Página 437
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 82
ANO DE 1947 1 DE FEVEREIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º82 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 30 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 80 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou que calavam, na Mesa as elementos pedidos pelo Sr. Deputado Araújo Correia aos Subsecretariados de Estado da Assistência e das Corporações e que os mesmos iam ser entregues àquele Sr. Deputado.
Os Srs. Deputados Ernesto Subtil, Nunes Mexia, Querubim Guimarães, Carlos borges, Magalhães Pessoa e Cancela de Abreu enviavam para a mesa requerimentos no sentido de lhes serem fornecidos, por diversos Ministérios, alguns elementos de estudo.
O Sr. Deputado Mendes Correia ocupou-se de assuntos relacionados com o culto da arte em Portugal.
Ordem do dia - Prosseguiu a discussão, na generalidade, da proposta de lei sobre a reforma de ensino técnico profissional, tendo usado da palavra os Srs. Deputados D. Maria van Zeller, Virginia Gersão, Marques de Carvalho e Ribeiro Cazaes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 19 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputodos:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Ferestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
Auto aio Júdice Bustorff da Silva.
Auto lio Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rêgo.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Página 438
438 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Garsão.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 05 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 80.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar usar da palavra, considero aprovado o Diário.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De apoio à representação dos grémios da lavoura alentejanos sobre o problema das lãs, subscritos pelos Grémios da Lavoura de Beja, Vila Viçosa, Ferreira do Alentejo, Alfândega da Fé, Portei, Felgueiras, Sintra, Penafiel, Cascais, Estreiuoz, Avronches, Mogadouro, Pombal, Guarda ë Manteigas e Palmela.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Araújo Correia e fornecidos pelos Subsecretariados de Estado da Assistência e das Corporações. Vão sor entregues àquele Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a antes da ordem do dia o Sr. Deputado Ernesto Subtil.
O Sr. Ernesto Subtil: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte requerimento:
«A fim de instruir uma exposição que pretendo fazer nesta Assembleia sobre a situação em que vivem os portugueses o«em Espanha e os espanhóis em Portugal, requeiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, mo seja indicado, com a possível urgência, o número de portugueses que residem no país vizinho e que pela Polícia Internacional e do Defesa do Estado me seja indicado, e também com a possível urgência, o número de espanhóis que residem no nosso País.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério da Economia e em relação aos diferentes lotes de lã adquirida e recebida em 1946, me sejam indicados, com a possível brevidade, os preços de aquisição C. I. F. Lisboa, acrescidos dos respectivos direitos e demais encargos de importação».
O Sr. Querubim Guimarães:-Sr. Presidente: mando para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidas, com a maior urgência possível, as seguintes informações:
a) Nota de todas as apreensões de azeite feitas pelas brigadas de fiscalização desde que se instalou a Direcção dos Serviços de Fiscalização, indicando-se quantidades, localidades e destino dado a esse azeite;
b) Nota das quantidades desse mesmo produto apuradas nos manifestos feitos em todo o País e destino que se lhe tenha dado;
c) Nota das quantidades de milho produzido no País na última colheita e manifestado e seu destino;
d) Nota das quantidades de milho colonial importado nu último semestre e seu destino».
Sr. Presidente: creio que este meu requerimento não necessita de justificação, porque a respeito do azeite e do milho todos os dias os jornais nos referem queixas de várias localidades - azeite que falta e milho, em abundância, que também falta ao consumidor, correndo o risco de se deteriorar.
Quanto a azeite, em Aveiro não se distribui desde Outubro.
Sei que no Minho há milho demais, sujeito a apodrecer nos celeiros, em virtude de não haver quem ordene a sua mobilização, e, todavia, há populações inteiras com uma escassez completa desse produto, absolutamente indispensável à sua alimentação.
O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida, com urgência, uma nota relativa aos processos submetidos no ano do 1946 pela Direcção Geral das Contribuições e Impostos ao parecer da auditoria ju-
Página 439
1 DE FEVEREIRO DE 1947 439
ridica do referido Ministério da qual conste: objecto de cada um dos processos, data da remessa destes à mesma auditoria e seu estado actual».
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: o culto da arte é um índice da civilização e da personalidade de um povo.
Tem-se entre nós afirmado a existência de uma intensa política do espírito.
Pois bem. Nessa política tem do se integrar, como uma faceta primacial, a política da arte, e eu desejaria dispor de mais tempo do que aquele que me é dado pelo Regimento para me alongar em considerações sobre o que se tem feito nos diferentes sectores da arte nacional. É brilhante o labor realizado na instalação e reconstituição dos nossos museus. O Museu de Arte Antiga, nas Janelas Verdes, e o de Soares dos Reis, no Porto, constituem, na sua forma actual, um título de glória para quem os reinstalou e reorganizou.
O Museu do Arte Antiga está sendo, além de tudo o mais, um centro de acção cultural em que se formam discípulos e se animam colaboradores.
O Museu Soares dos Reis do mesmo modo está desempenhando uma função notável de irradiação cultural.
É brilhante, Sr. Presidente, o que se tem feito para a conservação e restauro dos palácios nacionais.
É notável a obra realizada em matéria de restauração o protecção dos nossos monumentos. Temos uma legislação que nos honra perante os países cultos para essa protecção e para defesa da integridade das obras de arte.
Embora não possa espraiar-me em considerações sobre este assunto, eu desejaria saudar daqui, além do Sr. Presidente, do Conselho, as figuras de dois antigos Ministros, um dos quais se senta ao nosso lado nesta Câmara - Alfredo de Magalhães e Antunes Guimarães-, pela obra realizada em favor dos monumentos nacionais.
Recordo também com admiração essa figura notável de homem de Estado que foi Duarte Pacheco, como realizador de uma tarefa notável no mesmo domínio.
Saúdo igualmente os colaboradores desses estadistas na sua acção em prol da arte nacional: o director geral dos monumentos nacionais, engenheiro Gomes da Silva, e or arquitecto Baltasar de Castro.
É possível discutir em pormenoro modo como se tem realizado uma tal tarefa de reintegração arquitectónica e monumental. Aquando da visita de Lord líarlech a Portugal, tive ocasião de expor publicamente pontos de vista próprios, segundo os quais a restauração em completa integridade era apenas de desejar quando os edifícios ou os monumentos podiam conservar, manter, a sua função primitiva.
Do resto, as ruínas tom um prestígio histórico e uma beleza poética que ninguém podo negar. Era preciso defendê-las, mas não era sempre necessário reconstituir os monumentos na íntegra.
No entanto, reconheço tudo que de notável e importante se tem feito neste domínio, e as minhas palavras são, sobretudo, de louvor e aplauso.
Tem-se efectuado a inventariação de grande parto do espólio artístico nacional.
Há dias, num jornal, o alto espírito de Hipólito Raposo sugeriu, dentro da ideia que lia pouco expus, que se procurasse manter nos velhos edifícios reconstituídos a sua função primitiva, o seu papel tradicional. Recordou elo que Alcobaça, esse centro conventual do irradiação magnífica, em que viveram Frei João de Orneias, Frei António Brandão e Frei Fortunato de S. Boaventura, deveria sor destinado agora a um instituto do Humanidades ou a um alto colégio do Teologia.
Sr. Presidente: dou o meu apoio a esta sugestão, que julgo de inteira oportunidade, o não só para Alcobaça como também para a Flor da Rosa, Avis, etc.
Como disse Hipólito Raposo, seria restituída a Alcobaça a sua alma de cristandade, que há mais de um século dali se evolara escandalizada, caluniada e perseguida.
Eu quero recordar a acção desenvolvida pelo Secretariado Nacional da Informação com o Teatro do Povo.
Tenho sobre a mesa o relatório minucioso das actividades realizadas nessa matéria e devo registar, Sr. Presidente, que de 1936 a 1946 se realizaram 736 espectáculos do Teatro do Povo em 363 terras do País, com uma assistência de 1.920:000 espectadores.
Sr. Presidente: é importante o que se tem feito, por iniciativa do Secretariado, quanto ao Teatro do Povo e a outros. domínios, mas tudo isso é ainda pouco, muito pouco.
Daqueles números se depreende, afinal, que apenas a quarta parte da população portuguesa pôde ainda presenciar, em dez anos, os referidos espectáculos. É também digna de louvor a criação da Escola Coreográfica, que constitui uma obra longa de paciência, de que não poderemos esperar imediatamente se obtenham resultados perfeitos. Desejaria muito focar aqui o que tem sido a acção do Secretariado Nacional da Informação noutros sectores de arte, mas o tempo que me é concedido não mo permite.
Quero também falar da acção do Instituto para a Alta Cultura, que tem sido brilhante, mas simplesmente - como para a investigação científica - a acho ainda insuficiente em matéria de protecção às actividades artísticas, por virtude da escassez do seu orçamento.
As bolsas de estudos fora do País, para fins artísticos, foram em 1940 apenas cinco e em 1946 doze, na importância de 116 contos para 1945 e 151 contos para 1946.
Sr. Presidente: é altamente meritória a acção do Instituto para a Alta Cultura, mas não basta ainda. Ele precisa de mais recursos financeiros.
A Fundação da Casa de Bragança tem realizado aquisições e encomendas do mais alto valor artístico, tem melhorado a exposição e conservação do seu espólio de arte, tem promovido e custeado estudos críticos de pintura, escultura, azulejos o mobiliário artístico.
Decerto se trata, porém, apenas duma parcela do que há a realizar nesta matéria e que estava nas tradições dos monarcas da dinastia brigantina.
Mas eu pedi a palavra, Sr. Presidente, para me referir sobretudo ao facto de ter recebido resposta ao meu requerimento relativo ao Teatro Nacional de S. Carlos. Sou informado do que foram contratados quatro artistas líricos portugueses o um maestro português - o insigne Pedro de Freitas Branco -, contando-se com a colaboração da orquestra sinfónica nacional, com os coros organizados no próprio Teatro, com a colaboração do grupo de bailados Verde Gaio e do Círculo de Iniciação Coreográfica, e ainda com o concurso de numerosos operários o técnicos, mas que não é possível nesta temporada, por virtude de a orquestra sinfónica nacional não estar livre nessa altura, realizar o desiderato, há muito alimentado, da efectivação da ópera portuguesa, o que só poderá suceder para fins de 1947.
Devo dizer, Sr. Presidente, que não deixo de reconhecer a boa vontade das entidades oficiais para corresponder aos desejos implícitos no meu requerimento, mas esse Teatro, para que possua uma verdadeira tradição portuguesa, para que possa merecer a designação de «nacional», tem de funcionar com uma outra amplitude, tem de ter uma organização própria, viva, permanente, não recorrendo às improvisações e empréstimos; tem de ter unia orquestra própria, um corpo de baile próprio e que, sob todos os aspectos, estejamos em presença de um todo uniforme e integral, em que, apesar de ser ali
Página 440
440 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
o canto a forma de arte predominante, com esta colaborem eficiente e harmònicamente as variadas artes e técnicas exigidas por um teatro nacional de ópera.
Sr. Presidente: congratulo-me, entretanto, por que a direcção do Teatro de S. Carlos reconheça a necessidade da colaboração de vários artistas portugueses, mas parece-me que ainda é possível e conveniente ampliá-la e que naquele Teatro surja enfim uma tradição verdadeira, uma tradição própria, uma tradição portuguesa.
Fala-se muito das tradições do Teatro de S. Carlos, mas essas tradições são apenas as dos grandes artistas mundiais que por aquela casa têm passado, porque a respeito de uma organização sua o Teatro de S. Carlos não a tem nem nunca a teve.
Tem andado sempre nas mãos de empresários e servido quase exclusivamente para exibição de companhias estrangeiras. Que uma organização de conjunto, tão portuguesa e própria quanto as possibilidades o permitam, nele se crie e estabeleça. Lembremo-nos de que as obras ali realizadas importaram em cerca de 10:000 contos. Um tal dispêndio requer mais sacrifícios para ser produtivo. Desejaria alongar-me em considerações sobre a matéria, mas não disponho senão dos escassos minutos que o Regimento me faculta.
Tenho a convicção de que estamos perante um grande dilema na hora presente: ou o Mundo caminha para uma subversão total ou então estamos no limiar de uma nova idade. Esta nova idade tem de ser, como todos nós esperamos -nós, os homens de boa vontade-, baseada em princípios de paz, de bondade, de justiça, de verdade o do beleza.
Não devemos atemorizar-nos com certos aspectos que às vezes assumem as incertezas, as dúvidas da hora que passa; não devemos, em matéria de arte, atemorizar-nos com as suas manifestações mais imprevistas e mais estranhas.
Temos de ser compreensivos. A arte de hoje, como a arte de sempre, eterna linguagem do sentimento e da beleza, procura às apalpadelas traçar na neblina, nos horizontes vagos do porvir, na ansiedade e na inquietação, em supremas interrogações, a rota definitiva de novos o altos destinos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Magalhães Pessoa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério do Interior e com a possível urgência, me sejam fornecidas as seguintes informações :
a) Importâncias dos subsídios concedidos por intermédio da Direcção Geral da Assistência a todos os estabelecimentos hospitalares do País nos anos de 1941 a 1946, inclusive;
b) Número dos doentes internados nesses estabelecimentos em cada um dos referidos anos;
c) Rendimentos anuais certos de cada um deles;
d) Quais os que, durante os mesmos anos, fecharam as suas contas com saldos negativos e indicação do seu montante;
e) Qual o critério adoptado para a concessão dos subsídios: o movimento hospitalar do ano anterior, a situação económica dos estabelecimentos, as informações antecipadamente prestadas pelas entidades distritais ou quaisquer outros».
O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja enviada urgentemente cópia do despacho de S. Ex.ª o Ministro, proferido recentemente, sobre os serviços da polícia judiciária, e a que os jornais de ontem fizeram referência».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre reforma do ensino técnico profissional.
Tem a palavra a Sr.ª D. Maria Van Zeller.
A Sr.ª D. Maria van Zeller: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna, recordo á Câmara a afirmação feita há cerca de um ano, na sala da biblioteca deste mesmo Palácio de S. Bento, por S. Ex.ª o Presidente do Conselho aos dirigentes da União Nacional:
«Nós temos mostrado, através das instituições, das leis e dos acto» do Governo, a preocupação absorvente de reconduzir tudo e tudo integrar no plano nacional», o que equivale a dizer: o Governo tem procurado resolver os vários problemas da vida da Nação esforçando-se por encontrar para cada um deles a solução que, nesse momento, mais poderá convir à Pátria - a sua «solução nacional».
Mas porque trago à lembrança de V. Ex.ªs este passo do discurso do Sr. Presidente do Conselho no momento em que a Assembleia Nacional deverá pronunciar-se sobre a oportunidade, vantagens e inconvenientes desta proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico profissional? Precisamente por ver nela o penhor de que o Governo, embora optando pelo sistema de reformas parciais de ensino e apresentando-nos em primeiro lugar a reforma do ensino técnico profissional, não se desviará da rota seguida de «tudo integrar no plano nacional». A apresentação isolada desta reforma não irá, certamente, prejudicar a «hora da educação nacional», que todos esperávamos fosse iniciada por uma grande reforma geral de ensino, ou, melhor, por um grande plano de conjunto, bem articulado, explícito e definido para cada um dos seus vários graus e ramos. Confiemos, pois, na acção do Governo!
Não compete discutir agora se este ou aquele modo de proceder foi o mais vantajoso nem é esse o problema que neste instante se põe à Câmara, mas sim o de verificarmos - é essa a nossa função - se dentro do âmbito do diploma apresentado, na largueza do seu título e na elasticidade das suas bases cabe a «solução nacional» do magno e complexo problema do ensino técnico profissional, o único que por agora está em discussão.
Quando se preconiza uma reforma, seja ela qual for, pressupõe-se sempre a necessidade de obviar dificuldades, suprimir deficiências, imprimir ou modificar orientações. No caso concreto lê que nos ocupamos a simples leitura do enunciado da proposta logo parece indicar que a matéria sobre que incide irá preencher as lacunas, demover os obstáculos encontrados e marcar as novas directrizes do ensino técnico profissional considerado, não na simplicidade de qualquer dos seus ramos, mas na complexa unidade do seu conjunto.
Não sucedeu, porém, assim, pois que a proposta se encara três modalidades desse ensino: as que primitivamente se consideraram como clássicas. Há no entanto vários outros ramos de ensino técnico profissional de que a proposta não se ocupa, mas que, parece, só nela poderão enquadrar-se, pois que, tratando-se de actividades pedagógicas de grau médio, não poderão, por esse facto, sei englobados nas reformas ou leis que regulamentem o ensino primário ou superior, nem tão pouco o ensino liceal, de que diferem substancialmente.
Página 441
1 DE FEVEREIRO DE 1947 441
A omissão destes ramos de ensino técnico na proposta em discussão significará que o Governo os confia unicamente ao ensino particular, que nesse campo tem desenvolvido uma acção interessante e prestado os mais relevantes serviços, entre os quais se assinala o de fornecer ao próprio Estado técnicos de que ele necessite e, por enquanto, não tem escolas, onde os prepare?
A proposta nada diz; lio entanto, alguma, coisa é certo: o Estado precisa de profissionais especializados em vários ramos técnicos aos quais a proposta em discussão não se refere.
Tratando-se de modalidades de ordem técnica profissional, entendo que as bases. da proposta que estamos a analisar ficarão sempre incompletas se a elas não aludirem.
Pessoalmente não creio que a «solução nacional» do problema do ensino técnico profissional possa ser atingida por uma lei que parcialmente apenas encara três dos seus aspectos.
Permitam-me, Srs. Deputados, que descreia bastante de soluções desta natureza para um problema tão complicado!
Não será desacerto enveredar por tal caminho, sobretudo quando há possibilidades de tratar os assuntos por forma mais completa?
O processo é mau e não só me parece erróneo em si, mas prejudicial, se atentarmos em que as resoluções parciais de qualquer problema são, em regra, paliativos e podem até levantar dúvidas quanto à existência de capacidades para lhes dar a solução indispensável e completa.
Evidentemente não é o caso, pois o Govêrno, por si e pelos técnicos de que dispõe, tem na mão, e sempre que a deseje, a chave de todas as soluções. Se discordo da forma como a proposta em discussão encara o problema, não quer isso dizer que seja contra ela. Por forma alguma. Eu sou pela reforma e, note-se bem, precisamente porque sou pela reforma é que, sem atraiçoar a confiança e a colaboração leal que seguramente o Governo espera de nós, me decidi a fazer-lhe os reparos que me sugeriu a sua leitura e o estudo de alguns dos seus aspectos. Crítica construtiva, bem entendido. Ao assinalar à Câmara algumas deficiências que encontro na proposta, tenho apenas a intenção de que esta Assembleia as possa corrigir ou eu própria fique esclarecida acerca de qualquer suposição errada em que tenha baseado as minhas considerações.
Tal como nos é apresentada, a proposta é para mim, médica, como um diagnóstico necessário, útil, brilhante e oportuno que se fez, mas não foi seguido da terapêutica precisa para o conjunto do caso clínico, isto é, para o síndroma em questão.
Na ânsia de aliviar os males existentes, atacaram-se com mais ou menos pressa alguns sintomas - os mais agudos talvez. Não conheço suficientemente os vários sectores de ensino técnico profissional para assegurar a V. Ex.ªs se foram precisamente esses, mas é lógico que assim tivesse sido.
Aplicou-se depois o tratamento julgado conveniente, e, assim, vemos que se formularam bases de reforma para o ensino técnico industrial, comercial e agrícola.
Aos respectivos especialistas competirá esclarecer-nos até que ponto incidiu a terapêutica nos seus respectivos sectores e se, para a patologia de cada um, ela foi a mais adequada.
Sintomas houve, porém - ou sejam outros sectores de ensino técnico a que hoje se dá a maior importância -, que não foram considerados e que continuarão sujeitos à necessidade de também serem tratados, a menos que o diagnóstico - neste- caso o título da proposta - passe a ser diferente ou que a Câmara julgue mais conveniente considerar as bases que nos foram apresentadas como referentes à primeira, parte da reforma, ou seja ao tratamento inicialmente mais urgente, ficando então, neste casos a terapêutica dos restantes sectores para tempo oportuno, se, desde já, não vier por acréscimo!
Não posso, no entanto, deixar de exprimir perante V. Ex.ª o meu desgosto por ver que a proposta deixa no esquecimento tantos outros ramos da técnica profissional de finalidade não menos objectiva e necessária à vida- da Nação. Senão, vejamos:
Não se faz qualquer referência nesta proposta ao ensino técnico dos profissionais de serviço social.
O Sr. Marques de Carvalho: - Mas isso não é ensino técnico.
A Oradora: - É sim, Sr. Deputado.
O Sr. Marques de Carvalho: - Por esse critério não lia nada que não seja técnico. Acha, por exemplo, V. Ex.ª que o ensino da enfermagem deve ser também incluído no ensino técnico?
A Oradora: - Acho sim, Sr. Deputado, e se não for incluído no ensino técnico onde deseja V. Ex.ª incluí-lo? Quanto ao serviço social, direi a V. Ex.ª que, nos seus múltiplos aspectos, ele é hoje a base técnica imprescindível para a boa execução de qualquer das modalidades de assistência moderna, e isso não só porque ao serviço -sockil compete determinar até onde deve ir a acção supletiva do Estado na distribuição dos benefícios que lhe compete fazer, como pelo facto de ele ser um poderoso agente de educação cívica e disciplina social nos meios onde penetra. Qual será pois o departamento de educação nacional que passará a ter superintendência sobre ele se a reforma que agora está em estudo o omite?
Disse V. Ex.ª, Sr. Deputado Marques de Carvalho, no filial do seu discurso, que:
Houve a hora dos barcos novos em face. do «zero naval», a do apetrechamento dos portos, a das estradas, a do rearmamento do exército, a da hidráulica agrícola, a da electrificação, a da assistência hospitalar e a de tantas e tantas transfigurações deste País, que parecia estar hipotecado a definitiva insolvência.
É verdade que se discutiu nesta Assembleia uma proposta de lei sobre organização hospitalar, mas não o é menos, para me servir da frase de V. Ex.ª, Sr. Deputado Marques de Carvalho, que nesse capítulo o País continuará «hipotecado a definitiva insolvência» enquanto se não organizarem cursos de técnica de administração hospitalar, que entre nós não existem, e se crie essa categoria de profissionais; enquanto não sã prepararem, em número suficiente, bons profissionais de enfermagem para garantir o funcionamento não só dos futuros hospitais, mas até dos serviços já existentes e onde a sua falta se faz duramente sentir. Vou mais longe, Sr. Deputado, dizendo a V. Ex.ª que não basta a enfermagem polivalente: é preciso ainda desdobrá-la nas suas diferentes técnicas especializadas da fins aos serviços onde deverão aplicar-se; mas e tal ensino, a tais escolas tão necessárias, tão indispensáveis e urgentes, a proposta não alude sequer.
Nada se diz também do ensino técnico profissional da educação física, capítulo onde o próprio Estado já tem algumas interessantes realizações e cuja necessidade, por demasiado evidente, não carece de justificação; basta dizer que é salutar à sociedade, não só sob o aspecto somático, mas até na ordem espiritual, pela
Página 442
442 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
Transformação completa e favorável que pude operar também na fisionomia moral da juventude.
Hospitais, grandes planos de assistência, ginásios, edifícios escolares, sejam eles quais forem e por melhor apetrechados que estejam, não passarão de fechadas incapazes de condicionar as realidades a que se destinam, porque estas exigem os técnicos necessários e estas exigem os técnicos necessários e estes não podem surgir sem ensino profissional adequado.
O fracasso das nossas obras, como por todos é sabido, reside quase sempre na crise de dirigentes.
Não há quem conduza os novos, quem despertar energias, fomente valores, oriente vocações e trabalho.
As escolas produzem muitos intelectuais, mas não formam dirigentes nem executores e a maior parte das vezes não há escolas para os formar!
Penso que um dos objectivos da proposta em discussão deveria precisamente ser o de acudir a esta falta, a esta deficiência, ao mesmo tempo técnica e social, propondo as providências indispensáveis para o remediar. E, no entanto, não encontro nela essas providências.
Onde se encontra também, por exemplo, na proposta qualquer norma que condicione a organização racional das indústrias regionais, das indústrias caseiras e do ensino familiar e doméstico, agrícola e hortícola?
No n.º 11 e a p. 4 do relatório que precede esta proposta de lei lê-se:
O ensino técnico destina-se a servir imediatamente a vida, e para isso há-de cingir-se à rica pluralidade das suas manifestações, graduar-se segundo as exigências do meio, adaptar-se às formas elementares em correspondência com as actividades mais simples, subir de complexidade onde e trabalho põe em jogo técnicas de rigor mais científico, escolher o regime mais consentâneo com a sua rápida difusão, actuar sempre pelos métodos que mais directamente conduzem à aplicação do saber transmitido.
Mas não vejo que no articulado das bases ele sirva imediatamente a vida, pois trata por forma deficiente e incompatibilidade o ensino profissional, conforme acabo de mostrar à Assembleia.
Compulsando os dados dos últimos recenseamentos, verifica-se que a maior percentagem de mulheres activas é formada pelas que trabalham em serviços domésticos e pelas que coadjuvam o chefe de família na agricultura.
Na base I do diploma em estudo, ao fazer-se referência às escolas industrias e comerciais, fala-se, é certo, na aprendizagem de rendas, tapeçarias e olaria, sob o ponto de vista da sua natureza artística, mas a referência a estas actividades é feita por forma tão pouco concreta que mais parecem simples adorno feminino, na rigidez do articulado da proposta, que trabalho sério, orientado em vista a servir as exigências profissionais das mulheres que, por forças das circunstâncias, têm necessidade de angariar pelo seu trabalho o pão de cada dia ou de contribuir de alguma forma para a economia do seu lar.
A base X da proposta diz:
De todos os cursos especìficamente femininos, bem como do ensino ministrados, nos restantes cursos, a turmas femininas, farão parte das disciplinas de economia doméstica e puericultura.
Em regulamento serão designados os cursos industriais em que poderá ser autorizada a de alunos de sexo feminino.
Mas a proposta também não se ocupa de preparar os técnicos para essa espécie de ensino, que é hoje uma especialização dentro da aprendizagem do ensino familiar e doméstico.
Se as pequenas indústria caseiras e regionais, se os trabalhos domésticos, agrícolas e hortícolas, se os manufactos por via de regra agradam à mulher, se é aí que ela tem desenvolvido maior actividade, se são compatíveis com a sua complexão física e têm ainda a vantagem social de não afastar a mulher dos seus deveres do estado, porque não havemos de lhes dar o incremento devido a permitir que a mulher possa receber uma instrução especializada, a fim de, sem sair da sua casa ou próximo dela, quando disso necessite, poder dedicar-se a actividades mais ou menos compensadoras para a economia do agregado familiar a que pertence?
Nos países que melhor conheço - França, Bélgica e Itália - vi cuidarem com maior desvelo do ensino técnico profissional da mulher precisamente nas ocupações domésticas, nas pequenas indústrias caseiras e nos trabalhos agrícolas. Essa aprendizagem faz-se a sério e há escolas da especialidade que preparam minitores para vários cursos.
Na Bélgica recordo, por exemplo, a Escola Normal Superior de Economia Doméstica e Agrícola, em Berlaer, e a escola Normal de Economia Doméstica de Thielt, para não falar nos vários cursos de divulgação organizados pelo Boerinnenbond e outros, que têm dado excelentes resultados práticos, por exemplo, no ensino da tecelagem, das conversas, da criação de animais domésticos, etc.
Os cursos de educadoras familiares, os cursos técnicos de donas de casa quase não é exagerado dizer-se que pululam pela Bélgica e pela França e há também numerosas escolas para preparar os seus dirigentes.
Na Itália deu-se o maior incremento à preparação da mulher para a vida rural, exaltando nela «o amor pela terra e o sentimento de satisfação, por representar uma parte vital na estrutura economia e espiritual do país».
Com o fim de realizar uma obra social e educativa, o ensino técnico especializado no ramo familiar e domésticos está tão divulgado nos países a que aludi que em França, por exemplo, o Sécrético Central des Loisirs chegou a criar uma secção exclusivamente masculina, onde se ministram a homens cursos de economia doméstica masculina, com noção de estética do lar, trabalhos domésticos e higiene familiar, e aí se preparam também os respectivos monitores.
É pena dizê-lo, mas, sob o aspecto político e social, entre nós não se tem dado o devido apreço à organização nacional das indústrias regionais e caseiras, onde a mão-de-obra é quase 100 por cento feminina.
A cada passo, e em especial para as mulheres, ouvimos falar nos perigos do urbanismo e todos estão de acordo em que é erro desenraizar das sua terras pessoas que aí poderiam resplandeceram melhor na plenitude do seu rendimento social.
Porque não havemos de prender às suas terras, por um maior e melhor desenvolvimento das indústrias locais, essas mulheres que, em busca de trabalho ou de diplomas que de futuro pouco ou nada lhes rendem, acorrem às cidades e que ali poderiam contribuir gradualmente para a sua economia nacional?
Quantas fontes de produção inexploradas ou insuficientemente aproveitadas num país de condições topográficas e climatéricas excepcionais como o nosso: a cultura dos frutos, a floricultura, a apicultura, a indústria de lacticínios, a criação de animais domésticos, a silvicultura, as conservas de frutas e carnes, os doces, nas suas tão variadas especialidades portuguesas, e a indústria de rendas, de tapetes, de malhas,
Página 443
1 DE FEVEREIRO DE 1947 443
etc.!..., mas para todas elas é preciso preparar bons profissionais.
Também a pequena aprendizagem feita na família do mestre, que às vezes era o chefe da própria casa, tende a desaparecer, e é pena; era ião carinhosa para os principiantes que aí recebiam os rudimentos profissionais da costura, dos bordados, de marcenaria, de entalhador etc., era tão simpática, socialmente, tão útil e algumas vezes tão nossa, tão tipicamente portuguesa! Hoje é possível que a aprendizagem feita apenas na tradição não baste. É preciso que se aperfeiçoe, simplifique e valorize pela aplicação que lhe puder ser feita dos progressos da ciência e da técnica moderna. No entanto, era tão fácil fazê-la in loco!
Não se diga -como o faz o parecer da Câmara Corporativa- que as indústrias regionais e caseiras de pouco valem. Pergunte-se à Madeira qual o montante do valor da produção dos lindos bordados feitos pelas 20:000 mulheres que aí se dedicam a essa indústria: 100:000 contos de valor de exploração anual nos últimos anos!
Sobre o capítulo de aproveitamento local da mão-de-obra feminina e suas vantagens muito haveria a dizer, e todo esse muito seria pouco numa época em que o trabalho feminino fora de casa e a consequente quebra da unidade familiar que muitas vexes daí resulta são aproveitadas e exploradas para servir ideologias contrárias à páz, aos princípios morais e à ordem social que deveria reinar entre as nações.
As indústrias caseiras e as indústrias regionais, embora as considerem de somenos categoria, têm, como se vê, a sua importância e valor na vida do País, e bem maior do que se julga a priori.
Com as facilidades de comunicações e futura electrificação geral do País é mesmo natural que esse valor cresça consideravelmente.
Em matéria de exportação devemos ter presente que não poderemos concorrer com a produção de outros países no que respeita à quantidade, mas poderemos, se o quisermos, fazer-lhes concorrência pela qualidade dos nossos produtos, e é nas indústrias regionais que podemos preparar mais facilmente produtos de qualidade.
Não creio que as pequenas actividades regionais, tal como em geral estão sendo desenvolvidas, sem orientação técnica definida e sem pessoal técnico devidamente adestrado, nos vão dar, em numerário, grandes «saldos credores» nas «contas entre as nações», mas também estou certa de que, modificadas aquelas condições, algum poderiam dar-nos e que o facto de serem consideradas numa reforma de ensino técnico profissional em nada vai diminuir a «verdadeira indústria, aquele fruto de uma técnica de sólidas raízes científicas que gera os artigos do grande comércio mundial, aquele comércio que dá trabalho aos homens e prosperidade às nações, aquele que tem verdadeiro peso na vida económica», conforme se lê a p. 6 do parecer da Câmara Corporativa que acompanha a proposta em discussão.
Sente-se que o relator deste parecer, ao tratar por forma tão diferente as grandes fontes de produção económica e as pequenas indústrias, ainda está impressionado pelo peso esmagador daqueles números, quase astronómicos, que traduzem, na economia dirigida da América do Norte, o fruto do labor das grandes empresas.
Henri Wallace afirma, porém, com toda a sua autoridade que não é esse o caminho do futuro e que este, longe de se encontrar nos grandes monopólios industriais, há-de encontrar-se nas pequenas indústrias, geridas com maior autonomia.
Colocando-me apenas na posição de membro de uma assembleia política e em resposta às afirmações do relator do parecer, ouso afirmar que, mesmo independentemente da opinião de Henri Wallace e embora o ensino técnico seja «essencialmente utilitário»; «embora lhe caiba o dever de estimular as pequenas actividades regionais», não irá perder-se por elas em «devaneios parnasianos», nem daí lhe advirá «perigo». «Porque nas contas entre as nações, tal como nas contas entre os indivíduos -é ainda o parecer que o diz-, só é estável a posição de quem logra saldo credor», e acrescenta: «não é fácil consegui-lo com os frutos do regionalismo, que, sobre ser económicamente débil, precisa de ser sóbrio, para não se tornar piegas».
Abstraindo do regionalismo piegas - também não gosto de pieguices -, sou de opinião, Sr. Presidente, que mesmo que fossem totalmente para desprezar os rendimentos das pequenas indústrias regionais da nossa terra, o já atrás vimos que nem sempre assim sucede, não só os saldos em moeda nos podem granjear apreço entre as nações.
Quando o «regionalismo» conseguir prender seriamente às suas terras grande número de mulheres que hoje se perdem pelas cidades em trabalhos, nem sempre lucrativos, quando o regionalismo conseguir que nos lares de algumas das nossas aldeias e em muitas casas das nossas vilas e cidades possa haver, pelo trabalho útil, honesto, bem orientado e ordenado das mulheres mais bem-estar e alegria, maior elevação de espírito e saber profissional, maiores virtudes familiares e domésticas, o seu fruto deixará sem dúvida de ser económicamente «débil», para se tornar capital sem preço, que fará inclinar para a nossa querida Pátria o prato daquela balança invisível onde, através da pureza de costumes de um povo, se pesa o seu património moral e espiritual e por isso mesmo a grandeza do seu futuro.
Um outro ponto que me impressiona na proposta é ver que na reforma do ensino técnico profissional não há uma única referência àquela organização nacional de alta missão educativa que o próprio Estado colocou junto da escola para completar a sua acção no que respeita u educação moral, física e social dos alunos.
Refiro-me à Mocidade Portuguesa masculina e feminina.
O Sr. Manuel Múrias: - Muito bem!
A Oradora: - Estão de sobejo demonstrados os inconvenientes pedagógicos da sobreposição de algumas das suas mútuas actividades no campo comum onde as exercem para que uma nova reforma de ensino, pela abstenção em abordar o assunto, sancione o erro cometido e, de acordo com as respectivas organizações, não tente corrigi-lo dentro da sua esfera de acção.
Quando pertencia aos quadros da Mocidade Portuguesa feminina tive oportunidade de me referir publicamente a esta falta resultante de desconexão havida entre o trabalho da Mocidade e o da escola; hoje, porém, que estou fora deles sinto-me mais à vontade para o fazer e particularmente para notificar à Assembleia que, em matéria de ensino técnico especializado paru raparigas, muito se tem devido à Mocidade Portuguesa feminina. É justo reconhecê-lo no decurso deste debate sobre ensino técnico profissional, e ai é curioso notificar que foi a Mocidade Portuguesa feminina que, pela primeira vez, levou às escolas técnicas algumas actividades que não constavam dos seus programas, como, por exemplo, a Educação Física e o Canto Coral.
O Sr. Manuel Múrias: - É pura verdade.
A Oradora: - Também à Mocidade Portuguesa feminina se devem cursos vários de educação familiar e a preparação do respectivo pessoal docente, sendo ainda, ela quem, em data anterior à existência do Instituto Nacional de Educação Física, promoveu os primeiros cur-
Página 444
444 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
sos oficiais de preparação técnica para monitores de Educação Física especializada para raparigas.
Também à Obra das Mães pela Educação Nacional se devem cursos técnicos de vários misteres caseiros, para não falar nas entidades particulares, que mantêm cursos técnicos de educação profissional feminina e dos quais apenas o Instituto de Serviço Social de Lisboa e a Escola Normal de Coimbra, segundo creio, têm alguns diplomas oficializados.
Qual será a orientação futura que esta proposta prevê para o seu trabalho e como o integra no quadro das outras actividades técnicas profissionais? E uma pergunta que gostaria de ver satisfeita e à qual já há pouco me referi por me parecer que a resposta- deveria ser considerada desta reforma.
O Sr. Marques de Carvalho: - Está na Mesa uma proposta de aditamento que naturalmente dará satisfação a V. Ex.ª; foi apresentada ontem pelo nosso colega Cerveira Pinto.
A Oradora: - Não ouvi o que disse esse Sr. Deputado e ainda não recebi o Diário das Sessões de ontem, de maneira que não sabia. Agradeço a informação de V. Ex.ª
Sr. Presidente: termino as considerações que desejava fazer à Assembleia.
Besta-me agradecer a todos V. Ex.ªs a imerecida atenção com que me escutaram e certificá-los de que confio absolutamente no trabalho de todos V. Ex.ªs para que a Assembleia possa encontrar a o solução nacional» do grande problema que neste momento estamos a discutir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
A Sr.ª D. Virgínia Gersão: - Sr. Presidente: ao subir pela primeira vez à tribuna quero prestar a V. Ex.ª a homenagem da minha profunda admiração, compartilhada, aliás, por todos os meus ilustres colegas, a quem neste momento renovo as minhas cordiais saudações.
Sr. Presidente: mais uma vez me convenço de que é bem preciso, antes de criticarmos os outros, tomar todas as precauções para que não sejamos injustos; e é bem necessário que meçamos as nossas forças antes de declararmos guerra seja a quem for.
Ora quem, como eu, habituada ao ensino secundário, precisando das mais pequeninas informações sobre o ensino técnico profissional, o estuda como eu o estudei, segue um caminho errado.
Não me poupei, contudo, a esforços, procurando informar-me conscienciosamente perante várias entidades dos estabelecimentos, de ensino técnico elementar e médio nas suas três modalidades: industrial, comercial e agrícola. Levou-me isto muitas horas durante alguns dias, e vi com desgosto que, como membro da Comissão, de Educação Nacional, nas nossas reuniões prévias não podia medir o meu saber pelo dos meus ilustres colegas, limitando-me muito mais a pedir esclarecimentos do que a fornecer ideias.
Porque o não hei-de confessar? Pois bem: analisando a proposta do Governo e o parecer da Câmara Corporativa, tive também a impressão de que se não tratava de nada extraordinário e parecia-me impossível que pessoas inteligentes, encarregadas há tantos anos de uma reforma destas, tivessem produzido tão pouco.
Sr. Presidente: é que eu também queria que o primeiro trabalho fosse o de fixar radicalmente um plano geral de estudos, em que, partindo-se do ensino infantil, seguido do primário, bem caracterizado, bem definido, os outros graus- do ensino fossem ocupando devidamente os seus lugares, com um encadeamento lógico, com programas limitados, que em grau nenhum (embora isto parecesse um contra-senso) pudessem depender do arbítrio dos mestres, para que, entre outras razões, se evitassem rivalidades de escolas, em que os sacrificados directamente são sempre os alunos e indirectamente o Estado. O que é útil aos alunos de uma escola tem fatalmente de ser também útil aos de todas as outras de funções iguais; o supérfluo a nenhuns convém. Era isto que eu queria ver e era a falta de tudo isto que queria condenar.
Tive a felicidade de poder trocar impressões com o ilustre Prof. Dr. Sousa Pinto, que tanto considero) e tanto admiro, e que teve a bondade de me mostrar o relatório da comissão da reforma do ensino técnico, cuja leitura não só me deixou absolutamente elucidada como profundamente comovida.
Com uma adoração inata pelas modernas revoluções pedagógicas, que muitas vezes tenho seguido com desalento, estava convencida de que, apesar dos bons desejos dos legisladores, a actual reforma do ensino técnico, como se estava a empreender, devia ter pouca importância; mas depois da leitura desse trabalho de incontestável valor não posso deixar de dizer que, feitas algumas alterações, ela merece os maiores, elogios da Nação. Assim o Estado possa fazer face às pesadíssimas despesas, que essa reforma acarreta.
Tenho a impressão de que, se muitos dos meus Exas colegas daqui da Câmara -cujas opiniões respeito profundamente, porque tudo quanto é sincera é grande- tivessem tido a Aventura, que eu tive, de lhes- ter sido chamada a atenção para esse esplêndido relatório, teriam talvez alterado, pelo menos em parte, muitas das suas afirmações.
Sr. Presidente: tenho a maior veneração por todo o trabalho honesto, ainda que esse trabalho esteja cheio de erros. E que, se é honesto, devemos ver que se procurou nele acertar. Não se pouparam esforços para o conseguir; representa muitas angústias, muitas torturas, muitas horas de sacrifício, porque quando nos colocamos em frentei de um problema desconhecido a tarefa de nos adaptarmos a ele e de o adaptarmos a nós mesmos até obtermos uma solução satisfatória é um trabalho bem árduo.
Li, pois, com o maior entusiasmo, como já disse, o relatório da comissão encarregada da reforma do ensino técnico; há nele, como é natural, ponto» que se não ajustam com a minha forma de ver, mas nem por isso deixo- de o considerar um trabalho muito bem feito sobre o ensino industrial e comercial, lamentando apenas que o agrícola não tivesse sido estudado com igual profundeza.
Se o ensino técnico elementar e médio, nas suas três modalidades, está tão mal, como se reconhece, penso que se não pode voltar as costas a quem honestamente procura resolver os seus múltiplos problemas.
Rejeitar a proposta do Governo -perdoem-me os meus Exa. colegas que forem dessa opinião - sem sequer procurar ajudar os que pretendem uma solução urgente para o que se reconhece que está num estado tão calamitoso é contribuir voluntariamente para que essa triste situação não melhore.
Parece-me por isso mesmo que, feitas algumas alterações à proposta, só se deve ter pena se o Estado não puder tentar a prova.
Sr. Presidente: um programa geral de estudos tem de assentar, necessariamente, em determinados princípios filosóficos que regem, mais ou menos, todo o Mundo. É desses princípios que devem surgir as linhas gerais da educação da Humanidade, fazendo delas irradiar
Página 445
1 DE FEVEREIRO 1947 445
outras, em harmonia com a psicologia e a índole de cada povo, as necessidades e os recursos de cada, Nação.
Nos princípios de Aristóteles, nascido quase quatro séculos antes de Cristo, assentou ainda- todo o saber da Idade Média; os de Bacon, depois, revolucionaram o Mundo: a dialéctica e o raciocínio silogístico foram substituídos pelo estudo concreto da realidade, pela observação directa da natureza, pela indução, que levava à interrupção lenta e paciento dos factos e permitia descobrir as leis gerais; o Discurso do Método, de Descartes, foi, no domínio das letras e das ciências exactas, o mesmo que o Novum Organum no das ciências naturais.
E todo o Mundo, fascinado pelo brilho dos princípios cartesianos, os aceitou e os deixou estender de tal modas suas raízes que muitos deles são considerados os grandes princípios da pedagogia moderna.
Sr. Presidente: Sei que se tem censurado os legisladores por se copiar, às vezes, o que se faz no estrangeiro; mas se um plano de educação e de instrução deve assentar em princípios filosóficos de carácter universal e há nações em que determinados ramos estão tendo um desenvolvimento extraordinário, marcando um verdadeiro progresso sobre o que existia antes, o Estado só merece o nosso elogio fazendo, como tem feito, o estudo conveniente do que se passa lá fora, procurando adaptá-lo às nossas necessidades, investigando até que ponto nos será útil e possível seguir o mesmo caminho e marcando a altura em que devemos abandoná-lo.
Pois foi isto tudo que vi no relatório da comissão da reforma do ensino técnico; vi a clareza com que o problema era exposto, a precisão com que eram analisados os aspectos gerais deste ensino; admirei o método seguido pela comissão nos seus trabalhos, os seus inquéritos, os seus planos.
O ensino pré-profissional, que eu há muito já defendia, vem aí estudado largamente nos seus antecedentes, finalidades e características, nos objectos do ensino, etc.
Dos trabalhos manuais educativos - considerados na sua importância como actividade escolar, no conteúdo da aprendizagem, na sua influência sobre a orientação profissional - faz-se um estudo primoroso.
O modo de articular estas escolas com o ensino primário e com as escolas secundárias vem aí expresso com clareza e precisão.
E tudo isso eu ignorava que estava feito e por isso me parecia a reforma tão incompleta!
Ora, ainda que continue a defender, como essencial, o tal plano geral de estudos, penso que se pode muito bem acudir agora às necessidades imperiosas do ensino técnico, sem o prévio estabelecimento dessa rede geral, que não tardará, por certo, a aparecer.
A articulação está feita; não me parece que a futura reforma dos graus de ensino que a precedem e a seguem possa contribuir para alterações profundas. Quando muito, poderá haver pequenas arestas - que facilmente se limarão depois - no encadeamento lógico dos programas.
Sr. Presidente: dividido convenientemente o ensino num certo número de graus, o essencial é saber definir o que deve constituir os programas de cada um, em harmonia com as suas necessidades; depois estabelecer entre eles o tal encadeamento lógico.
Penso que devia haver primeiro todo o cuidado com o ensino infantil, visto que, entre outras razões, a mulher portuguesa imo está ainda educada de modo a podermos suprimi-lo. O papel da escola, nessas primeiras idades, será muito menos o de instruir do que o de educar.
Ensinar a criança a familiarizar-se com os seus condiscípulos, a ser alegre e comunicativa, sincera e leal, a saber ter respeito pelo tempo, dando a cada hora o que lhe é devido - alegria e movimento ou quietude e concentração -, parece uma coisa insignificante, mas tem um profundo significado pedagógico, porque é, a final, prepará-la não só para o ensino primário, que se segui;, como até - o que é d t- bem maior alcance - para a própria vida.
Ensiná-la a concentrar-se quando for preciso é importantíssimo, repito, porque a criança de hoje não sabe ouvir.
É esta uma das causas que mais contribuem para a gelada indiferença dos nossos alunos do ensino médio e até do superior.
A sabedoria popular, nos seus vários aforismos, bem nos mostra que se não devem descurar os problemas destas primeiras idades: «De pequenino ...».
É na escola infantil que deve ter o seu início a aprendizagem dos trabalhos manuais, que tanto divertem as crianças e que são de tão grande- alcance sob o ponto de vista pedagógico; é já na escola infantil que se pode aumentar consideravelmente o seu restrito vocabulário, obrigando-as a reproduzir, embora auxiliadas, pequenas histórias, cenas da vida quotidiana, etc.; é lá também (jue se pode formar o seu carácter, dar-lhes a primeira pedra que lhes sirva de base, quando não tiverem a felicidade de a trazer já de casa.
Mas, mesmo que a tragam, será a continuação do edifício a construir.
Definido o papel deste- primeiro ensino - em que o cérebro da criança se não sobrecarregará com coisa alguma que aparentemente possa parecer que pesa -, seguir-se-á o primário, que ne parece bem definido se conseguirmos obter das crianças que elas saibam ler, escrever e contar.
É claro que é preciso pensar também nas que não continuam os seus estudos, isto é, naquelas que se limitam a este grau de ensino; para essas é realmente preciso um fundo de conhecimentos gerais, que devem ser estudados pelo pedagogo e pelo legislador com verdadeiro carinho.
Parece-me, pois, indispensável uma subdivisão deste ciclo, a não ser que se veja possibilidade de estas crianças frequentarem, também obrigatoriamente, as escolas pré-profissionais, com o que só teriam a ganhar.
É tempo de falar agora dessas escolas.
Se o Estado puder levar a cabo tão grande empresa, não tenho dúvida alguma sobre o seu resultado prático; mas...
Sr. Presidente: pergunto se há, na verdade, em Portugal, onde tanto escasseia o amor sincero pelas modernas actividades pedagógicas, pessoal docente para se pôr em prática esse ideal, que já preocupou tantos homens de saber e a que deu uma forma verdadeiramente feliz e inteligente o ilustre Prof. Dr. Oliveira Guimarães, que soube tão bem definir as características do ensino pré profissional, tomando como base a capacidade discente dos alunos, o processo educativo e as necessidades da nossa organização social.
Sei que reduzir o ensino pré profissional apenas àquilo que a instrução primária dá é falsear-lhe o seu fim. Agora é o trabalho oficinal que se pede e o trabalho do campo; é especialmente a inteligência viva do professor e descobrir nos trabalhos manuais a capacidade profissional dos educandos.
Contudo, se não houver professores devidamente habilitados para exercerem estas funções - e penso que os não há -, não exijamos do Estado, por enquanto, a criação das escolas pré-profissionais; pensemos primeiro em preparar professores para elas.
Página 446
446 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
Fique assente como coisa futura a sua criação; mus não se cometa o erro de levar, ainda que provisoriamente, para esses lugares professores que não apresentem as duvidas habilitações.
Até lá remediemo-nos com o que as escolas primárias nos possam dar - e dão talvez muito mais do que V. Ex.ª julgam.
O trabalho do professor primário é, aparentemente, apagado, mas vai às vezes muito longe lia sua missão delicada.
Entre esses professores também se encontram verdadeiras capacidades, que rivalizam com as melhores dos outros graus do ensino.
Sr. Presidente: - Sei quanto repugna a mentalidade de hoje ir buscar uma coisa que já foi há muito posta de parte como inútil ou até como produtora de maus frutos; penso, contudo, que, à luz de um justo espírito criterioso, haveria, «por vezes, vantagens em rever certas concepções pedagógicas, passar os olhos por antigos programas e pedir à pedagogia moderna a razão desses maus frutos.
Penso que aos programas do meu tempo só devia ter faltado a competência profissional da maior parte daqueles que estavam encarregados de os pôr em prática.
Analisando os que agora são indicados para o ensino pré-profissional, que a base III da proposta do Governo oferece à discussão desta Câmara, e recordando os da instrução primária dos meus tempos de menina, tive, confesso, uma sincera alegria.
Pareceu-me que voltávamos atrás, àqueles suaves programas sem acumulações forçadas, em que- a criança tinha tempo para repetir à vontade, registando assim a valer aquelas noções que lhe haviam de ser precisas pela vida fora, decorando quase os trechos do seu livro de leitura, que lhe deixavam no ouvido uma certa cadência, uma musicalidade que a ensinava a redigir bem - porque também aprendia certas construções, que registava para sempre.
Ditados, cópias, leitura, contas e problemas nunca são de mais nestas primeiras idades. E era nisto que praticávamos a valer.
Quando, anos mais tarde, me encontrei no liceu a reger a cadeira de Português do 5.º ano fiquei dolorosamente surpreendida ao ver que aquelas crianças, já com um certo desenvolvimento, habituadas ao meio culto da cidade, se exprimiam e redigiam pior que as minhas pobres companheiritas de escola, filhas de moleiros ou doutras pessoas humildes.
E que, dantes, quem não sabia ler bem ou dava três erros no ditado já não passava no exame, e por isso era vulgar ficar na 4.ª classe dois ou três anos, a preparar-se convenientemente.
Passemos então os olhos pelas matérias deste ciclo pré-profissional, que, como V. Ex.ª sabem, formam as seguintes unidades docentes:
Língua e História Pátria (não posso concordar, como já expus aos meus Exa. nos colegas da Comissão de Educação Nacional, com o facto de estas duas disciplinas poderem formar uma única unidade docente; mas reservarei as minhas considerações para a altura em que se tratar da discussão das bases);
Ciências Geográfico-naturais; Aritmética e Geometria;
Desenho Geral;
Caligrafia (no parecer da Câmara Corporativa é eliminada esta disciplina); Trabalhos Manuais; Educação Moral e Cívica; Educação Física; Canto Coral.
São perfeitamente os meus antigos programas de instrução primária vistos à luz da pedagogia moderna: acrescentamento de Trabalhos Manuais, Educação Física e Cauto Coral; união da Educação Moral com a Cívica.
O resto é, tal qual, o que nós tínhamos. E não quero mesmo deixar de registar uns pequenos incentivos que vinham das frequentes reuniões dos professores, em que os inspectores escolares e outras entidades lhes faziam ver a necessidade de habituar as crianças a fazer barquinhos de papel, caixas e outras coisas simples, a modelar o barro (a plasticina era um grande luxo!), a fazer cestinhos de verga, de ráfia ou de junco, a executar, mesmo em madeira, alguns instrumentos de lavoura...
Não havia ginástica, mas já se não permitia que as crianças tomassem nas aulas posições defeituosas (conheciam-se os perigos da escoliose), e os recreios ao ar livre eram aproveitados com verdadeiro delírio.
Só aí se ouvia o canto, quando as crianças, cansadas do jogo das escondidas, da barra ou dos quatro cantinhos, começavam as suas danças de roda. Só aí, não; porque, ainda que raríssimas vezes (no meu tempo escolar só uma), ia às escolas (primárias um professor de canto ensinar hinos escolares.
Pelo que diz respeito à Educação Moral, o livro de Português, maravilhosamente bem feito, da autoria de). João da Câmara, Maximiliano de Azevedo e Raul Brandão, com á seus trechos adequados, dava lugar a justas observações dos mestres, ao alcance dos alunos.
Também serviam de assunto para pequenas palestras morais qualquer incidente ocorrido na aula ou meros acontecimentos da aldeia.
Temos de confessar que este (programa constituía um pequeno fundo de saber que acompanhava as crianças pela vida fora.
Ora, quando me referi à necessidade de unia subdivisão no ciclo da instrução primária, pensei justamente em dar àquelas crianças que não continuassem os seus estudos esta pequena base indispensável.
Sr. Presidente: espero, com firme convicção nos seus óptimos frutos, a criação de escolas de ensino pré-pro-fissional, em íntimo convívio, como a proposta preconiza, com as escolas técnicas.
Deslumbrados pelo magnífico prisma por que o ilustre Prof. Oliveira Guimarães viu este problema - quando se procurava essencialmente a forma de preencher aqueles dois anos que medeiam entre o ensino primário e o técnico, dando aos estudos desse período um carácter de orientação profissional -, irão vimos talvez que não era ainda (e tanto mais que: não há pessoal docente para isso) o momento oportuno para esse sacrifício do Estado.
O analfabetismo em Portugal vai além de 50 por cento, como se sabe, e nem sequer temos ainda, apesar dos esforços do Estado neste- sentido, que têm sido bem importantes, escolas primárias em número suficiente e convenientemente apetrechadas.
É certo que há muitas de construção moderna; mas, em geral, aproveitam-se para salas de aula divisões horríveis, sem condições de higiene, de iluminação e ventilação; as crianças, no inverno, sem aquecimento algum, tiritam de frio; chegam às vezes molhadas e enxugam no corpo as suas roupitas pobres.
É este o triste panorama da maior parte das nossas escolas.
Como se pode assim exigir delas um rendimento útil? Como forçar crianças que têm frio, e muitas vezes fome, a prestar atenção ao que o professor explica?
E os professores primários - posso afirmá-lo com segurança, porque tenho o curso da antiga Escola Normal Primária de Coimbra - vão hoje muito menos prepa-
Página 447
7 DE FEVEREIRO DE 1947 447
rados para o exercício das suas funções do que iam no meu tempo.
Contudo, agora estuda-se mais; mas parece-me que se estuda pior.
Para admissão a essas escolas havia, nesse tempo, um exame, de nível 1 equivalente ao do 3.º ano do liceu (ou então o diploma desse exame); o curso das escolas normais primárias era de três anos, com rigorosíssimas práticas pedagógicas; agora exige-se o 6.º ano dos liceus, um exame de admissão, de nível muito inferior ao do 6.º ano, e dois de escola normal.
Tenho também o curso para professora destas escolas; exerci as minhas funções aqui em Lisboa, na de Benfica, e não concordo, absolutamente nada, com o que se faz actualmente.
Ora, Sr. Presidente, se o professor estivesse convenientemente habilitado, como devia estar, poderia evitar-se ao Estado, ao menos por enquanto, a despesa a fazer com as escolas pré-profissionais.
Como hei-de eu exprimir-me?
Julgarei, porventura, que estas não sejam de muito maior alcance que as escolas primárias, especialmente se puderem funcionar junto das oficinas?
É claro que não.
Nada há para o aluno que queira seguir um ramo técnico como a familiarização com o mundo das- indústrias; se a escola primária o pode iniciar no conhecimento dos materiais em uso, dos produtos correntes e, até certo ponto, da transformação das matérias-primas, temos de confessar que só com o auxílio do cinema - porque os mapas não bastariam - a criança poderia fazer nina ideia aproximada do que seriam essas transformações e dos trabalhos que exigem.
Mas o cinema não a deixa experimentar, e às vezes, perante a sua pouca aptidão para certos trabalhos, a criança desanima e desinteressa-se; outras vezes dá-se o contrário: é justamente a revelação da sua habilidade que a chama para determinado rumo.
Sem experimentar não se torna responsável pela realização de um projecto, não conhece a alegria compensadora do ter vencido, que lhe há-de dar incentivo para maiores obras, no seu desejo de fazer mais e melhor.
Em convívio com a máquina o aluno vai conhecendo os seus segredos, vai-se interessando por ela. Vai vendo, vai aprendendo.
Mas os seus trabalhos manuais - diz-nos ainda a proposta - do Governo - «serão do oficina - preferentemente de modelação de madeira, de metal, de costura e análogos; ou de campo- designadamente de jardinagem, de horticultura», etc.
Eu penso que está no espírito da proposta que o aluno, praticando sempre em coisas simples, acessíveis, só pratique verdadeiramente, no rigoroso sentido da palavra, no ciclo profissional.
Os trabalhos manuais do ciclo pré-preparatórios têm, especialmente, em vista descobrir vocações profissionais.
Mas a criança só tem 11 ou 12 anos. Outros centros de maior interesse podem surgir depois que a obriguem a seguir novos rumos.
Ora eu penso que se esses dois anos se puderem aplicar no sentido de o aluno ficar com uma base sólida de conhecimentos úteis, ainda que muito simples, já se não perde tudo. Aos 13 ainda se pode muito bem descobrir - e até melhor que aos 11 - a vocação profissional da criança.
Bem sei que é, pelo menos, um ano perdido, se se vir que a não tem no ramo que escolheu.
Mas é o que acontece em todos os cursos: o aluno que não triunfa ... desiste.
Volto, pois, a crer, quase em absoluto, nas virtudes de uma boa instrução primária.
Por isso atrevo-me a pedir a obrigatoriedade desse ensino primário de continuação não só para as crianças que não seguem os seus estudos como para as que desejam entrar nas escolas técnicas.
Sr. Presidente: nenhuma reforma triunfa sem o concurso de duas condições fundamentais: a primeira é a rigorosa escolha do pessoal docente, capaz de fazer da sua carreira um sacerdócio e não só um ganha pão; a segunda reside essencialmente na organização e adaptação dos programas, na amenização da parte teórica pela introdução de práticas acertadas.
É evidente que se um programa estiver bem feito, se nele se atender ao máximo que se deve ensinar em harmonia com a capacidade média dos alunos, tudo o que ultrapassar esse limite é demais: sobrecarrega-lhes o cérebro, compromete a acção educativa do professor.
Se o programa estiver bem feito e o mestre for digno desse nome, só serão maus alunos os que não tiverem capacidade para deixar de o ser.
O que é indispensável é que nos diferentes graus do ensino se vá a pouco e pouco dando profundeza ao que se ache essencial, excluindo sempre de cada ramo o que, além de um certo limite, revista nesse ramo uma importância diminuta.
O vício actual, logo no começo dos estudos, é encher o cérebro dos alunos de coisas que pouco valem; e, a propósito de os habituarmos a raciocinar depressa, nem vemos que os tornamos quase autómatos.
E qual é o resultado prático de tal sistema?
Uma falta de atenção crescente, que se torna, dia :i dia, verdadeiramente aflitiva; um desinteresse, quase geral, que domina turmas inteiras.
Há quem torne o cinema o principal responsável por este estado de coisas; outros culpam disso a futilidade ou a indiferença do meio em que as crianças vivem; outros, ainda, a liberdade que os pais dão agora aos filhos.
Embora estes elementos sejam poderosos factores, a considerai, para mim a verdadeira causa da distracção dos alunos reside essencialmente na falta de adaptação dos programas.
Em todos os tempos houve divertimentos para crianças, embora em menor escala, e também, como hoje, infelizmente, lares onde as palavras «educação» e «instrução» eram formadas por letras mortas; toda a gente sabe que muitas vezes se aproveitam inteligências medíocres, sem se recorrer à mais leve sombra de orientação profissional, marcando-se de antemão o caminho que a criança há-de seguir.
E um hábito, mas um erro.
Também é certo que as condições sociais do nosso povo, seguindo a marcha geral da Humanidade, se tem alterado nos últimos tempos, e que toda a gente, qualquer que seja a sua esfera, quer que os filhos estudem, sem procurar saber da sua capacidade intelectual - mas isto também não é novo: é uma questão apenas de nivelamento das classes sob o ponto de vista intelectual.
Ora em todos os tempos houve crianças que seguiram os seus cursos sempre direitinhas e outras que tropeçaram no seu caminho; mas o problema que agora nos preocupa é outro:
Há alunos que vencem, que são inteligentes, mas que vão ouvindo as lições do mestre com uma indiferença glacial, mais ou menos distraídos quase sempre, sem chegarem a ser o que se podia esperar deles.
Parece-me que aqui só há dois caminhos a seguir: ou tornar o professor culpado, visto que não sabe pedagogicamente conduzir a lição, estimulando os alunos, criando o interesse na aula, dando vida e movimento à classe, ou então culpar as programas.
Ora, para mim, são eles, como já disse a V. Ex.ªs, o principal factor da distracção da criança.
Página 448
448 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
Não os acho adequados- à idade dos alunas nem vejo que se parta, como o exige rigorosa mente o primeiro princípio da verdadeira pedagogia, do mais simples para o mais complexo, do geral para o especial.
Sobre este assunto D que eu tinha a dizer!...
E apavora-me também pensar que até já na instrução primária se exige das crianças de menos de 10 anos uma rapidez do cálculo e de raciocínios que não podem deixar de ser condenados pela psicologia infantil.
Tenho a absoluta certeza do que nunca teria triunfado com um sistema destes. A ideia do tempo marcado sempre me afligiu se não havia então a série de problemas que hoje há a resolver.
Nunca desperdicei o tempo nem fui vagarosa nos meus cálculos, mas gostava de tirar a contraprova, de empregar, por vezes, mais do que um processo, de ler a certeza de que entregava os pontos bem.
Agora os alunos, com receio de que o tempo lhes falte, nem verificam as operações!
Tenho visto que a criança raciocina hoje mais depressa, mas raciocina, pior, ou, se mo é permitida esta expresão, que raciocina automaticamente, porque está habituada à velocidade e nem tempo tem para raciocinar de outra forma.
E não é só nas matemáticas e nas ciências que isto se verifica, é em tudo: as redacções são também menos cuidadas (quase nunca há tempo de fazer o rascunho), as palavras repetem-se, as ideias poucas vezes são felizes.
Qual é o proveito que se tira de uma velocidade assim?
Se é corto que a moleza dos alunos nos enerva e que é preciso fazê-los saber aproveitar o tempo, devemos ter respeito pelos raciocínios da criança e dar-lhe tempo para os formular.
Porque será que um aluno excepcional nos liceus se não salienta, em regra, nos cursos superiores?
Sei que há muitos factores que podem contribuir para isso, mas estou convencida de que somos nós, os professores, no nosso desejo de apresentar os alunos, muito bem, fazendo-lhes ingerir uns programas que são contra a sua própria natureza, os principais responsáveis, por este estado do coisas.
O cérebro da criança satura-se e a reacção vem depois.
Os alunos que fizeram os seus cursos médios com doses iguais de inteligência e de cabulice, que tendo capacidade para serem os «ursos» se contentaram com o não faltar às aulas e estudar o suficiente para garantirem a passagem, são, em geral, os que mais triunfam depois.
E porquê? Porque não estão exaustos, porque tem ali, quase intactas, todas as forças vivas a que podem recorrer mais tarde.
Sr. Presidente: as nossas crianças de hoje estão sobrecarregadas demais. Têm um trabalho inútil e violentíssimo.
Sei bem como devem ser aproveitadas cedo as boas condições, de um cérebro que tudo regista, e é claro que é bom que a criança tenha desde pequenina hábitos de trabalho; é indispensável que vá compreendendo que a vida não é só brincadeira. Mas que a essa criança, em pleno desenvolvimento físico, cheia nas primeiras idades da necessidade de brincar e pular, se negue o que é, afinal, a sua vida e se permita que tenha todas as noites os olhitos a fechar-se com sono e uma série infinita de problemas por fazer, a redacção por passar, regras frios do gramática para meter na cabeça, porque a História e a Corografia lhe levaram o pouco tempo livro durante o dia, é o que se chama, penso eu um crime!
Obrigam-se hoje crianças de 9 e 10 anos, naquilo que aprendem, a um rigor que dantes nem aos 15 se exigia.
E para quê? Para meses depois já nada saberem.
A História de Portugal, por exemplo, só torna a dar-se, se seguem o liceu, no 6.º ano, e a memória das crianças, sem as repetições necessárias, vai perdendo também, pouco a pouco, os conhecimentos adquiridos, não levando talvez mais tempo a esquecê-los do que tinha levado a armazená-los.
Todo o dispêndio do energias é um dispêndio de vida.
Ora, não se entende que se tenha ensinado senão uma coisa útil; se o é, e levou trabalho a reter-se, será positivamente antipedagógico deixar a criança perder o seu esforço, obrigando-a anos depois, sem necessidade, a uma nova despesa de energias.
Sr. Presidente: com estas largas considerações, que ião pouco valem, quis também oferecer à grande causa da nossa educação o meu insignificantíssimo tributo.
Tenho pena da não dar mais, e sobretudo melhor.
Possam estas simples considerações, filhas de uma já bem longa prática de ensino, contribuir para que sejam melhoradas as actuais condições da educação da criança portuguesa
Disse.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Marques de Carvalho:- Sr. Presidente: pedi a palavra, como relator da Comissão de Educação Nacional e no intuito de esclarecer devidamente a Câmara, para me referir às considerações de alguns dos nossos colegas que possam envolver contradição com as afirmações por mim produzidas aquando da abertura deste debate.
A primeira coisa a marcar, Sr. Presidente, é que eu não sou, do qualquer forma, um defensor oficioso da proposta.
Trouxe aqui, como regimentalmente me cumpria, o pensamento da Comissão de Educação Nacional, que, considerando a proposta como digna de aplauso, defende & sua aprovação na generalidade e apresenta, para a discussão na especialidade, várias propostas de alteração e substituição.
Sempre que eu não traduzi objectivamente o pensamento da Comissão tive o cuidado de salientar que estava a exprimir opiniões de carácter pessoal.
Vem isto a propósito da pretensa contradição que o ilustre Deputado Moura Relvas julgou ver entre o meu discurso de agora e as minhas afirmações de Março de 1935, aquando da discussão do plano de estudos que propus para o ensino secundário. Defendi então, por sinal contra a opinião do Dr. Moura Relvas, que me orgulho de haver conquistado para o meu ponto de vista, que o 1 .º ciclo de cultura geral a ministrar nos liceus deveria ser de três, e não de dois anos. Pergunta-me ele agora como é que eu venho defender a duração de dois anos para o ciclo preparatório a criar pela reforma.
O Sr. Moura Relvas: - Eu não protestava contra B, duração do curso de três anos; eu protestava contra a orgânica desse curso, o que é diferente.
O Orador: - Não esteja V. Ex.ª a misturar problemas.
V. Ex.ª acusou-me de contradição e eu estou a dizer que não houve contradição e a felicitar-me por em 1930 ter conquistado V. Ex.ª para o meu ponto de vista.
É evidente que não há qualquer contradição. Os objectivos, num caso e noutro, são totalmente diferentes. Eu mesmo marquei a discordância minha e da Comissão de Educação Nacional com u pensamento que a Câmara
Página 449
14 DE FEVEREIRO DE 1947 449
Corporativa exprimiu no sentido de vir, de futuro, esse ciclo preparatório a substituir os dois primeiros anos do curso liceal. Mas o que eu quero frisar ao meu querido amigo Moura Relvas é que poderia mesmo haver a tal contradição sem que o facto pudesse merecer os seus reparos.
Em 1935 tratava-se de um projecto de lei da minha iniciativa e exclusiva responsabilidade. Os meus discursos traduziam então as minhas opiniões pessoais. Agora falei em nome da Comissão de Educação Nacional, o que me parece ser inteiramente diferente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Antes, porém, de analisar o discurso do Sr. Dr. Moura Relvas, quero referir-me ao do nosso ilustre colega Sr. Ribeiro Cazaes.
Eu tenho, Sr. Presidente, a maior consideração e apreço pelo soldado valoroso da Revolução Nacional que é o capitão Ribeiro Cazaes. Estou de acordo em tudo quanto disse ao considerar que o Estado Novo precisa de uma obra de envergadura pela educação nacional, em ordem à valorização da juventude que tem de receber de nós o facho olímpico da Revolução.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parece-me, porém, que das suas palavras não pode legitimamente extrair-se fundamento lógico para a moção que apresentou. Quanto a uma reforma geral de ensino, já tive ocasião de dizer que, aqui e lá fora, os mais autorizados pedagogos consideram melhor método de trabalho o das reformas parcelares, convenientemente seriadas de forma a virem a constituir um conjunto harmónico. Um esquema geral básico, esse, eu mesmo o defendi, mas a sua falta por si só não retira os méritos que possam existir na proposta e que o Sr. capitão Ribeiro Cazaes não provou que não existissem.
O Sr. Moura Relvas: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - V. Ex.ª pode interromper-me as vezes que quiser, mas, contra o meu costume e por força da minha qualidade de relator, tenho de seguir de perto os apontamentos que tomei durante o debate para rebater várias afirmações aqui produzidas por V. Ex.ª e, assim, nem sempre poderei ter o espírito suficientemente liberto para responder às novas interrupções de V. Ex.ª Mas fá-lo-ei o melhor que puder.
O Sr. Moura Relvas: - Eu pedia a V. Ex.ª que me esclarecesse sobre o seguinte: nos países onde se tem feito reformas parcelares não haverá já estabelecido e organizado um plano geral educativo que dispense a organização dum esquema de conjunto?
O Orador: - Gustavo Le Bon diz que é uma fraseologia oca o tal plano geral e Léon Bérard diz a mesma coisa. O que V. Ex.ª deveria fazer era trazer à Câmara duas ou três citações do igual autoridade contrárias àquelas, e não perguntar-me a mim.
O Sr. Moura Relvas: - Eu não tenho que fazer essas citações. Eu verifico esta tragédia: estamos sem educação da juventude.
O Orador: - Pois o que se procura é atenuar essa tragédia.
Mas, continuando, Sr. Presidente, a referir-me ao discurso do ilustre Deputado Ribeiro Cazaes, direi que o seu símile da «peça da máquina» não colhe, e ,muito menos o dos «cinquenta remendos» a essa peça. É precisamente peça por peça que uma máquina só renova e aquilo a que chama «remendos» não é mais do que a série de afinações necessárias a todas as peças de bom fabrico antes de serem dadas por prontas.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Mas sem limadelas...
O Orador: - A lima não deixa de ser um instrumento do afinação...
Continuando, direi, Sr. Presidente, que a leitura que o ilustre Deputado fez de passos isolados do parecer da Câmara Corporativa poderia - como logo adverti em aparte - induzir em erro quanto às conclusões que é lícito extrair desse parecer.
Seria fácil respigar nesse longo e brilhante documento igual número de passos em que a Câmara Corporativa exprimisse o seu apoio e aplauso à proposta, sobretudo quando a considera em globo, o que, manifestamente, interessa mais do que as discordâncias de pormenor. O tom geral do parecer é, logicamente, crítico e não apologético, reflectindo, por vezes, como que um choque entre um conceito que eu considero extremamente tecnicista e o sentido essencialmente educativo da proposta. Nada se vê, porém, concretizado que autorize a tomá-lo como fundamento de uma rejeição.
É assim que, Sr. Presidente, considero a moção do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes como deficientemente fundamentada, quer pelos argumentos produzidos, quer pela menos exactidão com que pretende basear-se no parecer da Câmara Corporativa.
O discurso do Sr. Dr. Moura Relvas, esse, apresentou-se como um ataque substancial à reforma em projecto.
Eu tenho a maior consideração pelo Sr. Dr. Moura Relvas e sou mesmo velho admirador das suas invulgares qualidades de inteligência e argúcia mental, mas, Sr. Presidente, ele vai desculpar-me que, quanto à forma como encarou esta proposta, eu julgue ter-lhe descoberto certos sintomas de visão daltónica.
O Sr. Moura Relvas: - Não uso óculos.
O Orador: - É que, de facto, o Sr. Dr. Moura Relvas tanto atacou coisas que a proposta não contém como defendeu pontos de vista que transparecem nítidos em algumas das suas bases.
E quanto a contradições? Não são aparentes e distanciadas de doze anos como as que julgou ver entre as minhas afirmações de agora e as de 1930. São reais e distanciadas apenas do alguns minutos...
Risos.
Chama ensino do «rasoira» ao do ciclo preparatório, discordando do seu carácter geral, indefinido. Parece querer, assim, um ensino diferenciado logo à saída da instrução primária, tendo a criança 10 ou 11 anos e, portanto, deficientemente despertas as suas tendências.
Logo adiante, porém, cita laudatòriamente Gemelli. Ora este distinto psicólogo italiano afirma que mesmo aos 14 anos não se pode ainda tomar como definitiva a definição da personalidade e das tendências do aluno.
O Sr. Moura Relvas: - Mas a diferença está no seguinte: quando digo que o ensino do aluno deve ser diferenciado depois da escola primária...
O Orador : - Antes de V. Ex.ª continuar eu peço ao Sr. Presidente para descontar todos os minutos de interrupção, dado o tempo limitado do Regimento .
O Sr. Botelho Moniz: - Isso plagiato...
O Orador: - Sim, aprendi com V. Ex.ª a reivindicar a plenitude do tempo regimental...
Página 450
450 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
O Sr. Moura Relvas: - Quando eu disso que era necessário diferenciar o estudo dos alunos logo após a escola primária, obedecendo a características que tive ocasião de mencionar sobre este assunto, tratei do problema que interessa à pedagogia pós-primária, isto é, abordei o problema ...
O Orador: - Mas V. Ex.ª não pode estar a fazer daí um discurso. V. Ex.ª interrompeu-me para desmentir que tivesse dito que deve diferenciar-se logo ao 10 anos o estudo dos alunos? Quererá também dizer que Gemelli sustenta tal doutrina?
O Sr. Moura Relvas: - Mas V. Ex.ª está em plano diferente do das minhas considerações.
O Orador: - Mas eu é que defino o plano em que pretendo colocar-me. V. Ex.ª defendeu a diferenciação logo aos 10 anos e, depois, referiu-se laudatòriamente a Gemelli. Há contradição evidente.
O Sr. Moura Relvas: - Suponho que não há.
O Orador: - Por um lado, parece que o Dr. Moura Relvas quereria o ciclo preparatório mais longo, de três ou mesmo quatro anos. Por outro lado, porém, critica-o por não ter ainda adaptação profissional diferenciada. Fala, também, do enciclopedismo desse ciclo preparatório geral, mas, ao mesmo tempo, queria incluir-lhe, ainda, a aprendizagem de uma língua estrangeira.
Chama-lhe uma articulação rígida e uniforme entre o ensino primário e o ensino técnico, quando a proposta, considerando-o geral só porque lhe define um denominador comum, diz que variará com as condições do meio e do lugar. Mostra simpatias pelo critério da escola italiana e analisa o elenco de disciplinas e os objectivos programáticos de cada uma delas, citando um trabalho do engenheiro Rava num congresso internacional do ensino técnico. Mas, Sr. Presidente, como eu já disse em aparte, a Carta della Escuola, elaborada pelo Ministro Bottai e promulgada em 15 de Fevereiro de 1939, prescreve precisamente um ciclo preparatório geral único, também de dois anos, entre a instrução primária e qualquer outro ensino ulterior.
O Sr. Moura Relvas: - Mas os programas não são rígidos.
O Orador: - Mas estamos a analisar planos de estudo, não estamos a ver se os programas são bons ou maus.
O Sr. Botelho Moniz: - Mas agora também não percebo a diferença entre programas e planos de estudo.
O Orador: - O Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que está aí a seu lado, ensinará a V. Ex.ª a diferença, porque o tempo vai fugindo e eu ainda tenho muito que dizer.
Risos.
Prosseguindo: o diploma italiano chama, Sr. Presidente, às escolas que ministram o ensino deste ciclo «escolas do trabalho», tomado o trabalho como centro de interesse educativo, e não, ainda no sentido do trabalho útil, ao serviço de uma mística de produção, a incutir desde a mais tenra idade, como quer, em boa educação marxista, a pedagogia soviética.
O Sr. Botelho Moniz: - É que os sovietes já não são marxistas. V. Ex.ª não sabe, mas é corrente. Aboliram completamento isso... É só de fachada...
O Orador: - É, Sr. Presidente, a «orientação» profissional geral prescrita na reforma, de preferência à «adaptação» profissional que parece pretender, logo aos 10 anos, o Sr. Dr. Moura Relvas.
O paradigma inspirador da proposta parece ter sido, Sr. Presidente, as Arbeits-Schule, de Kerschensteiner, que, nas suas admiráveis escolas de Munique, deu realização perfeita à utilização do trabalho como forma de educação, como mobilizador que é de todas as capacidades humanas. A escola é colocada no meio do trabalho - ambiência que o aluno terá na vida - e faz-se a dignificação do trabalho manual, integrando-o na escola.
É o trabalho ao serviço da educação, e não, como na pedagogia soviética, a educação ao serviço do trabalho, inserindo-se como instrumento na sua actividade. A escola soviética é subsidiária da fábrica e não é esta a actuar como laboratório experimental ao serviço daquela.
No conceito de Kerschensteiner o homem trabalha para se educar, enquanto que no conceito marxista a comunidade absorve a personalidade do homem que se educa para trabalhar.
O Sr. Moura Relvas: - Eu não discordo da necessidade de espiritualizar o trabalho.
O Orador: - V. Ex.ª discorda da proposta, que tem, nítido, esse sentido...
No demo-liberalismo, Sr. Presidente, tudo se esperava da instrução. A escola visava essencialmente preparar, canonicamente perfeito, o cidadão eleitor. Na pedagogia marxista, endeusada a fórmula da técnica pela técnica, postula-se que o homem nasceu para produzir, e, assim, a escola visa exclusivamente a preparar o homem como elemento da produção.
Uma e outra das escolas fraccionam o homem real o cindem a sua natureza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A escola deve dirigir-se ao homem todo, ao homem integral, e, assim - além do magistério da igreja, em ordem à sua qualidade de ser sobrenatural -, impõe-se que se equilibrem cada um daqueles objectivos.
À luz destes conceitos, e tendo em vista a mais nobre das hierarquizações nos objectivos educacionais, ninguém poderá dizer, Sr. Presidente, que a proposta em debate alinhe do mau lado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O ilustro Deputado Dr. Moura Relvas criticou o elenco das disciplinas do ciclo preparatório, lamentando não ver incluída a tecnologia. Mas a tecnologia ministra o conhecimento dos materiais, ferramentas e processos do trabalho.
Poderá ter, assim, lugar num ensino que não quer dar, ainda, finalidade profissional, mas, apenas, sentido profissional? E não serão elementos tecnológicos a realização de trabalhos manuais, com madeira, barro, metais e outros materiais do trabalho?
E a crítica que fez às restantes disciplinas não terá sido pelo menos prematura, uma vez que não estão publicados os respectivos programas? Então, pelo facto do haver disciplinas com nomes comuns segue-se que ns matérias a ensinar serão as mesmas do liceu?
O Sr. Moura Relvas: - Não vem nem na proposta do Governo nem consta do parecer da Câmara Corporativa que essas disciplinas devem ser diferentes das do liceu.
O Orador: - V. Ex.ª, que é pedagogo distinto e não tem à mão os programas, não pode dizer isso. Todo o sentido da proposta é exactamente ao invés da ideia do V. Ex.ª
Página 451
7 DE FEVEREIRO DE 1947 451
O ilustre Deputado falou do forma especial das ciências geográfico-naturais, parece que supondo tratar-se da justaposição de elementos de ciências naturais e de geografia sistematizados, uns e outros à moda habitual. Mas não deve ser. nada disso. Essa unidade docente - que deveria antes chamar-se «ciências da natureza» - terá realização didáctica conveniente se se aproximar das manuais our environment, dos professores americanos Carpenter e Wood, para o ensino da disciplina paralela no plano de estudos para as classes inferiores das Juniors High Schools.
Toma-se como fulcro do ensino o «mundo» do aluno, o que o cerca, o que ele conhece por observação directa. Depois, vai-se-lhe ampliando, sucessiva e gradualmente, este «mundo» nos seus contornos, elementos constitutivos, flora, fauna, vias de comunicação e forças da natureza, no sentido de lhe proporcionar uma visão global da realidade física que o envolve, em correspondência com a sua idade e aptidões mentais. Pretende-se estimular o seu interesse pelo conhecimento dos fenómenos, dos seres e das energias da natureza e familiarizá-lo com os mais vulgares processos da sua utilização ao serviço do homem, tendo em vista a educação das capacidades práticas do futuro interventor económico.
É toda uma série de conhecimentos, justapondo-se por círculos concêntricos, realizando, no seu conjunto, uma das unidades docentes de mais interessante valor formativo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas o Sr. Dr. Moura Relvas citou com apaixonada devoção os congressos internacionais do ensino técnico. Ora, precisamente, podem considerar-se inspiradores desta proposta os votos desses congressos, que - diga-se - de certo modo obrigam Portugal, porque neles esteve representado e os aprovou.
Assim, em Charleroi, em 1925, o congresso preconizava a criação de cursos gerais de tendências agrícolas o hortícolas, ao mesmo tempo que proclamou que as escolas deveriam povoar-se de alunos com sólida instrução fundamental. Num outro voto propugnava-se a criação de escolas agrícolas do inverno mais ou menos com o mesmo espírito dos cursos que a proposta estabelece na sua base XVI.
No Congresso de Barcelona, em 1934, aprovava-se o seguinte voto: «Os diversos anos da escolaridade obrigatória devem utilizar-se ao mesmo tempo para a cultura geral da criança e para os trabalhos que preparem para a escolha do ofício e da vida profissional». Não estará neste voto do Congresso a inspiração do ciclo preparatório da proposta? Não seria contra este voto o propósito manifestado pelo Sr. Dr. Moura Relvas no sentido de se dar, desde logo, «adaptação profissional», forçando a escolha precoce do ofício?
Logo depois, em 1936, era o Bureau Internacional do Trabalho, de Genebra, a aconselhar a criação no ensino técnico de um «ciclo do pré-orientação profissional». Não será isso mesmo que se pretendo no ciclo preparatório da proposta em debate?
No Congresso de Roma, em Dezembro de 1936, emitia-se o voto de que a escolaridade obrigatória fosse prolongada o de que o último ano comportasse uma orientação profissional e uma pré-aprendizagem geral e que só dos 15 aos 18 anos. segundo os meios próprios a cada nação, é que os alunos deveriam receber nas empresas ou nos cursos profissionais uma formação técnica cultural e prática que lhes garantisse o conhecimento metódico e completo de um oficio.
Sabido que na maior parte dos outros países a escolaridade obrigatória vai até aos 14 anos e que entre nós não vai além dos 10 ou 11, é evidente que só pela criação do ciclo preparatório com a índole que a proposta lhe confere se poderia tentar dar satisfação àquele voto do Congresso. Foi também dentro desse ponto de vista que eu disse desejar que esse ensino viesse a ser largamente generalizado, constituindo um verdadeiro ensino primário de continuação.
E, quanto ao elenco das matérias docentes que o Sr. Dr. Moura Relvas disse menos apropriado à orientação profissional, é de citar um outro dos votos desse Congresso pelo qual se consideram os trabalhos manuais como «constituindo um dos ensinos mais importantes no que diz respeito à determinação e ao desenvolvimento das aptidões profissionais». Na proposta não se indicam as horas que se dedicarão aos trabalhos manuais, mas na escola do Barreiro, onde já está em funcionamento o ciclo preparatório, dedicam-se-lhe seis horas semanais, que, com as seis horas do desenho, perfazem doze horas, que são precisamente as que se consagram a toda a preparação teórica.
Aquele número de horas dos trabalhos manuais poderá, porém, vir a ser ainda aumentado, pelo menos de uma hora que na proposta se destina à caligrafia, cuja supressão a Câmara Corporativa preconiza, com o voto da nossa Comissão de Educação Nacional.
E quanto ao facto de o círculo preparatório ser ainda essencialmente de cultura geral, citam-se as conclusões da Conferência Internacional do Trabalho de Geneve, em 1938, que na sua 24.ª sessão proclamava que a cultura geral, além do mais, facilita:
a) A mobilização horizontal, isto é, a capacidade do adaptação a novas formas de trabalho, capacidade indispensável na indústria moderna, cujos processos técnicos estão em permanente evolução;
b) A mobilidade, vertical, isto é, a capacidade do ascen são nos quadros da empresa.
É o conceito da escola estimulante e não estratificadora. Da escola a rasgar horizontes ao espírito e à iniciativa e não a hipotecar o aluno as tarefas mecanizadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vem depois, Sr. Presidente, o Congresso de Berlim, de Julho de 1938, emitir o voto de que os operários sejam formados segundo os métodos que se adaptem às necessidades técnicas, mas que conduzam em todos os casos ao aperfeiçoamento moral o intelectual dos trabalhadores.
Não será isto a mesma repulsa do mero praticismo que vemos manifestada na proposta em debate?
Ao tratar da questão dos métodos de trabalho em relação com a vida económica o técnica, o Congresso de Berlim emitiu o voto de que «os industriais o comerciantes facilitem o contacto necessário das escolas técnicas o profissionais com os seus estabelecimentos, dando, pelos seus organismos corporativos, as directivas necessárias, interessando-se financeira e moralmente pelo desenvolvimento de tais escolas e pela colocação dos alunos após os seus cursos».
Não estará aqui clara, Sr. Presidente, a inspiração das comissões de patronato a criar pela base XXII da proposta?
E a criação dos cursos complementares para aprendizes já empregados em regime de part time, e aos quais as empresas, sem deixarem de lhes pagar, facultam a frequência da escola durante duas horas diárias, não poderá considerar-se também fundamentada naquele voto do Congresso? A esta disposição, que poderá vir a ser tão fecunda, chamou o Sr. Dr. Moura Relvas medida de «tipo marxista», como se a solicitação ao patronato para os seus devores no quadro do trabalho representasse a sua
Página 452
452 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
anulação, e não, ao contrário, um robustecimento dessa instituição social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas este ponto já foi tratado de forma definitiva pelo nosso ilustre colega Sr. Dr. Cerveira Pinto, e não há, assim, necessidade de repetir argumentos.
Outro voto do Congresso foi no sentido de que os professores do ensino prático se devem escolher entre os operários ou empregados que aliem um conhecimento suficientemente prolongado da sua especialidade a qualidades pedagógicas susceptíveis de os tornarem instrutores de jovens principiantes e de que esses professores, uma vez escolhidos, mantenham contacto com a especialidade donde provierem.
É precisamente com esse espírito, Sr. Presidente, que vemos, na base XI da proposta, a par de uma apertada exigência de currículos académicos e de formação pedagógica para o recrutamento de professores, o princípio do contrato livre do profissionais do reconhecida idoneidade para o serviço docente respeitante às disciplinas tecnológicas.
E ao tratar da questão da formação complementar profissional dos adultos é ainda do Congresso de Berlim o seguinte voto:
A formação complementar profissional dos adultos é, no ponto de vista técnico, económico e social, um problema do primeiro plano, ao qual os governos, os meios industriais e os professores devem prestar toda a atenção, esforçando-se com energia em resolvê-lo, tanto no interesse dos que trabalham como no interesse das necessidades da economia.
A procurar dar satisfação a este voto, vemos na proposta, Sr. Presidente, a intensificação do ensino nocturno de aperfeiçoamento e o estabelecimento dos cursos de mestrança, bem como as diferentes modalidades do ensino prático agrícola.
Parece-me, Sr. Presidente, ter provado que, ao contrário do que poderia depreender-se das afirmações do ilustre Deputado Sr. Dr. Moura Relvas, a proposta de lei em debate está largamente alicerçada nas actas e nos votos dou congressos internacionais do ensino técnico.
O ilustre Deputado Sr. Dr. Moura Relvas referiu-se, também, ao velho ensino corporativo das artes e misteres. Mas, Sr. Presidente, a vida é inimiga da estratificação e as instituições sobrevivem através de adaptações sucessivas. E não poderá considerar-se o ensino complementar de aprendizagem nos termos da proposta como sendo o equivalente contemporâneo do ensino corporativo medieval?
Onde a família e o patronato, com o auxílio da igreja e demais instituições docentes, se mostrem aptas a fazer da aprendizagem um processo integralmente educativo, cabe apenas ao listado acautelar, pela forma conveniente, o espirito de unidade de tal acção educativa, conferindo-lhe sentido nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Onde aquelas instituições se não revelarem aptas para a sua missão educativa específica o Estado acorre a suprir, pela sua acção complementar, em beneficio dos educandos, as deficiências verificadas.
O Estado não educação não ensina para os patrões; educa, sempre que pode, com os patrões, novas unidades sociais, pessoas humanas.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - Não me convenceram também, Sr. Presidente, as razões produzidas pelo Sr. Dr. Moura Relvas em defesa da interpenetração do curso de regente agrícola e do curso dos liceus. Um e outro dos cursos terá de ser necessariamente prejudicado se forem ministrados simultaneamente aos mesmos alunos.
O próprio Sr. Dr. Moura Relvas se encarregou de o provar ao citar-nos a elefantíase de matérias nas dezasseis disciplinas do actual 5.º ano daquelas escolas.
O Sr. Moura Relvas: - De acordo; mas eu desejava apenas que numa das escolas houvesse o curso de ciências, sem a ramificação para letras.
O Orador: - E quanto ao congestionamento da frequência dos liceus, também não é pela fusão desses cursos, e o Sr. Dr. Moura Relvas sabe-o muito bem, que poderá ser obtido. Essa hipertrofia de alunos nos liceus é acidental e conhecem-se-lhe as causas. Há três ou quatro anos ainda grande parte dos liceus do Pais estavam com frequência inferior às lotações legais. Agora, só duma assentada houve que aumentá-los em 100 turmas e por toda a parte há turmas de 35 a 40 alunos, o que constitui, sem exagero, uma monstruosidade pedagógica. Mas como já disse, Sr. Presidente, conhecem-se as causas do mal, mas parece que não há desejos de as eliminar...
O Sr. Deputado Teófilo Duarte, no seu notável discurso, exprimiu plena concordância, com o ponto de vista da proposta no sentido do o curso liceal não sor ainda sobrecarregado com disciplinas e trabalhos de tecnologia agrícola. Esse nosso ilustro colega defendeu também o ciclo preparatório, mas quereria que fossem identificados os trabalhos oficina is e citou as escolas dos padres salesianos, onde se ministram, a crianças, quatro horas de trabalhos oficinais por dia. As características das escolas salesianas são muito especiais e esse ensino, dirigido, de resto, só a alunos internados, não pode generalizar-se como um ensino normal. No entanto, aí mesmo, o trabalho nos primeiros anos tem aspecto meramente educativo e só pelos 13 ou 14 anos começa a concretizar-se no sentido de um ofício.
Referiu-se ainda o ilustre Deputado Teófilo Duarte às estatísticas que mostram a pequena percentagem dos alunos que concluem os cursos profissionais. Essa percentagem é de facto pequena, mas, além de se alterar sensivelmente para mais, se considerarmos os alunos que seguem cursos ulteriores e por isso se não diplomam, não me parece que traduza, na sua totalidade, falta de rendimento do ensino. É que todos os que durante os cursos os vão abandonando para ingressarem em serviços remunerados levam preparação escolar incompleta - é certo -, mas, assim mesmo, útil.
O nosso ilustre colega Melo Machado veio trazer-nos o aplauso que a nossa Comissão de Economia dá à proposta na generalidade. A sua discordância relativa à índole dos cursos elementares de agricultura j á por mim tinha sido referida. Na discussão na especialidade, ele e eu teremos ocasião de sumariar as razões justificativas de cada um dos pontos de vista e a Câmara decidirá.
O ilustre Deputado Sr. Mira Galvão apresentou várias propostas de alteração. Como não implicam com a construção geral do plano da proposta, são nitidamente assuntos de especialidade e na altura própria apresentarei, em relação a cada uma delas, o ponto de vista da Comissão de Educação Nacional. A autorização do regime de externato para a frequência das escolas agrícolas, que o nosso ilustre colega Sr. Artur Duarte defendeu, não tem c voto da Comissão de Educação Nacional, que, de resto, é nesse ponto de critério menos rígido que o da proposta do Governo, com o qual concordou a Câmara Corporativa. E assim que, numa das nossas emendas, se admite o semi-internato para alunos dos 17 aos 20 anos
Página 453
1 DE FEVEREIRO DE 1947 453
Cumpre-me ainda, Sr. Presidente, fazer uma referência à proposta de aditamento à base XIX, apresentada pelo Dr. Cerveira Pinto, no sentido de dar expressão concreta aos objectivos espirituais e éticos que devem existir em todos os diplomas de ensino.
A Comissão de Educação Nacional perfilha entusiasticamente essa proposta de aditamento. Ao declará-lo, em seu nome, quero, Sr. Presidente, em relação com a intenção que a ditou, arquivar aqui as seguintes luminosas palavras do pensador insigne que é Tristão de Ataíde:
Não há lei humana, não há reforma de ensino, não há imperativos sociais, não há teorias filosóficas que consigam prescindir dessa luz da consciência que só o sentimento completo do dever - para com Deus, para com o próximo, para consigo mesmo - pode comunicar aos que exercem uma função didáctica. Serão vãs todas as modificações que se fizerem nas leis do ensino, como será vã a própria obediência à lei, se não for vivificada continuamente pela consciência do dever cumprido: pela obediência ao suave jugo da verdade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: não tive a preocupação de analisar um a um os discursos proferidos neste debate, nem, de resto, o tempo regimental me permitiria fazê-lo.
Quis apenas destacar as oposições mais vivas à proposta para procurar rebatê-las, uma vez que havia recebido da Comissão de Educação Nacional, como seu relator, o mandato de justificar o seu voto de aprovação na generalidade.
Foi o que fiz, Sr. Presidente, sem brilho mas com convicção, e ao descer desta tribuna só me resta reafirmar a minha consideração pessoal, com os protestos da melhor camaradagem, a todos os ilustres colegas de quem discordei.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: no debate sobre a proposta de lei denominada Reforma do ensino técnico profissional foi analisado o que noutros países se verifica acerca desse problema, foram citadas opiniões de abalizados autores estrangeiros, falou-se do passado e do presente, examinaram-se estatísticas, enfim, assistiu-se ao desenrolar de um trabalho que honra esta Assembleia e quem a ele se dedicou.
No meio de tão notável esforço, definindo o alto espírito dos Srs. Deputados que intervieram no debate, fica reduzido a nada o meu desejo de colaboração, pela insignificância de que se revestiu; pior do que isso, a minha atitude tem o significado de grão de areia perdido no meio de polidas esferas, sujeito talvez à acusação de pretender prejudicar o bom andamento da máquina.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - Eu podia, na verdade, vir aqui dizer alguma coisa do que aprendi, folheando autores como Buyse, Sadler, Creasy, Leblanc e Kerschensteiner ou as obras de Povlseu, Dr. Rose, Dexter e de alguns outros célebres tratadistas, na análise de diplomas em vigor nos países que pela sua capacidade de produção devem ser considerados fontes preciosas de ensinamentos úteis para quem deseja realizar ou saber.
E seria até, possivelmente, meu dever, porque andei por várias terras em serviço da Nação, informar do que observei, especialmente na Inglaterra e na Alemanha, antes e durante a guerra.
Talvez fosse meu dever também recordar o labor no ensino profissional não só dos salesianos, de que aqui se falou, mas de outras ordens religiosas, como, por exemplo, dos monges de Cister e dos beneditinos, até para cooperar, como católico que sou, no esclarecimento da verdade acerca do real valor da vida monástica, que durante muito tempo foi aleivosamente denegrida ou olhada sob o aspecto exclusivista de retiro de oração.
Podia ainda informar a Assembleia das conclusões a que cheguei consultando directores e mestres de estabelecimentos d.e ensino técnico e descer mesmo ao detalhe de escalpelizar o que auscultei Tia opinião pública.
Não me arrependo de ter guardado para mim os meus pobres conhecimentos.
Eu sabia, eu tinha a certeza, de que nesta Assembleia não faltaria quem com mais brilhantismo focasse os variados aspectos do ensino profissional em toda a sua extensão e profundidade; eu sabia que quem subisse a está tribuna não deixaria de ter meditado no que em Portugal existiu, pelo que respeita a esse ensino, antes do decreto do governo liberal de 7 de Maio de 1834, projecção, certa mente, da lei de 2 de Março de 1701, da Revolução Francesa, que suprimira as velhas corporações (Corporations, Jurandes et Maîtrises), como não duvidava de que muitos Srs. Deputados se teriam debruçado sobre a obra governativa de Fontes Pereira de Melo e António Augusto de Aguiar, sobre a elegante atitude que representa a realização de Emídio Navarro, enfim, na análise de todas as tentativas dos homens de Estado desejosos de preparar massas produtoras, e não parasitárias, como até hoje se tem verificado.
Não se julgue, todavia, que foi só pelo alto conceito em que tenho os membros desta Assembleia, como acabo de definir, que me limitei às ligeiras considerações de 23 do corrente.
Na verdade, depois da minha intervenção no aviso prévio sobre as escolas do magistério primário, realizada em 30 de Novembro, julgando, em consciência, traduzir um mal-estar geral, não me pareceu necessário proceder doutra forma.
Por outro lado, habituado a confiar em Salazar, que não desperdiça palavras e cujos actos definem o verdadeiro caminho, não podia deixar de considerar as suas afirmações, bem claras, sobre o que respeita à educação nacional como o norte por que devia guiar-me.
Recordemos o que ele disse:
Numa entrevista publicada em 15 de Novembro de 1945 dizia Salazar:
Se há deficiências no sector da educação são em nosso prejuízo, e não do adversário, como ficou exuberantemente demonstrado por certa ausência de espírito nacionalista nos bolseiros que formámos, em professores que fizemos ou respeitámos, em artistas que mandámos educar.
E na I Conferência da União Nacional, realizada no Liceu D. Filipa de Lencastre em 9 de Novembro de 1946, dizia S. Exa.:
Julgo que entre as reais qualidades do nosso espírito não se conta uma forte independência mental.
Somos capazes de glosar, desenvolver, aplicar ou rectificar ideais alheios; raro teremos lançado no Mundo uma concepção nova ou nos teremos emancipado do jugo das concepções alheias.
É assim no domínio da inteligência; não assim no campo de acção propriamente dito, como o de-
Página 454
454 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
monstram duas grandes ordens de factos - os descobrimentos e a colonização portuguesa.
Desta verificação se deviam tirar conclusões para a educação nacional, mas não é agora o momento para isso.
Que disse eu, no dia 23 intervindo no debate sobre a proposta da reforma do ensino técnico profissional?
Que numa análise conscienciosa realizada à mocidade de hoje podíamos verificar o estado em que se encontra a educação nacional no nosso País, e por isso urge realizar um plano geral de reforma da educação que permita olhar o futuro com a serena confiança de quem sabe de onde vem e para onde vai.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quer dizer: eu estou com Salazar! Estou e estarei - contra tudo e contra todos!
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faz favor.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Contra todos não, porque todos estamos com Salazar.
Na sua posição, V. Ex.ª devia demonstrar que a proposta em discussão está em contradição com o pensamento expresso nas palavras do Presidente do Conselho que há pouco leu.
Isso podia ter interesse. O resto...
O Orador: - Permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me dirija agora ao Sr. Deputado que acaba de interromper-me.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª está no uso da palavra.
O Orador: - Quero aproveitar esta oportunidade para dizer o seguinte: V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, é um professor, eu sou um comandante; V. Ex.ª é um doutor, eu procuro ser um técnico das ideias gerais.
Permita que, neste momento, frise este facto, para significar a minha estranheza por V. Ex.ª não vir aqui acrescentar alguma coisa àquilo que se tem dito e que eu recolheria com muita satisfação o o País, tenho a certeza, gostosamente ouviria também.
V. Ex.ª tem-se limitado a apartes. E é pena, porque eu, possivelmente, teria aprendido alguma coisa, e talvez nem tivesse sentido a necessidade de subir a esta tribuna.
Vim aqui no desejo de colaborar na resolução de um problema que interessa a todos, que interessa ao País inteiro.
Não concordando com a aprovação da proposta de lei julgo estar com Salazar.
Esta é a resposta que tenho a dar a V. Ex.ª
O Sr. Mário de Figueiredo: - Uso da palavra quando quero sobre os problemas acerca dos quais entendo que posso trazer algum contributo útil.
Sobre a matéria em discussão, pude verificar que realmente tinham sido tratados os problemas que eu também poderia tratar, trazendo-se ao contacto da Assembleia um contributo tão fortemente útil que julguei perfeitamente desnecessário intervir, mesmo que tivesse competência para o fazer, e não estou seguro dela.
O Orador: - Eu continuo na intenção de colaborar nesta Assembleia em favor da obra construtiva da Revolução Nacional.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Todos nós estamos de acordo com as palavras do Sr. Presidente do Conselho, que não estão em discussão, como em discussão não está também o pensamento nelas manifestado.
Não se percebe, portanto, porque é que V. Ex.ª aqui as trouxe.
Foi para nos convencer? Já estamos todos convencidos.
O Sr. Marques de Carvalho: - O Sr. Deputado Ribeiro Cazaes quer porventura demonstrar que o Sr. Presidente do Conselho rejeita a proposta na generalidade?...
O Orador: - Não percebo como é que um assunto desta natureza possa prestar-se a blagues. Defino o estado da educação nacional como Salazar.
E vou continuar as minhas considerações.
Por outro lado, a experiência do caminho andado até às reformas militares de 1937, a forma como foi resolvido o problema do exército, que é hoje uma realidade, um ser vivo em progressão constante, mais enraizou no meu espírito a ideia de que a presente proposta de lei não poderia ser a pedra alicerçai do edifício a construir.
É que, Sr. Presidente, a hora da educação nacional deve ser muito semelhante à que se viveu há cerca de dez anos, quando soou a hora do exército.
Não foi só o iniciar do rearmamento, da preparação dos seus quadros, da sua melhoria de capacidade técnica que então se verificou. Quando se afirma que o exército é o primeiro pilar da actual situação política não se deve pensar sómente na força material de que dispõe, mas, acima de tudo, no valor moral que encerra, materializado pelo facto de o seu corpo de oficiais ser constituído por homens a quem a Nação entrega os filhos para os maiores sacrifícios humanos. A experiência - até já nos nossos dias - diz-nos, de facto, que não é um bando, por mais forte e poderoso que seja, que pode defender e sustentar uma situação política.
Ora para que o exército chegasse até ao plano onde se encontra - e o primeiro grande problema da Revolução Nacional a resolver era incontestavelmente esse - foi porque não deixou de ser encarada a defesa nacional sob o seu duplo aspecto «de política militar e do política de guerra».
Só assim se pôde chegar a. bom termo. Até aí só houve tentativa» falhadas, embora honestas e orientadas por boas intenções: umas metralhadoras e peças adquiridas aqui e além, um aumento de capacidade técnica um tanto ou quanto problemático e...pouco mais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois a hora da educação nacional - segundo grande problema geral de importância para o País, por representar a garantia da progressividade da Revolução de 1926 - deve começar em breve a sentir-se que já soou, como virá depois e não distante a da economia e a de outras. Não surge agora com o diploma em discussão, como já foi dito aqui, antes, desde há muito, se encontra delineado no alto espírito de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, implicando, certamente, uma análise do problema, à semelhança do que para o exército se verificou, sobre o duplo aspecto que julgo poder definir desta forma: política do ensino e política da educação.
Há um ano que se ouviram os primeiros sons - e mais precisamente há dois meses.
Em presença, por isso, da proposta de lei para a reforma do ensino técnico profissional, cujo alcance espiritual se não vislumbra, eu não podia deixar de con-
Página 455
1 DE FEVEREIRO DE 1941 455
siderar que melhor seria que tal diploma ficasse na secretária do Ministro da pasta respectiva, pomo elemento de estudo para o futuro.
Quero dizer com isto que considero tal trabalho como coisa despida de qualquer interesse? De forma alguma. Eu sei que quem o elaborou merece todo o respeito, sei que se trata de um esforço orientado no sentido de bem servir, enfim, de um trabalho honesto. E, como se tem falado muito, na criação de técnicos que a proposta do lei pode facilitar, não quero deixar de acentuar que o exército sente, neste instante, a necessidade premente de alguns, podendo, por isso, parecer estranha a minha atitude.
Mas tudo isso não basta para que considere perfeita a proposta em discussão, tudo isso não é suficiente para julgar útil a aprovação desse diploma.
Em primeiro lugar, ele não se encontra alicerçado, como já disse, num plano de conjunto, que garanta a. resolução do problema da educação nacional; depois, há que corrigir erros de visão, nele bem expressos, evitando assim que se possa continuar a dizer amanha, como Joaquim de Vasconcelos disse um dia, depois do uma conferência realizada sobre as dinastias de canteiros que tivemos e que lavraram as obras maravilhosas da Batalha, Alcobaça e Santa Cruz, quando perguntado por que motivo não encontramos hoje artífices de tal envergadura: «foi o ensino técnico».
Que o diploma em discussão não se encontra integrado num plano geral é bem fácil de demonstrar.
Assenta ele, como se verifica, na 4.ª classe do ensino primário. E eu pergunto: em que 4.ª classe? A da Lei n.º 1:969, de 20 de Maio de 1938, votada pela Assembleia Nacional, que reforma o ensino primário e prevê a articulação do ensino profissional na 5.ª classe, e não na 4.ª? Mas essa lei não está em execução.
Na 4.ª classe que foi condenada legalmente e que só transitoriamente e a título facultativo se ministra?
Eu não quero ficar amanhã, perante este diploma do ensino técnico profissional, como alguns Srs. Deputados, aqui presentes, se encontram em face da lei que reformou o ensino primário e que votaram em 1938.
O Sr. Marques de Carvalho: - Eu fui um dos Deputados que votaram essa lei e não encontro nada em que isso me contrarie. Votei-a dentro dos princípios; encontro-me satisfeito e estou convencido de que votei e votei muito bem.
O Orador: - Para mim a Assembleia Nacional é um orgão de soberania; é como uma voz de comando, que tem de cumprir-se.
Quando a lei é votada ou quando voto uniu lei é mi convicção de que ela deve ser executada.
A Assembleia Nacional é um orgão de cooperação com o Governo, mas nós não podemos admitir que votemos leis e que elas fiquem guardadas nas secretárias dos Ministros.
O Sr. Marques de Carvalho: - Nesse caso V. Ex.ª o que tem a fazer é o seguinte: anuncia um aviso prévio sobre o assunto.
O Orador: - Já respondi a V. Ex.ª Mas continuando: este facto, só por si, obriga-me a afirmar que mesmo que fique sozinho, não darei o meu voto para a aprovação da presente proposta de lei.
E não me digam que a lei n.º 1:909 não entrou em vigor por falta de verba. Se o disserem, eu terei de perguntar até onde querem levai a execução desta outra reforma e tecer sobre o assunto considerações dolorosas. Estou, sim, firmemente convencido de que essa lei não entrou em execução principalmente porque não tinha a precedê-la o plano geral que neste momento preconizo em face do projecto de reforma do ensino técnico profissional.
Entendo que não é o momento de discutir em pormenor o diploma, mas desejo desde já chamar a atenção da Câmara para um ponto que me parece querer definir a sua característica mais substancial.
Um aluno exercitar-se-á, na profissão escolhida, com o seu mestre de oficina, cujo caminho deve seguir e que como exemplo lhe é naturalmente apresentado, mas vai aprender disciplinas teóricas com um doutor. Como é possível admitir que no espírito do aluno se não apresente o seguinte problema: então eu estou a estudar coisas que aquele como quem devo ser amanhã não é capaz de me ensinar?
O que se verificará? Ou procura ser também doutor, como os seus professores de teoria, ou foge para qualquer nicho burocrático.
O que não chegará é a ser operário.
É o que se tem verificado, como muitos já o disseram, o continuará a dar-se, ainda com mais forte razão, se esta reforma for aprovada.
É curioso, todavia, o facto de o diploma em discussão, quando trata do ensino elementar agrícola, preconizar o caminho definido na lei n.º 1:969, de 20 de Maio de 1938, que reforma o ensino primário, e recorrer à colaboração deste grau de ensino. Porque não se procede de igual forma para os outros aspectos do ensino profissional? Não espero que me respondam, porque não é possível responder enquanto sobre estes problemas não estiver assente uma, visão de conjunto.
Vou terminar, Sr. Presidente.
Quase todos, senão todos, os oradores que me antecederam preconizam a integração do diploma que se discute num plano geral de educação nacional, mas quase todos, também, pelo que tenho observado, acham conveniente aprovar na generalidade e na especialidade esta proposta de lei.
Ficará assim, se for votada, como uma peça por acabar, pois trata-se simplesmente de uma reforma do ensino técnico profissional elementar e médio, não atingindo o ensino superior.
Quer dizer: ficará uma peça incompleta. E, mesmo assim, dir-se-á ao Governo: faça-se uma máquina em que esta peça, por acabar, repito, tenha cabimento.
Sr. Presidente: não dou o meu voto para a aprovação de tal proposta.
Fico com Salazar. Repito: sou com Salazar, contra tudo e contra todos!
Confio nele!
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me conceda mais alguns instantes para me dirigir a dois Srs. Deputados que me quiseram honrar referindo-se directamente às minhas considerações.
O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Ribeiro Cazaes que seja breve, tanto mais que V. Ex.ª já ultrapassou o tempo regimental.
O Orador: - O Sr. Deputado Melo Machado disse que na parte da proposta de lei em discussão respeitante ao ensino agrícola estava comigo e concordando com a minha moção, mas pareceu-me compreender que o fundamento da sua discordância no restante se baseava principalmente no facto do aumento constante de frequência nos estabelecimentos de ensino técnico.
Para, demonstrar essa progressão, o Sr. Deputado Melo Machado, com aquele interesse e cuidado, por todos reconhecido, com que se debruça sobre os problemas nacionais, lançou mão de estatísticas em que se verifica o au-
Página 456
456 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
mento, de facto notável, de matrículas de ano para ano nos estabelecimentos do referido ensino.
Disse nesse momento a S. Ex.ª que as conclusões talvez fossem diferentes se quisesse dar-se ao incómodo de comparar o número de alunos que dantes saíam desses estabelecimentos com os cursos completos e o que se passa actualmente. Permita S. Ex.ª que cite um exemplo elucidativo, colhido nos meus apontamentos sobre o assunto.
Num determinado estabelecimento havia em 1924-1925 164 alunos; concluíram o curso 19. Vinte anos depois nesse mesmo estabelecimento haviam 794 alunos; concluíram o curso 23.
Há várias causas a considerar para a explicação destes mimei-os. Uma delas é esta: dos alunos que se matriculam cerca de 50 por cento perdem o ano por faltes, nunca tendo, sequer, frequentado as aulas. Matriculam-se simplesmente porque o certificado de matrícula é mais barato do que o do exame de admissão. E esse certificado para certos casos dá a garantia de uma correspondência de habilitações à 6.ª classe dos liceus.
O Sr. Marques de Carvalho: - É uma interpretaçâo pessoal dessa estatística. Eu interpreto isso de uma forma totalmente diferente.
O Orador: - O parecer da Câmara Corporativa refere-se ligeiramente ao assunto quando, a p. 81, diz que não devem confundir-se instituições de ensino com a instituição das Misericórdias.
No decorrer do curso mais fugas há, semelhantes ou não, mas muitas em que se verifica a troca da vida produtiva pela vida parasitária.
As estatísticas são bem claras.
Ao Sr. Deputado Marques de Carvalho quero agradecer, em primeiro lugar, as penhorantes palavras com que quis honrar-me a propósito de algumas das minhas considerações, e, pelo que respeita a discordâncias, julgo que só me falta responder à que se refere ao facto de eu citar, com menos exactidão, um passo do parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei que se discute.
O Sr. Marques de Carvalho: - As palavras tem o seu significado. V. Ex.ª deixou de servir a exactidão ao citar aqui unia discordância absolutamente lateral de um problema parcial da reforma, dando a impressão de que a discordância foi com a reforma no seu conjunto.
O Orador: - Parece que V. Ex.ª pensa que eu estou aqui, porventura, com intenções reservadas.
O Sr. Marques de Carvalho: - Não me refiro às intenções de V. Ex.ª
O Orador: - Não julgo necessário repetir as citações que fiz no dia 23, mas no parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei em discussão verifico o seguinte:
O capítulo I, subordinado ao título «Política económica e ensino técnico», termina assim:
Mas não pode esperar-se grande fruto da lentidão natural com que as coisas marcham por si; tal o motivo que leva a Câmara Corporativa a afirmar que sem unia reforma de produção parece não poder tirar-se inteiro rendimento de uma reforma de ensino profissional, cujo fito deve estar em oferecer a essa produção melhores instrumentos para que ela os aproveite em plena utilização.
O capítulo II, subordinado ao título «Políticos, industriais e técnicos», termina desta forma:
Não se nega que há muito que fazer em Portugal no campo do ensino técnico; mas a Câmara Corporativa deseja acentuar esta segunda ressalva: a formação de técnicos de qualquer categoria não supre a escassez de industriais ou u falta de iniciativa dos políticos, nem dispensa o recurso da colaboração alheia.
0 capítulo III, subordinado ao título «Forma e matéria», finda assim:
... as modificações de estrutura do ensino técnico podem não traduzir nada, ou apenas muito pouco, no caminho do aperfeiçoamento que é lícito esperar, se não forem acompanhadas de renovações de essência, que o diploma omite ou aborda de leve no relatório, e se não tiverem a velar por elas um talent de bien faire, persistente, impertinente se for preciso, que, sem largar da mão direita a pedagogia, tenha a esquerda suficientemente forte para não deixar outra vez para trás o programa de novas construções.
Sr. Presidente: não desejo roubar mais tempo à Câmara com outras citações. Estas são suficientes e elucidativas. As conclusões finais do parecer...conhecem-nas V. Ex.ªs
Foi com a intenção de colaborar com os ilustres membros desta Assembleia e de bem servir - o que, aliás, tenho feito sempre na minha vida de soldado e na minha vida de português - que aqui subi.
Fui talvez supérfluo, mostrando até, possivelmente, muita ignorância do assunto (Não apoiados), mas procurei sempre nortear o meu esforço no sentido de servir o País através dos princípios que informam a Revolução Nacional, pela qual todos, nós temos lutado e estamos trabalhando.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Moura Relvas: - Sr. Presidente: para ser breve, vou quase limitar-me à apreciação de algumas afirmações aqui feitas pelo meu velho amigo e ilustre parlamentar Sr. Dr. Marques de Carvalho. E evidente que no ponto de vista geral estamos todos de acordo; a discordância começa quando analisamos os pormenores da questão.
Para mim, com a orientação dada à proposta do Governo a juventude não fica educada. Nunca foi minha ideia que se forçasse uma criança de 10 ou 11 anos a escolher uma profissão; duvido mesmo que, com segurança, ela própria a possa escolher conscientemente aos 14, 15, 17 ou 18 anos. A minha ideia foi tirar ao ensino técnico aquele carácter teórico com que nasceu, com que se condenou.
O Sr. Deputado Marques de Carvalho, com aquela lucidez de espirito e com aquela elegância quase diplomática que todos lhe reconhecemos, navegou nos escolhos mais temíveis, mas conseguiu sair-se a salvo.
Porque a verdade é que o programa que S. Ex.ª aqui defendeu não estava no espírito da proposta e muito menos estava no parecer da Câmara Corporativa. É preciso que isto fique bem assente. Creio que o Sr. Dr. Marques de Carvalho não pode negar isto, que está claro.
O Sr. Marques de Carvalho: - Não está claro...
O Orador: - Está claro como água que figura lá um programazinho do liceu.
Página 457
1 DE FEVEREIRO DE 1947 457
O Sr. Marques de Carvalho: - Mas não fala em programa.
Fala em elenco de disciplinas, e V. Ex.ª sabe que um elenco de disciplinas não é um programa.
O Orador: - De forma que eu desejaria, muna palavra, que. um rapaz portador do seu diploma de curso preparatório de ensino técnico ficasse com uma cultura geral pré-profissional e de adaptação profissional, conhecedor portanto de certas matérias, como, por exemplo: juntamente com a disciplina do Aritmética, ter elementos de contabilidade; com a de Geografia, elemento da cultura económica, principalmente acerca de vias de comunicação e comércio, etc.
Mas isso, Sr. Dr. Marques de Carvalho, não o diz nem a proposta nem o parecer da Câmara Corporativa. Queria que em vez daquelas ciências naturais que se estudam anexas à Geografia no 1.º ciclo liceal, se estudassem ciências aplicadas e também elementos de tecnologia, de maneira muito geral, úteis a rapazes nessas condições.
Vejamos agora o caso de Gemelli. Depois de o rapaz ficar com estas noções de cultura profissional e elementar, de não especialização, com umas ideias muito gerais dos diferentes ofícios com que ele tem de se encontrar na vida, creio que nestas condições ficaria apto a decidir da sua vocação, dentro dos princípios dê Gemelli ou de outro modelo de orientação profissional - porque há muitos, e o Sr. Dr. Marques de Carvalho sabe-o muito bem.
Note-se que digo isto para aqueles que tem fé na orientação profissional, porque há muitos que a não têm.
Àqueles que têm fé na orientação profissional, e dos quais o Sr. Deputado Marques de Carvalho se aproximou bastante ao subir a esta tribuna, desejaria apenas lembrar que um ciclo preparatório de três anos de adaptação profissional facilitaria a sua missão.
Quanto às corporações de artes e ofícios, a que o Sr. Deputado Marques de Carvalho também aludiu, dizendo, com justa razão, e que do meu lugar aplaudi, que nós não podemos pôr de parte as nossas tradições, mas sim colocá-las em relação com as experiências acumuladas durante séculos e por vezes milénios, direi que o que se fez no ensino técnico é a maior barbaridade que se tem cometido em Portugal. Chegou-se quase ao desaparecimento completo de profissões que fizeram a nossa glória artística, de que são testemunhos nobilíssimos e eloquentes os mosteiros dos Jerónimos, da Batalha, de Santa Cruz de Coimbra, etc.
Entrámos em decrepitude, continuamos em decrepitude, ainda que os nossos operários sejam capazes de realizar verdadeiras obras-primas, não só no ramo das artes plásticas, mas no próprio domínio industrial.
Tem pouco sentido estético, pouco espírito de iniciativa, uma evidente impreparação técnica.
Isto é que eu não queria que continuasse.
Eu desejava qualquer coisa de novo, de palpitante, de sugestivo, que me entusiasmasse e me levasse a aplaudir, com a alegria de um português que se sente cada vez mais português, esta proposta; mas confesso que não tenho por ela esse entusiasmo.
Se alguém pudesse ter duvidado da minha sinceridade, não pode agora manter essa dúvida.
Limitei-me a uns reparos modestos de pessoa que procurou estudar o problema, na parte em que era possível compenetrar-se dele e foi esse contributo que aqui quis trazer.
Reconheço a probidade e a competência das pessoas que pensam de maneira diferente da minha, mas a verdade é que me dizem que os alunos do ensino técnico vão em grande número para a burocracia, e eu pergunto que mistério é esse que faz com que essa gente deixe de se dedicar a serviços técnicos para se encorporar na burocracia.
O que há nesta reforma que me garanta que não continuará a repisar-se esse caminho tão desagradável?
Onde estão as garantias da espiritualização do trabalho e da preparação técnica?
Tenho dito.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: não era minha, intenção usar da palavra neste debate, porque não tenho competência alguma para discutir questões de ensino técnico, e, quando muito, estaria em circunstâncias de avaliar, pelo resultado prático desse ensino, se os técnicos que saem dessas escolas correspondem ou não às necessidades da indústria.
Segui com muita atenção o que aqui se disse acerca da proposta em discussão e, reflectindo sobre as várias opiniões expressas, antes de apresentar uma moção que vai subscrita pelo relator da Comissão de Educação Nacional e pelo presidente da Comissão de Economia, quero dizer à Assembleia, e .muito principalmente àqueles Srs. Deputados que na generalidade discordaram da proposta, esta coisa muito simples: parece-me que, em todos os casos da vida, o saber de experiência feito ainda é o melhor. Principalmente aqueles que acusam a proposta de demasiadamente teórica não podem deixar de concordar comigo em que os resultados, bons ou maus, que ela possa ter só serão avaliados depois de ela aplicada.
Não temos a pretensão de realizar obra perfeita. Sabemos que aquilo que estamos aqui fazendo é incompleto hoje e que mais o será com certeza amanhã ou depois, mas o que também sabemos é que as imperfeições e as falhas só nos podem ser reveladas pela experiência.
O óptimo - ouvi dizer desde criança - é inimigo do bom, e às vezes vemo-nos forçados a contentar com o suficiente.
A acusação de que esta proposta não está integrada no plano geral da reforma do ensino, acusação que à primeira vista me convenceu, levou-me, depois de ouvir os vários oradores, a pensar que talvez fosse melhor aprová-la e integrá-la depois nesse plano geral, que, evidentemente, é muito mais demorado no estudo e na aplicação do que ama simples proposta parcelar.
O Sr. Moura Relvas: - Se for possível. Às vezes pode não caber lá.
O Orador: - Depois de experimentar, veremos se é possível, se não é. Mas experimentemos primeiro.
A moção parece que deve merecer o apoio de toda a Câmara, incluindo o do mea querido amigo e ilustre precursor - porque, como sidonista, foi precursor - Sr. Dr. Moura Relvas e também o do meu ilustre colega Sr. Ribeiro Cazaes.
A moção é a seguinte:
«A Assembleia Nacional, depois de aprovar, na generalidade, a reforma do ensino técnico, emite o voto de que ela venha a ser integrada num plano geral de remodelação do ensino primário, médio e superior, a elaborar, logo que as circunstâncias o permitam, pelo Ministério da Educação Nacional, sem prejuízo da continuação e ampliação da louvável política, constantemente seguida pelo Governo, de entretanto ir reforçando as dotações e melhorando o rendimento de todos os ramos incluídos no plano geral de reformas.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Janeiro de 1947.- Os Deputados: António Cortês Lobão António Júdice Bustorff da Silva - Francisco de Melo Machado - Artur Rodrigues Marques de Carvalho - Jorge Botelho Moniz».
Página 458
458 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.
Não está mais nenhum outro orador inscrito sobro este debate na generalidade e apenas o Sr. relator da Comissão de Educação Nacional pediu ainda a palavra para responder a algumas considerações de vários oradores. A hora vai adiantada, de modo que o Sr. Deputado relator virá a encerrar o debate na próxima sessão. Fica, portanto, entendido que não haverá outros oradores, além do Sr. relator, sobre este debate.
A próxima sessão será na terça-feira 4 de Fevereiro, com a mesma ordem do dia designada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Joaquim Mendes do Amaral Jorge Botelho Moniz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Nunes de Figueiredo.
Luís Mendes de Matos.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Artur Proença Duarte.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Henrique doa Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luis Maria da Silva Lima Faleiro.
Mário Borges.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.
Propostas de alteração enviadas para a Mesa durante a sessão de hoje relativamente à proposta de lei, em debate, sobre a reforma do ensino técnico profissional:
«BASE III
Proponho que às matérias do ciclo preparatório, constantes desta base, sejam acrescentadas: «Higiene geral e especial e noções elementares sobre os primeiros socorros a doentes e feridos».
BASE IV
§ único. A frequência do ensino complementar de aprendizagem será sempre precedida de um exame-prova de orientação profissional.
BASE IX
§ único. Nenhum operário poderá ser admitido à frequência dos cursos referidos nesta base sem prévio exame-prova de selecção, para efeito da função profissional a exercer.
BABE X
Proponho que a seguir à palavra «puericultura» se adite «e noções gerais de enfermagem».
BASE XX
§ único. As propinas a pagar pelos alunos que frequentem as escolas definidas nas bases I, VIII, XVI e XVII serão sempre compatíveis com o nível de vida. correspondente às chamadas classes populares.
BASE XXII
Proponho que seja acrescentada a seguinte alínea: «d) Criação de centros de ensino oficinal apropriado para indivíduos portadores de deformações físicas que determinem incapacidade parcial para o trabalho».
BASE XXIII
Proponho que a primeira parte desta base tenha a seguinte redacção:
«O Governo promoverá, pelos Ministérios competentes, a regulamentação da aprendizagem, condicionada por uma prévia orientação profissional, com fundamento na organização científica do trabalho e em ordem a constituir um ciclo educativo profissional, incluindo, quando necessária, a frequência da escola complementar».
BASE XXV
§ único. A Direcção Geral do Ensino Técnico Elementar e Médio terá, além dos órgãos referidos nesta base, um centro de orientação e selecção profissionais.
O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho».
«BASE III
Proponho que, onde se diz: «O Governo, pelos Ministérios da Educação Nacional e da Economia, poderá impor...a conveniente organização do ensino dos aprendizes», se escreva: «deverá estimular».
E no período seguinte da mesma base III se substituam as palavras «poderá ser imposta» por «poderá ser estimulada».
O Deputado João Antunes Guimarães».
«BASE III
Proponho que se acrescente ao § 2.º da base III da proposta de lei n.º 99 as seguintes palavras: c devendo sempre assegurar-se o desenvolvimento conveniente ao ensino do desenho, como forma de expressão e de educação plástica e artística dos alunos».
Os Deputados: Pedro Cymbron - Armando Cândido de Medeiros - José Cunha da Silveira - Alberto Henriques de Araújo».
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA