, abriu-o de meio a meio, morrendo os seus tripulantes e o piloto da barra, que nele vinha no cumprimento da sua função.

Sete homens, sete vidas, desapareceram tragados pelas ondas.

Moro na Foz, mesmo defronte da barra. For isso vivo, como se fosse família, as tragédias da gente ribeirinha, gente heróica que ao mar vai buscar o pão e tantas vezes a morte.

Os naufrágios ocorrem quase sempre a dois passos de terra, o que torna mais horrível a tragédia, pela impotência dos que presenceiam em salvar os que se debatem nas ondas.

Tenho assistido a tragédias horríveis devidas àquela garganta de morte qne é a barra do Douro e de que o Sr. Deputado Mendes Correia acaba, com o brilho e os conhecimentos que todos lhe reconhecemos, de traçar o quadro negro perante a Câmara.

Essa desgraça imensa que foi o naufrágio do Deister todos nós, os da Foz e do Porto, a vivemos. Parece, pelo relato dos jornais, que o de ontem foi nas mesmas condições.

É horrível, efectivamente, sentirmo-nos impotentes para salvar esses desgraçados, em fazer alguma coisa para arrebatar da morte aquelas vidas que víamos extinguir-se pouco a pouco, tão próximos de nós que lhes ouvíamos os seus gritos, as suas invocações religiosas, que víamos as suas expressões desesperadas, em breve transformadas em rictos horríveis de próxima agonia.

De nada vale o engenho do homem, os cabos lançados com perícia, os salva-vidas rompendo o mar com temeridade, a abnegação e heroísmo dos que se lançam nas ondas.

Espectáculos destes, uma vez presenciados, nunca mais esquecem.

Assim é que esses naufrágios vivem sempre na memória dos que assistem - tantas vezes mães, mulheres e filhos dos que neles perdem a vida.

Parece que, por natural e lógica repulsa, os descendentes dos náufragos deviam abandonar a ideia de seguir a profissão deles. Pois não. Morre o pai, e o filho toma o sen lugar, o neto segue as pisadas do avô, numa sequência ininterrupta de gerações, em que há sempre o mar a tragá-los.

Foi a esta persistência que se ficaram devendo os descobrimentos e foi com ela que se escreveu a história trágico-marítima, de que estes naufrágios são permanentes capítulos.

Sr. Presidente: neste naufrágio, os tripulantes da embarcação eram do Algarve. Da Foz era tão somente o piloto Pedro Reis da Luz, dos mais competentes da corporação. Eu conhecia esse humilde homem, que era notável pela sua competência e pelos serviços prestados à Pátria como combatente da Grande Guerra. Honrava-me com a consideração que tinha por mim, e, porque vivo muito próximo da sede dos pilotos, quase todos os dias o via e com ele trocava impressões.

Sr. Presidente: se como homem me curvo perante a desgraça ocorrida, como freguês da Foz lamento a perda de um membro tão prestimoso da corporação dos pilotos da barra do Douro, com quem estou neste transe doloroso.

Ainda há dias, falando eu com o piloto-mar da barra, ele me traçava o quadro triste daquela garganta de morte que é a barra do Douro e me expôs os seus planos de defesa dos náufragos. Tudo que se faça é pouco, até que tudo se faça para extinguir o mal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Morais Carrapatoso: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento :

"Requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam dadas as seguintes informações:

I. - Número de professores liceais, por sexos, em serviço no ano lectivo de 1946-1947:

a) Efectivos;

Auxiliares e agregados:

1.º Com mais de dez anos de serviço;

2.º Com cinco a dez anos;

3.º Com menos de cinco anos. e) Contratados dos grupos 1.º a 9.º

II. - Número de professores, por categorias, que prestaram serviço nos anos lectivos de 1943-1944 a 1945-1946.

III. - Número de professores, por categorias, que prestaram serviço nos anos lectivos de 1930-1931 a 1932-1933".

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris.

O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente: direi apenas algumas palavras sobre o assunto em boa hora levantado nesta Assembleia, mas peço licença para não limitar as minhas modestas considerações à situação aflitiva em que vivem muitos dos municípios portugueses.

Começarei por trazer um subsídio à discussão, que presumo ser de alta importância nesta matéria, talvez essencial para bem se compreender o funcionamento das autarquias locais.

No intuito de determinar, com aproximação suficiente, para todos os efeitos práticos, os encargos tributários que pesam sobre o contribuinte, requeri o ano passado que me fossem enviadas as receitas dos corpos e corporações administrativas de todo o País, incluindo as juntas de província, as câmaras municipais e as juntas de freguesia.

Não era trabalho fácil obter esses elementos, sobretudo porque os desejava em forma e termos de poderem ser úteis para um fim especial, mas devo informar a Assembleia de que Imito a, Direito Geral de Administração Política e -Civil como a Inspecção Geral d y Finanças os obtiveram em condições que satisfazem cabalmente o fim a que os destino, e, embora seja dever

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imposto pela Constituição fornecer os dados requeridos, não quero deixar de apresentar os meus agradecimentos àqueles organismos do Estado pela diligência que puseram no cumprimento desse dever.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Serão publicadas em minúcia no parecer das contas públicas, com uma rápida análise e ligeiros comentários, as receitas dos 272 concelhos examinados, .bem como as de todas as juntas de província. Lamento dizer que nada, ou muito pouco, ali se encontrará sobre as juntas de freguesia, porque estas, em matéria de receitas próprias, não as têm em quantitativo que valha a pena mencionar.

A primeira coisa que ressalta clara e insofismável desses elementos é a sua pouquidão, como diriam os clássicos seiscentistas. A pouquidão reduz-se a nada. ou quase nada, em muitos municípios quando se examinam os encargos obrigatórios que sobre eles pesam.

Os resultados apurados, traduzidos em números, formam um quadro doloroso da vida de muitas câmaras municipais. Assim, em 272 concelhos há:

[...ver tabela na imagem]

Do total de 420:000 contos de receitas cobradas pelos municípios do continente em 1944, excluindo as comparticipações do Estado, pelos Fundos de Desemprego e melhoramentos rurais, 54,5 por cento pertencem a Lisboa e Porto, ou 220:000 contos, números redondos, se se considerarem apenas os impostos e taxas, os rendimentos próprios e de concessões e a consignação d? receitas, que é o que verdadeiramente interessa.

Há apenas, no continente, nove capitais de distrito com receitas superiores a 2:500 contos, que são: Aveiro, Braga, Coimbra, Faro, Lisboa, Porto, Santarém, Setúbal e Viseu.

Estes são os elementos mais importantes relativos a 1944, porque eles comandam a actividade das câmaras. Seria talvez de vantagem ajuntar-lhes os encargos obrigatórios- e, embora isso não fosse difícil, o quadro não ganharia com esse novo elemento.

Sr. Presidente: passando agora a tratar dos deveres e funções dos municípios, eu pergunto:

Qual é a contrapartida em atribuições dos municípios? Estas vêm enumeradas nos artigos 44.º e seguintes do Código Administrativo e são latas e generosas: dizem respeito à administração de bens comuns e próprios do concelho, ao fomento, ao abastecimento público, à cultura e assistência, à salubridade pública e à polícia. E quem se der ao trabalho de ler e meditar sobre o significado de cada uma destas atribuições, que o Poder Central transfere para os corpos administrativos, e mantiver na memória as receitas que citei há pouco fica logo com a noção clara e nítida da impossibilidade de as cumprir na maioria dos casos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- O atraso de grande número de conselhos, sobretudo de concelhos rurais, é devido aos poucos recursos de que dispõem os municípios e aos encargos obrigatórios que pesam sobre eles.

Ora o desenvolvimento rural é uma das condições fundamentais do progresso económico do País.

As fracas possibilidades financeiras da grande maioria das autarquias locais reflectem-se profundamente na vida dos campos. Elas impedem, por seu próprio intermédio, a execução de melhoramentos absolutamente essenciais ao progresso económico e social da região.

Que poderá um município fazer com a receita de 120 contos ou 180 contos por ano?

Que melhorias se portem executar com a sobra, quando a há, de 30 ou 40 contos das receitas normais?

O caso já era grave antes da guerra, até nos concelhos mais afortunados - naqueles que ainda podiam dispor livremente de digamos, 1:000 ou até 2:000 contos - e são bem poucos.

Mas, quando as disponibilidades livres descem às cifras que indiquei há momentos, vê-se logo que, se não houver auxílio externo às regiões com municípios í! e tão magras receitas, eles estão condenados a vegetar. E é isso o que tem acontecido em muitas.

Sr. Presidente: o exame de certas regiões, conjugado com o estudo da vida dos seus municípios, tanto no ponto de vista de receitas como no de despesas, mostra haver concelhos pobres e concelhos ricos - se à palavra rico se der um significado relativo.

Dei-me já há tempos à tarefa, aliás interessante no ponto de vista sociológico, de examinar o grau de progresso de diversas zonas do País em relação à vida financeira local - e, se forem divididas em escalões as receitas municipais de diversas áreas, algumas até limítrofes, ver-se-á distintamente que a vida económica e social tem estreitas relações com as suas disponibilidades financeiras. Há outros factores que influem nisso - e os mais importantes são, evidentemente, os naturais - os que exprimem a potencialidade de riqueza natural. Mas um exame mais atento do assunto mostra haver, nos concelhos que classifiquei de pobres, por serem pobres as suas disponibilidades financeiras, haver neles, repito, condições de vida económica bem mais intensiva das que existem agora.

E neste aspecto vive-se num círculo vicioso. Os concelhos são pobres, por serem pequenas as receitas - mas estas dependem em elevado grau do movimento económico da sua área -, e como ele deriva de progressos fundamentais, como, por exemplo, comunicações mais fáceis, o concelho, até no caso de ser rico potencialmente, há-de continuar sempre a ser pobre.

Esta é a primeira conclusão geral que se deduz do exame das cifras relativas a situação financeira de muitos municípios portugueses: conclusão grave para o progresso uniforme do País, conclusão grave que sacrifica uma parte importante da população nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Estado Novo, ao verificar a inadiável necessidade de desenvolver a vida da província, que por tantos anos dormiu sonolenta à sombra de velhas árvores seculares, tentou insuflar um pouco de animação a largas áreas recolhidas sobre si mesmas por séculos.

Com a obra das estradas, iniciada logo no começo da reorganização financeira, por volta de 1928, e com a instituição dos melhoramentos rurais, uma obra modesta, mas de considerável repercussão na vida das províncias, começaram a desabrochar por toda a parte iniciativas regionais de grandes consequências. Quem se der ao trabalho de fazer o cálculo da influência de um pequeno caminho vicinal na região que serve fica surpreso com os reflexos que ele tem na vida local. A ex-

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portução de produtos, até união impossível por falta de transporte, assume às vezes aspectos que vão além de todas as esperanças.

Mas o Fundo de melhoramentos rurais nunca atingiu nem o grau de organização nem o grau de financiamento que seria de desejar e que talvez estivesse na ideia inicial. O orçamento foi sempre avaro na sua dotação - uns parcos 10:000 contos, se se exceptuarem os anos dos Centenários. E até 31 de Dezembro de 1945 o total concedido pelo Fundo de melhoramentos rurais não vai além de 182:251 contos, desde 1930-1931.

Batalhei dentro da minha modesta esfera de acção, por intermédio do parecer das contas públicas e nesta tribuna, e até em artigos na imprensa, pelo reforço da verba e melhoria na percentagem das comparticipações.

Quando a gente medita sobre o que se realizou com aqueles 180:000 contos, durante os quinze anos e meio em que foram distribuídos, não pode deixar de reconhecer a habilidade e a devoção de dezenas e dezenas de administradores locais, desinteressados regionalistas, que sonhavam com o caminho ou a fonte local, que administravam directamente ou por empreitadas os poucos recursos que lhes distribuíam. Eu conheci e conheço alguns e V. Ex.ª também os devem conhecer: presidentes ou vereadores de municípios, presidentes ou vogais de comissões de melhoramentos ou de juntas de freguesia, gente humilde às vezes, que não aspira no realce dos seus nomes em grossas letras de imprensa, mas que sentiu e sente a necessidade impreferivel e urgente de desenvolver as rogiões que habitam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando se compara a parcimónia com que se discutiam e discutem com empreiteiros locais os custos das obras que não podiam ir além do que o que se contém na comparticipação do Estado, porque o município não tem receita, quando se compara essa parcimónia com as volumosas quantias usadas em coisas de incomparavelmente menor projecção na. vida social e económica do País, sente-se não terem sido bem compreendidas as exigências materiais da enorme massa rural, que é no fundo o esteio moral e económico da vida colectiva portuguesa.

Desta insuficiência no desenvolvimento dos campos tem resultado males para a vida nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um deles, bem vincado e assinalado nos últimos tempos, é a tremenda atracção para a cidade, para a grande cidade. E Lisboa oferece, a quem queira ver com olhos de julgar, um espectáculo que bem pode transformar-se em tragédia dentro de uma dezena de anos. Estamos a assistir a um tremendo êxodo de gente da província pura as duas capitais de Lisboa e Porto. E as consequências pungentes, tanto no ponto de vista social, como económico e moral, começam já a repercutir-se na cidade 3 no campo. Sentem-se nas condições higiénicas: a tuberculose a ser levada de Lisboa para a província; vêem-se na vida local: a falta de mão-de-obra em algumas zonas; sobressaem da habitação em Lisboa: a horrível promiscuidade em casas apertadas, acanhadas, sem ar nem luz. Ainda há pouco, numa pequena freguesia da Beira Baixa, se realizaram, em alguns meses, dez casamentos: todos os recém-casados vieram para Lisboa e nenhum deles para casa própria. Sr. Presidente: unia série de problemas gravíssimos está ligada à vida dos campos - não são apenas problemas locais, regionais, são problemas de ordem geral, de interesse nacional. E este da habitação de Lisboa

- que não poderá ser resolvido, por mais voltas que lhe dêem, sem travão forte contra a fuga dos campos - não é dos menos importantes.

E como não há-de a população das zonas mais pobres ser atraída por seduções que vêm da capital? Como há-de ela resistir, se aqui lhe oferecem trabalho mais fácil, se aqui se criam ou multiplicam, até inutilmente, empresas, organismos, ou instituições que dão emprego? Porque se hão-de concentrar as indústrias, as oficinas, e uma grande parte da vida do Estado, nos seus múltiplos aspectos, na capital do País?

Porque não desviar para o largo campo de trabalho que pode ser a província muitas das actividades que são excrescências na própria capital?

Porque não hão-de dotar-se com melhoramentos indispensáveis pequenas cidades, vilas e aldeias onde ainda falta muita coisa: a água, o esgoto, o caminho c transporte fácil e o resto que constitui um mínimo de bem-estar material?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - (Esta questão do urbanismo pode ter grandes reflexos na vida do futuro. Num estudo recente que eu próprio fiz com auxílio dos municípios dos arredores das duas grandes cidades de Lisboa e Porto - e não fui muito feliz no auxílio que deles esperava - cheguei à conclusão de que na sua zona de influência deve hoje habitar perto de um quarto da população total do continente português, computada para 1945 em cerca de 7.600:000 habitantes. E chamo zona de influência aos concelhos que, de qualquer modo, já compartilham da vida da grande cidade - os de Cascais e Oeiras, parte de Loures e de Sintra, Almada e Barreiro, em Lisboa; os de Vila Nova de Gaia, Matosinhos e outros, perto do Porto. A continuar a dar-se o desenvolvimento destes dois grandes aglomerados demográficos, que os anglo-saxónios chamam conurbation, dar-se-á dentro de uma década o fenómeno conhecido e pernicioso que diversos países europeus e americanos tentam hoje dominar - a confusão de grandes massas demográficas em espaços restritos, com os gravíssimos inconvenientes "lê tráfego excessivo, de habitações sórdidas e acanhadas, de mortalidade difícil de restringir, de natalidade baixa, de saldo fisiológico deficitário - uma série de males para os quais, em uma das cidades europeias, só se encontra remédio na evacuação, que provavelmente terá de ser forçada, de, pelo menos, um milhão de habitantes.

Se fosse feito hoje inquérito habitacional como o empreendido há anos nalguns bairros de Lisboa, seriam ainda bem mais trágicas as conclusões-e quem conhece um pouco a vida de grandes aglomerados europeus, em países pequenos como a Áustria, onde Viena, como polvo insaciável, suga os recursos de uma pequena nação que já foi grande, sabe bem os inconvenientes das grandes cidades fora de proporção com os recursos financeiros ou outros do país em que se acham situadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: tudo indica pois o revigoramento das velhas sociedades provincianas e sobretudo mirais e a descentralização adequada da indústria e de outras actividades. Tudo indica que se tomem medidas no sentido de dificultar a vinda para Lisboa não apenas das classes trabalhadoras, mas de muitas que têm seu lugar marcado na província. Ainda há pouco uma estatística relativa a 1945 me dizia que de 5:187 médicos existentes no País, incluindo as ilhas, exercem a sua actividade na cidade de Lisboa 1:018, ou perto de um terço. E, se considerarem os distritos de Lisboa, Porto e Coimbra, há neles 3:146 médicos, ou

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mais de 60 por cento do total - pura o resto tio Paia ficam menos de 40 por cento.

Se forem feitas estatísticas idênticas para o caso dos agrónomos, que tom sua vida marcada nos campos, ou dos engenheiros que terão de exercer na sua principal actividade nas zonas industriais -que é necessário afastar tanto quanto possível da vida das grandes cidades-, ter-se-á nítida ideia do actual estado de coisas: u atracção deletéria, contra o interesse nacional, dos grandes centros urbanos, que se reflecte nos trabalhadores manuais e intelectuais. Enquanto não forem cria-las .melhores condições de vida a uns e outros não será facilitada a sua fixação nos campos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-As receitas já indicadas, sobretudo as dos concelhos mais pobres financeiramente - que se acham situados um pouco por todo o País -, tem de ser corrigidas por auxílios especiais do Poder Central. Não podem estar sujeitas à regra comum.

A verba dos melhoramentos rurais foi, finalmente, reforçada em 1947 de 10:000 para 30:000 contos e parece ser propósito, como aliás aqui se sugeriu, gastar 300:000 contos dentro de dez anos. Já é alguma coisa, mas não parece ser o suficiente. Hoje não é média alto, a verba de 50 contos por quilómetro de terra plenagem de um caminho vicinal, e na maior parte das povoações rurais ainda existe a clássica fonte do mergulho. E, a par disso, desde o pavimento até à capela, desde a habitação até à ponte no ribeiro, muitas vezes a cair uma o. outra, quantas coisas podem e precisam de ser aperfeiçoadas ou reparadas? Quantas?

Herdámos, Sr. Presidente, uma situação difícil, caótica, atrasada em matéria de progresso local. Precisamos de completar com energia c clarividência a obra iniciada.

Pelo Fundo de Desemprego pagaram-se em 1945, por comparticipações e subsídios, estes últimos para o abastecimento de águas às sedes dos concelhos, cerca de 36:700 contos. V. Ex.ªs encontram nos pareceres das contas públicas de anos anteriores o destino das quantias desviadas desse Fundo.

Os seus reflexos na vida rural têm sido muito menores que os do Fundo de melhoramentos. Mas com a recente reorganização dos serviços é de crer que a eficiência das verbas se torne muito maior e que elas se canalizem especialmente para estes empregos fundamentais: o saneamento, as comunicações e a melhoria da habitação e dos pavimentos.

E está neles incluído o lugar próprio onde o médico rural possa realizar tratamentos urgentes em condições higiénicas razoáveis.

Mas a atenção do Estado, neste aspecto, tem de incidir, em especial e com maior vigor e carinho, sobre aqueles pobres concelhos que muitas vezes não tem a receita disponível para mandar fazer o projecto do melhoramento que deve ser comparticipado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estas são. em meu entender, necessidades imediatas, prementes, de vasto alcance para a vida local, sobretudo nos pequenos centros rurais. Mas ninguém tenha ilusões. O êxodo dos campos continuará com igual intensidade se este forte e ordenado aperfeiçoamento não for acompanhado de medidas que tenham como objectivo melhorar o rendimento agrícola da terra, fornecer mais o melhor remunerado trabalho pela descentralização de muitas indústrias e, finalmente, promover meios de bem-estar que destruam um pouco a sedução da cidade.

Estes pontos constituem um vasto problema que inclui a localização das indústrias, ainda nem sequer aflorado entre nós, o melhor tratamento dos solos e do campo por culturas mais rendosas e aperfeiçoadas, que ainda, é matéria de largos e prometedores frutos em muitas zonas, e de medidas acessórias, tais como o abastecimento de energia eléctrica a preços razoáveis, porque os de agora ou os de antes da guerra são, e eram, proibitivos na maior parte dos casos.

Todos estes problemas, com soluções que podem ser quase imediatamente iniciadas, como o da localização das indústrias, ou que podem desde já ser estudados de modo a canalizá-los na direcção correcta, em tempo oportuno, como o da energia, precisam de cuidados especiais, que tenham em conta as possibilidades financeiras dos concelhos, a sua potencialidade económica latente, tanto em mão-de-obra como recursos naturais, e até o grau de cultura e aptidões da gente que os habita.

De qualquer maneira há necessidade de agir num plano de acção inteligente e coordenado, e as juntas de província, os municípios e as comissões locais podem ser admiráveis colaboradores do Poder Central.

Por sentir a imperiosa necessidade de revigorar a vida da província e de opor um dique forte ao seu abandono por muitos é que me associo aos votos aqui formulados sobre a vida local. E só lamento não ter tido tempo para coligir outros elementos que possuía sobre a matéria e que poderiam dar maior peso às singelas e despretensiosas palavras que entendi proferir neste debate.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Lourinho:-Sr. Presidente: venho a este lugar porque tive a honra e a satisfação de desempenhar o lugar de presidente da Câmara de Portalegre; ali tomei contacto directo com as realidades que possibilitam e impossibilitam a acção do orientador dum dos órgãos administrativos de maior importância política, económica e social.

Exerci o lugar durante pouco mais de dezanove meses e tenho para mim a certeza de que durante esse espaço de tom pó não houve intenção de melhorar que não fosse estudada, não houve desejo que não fosse auscultado e não houve qualquer obra que não tivesse começo, desde que estivesse realizado o clima necessário e eficiente para a sua efectivação.

Foi necessário lutar, e a luta foi áspera, atingiu muitas vozes o carácter da violência, mas, marcada a directriz, abriu-se caminho sem olhar às sombras que pudessem projectar aqueles que nada fazem e tudo criticam, tudo envenenam, para derrubar. Parece que as aranhas empeçonham tudo e todos que delas se acercam; mas as aranhas foram varridas.

Sr. Presidente: parece-me absolutamente necessário que se proceda a uma revisão cuidada e profunda de toda a política do tutela administrativa do Estado em relação com as câmaras municipais.

Nas considerações que vou fazer é possível que tenha de ser menos agradável para alguns sectores da Administração, mas, se o for, fá-lo-ei apenas com o intuito do evitar que continuo um estado de coisas que, sendo prejudicial à política do Estado Novo, tende, na sua continuação, a asfixiar toda a vida das câmaras municipais.

Não poderei deixar de citar exemplos concretos de factos sucedidos na Câmara Municipal de Portalegre, para daí tirar as ilações necessárias e as generalidades que me parece deverem servir de base à moção que julgo indispensável ser apresentada.

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È do conhecimento de todos aqueles que alguma vez tomaram contacto com o governo destas pequenas unidades de administração o valor que tem a realização ou não realização de melhoramentos locais para a melhor evolução da política geral. A administração duma câmara municipal é o primeiro espelho onde o povo - o simpático e bondoso povo deste Pais-vê e revê a política do Estado.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Se ela for boa, o reflexo será óptimo; se ela for má, as reacções serão por sua vez dos mais funestos resultados. E compreende-se que assim seja.

Tudo quanto se realiza é para usufruto imediato, palpável, visível de toda a população do concelho; as suas repercussões são repercussões que atingem os nossos hábitos diários, as nossas necessidades materiais e espirituais, isto é, alteram, modificam mais ou menos profundamente a nossa maneira de viver a vida.

Nos centros de cavaco -desde a tertúlia do café até aos cenáculos da política- tudo se discute, se esmiuça e desfia até ao mais pequeno pormenor.

O que faz a câmara, o que tenciona fazer, o que devia fazer.

E cada qual traz em pensamento, senão até mesmo já na algibeira, traduzido em papel e até em croquts, no caso de tal requerer, a melhor forma de resolver bem e barato o problema dos esgotos, das águas, da assistência e das comunicações. E daí a vereação ser acoimada de incompetente, preguiçosa ou atrevida, conforme a lente que o comentador ocasional usar para criticar a acção camarária.

Podem crer aqueles que andam afastados destas gerências que nem sempre é fácil, e digo mesmo é sempre difícil, realizar, e não é cómoda a tarefa nem vulgar a gratidão. Tenho para mim, Sr. Presidente, que parte do prestígio da actual situação política dentro do País pertence ao esforço, muitas vezes privado e sempre amargo, da acção das câmaras municipais do nosso Portugal. É evidente que só a estabilidade política governamental, a administração regular em contas e em probidade de Salazar tornariam possível e poderiam determinar uma normal estabilidade da administração local, e daí a sequência de muitas realizações, que nunca teriam sido concluídas se assim não fora. Infelizmente, na distribuição dos favores e no volume das dotações nem todos foram olhados como filhos da mesma família. Nós, lá para as bandas do Alto Alentejo, não tivemos muita sorte.

Sr. Presidente: o regime que. determina a nomeação por parte do Governo de presidentes de câmaras municipais, bem como o que nalguns casos os transforma em funcionários remunerados da própria câmara, tem, no meu entender, grandes inconvenientes.

Todo o exercício prolongado de uma função pública origina o desgaste.

E o caso de função que tende a prolongar-se é o que se verifica quando dela resulta uma margem de vencimentos que atinge um nível bem superior aos mais elevados.

Resulta daí o apego ao lugar - apego que as circunstâncias do momento presente mais tornam natural. E do apego ao lugar o mimetismo das atitudes, a standardi-zação dos hábitos, o conformismo com o ramerrão, a lentidão nas realizações e a contemporização com erros e com defeitos que não seriam aceitáveis normalmente. Daí à anquilose total da função vai um caminho rápido do percorrer.

Sr. Presidente: houve sempre quem desempenhasse o lugar de presidente de camará a contento das populações, integrado na política da situação, trabalhando devotadamente por ela e pelo bem local. Mais: até houve

sempre quem desejasse o lugar, com sacrifício e sem remuneração alguma, não havendo também necessidade de coacção para o deixar!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Diz-se que o processo actual cria uma ligação mais perfeita entre a política do Governo e a política da autarquia. Não creio. E, porque o não creio, eu defendo exactamente que o lugar de presidente das câmaras municipais seja designado por eleição de entre os vereadores eleitos para a respectiva câmara e que ao lugar de presidente não seja atribuído em caso algum qualquer vencimento.

Sr. Presidente: no capítulo de encargos as câmaras municipais têm sido desde sempre, e com mais intensidade há uns tempos para cá, as vítimas do furor legislativo do todo o Mundo. Não é necessário ter em conta se as receitas são ou não suficientes, se as despesas que se orçamentam são ou não possíveis dentro das receitas criadas. E até, Sr. Presidente, se dá este facto paradoxal: Os Srs. Deputados estão impossibilitados, nos termos do § 3.º do artigo 33.º do Regimento -para cumprimento de disposições constitucionais-, de apresentar qualquer projecto de lei que traga aumento de despesa ou diminuição do receitas do Estado criadas por leis anteriores. Pois muito bem: quando se trata de receita ou despesa de câmaras municipais tal disposição é letra morta; isto é, pode-se apresentar uma lei que absorva com o seu cumprimento a totalidade das receitas municipais! Estranha doutrina, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito, bem!

O Orador: - Entremos agora na apreciação do que sucede com o regime das comparticipações. Aqui há mistura de tudo: ridículo, injustiça e ruína. Tudo tem a sua quota-parte - e que quota-parte! O princípio será bom, ou, melhor, teria sido bom na intenção do começo, mas depois o abuso deu lugar ao uso.

E não se diga que se não fossem as comparticipações as câmaras ou as suas obras teriam sido quase apagadas. Eu presidi à Câmara Municipal de Portalegre sem regime de comparticipação, e felizmente posso contar alguma coisa no activo da minha função.

Mas, Sr. Presidente, vamos aos exemplos. Os exemplos tem muitas vezes o aspecto antipático de colocar mal determinados sectores da Administração. Mas eu tenho para mim que deles se podem tirar ilações, pois em geral marcam os métodos usados nos sectores referidos. Deles, pois, desejo tirar como conclusão que há necessidade de reformar o método das comparticipações na técnica, nas compensações materiais e até no civismo das atitudes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: há mais de oito anos que se debate no sector respectivo o problema da construção do edifício dos correios, telégrafos e telefones da cidade de Portalegre. Pensou-se na sua edificação em local que determinava a expropriação de imóveis que importava no montante de 900 contos, dos quais cabiam como encargo à Câmara Municipal 400 contos - isto é, quase metade do rendimento total anual da referida Câmara. Foram Ministros, foram engenheiros, foram arquitectos, foram chefes e subchefes, não sei se foram poetas; idealizaram-se arcos, arrearam-se arcos -uma trapalhada sem fim -, e nada se fez. Vieram as eleições para a actual Assembleia Nacional, e, suponho que sem qualquer solicitação, em domingo anterior ao acto da eleição pessoas responsáveis disseram no local: "o edifício do"

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correios fica ali", e designou-se o sitio. É um bom local. Marcou-se com estacas o terreno escolhido e com pormenores combinou-se: "a Câmara paga tanto de expropriação -100 contos aproximadamente-, a repartição A manda visar isto à repartição B, os senhores - Câmara Municipal - pagam desta maneira - e disse-se a forma - e o problema fica arrumado". Mas qual, passado um ano o local não servia e tudo isto tinha sido um balão. A Câmara que escolhesse outro local. E agora estamos no princípio, como há mais de oito anos. Esta é a comparticipação que poderia chamar cara, pelo preço que custaria, e mentirosa, pelos métodos utilizados. Não está certo. E tanto mais abusivo quando pertence ao respectivo sector da Administração ocorrer à construção do edifício sem encargo algum para o Município.

Mas há mais, Sr. Presidente. Pretende-se aumentar o edifício do liceu com anexos que fazem falta ao bom funcionamento pedagógico do estabelecimento. E que se faz? Entra a tal comparticipação. A Câmara expropria os terrenos necessários e o Estado faz o acrescentamento. Encargo para a Câmara de aproximadamente 150 contos com um edifício que obrigatoriamente deveria estar a cargo do respectivo Ministério. Diga-se de passagem que este edifício - o liceu - ocupa a seguinte posição: tem a sua frente principal fronteira em toda a sua extensão com o mercado semanal e onde diariamente se faz o mercado do peixe, está pela retaguarda a 100 metros do cemitério público e dista lateralmente uns 200 metros da cadeia civil. Creio que pedagogicamente não pode ser mais distinta a localização. Esta é a comparticipação cara no custo o incompetente na solução técnica.

Pretendeu-se construir um bairro do habitações para pobres. A Câmara escolheu o sítio que lhe pareceu melhor, no prolongamento dos novos bairros e no sentido da expansão normal e prevista da cidade. Não senhor! O plano de urbanização, que levou uma eternidade a ser aprovado, não consente o bairro dos pobres senão em sítio oposto ao prolongamento da cidade e a uns 200 metros do sanatório. Uma espécie de gafaria para pobres. Como se fosse culpa de alguém ser pobre e não houvesse necessidade de que essas habitações tivessem luz e ar e fossem risonhas.

E o plano de urbanização não permitiu que se construísse o bairro no local indicado pela Câmara porque vai lá ser plantada uma mata! Mata que não existe, nem sequer pintada, no tal plano de urbanização. Há por lá quem diga que a mata é para criação do veados... Como consequência de tudo isto, a comparticipação não aparece. Esta é a comparticipação abusiva nas suas exigências técnicas.

E por último, Sr. Presidente, para não fatigar a Assembleia:

Está a fazer-se há mais de quatro anos a pavimentação dum pequeno largo fronteiro à Sé Catedral. A obra é feita em regime de comparticipação, e sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, quanto custam os escassos pouco mais de 1:000 metros quadrados do referido largo? Mais de 400 contos!

E para cúmulo fica o belo edifício da Sé, que é monumento nacional, enterrado mais de 1 metro numa das suas fachadas laterais. Esta é a comparticipação caríssima, incompetente e criminosa.

Creio, Sr. Presidente, que estes exemplos, e não são só estes os que sucedem em Portalegre, me levam a admitir que há erro de método na aplicação do esplêndido princípio da comparticipação. E é me grato referir nesta tribuna que sempre recebi da parte do Governo as maiores facilidades, todas as informações e os melhores desejos de concertar.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Outro tanto não poderei dizer de algumas tribunecas onde pontificam sectores da Administração que se supõem donos deste País e que eu considero responsáveis de muitos males que, propositadamente ou não, provocam com atitudes que não são aquelas que mais convêm ao bem público e que não estão nos hábitos dos que superiormente comandam e dirigem os destinos deste País.

O Sr. Carlos Borges: - Tribunecas não quer dizer tribunais, pois não?

O Orador: - Não, senhor. São certas repartições públicas ...

Como corolário das minhas considerações tencionava mandar para a Mesa uma moção, mas como sei que no final do debato o Sr. Deputado Mendes do Amaral apresentará uma moção, cujo texto me satisfaz inteiramente, desisto de enviar a minha.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Luis Teotónio Pereira: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que comece por felicitar o ilustre Deputado Sr. Rocha Paris por ter trazido a esta Assembleia um assunto de interesse tão palpitante e sério, se o encararmos no seu aspecto político.

Li há poucos dias que mais de 80 por cento da população portuguesa vive fora das cidades, isto é, nas vilas e aldeias. Para a maior parte dessa gente o Governo é a câmara municipal, é esse o departamento da Administração com o qual estão mais em contacto. E que ideia poderá essa parte da população fazer da administração pública, olhando-a através das ruas esburacadas das suas vilas, dos caminhos intransitáveis das suas aldeias, das fontes sem torneiras, das obras por concluir, das imundícies acumuladas por toda a parte e tudo o mais que chama a nossa atenção quando visitamos muitas dessas localidades ?

E tudo isto, Sr. Presidente, porque o Código Administrativo actualmente em vigor e a legislação especial que tem sido publicada vieram agravar ainda mais esta situação.

Fui presidente da Câmara Municipal de Almada durante cerca de quatro anos. Lembro-me de que dias antes de tomar posse do lugar encontrei um funcionário daquela Câmara, já falecido por sinal, homem muito culto e sabedor, que, depois de trocar comigo algumas palavras amáveis, me disso: e o senhor não pode fazer nada. Ninguém pode fazer nada. Há o Código Administrativo".

Isto foi assim mesmo. Eu tinha conhecido o Código Administrativo no seu período de incubação, quando Procurador à Câmara Corporativa, quando ele foi apreciado pela secção de que fazia parte, mas depois a minha atenção foi desviada para outros assuntos, e eu não tinha mais pensado no Código Administrativo. Em breve, porém, verifiquei que nada tinham de exagero as palavras do antigo funcionário da Câmara; bastou-me para isso a elaboração do primeiro orçamento camarário a que tive de proceder.

A previsão das receitas é fácil, há para isso regras estabelecidas no Código Administrativo, mas se fiz isso sem preocupação no primeiro ano já o mesmo não sucedeu no segundo. Tinha a experiência do que me havia sucedido no ano anterior com a recepção de ofícios de determinados organismos responsáveis, como agora se diz, e concebidos pouco mais ou menos nos seguintes termos: "Para os devidos efeitos comunica-se que no mês de tal o gado a abater não poderá ser em quantidade superior a 50 ou 30 por cento do abatido em igual

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mês do ano anterior". Eu talvez não devesse dizê-lo nesta tribuna, mas a verdade é que nem sempre fazia muito caso disso.

O Sr. Melo Machado: - As vezes não se pode deixar de fazer caso.

O Orador: - Eu precisava que a Câmara realizasse as suas receitas e não podia vô-las diminuídas.

O Sr. Melo Machado: -V. Ex.ª era também responsável pela alimentação da população.

O Orador: - Mas a verdadeira tragédia era quando se elaborava o orçamento das despesas. Trago aqui o Código Administrativo e vou lembrar a V. Ex.ª quais são as despesas obrigatórias.

Temos em primeiro lugar vencimentos e salários do pessoal. Disse ontem aqui o Sr. Dr. Melo Machado que presidia u uma câmara que não chega a gastar 00 por cento da verba. Eu, infelizmente, bem ao contrário, presidi à câmara de um concelho que é urbanizado quase de extremo a extremo -a Câmara de Almada -, e bastava ter um varredor com a respectiva carroça do lixo em cada zona para se me irem embora os 50 por cento. Mas, enfim, lá se faziam as contas e eu não excedia os 50 por cento, mas com muito custo.

Mas, prosseguindo: vêm depois os encargos de empréstimos legalmente constituídos. Diz também o Código Administrativo que os encargos desses empréstimos não podem exceder 20 por cento da receita arrecadada no ano anterior. Eu achei-me logo perante o problema das águas. Hoje esse problema já está resolvido, mas no meu tempo não estava. Devo dizer que no meu tempo também lutei bastante para que os encargos desse empréstimo não fossem compreendidos nos 20 por cento.

Como seria possível realizar essa obra, orçada em mais de uma dezena de milhar de contos, dentro de um tal critério?

Mas, além disso, há um caso grave, que é o de enquanto as obras não estiverem concluídas os encargos dos empréstimos a realizar para a sua efectivação terem de ser suportados pelas receitas ordinárias da câmara.

Calcule-se, portanto, a dificuldade de realizar obras de tal vulto, embora o Estado as comparticipe em 50 por cento.

Devo também dizer que, como já aqui referiu o orador que me antecedeu, não concordo com a obrigatoriedade de as câmaras pagarem as despesas resultantes da reparação de edifícios destinados aos tribunais. Não compreendo realmente porque deverão ser os municípios a satisfazer essas despesas e ainda as de instalação, pagamento do rondas, mobiliário, água e luz das repartições de finanças.

O Sr. Melo Machado: - Ainda se fossem razoáveis; mas exigem condições luxuosas.

O Orador: - Temos também as despesas com rendas, instalação, mobiliário, água, luz e material didáctico para as escolas primárias. Estão V. Ex.ªs vendo a situação que se cria às câmaras com a construção das escolas do Plano dos Centenários.

As despesas com instalação o vencimentos dos carcereiros ...

O Sr. Melo Machado: - Essa questão dos carcereiros é curiosa. Não percebo porque é que as câmaras municipais hão-de pagar os seus vencimentos e agora os seus fardamentos.

O Orador: - ... além disso temos a construção de cadeias, em comparticipação com o Estado, o que obriga as câmaras a pagarem o que excede a comparticipação.

Tenho aqui o Diário do Governo onde vem publicado o decreto n.º 33:258, que prevê a construção de vários bairros de casas económicas em Lisboa, Porto e Almada, e onde se diz:

Por falta de determinações legais concretas, tem surgido o problema de se saber a quem compete a conservação dos arruamentos e logradouros comuns dos agrupamentos de casas económicas. É esse aspecto definitivamente estabelecido no presente diploma : todos os agrupamentos de casas económicas são integrados nas zonas municipalizadas dos respectivos concelhos e às câmaras municipais competirá deles cuidar como cuidam da restante área sob a sua jurisdição.

Temos, assim, mais encargos, sem qualquer contrapartida nas receitas, e para uma câmara que já não sabe como satisfazer os que tem com as ruas existentes.

Tantas coisas têm sido aqui ditas sobre os encargos impostos às câmaras que me parece ser desnecessário alongar-me mais.

Depois do que acabo de expor não é de estranhar que cada vez se torne mais difícil encontrar quem queira presidir às câmaras municipais e que para esse efeito se tenha já tido que recorrer, em grande parte, ao funcionalismo civil e militar.

É possível que o municipalismo, que tão grande significado teve no passado o que tanta influência exerceu na formação do carácter português, já tenha feito a sua época e que, portanto, já se não possa restaurá-lo e que, pelo contrário, se tenha de caminhar para uma centralização cada vez maior.

Falta-mo a competência para dizer se assim é, mas sobeja-me a experiência para afirmar que as coisas tal como estão se não poderão manter sem agravamento rio desprestígio que daí está resultando para o Estado.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ricardo Spratley:-Sr. Presidente: embora já tenha tido a honra de falar várias vezes nesta Assembleia, é contudo a primeira vez que o faço em assunto da ordem do dia e, por isso, as minhas primeiras palavras pronunciados do alto desta tribuna serão de homenagem, de respeito e da mais alta consideração por V. ex.ª, fazendo-o, não como um dever de pragmática, mas como imperativo da minha consciência, visto que sinceramente o sinto.

E, ditas estas singelas palavras a V. Ex.ª, peço dispensa de me alongar em mais cumprimentos, dado o meu deliberado intento de ser o mais breve e conciso possível, poupando igualmente aos meus ilustres colegas desta Assembleia a perda de tempo que ultrapasse os minutos necessários para a afirmação, que também daqui lhes faço, dos meus propósitos de devotada cooperação e leal camaradagem.

A finalidade do aviso prévio do Sr. Deputado Rocha Paris foi, por certo, e nos termos do preceituado no artigo 49.º do Regimento desta Assembleia, a de "sugerir ao governo a conveniência de legislar sobre determinadas aspirações ou necessidades" e no caso sujeito, logicamente, no sentido de uma modificação do regime municipal ou das relações entre o Poder Central e os municípios.

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O assunto encontra-se já largamente versado pelos oradores que mo procederam e, como se não trata agora d a apreciação, em minúcia, do articulado de uma lei, nem mesmo das suas bases, poderá entender-se que, nesta altura da discussão e em matéria de sugestão ao Governo, esta Câmara se terá já suficientemente manifestado.

Existe, porém, um aspecto da questão que aqui foi nitidamente focado com a autoridade e o «saber de experiência feitos» do ilustre Deputado Dr. Mendes Correia e que julgo do meu dever vir comprovar com os resultados da minha própria experiência.

Reporto-me à alusão feita ao sistema de directores de serviços na orgânica das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto, implantado pelo actual Código Administrativo.

Disse aquele nosso ilustre colega que pela criação daquele sistema supusera ele inicialmente que o desempenho de tais funções em cargo de confiança pessoal e directa dos presidentes das Câmaras de Lisboa e Porto ficaria circunscrito ao período de actuação de cada presidente, tal como acontece com os chefes de Gabinete dos Ministros ou, para citar exemplo ainda mais recente votado por esta Câmara, com o que se passa com os secretários gerais dos governadores d-.: províncias ultramarinas.

O que se deu, porém, neste caso é que tais cargos se converteram em situações vitalícias e absolutamente burocratizadas, passando os directores de serviços das Câmaras de Lisboa e Porto à equivalência de directores gerais dos Ministérios.

Ora, não venho para aqui (nem isso interessa, sequer, à sequência do meu raciocínio) discutir qual dos sistemas é o mais conveniente, visto que há, certamente, prós e contras, e sobretudo porque os vários departamentos municipais tem. em qualquer hipótese, de ser, como é óbvio, chefiados hierarquicamente. Portanto, quer com o nome de director de serviço, quer com outro qualquer, alguém tem de existir que chefe os diversos sectores da actividade municipal. E digo isto para tranquilidade daqueles que desempenham tais cargos.

Mas é nesta altura das minhas considerações que surge um aspecto que desejo vincar no espírito da V. Ex.ª e que é o da falta de autoridade e de prestígio em que dentro de semelhante orgânica se encontram os vereadores, precisamente aquelas individualidades directamente eleitas pelos interesses municipalistas. quando todas as outras silo de nomeação do Poder Central.

Eles, os vereadores, passaram a ser uns simples conselheiros municipais, que reúnem umas doze vezes por ano e que, entre uma sessão e outra, perdem todo o contacto com a efectivação das resoluções tomadas! E, por maior que seja o seu interesse, a sua dedicação e o seu entusiasmo pela causa que servem é pelas soluções adequadas aos múltiplos problemas da vida de uma graúdo cidade, sentem-se ilaqueados e desmoralizados pela situação em que o Código Administrativo os colocou!

A orgânica da administração municipal das duas grandes cidades da metrópole assenta, como se sabe, no sistema presidencialista.

O critério a que esta organização obedeceu foi o de conceder ao presidente amplos poderes para agir à vontade o realizar sem peias as obras e melhoramentos urbanísticos de que os nossos dois grandes núcleos populacionais muito careciam a para, cada um dentro da sua esfera própria, acertarem o passo com o progresso material das cidades congéneres estrangeiras.

Ora, para falar com toda a franqueza, afigura-se-me que o sistema deu pleno resultado em Lisboa e não o deu no Porto. E porquê?

Porque, se é curto que no Porto se fez uma magnífica obra de municipalização dos serviços de interesse público, com incontestáveis resultados benéficos para a população da cidade, como os de exploração do gás e electricidade, águas e saneamento e ainda recentemente os dos transportes colectivos, essa circunstância obriga o presidente a uma dispersão de trabalho, canseiras e preocupações, presidindo a outros tantos conselhos de administração desses serviços e desviando forçosamente a sua atenção da efectivação das grandes obras de urbanização de que o Porto tanto carece.

O Sr. Mendes Correia (interrompendo): - Mas o presidente pode delegar a presidência desses conselhos e não é obrigado a ir lá.

O Orador: - Perfeitamente.

Se a todos aqueles trabalhos e ao volumoso expediente, que exige longo despacho e frequentes conferencias, acrescentarmos as funções de representação numa cidade onde existem sómente três ou quatro autoridades representativas, constantemente solicitadas a presidir ou tomar parte em solenidades públicas ou reuniões de outra natureza (quando na capital tudo isso se dilui por numerosas entidades oficiais), ter-se-á uma ligeira ideia do esforço verdadeiramente esgotante exigido ao presidente da municipalidade portuense.

Não se veja nestas minhas palavras o mais leve vislumbre de crítica à actuação pessoal de qualquer dos três presidentes da Câmara Municipal do Porto com quem tive a honra de servir. Aquele esforço a que atrás me referi dá-o magnificamente, e com a abnegação mais admirável, o professor Dr. Luís de Pina, a quem, como Deputado e como munícipe do Porto, rendo o preito da minha profunda admiração e da minha sincera estima.

Mas nem por isso deixa de existir o problema; o as tendências são para que ele cada vez se agrave mais.

Se olharmos para trás e investigarmos como as coisas se passaram no Porto nestes últimos trinta anos, verificaremos que, em matéria de melhoramentos urbanísticos, aqueles que lograram realizar-se foram-no pela força do espírito de iniciativa e do dinamismo pessoal dos vereadores do pelouro das obras, quer no caso da profunda remodelação do centro da cidade, feita por Elísio Melo, quer no conjunto das realizações das câmaras militares desta situação política durante o tempo em que subsistiu o regime de pelouros.

Peço muita desculpa a V. Ex.ª, Sr. Presidente e meus senhores, de ter de falar agora um pouco da minha pessoa, porque fui educado a considerar isso uma atitude, senão impertinente, pelo menos bastante deselegante.

Mas, como tenho de comprovar o meu asserto, vejo-mo forçado a contar a V. Ex.ª que há muitos anos tenho acompanhado em livros, revistas e viagens a vários países da Europa esse portentoso movimento que sob o nome de urbanização e de urbanística se tem desenvolvido no estrangeiro e também no nosso País, interessando-me com paixão e entusiasmo pelos múltiplos problemas da estética, da habitação, dos transportes e do progresso material das cidades.

Esta faceta do meu espírito, aliada ao grande amor pela terra que me foi berço, levou-me a criar a doce e ingénua ilusão de poder realizar alguns desses ambicionados melhoramentos na altura em que me foi oferecida a oportunidade de aceitar uma candidatura de vereador da câmara no Município do Porto para o quadriénio de 1942-1945. Uma vez eleito, acompanhei a actividade municipal com o maior carinho e devoção bairrista, quanto pude e soube, durante quatro anos, em que não faltei a uma única sessão realizada, em que repetidas vezes intervim, tanto interna como publicamente, no sentido de

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obter soluções práticas para os diversos problemas urbanísticos do Porto.

Relevem-me V. Ex.ªs a imodéstia de julgar que uma ou outra coisa de útil consegui realizar e uma ou outra coisa menos recomendável consegui evitar.

Mas tudo isso foi nada, foi zero, em relação ao que eu ingenuamente julguei poder fazer; e a razão é que, sem desprimor para qualquer dos altos funcionários municipais, de quem pessoalmente muitas atenções recebi, sempre mo senti, como vereador, com uma grande falta de autoridade legal para poder intervir eficazmente nos serviços, nomeadamente no gabinete do plano de urbanização, para poder instigar a efectivação de melhoramentos por vezes até aceites e aprovados em sessão pública mas que por circunstâncias várias e muitas vezes desconhecidas dos vereadores não se conseguia ver realizados!

Não é este o lugar para entrar em mais pormenores do que no caso do Município do Porto houvera de ser feito e até agora se não fez. Acrescentarei apenas que de muitos casos de apatia e falta de realizações não é positivamente o Governo o verdadeiro culpado.

Não venho aqui, com estas minhas observações, advogar a ressurreição pura e simples dos antigos pelouros, ou, pelo menos, de todos os antigos pelouros, mesmo porque os serviços se intensificaram e complicaram de tal maneira, como muito bem aqui exemplificou o Sr. Deputado Melo Machado, que não seria hoje fácil encontrar um vereador eleito servindo sem qualquer remuneração e disposto a abandonar inteiramente os seus interesses particulares e até o seu ganha-pão para se dedicar quotidianamente à ingrata missão de velar pelos interesses dos seus conterrâneos nos vários sectores da actividade municipal.

Mas dai a limitar a função dos vereadores das Câmaras de Lisboa e Porto, sobretudo em matéria de obras e melhoramentos, a pouco mais do que uma simples acção de presença e votação sómente uma vez por mos, sem poderes para intervir ulteriormente no seio das repartições para a efectivação das deliberações tomadas em sessão pública, vai uma grande distância, que é preciso eliminar com a concessão de um papel mais eficiente ao cargo de vereador.

Encontro-me perfeitamente à vontade para fazer aqui esta sugestão, porquanto não tenho actualmente a honra de pertencer á vereação do Município do Porto.

É até muito possível que as coisas em Lisboa, com a Câmara Municipal a dois passos dos Ministérios, se passem de diferente forma; creio mesmo que assim seja, a ajuizar pelas excelentes realizações citadinas, aí bem patentes à vista de todos.

Mas o Porto - longe do Terreiro do Paço - carece, indubitavelmente, de um regime próprio ou de umas disposições a inserir no Código Administrativo mais adequadas às circunstâncias peculiares do seu meio, pelas quais se vejam reforçados o prestígio e acção intervencionista dos seus vereadores.

E esta a sugestão que, fruto da minha observação e experiência, tenho a honra de submeter à apreciação do Governo, para ser levada em linha de conta na indispensável remodelação do actual regime dos municípios.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será no dia 21 do corrente, com a mesma ordem do dia de hoje, ou seja a continuação do debate deste aviso prévio e, possivelmente, o inicio da discussão da proposta de lei de reforma do ensino técnico e profissional.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Cruz.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Jorge Botelho Moniz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Soares da Fonseca.
Manuel Maria Múrias Júnior.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Fernão Couceiro da Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Manuel Marques Teixeira.
Mário de Figueiredo.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

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