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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 89

ANO DE 1947 21 DE FEVEREIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 89 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 2O DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

Nota. - Foi publicada um suplemento ao n.° 87 do Diário das Sessões, o qual continha o parecer n.º 17 da Câmara Corporativa, acerca do projecto de lei n.º 14.º (reorganização do parcelamento da serra de Mértola).

SUMARIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário da última sessão. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, a proposta de lei relativa ao imposto sobre as sucessões e doações e custas nos inventários orfanológicos, declarando também estar de posse, de diversos elementos pedidos às instâncias oficiais par vários Srs. Deputados.
Foi autorizado o Sr. Deputado Ribeiro Ferreira, a depor como testemunha na policia judiciária.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Braga da Cruz, que enviou para a Mesa dois requerimentos dirigidos ao Ministério do Interior, Favila, Vieira, que também enviou para a Mesa um requerimento acerca do problema da rearborização do arquipélago da Madeira, dirigido ao Ministério da Economia, Pinto Bastos, que se referiu ao problema do ensino primário, e Henrique Galvão, que chamou a atenção da Câmara e do Governo paira a questão do algodão colonial.

Ordem do dia. - Discussão, na generalidade, do decreto-lei que concede protecção ao cinema nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mendes Correia e Manuel Múrias.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.

Última redacção. - Texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, da proposta de lei n.º 68, relativa aos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 40 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.

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Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luis Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre o Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Dos grémios da lavoura da II Região Agrícola, com sede em Viseu, o de Almeirim apoiando a representação dos grémios da lavoura alentejanos sobre o problema das lãs.
Do conselho municipal de Melgaço agradecendo o interesso que mereceu à Assembleia Nacional a situação dos municípios.
Dos grémios da lavoura do distrito de Aveiro confiando em que os interesses dos produtores de leite sejam devidamente acautelados, aquando do aviso prévio do Sr. Deputado Querubim Guimarães acerca do problema da indústria de lacticínios.

Exposições

Dos grémios da lavoura da II Região Agrícola, reunidos em Viseu em número de dezoito, apoiando a exposição dos grémios da lavoura do distrito de Viana do Castelo sobre o problema do mercado livre do milho, mas salientando que a sua falta é devida principalmente ao mau critério na fixação dos preços e à sua deficiente distribuição.
Do lavrador de Redondo, José M. Silva, em representação de um grupo de lavradores portugueses, referindo-se ao problema das lãs e discordando dos pontos de vista da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, que, a serem aceites, levariam, como diz, à condenação pura e simples da produção lanar portuguesa.
De Francisco da Silva Duarte contra a proibição de se importar batata.

Representação

Nova das direcções dos Grémios Nacionais dos Cinemas e dos Distribuidores de Filmes Cinematográficos, em resposta à representação dos produtores de filmes portugueses, publicada no Diário das Sessões de 12 de Fevereiro corrente, da qual discorda e que critica nos seus diferentes aspectos.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviada pelo Sr. Presidente do Conselho, a proposta do lei relativa ao imposto sobre as sucessões e doações e custas nos inventários orfanológicos.
Vai baixar à Câmara Corporativa.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Luís Pinto Coelho.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Ernesto Subtil.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional do Trabalho e de Previdência em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Mendes de Matos.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Colónias relativamente ao aviso prévio formulado pelo Sr. Deputado Henrique Galvão.
Por este Ministério foram também fornecidos elementos em satisfação de um requerimento apresentado pelo mesmo Sr. Deputado.
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pela Direcção Geral dos Negócios Económicos e Consulares em satisfação a um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Ernesto Subtil.
Todos estes elementos vão ser entregues aos respectivos Srs. Deputados.
Comunico à Assembleia que foi enviado pela Câmara Corporativa o parecer relativo ao projecto de lei sobre a arborização da serra de Mértola.
Vai baixar à Comissão de Economia.
Está na Mesa um ofício da polícia judiciária pedindo a autorização da Câmara para o Sr. Deputado Ribeiro Ferreira prestar declarações num processo.
O Sr. Deputado Ribeiro Ferreira não vê inconveniente na autorização daquele pedido.

Consultada a Câmara, foi concedida a autorização pedida.

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O Sr. Braga da Cruz: - Fedi a palavra para enviar para a Mesa os seguintes requerimentos:
"Requeiro, pelo Ministério do Interior, um exemplar (ou uma cópia, na hipótese de não haver as respectivas publicações) de:
a) Posturas e regulamentos de administração paroquial que, acaso, hajam sido submetidas à aprovação do presidente da Câmara Municipal de Braga, ou declaração de sua inexistência;
b) Regulamentos de todos os serviços e estabelecimentos da Câmara Municipal de Braga, incluindo os de todos os seus serviços municipalizados, e de quaisquer serviços de que, acaso, haja concedido exploração, bem como todas as suas posturas, regulamentos especiais, sanitários e quaisquer outros e avisos e editais com disposições de carácter permanente e em vigor;
c) Todos os regulamentos distritais e determinações e providências de carácter permanente publicados pêlos governadores civis de Braga, e ainda em vigor, e quer publicados por editais, quer por qualquer forma, com especial menção dos que hajam sido publicados no Diário do Governo;
d) Regulamentos de administração provincial da província do Minho, caso os haja, ou declaração de sua inexistência".
"Requeiro me seja fornecido um exemplar do orçamento vigente e um exemplar das contas da última gerência da Emissora Nacional de Radiodifusão, ou cópia dos mesmos orçamentos e contas, caso não haja as respectivas publicações".

O Sr. Favila Vieira: - Sr. Presidente: tive já ocasião de apreciar várias vezes nesta Assembleia e directamente perante o Governo, em particular com os Ministros engenheiro Duarte Pacheco, Dr. Rafael Duque e Dr. Supico Pinto, a questão florestal do arquipélago da Madeira, nos seus múltiplos aspectos, como base de toda a sua economia agrícola e condição decisiva do seu turismo de tradição secular.
Na última, nesta Assembleia, em Março do ano passado, apresentei a V. Ex.ªs e ao Governo dados concretos sobre as consequências da devastação florestal daquelas ilhas - de tal forma graves e impressionantes que foram várias as individualidades do mais alto nível intelectual e social do País, amantes daquelas fumosas terras, que me deram, por escrito, formalmente, o seu inteiro aplauso.
Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A verdade, porém, é que, ao fim de alguns anos de acção tenaz, não consegui mais do que a inclusão do arquipélago na lei do povoamento florestal, o estudo técnico do seu problema e a resolução de várias questões preparatórias da acção, ou, melhor, da execução do respectivo plano.
Julgo, assim, que terei de voltar, de novo, porventura, ao assunto - desta vez, decerto, em aviso prévio, Sr. Presidente.
Para tanto preciso de determinados elementos de informação oficial.
Vou mandar, por isso, para a Mesa, Sr. Presidente, o seguinte requerimento:
"Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam enviados os seguintes elementos:
Quais as quantias efectivamente despendidas, em cada ano, na execução do plano de povoamento florestal, com a indicação expressa das circunscrições ou administrações florestais ou serviços respectivos, e igualmente dos trabalhos realizados considerados mais urgentes e importantes.
Em que datas foram apresentados os relatórios do engenheiro silvicultor encarregado em 1939 do estudo da situação florestal daquelas ilhas.
Cópia das suas conclusões.
Que medidas foram adoptadas superiormente ou pela Janta Geral do Distrito do Funchal, nos últimos dez anos, para assegurar-se a defesa das matas e arvoredos da Madeira, em especial os das suas bacias hidrográficas e das suas mais pitorescas e ricas paisagens.
Em que se exprimem os resultados práticos das medidas estabelecidas, acaso, naquele sentido.
Cópia do parecer do conselho técnico florestal e agrícola e despacho do Ministro da Economia sobre o plano de arborização do arquipélago da Madeira.
Em que factos ou considerações se funda a demora na execução deste plano e das providências preliminares necessárias.
Em que data julga o Sr. Ministro da Economia poder assegurar, nesta altura, que só iniciarão os trabalhos propostos e aprovados".

O Sr. Pinto Basto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer algumas considerações sobre um assunto que não é novo para esta Câmara e sobre o qual muitos Srs. Deputados se vêm há bastantes anos pronunciando.
A razão única por que me proponho fazer sobre elo alguns comentários é que me parece ser sempre oportuno e vantajoso que se ventile nesta Assembleia o assunto do problema do ensino primário.
Eu desejaria, sobretudo, chamar a atenção dos Srs. Ministros da Educação Nacional, das Finanças e das Obras Públicas para certos aspectos deste problema, cuja solução me parece carecer de urgentes medidas. É pensando no orçamento para 1948, se uma disposição especial o justificadíssima o não fizer antes, que me refiro agora a este assunto.
As condições precárias em que é ministrado o ensino primário podem, parece-me, dividir-se em três aspectos diferentes. Primeiro, quanto ao ensino propriamente dito, isto é, quanto a quem o ministra, aos professores.
Segundo os números que tenho presentes e que se referem a Dezembro de 1945, havia naquela data 10:205 professores primários, dos quais apenas 2:600 eram professores do sexo masculino. De 3:129 regentes, eram do sexo masculino apenas 323. O número total de alunos nas escolas oficiais e particulares era de 590:727.
Este facto, de per si, é, no meu juízo, grave, porque são óbvios os inconvenientes que resultam de uma tão grande percentagem de professores do sexo feminino. Não se veja nesta afirmação qualquer desrespeito nem falta de muita simpatia pelas professoras, a cujo disvelo, carinho e zelo me é grato prestar homenagem.
Mas creio que na formação da mentalidade, do carácter e do espírito da massa das crianças portuguesas, e nomeadamente das do sexo masculino, haveria grande vantagem em que a maior parte dos professores deste ensino fosse do sexo masculino.
Porque se dá esta anomalia? A razão parece ser óbvia: é a questão dos vencimentos.
Um professor primário vence apenas 650$ de início, com uma diuturnidade de 50$ após dez anos, 100$ nos segundos dez anos e 100$ nos terceiros dez anos, o que quer dizer que depois de trinta anos de ensino o professor vence 900$ mensais, hoje acrescidos de 50 por cento de aumento sem garantia de permanência.
É evidente que nas circunstâncias em que vivemos, nas condições de difícil vida em que se debate a maior parte da população portuguesa, um professor, com as suas inevitáveis responsabilidades e encargos, só muito dificilmente pode viver com tão magro orçamento. E é ainda pior o caso daqueles que não têm os recursos que resultam de viverem e ministrarem o ensino nos grandes

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centros, ou seja os professores dos meios rurais, que não podem encontrar outra qualquer compensação para poderem melhorar os seus rendimentos totais.
E, no entanto, honra lhes seja feita, a grande maioria dedica-se a esse sacerdócio com uma devoção, com uma simpatia, com uma ternura e um entusiasmo a que mo é grato prestar deste lugar a minha mais sincera homenagem e o testemunho do meu grande respeito.
Portanto, o primeiro aspecto para que eu desejaria chamar urgentemente a atenção do Governo é o da questão dos vencimentos dos professores primários. Não se diga que não é possível, sem criar grandes injustiças, beneficiar esta classe, porque afinal todos os funcionários públicos são merecedores igualmente de simpatia e todas as várias classes de funcionalismo têm certamente bons argumentos a favor dos seus casos. Não lhos contesto; mas afirmo que, sendo ao professorado primário que compete zelar, educar, instruir esse valor enorme da Nação Portuguesa que é a mocidade, é necessário e justo que o País trate com especial atenção e cuidado quem tem à sua guarda a maior riqueza da Nação. Portanto, parece-me razoável que, assim como há pouco se fez, e bem, no que respeita ao funcionalismo dos correios o telégrafos, se podia, porventura, estabelecidos já este e outros precedentes, olhar para a melhoria dos vencimentos do professorado primário. Sugiro que devia estudar-se a possibilidade do assegurar a todos residência gratuita e ainda inquirir da alteração do regime das diuturnidades.
Ditas estas rápidas palavras sobre o professorado, desejaria fazer agora umas considerações sobre os alunos.
Refiro-me mais uma vez em especial ao ensino, nas províncias, nos meios rurais. Aqui o aspecto que me chama sobretudo a atenção é a distância a que às vezes se encontram as escolas, o que é inevitável trazer como consequência, e sobretudo nos meses de inverno, que as crianças cheguem às escolas encharcadas e muitas vezes mal vestidas porque os seus pais, coitados, não tom meios para os vestir convenientemente. Portanto, ao chegar à escola vão já em más condições, o que se dirá ser inevitável, mas o facto obriga à necessidade de medidas consequentes.
É notório que as condições de higiene em que vivem muitas dessas crianças são deficitárias, e, neste particular, julgo que era sobretudo interessante fazer examinar periodicamente as crianças que frequentam as escolas primárias pêlos subdelegados de saúde ou outras autoridades sanitárias igualmente competentes.
Calculo que os subdelegados de saúde se encontram muito sobrecarregados com as tarefas que hoje lhes incumbem. Não pretendo sugerir qualquer sistema ou orgânica para ocorrer a esta necessidade, mas limito-me a chamar a atenção para a conveniência, que me parece indiscutível, de fazer examinar regularmente pêlos médicos locais as crianças que frequentam as escolas primárias, de maneira a afastar os casos suspeitos e a atacar imediatamente os casos de doença ou simples disposição a infecção e evitar-se assim a propagação epidémica de doenças graves por se não atalharem logo de entrada.
Outro aspecto, ainda, é o da insuficiência de recursos das caixas escolares e a falta de cantinas com recursos capazes de fornecer, pelo menos, uma refeição diária.
Estas caixas têm sempre recursos muito limitados. Eu sei que há pouco, num decreto que criou as bibliotecas escolares - medida oportuníssima -, se ocorreu um pouco, precisamente, à questão do material escolar, mas a verdade é que hoje se nota, e eu tenho disso a experiência pessoal, este caso, curioso, de crianças na província pedirem 5 tostões para comprarem um caderno ou para comprarem um lápis, porque nem os pais nem as caixas têm meios de ocorrer a tudo - que é bem pouco!
Parece-me, pois, Sr. Presidente, que era necessário dar às escolas primárias os meios necessários para fornecer às crianças que as frequentam o material necessário.
Finalmente, desejo referir-me à questão das instalações.
É facto que nos últimos anos se têm construído muitas escolas; é facto que a construção dessas escolas certamente obedece aos requisitos que foram julgados necessários por quem competentemente estudou o assunto. Mas não é menos verdade, também, que há muitas escolas primárias no País que funcionam em condições precárias, seja porque as deixaram incompletas, seja porque não têm água, seja por deficientes instalações sanitárias ou falta de aquecimento.
Há muitos casos em que as crianças que chegam à escola encharcadas e mal vestidas e mal alimentadas estão em salas gélidas, tendo até dificuldade em pegar no giz o escrever no quadro.
Deste modo os trabalhos são prejudicados por falta do mais rudimentar conforto, dando lugar a que os professores não possam sequer leccionar convenientemente c dar seguimento aos trabalhos que por lei são obrigados a executar.
Não entro em detalhes que não interessam à Câmara, mas, se me refiro a este particular, é porque desejo mostrar porque é que, de início, entendi chamar para o assunto a atenção do Sr. Ministro das Obras Públicas.
Eu sei o carinho, a ternura, o interesse e o entusiasmo que problemas desta natureza suscitam no ânimo e na inteligência de S. Ex.ª Mas a verdade é que se gasta tanto dinheiro em Portugal, e mal gasto, que me parece indispensável desviar alguns desses fundos para ocorrer a esta necessidade, que, no meu entender, é urgente e de primordial importância.
Peço, pois, para este assunto a atenção urgente do Governo.
Trata-se da preparação das gerações futuras, dos homens de amanhã. Do sucesso dessa preparação depende, em grande parte, a continuação da obra da Revolução Nacional e o prestígio presente e futuro da Nação Portuguesa.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção da Câmara e do Governo para mais um facto do desacerto frequente que se verifica entre algumas palavras e ideias que se dizem, no entusiasmo, puramente sentimental, que todos sentem pelas colónias e alguns actos que se praticam contra as palavras, contra as ideias, contra princípios constitucionais de solidariedade, o que parecem negar n sinceridade dos entusiasmos retóricos.
O facto expõe-se em poucas palavras, e é o seguinte:
Como V. Ex.ªs sabem, o algodão que consumimos actualmente na metrópole vem das colónias de Angola e de Moçambique, do trabalho dos colonos e indígenas que o produzem. E não digo, por agora, a V. Ex.ªs por que números se exprime a "parte de leão" que as indústrias metropolitanas e o Estado recebem dos lucros brutos produzidos por este algodão. Basta referir que ele sai de Angola, em fibra, ao preço de 9$75 cada quilograma e regressa - quando regressa - à colónia, em obra, a 107$20!
Isto quer dizer: o que a metrópole deve às colónias como produtoras de algodão parece que deveria assegurar a estas, pelo menos, um tratamento que não fosse de ingratidão. E por dois motivos: porque seria moralmente justo e politicamente conveniente.
Vejamos como se passam certas coisas neste jogo dos algodões:
Numa primeira fase, foram tabelados os tecidos de algodão; isto é: fabricam-se, relativamente à produção

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total das indústrias, certas quantidades sujeitas a uma tabela de preços inexcedíveis. E havia, conforme a medida então adoptada: "tabelados para a metrópole" e "tabelados para as colónias".
A distinção mais saliente entre "tabelados para a metrópole" e "tabelados para as colónias" residia no facto de ser muito inferior a qualidade destes; e tão inferior que, por fim, nem os pretos os queriam.
Apesar da péssima qualidade que os distinguia, os comerciantes coloniais, tentados pela diferença de preço entre os tecidos tabelados e os tecidos sem tabela, ainda tentavam alcançar os primeiros. Mas - todos o sabiam, menos as autoridades fiscalizadoras - esses comerciantes só conseguiam uma pequena parte das quantidades que desejavam, comprometendo-se a adquirir, ao mesmo tempo, grandes partidas de tecidos não tabelados e estrangeiros.
Em resumo: criaram-se, com os algodões das colónias, certas vantagens ao consumidor metropolitano, assegurando-lhe tecidos de certa qualidade a certos preços, e a fiscalização conseguiu, mais ou menos, manter qualidades e preços. Pretendeu-se criar as mesmas vantagens ao consumidor das colónias, e a fiscalização deixou-as cair, consentindo qualidades inferiores e negócios de verdadeiro "mercado negro", como eram esses de só venderem tabelados com o fornecimento simultâneo de não tabelados.
E isto, que já não se conformava com os princípios de solidariedade económica que nos regem, ocorria no momento em que se exigiam das colónias pesados sacrifícios quanto a preços dos produtos necessários ao abastecimento do mercado metropolitano - sacrifícios que, aliás, estariam muito certos em correspondência com sacrifícios idênticos por parte da metrópole quanto aos mercados coloniais.
Mas, adiante:
Como a situação se complicasse cada vez mais e se avolumassem as reclamações, porque, como disse, nem os pretos já queriam os tecidos metropolitanos da tabela, o problema resolveu-se, acabando com os tabelados para as colónias. E ficaram apenas os tabelados tout-court, mantendo os seus preços e qualidades, e destinados exclusivamente ao mercado interno, o que estaria rigorosamente bem se o termo "interno" se entendesse no. seu significado rigorosamente português, isto é, abrangendo todas as parcelas do Império e considerando que as colónias, por serem portuguesas, pertencem também ao interior do País - mesmo que certas barreiras políticas e económicas não possam ainda eliminar-se.
Mas não: parece que as colónias não cabem neste caso dentro do espaço chamado interno, pois se encontram, como qualquer país estrangeiro, inibidas de importar e consumir tecidos tabelados, os tais tecidos fabricados com o sou algodão e comprado às colónias a preços que têm de considerar-se irrisórios, se os compararmos com os lucros industriais que o mesmo algodão proporciona.
As colónias, pêlos vistos, uma vez que se desinteressaram dos seus antigos "tabelados" não podem adquirir, como o consumidor metropolitano, tecidos que sejam ao mesmo tempo regulares como qualidade e acessíveis em preço.
Este facto, moralmente desagradável e politicamente errado, não é de somenos importância. Adquire relevo especial, se tivermos em conta o valor económico dos tecidos nos mercados coloniais e as dificuldades previsíveis que esperam as indústrias metropolitanas de tecidos, se não se arrepiar caminho pelos únicos rumos que levam à conquista dos mercados: os preços e as qualidades. E não só o seu valor económico, como também, perante o consumidor indígena, a sua importância política.
Temos de nos convencer de que a especulação da guerra e a ganância que a tem animado não poderão ir muito mais além. Outros fornecedores mais hábeis, que prevêem o futuro e não perdem tempo, principiam a entrar nos nossos mercados coloniais de tecidos, transpondo com desenvoltura as barreiras pautais por detrás das quais as nossas indústrias se abrigam. E não pode constituir recurso para estas, amanhã, quando a "tabela" for fixada, não pelo Estado, mas no jogo livre dos mercados internacionais, novas pautas proteccionistas mais altas, porque as actuais já sacrificam as colónias além do razoável e não contribuíram -di-lo a experiência - para melhorar em preços e qualidades os produtos industrializados nacionais de algodão de que as colónias carecem.
Tudo se resume, enfim, Sr. Presidente, a reclamar que as colónias, tão amadas e exaltadas em peças de retórica, sejam, para este efeito do vestuário e agasalho, como para os mais, consideradas espaço interno - e que não se sintam externas quando na metrópole o termo "interno" significa exclusão dos que não têm direito a bens ou vantagens criados para portugueses.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão o decreto-lei que concede protecção ao cinema nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Correia.

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: fui um dos Deputados que subscreveram o requerimento dirigido a esta Assembleia para que fosse submetido à ratificação da mesma o decreto-lei n.° 36:062, que se propôs proteger o cinema nacional. Procedi assim por entender que esse decreto carecia de profundas amplificações e modificações.
O problema do cinema ó de uma transcendência maior do que à primeira vista parece.
Por esse Mundo, quotidianamente, se enchem de milhões de espectadores as casas de espectáculos em que essa arte se exibe.
Em Portugal o problema mereceu a atenção do Governo, em 1932, com a publicação do decreto n.° 20:859, sobre cinema educativo. Foi então instituída junto do Ministério da Educação Nacional a comissão de cinema educativo, comissão da qual faziam parte cerca de uma dúzia de membros, representativos de vários ramos da educação pública.
O trabalho dessa comissão reduziu-se entretanto, até agora, à apresentação, em 1935, de um relatório, cuja autoria pertence ao ilustre Prof. Pereira Dias, relatório aliás, a meu ver, muito bem elaborado e à altura dos créditos do ilustre professor. Mas, depois disso, mais nada! Apenas alguns créditos, alguns financiamentos à produção cinematográfica, créditos e financiamentos feitos em condições que julgo dever aplaudir, pelos cuidados, pela prudência e pela segurança de que foram rodeados. Apenas, ainda, algumas medidas relativas às condições de funcionamento das casas de espectáculos, à admissão de menores e, repito, nada mais.
Ora, no final cio ano passado surgiu, primeiro na imprensa, sob unia forma um pouco diferente da sua forma definitiva, e depois no Diário do Governo o decreto-lei n.° 36:062, que visa proteger o cinema português, objectivo que me parece digno do mais caloroso aplauso de todos nós.
Tem-se dito bem e, sobretudo, muito mal do cinema.
De facto, o cinema surge, para muita gente, como uma verdadeira motorização do pensamento. Atordoa, inebria,

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estonteia, não faz raciocionar. Houve quem lhe chamasse um espectáculo de escravos. Seria um estupefaciente fornecido à humanidade moderna para a fazer esquecer o turbilhão em que ela se encontra envolvida.
Aponta-se-lhe, dentro dum critério estritamente nacionalista, o defeito de ser, talvez, um instrumento de internacionalização, e, dados os interesses materiais enormes ligados ao cinema, este, de certo modo e em grande parte, comercializou-se deploràvelmente.
Ainda o que o cinema teria de melhor, segundo as opiniões que contra ele tem sido formuladas, seria que se esquece muito depressa o que nele se exibe, dado o seu aspecto vertiginoso e o facto de não fazer pensar.
Quantos vão ao cinema e não percebem nada das fitas a que assistem?! Mas esto defeito estende-se a outras manifestações de arte, sem que, por isso, se pretenda que elas devam ser suprimidas.
Não resisto, Sr. Presidente, a referir, com a devida vénia, o caso daquelas criadas mandadas ao teatro e que vieram dizer à dona da casa que se não tinham divertido nada porque quem se havia divertido eram os que no tablado dançavam e cantavam.
Mas, como disse, este mal existe para muitas manifestações de arte, e o cinema não deixa de ser um elemento poderoso do formação das almas. Já lhe chamaram também uma "fábrica do sonho". A sua acção é enorme: impõe ideias, costumes, tipos e modas.
Numa cidade estrangeira em que estive apareceu, em dado momento, no mesmo hotel em que me encontrava, o conhecido Rodolfo Valentino, e eu vi, com os meus olhos, legiões do admiradoras, normalistas, futuras educadoras, endereçarem-lhe, para a varanda em que ele recebia as homenagens da multidão, beijos frenéticos nas pontas dos dedos. Que educadoras em perspectiva! E, nas modas e estilos, como ele influi por vezes bem deploràvelmente!
Num estudo dos tipos estéticos de cada época, feito na Universidade Católica do Sacro Cuore de Milão, sobre a direcção do grande mestre e psicólogo que é o padre Gemelli, organizou-se um inquérito a tal respeito para a época actual, tomando-se como base as figuras mais notórias de artistas de cinema. Então o tipo masculino de beleza era o actor que há pouco citei - Rodolfo Valentino - e o tipo feminino a célebre Greta Garbo. Como iam longe os padrões estéticos de Rubens e de Veronèse!
Mas, Sr. Presidente, afinal pode-se dizer do cinema o que se diz de uma faca, como já alguém fez notar. Uma faca é um instrumento com que se pode fazer muito mal, mas uma faca é também, e sobretudo, um instrumento útil, precioso, de uso comum. O cinema é agente deformação educativa, é uma manifestação de arte, é ainda - torna-se legítimo à Humanidade utilizá-lo também como tal - um divertimento. Para que privar desse divertimento os homens desde que ele seja legítimo, digno e moral? É também um elemento que quebra o isolamento dos povos, uns em relação aos outros, sem que por tal destrua os nacionalismos admissíveis e equilibrados.
Não vou ao ponto de dizer que o cinema é "a carta de alforria do homem moderno", como já escreveu um autor português. No entanto cito como sendo digna de meditação esta frase de José Régio: "Não há nenhuma manifestação de arte contemporânea que me tenha tocado mais profundamente do que o cinema".
O progresso do cinema tem sido nítido. Apareceu, em 1895, graças à estupenda invenção de Lumière, mas já antes havia um encadeamento de trabalhos que conduziriam a tal descoberta. Entre esses trabalhos citarei os de Marey, com o registo do movimento, por instrumentos conhecidos em todos os laboratórios de fisiologia e de cinemática.
Em 1927 o cinema passou do mudo a sonoro.
Em Portugal, o primeiro filme data de 1902. Foi feito pelo fotógrafo Júlio Worm por ocasião da inauguração da estátua de Afonso de Albuquerque, na presença de El-Rei D. Carlos.
Em 1930 apareceu o primeiro filme sonoro português, A Severa, cuja realização se deve a Leitão de Barros.
Os números que representam as quantias, os capitais empregados nesta indústria, os números que representam a frequência dos cinemas, o número dos filmes produzidos, todos os dados numéricos referentes a esta indústria, tomaram proporções astronómicas.
Em França há quatro mil salas de cinema, em Espanha três mil e em Portugal, segundo o Anuário Estatístico de 1945, há trezentos e cinquenta e quatro cinemas para cento e vinte e oito teatros. Mas antes da sonorização havia mais cinemas: é que aquela é dispendiosa.
O cinema, pela sua frequência e pelo número das suas salas, ultrapassa manifestamente o teatro umas poucas de vezes.
Em Inglaterra o cinema mobiliza trinta milhões de espectadores todas as semanas; ou seja: mais de metade da população inglesa vai uma vez cada oito dias ao cinema.
Em Portugal, segundo o Anuário Estatístico de 1945, os cinemas foram frequentados nesse ano por vinte e dois milhões de espectadores, o que quer dizer que num ano Portugal não atinge o quantitativo inglês correspondente a uma semana.
Em relação à população, não temos nem um número de salas nem um número do espectadores correspondentes aos números de salas e de espectadores da Espanha, da França, da Inglaterra e de outros países. Mas o interesse por esta ordem do espectáculos já ó enorme entre nós.
O cinema é um problema complexo e tem vários aspectos a encarar num seu estudo integral, como seja o científico, o técnico, o artístico, o educativo, o de divermento e o comercial. O cinema implica uma multidão de actividades para a sua realização e exibição.
Em primeiro lugar, temos a produção, com as várias artes elementares, como o argumento literário, a planificação, a montagem, a música, a escolha dos artistas, etc.
Depois, a distribuição! Há trinta e cinco firmas distribuidoras em Portugal.
Por fim, temos a exibição, em que se deve distinguir entre os grandes cinemas urbanos, chamados, em terminologia do métier, "cinemas de estreia", e os cinemas de reexibição, populares, de bairro, de província, onde o número de exibições chega a ser apenas de duas ou três vezes por semana, muitas vezes.
Da distinção entre as duas categorias de cinemas não cuida o decreto-lei n.° 36:062.
Além dos cinemas de estreia e de reexibição, há a considerar ainda muitas escolas e institutos de ensino e outros estabelecimentos, em que o cinema devia ser bastante divulgado, como sejam clubes, Casas do Povo e dos Pescadores, etc. O assunto devia também ser considerado devidamente, promovendo-se ali exibições de assuntos seleccionados, segundo as necessidades culturais das populações respectivas.
Desses aspectos, verdadeiramente, também não se cuidou no decreto-lei.
Este visou o objectivo de proteger o cinema português, integrando-o no espírito da Nação. Não podemos senão render calorosos aplausos a esse propósito. Mas como ó que o decreto-lei pretende realizar tal objectivo?
Cria o Fundo cinematográfico nacional, do qual a principal base financeira é o rendimento da cobrança de uma taxa de licença de exibição. Ao mesmo tempo, o decreto-lei entrega a administração desse Fundo, e de

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certo modo a fiscalização' das actividades cinematográficas nacionais, ao Secretariado de Informação e Cultura Popular. E por fim estabelece medidas sobre o contingente, a colocação e a exploração dos filmes portugueses, criando para estes um regime que na verdade é diverso do dos filmes estrangeiros, mas que necessita de ser cuidadosamente apreciado.
Analisemos alguns pormenores e aspectos do diploma.
A taxa da licença de exibição é diferente, segundo a classificação técnica dos filmes.
Devo dizer que, em matéria de filmes culturais e educativos, não se explica que exista essa taxa, visto que haveria toda a vantagem em facilitar ao máximo a sua difusão.
Os filmes são classificados e aplica-se a todos os da mesma classe a mesma taxa de exibição, qualquer que seja o valor e êxito desses filmes.
O caso lembra-me o seguinte símile: seria a mesma, coisa que, para proteger a ópera de compositores portugueses, se não pudessem apresentar a Aida, a Lúcia de Lamermoor, a Tosca ou a Boémia em Portugal sem o pagamento duma taxa de licença especial para cada peça.
Esta taxa não pode, segundo um bom critério de justiça, ria minha modesta opinião, ser aplicada, sem discriminação, em valor igual para todos os filmes da mesma categoria.
É da mais elementar equidade que ela seja graduada proporcionalmente:
1.° Ao êxito do filme, à duração ou permanência do filme no cartaz;
2.° Ao rendimento do cada cinema.
E preciso notar que muitos filmes portugueses têm sido realizados em condições deploráveis e que temos para trinta filmes produzidos vinte produtores diferentes, o que quer dizer que não existe ampla e devidamente organizada entre nós a indústria do cinema.
Estabelece-se também na lei a criação de uma cineteca, etc., mas faltam amplas medidas para a formação artística, moral e técnica dos profissionais de cinema.
Tenho aqui números oficiais referentes às condições materiais de existência dos cinemas populares. Em muitas ocasiões se verifica que esses cinemas não dão para cobrir as suas despesas obrigatórias, como as do imposto chamado único e as dos bombeiros, policia, etc.
Estabelece a lei subsídios e prémios, o que é perfeitamente defensável e plausível; simplesmente se consigna que entre os produtores portugueses só poderão ser beneficiados aqueles que exercem com regularidade a sua actividade produtora.
Ora tenho, a impressão de que esta expressão "com regularidade" deve ser devidamente analisada. Estamos ainda no começo. E, assim, poderemos nós dizer que existem já em Portugal bastantes entidades organizadas para a produção regular que dêem possibilidades de concorrência? Não seria melhor dizer que só poderiam ser subvencionados produtores que oferecessem garantias de regularidade de trabalho?
Em França, onde já havia várias leis, entre as quais a mais importante é a de 1928, devida a Edouard Herriot, criou-se recentemente o Centro Internacional de Cinematografia. Todos os variados aspectos do problema são encarados pela recente lei francesa, como já haviam sido nalgumas anteriores, como a de 1928.
Ora, muito bem: chegamos ao ponto que seria delicado para quem o abordasse, se todos nós não apreciássemos o mérito de variados aspectos da acção realizada pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo.
Eu entendo que a entrega total, exclusiva, do problema das actividades cinematográficas em Portugal à superintendência do Secretariado, como é feita pelo decreto-lei n.° 36:062, deve ser restringida pela constituição de um conselho nacional de cinema, em que tenham representação todas as entidades nacionais cuja voz devesse ser ouvida neste problema.
Começo por citar o Ministério da Educação Nacional, precisamente aquele em que se iniciou o estudo do problema. Devem ser chamados a intervir os educadores, os professores.
Além do Ministério da Educação Nacional, deveríamos ter também a representação do Ministério da Economia, dados os aspectos económico, comercial o industrial do assunto, a representação dos críticos, dos autores, dos produtores, dos distribuidores, dos exibidores, distinguindo mesmo entre estes as duas classes que eu mencionei, isto ó, os de cinemas de estreia e os de cinemas de reexibição ou cinemas populares, porque os últimos são precisamente aqueles que não são frequentados pela gente rica, mas que afastam da taberna e de outros divertimentos prejudiciais o povo; suo, afinal, os verdadeiros cinemas do povo.
Por outro lado, noto que esse conselho, essa entidade, que deveria assistir, pelo menos de uma maneira consultiva à acção do Secretariado, embora não fosse extremamente numeroso, deveria ter uma composição em número aproximado do do comité do cinema educativo criado pela lei de 1932; poderia ter uma composição aproximada da do comité francês de cinema, o qual tem trinta e dois membros, sendo, por assim dizer, um parlamento de cinema.
Por outro lado, a lei faz a definição de filmes portugueses, dos sujeitos à protecção da própria lei. Exige que sejam falados em português. Muito bem. Que sejam produzidos em estádios e laboratórios pertencentes a empresas portuguesas instaladas em território português e que sejam representativos do espírito português, pelo seu tema, sem prejuízo dos grandes temas da cultura universal.
Eu entendo que essa definição é insuficiente.
Nem todos os filmes verdadeiramente portugueses são produzidos dentro dos estúdios que existem; há necessidade, por vezes, de filmar no estrangeiro, ao ar livre, como cenas de pesca nos mares da Terra Nova, etc., e, deste modo, tais filmes não seriam abrangidos pelo decreto-lei n.° 36:062 como portugueses, embora o sejam autenticamente.
Quanto aos laboratórios em Portugal, direi que só temos um, aliás muito bem instalado, digno de toda a consideração e simpatia. Mas, precisamente porque a nossa produção ó bastante restrita, esse laboratório estabelece preços que são incomportáveis, em relação com os preços estabelecidos nos laboratórios de outros países, como a Espanha.
Já tem valido mais a pena, no ponto de vista financeiro, ir a Espanha fazer filmes portugueses do que fazê-los em Portugal.
Diz a lei ainda: "temas portugueses, ambientes portugueses, espírito português". Muito bem. E acrescenta: asem prejuízo dos grandes temas da cultura universal".
Quer referir-se talvez a filmes que abordem temas que não são exclusivamente portugueses, mas ampla e largamente humanos. Creio que essa expressão "sem prejuízo" não ó bastante elucidativa. Talvez tivesse sido preferível dizer-se: "salvo o caso de filmes que abordem os grandes temas da cultura universal".
Mas deixando esse ponto, Sr. Presidente, porque a hora vai adiantada, desejaria referir-me ainda à questão da dobragem, que para mira constitui um problema que não tem solução.
É proibido por um decreto a introdução de filmes de fundo com a dobragem feita no estrangeiro.
Reconheço que isso correspondo ao desejo de evitar o que há de antiartístico no facto de os movimentos dos diferentes intérpretes não corresponderem ao som das

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palavras proferidas. Compreendo, repito, que isso é antiartístico. Também os filmes assim dobrados não são verdadeiramente portugueses e não devem prejudicar estes.
Mas para um filme, mesmo de fundo, que seja de grande categoria, de grande valor, aquele rigor não deve ser adoptado para não privarmos o público português da sua exibição em condições de ser compreendido.
Em filmes onde existam diálogos sucessivos as legendas são tantas que para as lermos quase temos de deixar de prestar a nossa atenção às figuras do filme. Entendo que o assunto deve ser devidamente examinado. Não tenho a tal respeito uma opinião firme.
Mas sobre o que tenho opinião nítida é acerca do chamado "contingente".
Estabelece-se que para cada cinco semanas de exibição de filmes estrangeiros deverá haver uma semana de exibição de filmes portugueses, contingente que poderá ser modificado de acordo com um despacho do Secretariado da Informação.
Acho que, de início, esse contingente é extremamente elevado, e de certo modo injusto, pois os filmes portugueses são pouco numerosos ainda e precisamente os mais procurados pêlos exibidores portugueses. Portanto, é estar a abrir uma porta aberta, mas a abri-la com bastante violência.
Vou citar números respeitantes à Inglaterra, país onde a intensidade da produção cinematográfica não sofre comparação com a nossa, que não fornece filmes bastantes para o contingente que de início a lei estabelece.
Esse contingente não deve ser aplicado, sem discriminação, a filmes bons e a filmes maus, porque não deve servir para proteger filmes maus.
Apoiados.
Ora, em Inglaterra, segundo Roger Manvell, desde a primeira guerra mundial, nunca a produção de filmes excedeu um quinto do número dos filmes reclamados pêlos exibidores, e em metade desse período produziu-se muito menos. O contingente de 1927 foi de 5 a 20 por cento.

O Sr. Manuel Múrias: - V. Ex.ª dá-me licença?
O artigo 17.°, redigido como se encontra, permite que se mantenha uma posição perfeita para agora, enquanto não houver uma produção nacional efectiva, como assegura uma possibilidade futura.

O Orador: - Simplesmente -já agora digo-o com a franqueza que me caracteriza -, isto é legislar para uma situação de pura fantasia.
De resto, eu disse que o contingente podia ser alterado para cada ano, por despacho do secretário nacional da informação, proporcionalmente ao desenvolvimento do cinema nacional.
A Inglaterra, mesmo, para cada dez ou doze filmes de categoria tem centenas de maus filmes. Durante a última guerra naquele pais foram reduzidos os estúdios de cinema; mas mesmo depois de restabelecidos, a Inglaterra, que fala a mesma língua dos Estados Unidos, nem por sombras se pode comparar em matéria cinematográfica à produção deste último país.

O Sr. Manuel Múrias: - Eu demonstrarei, quando subir à tribuna, que as coisas se modificaram.

O Orador: - Quanto à colocação de filmes, nenhuma observação tenho a fazer ao decreto. Apenas me parece que o condicionamento da colocação de filmes nacionais com a exigência de aluguer de filmes estrangeiros, exigência que às vezes se costuma fazer, devia ser vedado.
Quanto à exploração, o artigo 21.° do decreto estabelece a base mínima de ,50 por cento do rendimento bruto da lotação do cinema. E uma base mínima que, em certos casos, mais deveria ser máxima. Os grémios protestaram, estranhando que não fosse permitido o negócio a fixo. Numa contestação que foi distribuída declarou-se que, de facto, a lei se não opunha ao negócio a fixo e que não permitia é que o aluguer fosse inferior a 50 por cento, desde que houvesse reclamação da parte dos interessados. Ora aquela base ó uma percentagem. Tem de se fazer sempre o cálculo com base na percentagem. Mas esta discussão parece inútil; trata-se duma questão de palavras.
O facto é que a percentagem ó elevadíssima, sobretudo para os cinemas que tom rendimento inferior a 2.000$
Tenho na carteira alguns números bastante elucidativos e demonstrativos do que cerca de 35 por cento ou mais ainda do rendimento bruto da sala de espectáculos cinematográficos é absorvido por despesas obrigatórias.
De modo que esta última percentagem, acrescida dos 50 por cento que citei, não deixa compensação para os cinemas, sobretudo para os que não têm, nas lotações e preços, a defesa necessária.
Olhou-se à produção sem se olhar às condições de funcionamento desses cinemas. Fala-se muito, a propósito dos filmes portugueses, do envilecimento dos preços, quando a verdade ó que para os exibidores do filme eles já são bastante mais caros. E é preciso registar que, quanto ao aspecto exibição do problema do cinema, ele ó quase totalmente esquecido pelo decreto-lei 36:062.
Exibidores e distribuidores, esses dois grupos de profissionais de cinema, têm colaborado para o financiamento da produção do cinema português, pois eles são os primeiros interessados no desenvolvimento deste, exceptuando, é claro, os distribuidores ligados a casas estrangeiras. Repito: a preferência do nosso público pelos filmes portugueses é manifesta e, aliás, lógica.
Acho que se devia modificar o regime de taxas de licenças de exibição de filmes. Devo mesmo estranhar que um decreto como este, que visa a estabelecer uma organização de cinematografia nacional, comece por estabelecer uma taxa. Parece que seria natural começar pela criação do Fundo cinematográfico nacional ou por enunciar princípios gerais, linhas gerais de uma organização, e depois procurar os meios para a manter. Assim, parece que não houve outro objectivo primacial senão cobrar essa receita.
Entendo que devia haver outras medidas amplas em favor do cinema. Lembremo-nos de que o mal - chamemos-lhe assim - da invasão pêlos filmes estrangeiros não se dá apenas em Portugal; 85 por cento dos filmes mundiais são americanos.
Estabeleçamos um certo número de princípios. Assim, a nossa produção devia ser o mais possível de boa qualidade, de modo a que se impusesse no estrangeiro e fosse mesmo aceite por ele.
Devia também ser económica, pois, infelizmente, nós não temos ainda em Portugal numerosos técnicos que saibam calcular devidamente, fazer a previsão da metragem de um filme.
Depois de se fazerem muitos quilómetros de filme, cortam-se imensas passagens, desperdiçam-se muitos quilómetros de película e inúmeros esforços.
O que significa isto? Falta de organização e de previsão. Inexperiência. O que é natural.
É preciso aumentar o mercado com novas salas.
O decreto alude ao filme de 16 milímetros e à sua divulgação. É um assunto delicado, sobre o qual não me quero pronunciar, certo de que o Governo tomará as medidas que entender mais adequadas para a exibição

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do filme de 16 milímetros, em conjunto ou não com a dos filmes de 35 milímetros que usualmente se apresentam.
O filme de 16 milímetros tem imensas vantagens, mas eu não vou agora importunar V. Ex.ªs a enumerá-las.
Deveria haver créditos para a construção de salas onde elas fossem necessárias, não em concorrência com as existentes, mas onde houvesse uma população densa para a qual fosse interessante fornecer um certo número de filmes de diversão, culturais e educativos, o melhor seleccionados que fosse possível.
Deveria também procurar-se uma intensificação da divulgação dos filmes portugueses no Brasil. A lei prevê isso, mas ó ainda muito restrita essa divulgação.
Quanto à distribuição e exibição, eu insisto em que têm o seu papel e, portanto, têm de ser consideradas. Há em Portugal centenas de filmes por colocar.
Quanto aos exibidores, acho que se deveriam proporcionar os seus encargos aos respectivos rendimentos. Tenho até, aqui, uma estatística oficial de 1945 que acharia interessante ler à Câmara, mas que, em virtude do adiantado da hora, sou forçado a resumir.
Assim, naquele ano, em Portugal, para os espectáculos cinematográficos a proporção de espectadores por 1:000 habitantes, em relação centesimal com o número de lugares, foi de 37,8 de dia, subindo a 54,3 de noite. Em Lisboa essas percentagens subiram a 40,5 e 55,3 e no Porto a 33,6 e 44, respectivamente.

O Sr. Melo Machado: - Isso é em relação nu número de cinemas ou à população?

O Orador: - Em relação à população. Trata-se da percentagem do número de espectadores por 1:000 habitantes, calculada em relação ao número de lugares oferecidos. Na maioria dos casos a afluência não atinge metade das lotações ou pouco a ultrapassa.
Grande parte da população portuguesa não frequenta o cinema; cada português de mais de 9 anos vai ao cinema, em média, entre três a quatro vezes por ano.
O que desejo acentuar é que a frequência dos cinemas é muito maior em Lisboa e, a seguir, no Porto, reduzindo-se muito nas outras povoações.
Sr. Presidente: antes de terminar as minhas considerações, desejo dirigir desta tribuna um apelo caloroso a todos quantos neste Pais têm responsabilidades na matéria, para se cuidar intensamente do apetrechamento cinematográfico dos estabelecimentos do ensino a que há pouco me referi.
Nas escolas e nas Universidades a falta desse apetrechamento faz-se sentir bastante, pois não se compreende que nas suas principais salas não exista a necessária aparelhagem para que possam dar-se espectáculos cinematográficos, sobretudo onde sejam exibidos filmes científicos, como se impunha.
Sr. Presidente: concluo propondo a ratificação do decreto-lei n.° 36:062 com emendas.
Como escreveu alguém, é preciso que o cinema nacional exista, mas nos dignifique.
É preciso o equilíbrio e a coordenação equitativa de todas as actividades e interesses ligados ao cinema, é preciso estimular as iniciativas sãs o bem organizadas, o não fomentar a criação de monopólios artificiais.
E preciso, enfim, agora que tanto se fala de cortinas de ferro, que, sob o pretexto de preservar o espírito, a tradição e o carácter português, se não desça sobre os largos e arejados horizontes das grandes e fecundas manifestações culturais o humanas que o espectáculo cinematográfico pode proporcionar aos olhos da nossa gente, é preciso, repito, que se não desça sobre esses horizontes a cortina de forro de uma uniformização compressiva, monótona, esterilizante e desconsoladora.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Manuel Múrias: - Sr. Presidente: quero, em primeiro lugar, associar-me - e tê-lo-ia feito imediatamente se pudesse ter sido prevenido - à iniciativa do ilustro Deputado Prof. Mendes Correia de chamar à ratificação da Câmara o decreto-lei n.° 36:062, que insere disposições de protecção ao cinema português e cria o Fundo cinematográfico nacional.
Tratando-se de diploma de tamanho alcance, havia todo o interesse, até interesse político, em que a Câmara o não deixasse passar sem explicitamente intervir na ratificação, dessa maneira sublinhando a sua posição perante disposições legais e perante um problema que é realmente de carácter excepcional, ou para colaborar na sua própria elaboração, introduzindo-lhe modificações que entenda indispensáveis, ou para o ratificar pura o simplesmente; de uma ou de outra forma, no entanto, vincando claramente perante o País a posição que mais justa lhe pareça e que só não pode ser, claro está, de alheamento e desinteresse.
Posto isto, Sr. Presidente, e agora ao contrário do' ilustre Deputado, penso que a Câmara deverá aprovar a ratificação pura e simples, e vou dizer porquê.
O decreto abrange, no seu conjunto, três grandes problemas, que são, afinal, os problemas da arte cinematográfica - três problemas de importância desigual, sem dúvida, mas de grande importância qualquer deles: um problema, de ordem económica; um problema de ordem social; um problema de ordem cultural.
Lamento sinceramente que nas várias exposições chegadas a esta Câmara em oposição sistemática ao espírito do decreto-lei n.° 36:062, e subscritas pêlos representantes de algumas organizações interessadas na manutenção do estado de coisas actual, se tivesse visto apenas o lado económico do problema.
Apoiados.
Se o problema económico ó de grande importância, não é, todavia, segundo creio, nem por sonhos, o problema fundamental que se há-de discutir para bem se entender o alcance do decreto-lei que estamos a apreciar.
Apoiados.

O Sr. Mendes Correia: - O decreto começa por uma taxa.

O Orador: - Porque naturalmente, na ordenação prática do problema, devia começar por aí; e por isso mesmo também começarei por aí as observações que pretendo fazer agora.
A indústria do cinema em Portugal, apesar de tudo quanto se tem escrito ultimamente em sentido contrário, é na realidade uma indústria em pleno desenvolvimento. Com efeito, desde 1931 a 1936 apenas foi possível produzir em cada ano um filme português de grande metragem. Pois bem, já em 1937 se produziram 2; em 1938, 4; em 1939, 2; em 1940, 3; em 1941, 2; em 1942, 4; em 1943, 4; em 1944, 3; em 1945, 4; finalmente, em 1946, 9, dos quais 6 estreados e 3 em adiantada produção ao findar o ano. Estão actualmente em produção ou estudo pelo menos 12 filmes.
Estou agora a falar - recordo - apenas sobre o aspecto económico do problema, para se poder ver que na realidade se trata de uma indústria, como dizia, em pleno desenvolvimento, apesar das circunstâncias de perfeito abandono em que tem sido obrigada a laborar e da sua organização, por isso mesmo, insuficiente.

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Em 1943 os capitais investidos na produção andavam à volta de 2:000 contos, incluindo neste cálculo o único estúdio e laboratório que então possuíamos. Em 1946 investiram-se na produção mais de 17:000 contos; e os três estúdios e o laboratório, que temos agora, estão avaliados em mais de 25:000 contos.
Trata-se, pois, e estes números bastariam para o reconhecer, de uma indústria em pleno desenvolvimento. Mas há mais: dos 40 fonofilmes produzidos em Portugal desde 1933, 20 foram grandes êxitos financeiros, apesar das condições que lhes eram criadas pela posição de domínio do intermediário, a quem tem cabido ca parte de leão". E nesse aspecto estou com o pensamento que já teve o Sr. Ricardo Jorge, gerente agora do Cinema Tivoli, e um dos impugnadores que surgiram a atacar o decreto-lei, quando disse numa entrevista, em 1938, que hoje mesmo transcreveu a revista Cinema com oportunidade que ninguém lhe negará:

Os enormes lucros das fitas portuguesas têm ficado, na sua maior parte, por mãos de intermediários que os interceptam sem risco.
Quando a indústria obtiver o beneficio merecido de disposições legais que a protejam desses injustos desvios o condicionem a importação com as necessidades da produção nacional - o negócio passará a viver nas circunstâncias sossegadas de que precisa para poder atrair capitais.

Eu, porém, não posso senão tratar superficialmente do problema económico, pois, em primeiro lugar, quero referir-me aos problemas social e cultural, que essencialmente nos devem interessar neste debate.
Sr. Presidente: é verdade que o preço dos filmes portugueses de grande metragem oscila entre 800 e 2:500 contos. Alguns, mais caros, constituem excepções: são os filmes das aventaras generosas, em que dominou maior aspiração de arte, pois o certo é que só se tem a certeza de amortização, nas condições anteriores ao regime de protecção e contando apenas com o mercado habitual, para filmes cujo preço não vá além de 2:500 contos.
O problema estará pois em procurar melhorar, de facto, as condições da indústria, para que possa trabalhar em melhores condições e não só para o mercado habitual -nacional, brasileiro, às vezes o espanhol e pouco mais - mas ainda para que lhe seja permitido aspirar à penetração em mercados que até agora lhe tem sido vedados.
Este é o aspecto do problema económico que se deve pôr; este é na realidade o aspecto que lá fora, não entre nós, se tem tentado fazer e o que, finalmente, se pretende fazer também em Portugal agora.
A situação actual da produção cinematográfica portuguesa, de perfeito abandono, não pode manter-se; e o Governo, com a Assembleia Nacional, a quem incumbe a defesa dos superiores interesses da Nação Portuguesa e dos portugueses, não poderiam alhear-se do problema por muito tempo.
Não se poderá dizer, no entanto, que o Governo, preparando agora condições de vida limpa e livre ao cinema português, ataque ou procure diminuir qualquer organização cinematográfica estrangeira. O que se pretende é organizar a cinematografia nacional, que precisa de ser defendida da estrangeira, que em nossa casa disputa o direito de nos marcar os lugares apenas que lhe sobejem. Defendem-se as possibilidades de reciprocidade, a que temos direito.
Para se verem, todavia, as condições precárias do mercado português, o não apenas para o cinema português, também para os filmes de qualidade exportados por outras nações, apresentarei alguns números elucidativos que se transcrevem do anuário americano Motion Picture Almanach referente a 1944-1945, na parte que diz respeito a Portugal:
Nesse ano importámos filmes dos Estados Unidos da América, Inglaterra, 'França, Espanha, Itália, Argentina, Suécia e Suíça. Ora bem, repare-se agora na marcha da distribuição desses filmes importados: dos Estados Unidos importámos 196 filmes, dos quais foram distribuídos 194 e ficaram por distribuir 2; da Inglaterra importámos 50 filmes, dos quais foram distribuídos 4, ficando por distribuir 46; da França importámos 30 filmes, dos quais foram distribuídos 5, ficando por distribuir 25; da Itália importámos 10 filmes, sendo distribuídos 2 o ficando por distribuir 9; da Argentina importámos 10, não sendo distribuído nenhum; da Suécia importámos 7, não sendo distribuído nenhum; da Suíça importámos 1, que foi distribuído.
Quer dizer: existe perante uma organização cinematográfica mundial desorganizada uma organização de distribuição admiravelmente organizada; e esta homenagem, além de outras, devemos prestar à organização cinematográfica norte-americana.
Digamos, porém, que, se nos interessa conhecer o bom cinema americano, não nos podemos desinteressar de qualquer outro que seja bom e cuja exibição seja útil, além do mais, ao progresso técnico dos nossos produtores.
Se, todavia, ao pretender organizar a nossa produção, melhorando e saneando as condições de vida da nossa indústria cinematográfica, não nos cabe responsabilidade de se deixar a aparência de trabalharmos contra a única organização verdadeira que neste momento existe; pois nisso coincidimos com as cinematografias inglesa, francesa, espanhola, italiana, alemã, sueca, suíça, e as mais que igualmente se estão reorganizando, sendo certo, porém, que, duma maneira geral, só havia agora dois países produtores que não possuíam qualquer lei de protecção ao seu próprio cinema: Portugal e a China. E essa mesma, conforme se noticiou não há muito na imprensa inglesa, acaba de publicar também uma lei de protecção ao sen cinema.
De que se trata sob o ponto do vista económico é disto: saber se deve ou não preparar-se a defesa dos interesses económicos portugueses que a indústria cinematográfica portuguesa comporta ou se os devemos ou não deixar ao abandono perante a ofensiva de outros interesses económicos que, já por serem muito maiores, mais ricos, mais poderosos, já porque estão vigorosamente organizados, podem efectivamente vir concorrer connosco e vencer-nos em nossa própria casa.
Sr. Presidente: sabe-se em todos os países que a possibilidade de manter um bom cinema deriva de se poderem obter condições económicas para o criar; mas também se sabe que não é possível possuir bom cinema se não houver a compreensão de que, defendendo-o, além de interesses económicos, se defendem superiores interesses do espírito. Importa efectivamente fazê-lo e é assim que por toda a parte se procede; e eu não me alargaria a mais considerações se não me tivesse comprometido com o ilustre Deputado Dr. Mendes Correia a fazer aqui a exposição, embora rápida, de que na Inglaterra se está a preparar em vista a uma contingentação muito mais apertada.
Até há pouco vivia-se numa situação criada pelo acordo de 1938 com vigor para dez anos, a terminar, por consequência, no próximo ano.
Durante estes dez anos esteve garantida à indústria britânica uma semana para oito de exibição nos 4:000 cinemas ingleses, o que dava à produção americana um lugar ainda predominante nas próprias salas inglesas.
Todavia, ao aproximar-se o termo do acordo e quando havia de ser revisto, levantou-se logo na Inglaterra uma

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oposição rigorosa à sua prorrogação, reclamando-se outro lugar à produção nacional.
O que se pretende é isto: criar à indústria britânica condições que lhe permitam não só o lugar que lhe cabe nas salas de exibição britânicas, mas, ainda mais: que uma outra resolução leve ao entendimento com os Estados Unidos em condições de se dar à produção inglesa nos Estados Unidos um contingente proporcional à situação que a indústria americana conquistou na Grã-Bretanha.
Note-se bem: a situação da Inglaterra perante os Estados Unidos é completamente diferente da nossa, por haver, além do mais, metido de permeio o problema linguístico, o qual só por si transforma tudo. Salvas as proporções da produção, poderia ser como Portugal perante o Brasil; a nossa lei, porém, prepara, e justamente para o Brasil, condições perfeitamente diferentes das que neste momento estão a ser defendidas na Inglaterra, onde a discussão se tornou de tal maneira séria que a reacção dos produtores americanos se não fez esperar - imediata e forte -, tanto mais que a posição dos produtores já foi defendida publicamente pelo Ministro do Comércio inglês.
Compreende-se bem a surpresa e a reacção dos americanos, que têm estado até agora perfeitamente à vontade em todos os mercados do Mundo, com excepção do mercado russo e de um outro que me permitirei de classificar "para-ruso", onde a indústria cinematográfica constitui monopólio do Estado, o, da Checoslováquia, que acaba de realizar com os Estados Unidos um acordo com base na reciprocidade.
Contudo o sentido realista dos americanos não os desorientará por muito tempo, e já se principia a verificar que, perante as decisões expressas nos mercados europeus, chegou o momento de se entrar no caminho das negociações entre estados.

O Sr. Melo Machado: - Uma mercadoria como outra qualquer...

O Orador: - Uma mercadoria como outra qualquer. O problema põe-se assim. O Sr. Ens Jolmston, que é, por assim dizer, o chefe da produção americana, como presidente da Motion Picture Association, ameaça neste momento com a proibição de filmes estrangeiros na América. Claro quo semelhante decisão não deixaria de provocar reacções idênticas nos países prejudicados ou então obrigará os outros estados a negociarem com a própria América. E parece ser este o caminho a seguir.
Este é também o caminho que aponta o decreto-lei, quando diz, no seu artigo 26.°:

O Governo celebrará com outros países produtores de filmes acordos destinados a
fomentar o intercâmbio técnico, "artístico e comercial do cinema.

Não se pode ser mais largo na decisão: intercâmbio técnico, artístico e comercial; nem parece que transpareça deste artigo, ao contrário do que já se tem dito, qualquer intenção de estabelecer para a produção nacional o monopólio no mercado nacional. E é mais do que seguro que não está isso no pensamento do Governo, que apenas pretende garantir à indústria portuguesa, como é seu direito e sua obrigação, condições de vida semelhantes às de qualquer outra indústria e cujo desenvolvimento considere de interesse público; e de criar as condições suficientes para se possa negociar com outros países produtores em termos de segurança.
Eis o que sob tal aspecto me parecia dever expor; e mais considerações não farei, que mais não soja para não fatigar a atenção da Câmara.

Vozes: - Não apoiado! Não apoiado!

O Orador: - Há, todavia, mais algumas observações a fazer e que talvez devam ser apontadas desta tribuna, neste momento, para que o Governo as possa levar em conta, ou no regulamento deste decreto-lei, ou, se o entender melhor, em outra disposição que lhe pareça oportuna tomar. Parece com efeito necessário que se criem condições de produção economicamente mais útil nos laboratórios; isso competiria promovê-lo em primeiro lugar aos grémios respectivos, àqueles grémios que têm exposto à Assembleia, sem critério de justiça, aquilo que lhes pareço prejudicar os seus interesses imediatos, mas que se calaram quanto a certos aspectos em que tinham obrigação de intervir há muito tempo.
Deve-se acentuar, por exemplo, que as tabelas em vigor no único laboratório que possuímos silo excessivamente elevadas, o que vem colocar a nossa produção numa situação de inferioridade, por exemplo, em frente da produção espanhola, que usufrui de tabelas muito mais favoráveis.

O Sr. Mendes Correia: - V. Ex.ª está de acordo comigo do que são tabelas altas...

O Orador: - Estou de acordo com V. Ex.ª em muita coisa, e porque ambos procuramos defender o cinema português.
Todavia, V. Ex.ª não defende a ratificação pura e simples deste decreto-lei e eu defendo-a.
De uma maneira geral deve promover-se a reorganização da indústria. Há casas produtoras a mais, como há casas distribuidoras a mais. É preciso criar à indústria as condições necessárias para fazer bons filmes. Que se lhe dêm por conseguinte condições técnicas de que ainda carece, levando-a a praticar o intercâmbio sugerido no decreto-lei.
A verdade é que neste momento as condições começam a ser, de certa forma, diferentes das que têm sido; e, quando eu disse que alguns filmes custaram mais de 2:500 contos e que foram excessivamente caros para as condições do mercado português, deveria talvez, nessa altura, explicar que isso em parte se devia às condições anormais dos mercados fornecedores das matérias-primas indispensáveis.
Ao contrário do que se dá com outras, principia na indústria do cinema a notar-se progressiva normalização nos preços de certos produtos essenciais, que durante a guerra haviam alcançado alturas descompassadas.
Assim acontece, felizmente, com o filme virgem; e em Outubro passado, o metro de negativo desceu do 4$75 para 3$60, o som de 3$20 para 1$40, o positivo de 1$75 para 1$15.
É substancial a descida e, só por isso, pode levar à rectificação de muitos dos orçamentos organizados antes de Outubro para muitos filmes.

O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª terá elementos para fazer o favor de me dizer se houve algum filme nacional que desse prejuízo à empresa produtora?

O Orador: - Houve, sim senhor.

O Sr. Carlos Borges: - Eu fiz esta pergunta porque na província, quando se exibe um filme português, mesmo ruim, enche-se sempre a sala, ainda que no cinema concorrente se exiba um bom filme estrangeiro.

O Orador: - É efectivamente assim; e, todavia, tem sucedido a alguns encontrarem dificuldade de salas para estreia. Terminando esta parte das minhas considerações, direi: temos obrigação de defender, no plano económico, o cinema português, mas de o defender claramente se

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queremos ser coerentes com a atitude que se toma quando se pretende obter a defesa de indústrias que pelas suas condições especiais precisam de ser amparadas.
Temos de defender o cinema português de todas as concorrências reais em todos os aspectos que seja justo fazê-lo, porque é assim que se procede em toda a parte quando se quer proteger uma indústria nacional das grandes organizações económicas internacionais que pretendem definitiva mente esmagar as indústrias dos pequenos países, para a conquista sem disputas dos respectivos mercados.
O Sr. Melo Machado: - Parece que deve ser indispensável, como o é em todo o Mundo.

O Orador: - Sr. Presidente, posto isto, permita-me V. Ex.ª que eu entre agora no aspecto social deste problema, com muita pena de o não poder fazer senão por forma breve, bem contrária à sua efectiva importância.
Há um provérbio francês que diz assim: Le diable porte pierre. Até o diabo é capaz de trazer uma pedra para a construção do edifício que ele gostaria de ver completamente derruído.
Não posso desligar-me desta expressão proverbial francesa ao propor-me citar uma expressão de Lenine com a qual, adaptando-a a Portugal, concordo inteiramente: "De todas as artes, a mais útil para a Rússia é a arte cinematográfica".
Lenine viu desde 1917 a importância construtiva ou destrutiva do cinema. Publicou então um trabalho, em que se lê aquela expressão, e que todos os técnicos consideram verdadeiramente notável. Foi traduzido para francês e publicado numa revista que teve grande divulgação por todo o Mundo, a revista Lê Móis. Simplesmente, o volume em que vinha publicado o estudo de Lenine é hoje raríssimo no Mundo, porque ao saber que esse trabalho se publicara em tradução francesa, a embaixada soviética em Paris adquiriu todos os exemplares que pôde encontrar. Sabiam que o cinema é uma arma poderosíssima para o bem e para o mal e desejavam, com alguma ingenuidade, que o resto do Mundo o não suspeitasse.
Isso tem sucedido, aliás, como se sabe, a muitas outras coisas russas...
Na realidade, nenhuma arte, nem a própria arte literária, possui as condições de penetração, de informação e de deformação aliciantes que possui o cinema. Entra pêlos olhos, na precisa expressão da palavra, faz-se entender até quando é desconhecida a língua que se fala na tela - faz-se entender pêlos próprios movimentos -, é capaz de arrastar para o bem ou para o mal. É uma arma que obriga a esforços de legítima defesa, ou que obrigará, por outro lado, a toma-la para o legítimo ataque às forças do mal.
Votou-se nesta Câmara uma lei que proíbe as crianças e a juventude de frequentarem cinemas, estabelecendo as condições em que poderiam fazê-lo.
Sempre me pareceu inútil essa lei, por generosas que fossem as suas intenções: não podia deixar de ser inútil desde que não se tomassem ao mesmo tempo precauções para se garantirem às crianças e à juventude a frequência de bom cinema. Proibi-las, somente, de frequentar o cinema que existe e é, na máxima parte, mau ou impróprio de tais idades, não basta: será necessário oferecer-lhes satisfação à curiosidade que leva a vencer todas as dificuldades para ver o movimento da acção na tela.
E era inútil, porque o foi: porque não chegou nunca a poder executar-se; nem sei quais seriam as condições necessárias para que um Ministro da Educação pudesse exigir de um Ministro do Interior a mobilização dos policias para que essa lei se aplicasse.
Quem tem filhos sabe como lhe foi difícil, ou lhe foi impossível a certa altura, evitar que eles frequentassem cinemas que não deveriam frequentar; a polícia pública não foi mais apta neste aspecto do que a polícia doméstica de cada um.
Eis o que nos leva a sublinhar ainda mais a necessidade do cinema a que possam ir sem escrúpulos homens, mulheres, crianças, raparigas e rapazes; bom cinema: em que sentimentos e pensamentos susceptíveis de erguer as almas não sejam excepção.
Sabemos que é mais difícil, até porque é mais difícil fazer obra de arte pura do que fazer obra de arte mesclada de todas as tentações sedutoras à parte animal de todas as criaturas. No cinema, como nas demais artes...
Se, julgo, a literatura romanesca, por exemplo, é hoje caracterizada, mais do que por uma certa forma literária, por uma certa falta de vergonha predominante, não será com ser mais fácil ao artista o fazer-se ler sofregamente quando expõe todos os casos asquerosos da vida entorpecida do que se procurasse levantar uma grande figura, por exemplo, ou um grande ambiente moral, como ainda é costume, graças a Deus, na maior parte das famílias portuguesas?
É mais fácil; e é verdadeiramente necessário possuir talento de excepção para conseguir fazer obra de arte, ao mesmo tempo aliciante e criadora, com sentimentos nobres, quase sempre singelos, alheios por isso aos contrastes que dominam a imaginação.
É assim na arte literária; é assim no cinema.
Sr. Presidente: graças a Deus que o nosso País anda infinitamente atrasado na evolução espantosa da dissolução moral. Mas não há dúvida de que a posição que o cinema tomou, e era inevitável que tomasse, a não sor que se proibisse pura e simplesmente, contribuiu excepcionalmente para a dissolução dos costumes.

O Sr. Querubim Guimarães: - Mas não há uma censura?...

O Orador: - Há uma censura; mas quando o que há a cortar ó muito, e se corta alguma coisa, julga-se que se cortou demais; e o que fica é bastante, todavia, para fazer mal.
E temos visto, por isso, deixar entrar constantemente, a par de alguns filmes admiráveis, muitos outros que são a defesa constante, pertinaz, de pontos de vista perfeitamente adversos aos interesses do espírito português, da moral cristã, da verdade religiosa e da tradição nacional.
Eis por que em primeiro lugar nos assiste a obrigação de contrapor a tais filmes outros que correspondam à nossa vida, ou onde se respire espírito português, ou que, ao menos, representem o mais elevado do que lá por fora se realiza.
Creio que poucas vezes se definiu tão bem como no decreto-lei a qualidade de filme português. "Serão considerados filmes portugueses - segundo o artigo 10.°, para efeitos da protecção estabelecida neste decreto-lei - aqueles filmes que obedecerem cumulativamente às seguintes condições: serem falados em língua portuguesa; serem produzidos em estúdios e laboratórios pertencentes a sociedades portuguesas, instalados em território português; serem representativos do espírito português, pelo seu tema, ambiente, linguagem e encenação, sem prejuízo dos grandes temas da cultura universal".
Não creio assim que, se efectivamente se der a interpretação superior que se deve dar à definição de filme português para ser protegido, seja possível haver qualquer dúvida acerca das intenções do diploma que vem à nossa ratificação.

O Sr. Mendes Correia: - V. Ex.ª dá-me licença? Referindo-me à classificação dos filmes portugueses digo

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que esse artigo está errado. É evidente que são portugueses filmes feitos, por exemplo, no alto-mar, na Terra Nova, em qualquer ponto que não seja um estúdio. Esse artigo está errado.

O Orador: - Estou convencido de que não está.
Quando se diz: "produzidos em estúdios e laboratórios portugueses de sociedades portuguesas instaladas em território português", o que se quer dizer, e diz, é isto: que não sejam revelados ou tratados fora dos estúdios portugueses. Isso é evidente.

O Sr. Mendes Correia: - Mas produção num estúdio não é revelação. Um estúdio pode ser o alto-mar.

O Orador: - Mas V. Ex.ª sabe que a palavra "estúdio" tem na linguagem cinematográfica um sentido certo.

O Sr. Mendes Correia: - Mas muito restrito.

O Orador: - Não tanto como isso, porque o mar da Terra Nova, para ser bem dado, terá de se fazer às vezes em dependências do estúdio.
Devo confessar que nunca me passara pela cabeça a ideia de que por esta redacção se julgue ver proibida a produção de um filme que, embora feito numa parte em estúdios portugueses, tivesse um "exterior", por exemplo, dos nossos barcos que andam na faina da Terra Nova.

O Sr. Mendes Correia: - E se o filme for passado todo fora de Portugal?

O Orador: - Não creio que se possa entender outra coisa diferente da interpretação que dei.
Apoiados.
Quando se diz: "produzidos em estúdios e laboratórios, portugueses", o que se pretende dizer, e o que realmente se diz, é que não sejam preparados em estúdios ou laboratórios estrangeiros.
Não sou um intérprete de leis com qualidade de mestre; mas creio sê-lo do sentido normal das expressões de língua portuguesa, e julgo que pela redacção da lei não podem levantar-se dúvidas a este respeito.
Sr. Presidente: eu não quero alargar-me mais. Sustentei que com este decreto-lei se estabelecem as condições necessárias para que no regulamento a preparar se atendam a todas as necessidades do cinema português e de harmonia com os desejos de todos os portugueses, isto é, com possibilidades de natureza económica, social o também nacional que lhe permitam defender-se das intervenções e concorrência dos nacionalismos estrangeiros expressos cinematogràficamente.
Dir-se-á, porém - já o ouvi dizer e já se escreveu -, que este decreto-lei era levantado contra determinadas organizações de cinema. Não pretende ser, creio, senão defesa do cinema português.
Defesa do nosso nacionalismo contra o nacionalismo dominador, económico, cultural, político de outros países, é nossa legítima defesa e nosso direito fazê-lo. Corresponde além disso à hora que passa no Mundo, o que foi raro durante muito tempo e já o não é agora.
Por isso e por todos os motivos expostos entendo que a Câmara deve conceder ao decreto-lei em discussão a ratificação pura e simples.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da sessão de amanhã será a continuação do debate sobre o decreto-lei de protecção ao cinema nacional.
Espero que este debate se encerre amanhã, mas, se não for possível, continuará no sábado.
Na próxima semana, se a sessão legislativa for prorrogada, como é provável, serão discutidos os avisos prévios do Sr. Dr. Bustorff da Silva, sobre a política monetária, e do Sr. Figueiroa Rego, sobre o problema, das lãs.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Carlos Borges.
Artur Proença Duarte.
João Garcia Nunes Mexia.
José Maria de Sacadura Botte.
Manuel Colares Pereira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Querubim do Vale Guimarães.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de 'Magalhães.
Alberto Cruz.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Augusto César Cerqueixa Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Saldanha.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Proposta de lei relativa ao imposto sobre sucessões e doações, a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:

Proposta de lei n.° 153, acerca do imposto sobre sucessões e doações

1. Pela presente proposta de lei, submete o Governo à consideração da Assembleia Nacional os resultados do estudo determinado pelo § 2.° do artigo 4.° da lei n.° 2:010, do 22 de Dezembro de 1945.

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Ao incluir na proposta da lei de meios para o mesmo ano a disposição que a Assembleia veio a converter na citada determinação tinha já o Governo iniciado o estudo de uma reforma destinada a traduzir em realidade a aspiração, por mais de uma vez mencionada em anteriores relatórios financeiros, de impedir que o peso de uma tributação excessiva, recaindo periodicamente sobre os pequenos patrimónios familiares, pudesse contribuir para a sua dissolução. Só a dificuldade prática d*3 avaliar com segurança o reflexo financeiro das reduções de receita ocasionadas pela projectada reforma impediu que esta pudesse há mais tempo ser levada a efeito. Não possuíamos ainda há poucos anos as estatísticas que hoje constituem valioso elemento de trabalho para estudos desta natureza e teria sido temerário confiar apenas em critérios empíricos.
A intenção de defesa dos pequenos patrimónios não seria, porém, atingida pelo simples desagravamento do imposto sucessório se continuassem a subsistir os encargos resultantes dos inventários orfanológicos, cuja redução, por isso mesmo, ia sendo objecto de cuidadoso estudo por parte do Ministério da Justiça. Mostram, na verdade, os números estatísticos que estes encargos se elevam muitas vezes a mais do dobro do imposto sucessório. For isso se julgou oportuno fazer, a final, das medidas estudadas pelos Ministérios da Justiça e das Finanças um sistema de conjunto, objecto da presente proposta de lei.
Esta ampliação do primitivo pensamento do Governo levou naturalmente a dar à determinação da Assembleia Nacional uma interpretação extensiva que permitisse harmonizar os escalões de isenção e redução do imposto com os de isenção e redução das custas judiciais, tornando-se desta forma mais eficiente a defesa dos pequenos patrimónios, sem motivar um agravamento excessivo da indispensável e prevista taxa de compensação.
Prevê-se, além disso, em continuação da política já iniciada pelo decreto-lei n.° 32:851, de 15 de Junho de 1943, o alargamento, à medida das possibilidades, dos prazos de pagamento do imposto em função dos rendimentos do casal que devem satisfazê-lo, já que por vezes eles são afectados, mais do que pelo peso da tributação, pela exigência do seu pronto pagamento.

2. As soluções que se propõem têm-se como as razoáveis e possíveis nas actuais circunstâncias.
As transmissões a favor de descendentes ficam isentas do imposto de sucessões e doações até ao valor de 100 contos por cada beneficiário, e entre este e o de 150 contos isentas do adicionamento criado pelo decreto n.° 19:969.
Quanto às custas dos inventários orfanológicos, concede-se isenção total às quotas que não excedam 25 contos e isenção de selo e redução de 60 por cento do imposto de justiça às de valor entre 25 e 100 contos. Os interessados em quotas até 5 contos não reembolsarão sequer o tribunal das despesas por este efectivamente realizadas com os encargos referidos nos n.08 2.° a 8.° do artigo 49.° do Código das Custas Judiciais.
Considerando ser de quatro a média dos descendentes das famílias portuguesas e de regra o regime de comunhão, poderemos avaliar dos resultados da proposta figurando os seguintes exemplos práticos:

I - Valor do casal, 40 contos. Valor da quota de cada descendente, 5 contos.

Aplicação da doutrina proposta:

Isenção completa do imposto sucessório e isenção completa de custas no respectivo inventário orfanológico.

II - Valor do casal, 200 contos. Valor da quota de cada descendente, 25 contos.

Aplicação do preceituado na proposta:

Isenção completa do imposto sucessório e isenção das custas judiciais no inventário, com excepção dos pequenos encargos previstos nos n.ºs 2.° a 8.° do artigo 49.° do Código das Custas Judiciais.

III - Valor do casal, 800 contos. Valor da quota de cada descendente, 100 contos.

Aplicação da proposta:

Isenção do imposto sucessório e isenção do selo e redução do imposto de justiça a 40 por cento.

IV - Valor do casal, 1:200 contos. Valor da quota de cada descendente, 150 contos.

Aplicação:

Isenção do imposto sucessório nos primeiros 100 contos e isenção do adicionamento criado pelo decreto n.° 19:969 nos 50 contos restantes.

Julga o Governo que estes exemplos práticos mostram realizada a intenção da reforma e impossível ou inconveniente a adopção das soluções extremas por vezes preconizadas.

3. Procurou-se a base para a taxa de compensação na matéria colectável das contribuições predial e industrial e na do imposto sobre a aplicação de capitais, isto é, dos impostos gerais que recaem sobre rendimentos total ou parcialmente provenientes de um capital.
Para determinar o montante previsível da redução de receitas foram organizadas, em face dos últimos elementos estatísticos publicados (1943, 1944 e 1945), as tabelas juntas a esta proposta. For elas se apura que a perda de receita proveniente da isenção e desagravamento do imposto sucessório deve computar-se numa média superior a 45:000.000$ anuais e a derivada da isenção ou redução do imposto de justiça deverá ser superior a 15:000.000$, ou seja um total de mais de 60:000.000$.
O montante da taxa de 1,5 por cento sobre os rendimentos da contribuição predial pode calcular-se em 31:000.000$ e em 33:000.000$ o que se espera da de 2 por cento sobre os rendimentos da contribuição industrial e do imposto sobre a aplicação de capitais. Desta sorte se calculou ficar assegurada compensação suficiente sem melhorias de rendimento, que o Governo não intentou obter por este meio.
A base adoptada relaciona-se logicamente com a reforma que tornou indispensável a taxa, e o sistema de adicionamento, além de facilitar a liquidação, permitirá fazer a sua integração nos respectivos impostos à medida que for evoluindo o seu regime legal.
Foram ainda, quanto à incidência, tomados em consideração alguns casos especiais em que poderia notar-se agravamento excessivo.
Assim, nos rendimentos sujeitos a contribuição predial rústica entendeu-se que deviam ficar isentos da taxa de compensação os constantes de matrizes cadastrais e colectados pela taxa de 10 por cento. E sabido que a aplicação do regime do cadastro geométrico tem tido como resultado aumento por vezes avultado de rendimentos colectáveis, que, mesmo com a redução da taxa à tradicional décima, tem produzido aumentos sensíveis do rendimento fiscal. A aplicação da taxa

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compensadora sobre estes rendimentos representaria agravamento de desigualdades de tributação em face dos não avaliados em cadastro. Por isso se isentaram da taxa de compensação os rendimentos cadastrais colectados pela taxa de 10 por cento, o que representa, uma vez que o cadastro se irá generalizando a todo o País, estar aqui assegurada a integração progressiva a que atrás se fez referência.
Na contribuição industrial não é abrangida pela taxa de compensação a matéria colectável - que aliás só indirectamente poderia determinar-se - do grupo A. Este imposto recai normalmente sobre actividades comerciais ou industriais exercidas sem especiais exigências de capital, não supõe necessariamente a existência de um património a essas actividades afectado de maneira estável e deve considerar-se, por assim dizer, na fronteira entre a contribuição industrial e o imposto profissional. Por isso se julgou não dever ser considerado para a taxa de compensação.
E certo que em alguns casos de tributação pela contribuição industrial do grupo A há patrimónios relativamente importantes adstritos ao exercício da actividade colectada, mas, além de que são restritos os casos em que essa importância é verdadeiramente relevante, pensa-se que a evolução deve dar-se precisamente no sentido de os integrar no grupo C, deixando o grupo A limitado às actividades que verdadeiramente obedecem à característica acima enunciada.
Quanto ao imposto de aplicação de capitais, secção B, e uma vez que já existe a tributação por avença para os títulos do Estado e para as acções e obrigações ao portador emitidas por outras entidades, não havia que alterar este regime -relacionado com o regime geral do imposto sucessório-, mas apenas que estendê-lo aos casos por ele ainda não abrangidos - as acções e obrigações nominativas de quaisquer entidades. Por esta forma se estabeleceu entre estas e as ao portador uma uniformidade de regime fiscal, que se afigura vantajosa sob vários aspectos.

4. No respeitante à isenção e redução das custas judiciais, dois aspectos mereceram especial consideração: a extensão do benefício às quotas dê meação e a compensação a conceder aos funcionários de justiça pela perda de emolumentos resultante das isenções ou reduções concedidas pelo presente diploma.
A extensão do benefício às quotas de meação torna-se imposição das realidades conhecidas. Se havia a intenção de proteger contra o desmoronamento económico as pequenas economias familiares, não podia desconhecer-se que o pagamento dos encargos de inventário nos casais cujos rendimentos não excedem as necessidades normais de subsistência quase sempre oneram irremediavelmente, quando não levam à alienação imediata, bens comuns correspondentes ao pagamento exigido.
Uma defesa eficaz dessas pequenas economias familiares reclamava, pois, a extensão do benefício que se propõe a todos os bens componentes dos pequenos casais inventariados.
Para compensar os funcionários de justiça das perdas emolumentares ocasionadas abandona o Tesouro em favor do Cofre dos mesmos funcionários o imposto de justiça cuja arrecadação subsiste das isenções e reduções. Julgou o Governo que não seria razoável, numa reforma que visa à defesa económica dos pequenos patrimónios, comprometer os réditos estabelecidos em favor de outros.
Por isso se determina que os emolumentos perdidos por motivo da isenção de custas sejam compensados pelo Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, abonado para esse efeito pelo imposto d)e justiça perdido pelo Tesouro. Ainda com o mesmo intuito, se propõe o aumento de outras percentagens compensadoras de previsíveis reduções emolumentares.

Nestes termos, o Governo submete à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° São isentos do imposto sobre sucessões e doações, incluindo o adicionamento criado pelo decreto n.° 19:969, de 29 de Junho de 1931, as transmissões por título gratuito a favor de descendentes até ao valor de 100.000$ "por cada interessado nos bens transmitidos pelo mesmo ascendente.
Art. 2.° Ficam também isentas do adicionamento criado pelo decreto n.° 19:969 as transmissões a favor de descendentes de valor superior a 100.000$, mas não excedente a 150.000$ por cada interessado.
Art. 3.° Continuam sujeitos ao imposto de sucessões e doações, (pela forma especial de liquidação em vigor, os títulos da dívida pública fundada, e será extensiva aos títulos nominativos emitidos por quaisquer entidades a forma de liquidação e cobrança do mesmo imposto prescrita no decreto n.° 4:692, de 12 de Julho de 1918, e disposições complementares.
Art. 4.° Para determinação das taxas aplicáveis à transmissão de bens ou quotas-partes que excederem os limites da isenção será tomado em conta o valor por inteiro dos bens transmitidos, inclusive o dos títulos do dívida pública ou quaisquer outros, nominativos ou ao portador.
Art. 5.° O pagamento do imposto sobre sucessões e doações poderá fazer-se em prestações, que serão fixadas lendo em conta o montante da liquidação e o dos rendimentos da economia familiar que haja de satisfazê-lo.
Art. 6.° Nos inventários orfanológicos as quotas-partes de meação ou a favor de descendentes do inventariado gozarão das isenções e reduções de custas seguintes:
a) Isenção de custas, as quotas-partes que não excederem 25.000$;
b) Isenção de selo e redução de 60 por cento no imposto de justiça, se forem superiores a 25.000$, mas não excedentes a 100.000$.
§ único. A isenção prevista na alínea a) não abrangerá, nas quota-partes superiores a 5.000$, os encargos previstos nos n.ºs 2.° a 8.° do artigo 49.° do Código das Custas Judiciais.
Art. 7.° Nos processos em que tiver lugar a redução de custas reverterá integralmente para o cofie da respectiva secretaria, para ter o destino legal, o imposto de justiça que for arrecadado.
Art. 8.° Os emolumentos que os funcionários judiciais deixarem de receber por motivo da isenção de custas prevista no presente diploma, com excepção das que respeitarem a incidentes dos inventários, serão compensados pelo Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça.
Art. 9.° Para execução do prescrito no artigo anterior, a percentagem do imposto de justiça atribuída ao Estado, nos termos do artigo 47.° do Código das Custas Judiciais, acrescerá à pertencente ao referido Cofre dos Funcionários de Justiça.
Art. 10.° É criada a taxa de compensação do imposto de sucessões e doações, que incidirá na razão de 1,5 por cento sobre os rendimentos que servirem de base à liquidação da contribuição predial e na de 2 por cento sobre os rendimentos que servirem de base h determinação da contribuição industrial do grupo C e do imposto sobre a aplicação de capitais, secções A e B.
§ 1.° Serão tomados em conta para a liquidação da taxa de compensação os rendimentos colectáveis dos

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prédios temporàriamente isentos de contribuição predial e isentos da mesma taxa os rendimentos dos prédios rústicos inscritos nas matrizes cadastrais tributados em contribuição predial pela taxa de 10 por cento.
§ 2.° Exceptuam-se da taxa sobre rendimentos sujeitos a, contribuição industrial os das sociedades anónimas e comanditas por acções colectadas pelo sistema do grupo C e da taxa que incide sobre os da aplicação de capitais os Rendimentos dos títulos tributados por avença, nos termos do artigo 3.°
Art. 11.° Sobre a taxa de compensação criada por este diploma não recairá adicional algum.
Art. 12.° Os emolumentos pessoais a que se refere a alínea a) do artigo 10.° do decreto-lei n.° 26:116, de 23 de Novembro de 1935, passam a ser de 0,6 por cento nos concelhos de Lisboa e Porto e de 0,4 por cento nos demais concelhos.
Art. 13.° A compensação emolumentar dos funcionários do registo civil referida na segunda parte do n.° 2.° do artigo 126.° do regulamento aprovado pelo decreto n.° 5:859, de 6 de Junho de 1919, passa a ser de $05 por cada emolumento fixo e de 0,3 por cento sobre a cobrança do imposto de sucessões e doações liquidado após a transmissão.
Art. 14.° Poderá o Governo estabelecer para as contravenções ao disposto mesta lei multas até 20.000$

Paços do Governo da República, 12 de Fevereiro de 1947. - O Ministro da Justiça, Manuel Gonçalves Cavaleiro de Ferreira - O Ministro das Finanças, João Pinto da Conta Leite.

RESUMO

Quebra de receita pela isenção do imposto sucessório e da taxa uniforme (4 por cento) nas transmissões a favor de descendentes, aquele nos primeiros 100 contos e esta nos primeiros 150 contos de cada quota, conforme:

Quadro I - Imposto o taxa uniforme correspondentes às quotas até ao valor de 100 contos.................................................. 33:706.008$
A transportar............................................... 33:706.008$
Transporte ................................................. 33:706.008$ Quadro II-Imposto e taxa uniforme correspondentes aos primeiros 100 contos das quotas superiores a esta quantia ................ 10:066.000$
Quadro III - Taxa uniforme relativa à parte excedente a 100 contos nas quotas de 100 a 150 contos ................................. 273.333$ Quadro IV - Taxa uniforme relativa à parte excedente a 100 contos e até 150 contos nas quotas superiores a esta ultima quantia . 1:430.000$
Soma ....................................................... 45:475.341$
Quebra de receita pela isenção e redução de custas nos inventários orfanológicos............................................... 15:000.000$
Total ...................................................... 60:475.341$
Taxa de compensação a aplicar aos rendimentos sujeitos a contribuição predial, contribuição industrial - grupo C e imposto sobre a aplicação de capitais (3.838:345.096$, constantes ao quadro V, deduzidos de 27:609.293$ referentes aos concelhos em regime cadastral, com a taxa de 10 por cento, de Beja, Castro Verde, Cuba e Vidigueira), para produzir a receita perdida . 1,5809%

assim obtida:

60:475.341$ X 100
3.838:345.096$ - 27:609.293$
= 1,5869

Receita provável da taxa de compensação sobre os rendimentos colectáveis abaixo designados

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Não compreende o rendimento de 27:609.293$, referente aos concelhos em regime cadastral, com taxa de 10 por cento.

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21 DE FEVEREIRO DE 1947 571

QUADRO I

Valor das transmissões a favor de descendentes até 100.000$ por cada um e imposto correspondente, incluindo a taxa uniforme (4 por cento)

[Ver Tabela na Imagem]

QUADRO II

Valor das transmissões a favor de descendentes excedendo 100.000$ por cada um e imposto correspondente aos primeiros 100.000$, Incluindo a taxa uniforme (4 por cento)

[Ver Tabela na Imagem]

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572 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 89

QUADRO III

Valor das transmissões a favor de descendentes entre 100.000$ e 150.000$ por cada um e taxa uniforme (4 por cento) relativa à parte excedente a 100.000$

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Deduzidas por proporção dos resultados verificados com referência a 1945 pelo Instituto Nacional de Estatística.
(b) Resultados verificados pelo referido Instituto.

QUADRO IV

Valor das transmissões a favor de descendentes superiores a 150.000$ por cada um e taxa uniforme (4 por cento) relativa à parte excedente a 100.000$ e até 150.000$

[Ver Tabela na Imagem]

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21 DE FEVEREIRO DE 1947 573

QUADRO V

Rendimentos sujeitos às contribuições e Impostos abaixo indicados nos anos de 1943 a 1945

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Discriminação dos rendimentos sujeitos ao Imposto sobre a aplicação de capitais -Secção B e que ficam abrangidos pela taxa de compensação:

[Ver Tabela na Imagem]

RELATÓRIO

Pretende-se obter uma estimativa do número de transmissões a descendentes de valor compreendido entre 100 e 150 contos.
Conhecemos as transmissões agrupadas em classes de valor:

500$ a 1.000$
1.00$. a 5.000$
5.000$ a 20.000$
20.000$ a 100.000$
100.000$ a 500.000$
500.000$ a 1:000.000$
De mais de 1:000.000$
500.0000 a 1:000.000$

e dentro de cada classe o número e o valor total.
Procedemos do modo seguinte:
Considerando as classes 20 a 100 contos, 100 a 500 e 500 a 1:000, construímos o histograma, tendo como bases as amplitudes das classes e sendo as alturas determinadas de modo que a área do rectângulo do histograma fosse igual ao valor da classe considerada; assim, para a classe de 20 a 100 contos, de valor 184:125 contos, determinamos a altura do rectângulo h1 de modo que

h1 X (100-20) = 184,125
donde
h1 = 2:302

e para as outras classes

h2= 192:916
500-100
= 482

h3= 66:486
1:000-500
= 133

Determinamos em seguida os pontos centrais (não médios) de cada rectângulo (classe) procurando o valor médio de cada transmissão dessa classe, obtendo:

V1= 184:125
4:547
= 40,5 (contos)

v2= 192:916
951
= 202,8 (contos)

v3= 66:486
93
= 699,8 (contos)

onde os denominadores são os números de componentes de cada classe.
Pêlos pontos de coordenadas

(v1 h1), (v2 h2) e (v3 h3)

fizemos passar uma curva que ainda condicionámos a que a área limitada por ela, o eixo transverso e as ordenadas correspondentes aos limites de cada rectângulo do histograma fosse igual à desse rectângulo.
Obtida esta curva determinámos a área limitada pelo segmento do eixo transverso 100 - 150, as ordenadas referentes aos extremos deste segmento e o arco da curva por estas delimitado, que representa o valor das transmissões que correspondem ao intervalo 100 a 150 contos, e, tomando como valor médio dessas transmissões o valor (lido no eixo transverso) correspondente ao ponto em que a curva corta a base superior do rectângulo de base 100 - 150 e área igual à que acabamos de referir, obteremos o número de transmissões dividindo o seu valor total pelo valor médio de cada um, assim calculado.

Obtivemos:

Valor das transmissões do intervalo:

100-150 = h1 X 50 = 46:000 (contos)

Valor médio das transmissões do grupo:

122 (contos)

Número de transmissões:

46:000
122
= 377.

Lisboa, 13 de Dezembro de 1946.

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574 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 89

Custas nos inventários orfanológicos

[Ver Tabela na Imagem]

Observações. - O total dos inventários sujeitos a custas foi:

No ano de 1943 ...................... 8:946
No ano de 1944 ...................... 8:896

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Número e valor de legados, quotas ou doações recebidos por descendentes

Continente e ilhas

1945

[Ver Gráfico na Imagem]

Valores dos legados, quotas ou doações

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576 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 89

Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção

Estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra

BASE I

O Ministério da Guerra só terá na sua dependência os estabelecimentos ou organizações industriais e comerciais indispensáveis ao provimento das necessidades da defesa nacional que não possam ser satisfeitas por intermédio de empresas privadas ou os que convenha reservar, total ou parcialmente, para mais perfeita eficiência da força armada, no que diz respeito a rapidez de acção e segurança ou manutenção de segredo em assuntos relativos à mesma defesa.

BASE II

Os estabelecimentos industriais e comerciais na dependência do Ministério da Guerra não podem, em geral, concorrer no campo económico com as empresas ou actividades particulares, nem podem dedicar-se a fabricos ou trabalhos que não se contenham dentro dos objectivos estritamente prescritos na sua organização, salvo em caso de guerra ou de perigo iminente dela.
Pode, porém, ser autorizada a colaboração dos mesmos estabelecimentos com empresas privadas congéneres, quer para proporcionar à economia nacional a utilização da sua técnica especializada ou do seu melhor apetrechamento, quer para facilitar a preparação da mobilização industrial em caso de guerra ou de grave emergência.
§ único. O Ministério da Guerra, em relação às encomendas ou fabricos que seja possível obter simultaneamente nos estabelecimentos fabris do Estado ou nas empresas particulares, só preferirá os produtos dos estabelecimentos na sua dependência quando, respeitadas as características de qualidade e as conveniências quanto a prazos de entrega, lhe for possível obtê-los ali por menor preço.

BASE III

Para execução do disposto na base I, o Ministério da Guerra terá na sua directa dependência:
1) A Fábrica Militar de Braço de Prata;
2) A Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras;
3) A Fábrica Militar de Pólvoras e Explosivos;
4) As Oficinas Gerais de Equipamentos e Arreios (Fábrica Militar de Santa Clara);
5) As Oficinas Gerais de Material de Engenharia;
6) As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico;
7) As Oficinas Gerais de Fardamento;
8) A Manutenção Militar;
9) O Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos.
§ 1.° A Fábrica Militar de Braço de Prata destina-se especialmente:
a) Ao fabrico e reparação de armamento;
b) Ao fabrico e beneficiação de munições de artilharia, salvo o disposto nos §§ 2.° e 3.° desta base;
c) Ao fabrico de instrumentos de precisão, aparelhagem eléctrica e material de referenciação, necessários aos serviços militares;
d) Ao fabrico e reparação de viaturas hipomóveis e viaturas automóveis especializadas, destinadas à arma de artilharia ou ao serviço de munições, bem come ao fabrico e reparação de viaturas blindadas ou couraçadas, salvo, em qualquer caso, o que respeita aos órgãos motores;
e) Ao fabrico de ferramentas necessárias à laboração das indústrias militares.
A Fábrica disporá de laboratório devidamente apetrechado e das oficinas subsidiárias indispensáveis :o seu regular funcionamento.
§ 2.° A Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras destina-se ao fabrico e recuperação das diferentes espécies de cartuchos pura armas portáteis, bem como ao fabrico e recuperação das munições para bocas de fogo de pequeno calibre quando o apetrechamento industrial do. Fábrica aconselhe que aí se efectuem, incluindo sempre o seu carregamento.
§ 3.° A Fábrica Militar de Pólvoras e Explosivos destina-se ao fabrico de pólvoras físicas e químicas, de explosivos e artifícios especializados necessários à constituição de munições de todos os calibres e ao exercício da actividade militar. A este estabelecimento compete o carregamento das munições de artilharia ou de quaisquer outras cujo fabrico ou acabamento não estejam especialmente afectos a outro estabelecimento.
Enquanto o mercado não for devidamente abastecido de pólvoras químicas pela indústria particular nacional, pode a Fábrica estudar e preparar as fórmulas mais adequadas a esse abastecimento, podendo sempre lançar no consumo público os subprodutos da sua laboração nos limites estritamente necessários ao seu aproveitamento económico, no regime adoptado pela indústria particular.
§ 4.° As Oficinas Gerais de Equipamentos e Arreios destinam-se:
a) Ao fabrico dos equipamentos e correame necessários ao pessoal das forças armadas;
b) Ao fabrico de material de bivaque e acampamento necessário à vida das tropas em campanha;
c) Ao fabrico de arreios e artigos de correame necessários ao serviço dos solípedes e viaturas, ou ao bom acondicionamento e transporte dos materiais de guerra ou de mobilização necessários às forças militares.
§ 5.° As Oficinas Gerais de Material de Engenharia destinam-se:
a) Ao fabrico e reparação de material automóvel do exército, incluindo as viaturas automóveis especializadas para os serviços de engenharia, saúde e administração militar, bem como à reparação dos órgãos motores de quaisquer outras viaturas, mesmo blindadas ou couraçadas;
b) Ao fabrico e reparação do material de telegrafia e telefonia, por fios e sem fios, necessário à actividade das forças militares;
c) Ao fabrico e reparação de outro material especializado de engenharia que não seja possível realizar na indústria' particular.
§ 6.° As Oficinas Gerais- de Material Aeronáutico destinam-se ao fabrico e reparação do material aeronáutico do exército, bem como à execução de encomendas da mesma natureza que lhes sejam feitas pela aeronáutica naval ou civil.
No que respeita a aviões, as Oficinas devem estar equipadas por forma a poderem encarregar-se de fabricos e reparações tanto nos motores como nas células.
§ 7.° As Oficinas Gerais de Fardamento destinam-se à confecção e grande reparação dos artigos de vestuário e calçado necessários ao fardamento das tropas, quer em tempo de paz quer em tempo de guerra.
As Oficinas podem ser encarregadas de armazenar e conservar toda ou parte da reserva de fardamento e calçado necessários à mobilização das forças armadas.
Às Oficinas poderão ainda ser autorizadas a fornecer aos militares, directamente ou por intermédio das cantinas ou cooperativas militares, os artigos respeitantes ao seu uniforme.

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§ 8.° A Manutenção Militar destina-se a assegurar ao Ministério da Guerra o reabastecimento das forças militares em víveres e forragens e a constituição das reservas necessárias a uma eventual mobiliza são militar.
Por intermédio da Manutenção Militar pode o Ministério da Guerra prover ao fornecimento de pão e rancho às tropas, tendo em vista a melhoria do preço de custa pela concentração do serviço numa só direcção.
A Manutenção Militar pode ainda ser autorizada a colocar no mercado, no regime adoptado para a indústria particular, ou nas cooperativas e cantinas militares, os subprodutos ou excedentes da sua laboração que não possam ser consumidos pêlos serviços do Ministério da Guerra.
§ 9.° O Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos destina-se à manipulação e fabrico de medicamentos e outros produtos químicos necessários ou requeridos pelos serviços de saúde militar e ainda ao estudo de produtos respeitantes à guerra química e bacteriológica ou a contrabater os meios químicos utilizados em tal modalidade de guerra.
Fica provisoriamente a cargo do Laboratório a importação e armazenagem dos1 cloratos, percloratos, ácido pícrico e picratos necessários ao consumo público, sòmente colocados no mercado nos termos expressamente estabelecidos na lei, e ainda a intervenção na importação e comércio de estupefacientes, legalmente prevista para a Farmácia Central do Exército.

BASE IV

Além das atribuições especialmente conferidas, na base anterior, aos diversos estabelecimentos fabris, poderão estes ser encarregados pelo Ministério da Guerra de realizar as experiências e ensaios técnicos necessários ao estudo de problemas militares da sua especialidade, mediante o pagamento dos respectivos encargos. Os mesmos estabelecimentos poderão ainda ser aproveitados para a organização de cursos técnicos e estágios de engenheiros, mecânicos, artífices e mais especialistas das forças militares e também dos indivíduos sujeitos a mobilização extraordinária nos termos da base XVIII.

BASE V

Os estabelecimentos fabris militares dependem do Ministro da Guerra, por intermédio da Administração Geral do Exército e sem interferência ou ingerência das direcções das armas e serviços. Estas direcções serão, no entanto, ouvidas na elaboração das condições técnicas dos cadernos de encargos relativos às encomendas de novos fabricos ou de grandes reparações de material, podendo ser encarregadas de seguir a sua execução.
Salvo nos casos de encomendas ou aquisições que os serviços estejam autorizados a fazer e para os quais se encontrem habilitados com dotações orçamentais privativas, os estabelecimentos fabris militares só podem receber ou aceitar encomendas por intermédio da Administração Geral do Exército.

BASE VI

Nenhum estabelecimento pode executar nas suas fábricas ou oficinas trabalhos que estejam nas atribuições de outro estabelecimento, excepto em caso de necessidades impostas por circunstâncias particulares e devidamente reconhecidas pelo Ministro da Guerra. As direcções dos diferentes estabelecimentos fabris acordarão entre si ou encomendarão à indústria privada, conforme os casos, a execução dos trabalhos de que careçam para satisfação de contratos ou encomendas
que lhes tenham sido confiados pêlos organismos competentes. Da mesma forma, as oficinas ligeiras das unidades ou estabelecimentos militares não poderão efectuar trabalhos de fabrico ou de grande reparação que sejam das atribuições dos estabelecimentos fabris, devendo até ser extintas aquelas cujo âmbito de acção concorra com o dos mesmos estabelecimentos.

BASE VII

Os estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra vivem em regime de industrialização e ficam sujeitos aos princípios e normas que regem a actividade das empresas privadas. Têm completa autonomia administrativa, observam rigorosamente os preceitos da contabilidade orçamental e industrial e utilizam o sistema digráfico nos métodos de escrita, idênticos em todas as fábricas, oficinas e laboratórios.

BASE VIII

A administração dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra é da inteira responsabilidade dos respectivos directores, que serão assistidos por conselhos de carácter consultivo, constituídos pelo subdirector, quando o haja, e pêlos chefes de serviço, incluindo o chefe da contabilidade.
O director tem capacidade jurídica para representar, em juízo ou fora dele, o estabelecimento que dirige.

BASE IX

Os serviços a cargo dos estabelecimentos fabris do exército serão agrupados da seguinte forma:

Serviços gerais;
Serviços industriais;
Serviços comerciais;
Serviços de contabilidade.

Os serviços gerais ficam normalmente na dependência imediata do subdirector.
Os serviços de inventário, que terão por fim a determinação exacta dos valores existentes, ficam sempre na dependência da contabilidade.

Base X

Junto do Ministério da Guerra, como órgão de fiscalização, simultaneamente de carácter técnico e administrativo, haverá o Conselho Fiscal dos Estabelecimentos Fabris, que será presidido por um oficial de patente não inferior â coronel, do activo ou da reserva, com uni curso de engenharia, e constituído por técnicos militares ou civis, correspondendo em número e qualidade às funções que lhe competirem. Do Conselho farão parte necessàriamente:

Um engenheiro fabril ou industrial;
Um oficial de engenharia militar;
Um engenheiro aeronáutico;
Um farmacêutico;
Um oficial do serviço de administração militar;
Um diplomado em ciências económicas e financeiras.

O Conselho Fiscal, sempre sob a direcção do seu presidente, funciona em duas secções, uma de carácter técnico, a que pertencem os técnicos engenheiros e o oficial farmacêutico, e outra de carácter administrativo, de que fazem parte o oficial do serviço de administração militar e o diplomado em ciências económicas e financeiras.

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As despesas com a manutenção do Conselho, incluindo as feitas com a retribuição aos seus membros, são custeadas pêlos estabelecimentos e levadas à conta de gastos gerais de administração.

BASE XI

São atribuições principais do Conselho:
a) Fiscalizar a administração dos estabelecimentos e examinar a sua escrituração sempre que o julgue conveniente, impondo a observância de regras comuns e o exacto cumprimento das disposições legais e determinações ministeriais;
b) Dar parecer sobre os inventários, balanços e relatórios de gerência que tenham de ser submetidos à apreciação do Ministro da Guerra;
c) Dar parecer sobre as propostas das direcções dos estabelecimentos e sobre quaisquer assuntos de ordem técnica de reconhecida importância respeitantes à vida ou à actividade dos mesmos estabelecimentos;
d) Apresentar mensalmente ao Ministro relatórios circunstanciados da sua acção e da actividade dos estabelecimentos fabris, sugerindo as providências indispensáveis ao desenvolvimento e rendimento industrial dos mesmos.

BASE XII

O capital de cada estabelecimento será fixado por despacho do Ministro da Guerra, com base no balanço encerrado em 31 de Dezembro de 1945 e tendo em conta o valor de inventário dos móveis e imóveis e as conveniências particulares da laboração.
Os diferentes estabelecimentos deverão providenciar no sentido de terem sempre em armazém as matérias-primas para a laboração normal de seis a doze meses.
Às direcções dos estabelecimentos fabris não é permitido o aumento dos valores de inventário sem autorização do Ministro.

BASE XIII

A contabilidade dos estabelecimentos fabris deve acompanhar todos os fabricos e trabalhos em curso, por forma a poder encerrar as respectivas contas, com a determinação rigorosa do seu custo, à medida que os mesmos forem sendo concluídos.
Para determinação do preço de custo do fabrico concorrerão sempre:
a) O valor das matérias-primas e da mão-de-obra empregadas ;
b) Os gastos gerais relativos à reparação e conservação das instalações;
c) Os gastos gerais de administração, incluindo os impostos que incidam sobre a exploração;
d) Os gastos de oficina;
e) A percentagem destinada à formação de um fundo especial consignado à amortização das máquinas e instalações;
f) O lucro destinado a remunerar o capital e garantir a actualização e o progresso industrial do estabelecimento.
§ único. Na determinação da percentagem a que se refere a alínea è) deve apenas tomar-se em conta a utensilagem que concorreu no trabalho e por forma que tal amortização se efective em: quarenta anos para instalações fixas; vinte anos para maquinismos, acessórios, móveis e utensílios; doze anos e meio para ferramentas e utensílios industriais e dez anos para meios de transporte.

BASE XIV

O Ministro da Guerra aprovará no fim de cada gerência a distribuição dos lucros líquidos anuais dos estabelecimentos fabris, por forma que deles beneficiem as seguintes contas:
a) Capital;
b) Fundo de reserva;
c) Fundo de renovação e aquisição de máquinas, instalações e viaturas;
d) Fundo de protecção e acção social.
As importâncias atribuídas aos fundos a que se referem as alíneas c) e d) serão representadas por títulos do Estado ou por numerário em contas especiais na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
No fundo a que se refere a alínea c) serão também contabilizadas as importâncias correspondentes à amortização das máquinas, viaturas e outra utensilagem empregada na exploração.
As importâncias dos dois fundos só podem ser utilizadas mediante autorização superior quando os encargos excedam a competência normal da direcção, e sempre na satisfação das necessidades ou na realização dos fins que lhes são próprios. Os prejuízos, quando os haja, serão liquidados >pelo Fundo de reserva, salvo se as circunstâncias especiais que lhes deram origem aconselharem outra coisa.
§ único. A parte em conta de capital reverte normalmente para o Tesouro a título de remuneração ao capital investido na empresa.

BASE XV

Além do pessoal militar indicado nos respectivos regulamentos, os estabelecimentos fabris disporão do pessoal civil, de administração, técnico e fabril fixado nos respectivos quadros e ainda do pessoal eventual que as circunstâncias particulares de laboração determinarem.
De harmonia com as necessidades de trabalho, o pessoal pode, normal ou eventualmente, ser transferido de oficina ou mandado prestar serviço noutro estabelecimento, quando se encontre disponível e não possa ou não deva ser despedido.
Com excepção do que respeita a serventes, aprendizes e apontadores de oficina, o pessoal fabril a admitir para os quadros deve estar sempre habilitado com o curso das escolas industriais ou comerciais que for mais adequado. A reforma do Instituto dos Pupilos do Exército atenderá especialmente às necessidades de mão-de-obra especializada nos estabelecimentos fabris, sem deixar de ter em atenção as conveniências do exército em artífices e outros especialistas.

BASE XVI

O pessoal civil dos quadros dos estabelecimentos fabris é normalmente provido por contrato ou por assalariamento.
O pessoal administrativo, incluindo o de saúde ou de enfermagem e o pessoal menor, o pessoal técnico e o pessoal fabril de categoria igual ou superior a operário - pertencente aos quadros, é normalmente provido por contrato. Os ajudantes de desenhadores, apontadores, serventes e aprendizes são providos por assalariamento.
O pessoal civil eventual é sempre provido por assalariamento, independentemente da sua classe ou categoria.
Os contratos podem ser rescindidos pelo Ministro da Guerra quando as conveniências do serviço ou da disciplina o exigirem, apenas com as restrições neles previstas. O pessoal assalariado poderá ser livremente nomeado e despedido pela direcção.
§ 1.° Na categoria de apontadores de oficina poderão eventualmente ser empregados, em regime de serviço moderado, os serventuários de idade avançada ou parcialmente incapacitados por virtude de acidente de trabalho.
§ 2.° O pessoal técnico e de administração de categoria igual ou superior a segundo-oficial, bem como

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os mestres e contramestres da classe do pessoal fabril com mais de vinte anos de serviço e muito boas informações quanto a aptidão profissional, formação moral e comportamento disciplinar, podem transitar para a categoria de pessoal de nomeação vitalícia, com os direitos e regalias inerentes.

BASE XVII

Os vencimentos do pessoal contratado ou assalariado são fixados segundo as normas previstas no decreto-lei n.° 26:115 e tendo em atenção os salários e férias usualmente pagos "pela indústria particular.
Os honorários do pessoal civil, dirigente e de administração constarão de tabelas aprovadas pelos Ministros das Finanças e da Guerra. Os salários e férias devidos pela mão-de-obra constarão de tabelas aprovadas pelo Ministro da Guerra e pelo Subsecretário de Estado das Corporações.
Todo o pessoal civil dos estabelecimentos fabris está sujeito a regime disciplinar especial, que, em caso de guerra ou de grave emergência, será o estabelecido para as forças militares.

BASE XVIII

O pessoal sujeito a obrigações militares será abatido ao efectivo das unidades a que pertence e transferido para o centro de mobilização estabelecido junto de cada estabelecimento.
Em caso de guerra, declarada ou iminente, ou de grave emergência, todo o pessoal, sujeito ou não a obrigações militares, ficará afecto à defesa militar da fábrica em que trabalha, segundo a lei da Defesa Civil do Território.
O Ministro da Guerra pode, nos mesmos casos, determinar a mobilização extraordinária de técnicos ou operários especializados, necessários à laboração dos estabelecimentos fabris, ainda que não sujeitos a obrigações militares. O regime de vencimentos a abonar ao pessoal mobilizado extraordinàriamente será o estabelecido nu base anterior.
BASE XIX

O pessoal civil gozará das regalias previstas na lei, designadamente quanto ao regime de licenças, aposentação ou reforma e de previdência.
O regime de previdência para o pessoal civil não abrangido pela Caixa Geral de Aposentações será o adoptado para o pessoal das empresas privadas, não devendo todavia a sua comparticipação para a respectiva Caixa exceder 5 por cento dos vencimentos auferidos.
O Ministério da Guerra providenciará, por intermédio de um Fundo comum de assistência, no sentido de assegurar em todos os estabelecimentos o tratamento, na doença, dos indivíduos que neles trabalham, bem como no de organizar a protecção e assistência ao pessoal feminino, na gravidez e durante a criação dos filhos até à idade de 4 anos.

BASE XX

Enquanto não forem publicados os regulamentos respectivos, os quadros do pessoal serão os que constam da legislação actualmente em vigor. Quando necessário ou conveniente, os militares dos quadros podem ser substituídos por pessoal técnico civil devidamente habilitado. Mediante autorização do Ministro da Guerra, os estabelecimentos fabris podem ainda contratar, a título permanente ou eventual, o pessoal técnico estrangeiro que as circunstâncias aconselhem.

BASE XXI

As condições do regime de trabalho nos estabelecimentos fabris não poderão ser inferiores às estabelecidas na legislação geral sobre os contratos de trabalho por que se regem as empresas privadas.

Lisboa e Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 20 de Fevereiro de 1947.

Mário de Figueiredo.
António Madeira Pinto.
João Neves.
José de Alçada Guimarães.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Pinto Coelho.
Ulisses Cortês.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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