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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 81
ANO DE 1947 30 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 81, EM 29 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Aprovou-se o n.º 79 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Froilano de Melo, que se referiu à suspensão do jornal Herado, de nova Goa e Carcalho Viegas, que aludiu à viagem à Guiné do Subsecretário de Estado das Colónias, em representação do Governo nas festas do centenário do descobrimento daquela colónia, enviando para a Mesa uma mensagem.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Proença Duarte, Franco Frazão, Oliveira Pinto, Mário Borges e Cymbron Borges de Sousa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 18 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 35 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
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Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Esquivei.
José Luís da Silva Dias.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Finto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Fonnoainho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Gincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 79.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este Diário, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o
Expediente
Telegramas
De apoio à representação dos grémios da lavoura alentejanos sobre o problema das lãs, subscritos por: Grémios da Lavoura de Campo Maior, Bragança, Mafra, Borba, Freixo de Espada à Cinta, Oeiras, Alcácer do Sal, Peniche e Vila Franca de Xira, Manuel Velez Romão, João Romão Tenório e Manuel Pereira Velez Peso.
Do Grémio da Lavoura de Almada apoiando a exposição da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios sobre o problema das lãs.
Assinado por um grupo de professores do ensino técnico profissional, manifestando o seu pesar pelas referências do Sr. Deputado Mira Galvão a propósito da competência daquela classe.
Exposições
Do Grémio da Lavoura de Nisa informando que, ao contrário do que se contém na representação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, se encontra ainda, em poder dos produtores daquele concelho a maior parte cia lã da produção de 1946, por falta de compradores.
De um grupo de alunos duma escola industrial protestando contra a representação do conselho directivo da Ordem dos Engenheiros, na parto em que impugna as aspirações dos alunos e diplomados pelos institutos industriais.
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional - Exmo. Srs. Deputados da Nação. - Os Grémios Nacionais dos Cinemas e dos Distribuidores de Filmes Cinematográficos dirigem a V. Ex.ª esta exposição relativa ao decreto-lei publicado pelo Governo em 27 de Dezembro último sob o n.º 36:062.
As disposições daquele decreto-lei são de tal modo graves e onerosas para a indústria cinematográfica da importação, distribuição e exibição de filmes cinematográficos que puseram em verdadeiro estado de alarme e ansiedade todas as empresas e firmas que os dois Grémios signatários corporativamente representam.
Publicado na imprensa o texto projectado do referido decreto-lei, insistentemente se pediu uma ponderada revisão de tal projecto e uma criteriosa e indispensável modificação de várias das suas disposições.
Os dois Grémios signatários elaboraram em 12 de Novembro último uma extensa representação escrita, em que o mesmo projecto de decreto foi estudado e apreciado detalhadamente.
De tudo o que se disse e escreveu sobre o assunto resultou que o projecto inicial foi modificado em algumas disposições, com manifesta vantagem e utilidade, prova evidente de que as críticas apresentadas tinham algum fundamento e de que o decreto-lei do Executivo não tinha sido estudado com a necessária e suficiente profundidade e amplitude.
No entanto, a parte em que se deu satisfação às reclamações formuladas é muito menos do que confiadamente se esperava e está longe de corresponder à indispensável e prudente salvaguarda de todos os legítimos interesses em jogo.
Admitem os Grémios signatários que podem não ter razão em tudo o que pediram, que no plano nacional poderão ser sacrificados alguns dos seus interesses e aspirações e que pode a Assembleia Nacional pensar de forma idêntica ou diversa da do legislador.
Mas esperam e confiam que na apreciação que o Parlamento vai fazer do mencionado decreto-lei n.º 36:063 todos os aspectos serão devidamente ponderados e esclarecidos e que lhes é legítimo pedir e esperar que algumas das suas reclamações possam ser devidamente consideradas, esclarecidas e atendidas pelo Poder Legislativo.
O artigo 2.º do decreto-lei n.º 36:062 determina que a exibição em Portugal de novos filmes fica sujeita ao pagamento de taxas de licença de exibição variáveis desde 10.000$ a 100$.
Inicialmente previa-se que essas taxas seriam respectivamente de 300$ e 200$ para as categorias E e F.
Tendo os Grémios interessados reclamado contra as excessivas taxas do mencionado artigo 2.º de contra a sua injusta aplicação, foram as suas reclamações, neste capítulo, atendidas numa parte mínima, pois se reduziram apenas para as categorias E e F aquelas taxas de licença (em 100$ cada uma).
A verdade, porém, é que a injustiça maior está na fixação de taxas elevadas para as categorias A e B e no critério da sua aplicação.
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Quanto à categoria A, a taxa única de 10.000$ por filme é elevadíssima e incomportável, mormente para quaisquer produções que na estreia de Lisboa sejam apenas exibidas durante uma semana.
Quanto aos filmes da categoria B, destinados a constituir os chamados programas duplos, a fixação da taxa em 5.000$ por filme, o que equivale aos mesmos 10.000$ por programa, o excesso da taxa de licença é ainda mais flagrante; esses programas duplos são quase sempre estreados nos cinemas de menor categoria e só muito excepcionalmente conseguem fazer mais de uma semana de exibição em estreia, tendo quase sempre menor rendimento global nos seus alugueres.
E são precisamente a» casas distribuidoras, exclusivamente nacionais, as que menos podem com os novos encargos e as que terão de paralisar a sua actividade, se a lei não for modificada.
Alvitraram e entendem os interessados que deveriam ser alteradas as taxas de licença para as categorias A e B para o seguinte:
Categoria A:
.ª semana, isenção completa do pagamento da taxa;
2.ª semana de estreia, taxa 2.500$;
Por cada semana a mais de estreia, em Lisboa, 2.000$.
Categoria B:
1.ª semana, isenção completa do pagamento da taxa;
2.ª semana, 2.000$;
Semanas seguintes à 2.ª, 1.000$.
Desta sorte e segundo os cálculos feitos, exibidores e distribuidores veriam os encargos fiscais apenas aumentados para cerca de 39 por cento da receita bruta das bilheteiras.
Comercialmente a categoria dos filmes é quase sempre dada pelo número de semanas que os mesmos conseguem fazer nos cinemas de estreia de Lisboa e Porto; se as taxas fossem maiores ou menores, conforme o número dessas semanas, corresponderiam melhor à categoria comercial dos filmes.
É evidente que um programa que faz várias semanas na estreia pode suportar melhor uma taxa elevada do que um programa que faz apenas uma semana com dificuldade ou prejuízo.
Cremos impor-se portanto a satisfação das reclamações manifestadas, modificando-se o artigo 2.º no sentido explanado.
Em quase todo o Mundo os complementos chamados culturais gozam de especial protecção, chegando-se à isenção de direitos e até u atribuição de prémios. Não o considerou assim o legislador; estes são justamente sobrecarregados em condições bem pouco satisfatórias para o desenvolvimento da cultura popular. Parece-nos que devem ser isentos da taxa de exibição.
Quanto ao capítulo II do citado decreto-lei, que trata do Fundo Cinematográfico Nacional, dispensamo-nos de nos alongar na apreciação da sua técnica e das várias imperfeições que contém e desvirtuarão na prática o objectivo que a lei tem em vista.
Este assunto em detalhe interessa principalmente aos produtores e esta representação é feita apenas em nome dos importadores distribuidores e dos exibidores.
Há, porém, um ponto que julgamos- indispensável analisar, chamando para ele a vossa esclarecida atenção.
Desejariam os Grémios signatários que o Fundo Cinematográfico Nacional fosse administrado por um conselho no qual tivessem representação os diversos Ministérios ligados à produção nacional, juntamente com delegados ou representantes dos dois Grémios e também dos produtores e dos estúdios e laboratórios.
Sendo a presidência desse conselho e a superior orientação deste confiada ao Secretariado Nacional da Informação, pareceria dever deixar-se às entidades que pagam c contribuem, para osso Fundo o direito de intervirem, consultivamente pelo menos, na administração o aplicação dos fundos ou receitas consignados á aplicações do artigo 5.º do citado decreto-lei.
Quanto do capítulo IV, que se ocupa da dobragem e legendas de filmes estrangeiros, carece ele de cuidadoso estudo e revisão.
Em primeiro lugar, discordam os dois Grémios signatários da proibição quase absoluta da dobragem em língua portuguesa dos filmes estrangeiros. Reconhecem antes que em quase todos os países europeus a dobragem tem contribuído enormemente para o aumento substancial do número de cinemas e indirectamente para o desenvolvimento das produções nacionais.
Salvo o devido respeito, julgamos que este problema não é bem encarado e que proibir a dobragem em português equivale a proibir-se a tradução para a nossa língua das obras de teatro e literatura estrangeira, que o grande público melhor conhece através das traduções do que pela leitura na língua original.
O critério legal adoptado é diverso e oposto ao seguido por muita legislação estrangeira e constitui um caso único e novo neste assunto.
À proibição do artigo 13.º, relativa à importação de filmes de fundo estrangeiros falados em língua portuguesa, vai também longe demais, e deveria ser condicionada tal importação, em vez de tão categoricamente proibida.
Nos últimos anos estavam-se produzindo em Espanha vários filmes em duas versões, espanhola e portuguesa, sendo a última destinada ao mercado português e ao mercado brasileiro; esta prática industrial a grande vantagem de servir de treino e aperfeiçoamento para os técnicos portugueses (realizadores, operadores, assistentes) e para os artistas; quanto a estes últimos, ganhavam nome e prestígio internacional muito mais rapidamente do que limitando-se a trabalhar nos estúdios adentro das nossas fronteiras, e vários deles conseguiram até contratos: para desempenharem papéis importantes em filmes estrangeiros.
Todas estas vantagens são anuladas totalmente pela doutrina excessivamente radical do citado artigo 13.º
O artigo 14.º saiu no D-iário do Go-v&rno bastante diferente do texto- anteriormente projectado, devido às críticas- e reclamações que foram feitas.
Entendemos que a locução dos. filmes de complemento em língua portugaiesa não deveria ser obrigatória para nenhuma das categorias C a F, e antes se deveriam estabelecer prémios, isenções ou diminuições de direitos de importação e de licenças de exibição para aqueles que fossem exibidos com locução nacionalizada.
Contém esse artigo 14.º um parágrafo único, pelo qual foram exceptuados do disposto no artigo 14.º todos os complementos importados até 31 de Dezembro de 1946.
Tem os Grémios signatários pugnado para que a nova lei de protecção ao cinema nacional não fosse aplicada aos filmes comprados e importados, n-a convicção do que não havia taxas de licença de exibição nem os encargos e obrigações criados agora inesperadamente pelo decreto-lei n.º 36:062; de outra forma a nova lei terá praticamente efeito retroactivo, pois, embora só entre em vigor depoisi da sua publicação, se aplica a todos os filmes adquiridos em condições bem diversas e numa legítima expectativa de se manter um regime de exploração que .vinha de longos anos.
O Governo atendeu em parte as reclamações formuladas, exceptuando da obrigação do artigo 14.º os referidos complementos; mas é de lamentar que essas reclamações não fossem atendidas totalmente, como era justo, e esperamos que a Assembleia Nacional dê à lei a redacção necessária para serem exceptuados das novas
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disposições legislativas todos os filmes de fundo e de complemento que tenham dado entrada na alfândega portuguesa até 31 de Dezembro último.
E dizemos «dado entrada na alfândega» porque a forma «importados» não tem o mesmo âmbito, e é justo que se adopte de preferência a primeira forma, dado o hábito velho e constante de os importadores mandarem vir os filmes do estrangeiro e só os despacharem a pouco e pouco, à medida das suas necessidades e dos seus recursos, por não poderem a maior parte das firmas importadoras, portuguesas dispor dos avultados fundos que uma importação ou despacho global e maciço acarretaria.
O disposto no artigo 16.º consigna doutrina nova e imprevista, cujas razões justificativas e alcance os signatários ignoram: o formato de 16 milímetros mal apareceu ainda em Portugal e não se produzem filmes desse tipo para exploração comercial nacional nem existe distribuição e exibição organizada.
No entanto, o valor educativo e cultural desta modalidade é imenso e vê-se para além-fronteiras um progresso e uma expansão da exploração do formato de 16 milímetros que fazem dizer a muitos técnicos que o grande futuro do cinema está no formato de 16 milímetros, e dentro de um prazo muito curto.
Em vez de o Estado continuar a manter a liberdade de comércio nesse capítulo, embora sujeitando esse formato a todas as medidas de censura e de regime tributário que vigoram para o formato de 35 milímetros, reservando-se o direito de intervir e legislar oportunamente para tal especialidade, envereda-se decididamente pelo caminho do contrôle máximo e vago, deixando discricionàriamente nas atribuições do S. N. I. a concessão ou denegação das indispensáveis autorizações.
Quanto ao contingente de filmes portugueses, regulado no artigo 17.º, pode afirmar-se que no primeiro ano não haverá filmes nacionais que cheguem para os cinemas poderem, de uma maneira geral, cumprir o contingente fixado.
Sendo assim, o S. N.º I. terá de dispensar numerosas empresas exibidoras de cumprirem esse contingente, por a produção nacional efectiva o não poder assegurar: é mais um trabalho burocrático grande fé uma série de dificuldades, com requerimentos e provas para as empresas interessadas e para o S. N. I.; ora, como, pelo § 2.º do citado artigo, o contingente pode ser alterado para cada ano por despacho do S. N. I., parece que era mais lógico e simples não se fixar desde já na lei um contingente tão alto e adoptar antes um contingente mais reduzido, deixando ao S. N.º I. a faculdade de ano a ano ir elevando esse contingente, adaptando-o proporcionalmente ao desenvolvimento do cinema nacional.
Ocupa-se o capítulo VII da lei da exploração dos filmes nacionais, e esse capitulo foi objecto de críticas e reparos.
Apesar disso, o artigo 21.º foi publicado sem qualquer modificação e o seu texto continua a ser obscuro e inadequado.
Carece absolutamente de ser modificado, devendo fixar-se a doutrina de que os contratos de exibição de filmes portugueses poderão continuar a ser celebrados nos termos em que forem livremente acordados entre o produtor ou o distribuidor desses filmes e as empresas exibidoras; só na hipótese de não ser possível estabelecer-se tal acordo deverá ser obrigatória a exibição dos filmes nacionais na base de 50 por cento de receita bruta de bilheteira em todos os espectáculos nocturnos, devendo essa percentagem ser reduzida para os espectáculos diurnos; os contratos deveriam ser por semanas completas de exibição na estreia em Lisboa e Porto e deveriam ser a dias nos restantes cinemas da província e de reprise em Lisboa e Porto.
Pode argumentar-se que a redacção do artigo 21.º não impede que no regulamento anunciado para o decreto-lei n.º 36:062 se prevejam e regulem todos esses detalhes e modalidades; mas parece-nos que não há necessidade de a lei ser tão concisa e vaga, de a sua redacção permitir dúvidas de interpretação e que nada garante que o previsto regulamento acautele e regule devidamente todas as referidas modalidades.
Designadamente a lei nada diz, na sua forma publicada, sobre os contratos a preços fixos, e é indispensável para exibidores e produtores de filmes nacionais que os contratos a preço fixo sejam expressamente permitidos, para se evitarem dificuldades de ordem comercial.
Há muitos cinemas de pequena lotação (e são a grande maioria) que não suportam a percentagem de 50 por cento para o filme, mesmo com as lotações esgotadas, porquanto os 50 por cento restantes são insuficientes para cobrir as despesas diárias do funcionamento.
O artigo 22.º substituiu totalmente a redacção do projecto inicial, que consignava doutrina absolutamente injusta e incomportável.
As reclamações feitas foram reconhecidas e em certo modo atendidas.
No entanto, o problema da altura em que é possível retirar dos programas os filmes portugueses não foi resolvido e o decreto-lei adiou e transferiu a resolução desse problema para o anunciado regulamento.
Oxalá esse regulamento não venha a reeditar a doutrina exagerada e incomportável do projecto inicial, a qual conduziria à exploração ruinosa para todas as empresas exibidoras de todos os filmes portugueses. Porque imo resolver o assunto no texto da lei? E de lamentar é ainda que esse artigo 22.º se refira apenas às percentagens, parecendo confirmar a inadmissível interpretação que também pode resultar da letra do artigo 21.º de que não são possíveis contratos a preço fixo para a exibição de filmes portugueses.
Finalmente, o artigo 27.º (nas disposições gerais) foi publicado com a redacção inicial, consignando a doutrina de fazer beneficiar de todas as medidas de protecção da nova lei todos os filmes portugueses produzidos nos últimos cinco anos.
Esta doutrina não se nos afigura plausível nem de perfilhar.
Nos últimos cinco anos produziram-se vários filmes portugueses de baixa categoria artística e comercial.
Esses filmes caíram redondamente, perante o desinteresse e o desagrado quase unanime do público; deixaram, consequentemente, de interessar ao exibidor e ao público e deixaram de ser alugados e exibidos em muitos cinemas, com carradas de razão e pelas justas razões apontadas, que são da exclusiva responsabilidade dos produtores.
Como é possível que a nova lei venha proteger a colocação e exploração desses novos filmes, obrigando o exibidor a ter de os contratar e exibir por causa do elevado contingente arbitrariamente fixado pelo artigo 17.º do decreto-lei?
A nova lei de protecção ao cinema nacional não é feita para proteger os maus e inconvenientes filmes, já velhos e abandonados, mas sim para proteger e impulsionar os bons filmes nacionais.
Estamos certos de que a Assembleia Nacional considerará este problema, como todos os demais fixados nesta representação.
Nos últimos anos têm surgido encargos novos e têm aumentado enormemente os anteriores encargos para toda a actividade cinematográfica; nos últimos doze meses criaram-se importantes encargos novos: taxas para a Inspecção dos Espectáculos, taxas para a poli-
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cia, guarda republicana e bombeiros, taxa para o Socorro Social, que também se reflecte sobre a economia dos espectáculos cinematográficos, aumento de salários por contratos colectivos, agravamento de pagamento para caixas de previdência, etc.
A nova lei traz novos encargos de milhares de contos.
Sentimos que são incomportáveis e excessivos e que injustamente se criou o ambiente de que a exploração cinematográfica pode com todos os encargos e despesas que sobre ela se queiram lançar.
No entanto, essa exploração em todo o País, e muito especialmente nos cinemas de província, que suo mais de SÓ por cento dos existentes, é quase sempre pobre, periclitante e até ruinosa em muitos casos.
Sentimos que se avizinha uma grave crise: deve diminuir em breve o número de espectáculos cinematográficos por todo o País; está a reduzir-se sensivelmente o número de matinées, que são os espectáculos mais fracos nos dias úteis; no Porto o imposto arrecadado em 1945 diminuiu cerca de 20 por cento, pelas informações que temos, o que é a prova de que diminuiu o número dos espectáculos, pois os preços, base do imposto único, não baixaram, e antes subiram ligeiramente.
Esperamos por isso que sejam tidos na devida conta os interesses da distribuição e da exibição, que se não agravem inutilmente estas duas actividades com mais encargos, em grande parte improfícuos, e se ponderem todas as razoes, para que a lei seja modificada.
Prestamos homenagem aos altos e louváveis intuitos de procurar proteger os filmes portugueses e sentimos sinceramente que alguma coisa se pode e deve fazer para nacionalizar esta modalidade de espectáculos e, principalmente, para elevar e «prestigiar o nível do cinema português.
Mas que haja nas providências tomadas toda a prudência e equidade, que se respeitem os direitos de todos os variados ramos da indústria e se não asfixiem uns em benefício de outros.
«E porque não é outro o pensamento da Assembleia Nacional, esperamos que será alterado e melhorado o texto do decreto-lei no sentido de se remediarem os inconvenientes respeitosamente apontados.
A bem da Nação.
Pelo Grémio Nacional dos Cinemas: (Três assinaturas ilegíveis). - Pelo Grémio Nacional dos Distribuidores de Filmes Cinematográficos: (Três assinaturas ilegíveis).
Representação
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Lisboa.-Excelência. - Os regentes agrícolas que frequentam o curso complementar da Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra saúdam V. Ex.ª e o alto corpo do Estado a que V. Ex.ª muito dignamente preside. Manifestam o mais vivo interesse pela discussão do projecto de reforma do ensino técnico, que inclui também o ensino agrícola, e tem a honra de apresentar à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte petição:
A classe dos regentes agrícolas tem pugnado por que de seja concedida a admissão nos cursos superiores de Agronomia e Medicina Veterinária com, dispensa de exame de aptidão, uma vez que atinjam a classificação mínima de 14 valores no exame do curso complementar.
Pelo decreto n.º 19:908 (Diário do Governo de 15 de Junho de 1931) os alunos com o curso complementar (8.º ano) da Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra podiam requerer a matrícula no Instituto Superior de Agronomia e na Escola Superior de Medicina Veterinária. Porém, os tempos foram passando e as reformas do ensino liceal sucederam-se, até que pelo artigo 10.º do decreto n.º 34:730 (Diário do Governo de 5 de Julho de 1945) foi determinado que os alunos do liceu que obtivessem no 7.º ano a classificação de 14 valores seriam dispensados do exame de aptidão. Este decreto não se refere aos regentes agrícolas com o curso complementar, mas pelo artigo 9.º do decreto n.º 22.427 (regulamento das escolas de regentes agrícolas) são aplicáveis aos alunos do curso complementar as disposições legais concernentes ao 7.º ano do liceu e que não colidam com o citado regulamento.
E, assim, os alunos do curso complementar foram abrangidos pelo referido decreto n.º 34:730, ficando, por isso, obrigados ao exame de aptidão, sem, todavia, gozarem da regalia da dispensa de exame os que obtiverem 14 valores no exame do curso complementar.
A Universidade Técnica tem recusado a matrícula a esses alunos, desde que eles não se submetam ao exame de aptidão. São desconhecidas as razões de tal procedimento, que parece constituir uma anomalia, além de uma flagrante injustiça.
Os cursos superiores de Agronomia e Medicina Veterinária não são mais do que a continuação dos cursos médios que possuem os regentes agrícolas. Consequentemente, afigura-se desnecessário qualquer exame de aptidão que se interponha na natural sequência do curso, para o qual já demonstraram a sua capacidade. Por outro lado, é de considerar que os regentes agrícolas que se destinam a Agronomia ou Medicina Veterinária tem, na melhor das hipóteses, um curso de oito anos e não tem demonstrado menos aptidões que os alunos vindos do liceu; pelo contrário, além da preparação cultural, que não é inferior à dos candidatos do liceu, possuem uma preparação técnica que lhes dá uma grande vantagem sobre os do liceu.
Nestas condições, os regentes agrícolas com o curso complementar vêm muito respeitosamente expor à Assembleia Nacional os seguintes pedidos:
1.º Que sejam dispensados do exame de aptidão aos cursos superiores de Agronomia e Medicina Veterinária os que obtiverem no exame do curso complementar à classificação mínima de 14 valores;
2.º Que na admissão aos referidos cursos superiores sejam preferidos aos candidatos vindos do liceu os regentes agrícolas com o curso complementar.
Confiados no alto critério da Assembleia Nacional, aguardam os signatários que lhes será feita justiça, para irem mais além, melhor poderem vencer na vida e cumprirem a sua missão.
A bem da Nação.
Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra, 27 de Janeiro de 1947.-Jorge Manuel Godinho Coelho Nunes, João António Júdice Vieira Mascarcnhas, Lourenço António Góis Féria, António Mendonça Gonçalves, José Castiço Pires Marques, José Baptista Fialho de Brito, José Clemente Sanches Dias Pereira, Alberto Ferreira de Sousa, António de França Correia Martins, João António da Silva Rente, Manuel Joaquim da Silva Rente, Jorge Alfredo Lopes Carvalho, António Jorge Pais de Carvalho, António de Sousa Antunes e António de Azevedo Rosado Lopes Martins.
O Sr. Presidente: - Estuo na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Mendes Correia ao Ministério da Educação Nacional e ainda os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação do requerimento apresentado por aquele mesmo Sr. Deputado.
Estes elementos vão ser entregues ao Sr. Deputado Mendes Correia.
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Tem a palavra antes da ordem do dia ò Sr. Deputado Froilano de Melo.
O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: acabo de receber da Índia -e suponho que mais alguns camaradas nossos o receberam também- o seguinte telegrama:
«Despacho governador dia 24 foi suspenso Heraldo dois anos abrigo decreto 27:495 artigo 70.º virtude artigo criticando preambulo orçamento. Foi prémio inalterada orientação lusófila mantida jornal durante quarenta anos. Rogo intervenção urgente junto Ministro a fim não homologar decisão governador sem conhecer artigo visado. Segue avião. António Maria da Cunha».
E o próprio facto de o telegrama ter sido expedido da estação inglesa de Belgão já mostra a tensão que esta medida provocou em Goa.
Não faço a mínima ideia de que matéria criminosa ou subversiva trataria esse artigo do Heraldo para provocar punição tão violenta. O Heraldo é dirigido por um indo-português dos mais ilustres, gentleman na máxima acepção da palavra, de um portuguesismo nunca desmentido através da sua longa carreira de médico militar e de jornalista é que seria incapaz de uma incorrecção, que não condiz nem com a sua avançada idade nem com a nobreza da sua linhagem, das mais altas de Goa, e cuja primorosa educação familiar e social Lisboa pode rever em alguns dos seus membros que ocupam lugares de destaque na sociedade intelectual portuguesa contemporânea.
Nem compreendo como para acudir a esse pungente S. O. S. que contém a parte final do telegrama terá S. Ex.ª o Ministro das Colónias de desenvolver prodígios de energia e de tacto a fim de sanar esse conflito, em que se encontra de um lado o delegado do Governo, que é necessário prestigiar, e do outro quase toda a população católica e pró-portuguesa de Goa, que é conveniente não melindrar.
E um tal incidente no momento em que nós em Portugal, dentro e fora do Parlamento, procuramos limar arestas, atrair almas, reconquistar corações! Porque o Heraldo - e é sob este ponto de vista que o caso me interessa-, conquanto não seja um jornal político, é, pela sua compostura e correcção, o guia e o porta-voz da população cristã, e pró-portuguesa da nossa índia. A desolação que sinto ao antever a ironia com que essa notícia terá sido glosada nos meios antiportugueses de Bombaim e outras cidades indianas!
Não posso nem devo, porém, antecipar juízos. E por isso requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me sejam fornecidos com urgência todos os esclarecimentos sobre esse incidente lamentável, que, desde já vos digo, e pesando bem a responsabilidade das minhas palavras, no momento que passa é politicamente um verdadeiro desastre.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: nesta ocasião, em que se encontra na Guiné o Sr. Subsecretário de Estado das Colónias para assistir ao encerramento das comemorações centenárias do descobrimento daquela colónia e à abertura solene da II Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, VI gostosamente nos jornais que S. Ex.ª o Sr. Presidente da República agraciara, a título póstumo, com a grã-cruz da Ordem do Império o herói da Guiné major João Teixeira Pinto.
E eu, que tenho o grande orgulho de representar nesta Assembleia essa colónia, que, de todas do nosso actual Império, foi a primeira a ver o sangue português regar-lhe a terra, então duramente inóspita e hostil, que foi um terreiro de heroísmos em pugnas constantes com o seu aguerrido gentio, sempre rebelde a toda a tentativa de reconciliação, não posso deixar de afirmar, como conhecedor da elegância moral da sua população civilizada e ainda dos sentimentos por Portugal da sua população nativa, que esse rincão do nosso Império, neste momento da sua já secular história, traçará mais uma página do honra recebendo galhardamente, em frémitos de bom patriotismo, o representante do Governo da Nação.
Não me foi possível acompanhar S. Ex.ª à colónia que me elegeu seu Deputado, onde diria que esta Assembleia, composta de individualidades de todo o Pais, individualidades de alto relevo moral e mental marcante na sociedade portuguesa, nunca deixou de mostrar a maior consideração e admiração por essa terra do ultramar que apresenta homens seus inspirados no mais alto ideal da pátria portuguesa, tais como, entre muitos outros, o grande governador Honório Pereira Barreto, o expoente máximo de assimilação nossa, Domingos de Araújo, sempre pronto a oferecer a sua vida por Portugal, até que por ele a perdeu, Lamine Injai, que, para salvar a bandeira - a nossa-, se sacrificou no altar das nossas glórias.
A projecção do patriotismo português de Honório Pereira Barreto -homem de cor mas de alma bem branca, que ofereceu a totalidade do seu sacrifício por Portugal, não só dando grande parte da sua fortuna pessoal como até consumindo a sua vida num labutar constante pela nossa nacionalidade, quer repelindo as afrontas e ambições absorventes de estranhos, quer submetendo revoltas do gentio, quer dignificando todos os sectores da administração portuguesa- foi tal que no gabinete do governador existia o seu retraio em tamanho natural, para que todos que ali entrassem sentissem a sua irradiação moral comunicando-lhes a obrigação de trabalharem naquela terra com tanta isenção, dedicação e patriotismo como aquele natural da Guiné, que se tinha devotado a bom servir e honrar Portugal.
Foi pena que o duro clima da. Guiné não aconselhasse a ida ali de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, nessa ocasião em que todos nós, com o coração em sobressalto, temíamos o agravar da sua doença, que, felizmente para todos, já passou, para que, mais uma vez, a população da Guiné pudesse proclamar bem alto a sua admiração, a sua dedicação patriótica e confiante pelo nosso venerando e venerado Chefe do Estado, cujo subtil tacto político, vontade espiritual inata o acrisolado patriotismo souberam vincular, desde a primeira hora, a integração espiritual da Nação inteira, dos portugueses de boa vontade e de sã consciência, nos altos princípios da Revolução de Maio.
A Guiné, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é um testemunho bem seguro de quanto podem o amor pátrio e a fé, é ela toda uniu. página de ouro da nossa história, como é neste momento uma prova segura do ressurgimento do nosso ultramar.
No último número da Revista Militar, em um dos seus artigos, preconiza-se que se convide «alguém de mérito reconhecido para que faça desfilar perante nós essas figuras que ofereceram a sua, vida a bem da nossa «Grande Causa», não se permitindo que o tempo lance no esquecimento aqueles homens que construíram. as balizas do Império, cujos actos documentam a grandeza da Raça, na História do Mundo».
S. Exa. o Sr. Presidente da República condecorando esse bravo que se chamou Teixeira Pinto começa já por consagrar a sua memória j nivelando-o com os melhores pioneiros da colonização portuguesa, inscrevendo-o no quadro de honra dos heróis de Portugal.
Foi feita justiça a esse oficial, esse grande português, que sempre honrou o exército e lhe acrescentou glórias, realizando com a sua valentia; coragem e abnegação
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prodígios de valor, quer na Guiné, obtendo uma completa pacificação de oincas, balantas, manjacos, brames e papéis, trazendo assim à soberania nacional a obediência de cerca de dois terços da população, quer em Moçambique, onde uma bala alemã o prostrou para sempre no campo da honra militar - o campo de batalha.
Mas na ocupação e pacificação da Guiné muitos nomes gloriosos ha ainda a registar, que não cito aqui para, possivelmente, não cometer a deselegância moral de me não referir a todos, por esquecimento ocasional.
Boa razão tem a Revista Militar em .sugerir que se faça a história da ocupação e pacificação da Guiné, escrita por pessoa que saiba dar o expressivo relevo do nosso esforço formidável para um povo tão pequeno, inscrevendo na nossa história colonial todos aqueles que nessa terra, então de febres, de sangue e de morte, consagraram a sua vida à dedicação e sacrifício por Portugal, na sua ingente e heróica tarefa de civilizadora colonização.
Não quero cansar mais, por agora, a atenção de V. Ex.ªs Mas, antes de terminar, tenho de me desobrigar de um encargo, para mim jubiloso pela honraria, que a população da Guiné me determinou: de por ela afirmar ao País e a S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, perante o testemunho de tão selecta como distinta elite social e intelectual da Nação, a sua extrema dedicação à Mãe-Pátria e ao seu grande Chefe, que realmente venera e em cujas virtudes tempera a sua consciência nacional e o seu patriotismo, e ainda de proclamar a sua fé nos homens que regem os destinos da Nação, a sua fé na satisfação dos desejos patrióticos desta Assembleia, a sua fé nas qualidades da raça que deu novos Mundos ao Mundo, a sua fé... neles próprios, por Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª me autorize a mandar para a Mesa uma mensagem a enviar à Guiné, homenageando-a, para ser apreciada e julgada pelos Srs. Deputados em seu alto patriotismo, jamais desmentido.
A minha mensagem é do seguinte teor:
Leu.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carvalho Viegas propõe que a Assembleia Nacional envie à nossa colónia da Guiné uma mensagem, que S. Ex.ª leu, mas que, apesar disso, se vai ler novamente à Câmara.
Em seguida foi lida a mensagem.
O Sr. Presidente: - Certamente que o Sr. Deputado Carvalho Viegas não faz questão fechada da redacção da mensagem que propõe, desde que se exprima o seu pensamento.
O Sr. Carvalho Viegas: - Estou de acordo com o ponto de vista por V. Ex.ª expresso.
O Sr. Presidente: - Dentro da orientação traçada, vou pôr à votação da Camará que se envie uma mensagem à colónia da Guino exprimindo o pensamento do Sr. Deputado Carvalho Viegas
Submetida à votação a proposta formulada pelo Sr. Presidente, foi aprovada.
A mensagem a enviar è do teor seguinte:
«A Assembleia Nacional, na ocasião em que o Governo da Nação afirma a sua presença na colónia da Guiné delegando o Subsecretário de Estado das Colónias para presidir ao encerramento do ciclo das comemorações centenárias do descobrimento, associa-se às patrióticas manifestações da colónia, envia os sentimentos calorosos de fraternidade da metrópole aos portugueses da Guiné, como parte da comunidade lusitana, e presta a sua homenagem a todos os que com o seu sangue ou com o sou trabalho cimentaram o Império Português o continuam a manter alto o prestígio da Nação, especialmente na parte constituída pela Guiné Portuguesa: e
Formulando votos pelo êxito da sua elevada missão, no interesse da colónia e prestígio do nome português, saúda o governador, como representante da soberania nacional o intérprete do nosso generoso génio civilizador».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional. Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: esta reforma do ensino técnico tem sido aqui considerada sob vários aspectos, e foi logo de início levantada a questão da oportunidade ou inoportunidade da publicação da mesma reforma.
Não terei títulos especiais para vir pronunciar-me sobre este assunto, mas pareceu-me oportuno que todos aqueles que tinham alguma palavra a dizer sobre a reforma não deixassem de vir aqui proferi-la, e assim é que, pela função que desempenho na vida administrativa do País, à frente de uma junta de província, posso, de alguma maneira, trazer a esta Câmara os anseios e as aspirações que se verificam por parte das populações da província de Portugal
E essas aspirações e esses anseios podem de alguma maneira elucidar a Camará sobre a oportunidade ou inoportunidade da proposta.
No relatório que no fim do ano passado, como presidente da Junta de Província do Ribatejo, tive de apresentar ao conselho provincial escrevi estas palavras:
Isto vem para dizer que tanto se anuncia e que o Estado Novo necessariamente há-de realizar com sentido utilitário deverá ser considerado o facto da existência do Ateneu Comercial de Santarém...
Já aqui eu exprimia, de alguma maneira, a necessidade que sentem as gentes que querem aperfeiçoar os seus conhecimentos de que haja alguns graus de ensino devidamente organizados, além daqueles que já existem, e o que a minha observação da vida local me diz é que na verdade o ensino primário só por si não satisfaz hoje as aspirações da grande multidão de pessoas saídas destas escolas, que, não estando ainda em idade de se entregarem ao exercício de uma profissão, precisam de encontrar saída para desenvolver e aperfeiçoar os conhecimentos que adquiriram na instrução primária.
Isto só por si já significa de alguma maneira que é necessário organizar outros graus do ensino para as camadas populares, que, não se destinando ao ensino dos liceus nem aos cursos superiores, no entanto consideram insuficientes as noções que adquiriram.
As autarquias locais recebem constantemente solicitações no sentido de que por elas próprias sejam criadas escolas de várias modalidades. Umas solicitam escolas industriais, outras solicitam escolas comerciais, outras ainda solicitam escolas de artes e ofícios. E pelo que já
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foi dito nesta Câmara é evidente que as autarquias locais só por si não podem resolver este problema, que apresenta assim um carácter premente e instante. Não têm recursos para isso, não têm as demais condições necessárias para a criação e desenvolvimento do ensino técnico profissional. No entanto, fazem o que podem e está ao seu alcance, sem que, contudo, tenham directrizes superiores, fixadas em diploma legal, por onde se orientem e por onde ponham em prática as suas deliberações. Na minha província, na província onde vivo -a província do Ribatejo-, existem algumas escolas de iniciativa das autarquias locais e outras até de iniciativa individual. Cito o Ateneu Comercial de Santarém, que nasceu na antiga Associação Comercial, hoje Grémio do Comércio, e que está exclusivamente a cargo da Junta de Província do Ribatejo e Câmara Municipal de Santarém. Cito ainda uma outra escola de carácter comercial que existe em Abrantes e uma outra em Rio Maior.
Querendo documentar-me e esclarecer-me acerca da vida e eficiência destes estabelecimentos de ensino, formulei a cada um deles um pequeno questionário, a que todos responderam. E as conclusões que dessa resposta se tiram é que todos estes estabelecimentos de ensino, nascidos da boa vontade e iniciativa local, vivem em circunstâncias precárias e impróprias da função que se propõem, quer sob o ponto de vista das instalações em que o ensino é ministrado, quer sob o ponto de vista do professorado, quer até sob o ponto de vista do material didáctico necessário.
Outra conclusão que tiro dessa resposta é o veemente desejo de quem está à frente delas de as ver organizadas eficientemente, devidamente apetrechadas, e que se lhes dêem instalações próprias e condignas para uma maior frequência, porque os números a que me refiro atestam que de ano para ano todas essas escolas são procuradas por um número cada vez maior de alunos, muitos dos quais não podem ser admitidos por as instalações não comportarem esse número de alunos.
O Ateneu Comercial de Santarém, que tem hoje cerca de duas centenas de alunos, funciona por empréstimo numa escola primária oficial, onde nem todos os alunos têm lugar sentado para assistir às prelecções magistrais.
Estas escolas, às quais, após várias diligências, foi concedido alvará, para funcionarem legalmente, ainda hoje não podem passar diplomas aos seus alunos, que têm de vir a Lisboa prestar provas para os obter. E isto para duas centenas de rapazes e raparigas que as frequentam.
Não faz sentido que o Estado abandone ou deixe assim vegetar instituições desta natureza, que se apresentam dotadas com todas as condições para produzirem um resultado útil e prático para a vida do País, que assim deixe vegetar nestas condições deficientes aqueles que são precisamente os menos abastados, os mais pobres, os que têm menos facilidade de se deslocar e que estão possuídos porventura das maiores energias para lutar e viver, constituindo um reservatório magnífico e rico para se recrutar o pessoal do futuro, no comércio, na indústria e em outras actividades.
Há também em Rio Maior - pequena vila da província do Ribatejo- uma escola comercial, de iniciativa particular, que tem uma frequência de algumas dezenas de alunos -cerca de 50-, e essa então já obteve que os diplomas sejam passados na própria escola e que as provas sejam ali prestadas, deslocando-se até lá, na época dos exames, dois professores das Caldas da Rainha, que verificam a aptidão dos alunos e lhes concedem o respectivo diploma.
Mas já nessas condições não vive a escola de Abrantes, que é uma escola meramente camarária e de onde os alunos saem sem qualquer diploma.
Outra conclusão que se tira das respostas obtidas é a de que a maior parte dos alunos tem chegado ao fim dos seus cursos o tem encontrado colocações fáceis na vida dentro da especialidade que frequentaram e a que se dedicaram o tem conseguido salários remuneradores.
Se esta é a conclusão que se tira das respostas, isto confirma o que principiei por enunciar: que as populações das cidades e províncias, das vilas e até das aldeias prementemente requerem a organização deste grau de ensino, como constituindo um dos seus grandes anseios, uma das suas grandes aspirações.
São de ter em atenção e de considerar as aspirações desses povos, dando-lhos possibilidade de encontrarem soluções para a sua vida, numa reconfortante realidade de melhoramento e transformação da nossa indústria e até do nosso comércio.
Antevê-se, felizmente, e devido à magnífica actuação do Governo Português, para breve o maior desenvolvimento da indústria nacional. Algumas indústrias novas estão já na fase de organização, estão já a ser montadas, e verifica-se que para recrutar pessoal técnico, sobretudo pessoal operário, para essas novas indústrias se luta com sérias dificuldades, porque não temos, na realidade, abundância de artistas, abundância de operários que possam vir a trabalhar com a complexidade que a instalação dessas novas indústrias requer para serem postas a funcionar. Não será por uma razão desta ordem - descuido ou incúria do Governo em propor e dar às grandes massas populacionais preparação técnica para o desempenho dessas funções - que a indústria deixará de atingir aquele nível que é aconselhável ela atinja.
Se bem que seja uma verdade Portugal ser um país essencialmente agrícola, o certo é que, como diz o Sr. engenheiro Ferreira Dias, ele pode ser mais industrial do que é hoje, com mais proveito para a economia nacional.
Em face das considerações que acabo de fazer, tenho para mim que a questão prévia que aqui foi levantada sobre se era ou não oportuna a discussão desta lei deve ser resolvida no sentido afirmativo. E preciso, anseia-se desde há muito tempo que seja publicada a reforma do ensino técnico. Dizer-se, como disse o nosso ilustre colega, que era preferível ser só publicada esta reforma enquadrada na reforma do conjunto seria talvez uma aspiração ideal, seria talvez a solução óptima; mas tenho para mim que o óptimo é inimigo do bom, e o que é preciso é caminhar - e as coisas virão -a ajustar-se, já com o saber de experiência feito.
Eu poderia ainda apontar alguns dos resultados magníficos obtidos pela organização do ensino técnico da província, citando o exemplo da Escola Industrial Jácome Ratton, de Tomar, que começou por algumas dezenas de alunos e hoje é frequentada por centenas de rapazes e raparigas não só da cidade de Tomar mas de todas as terras circunvizinhas, que à custa de todos os sacrifícios, da dureza de longas caminhadas se deslocam à cidade para frequentar a Escola Industrial, que está hoje exclusivamente a cargo do Estado.
Mas os resultados obtidos através dessa Escola atestam ainda mais a verdade das considerações que comecei por fazer: de que há uma multidão grande de rapazes e raparigas saídos das camadas populares que precisam de ter ao seu alcance outros graus de ensino além do ensino primário, do ensino liceal e do ensino superior. E esse grau de ensino tudo aconselha que seja, na verdade, o ensino técnico.
Não vou -até porque isso não está agora em discussão-, não vou, repito, entrar na apreciação detalhada desta proposta, porque isso melhor cabimento terá quando for discutida na especialidade.
Parece-me que na proposta a organização do ensino técnico resulta da colaboração do Estado com as autarquias locais e até com a iniciativa privada. É preciso porém dizer que não se espere muito ou tudo das autarquias locais, porque, como já foi aqui dito e eu repito,
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elas estão já por tal forma sobrecarregadas, elas têm já tantos encargos a satisfazer, que não me parece nem justo nem oportuno que só lhes deixe ainda mais o encargo da instrução.
As receitas, por exemplo, duma junta de província são tão exíguas o limitadas que não dão para satisfazer de forma alguma as atribuições que lho são imputadas pelo Código Administrativo.
Na verdade, o Código Administrativo imputa-lhes funções de assistência, de cultura e de fomento e coordenação económica. Mas tem de reconhecer-se que o volume total das suas receitas não dá já para atender só uma destas modalidades da sua actividade, quer a assistêncial, quer a de cultura, quer a de fomento o coordenação económica.
Tenho para mim opinião formada de que na verdade as juntas de província podem desempenhar uma função importante na vida do País, sobretudo na coordenação, na orientação e na conexão entre todas as actividades da província.
Mas para isso é preciso que se modifiquem as correspondentes disposições do Código Administrativo.
Haveria ainda na generalidade um ponto que desejaria tocar, embora pareça que isto é já intrometer-me com o campo da especialidade: será o do ensino agrícola, designadamente o ensino feito e o regime adoptado nas escolas de regentes agrícolas. Impressionam os números que já aqui foram apontados sobre a frequência do ensino agrícola e até mesmo das escolas de regentes agrícolas, porque num país que se diz essencialmente agrícola são porventura estas as escolas menos frequentadas.
O Sr. Carlos Borges: - Também não podem ser muito frequentadas, porque é caríssimo o ensino; é só para gente rica.
O Orador: - Ora eu ia a dizer exactamente o que o Sr. Dr. Carlos Borges acaba do afirmar. O regime que se adopta, de internato, nas escolas de regentes agrícolas veio, a meu ver, dificultar a frequência dessas escolas. A Escola de Santarém diplomou até hoje muitos regentes agrícolas, que trabalham, pode dizer-se, em quase todos os organismos económicos do Estado. E trabalham de maneira a honrar a sua classe, a dignificá-la, mostrando-se aptos para as funções que lhes são atribuídas, cumprindo-as com zelo, dedicação, devoção e espírito de disciplina. Trabalham regentes agrícolas na Junta de Colonização Interna; trabalham regentes agrícolas na Junta Nacional do Vinho; trabalham regentes agrícolas na Janta Nacional dos Produtos Pecuários; trabalham regentes agrícolas em quase todos os organismos de coordenação económica que hoje existem em Portugal.
E dentro do funcionamento desses organismos pode ver-se que os regentes agrícolas são do funcionalismo que melhor serve. O trabalho por eles realizado na Junta de Colonização Interna e na Junta Nacional do Vinho, organismos que mais de perto conheço, é apreciado e estimado pelos seus superiores hierárquicos pelo seu magnífico rendimento. E isto corrobora a afirmação que aqui fiz: é que esses regentes saíram do famílias que sentem a dureza da vida, que sentem a necessidade de conquistar a vida, que sentem a necessidade de trabalhar e que anseiam por se elevar e se dignificar.
Mas é certo, Sr. Presidente, que, tal como está organizado o ensino e tal como funcionam as escolas agrícolas, no regime de internato, que pode na verdade ter superiores vantagens na formação dos rapazes, essas escolas tornam-se inacessíveis precisamente para as classes que mais se dirigiam para esses cursos.
O Sr. Carlos Borges: - Apoiado!
O Orador: - Esses rapazes não querem o curso simplesmente para terem um diploma ou para terem uma posição de mais destaque, mas sim para conquistarem um meio de ganhar a sua vida pela especialidade a que se dedicam.
Os frequentadores dessas escolas saíam dos filhos dos pequenos agricultores, saíam dos filhos de famílias modestas que viviam junto das escolas, saíam até dos filhos de homens de modesta profissão, como sejam os condutores de automóveis, os chauffeurs de praça, que à custa do seu trabalho o muita dedicação conseguiam que os seus filhos frequentassem e tirassem o curso de regentes agrícolas.
E evidente que hoje a toda essa gente, a toda esta fonte de recrutamento de regentes está vedado para os seus filhos tirar esse curso. Porquê? Porque o regime de internato, com as inerentes despesas a que obriga, está fora das suas possibilidades.
O Sr. Marques de Carvalho: - A proposta prevê um largo regime de bolsas precisamente para pagar o internato àqueles que se reconheça podem vir a ser um valor social útil.
O Orador: - As bolsas e os patronatos não são um meio tão acessível e tão apropriado nem ao alcance do todos, e quando digo ao alcance de todos digo no conhecimento do todos os que desejariam frequentar esses cursos.
O Sr. Carlos Borges: - A verdade é que só os ricos podem ser recebidos nessas escolas.
O Orador: - Dantes havia famílias que se deslocavam para as cidades onde existiam essas escolas e aí arranjavam uma maneira qualquer de ganhar a vida, precisamente para que os seus filhos saíssem das casas onde se encontravam instalados.
O Sr. Marques de Carvalho: - Mas isso, além do mais aumentaria o mal do urbanismo. Seria mais gente a sair das suas aldeias para as cidades.
O Orador: - Tudo isso, teoricamente, está certo. Simplesmente, aos homens que vivem nas aldeias, às famílias que vivem nas aldeias, que nelas trabalharam durante gerações sucessivas, chega um momento em que sentem a necessidade e a legítima aspiração de se deslocarem para a cidade, para darem rumos novos aos seus filhos e nova orientação à sua vida.
Não são esses os que vem agravar o fenómeno do urbanismo. Esses vêm à procura da conquista da vida, como ou vim e tantos outros, que não teriam chegado onde estão se se lhes opusessem esses entraves e essas dificuldades.
Apoiados.
Há que ter em considerarão os interesses das populações rurais, e não apenas os interesses das populações citadinas. Há que facilitar aos componentes dessas populações a possibilidade de um dia se verem erguidos um pouco mais além do meio em que viveram os seus antepassados, porque isso é uma aspiração legítima, é uma aspiração humana, é uma aspiração natural.
Consequentemente, parece-me que o puro regime de internato para frequência dessas escolas resulta contraproducente.
Se se põe o argumento de que o regime de internato facilita a deixar-se imbuir do espírito da profissão a que o indivíduo se dedica e que quer obter através da escola, o mesmo argumento seria de apresentar quanto às escolas industriais e comerciais, quer elementares quer complementares.
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O Sr. Marques de Carvalho: -O caso é muito diferente. Nas escolas agrícolas há operações correntes da vida agrária que tom de se fazer de noite ou de manhã, muito cedo. Nas escolas industriais e comerciais o regime não é o mesmo.
O Orador: - Mas, Sr. Dr. Marques de Carvalho, a prática demonstra que o regente agrícola formado sem ser no regime de internato é tão bom, tão imbuído do espírito da profissão como aquele formado no regime de internato, e, como já disse, o regime de internato virá a ser exclusivo das famílias ricas.
As escolas com regime de internato virão a ser exclusivo dos filhos das famílias ricas, mas que a prática tem demonstrado que são por vezes os menos dotados intelectualmente, até mesmo para o ensino agrícola.
Consequentemente, a impossibilidade de frequência dessas escolas agrícolas por alunos externos é, a meu ver, uma das condições de insuficiência do ensino agrícola, que nós procuramos defender e melhorar.
Dentro das minhas possibilidades em assunto de tão grande monta como é a reforma do ensino técnico, produzi já as considerações que estavam ao meu alcance.
Antes de concluir, direi que voto a proposta do lei que o Governo mandou a esta Assembleia, e voto-a com convicção o conhecimento dos factos o com a certeza de serem as soluções boas para já, enquanto que aquilo que seria óptimo não se saberia quando viria.
E, Sr. Presidente, voto a proposta na generalidade e digo, como aqui já foi dito, que o assunto é tão complexo, é de tal grandeza que, na realidade, todas as considerações que venho do apresentar com carácter bastante genérico penso que possam vir a ser úteis à regulamentação ou conteúdo das respectivas bases.
Para essa regulamentação é que o Governo se quer documentar, e assim apresentou a proposta depois de um vasto e profundo inquérito, mandado fazer pelo então Ministro da Educação Nacional, Sr. Dr. Mário de Figueiredo. E para que essa regulamentação possa ser também uma fonte de informação é que hoje subi a esta tribuna, para trazer o meu contributo para esse efeito, na certeza de que reconheço que é também este o momento e a hora própria para se encarar a reorganização do ensino profissional, sem deixar de reconhecer também que se realizou já pelo Ministério da Educação Nacional obra de grande alcance, vasta e profícua, e para o afirmar não preciso do me abonar com qualquer outro título que não seja o do meu entendimento e justa e imparcial apreciação das coisas.
E reconheço que também neste sector da Revolução Nacional a obra tem sido intensa, tem sido profícua e tem sido útil.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Franco Frazão: -Sr. Presidente: a proposta de lei relativa ao ensino técnico profissional chega a esta Assembleia acompanhada d II um extenso e bem elaborado relatório a Câmara Corporativa. Apresenta-se como fruto do trabalho da comissão em boa hora criada pelo decreto-lei n.º 31:431, de 29 de Julho de 1041, e resultado de variadas experiências em tão delicada matéria. Com efeito, se consultarmos a colecção do Diário do Governo, desaba sobre nós verdadeira avalanche do diplomas. O espírito confunde-se perante u serrada argumentarão do seus autores.
Não se devem criar teóricas, diz-se, mas sim práticos, e vai-se até ao ponto de negar utilidade às cartas de curso. Outros, pelo contrário, julgam indispensável esse estímulo para dar categoria às escolas.
Discutem-se e criticam-se, por vezes asperamente, em tão veneráveis publicações os processos e os métodos, que uma nova reforma vem sempre resolver.
Estaremos nós perante uma questão meramente pedagógica de projectos de alteração de programas que periodicamente se apresenta? Talvez assim seja ...
Será porventura uma questão financeira que falta resolver? A terrível falta de verba persegue, sem dúvida, os reformadores através das páginas do Diário do Governo. Em 1934, só para o ensino industrial e comercial, fala-se num reforço necessário de 172:000 contos. Verbas consideráveis para um erário ainda relativamente pobre.
Será porventura que falte ainda vasto programa de ensino? As reformas dispersas serão peças de um gigantesco mecanismo que se desconhece e que no futuro se irão harmoniosamente juntar?
Estes assuntos já foram largamente versados nesta tribuna. A algumas destas interrogações parece mesmo impossível responder, nomeadamente ao custo da reforma que se aprecia.
Nem os edifícios, nem o material didáctico, nem o número de professores e a sua remuneração podem permanecer sem consideráveis alterações. Só no ensino agrícola a aquisição de terrenos para novas escolas e ampliação das actuais deve necessitar de verbas muito elevadas. Contudo, a nossa Comissão de Educação Nacional, com talvez excesso de optimismo, propõe, pela eliminação das restrições contidas na proposta do Governo, maior desenvolvimento do ensino médio agrícola, que julgo dos mais onerosos e difíceis de realizar satisfatoriamente.
Temos, portanto, de nos contentar com uma visão, por assim dizer, panorâmica do problema, enunciado nas diversas bases, que não raras vezes se apresentam com aspectos puramente regulamentares, difíceis de discutir, senão por especialistas.
Não seria justo, contudo, deixar de registar a oportunidade da proposta no momento em que se encontram já definidas as grandes linhas de reforma da indústria e estabelecidos alguns elementos de nova orgânica agrícola.
Estas circunstâncias justificam uma reforma parcelar. Receio, no entanto, algumas inovações que se introduzem no ensino agrícola e pareceu-me que esta parte da proposta se apresenta menos clara do que aquela que só refere ao ensino industrial e comercial.
Bela me vou ocupar mais detalhadamente.
Sr. Presidente: o problema a resolver é definir a finalidade do ensino profissional agrícola? Trata-se, em última análise, de conseguir que a terra produza o máximo sem que. a sua fertilidade seja comprometida. Esta produção tem de ser feita pelos processos mais económicos e eficientes. Parece haver, portanto, aqui uma preocupação de natureza utilitária, digamos materialista.
A segunda finalidade tem sido geralmente definido como uma das formas de manter as .populações rurais ligadas à terra e combater os males do urbanismo. Sustenta-se ainda a opinião de que se trata, não só de uma questão de ensino e técnica, mas dê uma finalidade altamente educativa.
Não é apenas o fim meramente prático que se procura atingir, mas um ideal mais elevado e puro, o desenvolvimento daqueles sentimentos tradicionais que se podem definir pelo amor à terra? Facto curioso: esta definição encontra-se em muitos autores ingleses que têm tratado da matéria (Sir Alec Mac Callum, A. B. Bruce).
Origens do ensino profissional agrícola. As origens desta modalidade de ensino ligam-se à necessidade da divisão do trabalho na agricultura.
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surgem no decorrer do século XVIII as primeiras tentativas de especialização. No início do século XIX as conquistas da física e das ciências naturais tornam viável um ensino de carácter genérico.
Mas datam de poucos anos as formas mais modernas do ensino.
Na Dinamarca, onde o ensino agrícola foi elevado a um alto grau de eficiência, data de 1799 a primeira escola de agricultura e de 1820 as primeiras tentativas da Real Associação de Agricultura. Em 1923 temos a adaptação dos processos americanos da Internacional Education Board para a instrução da juventude agrária
Curioso é notar que a iniciativa particular desempenha neste país o principal papel no ensino rural.
Na Holanda é de 1843 a primeira escola agrícola. Os trabalhos da comissão de estudo do ensino rural são de 1886; as escolas elementares de- agricultura apenas se desenvolvem desde 1921.
Na Suíça a primeira escola agrícola, inspirada nos trabalhos de Pestalozzi, com uma granja de 70 hectares, data de 1809 e acaba obscuramente em 1852. Podemos marcar o ano de 1885 como o do início do desenvolvimento do ensino agrícola.
As cátedras ambulantes e escolas de Inverno francesas são de 1908.
Servem apenas- estas citações para mostrar que o desenvolvimento da ensino agrícola em qualquer país não foi tarefa fácil mesmo onde os recursos financeiros eram bem mais abundantes do que os nossos.
A nossa lei de 16 de Dezembro de 1852, embora inspirada na reformar francesa de Tourret, de 1848, distingue três graus: o ensino elementar da aprendizagem, feito nas granjas particulares aprovadas pelo Estado. o ensino profissional, de carácter prático, e o ensino superior. É sabido que desta reforma apenas saiu o ensino superior, na Escola da Cruz do Tabuado e seus anexos.
Não é minha intenção percorrer em piedosa romagem o caminho que levar o ensino superior desde a Quinta da Bemposta até à Tapada da Ajuda. Estaria fora da ordem do dia.
Nem tão pouco tentarei seguir as vicissitudes do ensine secundário desde Sintra até Coimbra, Santarém ou Évora.
Seria inútil recordar as escolas práticas de agricultura de Torres Apedras, da Bairrada e de Viseu e as escolas móveis, que, por razões desconhecidas, se transformaram sempre em fixas.
Séria, contudo, curioso confrontar todas estas reformas sucessivas, para. lhes encontrar certo ar de família e absoluta parecença no seu destino. Parece que nos princípios fundamentais se está mais ou menos de acordo, apesar das divergências pedagógicas. As ideias mais interessantes da legislação estrangeira encontram-se nas nossas leis. As verbas inscrevem-se mesmo nos orçamentos, mas a seguir tem de ser cortadas, por excessivas talvez. Entra-se na era das economias. Assim, em 1887 criam-se seis escolas de agricultura; em 1891 uma fúria de insensata poupança fez retrogradar, diz o Prof. Rasteiro, de muitos lustros o estado da nossa instrução, agrícola. O agrónomo vai para o distrito e ali tem de fazer tudo: ensinar, prestar assistência técnica, realizar investigações e, ainda por cima, administrar por forma, lucrativa a propriedade que lhe foi confiada.
Assim, a Escola de Portalegre nunca chegou a funcionar; a Escola de Évora, com o título grandioso de nacional, nunca; chegou a sair das ruínas do velho convento de S. Bento de Castris.
Uma reforma, dizia com uma certa melancolia Ferreira Lapa, nunca pode pretender a perfeição absoluta, visto a perfeição não pertencer a nenhuma obra humana.
O defeito mais grave das escolas é a sua ambição. É difícil resistir à tendência de programas cada vez mais vastos, destinados a elevar o nível do ensino. O aluno, deslumbrado, regressa a sua casa e esquece quase tudo o que aprendeu. A escola não lhe ensinou aquilo que seria fundamental no meio rural.
Quantas vezes os discípulos da escola se afastam do equilíbrio mental dos seus antepassados, do sentimento das realidades da terra e das suas riquezas, de tudo quanto assegurou durante gerações sucessivas a continuidade do trabalho e a ordem nos campos.
Não seria a verdadeira finalidade do ensino criar agricultores ligados profundamente à terra pelos vínculos de um amor esclarecido e com o espírito preparado para aceitar as novas técnicas de trabalho rural?
O ensino agrícola parece, portanto, que se deve, em primeiro lugar, adaptar à vida e às realidades. O seu quadro tem de ser o da mentalidade dos seu alunos. Os programas de ensino franceses dizem que o ensina deve ser essencialmente prático e utilitário, e não especulativo e ideológico.
Tem de se basear, não sobre experiências, mas sobre resultados seguros que possam vencer o espírito crítico do rural.
Deixemos ao ensino superior nortear-se pelas normas da experimentação, base indispensável para formar bons técnicos e investigadores. O ensino profissional tem de se colocar em plano muito diferente.
O ensino elementar. - Uma ideia que surge em vários países é a de utilizar a escola primária para o ensino elementar da agricultura. Não parece viável, contudo, que esta escola possa ter funções profissionais. Os seus fins já são suficientemente vastos para que se possa sobrecarregar ainda os programas. Se conseguir desenvolver a sensibilidade do aluno, despertar a sua inteligência e formar o seu carácter, já terá feito muito. Nos meios rurais não parece, todavia, descabido aquilo que se pode chamar uma certa orientação agrícola dos programas. E o sistema seguido em França, Bélgica e Finlândia.
Não se trata, portanto, aqui de instrução profissional, mas de uma questão de programas especiais para os meios rurais. Contudo, não faltam os críticos que receiam que se inferiorize a escola rural. Além disso, como a agricultura não consegue, em regra, absorver todos os excedentes de população, os elementos que fatalmente irão procurar o caminho de outras actividades estarão em condições de inferioridade.
Estas reacções, bastante curiosas, motivaram já o abandono do sistema na Irlanda e na Noruega.
Este aspecto não foi contudo tocado na proposta nem a ;ele se alude, por ser objecto de legislação especial.
Existe ainda outro sistema, que se pode chamar talvez a escola superior popular e que representa uma ampliação do programa do ensino primário. Nalguns países deu-se a este ensino carácter agrícola. As diferenças parecem ser mínimas neste caso com um verdadeiro curso profissional.
O sistema de ensino elementar preconizado na proposta, é o da escola agrícola móvel, que já vimos ter origens bastante antigas entre nós. Julgo que se deseja instituir os chamados cursos de Inverno, que tem dado bons resultados nalguns países. A primeira dificuldade que encontramos é a da realização de demonstrações práticas.
As populações rufais não aceitam em geral com facilidade os cursos puramente teóricos. Por outro lado, é natural que os cursos tenham mesmo de ser nocturnos, exigindo um número avultado de professores e um serviço de inspecção difícil. Será certamente complicado,
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por enquanto, no nosso País realizar cursos idênticos aos estrangeiros, que chegam a ter a duração de quatro e mesmo seis meses.
Pela colaboração que se espera do Ministério da Economia parece contudo que se trata de ensino sem características nitidamente escolares.
Teria uma função interessantíssima se pudesse atingir a população que não frequentou as escolas e ao mesmo tempo servir de curso complementar para quem as tivesse frequentado.
Os cursos práticos que o Ministério da Economia tem realizado, com notáveis vantagens para a formação de práticos rurais especializados, como a formação de podadores de oliveiras ou de assistência técnica, no decorrer de todo o ano e mais intensa tem certas épocas (por exemplo, na época das vindimas), têm, segundo parece, forma diferente daquela que aqui se preconiza. Teríamos assim no Ministério da Economia as funções de assistência à lavoura e a prática rural de operários e no da Educação a escola agrícola móvel, esta última certamente de carácter genérico, destinada aos alunos que tenham como base a instrução primária.
Confesso que, sem dúvida por deficiência minha, não compreendi o alcance que a proposta pretende dar ao desenvolvimento da acção de assistência técnica e fomento, já atribuída pela lei aos -estabelecimentos dependentes do Ministério da Educação Nacional, e a alusão ao decreto-lei n.º 27:207, que a nossa Comissão de Educação Nacional muito judiciosamente propõe eliminar.
Parece que iodo este segundo parágrafo deve ser eliminado, deixando maior amplitude no acordo a estabelecer entre os dois Ministérios, e que poderia, por exemplo, ter como consequência que as granjas agrícolas anexas aos estabelecimentos de ensino fossem consideradas como estabelecimentos de assistência técnica do Ministério da Economia e integradas no seu programa geral nessa matéria.
Tenho a impressão de que na questão do ensino elementar poderia também utilmente colaborar a organização da Mocidade Portuguesa, à semelhança do sistema seguido nos Estados Unidos com tão brilhantes resultados.
Também nada encontrei na proposta no que se refere ao ensino feminino, embora a Obra das Mães já tenha hoje ao seu serviço algumas educadoras familiares especialmente treinadas e cursos em funcionamento em Cascais e em Braga.
Sr. Presidente: não sei até que ponto será viável a intervenção do professor primário. O ensino agrícola, mesmo na sua fase mais elementar, como qualquer outro ensino, depende, a meu ver, mais do mestre do que das instalações e do material didáctico.
A primeira vista nada, portanto, de mais razoável do que dar uma certa especialização ao professor primário destinado aos meios rurais. A França tentou a experiência na lei, mas sem a efectivar (lei de 1927).
A tendência que geralmente se manifesta hoje é não especializar o professor primário. Quando muito, um certo sentido agrícola nos programas de habilitação das escolas normais.
A vida do nosso professor primário é ainda tão difícil, tem tantos problemas angustiosos a resolver, como, por exemplo, o da habitação nos centros rurais, que me parece quase crueldade exigir-lhe ainda mais um esforço de preparação profissional. A sua pré-especialização, fatalmente rápida e incompleta, não deixaria de o colocar em situações por vezes difíceis.
E muito natural que este valioso elemento seja inteiramente aproveitado se o ensino elementar acabar por revestir o aspecto de centros de instrução popular e de vulgarização agrícola. Assim aconteceu em quase todos os países que estabeleceram esta forma de ensino (Áustria, Bélgica, Finlândia, Hungria).
Sem deixar de prestar homenagem aos intuitos generosos da proposta neste particular, parece-me que só devem obter as finalidades em vista sem exigir um esforço talvez incompatível com a situação actual do nosso professorado primário.
Sr. Presidente: o ensino prático agrícola é considerado geralmente como fazendo parte do ensino elementar, mas parece mais correcto dar-lhe, como na proposta, lugar especial.
O maior obstáculo a uma larga frequência destas escolas provém das dificuldades de vida das populações rurais, que têm de se valer do trabalho dos adolescentes. A frequência destas escolas torna-se, portanto, muito onerosa à maioria dos lavradores. No entanto, são elas que poderiam, de facto, realizar a maior difusão de conhecimentos agrícolas nos meios rurais.
As dificuldades parecem ser em todos os países as mesmas. Nos Estados Unidos, de 500 alunos que tinham frequentado as escolas primárias, só um ingressava normalmente numa escola agrícola. Constatou-se que, em geral, os práticos agrícolas -e preferíamos essa designação mais genérica à de capatazes e feitores- encontram na vida muito poucos estímulos e uma grande maioria acaba mesmo por abandonar a vida agrícola.
Seria muito para desejar que modificações apropriadas de programa levassem os agricultores a enviar os seus filhos para estas escolas. Quantas vezes não se encontram nos campos pais que fazem os maiores sacrifícios para manter os seus filhos em estudos para os quais não têm a menor vocação, quando muito poderiam lucrar se preparassem um bom agricultor em escola adequada.
Nalguns países pensou-se também dar possibilidades de colocação aos diplomados destas escolas em lugares administrativos nos meios rurais, onde a sua formação especial lhes daria vantagens sobre candidatos recrutados nos meios urbanos e com pouca sensibilidade para compreender o feitio especial dos rurais. Parece alvitre de interesse.
Infelizmente, a despesa de construção e manutenção destas escolas é relativamente elevada. E indispensável, contudo, um esforço considerável para melhorar as condições actuais.
O ensino agrícola prático, nas suas duas escolas, tem um movimento diminuto: 231 alunos, segundo as médias de 1940-1941 e 1945-1946. E, portanto, de aplaudir a orientação do Governo, ampliada pela Câmara Corporativa, de criar mais escolas, visto que estas bem podem vir a ser a base de todo o edifício do ensino agrícola, onde se poderiam preparar com vantagem os candidatos às escolas médias.
Sr. Presidente: passo agora a referir-me ao ensino médio agrícola. Este ensino, ao qual julgo se deveria acrescentar a palavra c técnico», tem já dado boas provas entre nós, como se atesta pelo número crescente de regentes agrícolas ao serviço do Estado, da organização corporativa e das empresas.
O primeiro aspecto a considerar é saber se as escolas de regentes agrícolas são em número suficiente. A primeira vista assim não parece, dado o aumento de frequência, que levou mesmo o Governo a decretar (decreto n.º 34:476) e admitir a formação de regentes nas escolas particulares de ensino.
E possível que algumas inevitáveis deficiências do ensino particular na preparação técnica, mas sobretudo o elevado custo de estabelecimentos deste tipo em apetrechamento didáctico, laboratórios, etc., não permitam esperar grandes resultados desta medida. Contudo, é bom lembrar que as escolas devem preparar cerca de
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65 regentes por ano. Além disso, vai funcionar uma escola de regentes agrícolas em Angola, com um curso de três anos, o que limita as possibilidades de colocação nas colónias aos diplomados da metrópole.
Tenho ouvido até sustentar que uma só escola, bem dotada e com amplos terrenos, seria suficiente. Preferível, portanto, como parece ser o intuito da proposta, a melhoria ou ampliação das actuais escolas. Assim, permito-me divergir neste particular da opinião da Comissão de Educação desta Assembleia.
Sr. Presidente: o aspecto mais importante da proposta diz respeito às transformações a introduzir no curso de regentes agrícolas.
Na sua forma actual de organização, os cursos de regentes agrícolas podem ser considerados como escolas técnicas, mas ao mesmo tempo liceus rurais. Argumenta-se que esta organização é deficiente, porque impede as escolas de atender em maior número aos candidatos que procuram a frequência técnica da escola e por obrigar, praticamente, à escolha de uma profissão em idade em que é ainda difícil decidir.
E certo que estes argumentos impressionam. Convém contudo verificar se estas inovações não virão a prejudicar um ensino que já deu longas provas e que, indiscutivelmente, tem preparado número elevado de regentes agrícolas com apreciável aptidão técnica e com excelente formação para o exercício da profissão.
Se as escolas forem consultadas sobre o número de alunos que têm saído para os liceus, tem de se chegar à conclusão de que é uma minoria.
Por outro lado, a profissão agrícola não é perfeitamente comparável às outras, apesar das observações feitas pelo ilustre relator da Câmara Corporativa. Os factores principais na indústria são a matéria e a máquina; na agricultura, a natureza e o homem. E muito mais fácil regular o trabalho fabril do que o trabalho agrícola. Este último está sujeito a muito maiores contingências. Os resultados, portanto, dificilmente podem ser analisados por analogia com a indústria.
Inicia-se o caminho para desintegrar da escola profissional o ensino preparatório e, sem dúvida, no futuro, como diz o douto parecer da Câmara Corporativa, tornam-se perfeitamente simétricas as condições de entrada de todas as escolas técnicas de grau médio.
Parece-me que é de recear essa simetria absoluta.
O equilíbrio rural assenta sobre os laços que unem o cultivador e o solo de implica uma dupla realidade: a da terra e a do homem. Por isso não é fácil submissão total a uma racionalidade técnica.
Aquilo que para os moradores da cidade é apenas paisagem, mais ou menos agradável, é pana o habitante das aldeias o resultado de longo e, por vezes, ingrato esforço, que vem de muitos séculos. Esse sentimento de continuidade e de devoção a uma tarefa essencial à vida da Pátria existe na alma da maioria dos agricultores. Têm, portanto, de ser preparados antes que a cidade os tenha absorvido na multiplicidade das suas seduções e na aliciante promessa de profissões mais cómodas os candidatos a regentes agrícolas. Desde muito novos, é necessário incutir-lhes uma devoção especial à sua profissão, um amor sadio à terra, um interesse vivo pela técnica. Só assim se pode criar aquele espírito de escola tão precioso e necessário pana as realidades da vida.
Julgo que nesta profissão, mais do que em qualquer outra, tem de haver uma certa vocação, que uma preparação adequada desde tenra idade pode fazer despertar. Se alguns desertam a meio caminho é, sem dúvida, lamentável, mas isso acontece em toda a parte.
Tenho tido ocasião de verificar a actuação de regentes agrícolas durante bastantes anos e poderia trazer para aqui numerosos testemunhos para documentar
a minha afirmação dos altos serviços prestados por essa classe à lavoura, nomeadamente no campo da assistência técnica.
Em graves emergências da vida nacional também me foi dado constatar o seu alto espírito patriótico e a sua fé nacionalista. Tais manifestações honram as escolas que os forniam.
Receio, portanto, que alterações tão substanciais no seu modo de recrutamento e preparação venham a ter de futuro graves consequências. Assim o entendeu era parte a Câmara Corporativa, introduzindo modificações baseadas no receio de que a supressão dos cinco primeiros anos reduza demasiadamente o tempo da adaptação dos alunos à sua futura profissão.
Tenho a impressão de que não deve ser indispensável nem são urgentes as reformas que a proposta nos apresenta, quando tanto há ainda que fazer em matéria de ensino elementar e de ensino prático. Talvez se obtivessem os mesmos resultados acentuando as práticas nos primeiros anos do ensino das 15 às 17 horas e dando maior desenvolvimento ía algumas matérias do programa, em especial no que se refere a contabilidade. Ao mesmo tempo julgo que se deveria, por qualquer fornia, facilitar o acesso dos alunos desta escola aos estabelecimentos de ensino superior de Agronomia e Veterinária.
Não faz sentido que os alunos saídos dos liceus com média de 14 valores sejam dispensados dos exames de admissão o, estes cursos e os alunos das escolas de regentes agrícolas não gozem dessa regalia, quando, afinal, para aquele fim, eles têm melhor preparação.
E certo que aquela disposição tem carácter provisório, mas a verdade é que ela se vai tornando definitiva.
O Sr. Pinto Coelho: - V. Ex.ª dá-me licença?
Desejo apenas esclarecer, no mesmo sentido das considerações de V. Ex.ª, que a tendência é para abolir definitivamente os exames de admissão às escolas superiores. Isto não quer dizer que eu concorde com essa tendência, pois não concordo. O que quero dizer é que essa tendência torna ainda mais grave o problema que V. Ex.ª está tratando.
O Orador: - Agradeço a interrupção de V. Ex.ª e achava justo que os regentes agrícolas tivessem vantagens especiais para a sua admissão ao ensino superior.
Sr. Presidente: para terminar desejava ainda focar, muito rapidamente, um aspecto do ensino agrícola que pode revestir grande importância para o futuro da nossa agricultura - o da contabilidade agrícola.
Verifica-se que na prática a maioria das nossas explorações, e mesmo algumas de certo vulto, usam ainda o velho sistema da conta de saco.
Por toda a parte estamos verificando em outros países um grande esforço para modificar esta deficiência. Creio que se tornará cada vez mais indispensável ao agricultor saber interpretar os resultados da sua exploração, até mesmo para evitar exageros, que muitas vezes têm comprometido a causa agrícola.
São bem conhecidos os resultados obtidos pelo Gabinete de Estudos Económicos do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos, pela Universidade de Oxford e pela União dos Agricultores Suíços, para citar algumas das mais interessantes organizações nesta matéria.
O bom acolhimento que tiveram por parte de numerosos agricultores os estudos de contas de cultura da vinha, levados a efeito pela Junta Nacional do Vinho, leva a supor que aquilo que se fez no estrangeiro se poderia também fazer com êxito em Portugal. Numa época em que se avizinham intensas modificações na estrutura do comércio mundial, parece-me que valeria a pena iniciar mais trabalhos neste sentido.
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Pode, portanto, o ensino agrícola ser valioso auxiliar na batalha que a agricultura portuguesa terá certamente de travar para melhoria da qualidade doa seus produtos c redução do sou preço de custo, evitando as graves perturbações que uma orgânica miais científica u um trabalho mui.s mecanizado .podem causar no futuro.
As observações que tive a honra de fazer não invalidam o indiscutível interesse e oportunidade da proposta do Governo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: não era meu propósito subir a esta tribuna para tomar parte na discussão da proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional.
Depois de ler a proposta de lei e o brilhante parecer da Câmara Corporativa, depois do ouvir o brilhante discurso do nosso querido colega e ilustre relator da Comissão de Educação Nacional, Sr. Dr. Marques de Carvalho, depois do ouvir as considerações avisadas dos ilustres oradores que me precederam, estou perfeitamente habilitado a poder votar conscientemente, o votarei, no sentido da aprovação da proposta de lei, não me sinto com ânimo nem com bagagem suficiente para falar ex professo sobro uma questão do tal magnitude. Pedi, no entanto, a palavra porque mo julguei na obrigação de fazer alguns comentários, embora breves, a certas afirmações aqui produzidas pelo ilustre Deputado e meu preclaro amigo Sr. Dr. Moura Selvas.
Diz S. Exa.:
Vou agora tratar do ensino complementar do aprendizagem.
Considero-o inoportuno; e, trazendo-o do conceito puramente espiritual que o ditou para a realidade concreta, eis o que sucede:
Um aprendiz ganha à roda de 20$ diários. Como passa um quarto do dia, ou seja duas horas, na escola, o patrão dá-lhe 5$ diários por um trabalho que não é prestado. São, durante os novo meses do ano lectivo, cerca de 1.350$.
Há empresas ricas cujos proprietários tem consciência social e que não deixarão, no próprio interesse, como observa a Camará Corporativa, do enviar os seus aprendizes às escolas complementares de aprendizagem.
Mas estarão amanhã essas empresas em condições de manter tal regalia, quando se restabelecer o equilíbrio económico?
Quanto às empresas pobres de meios, não pode pensar-se que elas tenham condições para arcar com esse dispêndio, que, só para quatro aprendizes, anda à roda do 5 contos anuais.
Se o ensino complementar de aprendizagem se tornasse obrigatório, não deixaria do causar grandes apreensões aos industriais.
Seria uma medida de tipo marxista, a que o nosso moio não está habituado.
Ora muito bem. Como exerci durante dez anos as funções de delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência no Porto e nessa qualidade colaborei em muitos despachos de salários mínimos e promovi a celebração de muitíssimos acordos e contratos colectivos de trabalho, interrompi o Sr. Dr. Moura Relvas para lhe dizer que partia do um erro de facto ao afirmar que os aprendizes ganham 20$ por dia.
Objectou-me o Sr. Deputado afirmando que na Câmara Municipal de Coimbra os aprendizes de electricista ganham 21$ diários.
Ora o despacho de salários mínimos para os electricistas, publicado no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de 29 de Junho de 1946, há pouco mais de seis meses, fixa para os aprendizes de electricista remunerações mínimas variáveis entre 6$40 e 13060, o que dá uma média de 10$ por dia.
Como é sabido, os despachos de salários mínimos não se aplicam nos serviços do Estado nem nos dos corpos e corporações administrativas.
O Estado manda pagar os outros, mas em regra não paga e desonera desse pagamento os serviços das câmaras municipais.
Se a Câmara Municipal de Coimbra, sem nenhuma obrigação legal de o fazer, paga livremente, e não há dúvida nenhuma de que paga, visto o Sr. Dr. Moura Relvas aqui o ter afirmado...
O Sr. Moura Relvas: - V. Ex.ª está a fazer das minhas considerações acerca do que ganham os aprendizes um astro do primeira grandeza no conjunto das minhas ideias.
O Orador: - As considerações de V. Ex.ª são estas e o fundamento é este.
O Sr. Moura Relvas: - Tem V. Ex.ª razão quando faz a afirmação de que o regulamento dos electricistas não consente um ordenado superior creio que a 15$.
O Orador: - 13$60 como mínimo, mas pode pagar-lhes os 21$.
O Sr. Moura Relvas: - De facto, os aprendizes de electricista da Câmara Municipal de Coimbra não tem 21$, como eu disse, mas sim 15$.
Devo esclarecer isto em homenagem à verdade.
Eu tenciono voltar aí à tribuna para discutir esse assunto, e não falo a seguir a V. Ex.ª porque o Sr. Dr. Marques de Carvalho ainda vai usar da palavra e poderá, porventura, fazer considerações acerca de afirmações por mim proferidas que me levem a responder depois nesse sentido.
De forma que devo desde já declarar que seja 15$, 10$, ou 5$ isso não altera o plano das minhas considerações, que tenciono alargar quando voltar a essa tribuna, porque continuo a discordar e a protestar, tanto quanto me é possível, contra uma medida que reputo politicamente o mais antipática possível e socialmente o mais importuna que se pode imaginar.
O Orador: - De tipo marxista.
O Sr. Moura Relvas: -Mantenho a afirmação. Só o que não mantenho são os 21$, porque houve um erro de informação. V. Ex.ª pode dizer 15$, 10$, 5$ ou 2$ que eu continuo a reputar essa medida como marxista. No meu tempo os aprendizes pagavam para aprender.
O Orador: - De resto, em quase todas as profissões a média das remunerações aos aprendizes anda à volta de 10$. Agora fica reduzida a metade...
O Sr. Moura Relvas: - Ou à terça parte. É a mesma coisa.
O Orador: - Mas V. Ex.ª fundamentou as suas considerações nestas cifras e agora repudia-as como filhos ilegítimos ?
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O Sr. Moura Relvas: - Mas isso não tem importância nenhuma para o caso.
O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ªs o favor de não estabelecerem diálogo, para que o orador possa expor os seus pontos de vista quanto à generalidade da proposta de lei em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Cerveira Pinto, dá-mo licença?
Talvez houvesse vantagem em V. Ex.ª, ao prosseguir na ordem de considerações que levava, pôr, como sugeriu o Sr. Presidente, a questão de que estava a tratar em termos mais gerais. Assim: qual a medida em que a fixação dos salários mínimos, incómodo bastante extenso na nossa legislação, tem ou podo ter ligações com o marxismo?
O Orador: - Perfeitamente do acordo.
A questão do serem 20$ ou 15$ é inteiramente secundária o nem de perto nem de longo justifica a afirmação de que a reforma está eivada de espírito marxista, pelo facto do prever que os aprendizes sejam dispensados durante, doze horas por semana para poderem frequentar os cursos complementares de aprendizagem.
E, posta a questão neste plano, eu quero dizer que isto, que provocou discussão tão acalorada, é a lei vigente na maior parte dos países que se podem chamar civilizados.
Na Inglaterra, pelo menos em Rugly, por virtude da publicação do Educatiun Act de 1918, as horas que o aprendiz perde na escola são pagas polo patrão. O mesmo princípio foi aplicado em França pela lei Astier, em 1919. Na Suíça acontece a mesma coisa e ainda com a agravante de que os trabalhos que os aprendizes executam na oficina são os que forem indicados pela escola.
O Sr. Sebastião Ramirez: - Normalmente são essas indústrias que tem as escolas a sou cargo.
O Sr. Moura Relvas: - Isso é outra coisa...
O Orador: - Outro tanto acontece, ou acontecia, na Alemanha.
Nos Estados Unidos são muitíssimas as escolas que ministram o ensino durante as horas de trabalho retribuído, tais como as High Schools Cooperativos, as Part Time Discontinuous Classes o a General Continuation School.
E não se pense que mesmo em Portugal o princípio previsto na base IV é inteiramente inovador. Nada disso.
No contrato colectivo de trabalho celebrado entre o Grémio Nacional dos Industriais Gráficos e o Sindicato Nacional dos Tipógrafos, Litografes e Ofícios Correlativos preceitua-se, no § 1.º da cláusula XX:
Os iniciados, desde que apresentem à entidade patronal certificado do inscrição, de horário escolar o de frequência em curso nocturno de escola gráfica ou industrial, deixarão a oficina noventa minutos antes da hora do entrada na escola ...
Isto para Coimbra e Porto, porque para Lisboa a dispensa é de duas horas.
Na base IX do despacho que regulamentou as condições de remuneração e prestação de serviço na indústria metalúrgica, despacho de 15 de Agosto de 1946 (portanto há poucos meses ainda), determina-se que:
Os aprendizes que frequentam com assiduidade cursos de escolas industriais ou cursos complementares de aprendizagem deixarão as oficinas duas horas antes do encerramento, sem prejuízo da remuneração, nos dias em que tenham aulas.
É preciso notar que este despacho teve como base o estudo de uma comissão da qual faziam parte dois representantes patronais, indicados respectivamente pela Associação Industrial Portuguesa o pela Associação Industriai Portuense.
A Sociedade Nacional de Fósforos tomou o compromisso com o seu pessoal de reduzir a quatro horas o período diário de trabalho de menores de 10 anos que se matriculem em qualquer escola industrial, atribuindo, como prémio, aos que tiverem bom aproveitamento uma gratificação igual ao total dos salários auferidos no período a que a classificação respeitar.
A Associação Industrial Portuense há bastantes anos que no dia 3 de Maio, aniversário da sua fundação, e em cerimónia a que várias vezes tive a honra de presidir, distribui valiosos prémios pecuniários instituídos por ela, e individualmente por sócios seus, aos alunos que tiverem melhor aproveitamento nas cadeiras dos respectivos ramos industriais. E os alunos contemplados nem sequer são operários dos industriais instituidores dos prémios, e estes só os conhecem na altura em que as recompensas são distribuídas. Mas, porque são industriais esclarecidos, abrem generosamente a sua bolsa para premiar o esforço dos que querem ser bons técnicos nas respectivas indústrias.
Poderia multiplicar os exemplos e referir-me, por exemplo, ao que só passa na Escola do Barreiro, nas escolas da C. P., etc., mas o que citei basta para o meu intento.
Apenas acrescentarei que a comissão do reforma do ensino técnico recebeu dos centros industriais que para esse efeito foram consultados a adesão formal ao princípio concretizado na base IV da proposta.
No brilhantíssimo parecer da Câmara Corporativa diz-se:
A falta do aprendiz na oficina doze horas por semana é bem compensada pela valorização que a escola dá ao trabalhador e pela tranquilidade de consciência que dará ao patrão o cumprir de um dever social.
Mesmo no comércio parece conveniente experimentar.
Na verdade, o que se pretende e se atingirá com o preceito referido é materializar um princípio de solidariedade humana, é realizar uma obra em favor do aprendiz, em proveito - proveito directo - do industrial e em benefício da colectividade. É, pela minha cartilha, realizar corporativismo, verdadeiro corporativismo.
Como pode, pois, afirmar-se que tal preceito representa uma medida de tipo marxista?
O marxismo, penso ou, e comigo pensa muito boa gente, não se importa nada com a cooperação entre os patrões o os trabalhadores. E da sua essência destruir os primeiros o escravizar os segundos à omnipotência de um patrão monstruoso que se chama Estado soviético.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Moura Relvas: - Não me refiro às empresas ricas nem às que voluntariamente têm a consciência social dos seus deveres.
Refiro-me às empresas pobres e médias, que vão ser forçadas a um dispêndio que, porventura, não poderão suportar.
Uma medida dessa natureza é que eu considero marxista.
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O Orador: - Parece-me que demonstrei com os exemplos por mim citados que a proposta não pretende mais do que dar forma legal a uma aspirarão dos industriais portugueses.
Mas se houver algum industrial que, por excesso de cupidez ou por menosprezo da função social que é chamado a desempenhar na colectividade, estiver do acordo com as considerações do Sr. Deputado Moura Relvas, também me parece que se fará bom corporativismo obrigando-o a cumprir o seu dever de solidariedade para com os aprendizes que procuram obter preparação científica elementar e que tão cedo são obrigados a procurar no trabalho da oficina o duro pão da existência.
Se há industriais pobres que não possam arcar com estes encargos, aliás bem limitados, eu direi, sem fazer marxismo, que o único caminho que tem a seguir é mudar de modo de vida. As indústrias parasitárias, que só conseguem viver à custa de salários que não pagam e de assistência que não dão, ou ainda à custa de preços dos produtos, excessivamente elevados, não fazem falta se acabarem.
Quando duas pessoas como o Sr. Dr. Moura Relvas e eu, unidas por uma comunhão de ideias fundamentais, se põem em desacordo na definição de princípios tão comezinhos, não nos devemos admirar que o Mundo se tenha transformado nesta Babel gigantesca, em que ninguém se entende.
Para terminar estes comentários, que, em errata despretensiosa mas necessária, fiz às considerações do Sr. Dr. Moura Relvas, só farei mais algumas ligeiras considerações, que, por si sós, também seriam motivo suficiente para que eu subisse a esta tribuna.
Aparte o falar-se numa base ou noutra em educação cívica e moral, toda a economia da proposta se dirige no sentido de formar bons técnicos, de criar bons trabalhadores para o comércio, indústria e agricultura. Embora não tenha sido talvez esta a ideia do seu autor, tem-se a impressão de que com a reforma se pretendeu, com fim quase exclusivo, criar bons elementos de trabalho. Que é necessário criar bons técnicos, mormente nesta altura, em que temos de fazer uma profunda reorganização industrial, sob pena de soçobrarmos na luta económica que se vai travar no Mundo, é uma verdade que atinge a categoria de axioma indiscutível. Mas, porque vivemos num regime político que está subordinado aos ditames da moral cristã, parece-me que o ensino, mesmo o ensino técnico, deve tender também -ia dizer antes de tudo - a este fim simples e sublime: formar homens...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- ...homens perfeitos, na plena posso da sua personalidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Formar homens que sejam levados a atingir o seu fim último, que é muito mais elevado que o trabalho, por mais digno e valioso que o trabalho soja.
Para que fiquem consagrados na proposta estes princípios, que estão na inteligência e na consciência de todos os que fazem o favor de me escutar, proponho o aditamento de uma base do seguinte teor:
o Base XIX-A (1.ª da parte IV -Disposições gorais)
Cumulativamente com os fins específicos que lhes são atribuídos pela presente lei, cumpre a todas as escolas, em colaboração com a Família, a Mocidade Portuguesa e as demais instituições educativas, promover a integração espiritual dos alunos no sentido cristão da vida e nos superiores objectivos da Nação Portuguesa; despertar nos mesmos a consciência da dignidade e do valor do trabalho como primeiro dever social; suscitar o seu amor pela carreira escolhida e pela obra perfeitamente acabada; cultivar o sentimento da beleza e favorecer o gosto da iniciativa e da responsabilidade, a firmeza do carácter e a fortaleza da vontade».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário Borges: - Sr. Presidente: a proposta de lei n.º 99, sobre reforma do ensino técnico profissional, visa a alterar o sistema até agora adoptado neste ramo de ensino. O desenvolvimento que nos tem oferecido a técnica, procurando desviar a atenção dos governantes de todo o Mundo para um campo onde, com mais facilidade, se atendam às exigências das populações, obriga-nos a encarar este problema como sendo um daqueles que é caracterizado como primacial. E, sem dúvida, merece a nossa melhor atenção.
Apreciando o relatório que precede a proposta do Governo, fica-se com vivo interesse pelo que poderá advir de bom e proveitoso para o nosso País. Criando-se o novo ciclo do ensino que articule o ensino primário com o profissional, procura-se preencher uma lacuna há muito existente no ensino técnico. Outro assim, podemos tomar, como vantajosa, a ideia preconizada para os cursos de mestrança e de especialização.
Não aceitando como boa a justificação da frequência pela procura dos alunos das escolas, e nomeadamente dos institutos, a proposta em si exprime um desejo que é bem nacional. De facto, o nível científico destas escolas não carece de modificação. Tudo se pode definir em termos próprios, mas também só deve conjugar tudo para que esse nível corresponda às necessidades e exigências dos meios, com o fim de se verificar o natural escoamento dos diplomados, absorvendo-os, com vantagem prática, quer no campo da técnica, quer no campo social e económico. Por vezes se exige mais e melhor, não se registando a chamada articulação entre os diferentes graus de ensino nem entro os alunos saídos das escolas técnicas o a indústria, comércio e a agricultura.
Estas deficiências vêm, desde há muito, sendo anotadas, e muito especialmente no ramo industrial, porque é de todos o que é mais sensível a estas faltas. Não basta definir o grau ou nível científico das diferentes escolas do ensino; é também muito importante que os programas de ensino sejam ministrados de acordo com, as exigências do nosso meio e com u premente visão do ajudar ao desenvolvimento económico do País.
Posso esclarecer, com verdadeiro conhecimento e no caso especial da técnica industrial, que nem sempre tem sido possível atribuir todos os anos a totalidade dos prémios instituídos pela Associação Industrial Portuense a favor dos alunos das escolas de ensino técnico, de todos as graus, precisamente porque os programas ou cursos nau se adaptam aos desejos dos diferentes sectores industriais, que ao instituírem esses prémios o fizeram como que traduzindo a expressão viva do que é necessário à respectiva indústria.
Sr. Presidente: no que diz respeito às escolas comerciais, a frequência devo procurar aumentar-se, concedendo facilidades para que o aluno se fixe à ideia de que tem que obter o curso completo na sua escola, proporcionando-lhe uma mais facil colocação no comércio e na indústria. Não se conseguirá este objectivo se se não atender às considerações que acabei de focar quanto àqueles que se destinam a técnicos profissionais destinados à indústria.
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Não basta o trabalho de aplicação, de laboratório ou oficinal. A técnica no ensino comercial exige hoje uma nova orientação. Das escolas comerciais não devem sair sómente os chamados técnicos contabilistas, técnicos de escrituração comercial. Devem conseguir os seus cursos com outros conhecimentos, que os habilitem a servir nas empresas comerciais ou industriais como auxiliares das funções próprias dos dirigentes e com a concepção e a prática dos custos de produção, onde as fórmulas de pagamento entram consoante a natureza da exploração, variando de actividade para actividade.
Ainda apreciando na generalidade a proposta de lei, ou, melhor, o seu parecer, no que se diz acerca do ensino agrícola, tenho o prazer de registar, com satisfação, o que se pretende atingir. Vem de encontro- ao que expus nesta Assembleia, sobre o assunto, na primeira sessão desta legislatura. A proposta para este ramo de ensino convida a uma experiência, sem dúvida do grande alcance, e a ideia de suprimir, nas escolas existentes, a faculdade do ensino liceal parece conveniente e necessária. Embora o maior número e o grau destas escolas não se avente, como sendo oportuno, creio que qualquer dificuldade criada à sua útil expansão só poderá ser prejudicial.
Duma maneira geral, o relatório da proposta parece traduzir uma auscultação, feita através dum inquérito e controlada pelo registo obtido, durante anos. nos diferentes departamentos do Estado mais directamente interessados no problema.
Contudo não deixo de registar as faltas apontadas, bem como aquela que diz respeito ao ensino técnico profissional, com mira à nossa expansão económica colonial, pois mal não ficaria que no mesmo relatório fosse encarado este ponto de vista, atendendo-se a que uma boa quota-parte dos nossos profissionais técnicos deveria aclimatar-se à ideia de que muito teremos de aprender, em proveito do nosso meio económico e imperial, para que ele se robusteça, em todas as nossas manifestações de trabalho.
Sr. Presidente: passei de relance, apreciando o relatório da proposta, para me fixar, com justificada atenção, no parecer da Câmara Corporativa.
O número do parecer da Câmara Corporativa pode, para muitos, ser supersticioso. Quanto a mim, devo encará-lo como de sorte. Eu explico : a sorte nem sempre pode ser benfazeja, mas nem por isso se afasta a dúvida que ao meu espírito deixou a sua leitura. Dúvida quanto à justiça que o mesmo encerra. Dúvida quanto à essência que o mesmo possa conter. Uma conclusão obtive da sua leitura.
A proposta de lei é apresentada com um objectivo que envolve uma certa preocupação de atingir um fim. A sistematização apresentada para as bases, no parecer da Câmara Corporativa, parece-me mais apropriada. O relatório da proposta de lei deixa-nos tranquilos, porque pretende orientar e definir uma nova, necessária e útil fase, destinada ao aperfeiçoamento do ensino técnico profissional.
O relatório do parecer da Câmara Corporativa, aparte citações valiosas sobre o que tem sido o nosso ensino técnico através do tempo, não procura ser tão objectivo e até mesmo, em certas passagens, não é justo.
Quem o lê e relê - o leitor que não seja nacional, porque este conhece e sente o que possuímos para satisfazer as exigências da nossa população, fruto da iniciativa particular e da orientação oficial- necessariamente que tem de concluir do que tudo que temos não é nosso, como não é nosso o esforço despendido em proveito do ensino e da nossa economia. Vivemos, pelo que se depreende, isolados uns dos outros, sem a tudo nosso trabalho, sem vida própria e sem recursos técnicos, velhos ou novos, porque de tudo -como todos os povoes -
possuímos, e que mercê dum exame de consciência, bem podemos facilmente penitenciar-nos, dizendo que, bem ou mal, nos soubemos livrar das faltas imperiosas que a última guerra nos ofereceu.
Não são justas as alusões feitas a este respeito no parecer da Câmara Corporativa, mas talvez merecida não desculpas, porque nem sempre é fácil exteriorizar as razões que podem, com entusiasmo, ajudar os estudiosos a atingir o louvável ideal da perfeição.
Disse: na indústria sabe-se pouco, na agricultura sabe-se mal. Posso afirmar à Assembleia que são inúmeras as actividades industriais, comerciais e agrícolas do País que extraem, transformam, manufacturam e distribuem muitas das nossas matérias-primas e das dos estranhos, que podem bem ombrear com empresas similares estrangeiras, e não foi com uma visão limitada que essas iniciativas se ergueram e prosperaram, para bom da economia nacional.
Sr. Presidente: depois procura-se justificar a difícil aceitação dos técnicos das nossas escolas profissionais com a falta de conhecimento dos gerentes das empresas, mas não se aviva a nota essencial.
Essa relutância vem, em grande parto, da deficiência do ensino. Note-se: não do grau ou nível científico das nossas escolas técnicas; é por isso mesmo que nos encontramos hoje nesta Assembleia para apreciar e votar uma lei que visa, certamente, a melhorar essas deficiências, atendendo-se, na medida do possível, a essas faltas.
Parece-me que todo o parecer da Câmara Corporativa vem influenciado polo desejo firme de se proceder a uma reforma enérgica na produção. Mas também me parece que essa reforma não poderá resultar em benefício se a sua actuação não for revestida de certa cautela, obtemperando à falta de mão-de-obra qualificada. Pode imprimir mu sentido bem diverso daquele que possa idealizar-se.
Não se pode defender o critério da precedência, quer para o desenvolvimento do ensino técnico profissional, quer para o da produção. Os dois têm de, necessariamente, caminharia passo, não a passo lento, mas breve e com firmeza. É nisto que reside o grande problema. É assim que se logrará usufruir o benefício útil e resultante da articulação entre o ensino técnico profissional e o da produção.
Mas, mesmo aceitando este conceito, onde a técnica profissional, laboratorial ou oficinal atinja essa perfeição, não nos devemos fixar em matéria tão inconsistente, porque, por vezes, a técnica falha para dar lugar a outras funções de natureza administrativa, que muito contribuem para o progresso das empresas.
Nem sempre é condição essencial o exercício da técnica profissional para o desenvolvimento da empresa. É necessário atender-se a outras capacidades inerentes às funções dos dirigentes para se levar a bom termo o que é necessário defender e desenvolver.
Tudo tem de ser considerado, e nas reformas que se ensaiam, como esta que nos é proposta, não se pode defender o critério rígido de um sistema que nos pareça ideal ou fortemente especializado. É mesmo necessária uma certa maleabilidade para que delas se obtenha uma mais fácil e constante adaptação.
Sr. Presidente: na primeira ressalva, a Câmara Corporativa afirma que sem uma reforma da produção parece não se poder tirar inteiro rendimento de uma reforma do ensino técnico profissional.
Ora esta afirmação não carece de grande relevo, porque a própria lei n.º 2:005 justifica e esclarece essa dúvida do parecer. O que se pode, julgo eu, depreender dessa lei é que essa transformação desejada para a produção industrial seja cautelosa, e digo cautelosa porque nem sempre abundam os técnicos profissionais no País,
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e mesmo no estrangeiro, necessários a essa operosa modificação.
Uma brusca mutação dos centros fabris não é trabalho fácil, mormente não se considerando as condições demográficas das regiões do País e bem assim as possibilidades de transportes, de comunicações e de energia disponíveis.
Sendo assim, ocorre-me fazer umas perguntas.
Como se pode desenvolver a nossa actividade industrial? Merco da iniciativa particular? Da ajuda ou da demora na execução de um plano de electrificação durante tanto tempo e que o País só há pouco despertou do seu aborrecido e enfadonho adormecimento?
Enfim, não sei responder, mas, certamente, outros mais competentes e mais directamente interessados no assunto o podem explicar.
A segunda ressalva da Câmara Corporativa encerra um certo espírito do justiça, mas, mesmo assim, procura desviar o conceito da técnica profissional para um campo que; de certo modo, contraria o que se diz anteriormente no parecer.
Sr. Presidente: sobre o capítulo III estou de acordo. No fundo o que vale é o saber como os professores ensinam e o que os alunos aprendem. Direi mais: para ministrar o ensino técnico profissional não basta ser professor. É necessário possuir conhecimentos reais da profissão, adquiridos com a prática e de conformidade com o existente e com as exigências do que possuímos para desenvolver.
Não é pouco vulgar observar-se de que muito só fala e se ensina, desconhecendo-se o que temos instalado e do que precisamos de desenvolver, e, destarte, se concede aos diplomados uma carta ou diploma, que, sendo fruto de um estudo impróprio, se torna, por vezes, numa má recomendação.
Na indústria paga-se com o sentido de se remunerar o serviço útil que produza riqueza e não no sentido de se, conceder ou obter um serviço que redunde, sòmente em aprendizagem. Os salários ou honorários impostos aos empregados o técnicos nestas condições saem muito onerosos.
Não é aos centros de produção que compete, na sua maior força, aceitar ou suportar estas anomalias. Minorar, sim, mas sem que o ritmo da sua produção possa ser afectado. É à escola, aos professores e aos diplomados que compete também ajudar a produção. Para tal se conseguir é necessário recorrer ao recrutamento de pessoal docente mais adequado às circunstâncias da época e ao apetrechamento indispensável dos diferentes estabelecimentos do ensino, para que melhorem também as condições do exercício dos professores, não se devendo demorar nem vacilar, porque daí advirá um grande benefício.
Lembremo-nos da prova intensiva verificada na produção durante u última guerra. A técnica aperfeiçoou-se do tal modo, mesmo nos países mais industrializados, que todos os processos envelheceram.
Sr. Presidente: no capítulo IV ilustra-se o parecer com uma afirmação revestida de certa justiça, quando se diz que a indústria tem marcado certo progresso, mas que é insuficiente. Parece até um pouco em contradição com o que noutros capítulos se afirma. Não sei como explicar estas interpretações sobre a mesma matéria.
Em todos os países a indústria foi sempre insuficiente, consoante a tradução ou aplicação que se atribua à palavra. ]Mas quando se alude a insuficiência à falta do que necessitamos, para então importar em condições mais favoráveis, teremos de concluir que deve ser o sentido real das proporções que terá do imperar para só resolver com mais acerto. Outros tem mais possibilidades para realizar certos empreendimentos de maior viabilidade económica.
Tenho sempre receio sobre certas hipóteses, determinadas realizações ou empreendimentos, abstraindo-se do potencial económico dos outros países que possuem, de facto, maiores riquezas naturais e possibilidades. É claro que esta minha apreciação não se generaliza a todas as modalidades industriais da metrópole ou das colónias, porque em muitas podemos e devemos continuar a persistir e a desenvolver para que possamos continuar a ser considerados, com as vantagens maiores de melhores competidores.
Passando mais rapidamente sobre o que se opina nos capítulos V e VI, porque trata, em grande parte, de um ponto de vista sobre a matéria que não incide propriamente na da proposta em discussão, registo com agrado a sugestão louvável apresentada para a criação de cursos do correspondência nos institutos comerciais, além do que se perfilha quanto à duração dos cursos nestes institutos de ensino.
Sr. Presidente: já no começo da primeira sessão desta legislatura fiz algumas referências sobre a conveniência de se desenvolver o ensino agrícola, quer ministrando o ensino em novos moldes, quer procurando difundi-lo. As percentagens indicadas no parecer da Câmara Corporativa explicam, de uma maneira concludente, qual o seu estado e quanto é necessário fazer-se em proveito deste ramo de ensino.
O ensino agrícola elementar quase não existe; o médio não se aproxima dos 50 por cento do industrial e anda à volta dos 50 por cento do comercial. Esta análise é confrangedora.
Estou certo de que a lei que vai ser aprovada tenderá a modificar o estado actual, desviando em grande parte a mocidade rural para o seu mais próximo e próprio meio, e, sobretudo, servirá para incutir nos seus maiores o espírito do amor pela cultura agrícola, em moldes mais convenientes e proveitosos.
Penso que o que se diz no parecer da Câmara Corporativa sobre o limite proposto para o estabelecimento de escolas práticas de agricultura merece ser bem considerado e o mesmo no que diz a respeito do ensino medir agrícola.
A Câmara Corporativa propõe uma alteração à ordem das bases da proposta de- lei e sugere uma nova base, a que chama III, sobre a qual não emite parecer no relatório. Não encontrei matéria que me elucidasse, e, assim procurarei emitir uma opinião. A proposta de lei n.º 99 não se refere no relatório à matéria que encerra esta nova base e, por isso, certamente, não propôs qualquer base semelhante.
No nosso meio industrial não avultam grandes empresas que possam arcar com a responsabilidade e os encargos necessários à manutenção de uma escola técnica mesmo tratando-se de ensino para aprendizes, em moldes eficientes. Não deve oferecer meio próprio nem haverá facilidade no recrutamento de professores e mestres.
Mas, além do mais, entendo que a aprendizagem p o der £ ser feita, mais eficientemente, noutros moldes, embora cumulativamente com os estágios adequados aos curso; que venham a ser ministrados, de futuro, nas escolas d» ensino técnico profissional. Uma imposição feita no sen tido da base proposta encerra sempre o princípio de oficialização, e, assim, poder-se-ia dar o caso de que frequência da mesma escola viesse a sor como que um espécie de privilégio dessa indústria, em prejuízo de outros candidatos da região. Só a escola técnica do Estado poderá oferecer a necessária e útil liberdade de acesso ao ensino desejada pelos concorrentes.
Sr. Presidente: feitas estas considerações, informo Assembleia que tenciono propor, quando da discussão na especialidade da proposta do lei, umas alterações à bases XII, XVI, XX e XXII propostas pela Câmara Corpo
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rativa o a eliminação da base III proposta pela mesma Câmara.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pedro Cymbron: - Sr. Presidente: o interesse que a proposta de lei n.º 99, relativa ao ensino técnico e enviada pelo Govêrno à Assembleia Nacional, nesta Casa despertou traduz-se bem nos debates que tem provocado e no número elevado de Deputados que, para a discutir, tom subido à tribuna. Natural e justíssimo interesse, porque se trata de uma das mais importantes propostas que nos tom sido dadas para apreciar.
Li-a atentamente, estudei o substancial parecer da Câmara Corporativa, procurei por várias formas informar-me e documentar-me e, consequentemente. formei uma opinião.
Da critica que para mim fiz da proposta resultou que só teria de intervir na especialidade duas ou três vezes.
Entretanto inicia-se a discussão, os debates animam-se e, pela forma como vejo decorrer a apreciação, penso que poderá haver vantagem em apresentar mais um depoimento, mais uma forma do encarar alguns aspectos da proposta, a fim de melhor esclarecer, neste ou naquele ponto, esta Assembleia.
Temos de considerar os interesses de todo o nosso território, não só daquelas regiões que fácil, rápida e económicamente podem recorrer à oficina especializada, distando mesmo algumas dezenas de quilómetros, ou pedir o auxílio do técnico competente que em poucas horas se desloca ao ponto onde é necessário. Precisamos preparar um ensino técnico que sirva os nossos grandes centros, que atenda as necessidades das nossas províncias, que satisfaça as nossas ilhas adjacentes, pela sua posição tão em evidência agora, o é indispensável também não esquecer que devemos fornecer toda a hierarquia de técnicos que o progresso do nosso império exige.
As nossas ilhas, em virtude das imposições geográficas, necessitam dispor de recursos especiais, mais vastos em alguns sectores do que os exigidos por outras regiões do País com desenvolvimento industrial maior.
Conto com o aperfeiçoamento e expansão do ensino técnico como auxiliar indispensável do seu desenvolvimento económico. Se é facto que o técnico não faz nascer a indústria, antes esta surge por imposição do meio, tal como qualquer função biológica, também é verdade que sem técnicos não há indústria, pois não há função sem órgão, que, embora, por ela se criou.
Junto pois os meus modestos esforços aos do todos os oradores que a esta discussão têm trazido as luzes dos seus espíritos esclarecidos e, como não é possível no tempo que o Regimento fixa fazer uma apreciação detalhada da proposta, tratarei mais cuidadosamente alguns dos pontos debatidos e particularmente aqueles? que se referem ao ensino técnico elementar.
Sr. Presidente: não está em causa a, vantagem do ensino técnico, mas simplesmente se discute uma reforma desse ensino.
Na época que passa ninguém vai- perder tempo a demonstrar a impossibilidade da existência de indústria digna desse nome sem pessoal competente e, consequentemente, sem escolas que o faça. Não se pode encher um país de técnicos estrangeiros. Se é razoável e inteligente chamá-los a resolver situações especiais, não só pode com eles preencher todos os postos da escala profissional e todos os quadros da indústria. De resto, os portugueses, convenientemente preparados, são tão bons técnicos como os estrangeiros.
Põe-se apenas à discussão só há ou não interesse em modificar a actual legislação e se a que se propõe traz
ou não vantagens .substanciais! sobre a existente; isto é: tem inconvenientes ou defeitos a organização do ensino técnico em vigor e a reforma em estudo evita-os ou resolvo-os ?
Vejamos:
A roforma do 1930, possuidora, sem dúvida, de méritos roais, marcou nítida vantagem sobre as anteriores e admito que tenha sido o que de melhor se podia fazer naquela época, mas mais quinze anos de prática trouxeram sem dúvida ensinamentos novos e, consequentemente, deram a possibilidade de produzir agora trabalho mais perfeito e de maior rendimento. De facto, na organização actual tem a prática notado alguns inconvenientes e tem disposições que fogem á orientação geralmente admitida.
Para melhor arruino de idoias enumerarei os principais defeitos que o tempo tom feito surgir:
1.º Jdade do início da instrução profissional;
2.º Condições dos cursos nocturnos destinados a indi-\ iduos já empregados;
3.º Falta de cursos de cultura para oporá rios que se distinguem;
4.º Falta do educação doméstica nos cursos femininos; õ.º Falta de expansão do ensino dostiüado aos trabalhadores rurais.
1.º Eelativamente à idade de admissão nas escolas do instrução profissional, não há dúvida de que a actual organização não solucionou as dificuldades que consistem em não deixar um espaço de tempo morto para o estudante entre a saída da escola primária e a entrada na profissional e não dar início a esta em idade abaixo da que está admitida na maioria dos países como sendo a melhor. Até 1930 entrava-se na escola técnica aos 13 anos, idade que a organização dessa data baixou até lie meio para remediar o inconveniente citado. A medida não deu resultado, ficando a situação defeituosa, pois deixa ainda um espaço de tempo durante o qual os alunos não tem escola para frequentar nem idade para se empregar, inconveniente muito grave, mormente naquela classe onde normalmente se faz o recrutamento dos futuros operários, classe sem tradições de cultura nem interesses intelectuais que levem os rapaxes aos livros.
Por outro lado, os candidato-? a operários determinam a sua futura carreira aos lie meio ou 12 anos, mal que se pretendeu evitar, dando nos dois primeiros anos instrução geral mais intensa e menos horas «lê oficina (6 e 15), só atingindo o máximo (18 ou 20) nos últimos anos. lista solução não corrigiu o inconveniente do obrigar os rapaxes a escolher, à entrada na escola, com 1.1 e meio anos, a profissão a que se destinam, porque se as disciplinas são comuns nos trcs primeiros anos do quase todos os cursos previstos, as oficinas é que não podem ser as mesmas para ferreiros, carpinteiros, modulado rés cerâmicos, etc.
2.º Quanto às condições ora que se exercem os cursos nocturnos, voritica-se que a organização actual junta, como tive ocasião de verificar nas visitas que fiz a algumas escolas industriais, rapazes de 14 e 15 anos com homens de 30 ou 40.
O ensino tem de se ressentir fatalmente, pois não se pode leccionar da mesma forma alunos tão díspares, que não têm condições análogas nem de apreensão nem de resistência ao trabalho excessivamente violento que representa esto ostudo.
3.º No que diz respeito aos cursos para capatazes, chefes de oficina, a sua ausência constitui uma falta da actual organização. Dijço ausGncia porque não considero o curso de mestre de obras com as características que devem constituir os cursos para capatazes, segundo a intenção da proposta. Os mestres de obras são menos auxiliares do que patrões e todos, ou quase todos, procuram o curso porque pretendem atingir as condições necessárias para adquirir a inscrição nas câmaras como construtores.
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4.º A propósito do ensino das raparigas, não há dúvida de que na organi/ação dos cursos como actualmente funcionam só se teve em vista ministrar às raparigas conhecimentos que lhes permitam ganhar a A*ida de forma digna e própria do seu sexo, o que é louvável intenção, mas não pode deixar de se considerar inconveniente a falta de ensino de conhecimentos indispensáveis às futuras mães.
5.º Relativamente ao ensino agrícola, nota-se uma grande falha na educação da população rural. As escolas práticas de agricultura têm limitadíssima expansão (só duas) e são fixas. O Ministério da Economia, por intermédio dos seus serviços, tem feito cursos de instrução profissional com brigadas móveis, que estão obtendo notável êxito, mas estes cursos são puramente técnicos e não ministram aos rurais ensinamentos de carácter geral. Têm grande interesse e é necessário que se espalhem a mais actividades ligadas à terra. Com eles melhora-se tecnicamente o agricultor mas não se f a B educação.
Enunciadas algumas das deficiências que a prática fez notar na reforma de 1930-1931, vejamos se a que agora se propõe as resolve ou melhora.
1.º Quanto à idade do início da instrução profissional, é evidente que traz manifesta vantagem a solução em estudo com a criação de um 1.º ciclo, complemento do ensino primário. Fazendo-se a entrada nele justamente à saída da 4.ª classe, não há interrupção de estudos numa época da vida em que a sua suspensão é particularmente grave. A emenda que a Câmara Corporativa, no seu magnifico parecer, tão cheio de apreciações de indiscutível valor, lembra vai dar maior justeza à ideia que neste ponto informa a proposta de lei e fica resolvida uma situação defeituosa da legislação em vigor.
Vejamos agora quanto à época da escolha da profissão. Se verificarmos que, habitualmente, a idade de entrada neste ciclo será cerca dos 11 e que a sua duração é de dois anos, chegamos à conclusão de que o início do curso da escola profissional propriamente dita cairá aproximadamente nos 13 anos. Número baixo, segundo doutos pedagogos, de acordo com as correntes dominantes nos congressos da especialidade, que as fixa em 14 ou 15. Pretende-se suprimir o inconveniente da escolha da profissão nesta idade estabelecendo no 2.º ciclo, sempre que possível, cursos com preparação básica comum a diferentes profissões.
Não seria preferível ir para mais um ano de estudos neste ciclo? Julgo que sim, mas há que reconhecer nessa solução inconvenientes graves também.
Aceitando o 1.º ciclo com dois anos apenas, porque não vencer a dificuldade de o candidato escolher a profissão com o auxílio do Instituto de Orientação Profissional? O artigo 4.º do decreto n.º 35:402, de 27 de Dezembro de 1945, que criou a Escola Industrial e Comercial Alfredo da Silva, no Barreiro, e que, segundo o preâmbulo da proposta, será a escola-paradigma deste l.º ciclo, diz: «O Instituto de Orientação Profissional prestará à escola a cooperação que lhe vier a ser solicitada quanto à organização do ensino a que se refere o artigo anterior»; não prevê a sua utilização no auxílio ao candidato na orientação da sua actividade futura na vida. Esperemos que, com a colaboração do Instituto de Orientação Profissional, as excepcionais qualidades de adaptação da nossa raça supram os inconvenientes da falta de mais um ano no ciclo preparatório.
Em todo o caso, mesmo neste ponto, a solução proposta melhora consideràvelmente a situação actual.
Julgo a propósito fazer uma leve apreciação à organização a dar a este 1.º ciclo, que conhecemos com, certo pormenor, visto sabermos a da escola do Barreiro, além do que sobre o assunto nos diz a base III da proposta.
Com muito acerto se procura ministrar aos alunos ensinamentos que os tornem elementos com valor social apreciável e ao mesmo tempo se prevêem trabalhos de aplicação, de forma a orientá-los desde o início no sentido profissional, criando um ambiento característico que se devo sentir na escola, se deve respirar no ar que a envolve, como se sente e respira já nas nossas escolas superiores. Para tanto bastará que os professores, munidos de cultura pedagógica suficiente e apropriada, sejam dedicados e conscientes. Não posso deixar de fazer aqui um reparo à organização dos cursos conforme consta do decreto n.º 35:402, no que diz respeito a ensino do desenho. Vejo com pesar e grande apreensão reduzir o número do horas deste ensino. Não se compre de ensino profissional sem desenho, muito desenho, e que nestes primeiros anos deve ser, como está previsto e em uso na citada escola, especialmente desenho à mão, sem auxílio de instrumentos.
Com o ensino do desenho se cultivará o sentido estético do futuro operário e se procurará mostrar-lhe o encanto das coisas bolas. Esta educação do sentimento, da intuição do aluno, não se realizará com a mesma eficiência e intensidade com os trabalhos manuais. É indispensável conseguir que os operários e agentes comerciais não sejam destituídos de bom gosto e não há dúvida de que, aparte disposições naturais, só educação conveniente o consegue.
Tem a educação artística particular interesse nos Açores, onde a paisagem maravilhosa parece não ser suficiente para aperfeiçoar o homem nesse sentido. Praticamente não existe nas nossas ilhas estatuária e a arquitectura é extraordinariamente pobre, mercê da qualidade da pedra, dificílima de trabalhar, e este ambiente gera operários de mãos habilíssimas, dos quais raros são possuidores, já não digo da centelha divina, mas de simples bom-gosto. O ensino aturado do desenho por professor artista virá modificar esta situação e poderá também fazer surgir o iluminado que por falta do oportunidade se desconhece a si próprio. Manifesto pois a minha discordância nesto ponto com o ensino do 1.º ciclo conforme está previsto e nesse sentido apresentarei uma emenda à base m, que julgo de utilidade geral e particularmente vantajosa para as nossas ilhas, parcelas também deste Portugal indivisível.
Ainda a propósito da organização deste ciclo, lembro que também a Câmara Corporativa só bate pelo aumento do número de horas destinadas ao desenho, pelo que me sinto animado por magnífica companhia.
Considera este parecer vantajoso não baixar de oito horas, o que já é pouco, o tempo destinado ao desenho e lembra que, se necessário, à custa da caligrafia ou mesmo do canto coral. Parece-me que não deveria sacrificar-se aquela e muito menos este magnífico elemento educativo. Desejo aqui exprimir o voto de que ao ensino do canto coral se dedique muita atenção, dando aos rapazes o mínimo de conhecimentos de música, só o indispensável, e o máximo de prática. Procure-se, por meio de músicas apropriadas e usando bons métodos pedagógicos, atrair os rapazes e incutir-lhes o gosto pela música cantada em conjunto, animando os nossos futuros operários a criar massas corais, como tanto se usa pela Europa Central, verdadeiro berço desta arte.
Não pretendo que surjam amanhã grupos como o desses maravilhosos cantores, os meninos artistas de Viena da «Wiener Sãnger Knaben», em exibição em Lisboa, mas aproveite-se inteiramente um elemento de larga influência social, como meio até da mais bela solidariedade.
3.º Para a falta, na organização actual, de cursos de instrução geral e aperfeiçoamento de capatazes ou chefes de oficinas está indicada uma solução nos cursos de mestrança, que agora se criam e constituem interessantíssima
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inovação. Actualmente só existem cursos de mestres de obras, nada havendo equivalente para a indústria, se equivalente se lhe pode chamar, dado o carácter especial destes cursos, como já notei. Mantendo a preparação do mostres de obras, que presta bons serviços, quer-se agora fazer muito mais. Só quem viver muito longe da indústria não compreenderá a vantagem da ideia que se vai pôr em prática; só quem não andou por fábricas, a lidar com esses homens providos de maravilhoso senso das coisas técnicas, mas quantas vexes sem saber ler, com excepcionais qualidades de comando, de domínio o prestígio sobro os seus companheiros de trabalho, mas sem qualquer conhecimento ou base cientifica nem preparação intelectual, não sentirá o maior interesse pela solução que se vai tentar.
Se se conseguir dar a estes operários chefes conhecimentos que os valorizem o para a apreensão dos quais eles têm particular receptividade, em virtude do seu extraordinário valor, prestar-se-á à indústria enorme serviço. Naturalmente desta valiosa inovação não se tirará o efeito máximo sem o auxílio dos industriais, que devem enviar os seus, homens mais aptos às escolas, que os aperfeiçoarão. É evidente que estes cursos terão pouca frequência, pois raras são as qualidades de comando, mas esse facto não constitui razão para se abandonar a ideia.
4.º Relativamente à falta de educação doméstica nos cursos femininos, soluciona-se a deficiência com ensino da puericultura e economia doméstica, de grande importância para as futuras donas de casa. Assim se pretende preparar as raparigas para a missão mais nobre, de maior valor moral e social, que lhes está reservada, lembrando-lhes cada dia que para ser mães e esposas estão destinadas e dando-lhes conselhos e incutindo-lhes hábitos criadores de vida sã.
5.º No que diz respeito à educação dos trabalhadores rurais, é notória a sua ausência por todo o País.
A ignorância do nosso camponês é bem conhecida e, se em relação ao aperfeiçoamento dos métodos de cultura alguma coisa tem feito o Ministério da Economia, a verdade é que o da Educação ainda não procurou educar as massas rurais. A tarefa é vastíssima e as condições de vida do trabalhador agrícola dificultam extraordinariamente a solução.
Não nos cabe diminuir o valor da proposta no anseio que exprime de educar o camponês, elevando-lhe o nível de conhecimentos, mas, dado o número de trabalhadores da terra que não tem instrução primária, parece aconselhável, embora só nos primeiros tempos, tolerar a admissão àqueles que tenham menos luzes do que o mínimo admitido na proposta.
Procura-se uma solução pela qual não se abandone o rural à saída da escola primária, como actualmente se faz, e de que resulta, muitas vezes, dentro de poucos anos ele já não saber ler. Pretende-se, ao mesmo tempo que se levam ensinamentos práticos ao camponês, não lhe deixar esquecer o que aprendeu nos cursos primários e dar-lhe mais luzes à inteligência, base indispensável para melhor agricultor se fazer.
Quer-se aperfeiçoar o técnico e elevar o homem? Mantenham-se e espalhem-se o mais possível os cursos de aperfeiçoamento técnico do Ministério da Economia, mas faça mais alguma coisa o da Educação.
Visto como a proposta soluciona algumas deficiências notadas na organização do nosso ensino técnico, passemos a apreciar outros pontos.
Algumas palavras sobre a maneira como se pretende educar e instruir os aprendizes e que constitui um dos aspectos mais interessantes da proposta. Será o ensino, organizado em regime de colaboração com os industriais, diurno e incluído no horário normal dos jovens trabalhadores. Este sistema permitirá que a aprendizagem se faça de forma compatível com as condições de resistência dos alunos, visto que pouco esforço lhes exige a mais e por isso não perturbará o crescimento e desenvolvimento próprio da idade. Por estas razões está-lhe certamente reservado um rendimento muito superior àquele que se observa actualmente e tem um carácter de humanitarismo são que o torna eminentemente simpático.
Levantaram-se dúvidas sobre a eficiência do sistema preconizado na proposta, julgando-se que os patrões se negarão a autorizar a saída dos aprendizes para ar escola, levantando-lhes toda a espécie de dificuldades. E possível que isso com alguns pequenos industriais e proprietários «lê pequenas oficinas, mas há já grandes indústrias e importantíssimas empresas que aceitaram a ideia com satisfação, prestando-se da melhor vontade a colaborar. A própria Câmara Corporativa, com o seu apoio, trava aprovação da indústria, nela largamento representada. É natural que aqueles industriais que por incultura ou má orientação não compreendem nem sentem as obrigações que lhes cabem em cruzada de tão Ingrata, projecção na vida do País vejam cedo as suas oficinas o fábricas abandonadas pelos aprendizes, que acorrerão aos locais de trabalho onde lhes facultem possibilidades de acesso.
Terá aspecto violento II base IV? Não o creio, e pároco prová-lo a forma como a ideia já foi recebida pela indústria. Os Governos Inglês e Francês, quando, há cerca do trinta anos, em pleno período de política e economia liberal, legislaram no mesmo sentido, não tinham certamente intuitos subversivos, como o não tem a Suíça, onde desde 1930 se usa o sistema que se deve pôr em prática em Portugal agora.
Os contratos de trabalho obrigando os patrões a deixar sair os aprendizes para a escola muito poderão auxiliar esta modalidade.
Aos cursos de formação também quero dedicar algumas palavras. Volto a insistir no ensino do desenho como meio de educação artística que deveria acompanhar sempre a formação do futuro operário.
Nesta fase deve fazer-se o desenho de ornato o figura, em regime de frequência livre quando se lhe não possa dar forma obrigatória.
Merece também algumas considerações o medo. que se encontra espalhado, de que a orientação a dar aos cursos na sua futura organização se espraio em disciplinas do cultura geral e leve os rapazes à convicção de que são doutores, concorrendo assim para o abandono das profissões manuais. Parece que em algumas escolas só tem notado esse abandono, mas a verdade é que a fuga é menos acentuada do que em geral se julga.
Assim apresenta-se o facto de embora muito frequentadas as escolas, serem poucos os diplomados por elas, e desses poucos ainda alguns não seguirem a profissão como prova, de desinteresse dos diplomados pela carreira que escolheram. Os números aqui apresentados pelo Sr. Deputado Teófilo Duarte, para não induzirem em erro. precisam de ser devidamente interpretados. Convém pôr em destaque que esses números não querem dizer que de 900- alunos só 14 é que terminaram, porque esses 900 matriculados na escola o estão nos cinco anos que constituem o curso e que, deles, todos os anos sairão alguns.
Permita-se-me uma imagem puramente técnica: «O rendimento de uma fábrica não se obtém em relação à matéria-prima. que está em laboração dentro dela, mas em relação à que entrou». Ter-se-ia uma noção mais exacta do rendimento notando o número dos que saem do último ano em relação ao dos que entram no primeiro.
A fraca percentagem de alunos que saem em relação aos que entram ou que frequentam uma escola é comum a todas elas. quer primárias, quer médias, quer superiores. Todos nós sabemos quantos dos nossos companheiros dos primeiros tempos chegaram ao fim da jornada
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Pude obter uns números comparativos pelos quais se vê que a posição das escolas técnicas não é má, pois se fica abaixo das superiores e das primárias, esta acima dos liceus.
A percentagem média dos alunos que saem, em relação à frequência, é, em três anos (de 1940-1941 a 1942-1943); a seguinte: ensino superior, 10,97; ensino primário. 6,97; ensino técnico, 5,77; ensino liceal, 3,46; e verifica-se que o índice relativo ao ensino técnico vem a subir. O que não tem acontecido com todos os outros. Se atendêssemos aos factores que levam à desistência dos cursos (doença, falta de resistência física e moral para as fadigas dos trabalhos árduos do estudo, incapacidade intelectual ou financeira etc.) pareceria natural que fosse mais intenso o abandono em estudantes oriundos de classes pobres e sujeitos a trabalho muito pesado.
Será por falta de ensino prático suficiente que parte dos alunos os abandonam?
Deverá, neste ponto, modificar-se profundamente o que se encontra em vigor? Não o creio. O defeito não está no número de horas semanais que foi atribuído ao trabalho oficinal e é de 6, 15, 18, 18 e 20 respectivamente nos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º anos, mas no que os rapazes de facto praticam. Dezoito horas semanais são três por dia, número suficiente se for ministrado de facto. O que acontece, porém, é não haver possibilidades de os alunos tomarem a totalidade do tempo que lhes foi estabelecido por falta de capacidade e apetrechamento das oficinas.
Apesar disso os rapazes saem bem habilitados, mas, evidentemente, não se poderão bater ao torno como um torneiro prático nem com um prático de bancada à lima, mas poderão fazer à lima melhor do que o torneiro.
Que há pequeno rendimento das escolas é facto, mas que ele seja anormal e específico das técnicas não é verdade; que seja devido à organização dos cursos parece-me evidente que também não, visto que não é próprio das escolas profissionais mas comum a todas as escolas.
Não creio que se consiga evitar o inconveniente baixando o nível da preparação geral, medida talvez contraproducente, que poderia criar no seio da classe a ideia errada que se pretende relegar os operários para plano inferior. Justamente o contrário, elevá-los, dar-lhes maior valor profissional e social, emprestar-lhes melhores condições de ganhar a vida e de mais eficientemente servir a Nação é e tem sido sempre o objectivo da Revolução Nacional e é o nosso.
Parece-me que maior atracção sentirá o futuro operário pela profissão quando o salário o interessar e o meio lhe não fôr hostil, como foi notado, com particular justeza, pela Câmara Corporativa. Infelizmente a falta de simpatia do operário sem preparação para com aquele que traz qualquer lustre intelectual é muito grande. Também a superioridade tola como qualquer empregadito de escritório trata um operário que vale incomparavelmente mais do que ele é tão frequente como idiota. Todos nós temos podido observar casos destes, infelizmente, muita vez.
Para corrigir alguns dos males aqui apontados muito poderiam concorrer os contratos colectivos de trabalho.
Outro assunto há que a proposta também trata com particular interêsse - o da preparação e recrutamento dos professores.
Sem professores com cultura suficiente e apropriada não há ensino. Más instalações, incapacidade das aulas, falta de dotação e muitos outros inconvenientes se podem remediar com o espírito de sacrifício, o desejo de servir, o apego à profissão do professor competente e dedicado; mas sem estas qualidades do mestre é que não há ensino.
Àqueles professores que trabalham em tão más condições sem outro estímulo que não seja o amor à profissão que exercem, a esses verdadeiros apóstolos do
ensino aqui deixo consignadas as minhas homenagens de profunda admiração.
É preciso preparar professores em condições de eficientemente ocuparem os seus cargos. Não podemos continuar com as escolas cheias de professores provisórios, que mudam de ano para ano. Tem-se chegado à situação de para um professor efectivo haver três provisórios o até, nas ilhas, muitos mais.
A base XI da proposta de lei diz que ta formação pedagógica dos candidatos a professores será obtida...» Entendo por isso que todos os professores, para poderem ingressar nos quadros, terão obrigatoriamente prepararão pedagógica própria e específica,, naturalmente a ser ministrada do forma análoga, embora com características diferentes, à que, é dada aos professores dos liceus. Assim devem criar-se escolas normais como há liceus normais.
Compreende-se que o ensino técnico exija aos seus professores uma preparação especial e será essa preparação, essa cultura própria da profissão que dará à escola o ambiente característico que, actuando sobre os alunos, os ligará mais à profissão a que se destinam.
Também se revêem os vencimentos, o que é de inteira justiça, e oxalá que os que forem fixados, segundo a base XXI, sejam de molde a chamar ao ensino técnico número suficiente de professores em condições de exercer com eficiência o magistério.
Parece que se deve atender à situação daqueles professores que são agregados há muitos anos porque não foi cumprido o artigo 47.º do decreto n.º 20:240.
Será justo que estes professores percam o direito à diuturnidade quando já durante tanto tempo, por causa do não cumprimento do citado artigo, foram prejudicados?
É preciso que se criem as escolas que o País precisa e para elas é necessário que não faltem professores.
Para facilitar a sua preparação e animar aqueles novos que, tendo os cursos necessários, já algum tempo tenham dedicado a este ensino como provisórios, não seria medida eficaz auxiliar por qualquer modo a sua preparação pedagógica?
Também é indispensável prever qualquer compensação para os professores das escolas das nossas ilhas. A prática tem mostrado que em igualdade de vencimentos não há professores nos liceus da Madeira e dos Açores. Idêntico facto se deu com a magistratura e se dará com outras funções publicas quando o número de serventuários aumentar como fatalmente vai acontecer.
Impõe-se pois, para que as escolas das ilhas adjacentes funcionem com plena eficiência que haja professores para elas.
Também merece muita atenção a base XXV, que se refere à construção dos edifícios necessários. Já me referi à situação vergonhosa em que se encontram algumas das escolas industriais, facto que precisa solução rápida. Mesmo as que estão instaladas em edifícios próprios e em menos más ou, antes, menos péssimas condições pedagógicas não tem capacidade para receber os alunos que são obrigadas a matricular.
É curioso que a escola mais bem instalada funciona num edifício construído há cerca de sessenta anos, o que parece ser um tanto contrário ao critério, que se adoptou durante algum tempo, em relação à construção de edifícios novos.
Precisa, é certo, a educação nacional reforma e necessita directivas que permitam dar continuidade à revolução em marcha, mas parece ser extremamente difícil, senão impossível, realizar reforma de conjunto tocando todos os graus do ensino e todos os sectores da educação. Mesmo que assim não fosse, julgo que não deveríamos negar o nosso aplauso e o nosso apoio a uma reforma parcelar, desde que ela melhore o que está e traga ma-
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infestas vantagens, isto é, desde que ela sirva o interesse nacional.
Ora, não há dúvida de que a organização do ensino técnico em vigor tem alguns inconvenientes, e não há dúvida de que a proposta que discutimos os corrige ou melhora. Além disso a proposta para cuja elaboração tanto concorreram os trabalhos e estudos aturados de uma comissão, nomeada há precisamente cinco anos e meio, que se documentou copiosamente, como já aqui foi posto em destaque, encerra inovações de valor, particularmente no intuito generoso, que transparece em toda ela, de elevar o nível dos nossos trabalhadores, quer urbanos quer rurais.
As emendas apresentadas pela Comissão de Educação Nacional são pequenas alterações que nem perturbam o sentido, nem alteram o espírito, nem de qualquer forma apoucam o valor da proposta.
Entendo pois que a proposta de lei n.º 99 deve ser aprovada na generalidade, lastimando apenas que, preparada há dois anos, só agora tenha sido enviada à Assembleia Nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia designada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Carlos Borges.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João de Espregueira da Rocha Paris.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria de Sacadura Botte.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel de Magalhães Pessoa.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Eurico Pires de Morais Cairapatoso.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Proposta* enviadas para a Mesa, no decorrer da sessão de hoje, relativamente à proposta de lei em debate :
«Segundo os termos e considerações feitas sobre a proposta de lei n. º 99, referente à reforma do ensino técnico profissional, proponho o seguinte (segundo o parecer da Câmara Corporativa):
l .º A eliminação da base III proposta pela Câmara Corporativa.
2.º Na base XII da Câmara Corporativa, onde se lô: «ou os indivíduos habilitados», ler-se-ia: «ou por técnicos nacionais ou estrangeiros habilitados com cursos especiais ou por indivíduos habilitados».
3.º Na base xvi, onde se lô: «será normalmente»} ler-se-ia: apodera ser recrutado por concurso ou por contrato de entre técnicos nacionais ou estrangeiros e será constituído por professores ordinários e professores auxiliares».
4.º Xá base xx, onde se lê: «a nomeação precedendo concurso público», ler-se-ia: «poderá ser feita por concurso público ou por contrato de entre técnicos nacionais ou estrangeiros, que incluirá»,
ò.º Na base xxiij onde se diz: «os vencimentos... serão fixados», ler-se-ia: «serào fixados, de harmonia com as exigências do ensino, pelo Ministério da Educação Nacional»,
O Deputado Mário
cBABK V
Proponho que na linha 9.a da base V se introdu/a, depois da palavra «gorai», a. soguintu frase: «e um i;s-puoial pelas» ...
1ÍASK VI
Proponho que na base VI se introduza, depois do primeiro parágrafo, um outro, assim redigido: «Na distribuição dos tempos lectivos deverá assegurar-se o predomínio NOS trabalhos oficinais».
BASE VIII
Proponho que na linha 5.a da base viu se introduza depois da palavra «geral», a seguinte frase: «e em especial das» ...
O Deputado Teófilo Duarte».
BASE XVIII
Proponho que no primeiro parágrafo as palavras «feitores e capatazes agrícolas» sejam substituídas pehis palavras «práticos agrícolas».
BASE xix
Proponho que no último parágrafo só acrescento o seguinte: «onde ingressarão nas mesmas condições dos alunos provenientes dos liceus».
O Deputado José Penalva Franco Frazão».
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BASE XVI
Proponho que esta base tenha a seguinte redacção:
«O ensino elementar agrícola destina-se a ministrar aos trabalhadores do campo noções técnicas referentes aos diversos ramos de exploração agrícola, pecuária e silvícola; será ministrada em regime periódico que utilize as épocas próprias, de preferência com carácter móvel. Mediante acordo a estabelecer entre os Ministérios da Educação Nacional e da Economia, promover-se-á a instituição de núcleos deste ensino junto dos organismos de fomento e assistência técnica mantidos por este último Ministério que, para tal efeito, reúnam as condições necessárias.
O ensino elementar agrícola poderá ser ministrado em colaboração com os grémios da lavoura e casas do povo em locais para tal tam apropriados. Logo que se torne necessário, será criado um quadro especial de professores de ensino elementar agrícola móvel».
O Deputado Francisco de Melo Machado».
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA