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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77
ANO DE 1947 23 DE JANEIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 77 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 22 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr.. Deputado Armando Cândido agradeceu ao Governo a concessão da comparticipação do 6:500.000$ para a primeira, fase da construção da avenida litoral de Ponta Delgada.
O Sr. Deputado Henrique Galvão apresentou um aviso prévio sobre o problema da coordenação dos elementos da economia imperial.
Ordem do dia. - Começou a discussão na generalidade da proposta de lei de reforma do ensino técnico profissional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Marques de Carvalho, Sousa Pinto, Ribeiro Casaes e Moura Relvas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 1ô horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
António de Almeida.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiros Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Ba gorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
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José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Luis da Silva Dias.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penal vá Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estilo presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o
Expediente Telegramas
De apoio à representação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, publicada no Diário das Sessões n.º 74, e subscritos por: Grémios dos Industriais de Lanifícios do Norte e do Castanheira de Pera, secção do malhas do Grémio do Norte, Lanifícia do Outeiro, Limitada, Cristiano Cabral Nunes, João Espiga & C.ª, António Vitória, Alberto da Incarnação Coulho, António Matias Baptista & Irmão, José Alves Bebiano Sucessor, Limitada, J. B. Terenas, Filhos, Limitada, Borges Teresas e Irmão, Álvaro de Moura, Amândio Morais, Francisco Moreira Fazenda, José Almeida Cavaca Júnior, Correia e Freire, Francisco Pereira Barata & C.ª, Empresa Industrial de Tortosendo, Limita-la, Rodrigo de Carvalho, Joaquim Espiga, Sucessores, António Rodrigues Jota, Industriais de Lanifícios de Manteigas, Sociedade de Lanifícios de Tortosendo, Limitada, Cruz Fazenda & Sobrinho, Limitada, e Adelino Gonçalves Estêvão.
De Brito Tavares, de Estremoz, apoiando o aviso prévio do Sr. Deputado Figueiros Rego sobre o problema das lãs.
De numerosos diplomados poios institutos industriais secundando a representação entregue pelo Sindicato Nacional da sua classe quanto a facilidades de admissão nas escolas superiores o ao professorado o à designação profissional conformo a legislação do 1903.
Exposição
De diversos licenciados em Ciências Físico-Químicas pela Universidade do Porto suscitando que a licenciatura em Ciências Fisico-Químicas seja a exigida, por mais indicada, para o desempenho da função de professor das disciplinas de Física e de Química nas escolas técnicas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: louvo com gosto e castigo com desgosto. Mas tenho a coragem de ser justo. Está nisto muito da minha maneira de ser. Não guardo as explosões da sinceridade e tão depressa me chegam à boca o sabor de um elogio como o travo de uma censura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é assim que se constrói?
Não é mostrando o provando a consciência?
Sr. Presidente: há um ano entrei nesta Casa com a mesma inquietação que poderia ter o homem que levasse para um mundo novo os anseios deste em que vivemos. Uma certeza me erguia num raio de esperança: outros transportavam o mesmo sobressalto, a mesma sede, e eu viria encontrá-los aqui, irmanados pelos mesmos propósitos de trabalho e de luta.
Andaria eu de modo a medir-me com a dignidade dos assuntos e das pessoas?
Deu o primeiro passo com duas aspirações da minha terra: a avenida litoral do Ponta Delgada e as obras do Salto do Fojo.
Sentia atrás de mim a muralha de muitos corações como o meu e a voz, essa voz que ou viram, devia ter sido a minha mais a da gente do S. Miguel, tanto juntei a razão de falar o direito de pedir. E, honra seja, falámos todos, pedimos todos.
Não sei só depois a confiança abandonou alguns. Afirmando que o homem é o ser da criação que mais facilmente se fatiga e enfada, um alto espírito pôs em contraste as árvores centenárias, que em cada Primavera se renovam, e a nossa vida interior, por Índole, precária e mortal.
Também as aspirações quando chegam a velhas contam a dobrar. Eu próprio peguei na demora e tornei a maior. Mas nunca duvidai, nunca receei. Desde que o Sr. Subsecretário de Estado das Obras Públicas passou pelo meu distrito, tocando na verdade do solo, sem uma sombra de cansaço, sem uma paragem de desânimo, logo entendi a sua firme intenção, o seu hábito de ver para conhecer e de estudar para resolver.
Vozes: - Muito bem!
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as suas tarefas, e que, ao findar desta, sensibilizou os Deputados de Ponta Delgada quando quis ter para com eles a inesquecível gentileza de lhes comunicar a grande nova.
Sr. Presidente: perguntado certo filósofo sobre qual era a coisa que mais depressa envelhecia nos homens, respondeu: as lembranças dos benefícios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ponta Delgada recebeu um enorme beneficio. Não haverá, estou certo, quem o negue. Seria arrancar uma estrela ao seu pedaço de céu.
A cidade vai transformar-se para muito melhor, e este é o marco que há-de nela ficar como um sopro de luz lavrado no tempo.
O povo da minha terra, o povo do meu distrito, é nativamente são, nativamente bom. Ele e nós, que somos dele e por elo, agradecemos ao Governo o grande bem que nos foz. A gratidão, nestes peitos, não é a "virtude da posteridade", é uma virtude sempre presente, sempre viva. Agradecemos, sim, ao Governo.
Ficam necessidades em aberto, lá essa do Salto do Fojo, cada vez maior, cada vez mais aflitiva. Durante o último ano avolumaram se os perigos e os destroços sobre o lindo Vale das Furnas. Nos pontos mais expostos chegaram alguns habitantes, por mais de uma vez, a abandonar as suas casas, que foram invadidas pelas águas.
Sr. Presidente: dirigentes que pensam tão devotadamente e realizam tão honestamente são os maiores quinhoeiros dos sacrifícios pelo ideal. Isto basta para acreditarmos na utilidade do nosso sacrifício, deste sacrifício de esperar mais uma hora pela outra obra que requeremos, polo outro benefício que desejamos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte aviso prévio:
Nos termos do artigo 49.º do Regimento, declaro desejar tratar em aviso prévio o problema da coordenação dos elementos da economia imperial e, em especial, a orgânica, o funcionamento e a acção do sistema criado para a realizar.
Demonstrarei que as providências que constituíram este sistema e as complementares não só não alcançaram a coordenação desejada como também não impediram, antes contribuíram, de muitos pontos de vista, para a situação confusa de descoordenação económica em que actualmente se vive no conjunto imperial.
Mostrarei quanto a falta evidente de coordenação económica tem contribuído para a alta dos preços na metrópole e nas colónias.
Salientarei o facto de não existir - dominando o conjunto da economia imperial e rompendo uma comunicação entre os dois compartimentos estanques da nau económica que são as esferas de acção dos Ministérios da Economia e das Colónias - nem uma política que exceda o enunciado dos princípios fundamentais, que, assim, se têm mantido inertes, quando não desvirtuados por acções que os negam, nem um poder orgânico praticamente constituído e orientado para realizar uma coordenação económica eficiente. Entre as próprias palavras de pensamento e ordem a este respeito escritas e pronunciadas, quer em textos legais imperativos, quer em diferentes documentos políticos, que pretenderam marcar directrizes, entre as próprias palavras e as realidades (algumas pungentes), não existe relação de causa para efeito ou da ordem para a execução, porque na verdade aquelas têm trazido intenções construtivas e estas exibem-se como imagens movimentadas de evidente descoordenação.
Explicarei por que motivos principais não alcançou o sistema instituído para realizar uma coordenação económica os seus fins - apesar das avultadissimas verbas de que tem disposto e que, arrancadas às possibilidades económicas dos produtos, a estes não têm regressado, como elementos que deviam ser para o alargamento dessas possibilidades. Mostrarei que a maior parte dessas verbas se consumiu em pura perda.
Exporei quanto ao estado de desorganização económica em que se encontra a produção colonial, com graves prejuízos para os produtores (especialmente os pequenos colonos e os indígenas) e para o consumidor metropolitano de baixo nível de vida, e apenas em proveito transitório de uma multidão, em parte parasitária, de intermediários, escalonados até ao inverosímil, entre o produtor e o consumidor.
Finalmente, pedirei para ser esclarecido acerca dos motivos que têm retardado, após a conclusão do inquérito oficial realizado e concluído sobre a acção dos organismos de coordenação económica dependentes do Ministério das Colónias, as providências para a reorganização de um sistema que claramente se tem manifestado incapaz, descoordenador, burocratizado, confuso e excessivamente dispendioso.
Se V. Ex.ª, Sr. Presidente, em seu alto e esclarecido critério, entender que a melhor oportunidade para apresentação da matéria que constitui este aviso prévio se põe durante o debate que naturalmente se seguirá à apresentação das conclusões da comissão parlamentar de inquérito aos organismos corporativos, certamente não reclamarei outra.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Devo informar V. Ex.ª de que, tendo verificado a matéria do aviso prévio, me parece que a melhor oportunidade para a sua discussão será depois de ser apresentado o relatório sobre o inquérito aos elementos da organização corporativa.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão a proposta sobre a reforma do ensino técnico profissional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques de Carvalho, relator da Comissão de Educação Nacional.
O Sr. Marques de Carvalho: - Sr. Presidente: cabe-me, como relator da Comissão de Educação Nacional, abrir este debate na generalidade e apresentar as propostas de alteração ou de substituição que nas sessões de trabalhos foram aprovadas para serem presentes à apreciação da Assembleia. Durante a discussão na especialidade terei, por certo, ocasião de informar mais detalhadamente a Câmara das razões que determinaram a Comissão a propor essas alterações, norteada sempre, esclareça-se desde já, por um critério essencialmente pedagógico. À luz de tal critério, teria sido preferível que o Governo mandasse a esta Câmara, não uma reforma geral do ensino, porque a supomos inviável, mas um esquema de conjunto nos seus diversos graus e ramos, estudada convenientemente a sua interpenetração, evitadas dispendiosas e inúteis duplicações, eliminadas zonas parasitárias e determinados com rigor os objectivos específicos de cada sector docente, em ordem à sua
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integração no grande objectivo da elevação cultural do povo português.
Quando o nosso ilustre colega Prof. Sousa Pinto foi Ministro da Instrução nomeou uma comissão encarregada de organizar o esquema geral do ensino em Portugal. Eu tive a honra de fazer parte desse organismo, mas, talvez por ser muito numeroso e porque faltasse depois a necessária continuidade nas directrizes do Governo, a sua acção malogrou-se.
Era, no entanto -parece-me hoje, a visão mais acertada das coisas aquela que presidiu à instalação dessa corporação de professores de todos os graus e ramos, com vista à instituição do que poderíamos chamar a Carta do Ensino. !Sem esse diploma, e considerado o ensino em toda a plenitude, pela sua conveniente e constante inserção em objectivos de educação nacional, não terá a nossa Revolução atingido o tini que se propôs, pois desde início se apresentou como residindo na conquista de uma mentalidade nova a verdadeira batalha pela ressurreição de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Era este o meu pensamento ao anunciar aqui em tempos um aviso prévio sobre "Política do ensino no Governo da Revolução Nacional", que, já agora, em face desta reforma e de outras que se anuncia virem a ser enviadas a esta Câmara, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se digne reservar para o próximo período legislativo.
Tendo preferido o Governo o método das reformas parcelares, cumpre-nos apreciá-las e introduzir-lhes as correcções que, em nosso entender, conduzirão a aumentar-lhes a eficiência ou a suprimir-lhes os inconvenientes.
Sendo, como disse, mais grato ao nosso espirito a análise de um esquema de conjunto, nem por isso poderemos dizer, no entanto, que o Governo seguiu o pior método. Já Léon Berard, no seu discurso célebre ao Conselho Superior de Instrução Pública de 15 de Janeiro de 1923, afirmava:
Há melhorias que não temos o direito de adiar sob o pretexto de que há coisas mais profundas a empreender. Seria condenarmo-nos voluntariamente a não fazer nada o subordinarmos tudo a reformas totais e profundas, cuja hora em que chegam ninguém poderá prever.
E Gustave lê Bon, na clássica Psychologie de l'Education dizia:
As reformas em bloco são absolutamente sem valor, e, quando um tirano as impusesse pela força, elas não poderiam durar, porque, para que pudessem manter-se, seria preciso reformar ao mesmo tempo a alma dos professores, a dos pais e a dos alunos. É preciso por de parte todos os pomposos projectos de reforma radical e não os considerar senão como uma inútil fraseologia.
Aceite assim como bom o método do Governo e aguardando que outras reformas parcelares venham a ser submetidas à nossa apreciação, seriadas devidamente, em ordem à construção de um conjunto harmónico, não se deixa, ainda assim, de formular reservas quanto ao processo.
É que, Sr. Presidente, a proposta de lei n.º 99 não é sequer uma reforma do ensino técnico, uma vez que exclui o grau superior, que tanto conviria, num ou noutro aspecto, pelo menos, considerar em conjunto com o elementar e médio. É verdade que o Governo lhe chama reforma do ensino técnico profissional, mas o ensino técnico superior não deixa de ser também profissional, e é assim que na proposta afloram nítidos certos pontos de fricção entre os limites profissionais dos diferentes graus de ensino. Outra falha inconveniente é ficar por definir, em face de uma reforma de ensino técnico, o ensino da arquitectura. É do nível do dos engenheiros ou do dos agentes técnicos ? Deixa de ser ensino técnico para ser antes ensino artístico ou entende-se que é ensino clássico?
Feitas tais reservas, porém, a proposta de lei n.º 99, que o Governo submeteu ao debate da Assembleia, excede em muito o mero plano administrativo que pejorativamente lhe vimos atribuído e constitui mesmo um dos diplomas que comportam maior alcance entre todos os que têm sido postos à nossa apreciação.
É que, por um lado, o aspecto eminentemente popular deste ensino profissional, elementar e médio, assume especial relevância depois de aqui termos aprovado a lei n.º 2:005 -lei do fomento industrial-, votada na esperança de um surto decisivo na vida industrial do Pais.
Por outro lado, o simples facto de o Governo nos enviar esta proposta pressupõe a intenção de dotar largamente esse ensino.
Neste ponto, o parecer da Câmara Corporativa manifesta certos receios quanto à extensão das dotações destinadas às convenientes instalações e ao necessário apetrechamento.
Seria, de facto, preferível que do relatório, quando não das bases, constasse um índice por onde pudessem avaliar-se os propósitos do Governo; "um número, cuja unidade poderia ser, indiferentemente, a dezena de escolas, o milhar de alunos ou a dezena de milhar de contos".
Teria sido preferível, mas a presença aqui da proposta envolve por si só, mesmo nesse aspecto, valiosa afirmação programática. Se bem que a grande falta não tem sido de legislação. Tem sido antes da sua execução conveniente. Há perto de cem anos já, em 1852, Sr. Presidente, o Porto sempre na vanguarda nas coisas do trabalho- lançava, através da Associação Industrial Portuense, a primeira escola industrial do País, que só dois anos depois era oficializada pelo Governo, que dez anos mais tarde viria a transformá-la no Instituto Industrial e Comercial do Porto. O decreto-lei de 24 de Dezembro de 1864 que determinou essa transformação introduziu na legislação portuguesa é ensino industrial, sendo justo citar o nome de João Crisóstomo de Abreu e Sousa o Ministro que o referendou.
Os Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto foram instalados desde logo; porém, as escolas industriais elementares só vinte anos mais tarde viriam a instalar-se.
Em 1886, na legislação de Emídio Navarro, marca-se mais nitidamente ao ensino técnico o carácter profissional e em 30 de Dezembro desse ano é publicada a primeira organização geral do ensino industrial e comercial. Em 1888 eram publicados os regulamentos respectivos e logo contratados na Alemanha, Áustria, Suíça e Itália muitos professores para virem exercer o ensino, sobretudo do Desenho, que entre nós se mantinha em lamentável atraso.
Em toda essa legislação é marcada às escolas industriais, nos seus diversos tipos, como finalidade única o desenvolvimento e melhor rendimento das indústrias. Foi em 1891, e em 1893 com a legislação de João Franco, que pela primeira vez se aponta a essas escolas uma nova finalidade de intenção acentuadamente social, como tão lucidamente o fez notar, em notabilíssimo relatório ao Ministro do Fomento, em Abril de 1911 o inspector António Arroio
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Essa intenção social, Sr. Presidente, ressalta nítida das seguintes proposições:
o) Iniciar a instrução de aprendizes nos diferentes ofícios, preparando o estabelecimento do ensino corporativo livre, que compete moralmente às associações de classe;
ô) Promover a organização de cursos elementares profissionais das pequenas indústrias locais, ligando o ensino manual com o da escola primária.
O Porto, Sr. Presidente, mais uma vez seria o primeiro a acorrer à chamada, e logo a sua Associação Comercial instituía a primeira escola comercial do País.
Com essa legislação de João Franco, apresentavam-se, a meu ver, Sr. Presidente, os dados exactos do problema, pois o ensino popular generalizado, completando e dando o sentido do real aos elementos ministrados pela escola primária, deve ser, de facto, o primeiro grande objectivo.
Seguiram-se depois, ata hoje, várias reformas, sendo a de mais vulto, no ponto de vista da orgânica, a de 1918, sob o Governo de Sidónio Pais. Em nenhuma delas, porém, houve alterações sensíveis nos grandes princípios informadores já definidos.
A presente proposta acentua a intenção social apontada nas proposições da legislação de 1891.
E é assim que, não querendo de qualquer forma minimizar a importância das naturais sequências técnicas dos ciclos de estudos seguintes, considero, na hierarquização dos objectivos, que é no ciclo preparatório por ela criado e na sua larga difusão pelo Pais que estará, no ponto de vista pedagógico em que me coloco, a sua maior projecção.
Mais do que primeiro grau de qualquer ensino técnico ulterior, eu quereria que esse ciclo preparatório, actuando como ensino primário de continuação, constituísse o mínimo de cultura a ministrar obrigatoriamente a todos os portugueses.
Depois, então, a preparação profissional, e neste sector têm de juntar-se ao Estado os esforços da indústria e do comercio, como primeiros interessados na valorização das suas actividades.
Quanto à indústria, sobretudo, aparece-nos apontado no relatório da Câmara Corporativa qualquer coisa que conduz ao circulo vicioso: sem ensino técnico não haverá indústria próspera, mas sem indústria desenvolvida não haverá, também, lugar para aquele ensino. Não vejo as coisas inteiramente assim, porque, mesmo desligado da sequência natural na indústria, o ensino técnico, como método de utilização do trabalho-centro de interesse, teria sempre lugar no quadro da acção educativa. Mas não ha dúvida de que a oportunidade da presente reforma avulta, ao considerá-la em ligação estreita com a lei de fomento industrial que aqui aprovámos e de que parece apresentar-se como natural complemento.
Desde que o liberalismo, em nome da libertação do operário, destruiu os vínculos corporativos que o ligavam ao patrão e ao capital, condenava-se o Estado a si próprio a assumir, íntegra, a obrigação da educação profissional. Apesar de legislação vária nesse sentido, bem mal o fez, entre nós e por toda a parte, o Estado liberal. A definição de pretensos direitos políticos sobrepôs-se, nos regimes liberais, à do direito ao trabalho, esse direito que vimos proclamado num discurso de Salazar muito antes de aparecer como pedra angular do apregoado plano Beveridge.
É de facto, Sr. Presidente, depois dos direitos da alma, o primeiro dos direitos e comporta, como ampliação lógica, o direito ao ensino que desenvolva e dê todas as virtualidades às aptidões naturais.
É, assim, Sr. Presidente, que nos aparece cheia de interesse a presente proposta de lei. Baseia-se num estudo aturado e em pormenorizados inquéritos feitos por
uma comissão nomeada pelo nosso eminente colega Professor Mário de Figueiredo, aquando da sua notável passagem pelo Ministério da Educação Nacional.
Uma das inovações da proposta é, como já disse, a criação de um ciclo preparatório, intermédio plástico entre a instrução primária e os cursos profissionais, para o qual se antevê, no relatório do diploma, que possa vir a desempenhar a função de "vestíbulo de acesso a todas as escolas secundárias". Na parte relativa ao ensino liceal, que eu quereria ver sempre na sua feição de formação cultural desinteressada, não me entusiasma demasiadamente a profecia.
A generalização, porém, desse ciclo preparatório, como natural ampliação do ensino primário, constituindo mesmo para os que não se destinam a qualquer ensino ulterior uma verdadeira aprendizagem pré-profissional, justificará, só por si, se vier a verificar-se, a presente proposta de lei.
São também criados os "cursos complementares de aprendizagem", pelos quais se ministrar,-! ensino escolar diurno a aprendizes empregados em regime de part-time. O êxito destes cursos dependerá, sobretudo, da boa compreensão que as entidades patronais vierem a manifestar quanto a esta forma que se lhes abre de servirem o interesse nacional.
Os cursos nocturnos ficarão, assim, para o ensino de aperfeiçoamento, a ministrar a alunos já empregados em full-time, mas que, assim mesmo, e com a Uberdade de escolherem as matérias em que pretendam aperfeiçoar-se, terão à sua disposição a escola. Parece-me que sem uma qualificação profissional baseada em provas, qualificação que legalmente imponha no seio da profissão melhoria nas remunerações do trabalho, dificilmente o simples desejo de aperfeiçoamento atrairá à escola.
O caso já é diferente em relação aos cursos de mestrança; estes cursos com orgânica rígida- conduzindo a uma natural qualificação no seio da empresa, sobretudo se, como se prevê, for esta mesma a designar os candidatos à frequência.
Mantém-se a organização dos institutos médios industrial e comercial. Quanto ao industrial, mais ou menos na sua actual estrutura e nível cientifico, apenas se enuncia no relatório a necessidade de "sereia beneficiados no que respeita a trabalhos de aplicação e de laboratório e a exercícios oficinas". No entanto prevê a criação de cursos de aperfeiçoamento e cursos de especialização, para além dos normais "cursos de base".
O princípio é de aplaudir, mas não deixa de se ver nestes cursos de especialização dos agentes técnicos o inconveniente de aproximar tanto a duração dos currículos de estudos, médio e superior, que dê mais acuidade, ainda, às velhas e tão discutidas aspirações de paridade de títulos.
Alude o parecer da Câmara Corporativa ao desacerto a que conduziria fazer mensurações com um metro de onze decímetros, a propósito de certos programas de cadeiras dos institutos médios em confronto com os das cadeiras homónimas dos cursos superiores.
A Comissão de Educação Nacional, louvando a criação dos cursos de aperfeiçoamento e especialização, exprime o receio de que, até por falta de instalações e apetrechamento, venha o tempo lectivo a ser tomado em entarta-mento de preparação teórica, o que acrescentaria, seguramente, àquele metro disforme mais um ou dois decímetros...
A proposta do Governo fixa para os diplomados com os cursos dos institutos industriais o titulo de agentes técnicos de engenharia, com o que concorda a Câmara Corporativa. A Comissão de Educação Nacional não fugiu ao estudo da questão, mas, colocado num ponto de vista essencialmente pedagógico e ponderando que entre nós o titulo de engenheiro envolve, para além da ideia
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dum título profissional a dum titulo académico, não encontrou razões para deixar de perfilhar o ponto de vista do Governo e da Câmara Corporativa, pois julga que diferente formação cultural deve conduzir a títulos académicos diferentes, por mais próximas que, num ponto ou noutro, possam estar as aptidões técnicas. Tanto mais que, pela base XIII, o acesso aos cursos de engenharia e, portanto, ao título de engenheiro seria facultado aos alunos dos institutos em termos razoáveis. Na regulamentação desta base parece, porém, justo que se prevejam também as condições de acesso aos cursos superiores de engenharia dos actuais diplomados.
Quanto aos institutos comerciais, aparece na proposta uma melhor definição da sua função, dirigida à formação de contabilistas, em termos que a Comissão de Educação Nacional aplaude. Igualmente aplaude a prescrição da entrada por exames de admissão para os cursos dos institutos industrial e comercial e a exigência do nível cultural do 2.º ciclo do curso dos liceus a atribuir a esses exames, entendendo-se ser o actual 2.º ciclo, e não outro, de menos currículo de estudos, que venha porventura a estabelecer-se em qualquer reforma de ensino liceal. É de facto esse o mínimo de cultura geral a exigir, e por mim acharia preferíveis quaisquer reduções nos cursos especiais a ver amputada a parte formativa da cultura geral. Por isso discordo formalmente, Sr. Presidente, do passo do parecer da Câmara Corporativa em que, não estando, aliás, em causa o ensino liceal, se lamenta o alargamento para seis anos do curso geral dos liceus.
A referência é feita entre parêntesis e apresenta-se desacompanhada de quaisquer argumentos ou razões, mas nem por isso deixa de ser perturbadora. Tenho responsabilidade" especiais nesse alargamento e tem-nas a Assembleia Nacional, pois resultou de lei aqui votada, cujo projecto tive a honra de apresentar e defender. Falando-se tanto de programas congestionados e da necessidade imperiosa de os aligeirar, e, por outro lado, ao percorrê-los, encontrando-se tão pouco que possa considerar-se dispensável para a cultura geral de um homem de hoje, não se vê em que se fundamente a sugestão dogmática de uma amputação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria um retrocesso lamentável! Por mim, formulo veementemente o voto de que não venha a verificar-se, e não deixo de fazê-lo com algum receio. É que, neste mesmo lugar, no último período legislativo da anterior legislatura, tive ocasião do marcar a mais viva discordância com o decreto-lei n.º 34:053, que, de chofre, sem base em qualquer inquérito ou estudo prévio, veio impor -também era relação com matéria básica aqui votada- disposições que considerei e considero de grave retrocesso.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-O decreto publicara-se em 21 de Outubro, um mês antes do abrir a Assembleia Nacional - apesar de não ser de invocar qualquer urgência, pois, tratando-se de exames, só se destinava a surtir efeito dez meses mais tarde.
Mas, Sr. Presidente, estas considerações não estão no âmbito do presente diploma o só se fizeram em função da citada alusão da Camará Corporativa.
Algumas das bases da proposta referem-se, Sr. Presidente, ao ensino agrícola, que assim aparece articulado na legislação, creio que pela primeira vez, com o ensino técnico, nos sons graus elementar e médio.
Como inovação, pretende-se utilizar os organismos de fomento e assistência técnica do Ministério da Economia que para tal efeito refinam as condições necessárias, a fim de instituir núcleos de ensino elementar agrícola a efectuar por brigadas, de preferência com carácter móvel.
A proposta prevê a colaboração dos professores de instrução primária pura a parte referente a matérias de preparação geral.
A Comissão do Educação Nacional aceita de um modo geral a inovação nos termos propostos. A Comissão de Economia, porém, julga preferível abstrair de qualquer preparação geral e, assim, prescindir da utilização dos professores de instrução primária, sendo esse ensino exclusivamente dirigido às práticas agrícolas.
Desses critérios diferentes resulta que onde o Governo propõe a utilização para esse ensino das épocas de mais moderada actividade agrícola - precisamente por estarem menos ocupados aqueles que terão de o aproveitar- quer a Comissão de Economia que se utilizem. as épocas próprias das diferentes fainas agrícolas, dado o carácter exclusivamente prático que lhe atribui.
Mantêm se os cursos de feitores e capatazes nas escolas práticas de agricultura, com precedência do ciclo preparatório geral. À Comissão de Educação parece mais aceitável destinar de preferência esses cursos de feitores e capatazes aos adultos, com dispensa do ciclo preparatório. Ter-se-ia, assim, uma analogia com os cursos de mestrança do ensino industrial.
De facto, os feitores e capatazes são, essencialmente, mestres do trabalho agrícola.
Às escolas de regentes agrícolas, de certo modo paralelas aos institutos médios industrial e comercial, tira-lhes a proposta a preparação liceal, embora mantenha dentro delas ensino dirigido à cultura geral, com o fim de dar a habilitação necessária para a admissão ao Instituto Superior de Agronomia e à Escola Superior de Medicina Veterinária.
A Comissão do Educação concorda em que se elimine o curso liceal, pois doutra forma, exclusivamente com a intenção desse curso, vários lugares das escolas seriam certamente ocupados em detrimento dos que buscam, de facto, o ensino agrícola. Preferiria porém que dos cinco anos do curso previstos para além do exame de admissão, de nível equivalente ao actual 1.º ciclo liceal, um deles, pelo menos, fosse ainda ocupado por ensino de cultura geral, que assim se ampliaria já em conveniente ambiente agrícola. Aceita-se também como caso normal a exclusividade do regime de internato e a idade máxima de 17 anos para o ingresso naquelas escolas.
Decidiu se, porém, a admitir ainda o regime de semi-internato para os candidatos de idade compreendida entre os 17 e os 20 anos.
Prescrevo a proposta como método geral de recrutamento docente a exigência normal de formação pedagógica para além dos cursos adequados a cada caso. A Comissão de Educação Nacional, aprovando o princípio, formula o voto de que a regulamentação se faça com largueza quanto a dotações para esse ensino normal, de que julga vir a depender em grande parte o êxiro da reforma.
Não havendo qualquer referência ao montante das propinas de frequência ou de, exame, a Comissão de Educação exprimo o voto de que sejam extremamente acessíveis, devendo talvez ser gratuito o ensino do ciclo preparatório, que se pretende venha a constituir um ensino popular generalizado. Aplaude o principio das bolsas de estudo e desejaria que as autarquias locais, os organismos de coordenação económica e os organismos corporativos, as empresas industriais e comerciais e os grandes proprietários rurais, cuja colaboração se solicita na base XXII, viessem com generosidade a recorrer a esta forma de auxiliar o Estado no aproveitamento de todos os valores que à Nação, mais do que a eles próprios, importa não deixar perder.
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Na base XXIV fixa-se o princípio da inspecção, criando um corpo de inspectores-orientadores.
Por mim, aplaudo inteiramente. Fará além do ensino primário, o único ensino que actualmente está sujeito a inspecção é o ensino particular, o que mesmo assim, diga-se de passagem, não o livra de ser tantas vezes tratado como indesejável... Não se compreende que não exista uma inspecção gorai do ensino, na qual, como um dos sons ramos, se integraria a Inspecção do Ensino Particular.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Está criada.
O Orador: - Criada no papel...
A inclusão nesta proposta do lei do princípio da inspecção, embora em medida bem frágil-cinco inspectores para o ensino de 40.000 alunos -, tomo-a, Sr. Presidente, como consoladura promessa.
Sr. Presidente: a presente proposta de lei, com algumas das alterações sugeridas no douto parecer da Câmara Corporativa e outras da iniciativa da nossa Comissão de Educação Nacional, ficará por certo um diploma fecundo se vier a ser posta em execução com largueza de meios. Doutra forma, suceder-lhe-á como a tantos diplomas que a antecederam e que ficaram na história da nossa legislação de ensino técnico como simples colectânea de intenções o do propósitos.
Sejam as largas despesas com a instrução pública e com a educação nacional mais um benefício, e seguramente o maior, da milagrosa administração e gerência financeira dos Governos da Revolução Nacional.
Houve a hora dos barcos novos em face do "zero naval", a do apetrechamento dos portos, a das estradas, a do rearmamento do exército, a da hidráulica agrícola, a da electrificação, a ria assistência hospitalar e a de tantas e tantas transfigurações deste Pais, que parecia estar hipotecado a definitiva insolvência.
Que esta proposta, Sr. Presidente, na hierarquização do esforço financeiro do listado, marque decisivamente a hora da "educação nacional" !
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Pinto:- Sr. Presidente: vou ser muito breve. Não pedi a palavra porque tenha sentido a necessidade de vir aqui tomar uma posição combativa, nem para ataque nem para defesa da proposta de lei que está em discussão. Nem para ataque, porque entendo que a proposta o não merece; nem para defesa, porque considero que dela não precisa.
Com efeito, quer quanto à oportunidade, quer quanto Ao seu conteúdo, a reforma que o Governo se propõe fazer deve ser, penso eu, recebida de braços abertos, sem necessidade de qualquer esforço na sua defesa.
Vejamos primeiro quanto à oportunidade. Quem quer que tenha visitado as instalações actuais das escolas técnicas, de norte a sul do País, terá feito a desoladora verificação das insustentáveis condições em que o ensino está a ser feito nelas. Li há pouco no relatório da comissão cujo estudo serviu de base à presente proposta de lei as seguintes palavras, que, pela situação de quem as escreveu, são particularmente autorizadas:
... iniciam-se as aulas às 8 horas da manhã e encerram-se à meia-noite; na mesma sala sucedem-se as turmas, sem pausa, em torrente, quase desde a madrugada; nas caves, nos lojões, nos sótãos, nos corredores, improvisam-se locais de ensino. As salas dos conselhos escolares desaparecem, suprimem-se os gabinetes dos directores: aqueles
reúnem-se nas salas de aula, os professores distribuídos pelas carteiras de onde se levantaram há minutos os alunos; o director despacha ali num recanto, por detrás de qualquer biombo. Nas oficinas, instaladas como Deus quer, os alunos acotovelam-se e não podem tirar do trabalho os necessários frutos.
Tudo tem faltado às escolas: não há instalações sanitárias (uma só para 200, 300, 400, 500 alunos, alunas e professores), não há vestiários, não há recreios cobertos, nem cantinas, nem ginásios, nem balneários ... As invernias põem em risco a segurança dos edifícios ...
Não é preciso ler mais.
Vozes:-Muito bem, muito bem I
O Orador: - Isto é rigorosamente exacto para a grande maioria das escolas actuais. E não há que o ocultar, porque é do conhecimento do público. Só à custa de cuidados, dedicações e sacrifícios dos responsáveis pelas escolas e do vigilante e permanente apoio do Estado se tem podido evitar a perda de avultados valores.
Acrescente-se que esta situação se agrava de ano para ano com o constante aumento de candidatos à frequência, que, ouvindo mais o sentimento que a razão, o Estudo vai mandando admitir em turmas suplementares, o que considero erro gravíssimo. Construída uma escola para certa lotação de alunos, é indispensável que essa lotação não seja excedida, para que o ensino não seja uma ficção. Com a admissão de turmas a mais prejudicam-se os que entram de novo e prejudicam-se os que já estavam admitidos. Já visitei escolas técnicas onde os alunos de determinada especialidade só podiam ir à oficina uma vez por semana. Estão V. Ex.ªs vendo o que isso representa. O aluno foi à oficina um dia, na semana seguinte o seu dia coincidiu com um feriado, na terceira semana já eram férias de Natal ou da Páscoa, no regresso de férias o aluno faltou uma vez, e quando chega ao fim do ano terá trabalhado na oficina unia dúzia de vezes. Isto não é admissível.
Surgem naturalmente estas perguntas, para as quais um observador superficial não vê resposta imediata: Porque é precisa uma reforma para se consolidarem e ampliarem os edifícios existentes e para construir outros novos? Havendo no Ministério das Obras Públicas unia Junta das Construções para o Ensino Técnico e Secundário, como se explica que ela tenha trabalhado quase exclusivamente em liceus, deixando abandonadas as escolas técnicas? Como se justifica tão grande diferença entre o carinho dispensado pelo Estado aos edifícios liceais e a inércia perante o descalabro e mesquinhez dos edifícios das escolas técnicas?
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Um observador mais ponderado encontrará sem demora as respostas a estas interrogações.
Com efeito, antes de construir é preciso que sejam fixados os locais onde vão ficar as escolas técnicas. Subsistem todas as antigas? Onde ficam localizadas a$ escolas a criar de novo? Para umas e outras quais são as especialidades a fixar para cada região, de acordo com as actividades e tendências locais? Antes de se saber isso poderia perder-se tempo e dinheiro em construções inúteis.
E de Salazar a afirmação de que vae se não adoptam soluções precipitadas é para não comprometer soluções precipitadas é para não comprometer soluções definitivas. Dentro desta prudente norma administrativa, foi vedado à Junta trabalhar nas escolas técnicas
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enquanto a reforma do ensino não fosse publicada. Duas excepções que se fizeram há anos para a Escola Industrial Infante D. Henrique, do Porto, e para a Escola Bordalo Pinheiro, da Figueira da Foz, tiveram fortes motivos a determiná-las e foi necessária a promulgação de dois decretos.
Basta, além de outros motivos de ordem pedagógica, a necessidade urgente de fazer desaparecer este travão que impedia as obras nos edifícios escolares do ensino técnico para se ter como indiscutível a urgência da reforma. Isto pelo que diz respeito à oportunidade.
Apoiados.
Quanto ao conteúdo da reforma, ou, melhor, das bases sobre que a reforma há-de ser construída, parece verificar-se que elas correspondem, de um modo geral e na medida do possível, às necessidades actuais, ou pelo menos representam notável melhoria, visto que, tendo sido submetidas sucessivamente à apreciação da Câmara Corporativa e das Comissões de Educação Nacional e Economia desta Câmara, as alterações que têm sido propostas não lhes modificam a estrutura, sendo perfilhadas, na sua generalidade, nos seus objectivos e ordenamento, as bases apresentadas pelo Governo.
E note-se que não é por ligeireza de estudo que a proposta de lei aqui chega à discussão pouco alterada. Basta ter lido o brilhante parecer da Câmara Corporativa para se ficar certo do escrupuloso cuidado com que assunto ali foi estudado. Também nas comissões desta Câmara ele foi atentamente considerado.
Não foi, pois, repito, por um impulso combativo, de defesa ou de ataque, que subi à tribuna. Foi apenas por desejar apresentar algumas breves considerações sobre a projectada reforma e, mais ainda, para fazer ao Governo algumas sugestões que tendem a tornar menos demorada a sua execução.
Sr. Presidente: a Câmara ouviu, na palavra fluente e substancial do ilustre relator do parecer da Comissão de Educação, as linhas gerais das bases do Governo e as alterações que lhes são propostas. Trata-se de preparar uma reforma geral do ensino técnico elementar e médio.
Ouve-se dizer com frequência que a reforma de qualquer ramo do nosso ensino devia ser precedida do estabelecimento de um plano geral, em que se fixassem as articulações e interdependências dos diferentes ramos e graus. Não discordo da vantagem que isso teria, e ainda há pouco o Sr. Deputado Marques de Carvalho se referiu a uma comissão que nomeei em Novembro de 1933, precisamente
... com o fim de elaborar um esquema da organização geral do ensino em Portugal, nos seus diferentes graus e especializações, estabelecendo assim as bases de um plano geral de conjunto, que compreenda a enunciação de princípios comuns, as características particulares de cada ramo de ensino, a graduação e interdependência das várias especialidades, as normas de selecção a adoptar na admissão aos diferentes graus de ensino, a educação física e moral dos estudantes, a formação do professorado e outros problemas relacionados com o ensino.
Dessa comissão faziam parte muitos dos nomes de maior relevo nos nossos meios culturais, e de alguns dos seus membros ainda cheguei a receber os primeiros pareceres. Sem abdicar desse modo de pensar, julgo, todavia, que o óptimo é muitas vezes inimigo do bom e não ser admissível que, à espera desse estudo de conjunto, se fique, sem limitação de tempo, a protelar reorganizações parciais julgadas indispensáveis. Se num organismo carecido de tratamento reconstituinte geral aparece mazela aguda em qualquer dos seus órgãos, forçoso é acudir à mazela, embora com prejuízo do fortalecimento antecipado de todo o organismo. E que o caso do ensino técnico urge tratamento imediato basta para o provar, além de outras razões, o quadro que há pouco descrevi do panorama das escolas actuais. Apoiados.
O Sr. Manuel Lourinho: - Mas não deixa, por esse facto, de ser um erro terapêutico.
O Orador: -Peço desculpa de invadir o terreno dos médicos, mas se eu tiver o organismo enfraquecido e fracturar uma perna, primeiramente trato de curar a fractura e depois é que cuido dos estado geral da minha saúde.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Vê-se que o Estado não adoptou a mesma teoria relativamente às telhas dos edifícios em que entra a água das chuvas ...
O Orador: - Dou, pois, decididamente o meu apoio à proposta de lei em discussão e dispenso-me de cansar a atenção da Câmara com o exame das bases que ela encerra e que o nosso relator já expôs claramente. Apenas desejo deixar consignado o meu aplauso às inovações principais da reforma, de entre as quais destaco a criação do ciclo preparatório, a colaboração da indústria no ensino Deixando agora propriamente as bases em discussão, desejo apresentar ao Governo algumas sugestões, tendentes a abreviar a execução do programa de trabalhos que, sobre as bases que forem aprovadas, o Governo deve vir a elaborar. Se não forem, desde a publicação da reforma, tomadas medidas especiais pelo Governo, largos anos passarão - algumas dezenas sem dúvida - antes que se chegue ao fim da construção de toda a rede de escolas que no plano da reforma forem incluídas. Ë preciso, em primeiro lugar, que sejam fixadas normas para a aquisição dos terrenos necessários. Todos sabem que é cada vez mais difícil encontrar nos agregados populacionais, principalmente em Lisboa e Porto, áreas suficientemente amplas para uma conveniente implantação de edifícios com as exigências daqueles cuja construção se prevê. Admitindo mesmo que se chegue a acordo em prescindir de grandes campos desportivos privativos de cada escola, localizando esses campos em pontos isolados, onde possam servir, em dias alternados de cada semana, para os alunos das escolas mais próximas e para a Mocidade Portuguesa, o que já diminuiria a extensão das áreas a expropriar, ainda as dificuldades hão-de ser grandes; e é preciso fixar na lei a quem competem os trâmites das expropriações e os respectivos encargos: às câmaras? ao Estado? em comparticipação? A experiência das demoras havidas no caso de alguns liceus leva-me a pedir ao Governo a in
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trodução na reforma de disposições perfeitamente definidas a este respeito.
Outro problema em que é preciso pensar desde já é o da preparação dos muito numerosos professores que hão-de ser precisos, a fim de se não cair nas improvisações de professores provisórios, admitidos em massa, à última nora, com resultados conhecidos. É um problema para que me parece insuficiente o que se diz nas bases em discussão.
Não proponho neste momento soluções, mas julgo oportuno pedir ao Governo para considerar este ponto ao redigir a reforma que há-de resultar das bases agora em discussão.
Apoiados.
Outras considerações me ocorrem ainda sobre providências necessárias para que o vasto programa de construções possa ser abreviado, mas, como se não referem a matéria a incluir no articulado da reforma, serão expostos oportunamente ao Governo e não cansarei com elas a atenção da Câmara.
Vou terminar acompanhando o nosso relator no voto que exprimiu no final do seu discurso.
Construídos que sejam de novo ou ampliados os edifícios onde as escolas devem vir a funcionar, faltará o resto, e o resto talvez seja ainda o principal: pessoal docente numerosíssimo, dado o número de escolas que se espera, mobiliário, material de laboratório e oficinas, etc.
Para tudo isto são precisos grandes sacrifícios orçamentais. Se juntarmos a estes os que hão-de resultar da manutenção das novas escolas e todos os que há muito são esperados nos outros ramos do ensino, verifica-se que vão muito além dos encargos actuais os que a educação nacional espera do Governo.
Sem esquecer o que se tem despendido em construções escolares, tanto no grau superior, como no secundário e primário, é forçoso reconhecer que os problemas do ensino não foram ainda atacados com a amplitude generosa com que já o foram outros grandes problemas nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É sabido que o Governo tem como norma não dispor dos recursos do erário sem uma forte base de estudos preparatórios em cada sector das despesas públicas. E considerada muitas vezes avara a atitude da Fazenda perante as necessidades dos serviços. Mas é mais justo afirmar-se que não é assim. Fixam-se, é certo, com rigorosas economias, nos diversos capítulos do orçamento de cada ano, as dotações apenas necessárias para a manutenção dos serviços e para o seu progresso gradual. Mas a cada passo, nestes vinte anos e Governo, o País tem visto chegar uma hora em que, depois de ponderadamente estudado algum grande problema, o Governo resolve promover, com visão larga e generosa, a sua solução. Assim se viu chegarem as horas abençoadas a que o Sr. Deputado Marques de Carvalho se referiu e que a Nação não soube nunca agradecer suficientemente aos homens que nos governam. Pois bem, Sr. Presidente, eu exprimo igualmente perante o Governo o voto de que a esta reforma se sigam as que os outros ramos do ensino necessitam, com esta harmonizadas nas suas interdependências recíprocas, e que o Governo considere que chegou finalmente a hora da educação nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: ainda não há muito, desta mesma tribuna, afirmei que constituía imperiosa necessidade do Governo o debruçar-se, com urgência e especial cuidado, sobre o importante problema da educação nacional.
Tratava-se então das escolas do magistério primário.
Julguei que tivesse sido suficientemente claro e fossem tomadas em devida conta as considerações que entendi de meu dever formular, demais que as alicercei nas palavras de S. Ex.ª o Presidente do Conselho proferidas na I Conferência da União Nacional em 9 de Novembro de 1946.
Não o foram. E eu volto aqui agora, ao pretender-se discutir uma proposta de lei, já informada com o parecer da Câmara Corporativa, sobre a reforma do ensino técnico profissional.
Voltarei sempre, até ser ouvido e compreendido, não só porque é meu direito, mas principalmente porque é meu dever, já pelo que represento, já pelo que devo aos meus companheiros da arrancada de 26.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - E que, na verdade, os homens do 28 de Maio - os que já ficaram pelo caminho e os que continuam agarrados ao parapeito - tiveram sempre os olhos postos, com viva ansiedade e preocupada expectativa, no Ministério da Educação Nacional, pois que desse sector da administração pública, mais do que de outro qualquer, aguardavam confiadamente a garantia segura de que os seus sacrifícios não ficariam perdidos em qualquer encruzilhada do caminho andado e o julgamento sereno e justo do seu esforço em benefício do bem comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, indiferente aos gestos de enfado dos acomodatícios ou aos juízos pouco lisonjeiros, ditados por interesses, paixões ou receios, que não merecem o respeito de quem anda de cabeça erguida, aqui estou para reafirmar que a nossa marcha revolucionária no que respeita à educação nacional está longe de satisfazer as aspirações dos homens do 28 de Maio; por isso, apesar do contínuo rodar dos discos (hoje já ridículos e só merecendo o desprezo de toda a gente de bem) com que durante vinte anos não só se pretendeu esmagar, mas enxovalhar, aleivosa e antipatrioticamente, uma geração inteira, não quero deixar de afirmar, aliás com grande amargura, que muito pouco se tem feito para que depois de Carmona e Salazar não venha o caos, para que se não repita a tragédia vivida quando Sidónio morreu.
A demonstrá-lo está o facto, bem evidente, de os espíritos mais optimistas sentirem graves preocupações sobre o dia de amanhã, quando o futuro deveria apresentar-se luminoso e calmo, digno da firme devoção patriótica e pureza de intenções que informaram a Revolução Nacional; a demonstrá-lo está a ansiosa, melhor, angustiosa, pergunta, a que ninguém honestamente poderá responder com optimismo e que lança sombria tristeza na alma de todos os que labutam para que seus filhos tenham uma vida mais feliz do que a sua: está a mocidade de hoje preparada, educada, para manter e continuar a obra, já grandiosa, destes vinte anos de ordem nova?
A que atribuir tão grande mal!
Estou absolutamente convencido de que este estado de coisas é principalmente devido ao facto lamentável de permanentemente se ter confundido a capacidade técnica com a capacidade de comando (que só raríssimas
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vezes se revelam juntas), quando é certo que a técnica pode comprar-se e o comando não se mercantiliza.
Na verdade, no assombroso e horrível mercado que é a vida de hoje a técnica pode ter cotação, mas o comando não se negoceia, .porque se alicerça em fundamentos morais, que os traficantes, por mais poderosos e hábeis que sejam, nunca conseguirão manejar.
E tempo de arrepiar caminho! Urge fazê-lo!
Não fiquem de parabéns pelo que acabo de afirmar os desordeiros profissionais e não se perturbem também, por isso, os homens de pouca fé, os tímidos caminheiros, a quem as miragens do exterior e a própria sombra assustam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os soldados de 26, apesar de irem estando velhos e já com uma ou outra aberta nas fileiras, têm ainda o pulso rijo e chegam bem para garantir u progressivo labor da Revolução, sem obstáculos que possam detê-lo ou perturbações que diminuam o rendimento da marcha.
Mas é preciso andar depressa e com segurança, repito, pois vamos estando velhos, nós, os de há vinte anos.
É por esse facto que está presente à Assembleia Nacional a proposta de lei respeitante à reforma do ensino técnico profissional?
É esse diploma o primeiro passo para a realização do pensamento de S. Ex.ª o Presidente do Conselho expresso na I Conferência da União Nacional, realizada em Novembro de 1946?
Não me parece!
Em primeiro lugar, não ressalta de tal trabalho a certeza de que está integrado num plano geral que abranja todo o vasto problema da educação; depois, nem sequer pode afirmar-se que se alicerça nas disposições, aliás bem claras, da Constituição Política.
Na verdade, o facto de a Câmara Corporativa no seu parecer sobre o diploma em questão se referir, por exemplo, aos liceus como via normal de acesso aos institutos comerciais não chega para se tirar a conclusão de que o legislador alicerçou o seu trabalho num plano mais vasto, em que sequer se define o ensino liceal como meio e não como fim.
E também me parece que será ousado demais afirmar que do título IX da Constituição Política ressalta a noção exacta de ensino técnico profissional - título do diploma apresentado - como parcelar e homogénea questão do problema geral do ensino.
Mas poderá dizer-se ainda que, havendo necessidade de reformar completamente a educação nacional, as circunstâncias de momento e até as previsões de um próximo futuro levaram a considerar conveniente iniciar tão grande trabalho pela reforma do ensino técnico profissional.
Tal argumento não colhe também, pelas razões que passo a expor.
Em primeiro lugar há que considerar o facto de que, tratando-se de um diploma caracterizadamente parcelar, ficará arriscado, por isso (mesmo transformado em lei), a nunca vir a ser executado, como está sucedendo com a lei n.º 1:969, de 20 de Maio de 1938, que este órgão de soberania aprovou para reformar o ensino primário, diploma este cuja análise cuidada obriga a olhar com especial atenção quaisquer novas disposições de ensino, e principalmente as que se referem ao ensino profissional; depois, é evidente que o trabalho apresentado não é para servir de base ou de topo ao edifício a construir e muito menos pode admitir-se que se considere isolado de todo o resto, como aliás está bem expresso no próprio projecto.
Não quero analisar em detalhe, por enquanto, o diploma.
Debrucei-me, todavia, sobre ele o bastante para ficar apreensivo perante certas disposições e poder julgar perfeitamente outras.
Trata-se de um projecto de trabalho que pode merecer respeito pelas intenções com que foi elaborado; mas será necessário e conveniente adoptá-lo desde já como lei?
Só pode admitir-se a necessidade se for demonstrado que o ensino técnico profissional é a chaga mais viva do grave doente que é a educação nacional.
E, mesmo assim, não me parece que se tratem mazelas causadas por doenças que estão no sangue sem cuidar dos males que afectam todo o organismo.
Não é difícil demonstrar também que seria -mais do que inconveniente prejudicial a execução imediata desta reforma do ensino técnico profissional.
Ora vejamos:
De onde vêm os alunos? Não há dúvida nenhuma de que dos vários ramos do ensino.
E os professores? Alguns, noutros tempos, nem se soube de onde (e isto também merece ser considerado); agora vêm das escolas superiores.
Quer dizer: o chamado ensino técnico profissional é uma peça da máquina chamada educação nacional que engrena noutras - pelo menos numa que se chama ensino primário e noutra que se chama ensino superior.
E possível ajustar num maquinismo uma peça, por mais perfeita que seja, isto é, em que as tolerâncias de fabrico sejam reduzidas ao mínimo, em que as imperfeições humanas e das coisas sejam quase nulas, sem atender às peças que com ela trabalham em concordância?
Se não houver tais precauções, ou as peças se inutilizam ou a máquina não funciona.
Será, pois, prudente, conveniente, ajustar na máquina chamada educação nacional a peça ensino técnico profissional sem olhar ao trabalho de conjunto?
Que a máquina não está boa, que não funciona bem, todos o sentem e já o disse quem tem especial autoridade para o julgar. Maiores cuidados são necessários, por esse facto, na aplicação das peças novas: podem fazer parar o maquinismo ou, u que é pior, às vezes ficar inutilizadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Ora, quero admitir que a reforma do ensino técnico profissional seja uma maravilha de fabrico que seria pena perder-se, obra tão perfeita que julgo sensato, conveniente, guardá-la, para ser aplicada no momento oportuno ... se então ainda for maravilha.
Nestas condições, tenho a honra de apresentar a seguinte moção:
«Considerando que a reforma de qualquer dos ramos da educação nacional deverá pressupor um plano de conjunto orientado pelos preceitos constitucionais;
Considerando que a proposta de lei agora em discussão sobre a reforma do ensino técnico profissional, sendo, embora, um trabalho honesto, nada contém de onde ressalte que se articula no referido plano geral:
A Assembleia Nacional resolve sobrestar na apreciação do projecto da reforma do ensino técnico profissional e julga conveniente ponderar ao Governo a necessidade de o integrar em um plano geral de reforma da educação nacional, que urge realizar.
Sr. Presidente: trinta anos de vida limpa, de trabalho honrado, de isenção e de sacrifício, de prudência e sensatez, que desafiam todos os confrontos, parece não
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serem ainda bastantes para que certos homens, por andarem verticais, sejam considerados irreverentes e, por entenderem que não têm de pedir licença a ninguém para defender o que é seu, sejam tidos como imponderados.
E possível, o que aliás muito me honra, que também me atinjam esses malévolos juízos, muito embora aã missões que tenho desempenhado ofereçam base, ao menos, para aqueles que deles se possa duvidar.
Menos por tal motivo, isto é, pelo interesse de esmagar calúnias (de que sempre fica e se expande alguma coisa, atingindo as mais sólidas consciências, especialmente por brotarem as mais das vezes de quem nunca arrisca a vida pondo em perigo a nossa), do que por pensar, como disse alguém, que os velhos devem viver principalmente para evitar o mal e os novos para praticar o bem, desejo reforçar o meu ponto de vista sobre a reforma do ensino técnico profissional com mais alguns argumentos que, embora me não pertençam, muito pesaram no meu espírito.
E que vou estando velho (não apoiados) e a aprovação desta proposta de lei é, a meu ver, um grande mal, quando mais não seja pela sua inutilidade.
Não pretendo fazer uma dissertação cultural ...
O Sr. Mário de Figueiredo - Mas como hão-de enquadrar-se as considerações de V. Ex.ª no caso particular sem a tal dissertação sobre a cultura?
O Orador: - Direi já a V. Ex.ª alguma coisa a esse respeito, e V. Ex.ª vai ver, pelo que vou dizer, com os tais argumentos que me não pertencem, o que isso é, e até com argumentos mais sólidos para o espírito de V. Ex.ª
Não pretendo fazer uma dissertação cultural sobre o problema da educação, pois entendo que a Assembleia Nacional não deve ser palco de exibições académicas, como não deve regressar ao que foi: parecer a rua ou viver para a galeria.
Limitar-me-ei a registar algumas expressões do parecer da Câmara Corporativa e à análise sintética do que diz a Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais desta Assembleia.
Assim, do parecer da Câmara Corporativa extraio o seguinte:
1.º A origem deste diploma é menos de inspiração pedagógica do que de natureza administrativa (p. 62).
O Sr. Marques de Carvalho: - Repare V. Ex.ª que a palavra «origem» está aíí empregada apenas com sentido cronológico.
O Orador:
2.º O relatório que antecede a presente proposta vai justamente ao ponto de afirmar que se tem como último alvo deste ensino o desenvolvimento da vida económica portuguesa (p. 63).
E a tal respeito a p. 64 diz a Câmara Corporativa:
Sem uma reforma da produção parece não poder tirar-se inteiro rendimento de uma reforma do ensino profissional.
3.º Não parece norma aconselhável, antes se tem por descabelado contrasenso, certa opinião, que às vezes corre, de forçar a criação de técnicos como maneira de activar a vida industrial (p. 64).
4.º A ideia de que o ensino técnico pode preparar e manter em potência uns tantos especialistas, para «urgirem como mestres consumados quando certa indústria vier a nascer, não tem a mais pequena consistência. E não é mais sólida esta outra de que o ensino técnico só por si é suficiente factor de fomento fabril (p. 65).
Só mais uma citação. E esta, Deus do Céu, parece que só por si chegava para definir a proposta de lei. Lê-se a p. 78:
5.º Aos que alimentam esta vultuosa agitação e que esperam da reforma do ensino qualquer coisa de muito bom, mas com suas transcendências de irreal, a proposta do Governo, a que a Câmara Corporativa dá inteiro apoio, vem trazer profundíssima desilusão: fica tudo na mesma - com ressalva de alguns ajustamentos.
O Sr. Marques de Carvalho: - V. Ex.ª está a induzir a Câmara em erro. Isso que V. Ex.ª está a ler refere-se às pretensões dos agentes técnicos de engenharia, e não à generalidade da proposta. De tudo o que leu o substancial está no passo em que se diz que a Câmara Corporativa dá inteiro apoio à proposta.
O Orador: - Mas a prova mais evidente de que a moção que já tive a honra de depor nas mãos de V. Ex.ª, Sr. Presidente, define o caminho a seguir em face da proposta de lei da reforma do ensino técnico profissional é, incontestavelmente, o parecer da Comissão de Educação Nacional desta Assembleia.
Basta, para prová-lo, registar o seguinte:
Essa Comissão propõe cerca de cinquenta emendas à referida proposta.
Quer dizer: a peça da máquina, a que atrás me refiro, precisa já de cerca de cinquenta reparações antes de ser utilizada!
O Sr. Marques de Carvalho: - Mas ainda não há peça; trata-se precisamente de a fabricar.
O Orador: - E a peça não é grande. Não cobre uma página de um jornal diário.
Um trabalho escrito de tal tamanho com cinquenta rasuras não deve ficar muito legível, e duvido que uma página nestas condições, apresentada como prova de exame (até mesmo destes exames modernos, em que a educação e a pedagogia pouco contam), fosse, já não digo classificada, mas sequer aceite pelo júri.
Cinquenta remendos!!!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Moura Relvas: - Sr. Presidente: antes de iniciar as minhas considerações sobre a proposta de lei em discussão, quero exprimir a mágoa que me causou a saída do nosso companheiro de trabalho Dr. Santos Bossa, pediatra distintíssimo, sabendo aliar a cultura e o grande mérito profissionais ao gosto de bem-fazer, quer no seu consultório, quer na tribuna desta Casa, quer em muitos outros trabalhos e discursos, sempre aplaudido por aqueles que tiveram o prazer de o ouvir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Sr. Dr. Santos Bessa apesar do bastante novo, pode considerar-se imprescindível quando se trata de aprender o que se pode e deve fazer sobre
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assistência no nosso País, pois conhece do uma maneira profunda, teórica e praticamente, esses assuntos. Afora isso, possui em elevadíssimo grau qualidades de carácter e de simpatia que o tornam imediatamente persuasivo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tem no nosso círculo dedicações de valor ilimitado que o impõem como verdadeira figura politica nacional, merecedora do maior respeito. O seu afastamento desta Câmara deixou o nosso círculo consternado.
Para aumentar ainda mais a minha tristeza, vai discutir-se esta reforma sem que possamos ter o prazer de o escutar, porque a sua autoridade na discussão desta proposta de lei revestir-se-ia de uma grande importância, dado o facto de o Sr. Dr. Santos Dessa ter sido um aluno distintíssimo da Escola Nacional de Agricultura de Coimbra.
Filho de proprietário rural, quis seu pai que, desde menino e sem interrupção, se familiarizasse com a vida agrícola, para manter constante o seu amor à lavoura, à terra.
Quo o Sr. Dr. Santos Bossa me perdoe estas expressões dum modesto admirador como Deputado e como Colega na medicina.
Como depois da bonança vem a tempestade, a este elogio segue-se a crítica da proposta.
Devo começar por afirmar que respeito perfeita e completamente as intenções «ias pessoas que directa ou indirectamente colaboraram na proposta, desde o Ministro até esta Casa.
Discordo desta proposta, e vou dizer porquê: numa rápida leitura da proposta de lei, mesmo para quem a tenha lido a correr, salta aos olhos uma preocuparão dominante, verdadeiro postulado, referente à unificação da cultura dos rapazes saídos das nossas escolas primárias, como se eles constituíssem um magma amorfo e indiferenciado.
Nem o Sr. Dr. Marques de Carvalho nem o Sr. Dr. Sousa Pinto aqui provaram o contrário.
O Sr. Marques de Carvalho: - Chamei ao ciclo preparatório ensino primário do continuação. Acha que se deve diferenciar mesmo o ensino primário?
O Orador: - Todavia, os rapazes saídos das nossas escolas primárias têm características hereditárias, familiares, mesológicas, educativas e económicas diferentes e próprias, sendo, portanto, natural que procurem seguir na vida diferentes caminhos. Aqueles que provem de meios comerciais e industriais, filhos de operários, convirá que sigam, sem perda de tempo, carreiras industriais ou comerciais.
O Sr. Marques de Carvalho: - V. Ex.ª dá-me licença? V. Ex.ª queria que essas tais carreiras profissionais se iniciassem aos 10 ou 11 anos?
O Orador: - Eu respondo a V. Ex.ª na altura própria.
O Sr. Marques de Carvalho: - Bem, espero até lá.
O Orador: - Há outros rapazes de forte alicerce rural. Convirá que não percam o amor à terra e que entrem desde logo em contacto com práticas agrícolas.
Muitos outros preferirão o ensino clássico, visando uma cultura geral que os conduza ao domínio das carreias liberais, da magistratura, do professorado, da burocracia, etc. Aqui se reconhece a coesão tradicional das nossas velhas «corporações de misteres», verdadeiro modelo de aperfeiçoamento técnico através de sucessivas gerações. Vem a proposta defender a uniformização do ensino pós elementar com base na necessidade de se articular o ensino primário com o ensino profissional, ao mesmo tempo que se verifica dever fazer-se a aprendizagem profissional por volta dos 14 a 15 anos, com critério do orientação profissional anterior.
Tenho a opinião de que se deveria de facto diferenciar o nosso ensino. Ensino primário nas cidades diferente do ensino primário nas aldeias. Mais lições de coisas, menos lições de memória.
É realmente uma necessidade pensarmos na realização do ensino mais de harmonia com as nossas tradições, mais educativo, ainda que se sacrifique um pouco, por vezes, a parte propriamente instrutiva teórica.
Pode objectar-se que a cultura geral é necessária e que o caso interessa por igual a todos os portugueses. Este é o pensamento que dominou os discursos dos Srs. Deputados Marques du Carvalho e Sousa Pinto.
Há na proposta um curso preparatório de dois anos e isto foi vincado pela Câmara Corporativa não há o ensino de nenhuma das línguas consideradas universais.
Pode-se em dois anos e com o programa da proposta considerar-se possível a aquisição de uma cultura geral?
O Sr. Deputado Marques de Carvalho defendeu aqui, a propósito da reforma do ensino liceal, a necessidade de um curso de cultura geral do três anos, e não de dois.
Eu acabo de receber as alterações da Comissão de que S. Ex.ª faz parte, nas quais vêm os dois anos, e não os três.
O Sr. Marques de Carvalho: - Num caso trata-se de formação geral desinteressada e noutro de preparação geral com intenção pré-profissional.
O Orador: - O programa estabelecido na proposta é o do liceu, com excepção da disciplina de Francês.
Pela proposta o operário é lançado, à saída da escola primária, para uma escola técnica, industrial, comercial ou agrícola, ou, melhor, para o liceu, visto que ele vai aprender disciplinas exclusivamente liceais.
Não sei o que isto tem do pré profissional.
O Sr. Marques de Carvalho: - É o sistema da orientação de trabalhos práticos e manuais.
O Orador: - Isso não chega, e eu vou provar porquê.
O operário, como disse, é lançado para essas escolas, onde aprende disciplinas do liceu, do 1.º e do 2.º ano, aprendizagem que profissionalmente não lhe serve para nada, e tanto assim que pode substituir essas disciplinas pelas do liceu.
O Sr. Sousa Pinto: - Pode substitui-las, mas com o exame de admissão, o que não é a mesma coisa.
O Orador: - Vamos a ver agora se haverá diferentes meios de se conseguir uma cultura geral.
É claro que a noção de que nos trabalhos manuais da escola se arranja forma de imprimir espírito profissional ao aluno é uma visão pura do espírito de V. Ex.ª
Vejamos primeiramente aquilo que não foi estabelecido nem pela proposta do Governo nem pelo parecer da Câmara Corporativa.
Que conceito é que fazem de cultura geral? É um problema que eu tive do estudar, quando era a Camará Corporativa que me devia ter elucidado. Se aqui não há uma lacuna da Câmara Corporativa está tudo certo. Mas é manifesto que ela existe.
O que nos interessa especialmente, tratando do ensino técnico, é saber se existem diferentes meios de se atingir cultura geral.
São muito numerosas as definições de cultura geral, tantas que consideramos pouco possível achar a defini-
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cão óptima. Algumas definições, de filósofos eminentes, não tem conteúdo prático.
Em regra, o sonso comam considera a cultura geral tendente a desenvolver a inteligência, a sensibilidade e a vontade, de modo que determinado indivíduo, no sen comportamento social, compreenda o que ele próprio faz e o que fazem os outros homens que não são da sua profissão; que saiba observar e comparar; que possua dignidade profissional; que tenha sua formação moral; que manifeste senso estético; que, em suma só apresente preparado para viver com aprumo, conscientemente, e não como peva de máquina.
Ora, se a cultura geral é necessária a todos, não deve perder só du vista que a uniformidade dos programas preparatórios liceais, técnicos, industriais, comerciais e agrícolas acarreta perigo para a mentalidade profissional, sobretudo do operário.
Tal programa, de um enciclopedismo que mesmo como enciclopedismo é deficiente, tem carácter demasiado genérico, teórico, e sem relação com qualquer oficio. La plume chanse l'outil.
Á consecução da cultura geral nas escolas técnicas realiza se de modo diferente dos liceus.
Assim, quanto às línguas, um futuro operário especializado precisa de conhecer uma língua estrangeira, pelo menos, para compreender catálogos, instruções, indicações de gravuras, quer por imposição de ofício, quer por mera curiosidade profissional. Não se torna necessário que fale a língua e conheça os mistérios da sua fonética.
Um curso desta natureza, adaptado especificamente para ente fim prático, não necessita de ultrapassar dois anos. Os alunos do liceu seguem outro rumo, são submetidos a outra orientação. Assim, no meu liceu há alunos de inglês do 4.º ano que consomem todo o 1.º trimestre com a fonética da língua inglesa. Não pode ser nunca este o caso no ensino técnico preparatório ou para determinados sectores do mesmo ensino (serralheiros mecânicos).
O ensino da Geografia nas escolas técnicas, demais a mais querendo dar lhe valor para orientação profissional, tem de ser basea-lo na sua parte económica, desprezando um pouco os outros capítulos.
Ao passo que no liceu o bom gosto se desenvolve sobretudo através de exercícios literários e de visitas de estudo, na escola técnica o senso estético apura-se com o desenho, com as artes plásticas e com os trabalhos de oficina.
O Sr. Marques de Carvalho: - É isso que a proposta quer.
O Orador: - É isso que ela não quer, e eu vou demonstrá-lo.
O Sr. Marques de Carvalho: - Bem; vejamos a demonstração.
O Orador: - O problema não se resolve com a simplicidade e desenvoltura com que o faz a proposta do Governo, aplaudida, ainda que ligeiramente modificada para melhor, pela douta Câmara Corporativa. Pode comprometer-se irremediavelmente o futuro moral e profissional do operário com a articulação rígida e uniforme que se pretende estabelecer, entre o ensino primário e o ensino profissional.
Eu vou-me servir das expressões de um engenheiro milanês que definiu no Congresso de Roma de 1936, com uma simplicidade inabalável, o que caracteriza o ensino técnico e o ensino clássico.
Também, nem o parecer da Camará Corporativa, nem a proposta do Governo nos esclarecem o que são, na realidade, o ensino técnico e o clássico.
É uma terceira lacuna que eu tenho de apontar.
Os ensinos clássico e científico, sobretudo o ensino clássico, aumentam o capital estático, isto é, o património cultural do indivíduo ou da colectividade. Esse património intelectual pode ser campo fértil de trabalho, mas não é o próprio trabalho.
O ensino técnico tende, pelo contrário, a constituir e a dirigir, inspirado na ciência, o próprio trabalho, com é fim de o tornar mais útil e mais produtivo.
Em resumo, não deve esquecer se que o verdadeiro espírito e o objectivo das escolas técnicas esta no papel de operários que os seus alunos devem, na sua enorme maioria, desempenhar na vida; não deve pretender se fazer do operário um estudantinho sem o real conceito da sua profissão.
Segundo a proposta, a criança será orientada no sentido de uma orientação profissional, mas pergunta-se se depois desse estudo a criança deve seguir a indicação profissional que lhe foi dada.
Gemelli, o grande psicólogo italiano, um grande entusiasta da orientação profissional desde a escola primária, incluindo o ciclo preparatório, até à entrada nos cursos profissionais, depois de confirmar a delicadeza e a instabilidade das questões da orientação profissional acentua:
Mesmo por volta dos 14 ou 15 anos, época na qual a orientação pode efectuar-se de uma maneira bastante segura, a personalidade física, intelectual e moral do indivíduo está em evolução, o que pode dar carácter de instabilidade às conclusões do investigador.
O nosso atraso é muito grande para que possam adoptar-se em Portugal os métodos de Gemelli.
Na prática, será a opinião dos alunos ou, melhor, dos pais que prevalecerá.
Antes assim, porque o homem, ser complexo, é capaz de muitas vocações e não pode confundir-se com os cães, mesmo que estes sejam de raça.
A este respeito o professor Chlensedebairgne, de Barcelona, afirma:
As manifestações dum rapaz de 14 anos acerca dos seus desejos (no caso em questão, a escolha da carreira que quer seguir) costumam ter pouco valor e até podemos afirmar, baseados na nossa prática, que uma pergunta concreta sobre eles deixa o rapaz atordoado, respondendo a primeira coisa que lhe vem à cabeça.
Todos os professores que se têm dado ao cuidado de seguir a carreira dos seus alunos, procurando indagar o que deram na vida prática, possuem a noção exacta de que o valor do homem como profissional se não mede tanto pela mais fácil compreensão de determinada matéria ou polo seu entusiasmo por determinado ramo, ou por qualquer aptidão mais vigorosa, mas sobretudo pelo amor à profissão, pela tenacidade, pelas qualidades de trabalho.
A tenacidade vence todas as barreiras, criando personalidades novas, fortes, originais, devotadas apaixonadamente ao seu mister.
Os ingleses, como gente prática, adoptam critério muito elástico.
Kennoth Lindsay oferece-nos dados típicos na sua obra sobre A Educação na Inglaterra:
Entre os 5 e 14 anos a instrução é obrigatória. Entre os 10 e 12 anos os alunos são submetidos a uma
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selecção cuidadosa por meio de testes. Os alunos ou alunas que revelarem melhores aptidões podem ingressar onde quiserem: liceu, escola profissional, comercial ou técnica. Isso fica ao critério dos pais. Mas estes tom também a liberdade de deixarem continuar os filhos na escola até aos 14 anos.
Ao critério elástico dos ingleses, que não é adaptável à nossa mentalidade, dado o processo corrente de «recomendação» para a criança ser classificada como bem dotada, preferimos o italiano.
A instrução profissional é obrigatória na Itália até aos 14 anos, após a instrução elementar, e faz-se nas escolas secundárias de adaptação profissional.
Este ensino técnico preparatório, ou pós-elementar, ou de pré-aprendizagem, dura três anos.
O Sr. Melo Machado: - Então é pior do que a nossa.
V. Ex.ª tem estado a protestar contra a duração proposta e agora apresenta a sua preferência para essa escola com a duração de três anos. Confesso que não compreendo.
O Orador: - Eu estou a protestar contra a forma como ele virá a ser formado.
Nas escolas industriais as bases de cultura geral são, como sempre, português, geografia e desenho. Têm uma língua estrangeira que a nossa não tem; têm canto coral e religião, que existem realmente nas nossas escolas, esta última equivalente à educação cívica. Mas tem a cultura profissional, estabelecida por elementos de ciências aplicadas, tecnologia e construções, desenho profissional, plástica e contabilidade.
Em vez, portanto, do programa apresentado na proposta, com preparatórios sem finalidade profissional, devemos procurar um tipo de escolas preparatórias que sejam o prolongamento do ensino primário, mas também de adaptação profissional.
Isto quanto ao ensino industrial e comercial.
Reprovo, portanto, o primeiro postulado da proposta, tendente a uniformizar esse ensino preparatório que a Câmara Corporativa pretende ainda levar mais longe.
O Sr. Marques de Carvalho: - V. Ex.ª elogiou a legislação italiana. Ora eu tenho aqui a Carta della Scuola, do Ministro Bottai, onde aparece uniformizado, para todos, com o nome de Scuola del lavoro o que corresponde ao ciclo preparatório da proposta.
O Orador: - Amanhã trarei elementos com que responderei e que encontrei nas actas do Congresso Internacional do Ensino Técnico de, 1936.
Eu fundamento-me no relatório do engenheiro Rava. Mas é evidente que eu não estou a defender o critério da escola italiana por ser italiana. Estou a defender aquele critério que na escola italiana me agradar...
O Sr. Presidente:-Sr. Deputado Moura Relvas: como a hora vai adiantada, pergunto a V. Ex.ª se deseja continuar as suas considerações ainda hoje ou se deseja ficar com a palavra reservada para amanhã.
O Orador: - Ficarei com a palavra reservada para amanhã.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, com a mesma ordem do dia designada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Proença Duarte.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luis da Câmara Pinto Coelho.
Luís Pastor de Macedo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Maria Pinheiro Torres.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarote de Campos.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Mário Borges.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Propostas enviadas para a Mesa durante a discussão da proposta de lei pela Comissão de Educação Nacional:
Propostas de alteração e substituição
Proponho que seja adoptado como base da discussão o texto da Câmara Corporativa e que nele se introduzam as seguintes alterações:
Nos títulos:
PARTE I
«Do ensino profissional, industrial e comercial»
PARTE III
«Do ensino profissional agrícola»
Na base I:
Que o l.º período da base I tenha a seguinte redacção:
O ensino profissional industrial e comercial abrangerá dois graus:
Que a alínea a) da base I tenha a seguinte redacção:
a) O l.º grau será constituído por um ciclo preparatório elementar de educação e pré-aprendizagem geral, com a duração de dois anos, destinado a ministrar aos candidatos aprovados na 4.ª classe de instrução primária a habilitação necessária para
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a admissão nos cursos respeitantes às profissões qualificadas da indústria e do comércio.
Que ao n.º 5.º da alínea 6) se acrescentem as palavras «e nas Escolas de Belas-Artes».
Na base II:
Que o 1.º período da base II tenha a seguinte redacção:
As escolas de ensino profissional, industrial e comercial são assim classificadas:
Que na 18.ª linha sejam suprimidas as palavras «de ensino técnico profissional».
Na base III:
Que na 7.ª linha se acrescentem as palavras «onde se encontre ensino adequado» e na 14.ª linha as palavras aquando não para todo o território nacional nos termos da base XXIII».
Na base IV:
Que os 3.º e 4.º períodos tenham a seguinte redacção:
Os trabalhos manuais serão de oficina - preferentemente de modelação. de madeira, de metal, de costura e análogos; ou de campo - designadamente de jardinagem e de horticultura, em vista ao disposto na base XVIII.
A aptidão escolar dos candidatos à matrícula poderá ser verificada em exame de admissão, que substituirá, para todos os efeitos, a 4.ª classe de instrução primária.
Na base XI:
Que à última linha se acrescentem as palavras «devendo evitar-se a co-educação».
Na base XII:
Que na 1.ª linha do 6.º parágrafo e entre as palavras «por» e «conveniência» se intercale a palavra «manifesta».
Que se acrescente à última linha do 9.º parágrafo o seguinte: «dando-se preferência aos que tenham qualquer curso complementar respectivo».
Na base XIII:
Que a última linha do 2.º período seja substituída por:
Ao actual 2.º ciclo liceal nas matérias que o constituam.
Na base XIV:
Que o 1.º período passe a ter a seguinte redacção:
Nós industriais poderão ainda ser organizados cursos de aperfeiçoamento e especialização, desde o momento que as necessidades o justifiquem.
Que na última linha do 2.º período se substitua a palavra «mais» pela palavra «dois». Que se suprimam os 3.º e 4.º períodos.
Na base XV:
Que a base XV passe a ter a seguinte redacção:
O ensino médio comercial, ministrado nos Institutos de Lisboa e Porto, destina-se a preparar auxiliares de administração e contabilistas e será organizado em curso, com a duração de três anos, constituído por aulas teóricas, aulas e cursos práticos e trabalhos de laboratório. O ensino será diurno ou diurno e nocturno, segundo as necessidades. Os diplomados pelos institutos comerciais tem direito a usar o título profissional de contabilista.
Paralelamente ao curso de contabilista poderá ser organizado o de correspondentes em língua estrangeira, se a frequência o justificar.
Nos institutos comerciais poderá ser organizado um curso especial preparatório para o ingresso no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.
O curso de contabilista compreenderá a habilitação preparatória para a matrícula nos cursos de administração militar e naval, respectivamente nas Escolas do Exército e Naval.
A matrícula nos institutos comerciais será facultada aos candidatos com a idade mínima de 15 anos e que tenham sido aprovados em exame de admissão de nível equivalente ao actual 2.º ciclo liceal nas matérias que o constituam.
Na base XVI:
Que se acrescente ao 1.º parágrafo o seguinte período:
As provas dos concursos para professores incluirão obrigatoriamente uma prova de aptidão docente para os candidatos que não possuam a habilitação de qualquer curso de preparação para o magistério.
Na base XVII:
Que o 1.º parágrafo passe a ter a seguinte redacção:
O ensino elementar agrícola destina-se a ministrar aos trabalhadores do campo conhecimentos gerais e noções técnicas referentes à agricultura, silvicultura e à pecuária ou a qualquer dos seus ramos de exploração. Este ensino será ministrado em regime periódico, utilizando as épocas mais convenientes, devendo ter, sempre que tal se mostre, aconselhável, o carácter móvel. Que se elimine o segundo período do 2.º parágrafo. Que nas 2.º e 3.º linhas do 3.º parágrafo as palavras «referente a matérias de preparação geral» sejam substituídas pelas palavras «relativa a conhecimentos gerais».
Que o penúltimo parágrafo passe a ter a seguinte redacção:.
O ensino elementar agrícola poderá ser ministrado em colaboração com os grémios da lavoura e Casas do Povo, em locais para tal fim apropriados.
Na base XVIII:
Que o 3.º parágrafo passe a ter a seguinte redacção:
Nestas escolas poderá ser ministrado, sempre que o número de candidatos o justifique, o ensino-elementar agrícola a que se refere a base anterior.
Que o 4.º parágrafo passe a ter a seguinte redacção:
Fica o Governo autorizado a criar novas escolas práticas de agricultura, que poderão ter organizações próprias, em ordem a estabelecer cursos de feitores e capatazes, de preferência para adultos, embora sem a habilitação do ciclo preparatório.
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Na base XIX:
Que no 1.º parágrafo se suprimam as palavras c nas actuais escolas de Coimbra, Évora e Santarém.
Que na 1.ª linha do 2.º parágrafo se substituam as palavras «destas escolas» pelas «deste ensino».
Que as duas últimas linhas do 2.º parágrafo se substituam por «equivalente ao actual 1.º ciclo liceal».
Que se intercale entre o 3.º e o 4.º parágrafos os seguintes novos parágrafos:
O plano de estudos do curso profissional deverá incluir os necessários complementos de cultura geral.
Será de admitir o regime de semi-internato para candidatos de idade compreendida entre 17 e 20 anos.
Que na 6.º linha do 4.º parágrafo as palavras «um curso técnico abreviado» se substituam por «uma preparação técnica abreviada».
Que o 5.º parágrafo passe a ter a seguinte redacção:
Também nestas escolas poderá funcionar, sempre que o número de candidatos o justifique, o ensino elementar agrícola a que se refere a base XVII.
Que no último parágrafo se substituam as palavras ca admissão» pelas «o ingresso».
Na base XX:
Que no 1.º parágrafo, na última linha, se substituam as palavras «regentes de trabalhos» por «auxiliares de trabalhos».
Que no 2.º parágrafo, 4.a e 5.º linhas, se intercale entre ás palavras «agronomia» e «e» a palavra «silvicultura».
Que o último parágrafo da base XX termine na linha 4.ª com a palavra «indicada».
Que se acrescente nesta base o seguinte parágrafo:
Os auxiliares de trabalhos nas escolas práticas de agricultura serão recrutados de entre indivíduos com a habilitação do curso de feitores e capatazes agrícolas.
Na base XXII:
Que em sua substituição se adopte a base XXI da proposta do Governo.
O Relator da Comissão de Educação Nacional, Artur Marques de Carvalho.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA