O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 373

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 79

ANO DE 1947 25 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 79, EM 24 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou, aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovado a os n.ºs 76 e 77 do Diário das Sessões, este último com uma rectificação. Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Bagorro de Sequeira e Pinto Coelho, que trataram do abastecimento de carnes à capital.
O Sr. Deputado Belchior da Costa ocupou-se largamente de assuntos de carácter agrícola, nomeadamente do despovoamento florestal e do abastecimento de géneros de primeira necessidade.
O Sr. Deputado Alberto Cruz enviou para a Mesa um requerimento no sentido de que, pelo Ministério da Economia, lhe sejam fornecidos determinados esclarecimentos acerca da distribuição de azeite no concelho de Guimarães.

Ordem do Dia. - Prossegui a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Couceiro da Costa, Fernandes Prieto e Mira Galvão, que ficou com a palavra reservada para a próxima sessão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Manuel José Ribeiro Ferreira 1 Manuel Marques Teixeira
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.

Página 374

374 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79

João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís da Silva Dias.
José Martins de Mira Galvão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Fonnosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Ahranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 76 e 77 do Diário das Sessões.

O Sr. Armando Cândido: - No Diário das Sessões n.º 77, a p. 335, 1. 31, onde se lê «outra obra», deve ler-se «outra hora».

O Sr. Presidente: - Se mais ninguém deseja fazer uso da palavra sobre estes números do Diário, considero-os aprovados, com a emenda apresentada pelo Sr. Deputado Armando Cândido.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

De José da Costa Lobo, João Celorico Drago e Isidro Martins Féria apoiando o aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rêgo sobre o problema das lãs.

Exposição

Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelêcia. - Em boa hora o problema das lãs nacionais, nos seus aspectos industrial e pecuário, mereceu ser tratado na Assembleia Nacional, da ilustre presidência de V. Ex.ª E dizemos em boa hora, pois é de esperar que do estudo que não deixará a e fazer-se sobre esse problema de indiscutível interesse nacional e do debate que sobre ele vai travar-se saiam devidamente esclarecidos muitos pontos que até aqui se têm mantido na mais completa obscuridade.
A lavoura portuguesa, com os sentidos postos na Assembleia Nacional, da mui ilustre presidência de V. Ex.ª, aguarda e espera que assim suceda.
O problema está bem entregue e sobre ele vão pronunciar-se ilustres Deputados, que seguramente vão focá-lo com aquele espírito de isenção com que estamos habituados a ver tratar os problemas de interesse nacional nessa Assembleia, a todos os títulos prestigiosa.
A Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, no louvável intuito de contribuir para o estudo do problema, submeteu à alta consideração de V. Ex.ª uma representação de que tomámos conhecimento por ter sido imediatamente publicada, na íntegra, nos principais diários do País.
Não tencionavam os organismos corporativos da produção tomar parte no debate que vai travar-se.
Na representação do organismo corporativo da indústria há, porém, alguns passos que não podem deixar de merecer aos organismos corporativos da lavoura uns breves reparos, embora sem que se tenha a pretensão de fazer a análise crítica de todos os seus aspectos.
Eis, Sr. Presidente, o motivo que levou as direcções dos grémios da lavoura abaixo indicados, na falta de um organismo que, à semelhança da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, legitimamente represente todos os grémios da lavoura do País, a ter a honra de submeter à elevada consideração de V. Ex.ª os seguintes pontos, que, no intuito de facilitar o estudo do problema, e só com esse fim, pedimos sejam pela ilustre Assembleia Nacional devidamente considerados:
1.º Entre as várias considerações relativas à evolução dos preços das lãs nacionais e estrangeiras, feitas na alínea b) da representação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, e que certamente não deixarão de ser escalpelizadas pelos ilustres Srs. Deputados, uma há a que se pretende dar aqui o devido relevo. É esta:
Mas se pusermos em paralelo os preços das lãs nacional e estrangeira nos anos de 1936, 1937 e 1938, anos em que os valores económicos se determinavam pela lei da oferta e da procura, verificamos que a lã nacional se cotava por menos 60 por cento do que a da estrangeira.
Esta afirmação, que revela a gravíssima situação em que naqueles anos se encontrava a lavoura portuguesa produtora de lãs, tem de ser ilustrada com os factos verdadeiramente responsáveis por esse incontestável atropelo económico.
É que, Sr. Presidente, a lei da oferta e da procura que determinava os valores económicos, como se apregoa na representação da indústria, além de ser defeituosa por natureza, era, neste caso particular, nitidamente favorável u indústria e contrária aos interesses da produção.
b) preciso pôr bem em evidência que nesses anos a procura estava unicamente limitada à indústria do País, em face da disposição legal que proibia a exportação das lãs finas nacionais, deixando absolutamente

Página 375

25 DE JANEIRO DE 1947 375

livre a importação (Pauta cias alfândegas. Instruções preliminares - n.º 5 do artigo 105.º).
Se não fora essa situação, excepcionalmente favorável à procura e desfavorável a oferta (que dava à indústria portuguesa uma posição de verdadeiro privilégio em relação às das nacionais que lhe interessavam), nunca se poderia ter verificado um tão grande desnível no preço das lãs nacionais em relação ao das estrangeiras.
De resto, era a essa situação anormal e lesiva dos interesses nacionais que o Governo da Nação tentou pôr cobro, conforme se verifica no passo do relatório do decreto-lei n.º 29:749 de 13 de Julho de 1939, que diz o seguinte:

A produção nacional está, pois, sujeita, apesar de insuficiente, a todas as oscilações de preços dos mercados externos, sem um mínimo que lhe assegure o desenvolvimento.
A indústria progrediu à sombra da pauta e tem nas leis do condicionamento a possível defesa contra os abusos da concorrência. Mas esse mesmo progresso e a possibilidade de aplicar nos tecidos fibras de algodão fizeram que se generalizasse o gosto pelos padrões mais finos, de custo acessível, e se acentuasse o relativo desinteresse pelas lãs nacionais, dando-se preferência às estrangeiras, mais limpas e adequadas ao fabrico daqueles tecidos. Por outro lado, um tal ou qual atraso nas oficinas de acabamento obriga a empregar lãs mais finas onde podiam aplicar-se outras. È necessário que a matéria-prima nacional melhore de qualidade, seja reunida e classificada em lotes, segundo o seu valor industrial, mas é igualmente necessário quê este esforço tenha compensação e não seja contrariado pela Uberdade de importação de lã estrangeira ou por defeito de fabrico. Nem se compreenderia uma indústria fortemente protegida que não contribuísse para resolver o problema do abastecimento da matéria-prima. E, no entanto, a crise da produção tem a sua causa não só no que se exportou a menos em 1938, mas também no volume das importações e época em que foram feitas.

Há que tomar em conta, Sr. Presidente, no estudo da evolução das cotações das lãs nacionais em relação ao período anterior à guerra, este facto, de primordial importância. E, sendo assim, muitas das conclusões a que se chega na representação da indústria carecem de fundamento e terão de modificar-se em razão deste factor incontestável.
Não se fazem mais reparos relativos aos números apresentados como representativos dos preços das lãs nacionais e estrangeiras e sua interpretação à luz das realidades, o que, esperamos, não deixará de ser feito com todo o pormenor e grande cópia de elementos pelos ilustres Srs. Deputados que do estudo do problema se vão ocupar.
2.º Tratando da repercussão que as importações de lãs estrangeiras tiveram na venda das nacionais, afirma-se: na alínea g) da representação da indústria o seguinte: «A importação não prejudicou a venda da lã nacional».
E diz-se ainda que aforam os preços que esta atingiu na campanha de 1946 que concorreram para acelerar o ritmo das importações».
Esta categórica afirmação também carece de fundamento e não pode passar, por isso, sem os indispensáveis comentários e necessários esclarecimentos, para que fique em condições de contribuir devidamente para o estudo do problema.
É preciso considerar em primeiro lugar qual foi o mês do ano de (1946 em que os preços das lãs nacionais se elevaram de facto.
As tosquias, como todos sabem, fizeram-se naquele ano mais tarde do que habitualmente, devido às chuvas. E os industriais grandes compradores de lãs, bem como os comerciantes, só aparecera III no mercado a fazer apreciáveis compras quando já ia passando o mês de Julho.
Em segundo lugar seria conveniente indicar-se, também, qual era o montante de lãs que nessa altura já estava comprado nos mercados externos.
Quem se debruçar sobre o problema terá ensejo de verificar que já era muito grande o quantitativo de lãs compradas nos mercados externos quando se iniciaram as tosquias e se começaram a vender as Ias nacionais.
Pode, por isso, afirmar-se que não foi a elevação dos preços das lãs nacionais na campanha de 1946 que acelerou o ritmo das importações, como se afirma na representação a que nos reportamos. De resto, se considerarmos o que, por sinal, também escreveu o ilustre presidente da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios na sua circular n.º 110, datada de 12 de Março de 1946 e dirigida a todos os industriais, compreenderemos que o aumento dos preços das lãs nacionais daquela campanha não foi a causa do incremento das importações, mau a consequência de não terem chegado a tempo as lãs importadas.
Diz a citada circular o seguinte, falando da elevação dos preços das lãs nacionais:

Ninguém desejaria que tal sucedesse e nesses reparos não se atendeu a verdadeira razão do facto, que foi a demora na recepção das lãs adquiridas no estrangeiro, as quais chegaram ao País com um atraso de dois meses sobre a data prevista.

E sobre este assunto julga-se preferível não fazer mais comentários, por ser bem clara a doutrina da aludida circular.
3.º Em vários passos da representação da indústria fala-se no baixo nível qualitativo das lãs de produção nacional, chegando a afirmar-se que não há necessidade de modernizar a indústria para as trabalhar.
Este aspecto do problema é também daqueles a que se não pode deixar de fazer alguns reparos.
Em primeiro lugar, e deixando em paz a afirmação de que a lã nacional é, «no seu conjunto, de baixo nível qualitativo» (alínea j) apreciemos, o que se diz na representação a propósito do estado de apetrechamento industrial em máquinas e técnica.
Na alínea h), e falando-se no problema da modernização das instalações industriais, afirma-se:

Todos observam que a indústria fabrica tecidos com as melhores lãs do Cabo e da Austrália. Se assim é, porque se fala na necessidade de a modernizar para trabalhar as lãs nacionais?
Poderá a técnica dar-lhes qualidades que não possuem, como sejam o toque e a finesse?

Este interessante aspecto do problema merecia ser devidamente escalpelizado, devendo para isso comparar-se o nível do apetrechamento industrial em máquinas e em técnica dos centros mundiais mais progressivos com o nível que tem presentemente a maioria da nossa indústria.
É nossa convicção, fundamentada aliás em dados técnicos dignos de apreço, que a técnica, aplicada aos factores biológicos e tecnológicos do problema lanar, pode beneficiar muito as lãs nacionais e corrigir-lhe.? algumas deficiências, ao mesmo, tempo que pode exal

Página 376

376 DIÁRIO DAS SSSSOSS — #/79

tar-Uies muitas das suas qualidades, que são também dignas de grande -apreço, conforme ficou demonstrado no J Congresso Nacional das Ciências Agrárias, na discussão de trabalhos que a lavoura seguiu com todo o interesse.

Mas não é preciso sair do que está escrito na representação da indústria para se tirarem algumas conclusões proveitosas a este respeito.

Repare-se que, enquanto na alínea h) se afirma que niïo é preciso modernizar a indústria para se trabalharem as líïs nacionais, na alínea/L) fazem-se outras afirmações que esclarecem melhor este aspecto do problema. Nessa passagem lê-se o seguinte:

Também a indústria tem muito a fazer no sentido de melhorar as suas condições de exploração, O reapetrechamento está em curso. A deficiente preparação técnica do pessoal, que é, sem dúvida, uma das que mais sobrecarregam o custo do produto, foi objecto de aturado estudo.

Donde é lógico concluir que as lãs nacionais estão muito longe de ser industrializadas em Portugal com aqueles requisitos técnicos indispensáveis à sua conveniente valorização.

4." €ontinuando-se na crítica aos defeitos e deficiências qualitativas das lãs -nacionais (para as quais, todavia, cautelosamente, se tinha conseguido a publicação de medidas legislativas que não permitiam a sua livre exportação — não fossem aparecer no País compradores estrangeiros que as apreciassem mesmo com os seus pretendidos defeitos), conclui-se, na citada representação, que às nossas lãs faltam as características exigidas pela indústria de penteado, motivo por que só na carda elas poderão ter conveniente aproveitamento.

Esta forçada conclusão a que chega a representação da indústria não pode merecer também a nossa aprovação.

Sabe-se que em todos os países do Mundo de indústria de lanifícios progressiva e consciente se penteiam lãs com as características das nossas e que até as das classes churras (impróprias para artigos de vestuário) são também hoje penteadas muitas vezes.

Mas para aclarar este aspecto da questão não é preciso recorrer a opiniões de técnicos estrangeiros ou à dos técnicos alheios ao sector industrial português.

Industriais de grande prestígio no País, justamente considerados perfeitos conhecedores do métier, manifestaram já em documentos escritos o seu desacordo com as opiniões agora expostas na representação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios.

Vamos por isso limitar-nos a transcrever aqui o que foi escrito em Março de 1940 por cinco conceituados industriais da Covilhã, à frente dos quais está o nome prestigioso da firma a que pertence o actual presidente do Grémio dos Industriais de Lanifícios daquela cidade.

Os Ex.ª10" e ilustres Deputados, que podem tomar conhecimento de todos os documentos relativos aos pedidos de instalação de peuteaçoes e fiações de penteado, terão ensejo de conhecer mais detalhadamente o que se vai transcrever da memória descritiva que foi apresentada naquela, data pela União Industrial de Fiação, Iâ-mitada, sociedadepor quotas, que então estava em formação jia Covilhã, e a que se referiu publicamente o Boletim da Direcção Geral das Indústrias na devida oportunidade.

Registe-se, de passagem, que elementos da lavoura, desde que começaram a tomar consciência do que era em Portugal o problema das lãs, têm-se dado ao trabalho de registar das memórias apresentadas pelos industriais portugueses, nos termos da lei do condicionamento industrial, as suas abalizadas opiniões.

Em certa passagem do citado documento pode ler-se, a propósito das lãs nacionais, o seguinte período: a precisamente o aspecto económico fundamental da indústria de lanifícios, que é o aproveitamento industrial das lãs nacionais, não foi encarado sequer». E mais adiante lê-se também: «não se curou para nada de sugerir, estudar ou proteger esforços para o aproveitamento industrial das lãs nacionais».

E em seguida, falando das empresas de fiação de penteado instaladas no País, escreveu-se o seguinte:

Falta a essas empresas competência técnica para poderem corresponder às exigências da tecelagem e do comércio de lanifícios, mas falta-lhes também capacidade produtora qualificada, porque na aquisição da sua maquinaria o único critério dominante foi o de produzir muito e utilizando penteados finos, por um lado, e, por outro, porque, como essa maquinaria é bastante cara, o fabrico está bem protegido pela pauta e pelo regime de quase exclusivo; os recursos para as adquirir vieram de fora da indústria, e no quadro dessas empresas predominam os médicos, os advogados, os banqueiros, os proprietários e os capitalistas, em vez de industriais directamente ligados ao fabrico.

Ainda nesse documento refere-se mais adiante que se «justifica de modo completo o melhor aproveitamento das líïs nacionais» e que apara o obter será necessário aproveitar os progressos da mecânica têxtil, fazendo introduzir na maquinaria a adquirir todos os melhoramentos e aperfeiçoamentos para reduzir até onde possível os defeitos das nossas lãs, tirando das suas qualidades o máximo de rendimento e vantagens».

E continuando neste teor lê-se que a penteação autónoma montada em Portugal «conseguiu já, de resto, magníficos penteados com lãs portuguesas, demonstrando assim que é infundada a convicção (que se confunde com a lei do menor esforço ou com a rotina) dos que não tiveram jamais a preocupação de as aproveitarem e dando também razão plena aos propósitos superiores da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, não querendo que se demore por mais tempo a sua utilização integral e completa.

Assim falaram, Sr. Presidente, conceituados e competentes industriais da Covilhã, à frente dos quais, como dissemos, está a firma a que pertence o actual presidente do Grémio dos Industriais de Lanifícios local.

E continuando no seu firme propósito de esclarecer devidamente o problema, lê-se ainda no mesmo documento o seguinte:

Os lucros legítimos que assim se obteriam não beneficiariam sómente os que os realizassem, mas também a agricultura e a economia nacional, suprindo uma falta que, para honra de todos, não devia existir na indústria nacional.

E mais adiante, faïando-se das deficiências das fábricas de fiação de penteado instaladas no País, escreveu-se ainda: «em todas as instalações existentes se conta apenas com as lãs finas e seleccionadas que os estrangeiros nos fornecem» e que «nem se previu que um dia quiséssemos deixar de mandar para o estrangeiro o quase meio milhão de libras com que pagamos as lãs e seus fios».

Estas opiniões, de indiscutível e incontestável interesse, merecem ser conhecidas da ilustre Câmara dos. Srs. Deputados que vai estudar o problema das lãs. E como são insuspeitas, pois foram formuladas por in-

Página 377

20 DE JANEIRO DE 1947 377

dustriaiis competentes1, responsáveis e prestigiosos, pareceu-nos conveniente pô-las em devido destaque.

Não desejávamos ocupar mais tempo à Assembleia Nacional, mas julgamos que o interesse nacional em jogo justifica mais algumas considerações e esclarecimentos.

Na representação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios conclui-se que as lãs nacionais são mais próprias para a carda e que, portanto, aião devem ser penteadas, mas sim destinadas àquele sector industrial que ainda mantém no País 100:000 fusos!

Não podemos concordar com essa opinião, que julgamos ofensiva dos interesses nacionais.

A este respeito perfilhamos também absolutamente as opiniões tão claramente expostas pelos cinco já referidos industriais da Covilhã, não resistindo por isso à tentação de as transcrever aqui, para mais completa elucidação da Ex.111* Assembleia.

Em certo passo do já citado documento lê-se o seguinte :

A crise da cardação começou no dia em que foi construída a primeira penteadeira. E para a explicar basta ter em conta que um quilograma dw lã sendo cardada produz 12:000 metros de fio áspero e sendo penteada produz o dobro de fio fino.

Esta é, de facto, uma afirmação lógica, que não suporta a mais ligeira contestação.

Mas, mais adiante, os mesmos industriais escreveram:

Crêem os signatários que entre os criadores nacionais de ovinos e as fiações de penteado existentes os interesses dos primeiros pesarão na balança, com todas as razões de superior interesse industrial e nacional que foram expostas e mais com as seguintes:

As lãs que exportamos podem ser penteadas e fiadas pela indústria nacional, graças aos progressos da técnica.

Cardam-se ainda muitas lãs que, depois de bem classificadas e seleccionadas, poderiam ser penteadas, duplicando o rendimento da produção de fio, e portanto o seu valor.

A larga importação de penteado que fazemos podia sei* reduzida, fabricando-o nós com as lãs portuguesas.

A insuficiência das actuais instalações força à mistura das boas lãs com as más, desvalorizando, desacreditando e estragando a lã nacional, que oferece catorze qualidades diversas.

Muitos fabricantes que antes do decreto n.º 28:133 não fabricavam um metro de estambre consomem hoje dezenas de milhares de quilogramas de fios penteados.

Acentua-se cada vez mais em todos os países a preferência pública pelos artigos leves, agradáveis à vista e ao toque, maleáveis, a preços razoáveis e acessíveis e feitos com fios penteados; e mesmo no nosso o consumidor do campo pôs de banda o sur-robeco e prefere a sarja e o da cidade substituiu o pesado sobretudo cardado pela gabardina prática e ligeira.

Não sabemos de princípios técnicos capazes de refutar tão judiciosas afirmações proferidas pelos industriais já citados.

Trazendo-as ao conhecimento da Assembleia Nacional, julgamos ter contribuído também com alguns valiosos elementos de informação que de certo modo poderão esclarecer o problema, refutando muitas das informações

prestadas na representação da federação Nacional dos Industriais de Lanifícios.

5.º Diz-se na representação da indústria (alínea ;) que a lã nacional é muito variável no sen valor fie utilização e rendimento e está muito dispersa, na posse de 264:000 produtores, o que torna impraticável a compra directa pela -indústria e dificulta a sua própria recolha para efeitos de comércio e de lavagem. E noutro passo da mesma alínea afirma-se também que não há possibili-il-ade, nem nunca a houve, de subordinar uma indústria de transformação à compra obrigatória de uma matú-ria-prima, em bruto} quando a consome já seleccionada e lavada.

De facto, .não se pode deixar de reconhecer uma certa lógica a estas afirmações.

Deve considerar-se, porém, que foi exactamente para obviar aos inconvenientes tão bem expostos pela Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios que os lavradores portugueses se propuseram montar uma unidade, de lavagem e de penteação de lãs, que outro fim não tinha do que o de pôr-se em condições de oferecer u indústria as lãs nacionais já seleccionadas, lavadas e penteadas, exactamente naquele estado em que, como muito Item xc Jiz na representação em causa, é consumida pela indústria de lanifícios.

Comxeste propósilo vinham os produtores ao encontro dos interesses da indústria

Sr. Presidente:

Os directores dos organismos corporativos da lavoura abaixo assinados, esperando que lhes seja dado o mesmo tratamento que foi concedido ao organismo corporativo da indústria, ousam solicitar que, ao abrigo do .n.º 18.º do artigo 8.º da Constituição Política da República Portuguesa, y. Ex.º se digne, em sessão, mandar ler esta representação à ilustre Câmara dos Srs. Deputados.

Temos a honra de apresentar a V. Ex.º os nossos respeitosos cumprimentos.

A bem da Nação.

Pelo Grémio da Lavoura de Estremoz: Duarte Moutinho de Medeiros e Luís Gonzaga de Matos e Góis Cau-pers. — Pelo Grémio da Lavoura de Elvas: Armando Ferreira Gonçalves. — Pelo Grémio da Lavoura de Évora e Viana do Alentejo: Vasco Maria Eugénio de Almeida. — Pelo Grémio da Lavoura de Portalegre: Manuel Joaquim, Grave e Laureano António Picão Sardinha. — Pelo Grémio da Lavoura de Montemor-o-Novo: Vasco Maria Eugénio de Almeida. — Pelo Grémio da Lavoura de Arraiolos: Luís Barroso Félix. — Pelo Grémio da Lavoura de Fronteira: Manuel Mendes de Almeida. — Pelo Grémio da Lavoura de Sousel: Augusto Firmino Marchante.

O Sr. Presidente: — Tom II palavra o Sr. Deputado Bagorro de Sequeira.

O Sr. Bagorro de Sequeira: — Sr. Presidente: ontem o ilustre Deputado Sr. Dr. Pinto Coelho, com extraordinária clareza e sentido de oportunidade, tratou aqui mi Câmara do importante problema do abastecimento de carnes à capital, referindo-se em especial à participação que durante estes últimos anos a colónia de Angola teve nesse abastecimento, sob a forma de fornecimento de bois vivos.

Não me foi possível tirar apontamentos sobre o que o ilustre Deputado disse, e por consequência é de memória que vou referir-me ao seu discurso; oxalá eu seja tào fiel na interpretação das suas palavras quanto desejo.

Página 378

378 DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º79

Não é meu intento vir discutir os pontos de vista gerais expostos pelo Sr. Dr. Pinto Coelho, com os quais concordo inteiramente, sobretudo no que respeita à imperiosa necessidade de se substituir o indesejável sistema de transportar bois vivos, que só Portugal ainda utiliza, pelo recomendável processo de transportar carcaças frigorificadas, que todos os países do Mundo adoptam, substituição que o Sr. Dr. Pinto Coelho apresentou e defendeu com uma larga série de argumentos e razões absolutamente indiscutíveis.

Desejo, porém, e para isso é que pedi a palavra, fazer algumas considerações sobre determinadas passagens do seu discurso, por me parecer que carecem de ser esclarecidas, para melhor entendimento do assunto e para que não possa ser mal ajuizada a acção das pessoas e serviços que em Angola tom cuidado da exportação dos bois para Lisboa, se bem que eu não tenha a menor dúvida de que não foi sua intenção atingir essas pessoas e esses serviços, e ainda, se me permitem, para repor com um pouco mais de crédito a triste posição do inofensivo e pachorrento boi de Angola, que tantas vezes tem sido tratado na metrópole injustamente.

É o que vou fazer, e serei breve.

Em defesa da sna tese, que, repito, considero verdadeira, o ilustre Deputado Sr. Dr. Pinto Coelho disse que os bois vindos de Angola para o abastecimento da capital eram em número insignificante, pouco ou nada aliviando as vicissitudes do consumo, que ordinariamente chegavam e chegam muito depreciados, tanto em quantidade como em qualidade de carne, e que, segundo informa, coes merecedoras do crédito que lhe tinham fornecido os bois de Angola eram portadores de doenças conta giosas, que punham em perigo o armentio metropolitano"

À primeira observação do Sr. Dr. Pinto Coelho direi* que não tem sido da mesma opinião o Ministério da Economia e o público de Lisboa.

Embora o gado de Angola não viesse resolver o grave problema do abastecimento, veio em parte diminuir a escassez de carne, que ein algumas oportunidades seria total sem o seu concurso. -,

Efectivamente, de Junho de 1942, que foi quando começou a exportação de gado de Angola coordenada pelo Ministério da Economia na metrópole e pelos serviços de veterinária e indústria animal em Angola, até Junho de 1946, que é a data mais recente a que posso reportar-me, isto é, durante quatro anos, Angola exportou para Lisboa 10:229 bois, coin o peso vivo, médio, de 406 quilogramas na ocasião do embarque, que renderam no matadouro de Lisboa 193kg,400, peso limpo médio, o que representa, para um cômputo de rendimento de 50 por cento, uma perda de 9kg,600. áe carne por boi, perda que não podemos considerar muito grande tendo em conta as circunstâncias também médias, mas sempre desfavoráveis, da estadia e da viagem a bordo, cheia de contingências de toda a ordem, muitas delas imprevisíveis—o boi que enjoa e não come; o tratador que enjoa e não dá de comer e beber aos bois; maior duração, não prevista, da viiigem; temporais; o abaixamento de temperatura à aproximação de Lisboa; a maior ou menor estadia em Lisboa aguardando matança, etc.

Assim, nos mesmos navios e com as mesmas exigôn-cias de embarque, há viagens óptimas, viagens razoáveis e viagens péssimas. São as contingências que resultam da própria natureza da carga.

Ainda relativamente ao pequeno número de bois fornecidos, não tem Angola culpa alguma disso. Forneceu 10:000, como podia ter fornecido o dobro, se tivessem ido navios carregá-los.

Devo ainda informar que, a par deste fornecimento à metrópole, Angola forneceu também cerca de 1:000 bois para consumo das tropas expedicionárias de Cabo Verde

e abasteceu totalmente as necessidades da navegação, que durante todo o período da guerra só coutou com Angola.

Quanto à segunda observação do Sr. Dr. Pinto Coelho, isto é, quanto à qualidade da carne, reportar-me-ei ao que está escrito num artigo do Noticias Agrícola a propósito de um relatório entregue à Câmara Municipal de Lisboa pelo técnico que especialmente estudou o rendimento do gado angolano naquele matadouro.

Nesse artigo se diz:

Tivemos agora ocasião de estudar esse relatório, e convém que se diga, em defesa dos bovinos africanos, que tudo quanto supúnhamos era verdadeiro: o gado bovino de Angola rende para os talhos sempre niais do que o da metrópole. Logo, o desconto que durante tantos anos era feito pela Câmara de Lisboa, em prejuízo do gado angolano, era injusto.

Nesse relatório, que é o resultado de estudo consciencioso de um técnico competente, se prova ainda que, comparativamente ao gado mirandês e alentejano, o gado de Angola é mais rico em carne o em sebo e menos rico em osso, abonando sobretudo esta melhoria na chamada carne do l.a

E para que V. Ex.ª8 melhor se certifiquem do que a exportação tem sempre melhorado em qualidade vou referir alguns números relativos às classificações obtidas no matadouro de Lisboa nestes últimos anos.

Assim:

[ver imagem na tabela]

À terceira observação do Sr. Dr. Pinto Coelho tenho a dizer:

Não é do meu conhecimento particular nem nunca foi comunicado à colónia de Angola pelas instâncias veterinárias oficiais da metrópole que o gado de Angola fosse portador de qualquer moléstia contagiosa que viesse pôr em perigo o capital-gados da metrópole e não admito que, a ter-se dado o facto, ele pudesse ter ficado oculto nas repartições responsáveis.

Algumas vezes, é certo, tem havido a- tal respeito vagos receios, que os factos, felizmente, não confirmaram.

Ainda há poucos dias a imprensa deu notícia de duas partidas de bois que chegaram a Lisboa em más condições. O que sucedeu?

Um navio chegou a Lisboa, tendo morrido bastante gado em viagem e com o restante excessivamente magro, que as autoridades veterinárias não deixaram abater.

Posto em lazareto e em regime de engorda, apesar de a época ser muito má, estou informado de que os bois estão engordando e que se não verificaram mais baixas após o desembarque, sendo normal o seu estado sanitário.

Outro navio chegou também a Lisboa com bastantes baixas durante a viagem e o restante gado gordo, que foi abatido imediatamente, tendo sido classificado quase na totalidade de 1.ª categoria. Como se vê, também o seu estado sanitário era bom, pois é essa condição a que primeiro influi na classificação.

Como complemento destes dois casos: ainda mais recentemente chegou outro carregamento de gado — o do vapor Saudades —, que me dizem ser dos melhores que têm chegado a Lisboa.

Página 379

20 DE JANEIRO DE 1941 379

O que posso afirmar é que em Angola a exportação de bois para Lisboa foi sempre, desde que os serviços de veterinária têm plena e absoluta interferência na sua execução, considerada com o maior interesse e rodeada dos maiores cuidados, para que resulte o mais satisfatoriamente possível, apesar de toda a natureza de contingências de que se reveste uma operação de exportação de bois vivos, mesmo no aspecto sanitário, considerada desde a origem, que é o depósito de estacionamento e recuperação atrás do porto de embarque, até ao matadouro de Lisboa.

Apesar de tudo, o sistema é sempre defeituoso e há que o pôr de parte logo que possa ser substituído por outro melhor.

Por isso, prestados estes esclarecimentos, que .julguei indispensável fazer, volto a afirmar a minha concordância com a opinião do ilustre Deputado Sr. Dr. Pinto Coelho, para que marchemos decididamente para o abastecimento de carnes frigorificadas, procurando-se a solução nacional mais conveniente a todos os interesses em jogo.

A titulo informativo, posso ainda comunicar a Câmara que esta solução é também a que os serviços de veterinária e o governo de Angola há longos anos preconizam e defendem.

Para terminar, desejo ainda focar um aspecto da questão posta pelo Sr. Dr. Pinto Coelho.

E propriamente o problema das instalações frigorí-fir.as que há-de ser necessário realizar, e que, seja qual for a sua importância industrial, representa sempre um avultado investimento de capitais, que necessariamente precisa de garantias, sobretudo do confiança, que lhe há-de ser dada principalmente pela metrópole, como consumidora.

E essa confiança, diga-se de passagem, é ainda uma coisa muito vaga, que se apresenta sempre muito nebulosa, neste e noutros casos em que são postas a julgamento, com sentido realizador e verdadeiro, as coisas da economia imperial.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Sr. Pinto Coelho: — Sr. Presidente: em primeiro lugar desejo regozijar-me pelo interesse que mereceram ao Sr. Deputado Bagorro do Sequeira as minhas declarações de ontem e pela adesão que S. Ex.ª prestou às linhas fundamentais das minhas declarações.

S. Exa. trouxe alguns esclarecimentos,, que foram, preciosos, tanto mais que ontem comecei por afirmar que se tratava de um problema que eu não sabia se tinha sido estudado e sobre o qual gostaria de ser esclarecido.

Começam a vir esses esclarecimentos. Por minha vez, quero esclarecer que nas minhas considerações de ontem não me passou pela cabeça, longe que fosse, fazer críticas aos serviços das colónias, nem tão-pouco à qualidade do gado de Angola., e .apenas me referi ao relativamente pequeno valor económico da importação de g.ado quando transportado vivo, e S. Ex.*, ao mesmo tempo, traz elementos concretos e preciosos, e vem reforçar as minhas considerações neste aspecto: que num período relativamente grande foram transportados 10:229 bois, o que em números absolutos representa alguma coisa, mas em números relativos muito pouco, pois que esse gado, segundo os números que ontem referi, corresponde apenas ao abastecimento de quarenta e um dias.

E um facto que Angola conseguiu, durante algum tempo, diminuir a carência de abastecimento de carne e que seria pior se não a tivéssemos recebido, mas todos nós sabemos, como simples consumidores, que, por exemplo, no ano de 1946 durante três meses, pelo menos, não conseguimos «pôr dente em pedaço de carne*.

Claro que o problema que aqui tem estado a ser debatido é relativamente complexo, mas, como disse — e com isso me congratulo por ser também essa a opinião do Sr. Dr. Bagorro de Sequeira —, o que é preciso é enfrentá-lo e procurar resolvê-lo.

Não devemos assustar-nos com as dificuldades que o rodeiam, e eu dar-me-ei por muito satisfeito se, por motivo da minha intervenção, o problema for, como estou certo de que será, corajosamente enfrentado e resolvido pelo Governo Português.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Sr. Belchior da Costa: —Sr. Presidente: na sessão de 18 de Dezembro do ano findo foi apresentado a V. Ex.ª pelo ilustro Deputado do meu distrito Sr. Dr. Querubim Guimarães um requerimento para que, pelas secções próprias do Ministério da Economia, lhe fossem fornecidos determinados elementos de informação, em ordem a poder-se avaliar com segurança do desbaste sofrido pelas matas portuguesas por virtude da situação anormal criada pela guerra ou em consequência desta.

Ora os elementos então solicitados por aquele meu prezadíssimo colega coincidem, em parte, com um pedido por mim formulado, a respeito do mesmo assunto, na sessão de 27 de Fevereiro também do ano rindo.

Os elementos que então solicitei foram-me enviados por ofício de 11 de Abril, e portanto já depois de encerrado o período legislativo.

Não tive, por isso, então ensejo de me referir às informações que recebera em satisfação do meu requerimento nem mesmo oportunidade de as agradecer; aproveito pois esta ocasião para agradecer aos serviços a correcção e a boa vontade em atenderem a minha solicitação.

Entretanto, após a reabertura da Assembleia, outros assuntos solicitaram a atenção da Câmara; mas o requerimento do Sr. Deputado Querubim Guimarães suscita, de novo, a colocação no primeiro plano do problema do despovoamento florestal que pretendi focar quando na referida sessão de 27 de Fevereiro formulei o meu pedido de informações, com o desejo de voltar ao assunto para o tratar mais largamente.

Não chegou ainda essa oportunidade, não só porque os elementos que me foram fornecidos sào escassos ou mesmo omissos acerca de algumas das perguntas formuladas, mas também porque o problema do desbaste contumaz o consecutivo das matas portuguesas, embora, já por si, do consequências gravíssimas, é no entanto apenas um aspecto das dificuldades que a lavoura atravessa, sobretudo a lavoura do Norte, pelo que melhor conviria tratar-se em conjunto com os demais problemas que assoberbam, oneram e definham a exausta, mas sempre heróica, lavoura portuguesa, possivelmente em largo debate suscitado à volta de aviso prévio, que me não coibirei de apresentar caso as circunstâncias não mudem.

Para já, porém, e para se evitar a duplicação de trabalho às secçOes competentes do Ministério da Economia a que daria lugar o pedido do Deputado Sr. Dr. Querubim Guimarães, e ainda porque é (ïe todo o ponto conveniente que a Assembleia conheça a resposta desses serviços às perguntas que formulei, julgo de toda a oportunidade que sejam publicados no Diário das Sessões os referidos elementos de informação, com os mapas que os acompanham, e bem assim os elementos fornecidos pelos serviços florestais e aquícolas, estes referentes, prOpriamente, às matas nacionais.

E assim o requeiro a V. Ex.ª

Sr. Presidente: já que estou no uso da palavra, permita V. Ex.1 que eu, embora abusando dele, borde algumas considerações, sem prejuízo do que atrás disse,

Página 380

380 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79

acerca dessa, deserdada da fortuna que é a lavoura portuguesa, e sobretudo a lavoura do Norte, que melhor conheço.
É sabido que nas épocas de crise, e nomeadamente nas épocas de guerra, é sempre a lavoura a grande, a principal vítima.
O fenómeno não é apenas português. É geral.
Em todos os países directa, ou indirectamente afectados pela guerra sempre a lavoura, suporta nesses períodos de crise um dos grandes, senão o maior, pesos das dificuldades e das atribulações.
E também não é do nosso tempo. Parece ter sido sempre assim.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todavia, parece que não é forçoso que assim seja; e, sobretudo, não é forçoso que seja sempre assim.
Com a intervenção, cada vez mais activa e mais próxima, do Estado na direcção da economia, julgo possível, mesmo nos períodos de crise e de conflagração, travar-se a marcha daquele fatalismo ou, pelo menos, atenuar se grandemente os seus efeitos por meio de medidas oportunas e capazes, em ordem a evitar-se a catástrofe e a derrocada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deixo aos técnicos o problema de saber se o solo continental pode produzir melhor ou se pode produzir mais.
Por mim, parece-me que a terra portuguesa tem produzido mais do que humanamente pode.
O dia tem apenas vinte e quatro horas; e ao lavrador, que de sol a sol se debruça sobre a jeira, transformando em pão o seu suor e muitas vezes as suas lágrimas, que, pela noite dentro, cura primeiro da cama dos mais e só depois cura da sua e que se levanta com estrelas para os primeiros preparativos do dia, vivendo pouco mais do que com caldo e broa, parece-me que não é lícito exigir mais.
Apesar disso, acorreu pronto e presto à patriótica campanha do produzir e poupar, fazendo das tripas coração, na compreensão, consciente ou simplesmente intuitiva, de prestar um alto serviço à grei.
Outro estimulo o não moveu senão a voz da Pátria, que lhe pedia mais um sacrifício.
E supomos poder afirmar que a lavoura cumpriu, excedendo-se até em possibilidades e em esforços.
Tabelaram-lhe os seus produtos com excessivo rigor, às vezes mesmo, e para certas regiões, por preços inferiores ao custo da produção, como sucede com o milho; obrigaram-na a manifestos rigorosos e apertados, deixando ao lavrador, dos produtos que com tanto carinho amanhou, às vezes o insuficiente para os seus gastos e sujeitando-o a unia burocracia complexa, senão, às vezes, escusada: requisitaram-lhe as suas matas, por vezes por métodos e processos tão atrabiliários que dir-se-ia operar-se em terra de ninguém.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E ainda a alguns, com demasiado e escusado aparato, cortaram-lhes as vides em zonas que, ao que parece, outras senão as americanas são susceptíveis de adaptação económica.
Tudo isto, e não só isto, claro, a lavoura, principalmente a do Norte, suportou com paciência, com estoicismo, com acendrado sentido patriótico, dando-se em benefícios, com grande espírito de desinteresse e de solidariedade.
Para se avaliai só em um aspecto o que representou esse sacrifício e essa generosa dádiva em favor dum pretenso interesse colectivo, tanta vez iludido pela intervenção de mercadores de má-morte, basta citar-se alguns números, por exemplo, no que diz respeito a requisição de madeiras e lenhas.
Segundo os dados que me foram fornecidos pela direcção competente do Ministério da Economia, as cifras oficiais da lenha e madeira requisitadas desde Dezembro d e 1942 a Janeiro de 1946 somavam 2.248:103 toneladas, sendo 1.573:672 toneladas propriamente de madeiras requisitadas e 674:431 toneladas de excedentes. Isto para o pinho, eucalipto, azinho e sobro.
Deixando de parte a madeira dos excedentes, que, segundo as notas recebidas, não estão tabeladas, mas em cujas notas não se demonstra que tivessem sido pagas aos proprietários pelos preços do mercado livre, fixem-nos apenas nas propriamente requisitadas, que foram 1.573:672 toneladas. Essa tonelagem produziu, ao preço médio aproximado - também fornecido nas notas que me foram enviadas - de 44046, a quantia de 70:122.824$32.
Foi esta a quantia que a lavoura recebeu, não falando nos excedentes.
Pois bem!
Computando em 150$ o valor médio da tonelada das mesmas madeiras e lenhas, entre os anos de 1942 e 1946, em mercado livre (e sabe-se que a mais barata - o pinhal- se podia vender ainda por melhor preço), deixou a lavoura de receber uma importância da ordem de mais de 165:927.975$568.
E se computarmos apenas em 100$ o valor da tonelada em mercado livre, ainda assim deixou a lavoura de receber uma importância da ordem dos 87:244.375068.
Vejam, meus senhores, só neste limitado aspecto, o sacrifício (para não chamar outra coisa) que foi exigido à lavoura portuguesa, principalmente, como é sabido, à do Norte do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Redundaram estes enormes sacrifícios em puro benefício da colectividade?
Não duvido de que, descendo de plano em plano, uma inteligência arguta possa demonstrar tal.
Mas o que tenho a certeza é de que também, à custa dos enormes sacrifícios da lavoura, do tabelamento dos cereais, do preço exíguo dos leites, da requisição das suas matas e do preço das resinas, alguns puderam enriquecer, e a ponto tal que nos assombram com o luxo das suas instalações industriais e com o fausto da sua vida opulenta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, assim, à custa de muitos remediados fizeram-se uns poucos ricos, fazendo daqueles muitos pobres.
E foi só isso?
Vejo, por exemplo, nos últimos anos, diminuir em muitos milhares de toneladas o consumo e a extracção do carvão nacional.
Não me consta que as minas tenham diminuído em capacidade ou possibilidades. A que se deve, pois, tão notável diminuição? Sem dúvida, talvez em grande parte à descoberta doutra mina - a dos pinhais dos lavradores...
Não sei até quando nem até que ponto é ainda necessário manter este apertado cerco de manifestos, tabelamentos, requisições.

Página 381

25 DE JANEIRO DE 1947 381

Desconheço em que medida ainda as circunstâncias derivadas da guerra impõem a manutenção de medidas tão apertadas como odiosas.
Melhor informado, só o Governo pode saber, com relativa exactidão, até que ponto e durante quanto tempo é ainda preciso manter tal regime de excepção e, portanto, de injustiça.
Por isso, penso que, se as medidas excepcionais ainda perduram e se mantêm, é porque, realmente, a sua necessidade se impõe ainda, por insuficiente abastecimento do País.
Quero aqui fazer essa justiça ao Governo da Nação, com a esperança, porém, e o veemente desejo de que os produtos da terra sejam libertados o mais depressa que possa ser do regime de apertado condicionamento que lhe tem sido imposto por via de circunstâncias, que, se foram prementes em determinado momento, já o não são hoje ou, pelo menos, não o são tanto.
Sr. Presidente: não me cansarei, porém, de insistir em um ponto, e esse possível e da maior justiça: o reajustamento dos preços dos produtos da terra.
Todos sabem quanto são exíguos, baixos e às vezes irrisórios os preços tabelares dos produtos da terra, algumas vezes e em algumas regiões, como já disse, inferiores ao próprio custo da produção.
Há-de ter-se notado que certas produções estão a baixar enormemente, por falta de estímulo e de retribuição capaz.
Se os trabalhadores da torra até aqui compreenderam que a defesa da Nação impunha sacrifícios patrióticos, é de supor que tal estímulo comece a deixai? de operar eficazmente, merco da circunstância de se ir afastando o eco do grito de alerta que possibilitou a aglutinação desses obreiros para a gra.nde batalha da terra.
Outros estímulos, pois, hão-de substituir-se a esse para conservar a legião benemérita desses batalhadores em pé de guerra.
Tal estímulo há-de ser sempre, em permanência, o preço remunerador dos produtos.
Enquanto as coisas se mantiverem no pé em que estão não admira que se produza menos milho, menos leite, menos azeite ou que, mesmo que assim não seja, esses ou outros produtos se escapem, mercê dos mais apurados métodos de evasão, no interior, para o «mercado negro», pela fronteira, para o mercado externo clandestino, num e noutro caso com grave prejuízo para o consumidor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém tenha ilusões!

A forma ainda mais eficaz de se obstar às causas do «mercado negro» ou, pelo menos, de se atenuarem essas causas enquanto não houver suficiente abastecimento é atribuir aos produtos na mão do produtor um preço compensador e capaz.
Se assim se fizer raros serão aqueles que se queiram sujeitar ao risco de alimentar o «mercado negro» ou o mercado externo clandestino.
Ao insistir neste ponto tenho a consciência de que interpreto o verdadeiro sentir e a rigorosa atitude dos produtores da terra sobre o problema enunciado, maxime dos daquela região que me confiou o seu voto para eu ser também seu representante nesta Assembleia.
É, pois, com base nessa força e nesse apoio, que sinto e aprecio, que mo permito pôr à apreciação do Governo estas breves considerações, fazendo-me também eco de iguais anseios aqui expressados por outros Srs. Deputados em anteriores sessões.

Vozes: - Muito bem!

O orador: - Urge que se reajustem os preços atribuídos aos produtos da terra, por forma a torná-los, senão generosamente remuneradores, ao menos mais equitativamente compensadores e, sobretudo, mais justos.
Suponho que para tal o Governo não encontrará quaisquer entraves por parte dos consumidores.
As medidas de reajustamento só vêm beneficiar também o consumidor, por isso que uma melhor remuneração fará afluir ao mercado legal uma maior quantidade de produtos que se transaccionam em mercado ilícito. E sabe-se bem que, em qualquer caso, há-de sor sempre mais benévolo o preço dos produtos em mercado legal do que em «mercado negro».
Sr. Presidente: não queria terminar estas ligeiras e apressadas notas sem aludir a dois factos recentes que bom revelam o cuidado que ao Governo merece o bem-estar do País.
O primeiro, embora um pouco à margem da ordem do considerações que venho formulando, refere-se aos patrióticos esforços, coroados de inegável êxito, despendidos pelo Governo em prol do abastecimento do País em carnes, gorduras, manteiga e outros géneros de primeira necessidade, importados das colónias e do estrangeiro, e que muito vêm atenuar a crise alimentar.
Penso que todos devemos estar gratos ao Governo por tais medidas -e não serei eu que lhe regatearei o mais rasgado aplauso - e estou até certo de que, a prosseguir-se metodicamente nessa política, em boa hora iniciada, em breve desaparecerá do plano das nossas preocupações um dos problemas mais aflitivos e mais instantes - o problema da alimentação pública.
O outro facto a que me queria referir diz respeito à reunião havida, no dia 27 de Dezembro, dos grémios da lavoura com o Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura.
Nessa reunião, embora a propósito da recente regulamentação da lei dos melhoramentos rurais, produziram-se afirmações de grande alcance e projecção, como naturalmente V. Ex.ªs tiveram ocasião, senão de ouvir, pelo menos de ler, como ou. sendo de salientar o notável discurso então proferido por aquele Subsecretário de Estado, a cuja alta inteligência, espírito de verdadeira abnegação pela lavoura, grandes qualidades de acção e austeras virtudes patrióticas a lavoura já muito deve e a quem muito mais virá a dever.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De entre as considerações tão judiciosamente expendidas por aquele ilustre membro do Governo, a quem presto, deste lugar, a minha melhor homenagem de estima e grande admiração, destaco ligeiros passos:
Julga-se desnecessário -disso S. Exa.- salientar que, partindo do abandono, se dispõe hoje de uma organização ligada aos produtos agrícolas, a qual, além de tudo só no que se refere a créditos, pôs à disposição das forças da produção mais de 2 milhões de contos. Contudo - disse ainda - não se podo parar na acção encetada. Há que intensificar a investigação e os ensaios, ampliar a assistência técnica, consolidar e completar a organização, facilitar-lhe certas modalidades de crédito e, também, empreender uma campanha de esclarecimento, quase diria do educação, que prepare melhor os espíritos para a percepção dos altos interesses da lavoura.

E concluiu:

Mas isso não basta. E indispensável aproveitar melhor as possibilidades da terra.

Página 382

382 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79

É, como se vê, todo um programa, toda uma política, toda uma orientação, que louvo e aplaudo incondicionalmente.
Mas, parafraseando o pensamento do ilustre homem do Governo, ainda me afoitaria a dizer:
Não basta o progresso da investigação e dos ensaios; não bastam a ampliação da assistência técnica ou financeira, a consolidação da organização, a educação dos espíritos; não basta ainda aproveitar melhor as possibilidades da terra.
É preciso mais: é necessário pagar à terra os produtos em que ela generosamente se transforma e que mais tem dado do que vendido.
Aquele plano, aquele programa, aquela política ameaça mesmo estar condenada a puro insucesso enquanto não se atribuir aos produtos da terra um preço remunerador, um preço justo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Os documentos a que se referia o Sr. Deputado Belchior da Costa serão publicados no Diário das Sessões relativo à sessão de hoje.

O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: pediu palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me seja fornecida nota das quantidades de azeite distribuídas no concelho de Guimarães, e especialmente na sua cidade, nos meses de Julho a Dezembro de 1946».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional.

O Sr. Couceiro da Costa: - Sr. Presidente: é a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Assembleia e, (por isso, começo por dirigir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, os meus cumprimentos, afirmando a sincera admiração que me merecem as suas qualidades morais e intelectuais.
Com estas palavras obedeço menos a preceito protocolar ou a regras de simples cortesia do que a imperativo ditado pela própria consciência de português, que determina que se preste homenagem a quem à causa nacional vem dedicando há já largos anos, como V. Ex.ª, o melhor do seu esforço, orientado por invulgar inteligência e saber.
E, pois, com grande satisfação e sinceridade que neste momento lhe apresento as minhas respeitosas saudações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Saúdo também os Srs. Deputados e assegura-lhes o propósito firme de colaborar lealmente, embora sem brilho (Não apoiados), no trabalho útil a realizar por esta Câmara.
Consiste este, essencialmente, na fixação de princípios administrativos e na elaboração de leis que tenham o objectivo de aumentar a prosperidade do País. E é consolador reconhecer o propósito que a todos nos anima de contribuir, com maior ou menor parcela, para que tal fim seja atingido. Comprova este facto a especial atenção com que é estudada e apreciada a proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional.
Na verdade, embora só os teimosamente cegos deixem de reconhecer a vastidão da obra do Estado Novo já realizada, tanto no campo material como no educativo, devemos reconhecer que neste último o ritmo do progresso deverá ser acelerado, imprimindo-se-lhe um maior vigor. Aumentar a cultura moral e intelectual do nosso povo, tornando-o mais apto para vencer as más Tentações «as dificuldades da vida moderna, constitui problema básico que nos cumpre resolver, direi até que a resolução de tal problema constitui condição necessária para que não sejam perdidas as realizações materiais de que justamente nos orgulhamos.
Bem haja, pois, o Governo por ter apresentado a proposta de lei respeitante à reforma do ensino elementar e médio técnico nos três domínios da actividade industrial, comercial e agrícola. Apenas será de lastimar que haja demora na revisão do que se passa noutros ramos do ensino e em todos os seus graus - primário, secundário e superior - , sem esquecer o do ensino artístico, que não deverá andar afastado do próprio ensino profissional.
O pensamento do Governo, expresso na proposta de lei que se discute, foi acompanhado meticulosamente pela Câmara Corporativa, que elaborou douto parecer, digno de sinceros aplausos por justas correcções e até I II ovações que nela introduz.
Proposta e parecer foram cuidadosamente estudados e apreciados pelas Comissões de Educação e Economia desta Câmara, com o fim de, na medida do possível, ser perfeita a lei, de tão largo alcance político e social, que lhes deverá corresponder.
Precederam-me no uso da palavra ilustres Deputados, que puseram já em evidência o interesse da proposta e a vantagem que se reconhece na sua aprovação, com corta emendas sugeridas pela Câmara Corporativa e outras das Comissões referidas, ambas em acordo quase perfeito. Particularmente, o Sr. Prof. Doutor Marques de Carvalho, na sua qualidade de relator da Comissão de Educação, elucidou claramente a Câmara, dando relevo aos pontos mais delicados e para que deve convergir especial atenção.
Seria portanto dispensável a exposição que vai seguir-se, que não terá outra pretensão além da de justificar o meu voto no sentido de aprovar na generalidade a proposta em discussão.
Divide-se ela em quatro partes, que sucessivamente procurarei considerar nos aspectos que julgo fundamentais.
Na primeira, a do ensino técnico profissional, compreendem-se dois graus diferentes; 1.º, o do ciclo preparatório elementar de educação e pré-aprendizagem, e 2.º grau, que mais especificadamente corresponde a cursos técnicos industriais e comerciais.
O 1.º grau, com a duração de dois anos, aparece como resultante da natural necessidade de completar a acção educativa, muito rudimentar, exercida na escola primária. Tem nele ingresso estudantes aprovados no exame da 4.º classe, com a idade mínima de 11 anos, e deverá constituir habilitação necessária para a admissão aos cursos técnicos respeitantes às profissões qualificadas da indústria, comércio e agricultura. (Base I da Câmara Corporativa).
O nível deste curso será sensivelmente igual ao dos dois primeiros anos dos liceus, excluindo conhecimentos de língua francesa, só nestes adquiridos. As despesas a cargo dos estudantes que as frequentam deverão harmonizar-se com as possibilidades económicas dos pais, que serão em grande número modestos lavradores, funcionários do Estado e empresas privadas.

Página 383

25 DE JANEIRO DE 1947 883

Embora no ensino deva ter-se em atenção a finalidade diferente dos dois cursos -preparatório profissional e liceal, visto que o primeiro se destina a ministrar conhecimentos gerais indispensáveis a uma boa formação de conscientes e hábeis trabalhadores da indústria, comércio e agricultura e o segundo a assentar bases que permitam aos estudantes, em anos subsequentes, assimilar mais vastos conhecimentos literários e científicos -, não se afastarão muito, os resultados obtidos nas duas escolas.
Afigura-se-me, digna de registo a vantagem resultante desta afinidade.
Fixar rumo de vida na idade dos 11 anos é naturalmente perigoso, e (portanto será aconselhável dispor as coisas por forma que a transferência dos liceus porá as escolas profissionais e a recíproca se possa fazer com relativa facilidade após o estudo feito durante dois anos em qualquer dos dois estabelecimento de educação. Durante este período é frequente revelarem-se qualidades do estudante ou mudanças nas condições económicas dos pais aconselhem o desvio.
A transferência em causa poderá então fazer-se naturalmente, sem perda de anos de estudo, mediante adequado exame de admissão à nova escola, e deste modo será elevada, para os 13 anos a idade em que se fará uma escolha mais definitiva da carreira a seguir.
Penso que a difusão pelo País destes cursos determinará larga expansão da cultura geral e educação do povo português.
As escolas respectivas a que se refere a alínea a) da base II da proposta não exigem as instalações dispendiosas de oficinas e laboratórios ou a existência de extensos terrenos e utensílios destinados a demonstrações agrícolas. Poderá, portanto, fazer-se a sua multiplicação sem exceder as possibilidades económicas do Estado.
E convirá, como está previsto na proposta, que ao lado das escolas oficiais outras apareçam resultantes da iniciativa, privada, dentro de regras a fixar pelo Governo.
O recrutamento dos professores que deverão formar os quadros das escolas do Estado será feito segundo normas cuidadosas, que assegurarão ensino sério, e preocupações análogas deverão ser impostas no ensino particular.
Sr. Presidente: no 2.º grau, tanto no ramo industrial como comercial, encara-se, então, o ensino técnico elementar propriamente dito, sem excluir uma intensificação da cultura geral, a ministrar em disciplinas apropriadas.
Compreendem-se nele vários cursos: ou destinados a estudantes em condições de vida diferentes -os que exercem já a função de aprendizes nas oficinas ou escritórios e os que apenas, frequentam a escola -, mas com a mesma finalidade; ou destinados a indivíduos já maiores de 15 anos, que trabalham na indústria e no comércio e desejam intensificar ou melhorar os seus conhecimentos; ou, finalmente, destinados aos melhores estudantes, os que pretendem levar mais alto o seu nível cultural, isto é, aos candidatos aos institutos industriais e comerciais e escolas de belas-artes.
Assim temos, segundo a proposta, cursos a funcionai, todos eles ou apenas determinados cursos, nas escolas designadas nas alíneas b), c) e d) da base II, isto durante o dia ou à noite, a seguir ao trabalho.
Os primeiros são os cursos designados «complementar de aprendizagem X e a de formação profissional», os segundos os cursos «de aperfeiçoamento profissional» e os «de mestrança». A secção preparatória funcionará em determinadas escolas e corresponde aos cursos já hoje existentes de habilitação complementar para a matrícula nos institutos; industriais e comerciais.
As bases da proposta, desde a V até à X, definem a índole destes cursos e fixam as normas essenciais sobre as condições em que deverão ser seguidos, as quais satisfazem, de um modo geral, às preocupações actuais.
O parecer da Câmara Corporativa dá justo relevo à circunstância de nos cursos complementares de aprendizagem o ensino passar a fazer-se durante o dia, devendo ser pagas pelas empresas patronais as doze horas semanais absorvidas pela escola, que passarão a ser consideradas de trabalho efectivo.
Encaro também, Sr. Presidente, com entusiasmo esta disposição, certo de que ela será aceite, geralmente, com agrado pelas próprias entidades patronais. Na verdade, elas não só prestarão assim um grande serviço social, mas terão também a compensação resultante de um melhor aproveitamento da acção escolar.
Compreende-se bem quanto é precário o ensino actual, realizado à noite, a rapazes já cansados, após um dia de trabalho pesado nas oficinas e escritórios.
Penso que as doze horas semanais de escola, intercaladas nos períodos do restante trabalho, terão rendimento incomparavelmente superior.
Os cursos de mestrança constituem inovação introduzida pela reforma e destinam-se a ministrar habilitação suficiente a trabalhadores que pretendam exercer as funções de contramestres, mestres ou chefes de oficinas. A criação deles penso que corresponde à necessidade real de ocorrer a deficiências existentes em matéria de educação. São de prever certas dificuldades de execução, apontadas no parecer da Câmara Corporativa. Entretanto, não são elas de molde a tornarem-se invencíveis, quando há propósito firme de progredir, dando preparação conveniente às massas trabalhadoras.
A educação feminina é igualmente encarada, prevendo-se que, ao lado das turmas masculinas dos cursos apropriados, se organizem as que a ela se destinam e até que se criem cursos especificadamente femininos. Não se compreenderia que fossem então esquecidas as disciplinas de Economia Doméstica e Puericultura. A tudo isto se refere a base XI, digna da maior atenção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A parte segunda da proposta diz respeito ao ensino médio industrial e comercial, exercido nos institutos já existentes nas cidades de Lisboa e Porto e que são largamente frequentados. São poucas as inovações introduzidas na reforma. Merecem, entretanto, menção especial, porque revelam desejo de fazer progredir o ensino técnico, os cursos de aperfeiçoamento, cuja criação é prevista na base XIV. Poderão prestar serviços reais estes cursos, com a duração de um ou dois semestres, quando as conveniências de aperfeiçoamento e especialização técnica o aconselhem.
Os cursos dos institutos comerciais parece serem actualmente de duração demasiado longa, sobretudo postos em confronto com os cursos superiores correspondentes, só exercidos agora no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, pois que, contando o tempo de estudo nos liceus e nos institutos, apenas existe um ano do diferença. Afigura-se possível e sem grandes inconvenientes reduzir para três anos o ensino actualmente exercido em quatro.
Seja-me permitido, Sr. Presidente, lembrar neste momento, que parece vir a propósito, a conveniência que haverá em restabelecer na cidade do Porto o estudo superior das ciências económicas e financeiras. Ali existiu o Instituto Superior de Comércio, que, a despeito dos seus defeitos de organização, que por certo justificaram fosse extinto há uma dúzia de anos, naquele meio essencialmente comercial prestou relevantes serviços.

Página 384

384 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79

Lembro, pois, ao Governo a justiça que representaria o ser criada, no momento oportuno, ao lado da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e utilizando até a frequência de certas cadeiras dos seus cursos, uma nova Faculdade de estudos económicos e financeiros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Desculpe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, este breve desvio da análise da proposta de lei de que nos ocupamos.
A terceira parte desta diz respeito ao ensino agrícola, nos seus graus elementar e médio.
Existe manifesto desequilíbrio entre a forma como é encarado o ensino comercial e industrial, por um lado, e o ensino agrícola, pelo outro.
Contudo, parece justificar este facto a necessidade de avançar mais cautelosamente no último domínio. A impreparação na cultura geral acentua-se fortemente no meio rural, onde a percentagem de analfabetos atinge cifra desoladora. Assim, se na educação correspondente aos primeiros ramos de actividade a experiência já existente determina com mais segurança rumos definidos a tomar, quando há o propósito de progredir no ramo agrícola, onde domina ainda fortemente o conceito empírico e é o espírito de rotina que orienta a grande maioria dos trabalhadores rurais, a marcha a seguir, embora com passos firmes, deverá ser revestida de maiores precauções.
A lei orientadora deverá, portanto, determinar apenas a traços largos o que é fundamental, deixando-se ao Governo liberdade de acção suficiente para, em contacto íntimo com os respectivos serviços, regular convenientemente essa marcha.
A base XVII contém as normas sobre que deve assentar a parte mais elementar deste ensino. Dá acção ao professor primário para que, mesmo fora da sua escola, procure aumentar a cultura geral da gente do campo. Marca o principie de que deve existir colaboração entre o Ministério da Educação Nacional e o da Economia para que se torne possível a organização de núcleos de ensino técnico em locais e épocas do ano mais favoráveis para que sejam profícuos os resultados a obter. As bases XVIII a XX fixam os princípios tendentes a melhorar as condições em que funcionam as actuais escolas de ensino agrícola elementar e médio, que devem crescer e progredir em número e qualidade do ensino.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A última parte da proposta contém as disposições gerais indispensáveis ao regular funcionamento da máquina do ensino profissional. A base XXV merece referência particular, porque põe em evidência cuidados que serão fundamentais na execução. Na verdade, parece essencial o papel a desempenhar pelos inspectores-orientadores a que ela se refere.
Em resumo:

A proposta de lei em discussão encara com seriedade o problema da educação profissional, nos graus elementar e médio, e revela propósito de bem servir o País nesta matéria de fundamental importância.
O regime a estabelecer determina indiscutível melhoria em relação às condições em que o ensino é actualmente ministrado.
E, portanto, digna de louvor e merece ser aprovada, sem reservas, na sua generalidade.
Poderá, entretanto, perguntar-se:
Assegurará a reforma êxito pleno, atingindo o objectivo de preparar o País para vencer as dificuldades crescentes da época actual?
Por outras palavras, terá chegado já a hora da educação nacional, a que tão eloquentemente se referiram oradores que me precederam?
Tenho fé de que chegou essa hora, porque creio nos destinos gloriosos da Nação.
Esta reforma apareceu no momento preciso, e, assim, a ela se seguirá, sem dúvida, a construção de numerosas e boas escolas, oficinas e laboratórios, ou seja o apetrechamento indispensável para a sua boa execução.
Que seja criado também espírito mais vivo de bem servir o País, educando-o melhor, são os votos que calorosamente exprimo.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem 1 O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Fernandes Prleto: - Pela compreensão da importância que o ensino técnico profissional pode e deve desempenhar no ressurgimento económico do País, vem a esta Câmara, para ser submetida a discussão, a proposta de lei n.º 99, com a qual o Governo mais uma vez nos afirma, o seu propósito de resolver problemas de interesse nacional.
Quem, por simples curiosidade ou então por desejo de saber, do se esclarecer ou de se orientar, tenha pretendido colher neste espaço de tempo que precedeu o debate agora aberto impressões sobre o mérito da proposta de lei em discussão, deve certamente ter verificado três correntes principais de opinião: a dos que por sistema vêem facilidades em tudo, por, ingenuamente, se julgarem possuidores de soluções imediatas e fáceis para todos os problemas, por mais transcendentes e complexos que eles sejam; a dos que vêem o caso com superior indiferença ou desdém, numa quase afirmação de que entre nós tudo está por fazer, sem que todavia se prestem a colaborar, e a dos que, por prudência, por um «saber de experiência feito» e pelo verdadeiro conhecimento das dificuldades e responsabilidades, põem sempre as suas opiniões sob um aspecto de ponderada reserva e dúvida, certamente com o receio de que nem sempre estejam de posse da verdade.
Com o valor do contributo dos primeiros não há que contar, por motivos que nem vale a pena expor.
Quanto aos segundos, convém lembrar-lhes que há injustiça na sua apreciação e que o ensino técnico em Portugal não tem sido desprezado pelos Governos da Nação. Tem mesmo tradições, que já vêm de longa data.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Enquanto que em quase todos os países da Europa a organização deste ensino aparece no decurso da segunda metade do século XIX, em Portugal já em Maio de 1709 eram confirmados os estatutos da Aula de Comércio, instituída nesta cidade de Lisboa.
Isto traz para nós a glória de ter sido Portugal o primeiro país da Europa que organizou o ensino técnico, pelo menos na modalidade comercial.
Os «aulistas», como então se chamavam os alunos dessa escola técnica, e aos quais era exigida uma frequência com a duração de três anos, gozavam, em caso de aprovação, de privilégios especiais, e o próprio Rei D. José, para afirmar o apreço em que tinha a referida Aula, ia muitas vezes com toda a corte assistir às provas finais de exames, segundo nos afirma Jácome Ratton.
Pelo que se depreende do que ha escrito a respeito desta época, a Aula de Comércio foi um valioso elemento de prosperidade económica e criou em Portugal uma tradição honrosa para o nosso ensino comercial.
Poderiamos ainda fazer referência à escola industrial de fiação na antiga vila de Cachim, do distrito de Bragança,

Página 385

20 DE JANEIRO DE 1947 385

às oficinas respeitantes a indústrias novas estabelecidas por Pina Manique na Casa Pia, criada em 1870, etc.
Vem isto à colação simplesmente para afirmar que não é justificável o pessimismo daqueles insatisfeitos a que me referi.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O ensino técnico não foi, pois, descurado em Portugal, e se os resultados obtidos na prática nem sempre, aparentemente, o elevam, o caso tem sua explicação, que me abstenho de expor para evitar uma repetição, aliás em termos apagados, do que é expresso no capítulo II do parecer da Câmara Corporativa.
Alinho, pois, ao lado dos terceiros, não por compartilhar -infelizmente para mim- do tal «saber de experiência feito», mas tão somente porque à sombra da prudência há, possivelmente, menos prejuízos.

Sr. Presidente: embora professor de um ramo de ensino secundário em que o objectivo a alcançar é diferente do que está inscrito como finalidade do ensino técnico, julgo que é meu dever tomar parte na discussão que se abriu sobre a proposta do Governo presente a esta Câmara.
Não me quero inculcar, ao tomar tal posição, como possuidor de opiniões tradutoras de ciência certa em tão delicado problema, nem me julgo em situação de poder dar mais clareza ao que se contém no relatório que precede as bases da proposta e ao longo comentário que lhe é feito no parecer da Câmara Corporativa.
O meu único desejo, e sem sair do campo de pura opinião pessoal -muito discutível, por isso mesmo-, é dar, num ou noutro caso, uru pequeno apontamento que poderá ser ou não aproveitado, e fazer uma ou outra apreciação, que poderá ter ou não ter valor.
E assim mesmo teria de acontecer a quem muito lealmente se confessa hóspede de poucos dias no exame da estrutura deste ensino, porquanto sómente os que para ele vivem em função docente poderão descobrir com relativa segurança, nesta ou naquela base, doutrina que poderá jogar desarmònicamente com as consequências que na prática do mesmo tenham encontrado.
Depois, a verdade é que as bases de uma reforma de ensino de um ou outro ramo, deste ou daquele grau, dado o carácter geral denunciado pela sua redacção, nem sempre podem levar à previsão de conclusões isentas de defeitos, uma vez reduzidas ao articulado da lei.
Neste ponto subordino-me escrupulosamente à opinião expressa no parecer, que no capítulo intitulado «Forma e matéria» diz claramente: se uma reforma de ensino nunca traduz mais do que o que poderemos chamar o panorama exterior, aquela que discutimos limita ainda, por imposição constitucional, o ângulo de visão, apertada na sobriedade de umas bases gerais cuja doutrina, mesmo quando boa, não garante, só por si, melhoria efectiva que compense a canseira que dá.
Muito embora se não possa nem deva negar grande mérito à canseira que houve na elaboração das bases em que se pretendeu esboçar, nas suas linhas gerais, a armadura do nosso ensino técnico, o certo é que não convém evitar a obediência à velha norma de prudência que nos aconselha a guardar para mais tarde a apreciação das possíveis virtudes de uma reforma que ainda está em bases, e portanto sómente no papel.
Apoiados.
Sr. Presidente: antes de mais, e por necessidade do meu espírito, desejo fazer uma declaração, que outro valor não terá do que simples introdução às considerações que seguem: não me seduzem muito as modificações com que se pretende reorganizar um ramo de ensino, uma vez que elas se não integrem claramente num plano geral. Já aqui o mesmo disseram os oradores que me precederam.
O sistema de reformar sectores de uma actividade sem olhar às ligações com as outras a ela relacionadas acarreta sempre dificuldades e deficiências, que depois, no futuro, é costume remediar com novas disposições que podem, pelo seu número, prejudicar fundamente o objectivo inicialmente em vista.
É sempre mau um tal processo de construção, porque se não vêem claramente as ligações com os outros graus ou ramos de ensino.
O caso lembra os defeitos de um edifício em que houve o esquecimento de lançar francas escadas de ligação de uns com outros andares.
Mas deixo, por agora, este ligeiro apontamento, sem que, no entanto, o considere, para mim, despiciendo. Não sei se todos assim pensam. Perdoe-se-me a opinião, mas julgo-me bem acompanhado.
A avaliar pelas intenções que transparecem das palavras que precedem as bases da proposta, somos levados a confiar no desejo e propósito de se entrar numa base construtiva, em que o ensino técnico corresponda aos anseios de todos os que vêem a necessidade do seu ajustamento aos progressos e descobertas da técnica e, consequentemente, às exigências da vida. Mas diga-se desde já que para isso há que confiar não tanto nas possíveis virtudes da nova orgânica como na devoção dos que lhe vão dar execução e na energia, sem desfalecimentos, de quem vai ao leme na nova nau.
Qualquer reforma desacompanhada da verdadeira vocação dos que nela vão exercer funções e ainda das condições materiais exigíveis para a sua eficiência é tentativa inútil.
Não podemos contentar-nos com simples promessas ou boas intenções se não houver a dar-lhes vida uma vontade forte, activa, renovadora.
Do espírito de devoção da corporação docente não haverá, assim o creio, motivo para apreensões. Todos os professores terão a melhor, a mais ambiciosa, vontade de ver progredir, florescer e frutificar abundantemente o ramo de actividade em que se encontram. O critério da sua selecção é garantia da sua idoneidade profissional. Se num ou noutro caso se nota a ausência da chama interior que conduz ao apostolado docente, não deve tal facto causar estranheza, por estar enquadrado numa regra verificável em todos os ramos de ensino, como afinal, em todos os departamentos de serviço.
Bom seria que essas excepções não existissem, mas infelizmente parece que elas têm força inelutável.
Sr. Presidente: há no início do relatório da proposta uma declaração que nos tranquiliza: foi feita a recolha e análise dos mais diversos elementos de estudo, necessários para um trabalho de conclusões seguras.
Como a reforma se deve destinar fundamentalmente aos alunos, cremos cegamente que as informações obtidas no inquérito incidiram preferentemente sobre estatísticas de matrícula e aproveitamento, arranjos e precedências de disciplinas, capacidade de apreensão de ensinamentos dentro desta ou daquela idade, etc.
Com a certeza da aquisição destes e outros dados, que constituem, evidentemente, as necessárias premissas para uma organização cuidada, as soluções que se apresentam e as inovações que se introduzem devem representar incontestavelmente uma superioridade bem sensível sobre o plano de estudos que até aqui tem vigorado.
Vejo no relatório referências de certo peso ao problema das instalações. Oxalá que em breve, para eficiência e prestígio do ensino técnico, se entre francamente na execução da doutrina do decreto-lei n.º 24:337.
Sem negar que o programa e o professor definem melhor a escola do que o edifício em que se encontra instalada ou do que as generalidades da orgânica, inclino-

Página 386

386 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79

-me de boa vontade pura a opinião expressa no relatório da proposta, segundo a qual o novo plano do estudos seria inexequível em edifícios como os que são presentemente utilizados.
Não faço considerações a este respeito, tal é a evidência da afirmação. Desejo sómente salientar que as inevitáveis deficiências de um ensino ministrado em condições materiais de acentuada pobreza, como aliás acontece em muitas escolas do ensino técnico espalhadas pelo País, nem sempre são interpretadas em suas verdadeiras causas. Daí a injustiça com que II ao raro se aprecia o esforço dos que exercem a função docente, que, fatalmente, não podem colher em ambiente tão despido os resultados que estavam dentro dos seus desejos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas abandono considerações desta ordem para me referir a inovações que convém salientar.
Pouco será o que poderei dizer e nem a todas elas farei referência; outros oradores as salientaram já com mais justeza e lhes lixaram o valor em mais elevados e apropriados termos.
Como introdução ao ensino que é propriamente técnico profissional, institui-se agora um ciclo preparatório, que o articula com o ensino primário.
Pretende-se ver neste ciclo a dupla virtude de retardar, como convém, a iniciação do aluno na aprendizagem de natureza profissional e do lhe dar, neste intervalo, umas tintas gerais de cultura.
Com esto retardamento da entrada nos cursos em que já impera a tecnologia presta-se obediência às correntes que afirmam o carácter de instabilidade de muitas aptidões que, manifestadas pelas crianças nas suas primeiras idades, pareciam de fixidez duradoura.
Essa instabilidade nada mais é do que a confirmação do que Baungarten designa por transmutações.
Thorndike, por sinal um pouco pessimista a tal respeito, comunga nestas mesmas ideias, depois de ter acompanhado a vida profissional de grande número de crianças saídas das escolas. Os resultados que observou levaram-no à conclusão de que as provas do orientação profissional inicialmente manifestadas não tiveram seguro valor preditivo no sucesso da futura profissão.
Evitam-se, portanto, os inconvenientes de decidir demasiadamente cedo de uma carreira futura, embora conservando os alunos em pleno estudo, que servirá como que de formação geral. E diga-se que não haveria qualquer prejuízo ainda mesmo que a entrada nos cursos profissionais se fizesse um tudo nada mais tarde. Há sempre a recear as consequências da puberdade, porque ela pode originar disposições novas. Na verdade, como a crise pubertária é determinada por um desequilíbrio funcional, perfeitamente normal, os elementos e as funções que intervêm em qualquer acto não estão suficientemente coordenados para uma realização perfeita.
Daqui resulta naturalmente que as aptidões inicialmente manifestadas para uma profissão podem apresentar um carácter instável, que é preciso ter em conta.
Assim, encontramos por vezes, e por sinal sem grande estranheza, casos em que há mudança de profissão, mesmo depois de conseguido o diploma do habilitação para uma ou outra bem diferente. Pode, por exemplo, ver-se instalado no comércio um indivíduo diplomado pelo ensino técnico industrial, ou até em escritório de fábrica um outro que se diplomou em escola agrícola. O caso deverá ser atribuível, em grande parte, à referida instabilidade das aptidões que de princípio foram manifestadas na escolha da carreira.
Por isso se diz que o desenvolvimento das aptidões poderia traduzir-se por uma curva ondulante, resultante de fases de desenvolvimento seguidas de fases de paragem e até de regressão.
Mas, se este curso preparatório é um retardador necessário e útil para a entrada nos cursos profissionais, já não posso acompanhar sem reservas a hipótese que se estabelece do ele um dia vir a desempenhar a função de vestíbulo de acesso a todas as escolas secundárias. Tal qual, se prevê e com as características que se lhe apontam, afigura-se-me ser um pouco arrojado o cometimento.
Reconheço as vantagens que derivam, para quem vai para o liceu, de se servir das mãos com agilidade para a utilização de qualquer ferramenta, como se diz no parecer, mas, como essa, outras habilidades há que não seriam também para desprezai, embora se não relacionem com o ensino técnico.
O que me faz criar dúvidas é a finalidade de um e outro ensino, tanto mais que no segundo parágrafo da base II da proposta se declara expressamente que «o ensino assumirá, na medida conveniente, características de orientação profissional e os programas e os tempos destinados a cada uma das unidades docentes poderão variar de escola para escola, em correspondência com as condições naturais e económicas da respectiva região, dentro dos limites que assegurem ao ciclo de ensino valor educativo equivalente».
Daqui se poderá concluir que ascenderiam ao liceu alunos com diferentes bagagens de conhecimentos, porquanto a averiguação desse tal valor educativo equivalente» nunca passaria, na transição de uma para outra escola, de simples aspiração expressa no Diário do Governo.
Com tal parecer não quero, evidentemente, afirmar oposição ao estabelecimento de um grau de ensino que constitua acesso às escolas secundárias. Seria até esse um processo de descongestionamento dos liceus.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O reparo feito é consequência do confronto de estruturas e finalidades dos ensinos liceal e técnico.
Para se chegar à posição que no relatório se anuncia necessário se torna um estudo muito cuidadoso, para que se não caia em erro que mais tarde faça lembrar com saudade o que anteriormente se encontrava estabelecido.
Ao curso preparatório deseja ligar-se ainda, como já dissemos, a vantagem de dar uma preparação cultural para quem siga cursos profissionais. Só é de aplaudir que assim seja, e nem outra poderia ser a opinião de quem, como eu, há já longos anos exerce funções docentes num ramo de ensino em que a cultura geral é a grande finalidade.
Devo declarar, todavia, que tenho muitas hesitações ao falar de cultura, porque me parece que facilitamos demasiadamente a interpretação do termo.
A cultura, por ser uma disposição intima do espírito, não pode confundir-se com bagagem de conhecimentos.
Ela corresponde, na ordem intelectual, ao que é o carácter na ordem da vontade.
Isto não significa que o liceu seja o único santuário da cultura, mas tão-sòmente que o termo parece empregado com uma generalização que só a boa vontade poderá permitir, porquanto a verdadeira marcha para a cultura não consiste sómente em carregar de noções o cérebro dos alunos.
Referindo-me ao ciclo preparatório, eu preferiria substituir o vocábulo por um outro cujo conteúdo ideológico se identificasse não com o que se traduz na expressão «pré-aprendizagem geral», que me parece, neste caso, vazia de sentido? apesar de citada no decreto-lei que criou a escola de ensino técnico na vila do Barreiro, mas antes

Página 387

25 DE JANEIRO DE 1947 387

com o que se contém nas modestas expressões «complementos de preparação» ou «ligeira ilustração geral».
Reconhece-se, era suma, II necessidade de não ver prisioneiro nas estreitas preocupações utilitárias o espírito do homem da oficina. Ainda bem. No que deverá haver o maior cuidado é na organização dos programas deste ciclo, tendo na devida conta o doseamento da» matérias sobre que vai incidir o ensino, de forma a racionalmente ficar estabelecido o que o aluno pode aprender. E necessário não cair no erro que tão graves consequências tem trazido para os nossos liceus.
Chego mesmo a convencer-me de que com um novo arranjo, bem pensado e combinado, de novos programas liceais, sem a preocupação de dai- mais latim ou mais matemática conforme os desejos deste ou daquele, mas em obediência a normas a que a prática docente e a experiência pedagógica tenham conferido valor, não andaríamos há tanto tempo; procura de uma solução de satisfatória estabilidade para o ensino dos nossos liceus. Pelo menos, conseguir-se-ia assim, certamente, que não fossem tão frequentes os protestos que contra ele se levantam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: uma outra inovação, aliás digna do maior louvor, é a que cria condições especiais de frequência dos cursos complementares de aprendizagem pelos aprendizes que se encontram nas fábricas, oficinas on escritórios.
Abre-se a escola para receber estes humildes rapazes, que, sem recursos para estudos, tinham procurado no aprendizado oficinal o primeiro e único caminho que os levaria à profissão.
Em vez de futuros trabalhadores abandonados a uma rotina e ignorância que os deixariam acorrentados a uma situação improgressiva, pretende-se que nos apareçam agora trabalhadores valorizados, graças à educação profissional, moral e cívica que a escola lhes vai dar. E isto sem prejuízo da remuneração a que tom direito, isto é, sem qualquer desconto nas doze horas semanais em que terão de abandonar o oficina ou loja para irem à escola.
Não só pode negar a esta medida um grande alcance de solidariedade social. O que se torna, evidentemente, necessário é que ela seja carinhosamente amparada pelo patrão, numa compreensão perfeita do alto serviço que presta à comunidade. Se assim não for, se o aprendiz estiver subordinado a uma autoridade patronal que prefira abertamente o esforço braçal à apresentação de quaisquer ideias úteis, então ficará sem êxito uma medida que só de louvores era digna.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Está também prevista a colaboração da iniciativa privada no nosso ensino profissional, por se reconhecer que não devem ser exigidos sómente ao Estado todos os esforços atinentes à sua difusão.
Oxalá que o desejo agora manifestado encontre uma perfeita compreensão por parte das entidades sobre que vai recair o encargo e que este auxílio mútuo do ensino público e privado, esta colaboração da escola e do meio económico não fiquem em simples aspiração.

Sr. Presidente: passo em claro o ensino técnico ministrado nos institutos comerciais e industriais, pois neles, a não ser a criação de cursos de aperfeiçoamento ou do especialização, pouco ou nada se introduz.
O próprio relatório da proposta, ao justificar o quase silêncio mantido relativamente a este grau de ensino, declara que «os inquéritos feitos por iniciativa da comissão da reforma demonstraram de forma irrecusável que para o ensino destas escolas produzir todo o rendimento económico de que é susceptível não carece de ser alterado no seu nível científico ou na sua estrutura, mas de ser beneficiado no que respeita a trabalhos de aplicação e de laboratório o a exercícios oficinais».
Se assim falam os técnicos, poderiam parecer impertinentes quaisquer considerações em oposição a um tal parecer.
Por isso mesmo, e para terminar estas ligeiras considerações, apenas me permitirei fazer algumas referências ao curso agrícola.
Quis-me parecer que a reforma, neste ponto, é bastante deficiente, quando em confronto com o que foi estabelecido para as escolas técnicas comerciais e industriais. Isto não significa que dentro do que se fez através da proposta., aliás talvez apressadamente, não surja nesta Câmara um novo arranjo, mais harmónico, mais completo o mais aceitável.
Quando afirmo, porém, a deficiência da reforma neste sector do ensino técnico quero sómente salientar que não colhi, de entrada e através da sua leitura, indicações seguras que satisfizessem o meu desejo de encontrar esclarecimentos a dúvidas postas ao meu espírito.
Perdoe-se a confissão muito sincera do quem não está bem a par da orgânica deste ensino, e, talvez por isso mesmo, notou deficiências onde haveria certamente simples concisão.
Um ponto desejava salientar: não posso acreditar, som reservas, nos resultados a obter com a forma como se pretende resolver o problema do ensino elementar agrícola.
A ministração de conhecimentos gerais e de noções técnicas condicionada à prévia habilitação dá instrução primária afastará, som dúvida, muitos indivíduos que, embora sem aquela preparação literária, teriam vivo desejo do só iniciarem naqueles conhecimentos e noções.
Não se me afigura também de real vantagem a entrega ao professor primário do serviço docente parcial relativo a esto ensino elementar, porquanto iria talvez cair-se num teoricismo didáctico, que comprometeria a finalidade que se pretende obter.
Releguemos aos técnicos esta missão e deixemos o professor primário entregue à sua alta o absorvente função de educador de crianças. Já isso lhe basta.
Do que precisamos nas nossas aldeias é de um ensino prático, do forma que o pequeno proprietário rural, o rendeiro ou o jornaleiro saibam conhecer a terra que cultivam, escolher a época das sementeiras, fazê-las racionalmente, seleccionar as sementes, manejar sachadores, podar videiras e demais árvores de fruto, seleccionar as espécies, fazer enxertos, fazer tratamentos das doenças das plantas nas épocas próprias, etc. Enfim, organize-se a valor um ensino agrícola elementar, que forme homens para os serviços da lavoura de tal maneira que o seu trabalho seja mais produtivo e mais útil para si e para a economia nacional.
Sr. Presidente: termino as minhas considerações. Se é certo que reconheço lacunas, deficiências e, porventura, falta do coordenação perfeita na elaboração das bases, quero afirmar que reconheço também a dificuldade enorme em trabalhos desta natureza e que entro o exigir e o fazer tais serviços vai um abismo cuja extensão e profundidade nem todos podem ou sabem avaliar com justeza. Nada mais desejo do que formular votos por que venham a ser cada vez melhores os resultados que só pretendo tirar da reforma em discussão. Não devo, porém, deixar de confessar que, ao ler, cuidadosamente, o parecer da Câmara Corporativa, me despertaram a atenção estas palavras, que dele constam:
«Sem uma reforma do produção parece não poder tirar-se inteiro rendimento de uma reforma de ensino profissional, cujo fito deve estar em oferecer a essa pró-

Página 388

388 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79

dação melhores instrumentos, para que ela os aproveite em plena utilização». Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: serei breve, como de costume. Direi em linguagem telegráfica o que penso, principalmente sobre o ensino agrícola, pois sobre o ensino industrial e comercial pouco direi. Deixo esse encargo aos ilustres membros desta Assembleia engenheiros, industriais, professores e contabilistas, que os tem competentíssimos, mais versados do que eu nesses dois ramos da actividade humana.
O ilustre relator do parecer da douta Câmara Corporativa, professor Ferreira Dias, analisou com tanta proficiência e minúcia todos os aspectos do ensino técnico industrial e comercial, no passado, nó presente e segundo as necessidades previstas para o futuro, que a mim, pouco versado nestes assuntos, parece-me que, quanto a considerações gerais, pouco mais se poderia dizer que trouxesse qualquer novidade útil à proposta em discussão.
Apenas farei algumas pequenas referências a certas passagens desse magnífico trabalho, no que se refere à indústria, que julgo conveniente esclarecer. Diz o ilustre relator, a propósito das grandes e pequenas indústrias: «A reforma de 1918, além de muito sumária no que se refere a ensino elementar, teve um defeito fundamental: não soube distinguir, ou distinguiu mal, a tradição da necessidade, o folclore da economia, a arte popular da ciência aplicada. E fez em colunas cerradas do Diário do Governo a descrição e o elogio de dezenas de pequenas actividades regionais de feição artística, deixando em posição secundária a verdadeira indústria, aquele fruto de uma técnica de sólidas raízes científicas que gera os artigos de grande comércio mundial, aquele comércio que dá trabalho aos homens e prosperidade às nações, aquele que tem verdadeiro poso na vida económica.
E dizemos que distinguiu mal porque a reforma, procurando servir a economia, resvalou, pelo trilho do sentimento, para a arte popular e dedicou-se sobretudo a ela. Nada de mau, visto em absoluto, antes pelo contrário. Mas lio campo da relatividade a posição tomada é um erro e um perigo: urro, porque o ensino técnico é essencialmente utilitário e, embora lhe caiba o dever de estimular as pequenas actividades regionais, não pode perder-se por elas em devaneios parnasianos; perigo, porque nas contas entre as nações, tal como nas contas entre os indivíduos, só é estável a posição de quem logra saldo credor, e não é fácil consegui-lo com os frutos do regionalismo, que, sobre ser económicamente débil, precisa de ser sóbrio para não se tornar piegas».
Perfeitamente de acordo com o professor Ferreira Dias e a douta Câmara Corporativa pelo que diz respeito à grande indústria; mas é necessário não esquecer o alto valor social que têm as pequenas indústrias regionais e caseiras na pequena economia doméstica de certas regiões do País, mesmo sem «resvalarmos pelo trilho sentimental e piegas dos poetas». É que são duas coisas completamento diferentes e até, se quiserem, com finalidades opostas. As grandes indústrias das fábricas e oficinas, que «produzem artigos de grande comércio mundial», interessam aos habitantes dos grandes aglomerados populacionais e ocupam-lhes inteiramente a actividade. As pequenas indústrias, rurais ou não e caseiras, é que proporcionam o aproveitamento de horas e de dias que as populações de alguns centros rurais e mesmo urbanos desperdiçariam em períodos por vezes largos de inactividade entre as épocas do maior labor da sua ocupação principal. (Apoiados). Os produtos destas indústrias destinam-se principalmente ao consumo regional.
E para me servir das próprias palavras do ilustre relator, e parafraseando o que S. Ex.ª disse a propósito da comparação dos cursos médios cora os superiores da mesma especialidade, direi que «os dois tipos de indústria não constituem elementos em série que possam engatar-se, mas elementos em paralelo percorridos em alturas diferentes, sem condições para constituírem uma sequência», ou se (possam substituir, acrescento eu.
É o caso, por exemplo, dos palitos de Lorvão e das rendas das ilhas, dos artefactos de lã e de linho do Campo Branco (Castro Verde), alguns que nunca pretenderam concorrer na exportação, nem mesmo no abastecimento dos mercados nacionais, com o produto similar da grande indústria, mas que têm o seu lugar marcado e de forma insubstituível no consumo caseiro regional. Outros destes produtos nem sequer têm representantes na grande indústria, porque, sendo produtos pobres, não poderão ser industrializados, na verdadeira acepção da palavra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há regiões do País de monocultura, como, por exemplo, o termo de Mértola, Campo Branco, etc., onde só se exerce a cultura cerealífera. O grande labor destas culturas é principalmente pelas colheitas - que duram um, dois meses-e um pouco nas mondas-dois a três meses. Em todo o resto do ano, principalmente as mulheres e muitos homens, pouco ou nada têm que fazer. Que alto valor económico e social não teria o desenvolvimento das pequenas indústrias caseiras regionais e tradicionais onde «e ocupassem estes braços nas épocas de crise de trabalhos agrícolas? Mesmo que venham a desenvolver-se as grandes indústrias fabris, depois da sonhada e em via de realização electrificação do País, elas nunca poderão vir a beneficiar estas populações, mais dispersas por grandes extensões, antes, pelo contrário, só as poderão prejudicar com a concorrência que os seus .artefactos farão aos das pequena» indústrias caseiras.
A questão tem sido posta muitas vezes, mus a verdade é que, se alguma coisa fie tem feito para fomentar e aperfeiçoar a grande indústria, em benefício das suas satélites, pequenas indústrias caseiras, tão modestas como fiteis, nada mais se tem produzido do que relatórios c palavras, apesar da sua grande importância social e económica nos meios rurais pobres.
Recordo-me da óptima impressão que me causou há anos o ver numa exposição de trabalhos dos alunos da, Escola Industrial e Comercial de Silves muitos trabalhos femininos, tais como bordados, rendas, etc., executados segundo desenhos originais, feitos também pelos alunos, mas segundo a ideia de um seu professor e ilustre pintor, representando, estilizadamente, as principais plantas e frutos, algarvios. Assim, viam-se nessa encantadora colecção de trabalhos rendas e bordados tendo como motivo a flor da amendoeira e a própria amêndoa, a alfarroba e a flor da alfarrobeira, etc.
Que interessante seria para a propaganda da nossa arte popular e produção agrícola se esta ideia frutificasse e se adoptasse tão interessante iniciativa noutras regiões do nosso País!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E basta, por agora, sobre pequenas indústrias caseiras.

Página 389

25 DE JANEIRO DE 1947 389

Sr. Presidente: voltando ao ensino. À nossa legislação, incluindo a do ensino agrícola, é tão vasta que eu julgo não haver muitas ideias novas a juntar às que já estão legisladas. Simplesmente muitas ideias que se me afiguram boas e tem sido legisladas não têm sido postas em prática. E o caso, por exemplo, da lei n.º 1:918, de 27 de Maio de 1935, sobre ensino agrícola elementar, da iniciativa do meu colega Cândido Duarte e aprovada por esta Assembleia, mas que ficou letra morta, sem que ninguém se tivesse interessado pela sua execução. (Apoiados). Outras disposições legislativas começam a executar-se, mas antes ainda de terem produzido os primeiros frutos vem nova lei que as modifica ou anula, e nunca se chega a saber, pelos resultados práticos da lei, se ela era boa ou má.
Esta é uma característica muito nossa, do latinos e meridionais. Facilmente concebemos uma ideia e nos entusiasmamos por ela. Nem sempre a pomos em prática, mas, se o fazemos, antes ainda de colhermos os seus frutos completos facilmente descremos do que antes nos entusiasmou.
É o caso do ensino agrícola médio ministrado em escolas com carácter de liceus agrícolas. Essa reforma, em que depositaram tantas esperanças muitos dos que conhecem a vida rural e sentem a necessidade de um mais íntimo contacto do ensino técnico com a vida real a que se destinam os futuros diplomados, só há pouco começou a produzir os primeiros frutos, isto é, algumas escolas há poucos anos diplomaram os primeiros regentes que receberam o ensino segundo esta reforma, e já se reconheceu a sua inutilidade ou se lhe notaram inconvenientes de tal monta que levaram o autor deste projecto a propor a diminuição dos anos do curso, passando as matérias de índole geral novamente para os liceus e reduzindo assim a pouco mais de metade do que era o tempo de contacto do futuro técnico com a vida rural.
Alega-se que assim se descongestionam as escolas agrícolas e, passando para os liceus os três primeiros anos (matérias preparatórias), as escolas poderão comportar mais alunos nos anos das disciplinas técnicas.
Isto não é razão. Se o curso é bom e há vantagem em preparar mais regentes, quando muito justificaria a criação de mais escolas. E os liceus?
Do que fica dito concluo que não temos falta de leis nem de reformas do ensino. O que precisamos é de vontade firme para executar integralmente alguma das reformas, e este integralmente quer dizer um complexo de circunstancias que muito influem na preparação dos alunos. Assim, é necessário, primeiro que tudo, que as escolas tenham bons professores, que, a par de uma boa cultura científica e desejo constante de a actualizar, tenham dado provas de serem bons técnicos. Eu desejaria que nenhum técnico agrícola chegasse a professor, teórico ou prático, sem primeiro ter praticado alguns anos nos serviços técnicos regionais ou administrações de explorações agrícolas (c) ter dado provas de ter boas faculdades de observação, aptidão para o ensino e sua aplicação prática. Em Itália, por exemplo, nenhum agrónomo chega a professor sem ter passado durante alguns anos pelas cátedras ambulantes de agricultura ou serviços de assistência técnica regionais, embora com outro nome, com funções idênticas às nossas actuais brigadas técnicas. Só assim o professor que entra para uma escola técnica pode, logo de início, captar a confiança dos alunos e preparar bons técnicos.
Mas entre nós não se tem pensado assim. Qualquer rapaz que foi bom aluno -e este bom aluno é quase sempre o que decora melhor a sebenta - ao receber o seu diploma, com concurso de pró-forma ou sem ele, está apto para ser um bom professor de uma escola técnica, quando muitas vezes de técnica, sabe menos do que os alunos dessas escolas que vem de meios rurais ou são filhos de lavradores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Recordo-me da impressão que me causou, há quase quarenta anos, quando eu estudava agronomia na Itália e na escola que eu frequentava faltou o professor de agricultura geral e culturas arvenses, ver, para admissão do novo professor, sujeitos a um exame público de conhecimentos técnicos da matéria agrónomos de barbas grisalhas e tez queimada por longos anos de exercício ida profissão no campo, exame em que se sentiria vexado qualquer rapaz de 25 anos aonbado de sair do nosso Instituto. E para as escolas práticas e médias as exigências eram maiores ainda.
Depois dos professores, é necessário que as escolas tenham boas instalações e sejam bem dirigidas, porque na direcção também vai muito, para não assistirmos ao facto ignóbil de os alunos terem, ao levantar-se, de ir lavar a cara à ribeira próxima, na água gelada, por não haver água no depósito, também por qualquer falha ou miséria administrativa, certamente alheia à vontade da direcção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E preciso que as escolas tenham desde o início de cada ano escolar os professores necessários e correspondentes ao número de alunos em cada ano do curso, para os programas poderem ser devidamente desenvolvidos, tanto nas aulas teóricas como nas práticas de laboratórios e de campo, para não aparecerem nos serviços agrícolas regionais regentes agrícolas perguntando-nos «que quantidade de azeite tem um superfosfato», porque, segundo esse regente declarou, por falta de professores, não lhe tinham ensinado o que era um superfosfato, como era fabricado, o que continha, para que servia!
E necessário que as escolas tenham o material didáctico para as indispensáveis demonstrações e práticas de laboratório e as máquinas e ferramentas necessárias às práticas de campo, para não assistirmos à situação - vergonhosa para a escola; vexatória e deprimente para o professor - de ter de mandar os alunos abrir sulcos com a mão, em pequenos talhões, para semearem trigo, e cobri-lo também com a mão, por não haver na escola ferramentas apropriadas, nem pelo menos suo à os, para se executar decentemente esta prática.

O Sr. Presidente: - Pergunto ao digno Deputado só ainda demoram muito as suas considerações?

O Orador: - Desejaria ainda ocupar uns vinte minutos com as considerações que me resta fazer.

O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada, ficará V. Ex.ª com a palavra reservada.

O Orador: - Agradeço, nesse caso, que V. Ex.ª me reserve a palavra.

O Sr. Presidente: - Fica V. Ex.ª com a palavra reservada para a próxima sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Chamo a atenção da Assembleia. A sequência prevista dos trabalhos da Camará será a seguinte: depois de terminada a discussão e votação da proposta de lei da reforma do ensino técnico, que verosimilmente se prolongará até à sessão de 30 do corrente, seguir-me-á na

Página 390

390 DIÁRIO AS SESSÕES - N.º 79

ordem do dia. o aviso prévio do Sr. Deputado Cancela, de Abreu, o aviso prévio do Sr. Deputado Bustorff da Silva sobre a questão monetária, o aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego sobre o problema das lãs e a apreciação do decreto-lei sobre a protecção do cinema nacional.
É provável que. entretanto, volte da Câmara Corporativa, com parecer, a proposta de lei em que se converteu o decreto-lei sobre o plantio da vinha.
Chamo para este programa provável dos próximos trabalhos da Assembleia a atenção dos Srs. Deputados.
A próxima sessão será terça-feira. à hora. regimental, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:

Artur Proença Duarte.
José Maria de Sacadura Botte.
José Nunes de Figueiredo.
Luís Mendes de Matos.
Manuel França Vigon.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Teófilo Duarte.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapato&o.
Henrique de Almeida.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Esquivei.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Borges.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

Propostas de alteração à proposta de lei sobre reforma do ensino técnico profissional enviadas para a Mesa no decorrer da sessão de hoje:

BASE II

(Texto da Câmara Corporativa)

Propomos que no quinto parágrafo, 1. 4.ª, as palavras «actualmente em serviços se substituam por: «que actualmente ocupam lugares nos quadros».
«Os Deputados: Francisco Eusébio Fernandes Prieto - José Nunes de Figueiredo.

BASE XII

(Texto da Câmara Corporativa)

«Proponho que no fim do primeiro parágrafo se acrescentem as palavras seguintes: bem como os médicos escolares necessários, aos quais pó lerá ser cometido o encargo de ministrar noções de higiene no trabalho».

BASE XIII

Proponho a eliminação do seguinte período: «O diploma de qualquer dos cursos desta base confere o direito ao uso do título profissional de agente técnico de engenharia».

BASE XVII

Proponho o aditamento seguinte: «A Junta de Colonização Interna promoverá, dentro da sua alçada, especialmente no que respeita a baldios, a escolha de terrenos para ser ministrado não sómente o ensino elementar previsto nesta base, mas os necessários a outros graus de ensino agrícola».
O Deputado João Antunes Guimarães».

Documentos a que se referiu o Sr. Deputado Belchior da Costa na sessão de hoje:

Serviço da República - Ministério da Economia - Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas - 1.ª Repartição Técnica. - Informação. - Ao abrigo do disposto no decreto-lei n.º 31:860, de 22 de Janeiro de 1942, foram fornecidas pelas matas nacionais as seguintes quantidades de toragem e lenha de pinho, eucalipto c carvalho às entidades em seguida indicadas:

Toragem de pinho (para madeira)

[Ver Tabela na Imagem]

Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses:

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Estas transformações obedeceram à urgente necessidade de só acudir rapidamente aos transportes ferroviários, sem ir sacrificar o arvoredo dos terrenos inclinados, que, desnudados, ficariam sujeitos à erosão e arrastamento, e portanto com prejuízo local a dos terrenos subjacentes de cultura agrícola, que correriam o risco de ficar inutilizados, e por consequência, com acréscimo de prejuízo para o País.

Considerando-se o metro temos 132:577 toneladas.

Página 391

25 DE JANEIRO DE 1947 3914

Lenhas

[Ver Tabela na Imagem]

Considerando que nas matas a cargo dos serviços florestais esteja em estado de produzir lenhas uma superfície de cerca de 32:000 hectares, veremos que, só com o fornecimento do lenhas, e não entrando portanto a parte respeitante à toragem para madeira, foi entregue uma percentagem de 11,4 toneladas por hectare, o que representa um valoroso é apreciável esforço e sacrifício por parte do Estado.
Como complemento de informação deve-se esclarecer que a tabela de preços aprovada polo Governo para pagamento aos particulares é de 50$, 36$ e 30$ por tonelada de pinho verde respectivamente na 1.ª, 2.ª e 3.ª zonas e 55$, 41$ e 35$ por tonelada de eucalipto nas mesmas zonas, correspondendo para o estere os preços de, respectivamente, 32$50, 23$40 e 19$50 para. pinho e 42690. 31$98 e 27$30 para eucalipto.
As lenhas em referência, mandadas ceder superiormente ao abrigo do decreto-lei n.º 31:865 acima citado, foram vendidas aos preços determinados pelo Governo, desde 5;5 cada estere até ao valor da importância fixada, conforme a zona, pela tabela superiormente aprovada para fornecimentos feitos pelos particulares, preço este que se aplicou ao último contrato de 40:000 toneladas, ou seja cerca de 66:935 esteres de pinho.

Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, 30 de Março de 1946. - O Director Geral, J. Mendia.

Informação: nos termos do despacho de S. Ex.ª o Ministro da Economia de 7 de Março de 1946, sobro o ofício n.º 9:212 da Presidência do Conselho.
Assunto: requerimento do Exmo. Sr. Deputado Belchior Cardoso da Costa, apresentado na sessão da Assembleia Nacional de 27 de Fevereiro último.

Só desde 1 de Novembro do ano findo compete ao Serviço de Requisição de Lenhas - criado pelo decreto-lei n.º 34:617- orientar o abastecimento de determinadas empresas consumidoras, pelo que não tem ainda convenientemente montados serviços de estatística que permitam responder pronta e plenamente a todas as questões que lhe sejam postas.
Os quatro meses e meio decorridos foram especialmente aproveitados no exame de muitos dos processos pendentes - no presente momento existem cerca de 90:000- e na criação de novas normas divulgadas pelo Serviço com a publicação de regulamentos e instruções, para que todos os interessados conheçam os seus direitos e deveres.
Também houve que estabelecer contacto com grémios da lavoura, autoridades administrativas, alguns proprietários e consumidores, o que tudo obrigou e obriga a deslocações, em prejuízo de outros trabalhos, sem dúvida também importantes, mas que se não apresentavam com tanta urgência.
Por outro lado, o Serviço de Requisição de Lenhas tom invulgar movimento de correspondência, porquanto é obrigado a responder a variadas perguntas - muitas delas sem outro fim que não seja o de retardar o cumprimento da requisição- que de todos os lados vêm. obrigando os funcionários a ocupar-se sobretudo do serviço de expediente. Julga-se de certo interesse dar uma nota desse movimento:

Correspondência

[Ver Tabela na Imagem]

Posto este breve preâmbulo, vejamos as perguntas feitas pelo Exa. Sr. Deputado Belchior Cardoso da Costa:

Requeiro que pela repartição competente do Ministério da Economia me sejam fornecidos com a possível brevidade os seguintes elementos:
1.º O número de toneladas de madeira e lenhas, de eucalipto e de pinheiro, requisitadas até ao presente, ao abrigo da autorização concedida pelo decreto-Lei n.º 32:271, de 19 de Setembro de 1942:
a) Aos particulares;
b) Aos serviços florestais do Estado.
2.º O número de toneladas das mesmas espécies fornecidas apenas pelos particulares, por cada concelho, em obediência àquelas requisições, nos mesmos períodos;
3.º Indicação discriminada das empresas públicas e particulares a quem foram feitos esses fornecimentos e quais as quantidades fornecidas (em toneladas) a cada uma dessas empresas;
4.º Sendo possível, quais e quantos aumentos de preço houve, de Setembro de 1942 até ao presente, nos serviços ou nos produtos prestados ou produzidos por essas mesmas empresas.
Vejamos o que é possível ao Serviço de Requisição de Lenhas satisfazer:

1.º pergunta:

a) Aos particulares: não é fácil, sem a revisão completa de todos os processos e notas de entrega, fazer-se a. distinção entre :is quantidades de lenhas de eucalipto

Página 392

392 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79

e de pinho. Esse trabalho levaria muitos meses e prenderia a atenção de um apreciável grupo de empregados;
b) Aos serviços florestais do Estado: o Grémio dos Exportadores de Madeiras e, actualmente, o Serviço de Requisição de Lenhas não têm qualquer interferência nos fornecimentos de lenhas das matas nacionais, ignorando, por isso, as quantidades entregues pelo Estado.

2.º pergunta:

É praticamente impossível dar uma resposta satisfatória, pelas razões já apontadas no preâmbulo desta informação.
A obtenção destes elementos demoraria bastante tempo.

3º pergunta:

Pode satisfazer-se.

4.º pergunta :

A resposta sai do âmbito do Serviço de Requisição de Lenhas.

Pergunta n.º 1.º

a) Quantidades. - Até à publicação da portaria 11.º 10:897, de 16 de Março de 1945, todas as empresas industriais podiam ser abastecidas com lenhas de requisição. De então para cá são apenas as seguintes:

Companhias do caminhos de ferro;
Empresas de exploração mineira;
Empresas de moagem;
Empresas de pesca;
Empresas de refinação de açúcar.

Depois da publicação da portaria referida foi, por despacho ministerial, tornado extensivo o fornecimento de lenhas de requisição a hospitais, casas de beneficência, grémios concelhios dos comerciantes de combustíveis domésticos de Lisboa e Porto e Administração Geral do Porto de Lisboa.
As restantes empresas consumidoras só podem ser abastecidas pelos excedentes da requisição.
A requisição, prevista pelo decreto-lei n.º 32:271, de 19 de Setembro de 1942, começou a executar-se a partir de 1 de Dezembro do mesmo ano, por força do despacho ministerial de 30 de Setembro de 1942 (Diário do Governo n.º 228, 1.ª série).
No final desta informação encontram-se os mapas n.ºs l, 2, 3, 4 e 5, que dão as quantidades conhecidas através do Grémio dos Exportadores de Madeiras e Serviço de Requisição de Lenhas (depois de 1 de Novembro de 194o), respectivamente em 1942 (Dezembro), 1943, 1944, 1940 e 1946 (Janeiro), achando-se tudo resumido, desde 1 de Dezembro de 1942 a 31 de Janeiro de 1946, no mapa n.º 6.
Salienta-se que nem todas essas quantidades se referem a lenhas obtidas por meio de requisição, visto estarem incluídas as de excedentes, cuja tonelagem não é fácil determinar com precisão, mas de que se procurará fazer uma estimativa.
Dos mapas referidos constam as quantidades absorvidas pelas várias empresas - lenhas só de particulares, de requisição ou de excedentes -, o que se resume da. seguinte maneira, arredondando em toneladas :

[Ver Tabela na Imagem]

Por não ser possivel em curto prazo distinguir entro o que se refere a requisição e excedentes sem reter demasiadamente esta informação, fez-se o apanhado apenas dos meses de Novembro e Dezembro de 1945 e Janeiro de 1946 como segue:

[Ver Tabela na Imagem]

Deduz-se, assim, que; percentagem das lenhas requisitadas é de cerca do 70 por cento; admitindo que ela se manteve desde o início, pode concluir-se, sem grande erro, que os fornecimentos feitos através dos serviços competentes foram de:

[Ver Tabela na Imagem]

Esta quantidade engloba pinho e eucalipto, pelo facto de a discriminação não ser fácil, por morosa, de realizar.
Valores. - As massas lenhosas obtidas por requisição tem preços fixados para as árvores «em pé»; as de excedentes não estão tabeladas. Os preços lixados por despacho ministerial de 30 de Setembro de 1942 são os seguintes:

[Ver Tabela na Imagem]

Tomando este último preço médio, pode computar-se em 70:122.824,532 (1.573:672x44056) o valor da lenha requisitada entregue ao consumidor.
Para o caso dos excedentes da requisição é mais difícil realizar o cálculo; há concelhos onde se compra ainda hoje lenha por preço inferior ao da requisição e há outros em que pela proximidade das vias de comunicação, os preços atingem limites apenas influenciados pela lei da oferta e da procura e pelas necessidades e possibilidades da indústria que a utiliza.

Pergunta n.º 3:
No que se refere a caminhos de ferro, os mapas n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6 respondem com o devido detalhe. Para as outras empresas também os totais vão indicados nos citados mapas e a sua discriminação por empresas requer um trabalho de compilação, não difícil nem impossível, mas demorado em face do número de contratos aprovados, que sobe a 1:763.

Página 393

25 DE JANEIRO DE 1947 393

Julga-se vantajoso juntar a esta informação uma separata do regulamento dos fornecedores de lenha e madeira e empresários de corte (despacho de 16 de Novembro de 1945, Diário do Governo, 2.ª série, de 12 de Dezembro de 1940) e uma outra das Instruções aos proprietários de arvoredo requisitado (despacho
de 18 de Fevereiro de 1940). Estes dois elementos serão certamente de utilidade para quem se proponha estudar o problema e verificar a actual orientação.

Lisboa, 18 de Março de 1946. - O Engenheiro Director, José P. de Campos Pereira.

Quantidades de lenhas e madeiras entregues ao consumo e fornecidas por requisição e venda livre (excedentes), conforme contratos devidamente aprovados.

[Ver Tabela na Imagem]

Página 394

394 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79

[Ver Tabela na Imagem]

a) Relativas ao mês de Dezembro.
b) Relativas ao mês de Janeiro.

Direcção do Serviço de Requisição de Lenhas, 18 de Março de 1946.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×