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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 92

ANO DE 1947 27 DE FEVEREIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 92 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 26 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao n.º 83 do Diário das Sessões, que insere o parecer n.º 16 da Guinara Corporativa, relativo ao projecto de lei n.° 104 (inquilinato).

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário n.° 89. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães requereu vários elementos pêlos Ministérios do Interior e da Economia.
O Sr. Deputado Pinheiro Torres ocupou-se da situação dos funcionários aos tribunais criminais no que se refere a vencimentos.
O Sr. Deputado Antunes Guimarães referiu-se aos despachos do Sr. Ministro da Economia, acerca de requisições de lenhas e da inscrição de novas actividades nos Grémios dos Armazenistas e dos Retalhistas de Mercearia.
O Sr. Deputado Colares Pereira tratou do problema habitacional em Portugal.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Bustorff da Silva efectuou o seu aviso prévio acerca da política monetária.
O Sr. Presidente concedeu a generalização do debate, a requerimento do Sr. Deputado Alberto de Araújo, que ficou com a palavra reservada.
O Sr. Presidente encerrou a sessão, às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.

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João de Espregueira da Bocha Faria.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvio.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Laís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário deu Sessões n.° 89.

O Sr. Favila Vieira: - Era simplesmente, Sr. Presidente, para ressalvar um lapso de revisão, que não posso deixar em aberto. A p. 557, no texto do meu requerimento, onde se lê: «dez anos», deve ler-se: «vinte anos».

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação ao citado Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Exposições

De diversos habitantes de Póvoa da Arnosa, concelho de Carregai do Sal, pedindo a transferencia da professora daquela localidade, conforme o já solicitado ao Sr. Ministro da Educação Nacional.
De Manuel Alves de Oliveira pedindo providências contra os atrasos observados na distribuição dos géneros em Guimarães, a tal ponto que, segundo diz, desde Julho a Dezembro do ano findo que a população daquela cidade não recebe o azeite que lhe compete.
Do tenente miliciano de infantaria António dos Reis pedindo que seja colocado na situação de reforma, à semelhança do que é concedido aos oficiais do quadro permanente.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Albano de Magalhães.

O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: envio para a Mesa os dois seguintes requerimentos:

«Requeiro que, com urgência, pelo Ministério da Economia me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Total dos pedidos feitos para plantações de bacelos e videiras na região dos vinhos verdes, ao abrigo do artigo 2.° do decreto-lei n.° 27:285, por concelhos e quantidades de cada pedido;
b) Total dos deferimentos aos pedidos feitos nas condições anteriores, por concelhos, com indicação do beneficiário e quantidade concedida;
c) Total dos requerimentos feitos na região dos vinhos verdes pedindo legalização de plantações feitas ao abrigo do decreto-lei n.° 34:045;
d) Nota quantitativa dos deferimentos e pedidos feitos nas condições da alínea anterior e dos indeferimentos, com indicação sumária das razões destes».

«Requeiro que, com urgência, pêlos Ministérios do Interior e da Economia me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.° Cópia dos ofícios trocados entre o Governo Civil do Porto e os Ministérios do Interior e da Economia sobre a resolução dos abastecimentos das carnes na cidade do Porto desde o princípio do mês de Outubro passado.
2.° Cópia dos despachos sobre o mesmo assunto dos Ministérios dó Interior e da Economia e do governador civil do Porto, com a indicação:
a) Das entidades e pessoas encarregadas do abastecimento e forma como este decorreu, designadamente sobre a contabilização das operações;
b) Das entidades incumbidas da fiscalização dos preços de venda ao público, dos meios da sua actuação e suas consequências;
c) Das tabelas em vigor nas cidades de Lisboa e Porto desde Outubro.
3.° Enumeração das transgressões verificadas e seu andamento.
4.° Indicação da evolução dos preços do gado no mercado.
5.° Sistema de abastecimento seguido nos restantes distritos do País».

O Sr. Pinheiro Torres: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me ocupar da situação dos funcionários dos tribunais criminais perante o decreto n.° 35:977, de 23 de Novembro de 1946, no que diz respeito a vencimentos.
São apenas ligeiras considerações que pretendo fazer, as precisas para chamar para o caso a esclarecida atenção do ilustre Ministro da Justiça.
O decreto n.° 35:977, que veio, como é sabido, alterar o sistema de remunerações do funcionalismo judicial, é altamente moralizador e corresponde a um acto de inteira justiça, pela situação em que se encontrava essa classe.
Embora os aumentos dos vencimentos operados por aquele diploma estejam ainda longe do que devam ser,

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no entanto pode afirmar-se que essa reforma se traduziu, no geral, numa melhoria muito importante das remunerações desses funcionários.
Também há muito se fazia sentir a necessidade de modificar o sistema de pagamento desses funcionários, que era por emolumentos.
Tal sistema trazia consigo graves inconvenientes e flagrantes injustiças, pela instabilidade das remunerações e desigualdade de tratamento dos respectivos funcionários.
 mais frisante das desigualdades era, sem dúvida, a que provinha da diferença de vencimentos entre funcionários da mesma categoria colocados em comarcas da mesma classe e com o mesmo trabalho.
Como os funcionários eram pagos por emolumentos, os vencimentos dependiam de a comarca ter muitos processos crimes e poucos processos cíveis, ou o contrário, e ainda de as causas distribuídas serem de grande ou pequeno valor.
Trabalho, o mesmo; responsabilidade, a mesma-vencimentos, diferentes. Não podia ser!
Era o caso dos funcionários de justiça dos tribunais criminais.
No relatório do referido decreto fez-se justiça ao trabalho e responsabilidade desses funcionários, reconhecendo-se que não é menor à dos seus colegas dos outros tribunais.
A equiparação, pois, impunha-se, como lógico corolário de as situações serem idênticas.
O pagamento dos vencimentos passou a ser, pela reforma, por uma parte fixa e por uma parte variável, mas igual para todos, sem oscilações de qualquer natureza.
E o artigo 4.° do decreto dispunha que: «São integrados no vencimento dos funcionários a que respeitam a gratificação de exercício e a gratificação especial estabelecidas na tabela do artigo 186.° do Código das Custas Judiciais. O vencimento de exercício dos mesmos funcionários será constituído por um sexto do vencimento total».
Sucede, porém, quanto aos funcionários dos tribunais criminais, que, embora equiparados aos seus colegas do cível, não se lhes atribui, nem a parte variável de $20 do artigo 186.° do Código das Custas nem a gratificação de exercício de que fala aquele artigo 4.°
Porquê?
Não encontramos explicação para o caso, e, à face deste diploma, não a tem.
Assim, devo chamar a esclarecida atenção do Sr. Ministro da Justiça para o assunto, certo de que lhe dará solução, pois foi para resolver essas e outras anomalias que S. Ex.ª fez, em boa hora e com alto espírito de equidade, a reforma dos vencimentos dos funcionários judiciais.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: tive agora mesmo a satisfação de ler nos jornais que o jovem e ilustre nortenho que sobraça a pasta difícil da Economia acaba de lavrar um despacho com que visa suavizar os sacrifícios suportados pela lavoura no que se refere a requisição de lenhas.
Sacrifícios duríssimos, mas que, em grande parte, poderiam ter sido atenuados ou evitados.
Ainda recentemente, por ocasião da homenagem prestada pêlos portuenses ao seu dinâmico e muito zeloso governador civil, o coronel Sr. Joviano Lopes, me fora grato tributar àquele ilustre Ministro o maior apreço e reconhecimento pelo cuidado que, na véspera daquela manifestação, afirmara na cidade do Porto no que respeita ao magno problema do sen abastecimento.
Pois o despacho que, como afirmei, venho de ler na imprensa proporciona-me novo ensejo de me referir ao distinto Ministro, notoriamente porque se relaciona com a lavoura do distrito que tenho a honra, com outros distintos colegas, de representar nesta Assembleia.
Sr. Presidente: esta limitação de restrições que a Nação vai registando provoca uma sensação de alívio comparável à do doente a quem vão libertando das talas que lhe dificultavam a circulação e o entorpeciam, tolhendo-lhe os movimentos e impossibilitando-o para a luta pela vida.
Apoiados.
É um grande prazer ir comentando, neste período que o nosso Regimento designa de cantes da ordem do dia», sempre muito de fugida, é certo, porque o tempo para isso reservado é escasso, tudo quanto constitua atenuação ou cessação de restrições, e, assim, vai permitindo às actividades nacionais retomarem o ritmo normal, absolutamente indispensável à florescência de iniciativas prometedoras e ao desenvolvimento de trabalho frutuoso. Assim, foi-me grato aludir nesta Assembleia, ainda muito recentemente, a certas restrições que, após longo período de entraves à vida de cada um e aos interesses gerais da economia, lograram ser atenuadas, como as referentes à gasolina e aos pneus.
Sr. Presidente: o despacho que me determinou a pedir a palavra reduz de 50 para 25 por cento e de 25 para 12,5 por cento a percentagem dos cortes, por meio de requisição, de pinheiros e eucaliptos em determinadas zonas.
Exclui de novas requisições as matas que já sofreram cortes naquelas proporções.
E poupa à derruba os eucaliptos com menos de 0m,10 e mais de 0m,40 contados à altura de 1m,30 do solo, bem como o arvoredo pertencente a indivíduos que não possuam mais de 40 toneladas.
Já é alguma coisa. É o caminho marcado para o fim de requisições, que tão justo alarme vinham causando na lavoura. Oxalá esse dia, tão almejado, não demore!
Contudo, não sei, no respeitante a eucaliptos, se isso bastará para defesa da importante indústria de marcenaria de Paredes e Paço de Sousa, distribuída em numerosas oficinas ao longo do pitoresco e rico vale do Sousa, e onde se empregam muitos milhares de operários.
Trata-se de interesses tão importantes e ligados com a economia de toda aquela vasta região que entendo chamar a atenção do ilustre Ministro para esse fundamental problema.
Para terminar, e ainda sobre lenhas, mais uma vez afirmo que à lavoura não preocupa apenas a derruba em si: o que a afronta é o preço irrisório por que lhe pagam o arvoredo, em relação aos preços altíssimos do mercado livre.
Na maior parte dos casos, se os caminhos de ferro e outras indústrias privilegiadas na lei para serem assim fornecidas pagassem pela lenha um preço justo, os lavradores não poriam obstáculos nem fariam observações à sua venda, pois é para isso que a criam em seus montados.
O que entendem, e a meu ver com toda a razão, é que, destinando-se as suas lenhas a actividades de que aproveita toda a colectividade, como os caminhos de ferro, as traineiras de pesca, a panificação e outras, não é justo que o pesadíssimo encargo do seu fornecimento recaia unicamente sobre uma pequena parte da lavoura.
Apoiados.
Se em Portugal há grandes manchas de arvoredo, na sua maioria são constituídas por espécies que seria um crime contra a economia nacional a sua derruba, tais

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como as oliveiras, os castanheiros, sobreiros 6 tantas outras.
Desta forma, o sacrifício, pesadíssimo, tem incidido sobro uma relativamente pequena parte da lavoura: a que dispõe de eucaliptos e pinheiros.
Só estas espécies tinham de ser destinadas a combustível, está certo que tal destino lhes fosse dado, tanto mais que na sua maior parte haviam sido para isso criadas.
Mas por um preço justo. Se as referidas actividades, incontestavelmente de grande utilidade pública, não as podiam pagar por maior preço para bem servirem a colectividade, então o que haveria a fazer era o Estado adquiri-las por um justo preço e cedê-las para aquele fim pelo preço que entendesse conveniente, mas sendo a diferença suportada pelo erário, isto é, por toda a colectividade, em compensação dos benefícios recebidos.
Ou, se o Estado preterisse não intervir directamente na operação, poderia atribuir à lavoura um bónus compensador. Assim estaria certo.
Vejo, porém, pela letra do despacho a que me tenho referido, que se as percentagens de corte vão descer e certas isenções só estabelecem, os preços permanecem inalteráveis, e, portanto, mantém-se uma das razões que tem levado a lavoura a reclamar com manifesta justiça. Carecem, pois, este e outros problemas relacionados com a lavoura de imediato estudo, a fim de que o novo Ministro os resolva sem delongas, para sossego dos que estão ligados à cultura da terra, os quais, apesar do que se tem dito acerca de lucros mirabolantes realizados durante e depois da guerra, ainda não lograram a fortuna de enriquecer.
Antes assim tivesse acontecido, não só para seu bem, mas para a elevação do nível de vida daquele grande sector do trabalho e consequente engrandecimento da Nação.
Sr. Presidente: do mesmo Ministério, mas assinado por outro nortenho, também jovem e agora à frente do Subsecretariado de Estado do Comércio e Indústria, o Sr. Dr. Correia do Barres, segundo refere a imprensa do hoje, seguiu para o Diário do Governo um diploma tornando livre a inscrição de novas entidades no Grémio dos Armazenistas de Mercearia e no dos Retalhistas do Norte, Centro e Sul e inserindo outras providências de toda a oportunidade, que não deixarão de concorrer para melhorar o ambiente pesado em que tem decorrido tudo quanto se refere ao abastecimento público.
Tema de magna importância e como tal digno de larga dissertação, mas o tempo não chega agora para mais.
Não queria, porém, deixar de aproveitar este ensejo para cumprimentar, juntamente com o Ministro da Economia, o seu Subsecretário de Estado pela orientação assim tão notavelmente marcada e que, por certo, há-de traduzir-se uni providências altamente benéficas para a Nação. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Colares Pereira: - Sr. Presidente: serei breve nas minhas considerações, e tão habituado estou sempre a cumprir o que prometo que, apesar de o assunto que vou tratar ter grande importância, ser urgente e oportuno, eu terei o cuidado de provar o que acabo de prometer e saberei cumprir.
Trata-se de um problema ligado a um outro também de alta importância, que é o problema habitacional em Portugal.
E parece-me, Sr. Presidente, que tudo quanto vou dizer está dentro de gravíssimas realidades, é urgente e oportuno,, como disse, tratar.
Ninguém pode ignorar, porque a imprensa diária lhe deu o merecido relevo e os jornais a três colunas o contaram, e o País conheceu, o que se passou na Sociedade Geral de Crédito Imobiliário e se está passando com a Sociedade Nacional de Crédito para Realizações Rústicas e Urbanas.
É evidente que, por temperamento, por educação, pela consciência perfeita do lugar que ocupo aqui, eu, por mim, e com honra por estar junto de V. Ex.ªs, não viria discutir por forma alguma neste lugar o problema de qualquer dessas sociedades, problema que se tomou público numa assembleia geral e que terminou, em relação a alguém, numa queixa na polícia. Era incapaz de o fazer. Simplesmente tenho o dever de dizer a V. Ex.ª que só a Sociedade de Crédito Imobiliário tem cerca de 2:500 sócios, dos quais 1:500 estiveram presentes à sua assembleia geral.
Tenho o dever de acentuar que quase todos esses sócios são pessoas humildes, possuidores de pequenas economias, retiradas ao necessário ao seu sustento e ao dos filhos, em vigésimos de acções, pagáveis a 25$ mensais.
O seu pouquíssimo dinheiro empregaram-no na Sociedade, deslumbrados pela sedução das parangonas dos anúncios, que prometem grandes coisas incompreensíveis para eles, no desconhecimento de quão longe vai a perfídia de certos homens. Supõem que, tendo entregado as suas pequenas economias, fiados no sistema de cooperativa preconizado numa lei sabiamente promulgada por esta Assembleia, a lei n.° 2:007, estariam a coberto de qualquer fraude, tanto mais que essa lei tentou por todas as formas, com uma generosidade a que não estamos habituados, tornar fácil a vida àquelas sociedades que se constituíssem com o objectivo de construir casas de renda económica e facilitá-las àqueles que, dentro do pouquíssimo dinheiro de que dispõem, têm direito a ter uma casa o um lar.
E parece-me, Sr. Presidente, que ter o desejo de possuir uma casa e um lar é um desejo digno de ser auxiliado e acarinhado, porque já é tempo de não se viver em Portugal em furnas ou em casas de lata.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata aqui de um problema de inquilinato, mas somente de verificar se os fins que o Estado pretende assegurar neste campo, dando vantagem aos capitais, estão efectivamente acautelados; ora o que o Estado deseja, e nós todos queremos, é que não haja apenas uma cooperativa como esta a que me tenho referido, mas muitas, a construir casas em terrenos que lhes sejam dados nas condições mais favoráveis que a lei lhes faculta.
O nosso desejo é que esses terrenos comecem a ter sobre eles construídas e erguidas aquelas casas que faltam a tantos e que esses que vão ter a sua casa sintam que a construção é feita com o produto do seu próprio trabalho. Mas é também absolutamente necessário que essas pequenas economias não possam estar à mercê de quaisquer pessoas que, servindo-se do que há de aliciante nesta ideia, constituíram uma sociedade cooperativa para começarem a receber o dinheiro dos que estavam entusiasmados em possuir a sua casa e que depois, ao prestaram contas, decorridos mais de sete meses, quando se lhes perguntou se já tinham adquirido terrenos, construído casas, etc., tenham respondido que não tinham ainda sequer pago as despesas de instalação.
E assim pergunto: o que há a fazer? Deixar que esse dinheiro seja desviado dos fins para que foi entregue, ou pedir mais uma vez ao Estado que venha auxiliar as pequenas economias que se confiam à iniciativa particular?

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Seria necessário para tanto criar órgãos de fiscalização dispendiosos? Não. De maneira nenhuma, e, de resto, quanto à intervenção do Estado nas coisas particulares, eu citarei as palavras do Presidente da Assembleia Nacional, Sr. Albino dos Beis, quando disse no seu discurso de 9 de Novembro de 1946 que o reforço da intervenção e direcção económicas foi apenas uma necessidade inevitável dos tempos da guerra, para evitar males maiores.
Mas o princípio da intervenção do Estado em matéria económica está firmado na Constituição Política da Nação.
Não pretendo nada de novo, mas sim que se olhe para este problema da possibilidade de pessoas a quem falta a indispensável idoneidade fundarem ou estarem à testa de empresas que sugam às pequenas economias aqueles capitais, que, bem administrados, corresponderiam ao louvável desejo do Governo de interessar a iniciativa privada na construção de casas económicas.
Não se trata de entravar a iniciativa particular, mas a verdade é que, constituídas essas cooperativas, muitas pessoas concorrem para elas sem terem lido os estatutos nas entrelinhas, sem saberem mesmo o que é que eles dizem, fiando-se no prestígio de nomes pomposos em letra redonda. Entregam o sen dinheiro, e, se bem que a lei diga que são precisas dez pessoas para constituírem a sociedade, a verdade é que, em alguns casos, ela é constituída por uma pessoa com procuração de seis ou sete, que se não sabe quem são, ficando essa pessoa a administrar absolutamente sozinha e pelo tempo que lhe apetecer os fundos que a boa fé alheia lhe vai entregando.
Outros estatutos há em que o sócio fundador logo se garante o direito de receber uma indemnização por todos os trabalhos que teve pela constituição da sociedade, sem fixar sequer qual o limite dessa verba - o que o mesmo é dizer lhe dá a faculdade de, sem recorrer sequer a uma fraude, fazer sua a parte das quotizações dos sócios que melhor entender.
Pergunto: isto é justo? É moral? É possível?
Sr. Presidente: creio ser indispensável obviar a estes possíveis inconvenientes, que tão largo eco tiveram na imprensa diária.
Eles não seriam decerto possíveis se, por exemplo, o notário não pudesse lavrar um escritura do constituição deste tipo de sociedades sem que presente lhe fosse uni duplicado-recibo comprovativo de ter entregue numa repartição oficial -Ministério do Interior, das Obras Públicas ou qualquer outra- a lista dos dez fundadores da sociedade, e da minuta da escritura a celebrar.
De posse desses elementos, competiria a essa repartição averiguar da idoneidade dos iniciadores da nova empresa e da lisura das suas disposições estatutárias.
Para garantir a correcção das operações subsequentes normais na vida da sociedade bastaria, por exemplo, uma fiscalização semelhante à adoptada para a indústria de seguros pelo decreto n.° 15:057, de 24 de Fevereiro de 1928, segundo o qual o Governo tem a faculdade inclusivamente de suspender e destituir os corpos gerentes dessas empresas, quando verifique que nelas se estuo praticando quaisquer irregularidades - da natureza daquelas de que pêlos jornais todos tomámos conhecimento.
É uma sugestão, mas faço-a convencido de que o problema é grave, urgente e oportuno, pois é preciso levar a tranquilidade àqueles que nos jornais leram essas crónicas - e ainda bem que a imprensa lhes deu o necessário relevo.
A circunstância de a Sociedade onde ocorreram os factos tornados públicos ter, por suas próprias forças, remediado, embora com graves prejuízos, o que de irregular se verificou em nada afasta a necessidade do evitar a repetição de situações análogas, que outras vezes poderão já não ser remediadas a tempo, por falta de dedicações tão hábeis e honestas como desta voz puderam manifestar-se.
Apelo confiadamente para o Governo para que olhe para a pequena economia com o maior interesse, tanto ou maior como se fosse a grande, pois esta, pelo volume dos interesses, pode defender-se por si própria, ao passo que a pequena economia precisa da confiança que nasce da certeza de que o Estado está olhando como deve e ó seu timbre para aqueles que dão o seu dinheiro às cooperativas de construção de casas económicas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos que em tempos requereu o Sr. Deputado Figueiroa Rogo e fornecidos pelo Ministério da Economia.
Vão ser enviados àquele Sr. Deputado.
Vai entrar-se na

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se o debate sobre a política financeira, assunto do aviso prévio do Sr. Deputado Bustorff da Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bustorff da Silva.

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: ao apresentar, em Dezembro último, o avisa prévio que mo força a ocupar de novo esta tribuna estava longe de prover a carga de trabalhos que ia pesar numa vida já demasiado cheia de ocupações.
E, ao concluir a recolha dos elementos de que vou socorrer-me, uma viva ansiedade me atormentou: em que termos deveria expressar-me?
Adoptar um estilo complexo, por vexes enredado naquele preciosismo ou «calão científico» tanto em moda na época que decorre? Ou procurar traduzir em linguagem comezinha, ao alcance de todos, o fruto das minhas investigações?
Entretanto, S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças elaborava o seu valioso relatório, onde o problema é examinado com a elevação e as luxes do seu superior talento de mestre.
E deixei de hesitar. Optei decididamente pela seguinte orientação.
De onde resulta que as considerações que vou produzir são dominadas pela preocupação de «democratizar» - perdoe-se-me o termo - questões habitualmente reservadas para os eleitos. Serei simples, terra a terra; e se a simplicidade é sinónimo de vulgaridade, não me envergonharei de ser vulgar; antes o farei com sincero aprazimento. Mais do que para V. Ex.ª e para esta Assembleia, desejo falar para a grande maioria dos portugueses, impreparada para as complicadas especulações da confusa ciência da moeda.
E, porque é essencial conhecer os transes do passado de qualquer moeda para aquilatarmos das possibilidades do seu futuro, principiarei, Sr. Presidente, por um rápido esquiço, esboçado numa série de instantâneos «a magnésio» que marquem os antecedentes deste problema monetário que, pelo vistos, interessa a tantas e tão escolhidas personalidades.
Para abreviar, nem sequer me detenho em «o ano fatídico da nossa moeda» (na expressão feliz do Prof. Marcelo Caetano, de cuja tese sobre A depreciação da moeda depois da guerra respigo as notas que vão ouvir), aquele aniquilador ano de 1891, com a falência dos banqueiros de Portugal em Londres, os Baring Brothers, e a crise brasileira e a consequente

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baixa cambial. Passo sobre a proclamação da República, em 1910, e os quatro anos esgotados «a convencer» o País das sublimidade» do novo regime e foco o meu primeiro quadro rio ano de 1914!
1914. - Pânico. Corridas aos bancos. Desconfianças a respeito das notas do Banco de Portugal, que algumas repartições públicas chegam a rejeitar.
O ouro desaparece. As bolsas fecham-se. Sobem os preços. Começa a odisseia dos câmbios...
1916. - O Dr. Afonso Costa vai a Londres. Comunica ao Parlamento -como se fora uni triunfo! - que o «Governo Inglês combinou com o Governo Português fazer-lhe tantos empréstimos quantos os necessários para, pagamento de todas as despesas relacionadas com a guerra»... Haver quem nos emprestasse era já um sucesso!
1917. - Desaparece a moeda de prata e a de níquel e a de cobre em circulação. Decreta-se a emissão das moedas de cupro-níquel.
Ressuscita-se uma valha prática dos tempos da desconcentração feudal. E até essas novas moedas de cupro-níquel desaparecem!
Faltam os trocos. A Casa da Moeda emite cédulas. Não chegam. Borbulham a& emissões privadas: inúmeras câmaras municipais, associações comerciais, a Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Ponte de Lima, a Cooperativa de Praia de Ancora, alguns grandes armazéns - tudo emite notgeld em importâncias que é impossível apurar...
1918. - Regula-se o mercado cambial, tributam-se os lucros excepcionais derivados da guerra. Para quê? A agitação recrudesce. Suspende-se o primeiro decreto, revoga-se o segundo... Sidónio é assassinado.
1919. - Deflagra a guerra civil. Os capitais voltam a emigrar em massa.
Álvaro de Castro declara que se «não associará a uma política de esbanjamentos como a que se tem feito e continuará a fazer» (Diário, p. 25).
O Deputado Alves dos Santos grita: «É uma verdadeira falência! Já se fala em bancarrota» (Diário das Sessões, p. 15). A depreciação cambial agrava ainda mais os preços. Desenvolve-se o açambarcamento. Para «capa» das repressões violentas promulga-se a lei n.° 922.
1920. - O Depuro Ferreira da Rocha clama contra o «aumento constante da circulação fiduciária, utilizada como fonte normal e perpétua de receita» (Diário de 27 de Maio, p. 32).
Não têm conta os atentados a bombas de dinamite.
A Associação Comercial queixa-se de que se «procura inquestionavelmente estabelecer um regime de terror» (p. 124 do relatório de 1920-1921).
Cunha Leal ameaça «abrir as burras das forças vivas com o auxílio da guarda republicana» (Diário, p. 12). Dá-se nova corrida aos bancos. Malheiro Reunião confirma: «Não temos dinheiro; estamos em bancarrota, Di-lo uma pessoa que já foi Ministro das Finanças!» (Diário p. 9). António Maria da Silva, esse, resume: «O Pais está a saque» (Diário, p. 28).
Cunha Leal ocupa a pasta das Finanças, procede a balanço e anuncia que: «encontra-se sem recursos em Lisboa e a descoberto em Londres... quase sem os recursos necessários para comprar o pão nosso de cada dia» (Diário de 13 de Dezembro, p. 13).
d921. - Vence-se logo no começo do ano um débito nosso de 2 milhões de libras à Inglaterra. Nas finanças públicas prevê-se um déficit de 265:000 contos.
Barros Queirós preside a um Ministério que dissolve as Câmaras em 1 de Julho; mas em Setembro rebenta o escândalo dos 50 milhões de dólares.
O 19 de Outubro emporcalha-nos. O pavor recrudesce. Da dívida de 2 milhões de libras, pagam-se apenas 500:000!
1922. - Anuncia-se um novo crédito de 30 milhões de libras concedido pela Inglaterra e a atmosfera parece desanuviar-se. Mas é sol de pouca dura. A ilusão desfaz-se. Caímos unais fundo e pior.
1923-1924. - Álvaro de Castro, presidente do Ministério, confessa as suas mágoas: «confrange o coração de quem quer que tem de assumir funções governativas... o verificar que não há ninguém que não jogue na perda do País». Cunha Leal, chamado ao Poder, ameaça na sessão de 22 de Novembro «suspender, pura e simplesmente, pagamentos»; e no dia imediato, a 23, põe os pontos nós ii: «Se me não derem dinheiro para pagar ao funcionalismo, para pagar o material e para pagar as diversas despesas, declaro, sob minha palavra de honra, que não pagarei. Se me não derem dinheiro para coisa nenhuma, nada pagarei».
A Câmara manifesta-se com apoiados!!!
De 1916-1917 a 1923-1924.- O excesso das despesas públicas sobre as receitas excede 60 milhões de libras, 60 milhões!...
As contas de gerência andam atrasadas.
Nem para elaborar e aprovar orçamentos há oportunidade!
As máquinas do Banco de Portugal rolam dia e noite a imprimir notas, notas, sempre notas.
Por esta sala arrasta-se a tragicomédia dos Ministros das Finanças improvisados em horas, para caírem em semanas. Lembram-nos a poesia do brasileiro Marcondes:: «atrás de uni monge, outra monge, em fila que se renova ... e marcham todos para a cova»...
Vende-se a prata.
As derradeiras libras escoaram-se pelas barras do Douro e do Tejo (p. 28 do (relatório da Associação Comercial de 1919).
Sumiu-se a moeda de bronze, e a de níquel, e a de cobre e a de cupro-níquel.
Todas estas misérias fazem bolas de neve.
A bola é já avalanche quando surge o 28 de Maio.
Seria preciso um génio para suspender a corrida fatal para o abismo. A boa vontade desprovida de- técnica dos Ministros que acodem a barrar o progresso da crise não chega. Vive-se numa ante-visão do Calvário...
Esgotados os recursos internos, num. gesto de pobreza envergonhada, atravessamos a fronteira para, lá fora, quase pela calada da noite, obtermos o auxílio dos banqueiros internacionais.
Estala-nos na face, de mão espalmada, o «gesto» aviltante de Genebra.
Meu pobre Portugal, envilecido na indignidade dos insolventes a quem se impõe a tutela de credores. Que horror!... Que horror! ...
Decorrem rápidos os dias.
Vem Salazar.
Vem Salazar.
Vem Salazar! Duas palavras que se escrevem com dez letras e que, todavia, encerram a doação integral de uma vida, a renúncia abnegada ao mínimo da felicidade a que todos temos direito num cantinho do lar, a afirmação dos méritos ancestrais de uma raça, o direito ao respeito dos grandes países, a restauração de uma Pátria e a certeza do seu futuro, se lhe soubermos compreender o exemplo ... e a lição.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Nos onze anos que decorrem de 1928 a 1939 traça-se uma obra enorme.
Arrumam-se as coutas do Estado; moraliza-se a administração.
De 1928 a 1938 apresentamos saldos positivos de 1:847 milhares de contos.
Ás disponibilidades do Tesoura ascendem em 1938 a 838:000 contos. Extingue-se a dívida flutuante. Na dívida pública em circulação reduzem-se 1.121:000 contos e operam-se remodelações caracterizadas pela fixação de taxas Ide juro de tipo mais baixo e por reembolsos.
Em Junho de 1931 reforma-se o Banco de Portugal e a moeda, restituindo-se a esta última a convertibilidade-ouro perdida desde 1891 e fixando-se-lhe o valor.
A tarefa silenciosamente realizada atinge os domínios do prodígio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Fiz elaborar um mapa com a evolução da (dívida flutuante no período que decorre de Junho de 192G a Dezembro de 1940, cuja reprodução integral no Diário das Sessões reputo indispensável. Dele ressalta a toda a evidência o maravilhoso trabalho despendido e que fará escancarar de espanto os olhos dos
piores cegos - que não querem ver

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É o mapa que segue.

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MAPA N.º 1

Evolução da dívida flutuante no período de Junho de 1926 a Dezembro de 1940

(Em Contos)

[Ver tabela na imagem]

Os números em itálico representam saldos devedores.
Os números em redondo representam saldos credores.

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Sr. Presidente: saneado o ambiente, asseguradas as indispensáveis disponibilidades financeiras, principiaram as realizações.
Nessa dúzia de anos que medeiam entre o início da gerência financeira do Prof. Salazar e a guerra de fins de 1939 despendem-se cerca de 3 milhões de contos só nas principais despesas extraordinárias levadas a efeito.
A especificação é a seguinte:
Contos
Rearmamento do exército ............ 641:574
Navios de guerra e aviação naval ... 429:654
Construção e reparação de estradas . 320:875
_____________
A transportar .......... 1.392:103
Transporte ............. 1.392:103
Portos ............................ 354:060
Melhoramentos rurais .............. 80:000
Edifícios públicos ................ 70:747
Edifícios escolares ............... 39:986
Hospitais ......................... 15:707
Porto de Leixões .................. 6:896
Hidráulica agrícola ............... 121:239
Correios e telégrafos ............. 58:537
________________
Soma total ............. 2.439:275
________________

E o quadro discriminativo destas despesas merece ser recordado:

MAPA N.º 2

Principais despesas extraordinárias levadas a efeito no periodo de 1928 a 1940

[Ver tabela na imagem]

Sr. Presidente: tenho ouvido a censura de que se dispersaram verbas avultadas em obras voluntárias, sem rendimento material imediato. E logo se aponta o Estádio.
Passo ao de leve sobre a arguição, convidando os seus autores a que no prato da balança oposto àquele em que pesam as dezenas de milhares de contos gastos na realização dessa obra lancem os 3 milhões de contos já descritos e os efeitos sociais e morais do monumento do Jamor. E bastará...
Chegamos a 1940.
Levante-se o censor mais implacável e fanático da situação política actual - e acuse, se é capaz, a política financeira até então seguida pelo Governo que nos rege.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Desafio a que o faça.
E, se o fizer, responder-lhe-ei serenamente que:

Portugal possuía, quando a guerra começou, uma situação económica e fiduciária invejável e, sobretudo, perfeitamente estável.
Esse estado de equilíbrio era a principal glória da actual situação política.
Pelo sistema anterior a 28 de Maio os impostos eram pequenos e as economias individuais eram grandes. Daí resultavam os deficits crónicos, a necessidade de os cobrir por sucessivos empréstimos em dívida consolidada e flutuante externa e interna, e, sobretudo, pelo mais pernicioso de todos os processos: o, dos aumentos sucessivos da circulação fiduciária, que elevavam os preços, alteravam a situação financeira de todos, arrumavam os credores e todos os que possuíam rendimentos fixos, enriqueciam os devedores e todos os que podiam elevar os seus rendimentos acima do coeficiente de desvalorização da moeda, forçavam a contínuos e sucessivos ajustamentos de vencimentos e de salários, provocavam greves e lutas económicas, tornavam impossíveis todos os orçamentos de previsão, a começar pelo do Estado, e instabilizava assim toda a vida económica da Nação.
O sistema inaugurado pela actual situação foi muito diferente. Elevando os impostos até ao montante preciso para não só cobrir os antigos deficits, mas obter fortes saldos anuais... permitiu (ao Estado) obter não só orçamentos equilibrados, como a extinção gradual das dívidas flutuantes e uma circulação fiduciária estável, e portanto uma vida económica equilibrada e sem sobressaltos nem receios pelo dia seguinte.

Supõem V. Ex.ªs que as afirmações que acabo de produzir são da minha autoria ou de algum defensor ferrenho, apaixonado, incondicional, do Estado Novo?
Pois iludem-se!
Preferi socorrer-me, em abono da minha argumentação, do testemunho de acusadores contumazes de tudo que se relacione com a actual situação política.
O que V. Ex.ªs ouviram é a reprodução textual de passagens extraídas de um artigo publicado num jornal cujos proprietários, ao que se deduz do título, presumiram, ao lançá-lo a público, iluminar com as suas luzes, pelo menos, metade do Universo - refiro-me ao Sol, é claro, ao Sol de 4 de Março de 1946.
Risos.

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Temos, por conseguinte, pelo menos até fins de 1939, um atestado de «bom comportamento» passado por adversários intransigentes ...
Haverá por aí quem se proponha deduzir-lhe... artigos de falsidade?
Risos.
Exagera porventura quem acusar o Governo de Salazar de não ter previsto a guerra...
Não a previu a Inglaterra, ao ponto de ser surpreendida com uma home guard armada de lanças de trofeus e ... espingardas caçadeiras quase de carregar pela boca.
Meses, semanas, dias, horas antes da madrugada de Setembro de 1939 partia-se para as conferências de que podia resultar um conflito mundial empunhando como única anua agressiva ... o guarda-chuva.
Não concebeu a própria América que ela, a guerra, pudesse feri-la subitamente num dos pontos vitais da sua linha de defesa: a prova temo-la em Pearl Harbour.
Daqui o concluir que não pecaremos por excessiva benevolência consentindo em que o Governo que dirigia os destinas nacionais naquela época podia também dispensar-se de acreditar na iminência da guerra.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença? ... Em todo o caso tomaram-se muitas providências para abastecer o País na previsão da guerra, tudo de acordo e com o auxílio do Governo.

O Orador: - Mas a guerra veio - a maldita!
E implacável.
Ora, nos domínios da economia, a guerra tem efeitos conhecidos, inevitáveis, que operam imediata, implacável, inexoravelmente.
Quais são eles?
Se não temesse estabelecer diálogo, solicitaria do ilustre Deputado Prof. Pacheco de Amorim o favor da sua colaboração, dando-me resposta à pergunta formulada.
Mas não se ofenda S. Ex.ª; tenho melhor.
S. Ex.ª é um argumentador de lógica fria, quase enregelante. Quero antes aquecer-me ao Sol de 33 de Fevereiro de 1946:
Ë elementar conhecimento da economia saber-se que em período de guerra os países beligerantes são obrigados:
1.° A comprar por qualquer preço os produtos e matérias reclamados pelas suas necessidades de guerra;
2.° A restringir ou anular as suas exportações, pois todos os recursos suo concentrados no esforço militar.

Em contrapartida, os países neutros sabem o que os beligerantes têm de comprar-lhes tudo aquilo de que precisem e que eles lhes podem fornecer».
Logo, a sua defesa tem de consistir «em restringir e fiscalizar a exportação, sobretudo de géneros alimentícios, e desenvolver e acelerar a importação».
Desta fatalidade económica resulta inevitavelmente o desequilíbrio da balança comercial.
Não há que fugir-lhe.
E porque é. Assim mesmo.
Chove e andamos à chuva? Molhamo-nos.
Há guerra e mantemo-mos neutras? Diminuem ou cessam as importações, aumentam as exportações, dedesequilibra-se a balança comercial.
Fatal como o destino.
Foi o que pela acção inflexível do fenómeno económico nos aconteceu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: divergem, porém, até certo ponto os críticos desta quadra da economia nacional.
Para o ilustre Deputado Prof. Pacheco de Amorim a inflação teve as suas origens nas exportações maciças do volfrâmio, das conservas, das resinas, etc., agravadas pêlos desregramentos que, em Dezembro último, condenou no tabelamento de vários produtos.
Para o Sol os acordos monetários com a Inglaterra ocupam lugar de nítido destaque no aumento da inflação.
Conhece-se a campanha de insinuações urdida por cafés e mentideros da política ao redor dos «acordos».
E envergonha observar a versatilidade com que alguns modificaram radicalmente as suas opiniões.
Quando a derrota alemã era já visível, recordamo-nos todos do ar de convicta «independência patriótica» com que esses alguns anunciavam que, triunfantes os chamadas «democracias», os Governos vencedores viriam em passeio militar ou através das pressões diplomáticas arrancar do Poder um Governo que aí se encontra pelo voto da Nação, amesendando nos postos vacantes ... o escol do chamado «reviralho».
Enganaram-se. E anal que apoquenta muito boa gente . . .
Os «patriotas» que confiavam na intervenção estrangeira para destruir o que está sofreram aguda desilusão,.
Ao invés do que calculavam, louvou-se internacionalmente a política de Salazar; exaltou-se o contributo que trouxemos à nossa velha aliada; apontou-se a nossa terra como um exemplo de ordem - verdadeiro oásis no deserto de angústias em que se debate o Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E então os acordos monetários luso-britânicos passaram a ser um dos fautores preponderantes, decisivos no desequilíbrio da nossa balança de pagamentos!
Porque não dizer tudo?
Houve a coragem - melhor caberia dizer o topete, mas receio não seja parlamentar -, houve a coragem de insinuar que o Governo de Salazar comprara com esses 80 milhões de libras a passividade ou, antes, a cumplicidade da Inglaterra na manutenção de um regime fascista, última nuvem a empanar o brilho das
maravilhas de liberdade generosamente ofertadas a todos os povos da Terra.
À boca pequena, embriões com gesto e figura humana (graças a Deus, raros) expeliram este «vómito».
Não foi, parem, tão longe a imprensa adversaria, Essa encarou a operação sob outro ângulo, que, aliás, de nenhum modo absolvia o Governo do crime de uma ruinosa contribuição paira o acréscimo da nossa circulação fiduciária.
Exagero?
Vejamos;

Fez-se entre Portugal e a Inglaterra um acordo cujos termos estão no segredo das chancelarias.
A sua liquidação e os termos em que será feita não foram revelados para se poder avaliar dos prazos e garantias.
Contudo deve tomar-se como previsão certa que os prazos serão longos e espaçados e as garantias sendo aquelas que, de facto, o renascimento da economia inglesa permita assegurar. (Sol de 13 de Julho de 1946).
A Inglaterra sustenta que os países- seus credores têm de fazer uma substancial redução nos seus créditos, que considera aumentados artificialmente

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por uma alta de preços superior à que se produziu no seu país. (Sol de 13 de Julho de 1946).
Os 80 milhões de libras que temos em Inglaterra representam o pagamento do que esta levou de Portugal e a contrapartida de uma parte muito importante do aumento da nossa circulação fiduciária. (Sol de 4 de Maio do mesmo ano).

Haverá resquícios de verdade nestes assertos? Nego-o de fornia terminante.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Como seria forçar escandalosamente a nota o encabeçar-se nos acordos monetários a que estou, aludindo toda a responsabilidade do acréscimo da circulação fiduciária, atribuiu-se-lhe o agravo da «contrapartida numa parte muito importante da nossa circulação fiduciária».
Quanto à parte menos importante, essa passou a ser preenchida com censuras que atinai não são as mesmas que aqui temos tido oportunidade de ouvir ao ilustre Deputado Prof. Pacheco de Amorim.
Com efeito, no seu número de 23 de Fevereiro de 1946, o jornal de que me estou socorrendo, depois de explicar que, declarada a guerra em Setembro de 1939, os meses que decorreram até meados de 1940 constituem um período que classifica de «guerra podre», passou ao alinhamento das várias culpas em que o Governo da Nação nessa emergência incorreu, articulando-as, em resumo, nos termos seguintes, que não são a reprodução textual, mas sim u súmula das censuras do articulista:

Tínhamos relativamente assegurado o trânsito de mercadoria através os mares; a navegação marítima executava-se sem dificuldades de navios; era a altura de constituir grandes stocks de géneros e produtos coloniais, aproveitando o ambiente da nossa exposição nacional e empregando-se a nossa frota mercante no transporte daqueles géneros essenciais para a alimentação do povo, em vez de percorrermos os mares conduzindo refugiados.
A par disto havia que fazer cessar a exportação através os colis ... na qual obedecemos a considerações de ordem puramente humanitária.
Por último, adoptámos um regime de clearing com um câmbio fixo muito diferente do que existiria se os beligerantes tivessem sido colocados na dura necessidade de recorrer ao mercado internacional para obterem os escudos de que careciam para pagar as mercadorias que noa adquiriam.
Praticado o erro dos clearings, o Banco de Portugal passou a fornecer aos beligerantes os escudos correspondentes aos créditos por eles abertos nas suas divisas próprias. E como a procura dos escudos se avantajava ao volume da moeda em circulação e o câmbio fora fixado nos clearings, teve o Banco de Portugal de aumentar a circulação fiduciária, que passou de 2.200:000 contos para cerca de S milhões, ou seja 400 por cento mais.

E exemplifica:

A Inglaterra levou-nos as sardinhas.
Quem as pagou?
O Banco de Portugal, em contrapartida de um crédito em libras, sobre o Banco de Inglaterra, necessariamente prejudicial para nós, visto que o câmbio fixado não correspondia ao câmbio real.
E, como consequência directa e imediata, o aumento dá circulação fiduciária, ou, melhor, do volume dos meios de pagamento em circulação.
Resumindo, portanto, este grupo de detractores da política económica portuguesa a partir de 1940, em artigos firmados pêlos pseudónimos de um perfume lacial inebriador como Justus, Economicus ou Lusus, explica o aumento da circulação fiduciária:

Na parte muito importante:

Como consequência dos acordos monetários com a Inglaterra, acordos esses que se apresentam ora prenhes da ameaça de reduções substanciais, ora de reembolsos a largos prazos.

Na parte sobrante:

Ao erro de se não haverem criado grandes stucks nos dois anos de «guerra podre»;
E de se não haver proibido a exportação de colis;
E de não termos imposto um regime de clearinys distinto do aplicado no decorrer da última guerra.

Vamos a pôr desde já a claro o que tudo isto vale.
Sr. Presidente: as referências alusivas aos acordos monetários anglo-portugueses caem, na sua essência, pela base, visto que:

A influência deles resultante no aumento da circulação fiduciária nem reveste a importância que se lhe atribui, nem representa a principal explicação desse acréscimo.
Neste ponto a razão está anais perto da opinião do Prof. Dr. Pacheco de Amorim: o volfrâmio, as conservas, etc. O caso é ide tal maneia-a evidente que me dispensa de outras explanações.
A justificação desses acordos ressalta, sem necessidade de mais, dos nossos deveres de aliados muitas vezes centenários.

Fica, todavia, no ar unia ameaça que tem de ser esclarecida.
Transcrevem-se passos de entrevistas com categorizadas autoridades estrangeiras que aludem a descontos substanciais e ao perigo dos nossos 80 milhões de libras - 8 milhões de contos - se desvalorizarem ao sabor das desvalorizações que a economia inglesa provoque na sua própria moeda.
O que há de verdade em tudo isto? Sim, o que há?
Ao anunciar e requerer este aviso prévio proclamei a vantagem de uma discussão em campo aberto, devassadora de todos os- aspectos do problema, destinada a esclarecer o País definitivamente.
Não o fiz usando apenas do meu direito de Deputado à Assembleia Nacional; moveu-me, acima de tudo, o dever de patriota que abomina quanto impeça que sobre qualquer assunto de interesse nacional se faça inteira luz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, do alto desta tribuna, levanto a voz para solicitar de S. Ex.ª o Ministro das Finanças uma informação cabal, em termos precisos e claros, só recusável se o estado das negociações ou melindres de ordem internacional a impedirem.
Mas se estes obstáculos não existem, então a Assembleia Nacional quer saber tudo: pretende, por conseguinte, que a esclareçam:
1.° Sobre se tivemos de suportar as tais reduções substanciais no nosso crédito de 80 milhões de libras;
2.º Se esse crédito continua dependente das oscilações do valor da moeda inglesa.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, dignar-se-á ser intérprete deste voto, que, suponho, merece o aplauso incondicio-

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nal de todos os membros desta Câmara, junto de S. Ex.ª o Ministro ida(r) Finanças, de modo que os esclarecimentos pedidos cheguem a tempo de servir ao debate que ora se inicia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bustorff da Silva: transmitirei ainda hoje ao Sr. Ministro das Finanças o desejo de V. Ex.ª, e estou certo de que S. Ex.ª, sã não tiver algum inconveniente de ordem internacional a que V. Ex.ª aludiu, mandará amanhã mesmo esses esclarecimentos à Assembleia.

O Orador: - Quanto às restantes críticas dos articulistas do Sol, a sua inanidade patenteia-se facilmente:
1.ª solução. - Obrigação de criar stocks no chamado período de dois anos de «guerra podre».
Não está demonstrado que fosse possível obter esses stocks nas nossas colónias; no caso afirmativo, os meios de transporte de que podíamos dispor teriam sido praticamente insuficientes; e ainda que removidos, por hipótese, estes obstáculos, não possuíamos nenhuma das instalações indispensáveis para conservar os stocks libertos dos riscos de deterioração durante tão largo espaço de tempo.
A par de todos estes óbices, a acumulação de enorme volume de abastecimentos num país de limitados recursos militares e a dois passos do centro da guerra originaria «apetites» e «solicitações» de consequências aterradoras; e, se escapássemos deste último transe, a insuficiência de recursos de armazenagem transformaria em «matéria para guano» a famosa 1.ª solução, cuja apreciação encerro.
2.ª solução. - Terminar com a exportação dos colis.
Salvo o devido respeito, o esforço que se despendesse nesse propósito igualaria o do homem que perseguia o neurasténico que intentava despejar o mar ... às colheres.
3.ª e última solução. - Para evitar o erro do regime de clearings nas bases em que actuou, melhor teria andado o Governo repelindo a fixação de um câmbio fixo, muito diferente do que existiria se os beligerantes tivessem sido colocados na dura necessidade de recorrer ao mercado internacional para adquirir os escudos de que careciam para pagamento das mercadorias que nos compravam.
Ora a Suécia, a Suíça e outros países neutros não fizeram nem mais nem melhor do que nós: esforçaram-se por obter o máximo possível, já que o óptimo é inimigo do bom.
Depois, é de mau gosto disfarçar com palavras a posição de difícil equilíbrio em que uma pequena nação se mantinha, num conflito à distância de pouco mais de uma hora de voo das suas fronteiras, entre os apetites gigantescos e vorazes de colossos, que se esfrangalhavam numa luta sem piedade, no fragor da qual todas as razoes morais - todas! - cediam aos imperativos da batalha.
Apoiados!
E a tanto se limitam as sugestões enxertadas nas colunas do Sol, nas críticas que destaquei.
Sr. Presidente: assinaladas estas críticas; procuremos, daqui por diante, as realidades.
A primeira grande realidade já a marcámos destacada mente:
Portugal, país neutro, vítima indirecta da guerra, sofreu na sua balança de pagamentos o penoso desequilíbrio provocado pelo acréscimo das exportações e a redução ou cessação das importações: a circulação fiduciária aumentou de 1940. para 1946 cerca de quatro vezes, ou seja o que vai de 2.200:000 contos para 8 milhões de contos.
Aconteceu o que era fatal que acontecesse e se tem repetido através da história em todas as crises semelhantes, com governos das esquerdas ou das direitas, louros ou morenos, bons, maus, regulares ou péssimos.
Tal como não há guerra sem tiros, este «tiro» do aumento da circulação fiduciária de um país neutro forçado- digamos tudo!-, forçado pelas circunstâncias a grandes exportações de alguns dos seus produtos era tão .normal e inevitável como a noite que se segue ao dia.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Os países beligerantes, onde anualmente íamos buscar as máquinas, as ferramentas, as matérias-primas essenciais para as nossas indústrias ou as mercadorias para o nosso comércio, concentraram todas as energias nos provimentos da guerra:

Não renovámos stocks;
Não beneficiámos a maquinaria industrial;
Não pudemos adquirir as novas máquinas que o progresso das nossas empresas reclamava.

Resultado: o dinheiro, a moeda que teria sido invertida nessa moeda-capital, entrou em grande parte nos bancos. E lá espera, pelo menos num volume importante...
Por outro lado, o volfrâmio, as conservas, as resinas passaram a ser exportados a preços e em quantidades nunca previstos.
Ao País afluíram capitais estrangeiros.
Os refugiados, com as suas economias, atravessaram as fronteiras, fazendo entrar em Portugal os pecúlios, as economias que, muitas ou poucas, salvavam do> braseiro devastador que derrancava as suas pátrias.
Acumulou-se o poder de compra:

Ou sob a forma de depósitos bancários;
Ou sob a de notas emitidas pelo Banco de Portugal em contrapartida das cambiais
provindas das exportações.

E des'arte vimo-nos, no curto espaço de quatro para cinco anos, lançados no salto vertiginoso de 2 milhões para 8 milhões de circulação fiduciária, correspondente a quatro vezes a existente em 1940.
Dir-se-á: aceitamos que se trata de fenómeno inevitável, mas é fora de dúvida que há-de haver meios ou de o inutilizar ou, quando menos, de o atenuar.
E eu respondo: há - é claro que há - e pode ler-se nos «formulários» da economia.
Como solução radical, impeditiva do acréscimo da circulação fiduciária, decretam os mestres que:

Ou o Estado proíbe ou dificulta as exportações;
Ou o Estado chama a si o monopólio das importações e das exportações, absorvendo completamente as actividades do importador, do exportador, do distribuidor das mercadorias, cujos preços fixa em regime de monopólio feroz.

Valerá a pena perder uns minutos na dissecação destas fantasias?
Quanto à 1.ª - Proibição das exportações:
Há alguém que acredite que teria sido possível ao nosso Governo tomar uma atitude rígida, antagónica

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com os compromissos de ordem diplomática a que estamos felizmente ligados, rodeando o País de uma muralha intransponível para as mercadorias que podíamos exportar ou de que não carecíamos para viver - volfrâmios, conservas, resinas, etc.? A resposta liquida a dúvida e condena a solução.
Quanto à 2.ª, ou seja ao Estado monopolizador de todo o comércio de importação e exportação:
Onde o organismo, onde os meios de transporte, onde tudo o mais indispensável para executar um sistema que reduziria a pó, cinza e nada as actividades comerciais existentes - todas, sem excepção de uma só?
De resto, se admitisse a possibilidade de remover estes óbices, percorrer-me-ia os nervos um arrepio de pavor:
O quê?
Novo .Ministério dos Abastecimentos?
Um Ministério dos Abastecimentos colossal, ciclópico, agindo num campo de acção discricionária, ditatorial, burocratizada cem vezes maior - e pior! - que o de triste memória nos anais da guerra de 1914-1918?
Nem a Rússia, quando marxista, na fase mais exagerada da ditadura que a rege, se abalançou a tanto!
Não, meus senhores: ou proibir a exportação ou inovar um Ministério dos Abastecimento», de volume monumental, teria sido, é e será loucura desmarcada.
Concluo, portanto, mantendo que impedir a crise era tão impossível como endireitar a sombra da tal vara torta de que nos falou o Prof. Pacheco de Amorim em Dezembro último.
Mas se era impossível impedir, porque não se acautelou ou preveniu?
Orientar, adoçar os efeitos do fenómeno não seria ainda uma solução?
Não para evitar estas crises certas, mas para as contrabater, os economistas estão de acordo na orientação a seguir.
Posso, inclusivamente, avançar que há três ou quatro seduções clássicas.
A «doença» manifesta-se por um excesso de moeda circulante que induz -à acumulação do poder de compra:
Pois amputa-se, estirpa-se, esse terrível excesso. Simples e seguro. Cirurgia pura!
Na economia a «cirurgia» (limitada, aliás, às operações que já descreverei) ainda autoriza certa expectativa benévola. Quanto à «medicina», são tantas as terapêuticas como os doutores. Há-as directas. E também indirectas. A sério: há de tudo!
Processos «cirúrgicos» ou, mais propriamente, directos de atacar o mal são:

O bloqueamento do poder de compra;
Os empréstimos forçados;
O racionamento dos dispêndios individuais.

Como as palavras com que se escrevem estas absurdidades claramente denunciam:

O bloqueamento do poder de compra implicaria a ruína dos organismos particulares;
Os empréstimos forçados representariam uma escandalosa e inusitada violência, que, afectando o crédito do Estado, daria origem a graves perturbações internas, quiçá de ordem pública;
O racionamento dos dispêndios individuais, além de dificilmente controlável, seria sabotado pela facilidade de fraude inata nos povos latinos e acabaria em insucesso idêntico ao verificado em experiências semelhantes, de recentíssima data, postas em prática em países estrangeiros.

Falidos os processos directos, não nos fica outra saída que não seja o apelo às fórmulas indirectas.
Quais são elas?
1.ª O agravamento dos impostos;
2.ª Os empréstimos internos;
3.ª A venda de ouro no mercado interno.
Somente esta última deixou de ser posta ostensivamente em prática.
Nos impostos: procedeu-se a sucessivos aumentos, discriminados no mapa n.° 3, que não leio a V. Ex.ªs por economia de tempo, mas farei reproduzir no Diário das Sessões, do qual se vê que em 1939 o montante das contribuições predial, industrial e imposto sobre a aplicação de capitais foi de 455:769 contos, ao passo que em 1945 ascendeu a 678:225 contos, a que há que acrescer 238:887 contos do imposto sobre lucros excepcionais ocasionados pelo estado de guerra, o que tudo atinge 917:112 contos - mais do dobro de 1938.

MAPA N.º 3

[Ver tabela na imagem]

(a) N4o se pode fazer o desdobramento em rústica e urbana em virtude de nas Contas Gerais do Estado não se fazer tal discriminação.

Nos empréstimos: lançaram-se sucessivos empréstimos internos, conforme consta de um outro mapa, a que, com o n.° 4, darei igual destino e do qual destaco apenas estas indicações: de 1938 a 1945 fizeram-se de emissões de empréstimos, no total de 4.250:000.000$ a que há que acrescentar 461:578.300$ de excessos emissões destinadas a conversões, que também foram colocadas no mercado. Total: 4.711:578.300$.

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MAPA N.º 4

Emissões efectuadas de 1937 a 1945

1938 - 3 1/2 por cento de 1938, 1.ª série (obrigações do Tesouro) ............................... 100:000.000$00
1941 - 3 1/2 por cento de 1941, 1.ª série (obrigações do Tesouro) ............................... 500:000.000$00
1941 - 3 1/2 por cento de 1938, 2.ª à 5.ª séries (obrigações do Tesouro) ............................... 400:000.000$00
1942 - 3 por conto de 1942, 1.ª à 10.ª séries ......... 1.000:000.000$00
1942 - 2 1/2 por cento de 1942 (obrigações do Tesouro). 250:000.000$00
1943 - 2 3/4 por cento de 1943, 1.ª à 10.ª séries ..... 1.000:000.000$00
1943 - 3 por certo de 1942, 21.ª e 22.ª séries ........ 200:000.000$00
1943 - 2 1/2 por cento de 1943 (obrigações do Tesouro). 250:000.000$00
1944 - 2 1/2 por cento de 1944 (obrigações do Tesouro). 250:000.000$00
1945 - 2 1/2 por cento de 1945 (obrigações do Tesouro). 300:000.000$00
___________________________
4.250:000.000$00
___________________________

Quer dizer: num período em que a circulação fiduciária aumenta cerca de 6 milhões, recobra-se, a título de aumento de contribuições e de empréstimos, mais de 5 milhões e meio de contos. Não se comportou modestamente o Governo no capítulo, da... "timidez".

O Sr. Mário de Figueiredo: - Para a hipótese de V. Ex.ª, e seguindo a exposição que o Sr. Ministro das Finanças fez à Assembleia, o que tem importância não é o que se retirou, mas o que, tendo-se retirando, não regressou à circulação.

O Orador: - Relativamente às vendas de ouro no mercado interno, são elas, de facto, um dos meios clássicos (como recorda S. Ex.ª o Ministro das Finanças no relatório que fez publicar), são elas um dos meios clássicos de comandar o meio circulante.
Só atentarmos, porém, na situação anormal das praças exteriores, concordaremos em que a procura e a posse desse ouro teriam provocado uma desvalorização correspondente da nossa moeda, acompanhada da drenagem da parte importante da massa de conversão com que actualmente coutamos, através dos mercados clandestinos e com aviltamento dos meios de defesa ao nosso alcance.
Esgotaram-se, portanto, todos os recursos que a cirurgia e a medicina a económicas" ensinavam.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Lá fora ter-se-á feito melhor?
Quando as últimas bocas de fogo queimaram os derradeiros tiros houve quem supusesse que era a paz.
E, porque era a paz, acreditou-se que o Mundo voltaria ao estado de sanidade mental que a guerra por completo obliterara...
Mas, qual!
O recente incêndio do clube nocturno de Spandau oferece-nos o exacto símbolo do imundo lá de fora: uma mascarada que acaba consumida nas labaredas de um incêndio!
A ânsia de produzia, único remédio salvador para as carências de todos os mercados, quebrou, inutilizou-se, perante greves sucessivas e reduções no rendimento do trabalho.
Só não faltaram planos ... e em auspiciosa abundância.
Continuavam as nações a destruir-se com ferina crueldade e já no XII Rapport du Banque des Règlements Internationaux, Bâle, 1942, p. 28, se escrevia:

A indústria moderna dispõe de meios técnicos para reparar em curto prazo as destruições materiais da guerra.
Mas o levantamento geral do nível da vida dos povos, esse, exigirá, antes de mais nada, a reconstrução de um sistema económico que a guerra deformou e quebrou, e essa tarefa de reconstrução será mais delicada do que nunca, por virtude da crescente interdependência dos factos políticos económicos e sociais.

Duas ideias belas inspiram os reformadores do amanhã:
1.° A liberdade económica tem de ceder o lugar a uma direcção económica mundial;
2.° Toda a reforma monetária ha-de ser feita no plano internacional.
Há um plano inglês. Um plano americano. E, até, um plano russo.
O plano inglês (Keynes) anda ao redor dê um sistema de compensações, espécie de clearing entre bancos centrais.
Keynes concebeu esse plano à margem do ouro. As moedas não seriam convertíveis em ouro. Os deficits dos balanços de contas seriam absorvidos apenas pelo movimento dos valores1 (bens) e dos créditos.
O ouro serviria de instrumento de definição das diferentes moedas nacionais.
O plano americano (White) tem por base a ideia de um fundo de estabilização.
Este fundo destinar-se-ia "a reduzir os ciclos e a atenuar o grau de desequilíbrio da balança internacional das contas dos países aderentes.
Sempre que um desequilíbrio se produza, sempre que a estabilidade de determinada moeda periclite, o fundo entrará em acção... reduzindo-se forçosamente".
Quer dizer: num caso de crise grave nem todo o ouro do Mundo chegaria paira evitar a derrocada!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ambos estes planos (Keynes e White) e o do alemão Br. Benning ou o dos técnicos soviéticos do plano Varga-Tchetchulin fixam por via convencional um barème dos câmbios, "cuja estabilidade deveria prevenir as futuras flutuações das moedas nacionais, que fundos de estabilização ou combinações de créditos chegariam a conter dentro de limites previamente determinados". (Patin, pp. 424-425).
Há de tudo!
Um professor da Faculdade de Direito de Paris, Lescure ("Guerre et crise économique face au chômage", in Revue de l'Economie Contemporaine de Março de 1944), esse não hesita em considerar a bancarrota como um meio propício de tornar possível o regresso a uma economia sã. Exemplifica e fortalece a sua afirmação invocando duas experiências levadas a cabo com êxito: a da Alemanha em 1924 e a da Áustria (Batin, p. 43).
Sugere-se o blocage dos meios de pagamento.
Mas no Rapport sur la Politique Economique d'après guerre, publicado clandestinamente pelo Comité National d'Etudes, René Constin opõe-se:

É essencial assinalar que a maior parte dos financeiros públicos e particulares que consultamos se mostrou resolutamente aposta a semelhante projecto...
Nunca será demais aconselhar o Governo a evitar comprometer-se nessa vasta, dispendiosa e impopular operação da conscrição, que não libertaria nenhum elemento activo.

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E Patin, de cuja notável obra La Bonne Monnaie me tenho socorrido para recolha das informações que aí ficam, conclui:

Admitida a incapacidade dos Estados para assegurar às suas moedas um apoio independente das instituições nacionais que a formam ou deformam como muito bem lhes apetece, não há senão dois partidos a escolher:
Ou a escolha de uma moeda independente do domínio do Estado, no sentido de free money, moeda abandonada à discrição das fantasias individuais dos portadores, regressando-se às práticas monetárias dos séculos XVII e XVIII;
Ou adoptarmos unia moeda internacional, regida por uma lei e uma instituição comuns, sobrepostas às vontades diversas e contraditórias dos Estados (p. 453).

Como se vê, um mar de idealistas, e outro, maior, de ideias.
Mas estas, como a água salgada daquele, não matam um fio de sede seja a quem for.
Palavras e mais palavras ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Concluído o balanço, uma única conclusão se radica na nossa mente: a de que o «embróglio» é, por enquanto, tamanho, que torna arriscada a fixação de um plano de reforma que legitime um resquício de confiança, sequer.
Em tudo o que vise o, proceder a uma reforma com projecção externa, internacional, qualquer iniciativa será prematura.
Sr. Presidente: as afirmações que acabo de produzir não podem ser interpretadas como se eu aconselhasse que cruzemos os braços, passivamente, aguardando que o remédio nos caia do céu ...
A vida da quase totalidade ou de uma enorme maioria de portugueses arrasta-se penosa, angustiosamente, dia a dia agravada por faltas a que é indispensável acudir. E desde já, sem perda de um minuto.
Sustentar, porém, que em tudo e por tudo interfere o problema da moeda, isso representa puro «daltonismo» económico.
E «daltonismo» com perigosas projecções.
Há, é indubitável, muito que realizar, mas, na sua grande parte, à margem do problema da moeda.
Peço, portanto, licença pura divergir do exclusivismo do Prof. Pacheco de Amorim quando atribui o agravamento do custo da vida restritamente ao aviltamento do poder de compra da moeda, provocada pelos excessos das circulações fiduciárias que discrimina.
Dei-me ao estudo deste problema com acrisolado escrúpulo e estou em crer que muitos, outros elementos há que pôr em jogo, pois influem bem mais decididamente no apuramento da verdade.
Os três anos de secas e os miseráveis anos agrícolas que «e prolongaram até às colheitas de 1945 influíram gravemente na inflação do preços dos géneros de consumo interno.
Apoiados.
Somos um País de pobre, de paupérrimo rendimento agrícola, amarrado a produções deficitárias dos principais géneros de alimentação do povo.
Apoiados.
Aquilo que a lavoura nacional produz ou chega escassamente em épocas normais ou é insuficiente.
Apoiados.
Três anos de secas minimizaram os rendimentos das searas, eliminaram milhafres de cabeças de gado, absorveram as já limitadas disponibilidades financeiras de inúmeras empresas agrícola» essenciais para o roulement das futuras explorações.
A frise da carne, que hoje tantos discutem, radica-se inquestionavelmente nesse evento e explica-se, até certo ponto, pelo momentâneo imperativo da renovação dos rebanhos.
Apoiados.
A carência dos produtos - efeitos da lei de oferta e da procura - influiu, portanto, necessária e desvantajosamente, na elevação dos preços.
A par dela, a subida desses mesmos, preços no mercado internacional, a interpenetração ou interdependência de todos os elementos do facto ou do fenómeno económico não devem ser esquecidas.
O Sr. Prof. Pacheco de Amorim queixa-se dos tabelamentos e cita o exemplo do porqueiro que enriqueceu, não a vender porcos, mas resinas.
Não o acompanho nessa orientação.
Os tabelamentos são, neste acto de tragédia que o Mundo vive, um mal geral.
Mus um mal a que correspondem conhecidas vantagens.
Uma exposição que o Grémio dos- Produtos Resinosos enviou a esta Assembleia convenceu-me de que o ilustre parlamentar se equivocou ao profligar o tabelamento das «sangrias» a 1$80, pois nunca tal tabelamento oficial existiu.
E isolarmo-nos de um mal da época seria inpraticável; recusarmo-nos a uma prática universal, desaconselhável.
Para mais, não exagera quem sustentar que, de um modo geral, os preços fixados para os produtos tabelados não conduzem necessariamente à ruína dos respectivos produtores.
Não! O mal não reside tanto no tabelamento como na desorganização inclassificável em que às vezes parte dos serviços actua.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- E pior que os vícios ou erros do tabelamento avultam os do racionamento.
Neste capítulo o que está acontecendo por esse País fora não pode continuar!
Mais claro: tem de acabar e há-de acabar, ainda que nos vejamos forçados a requerer do Governo a aplicação de sanções violentas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tudo isto, porém, decorre à margem do problema monetário, pelo que corro o risco de me acusarem de discretear sobre matérias estranhas ao aviso prévio que suscitei.
Mas injustamente.
Recordem V. Ex.ªs que tanto nos discursos do Prof. Pacheco de Amorim como nas críticas espalhadas por muitos jornais da manhã ou da tarde V. Ex.ª têm observado que se acentua a difícil situação de todos os portugueses da classe média, para acto seguido, no enlearem nas prestidigitações dos números e das circulações fiduciárias, tendentes a demonstrar que, afinal, continuamos em autêntica inflação.
E o público acredita.
Sem abranger o exacto conceito da inflação ou de deflação, passa a repetir a palavra como se, só por si, ela dispusesse do mágico privilégio de fulminar de nulidade toda a obra financeira do Estado Novo.
O efeito da intriga conduz ao descontentamento político desejado.

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Alguns chegam a duvidar se entre a ruína de 1926 e a situação financeira actual haverá, sequer, saldo positivo a favor desta última.
A estratégia é conhecida: atacar a obra mestra, pois, destruída ela, o resto cairá por si ...
Apoiados.
É claro que não associo a estes propósitos os professores, os estudiosos ou os ingénuos que se aplicam a abstractas cangeminações metafísicas ou os que afirmam de boa fé.
Mas não posso deixar de os advertir da especulação em que inadvertidamente colaboram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador! - E que o maquiavelismo do plano - mais um plano!- excede as marcas!

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Nestes últimos dias pessoas sem conto, conhecedoras da minha intervenção neste debate, interpelam-me para que lhes diga se há inflação ou se entramos em franca deflação.
E, de olhar pávido de espanto, citam-me passagens de discursos, trechos de jornais, números a esmo, que os levam a torcer os braços de desespero, pois, afinal, sempre há a tal inflação!
O poder mirífico de que certas palavras dispõem para perturbar mentalidades impreparadas é dos domínios da patologia.
Há que esclarecer essas borboletas loucas, esvoaçando entre expressões que amedrontam ... pela ignorância do respectivo conteúdo.
«Inflação», «deflação», só por si, são palavras que não afectam directa ou indirectamente a situação económica dos portugueses.
Importa, sim, investigar o grau em que qualquer delas se manifesta e a sua influência, maior, menor ou nula, na evolução crescente ou decrescente dos preços.
Aqui é que o problema começa a interessar.
A exagerada política inflacionista, política de facilidades usualmente preferida pêlos governos das: esquerdas, desvaloriza a moeda, eleva o custo da vida, facilita a miragem das elevações de salários, que serve à maravilha a propaganda dissolvente junto das classes trabalhadoras.
A descontrolada política deflacionista, essa caracteriza-se por reduções das despesas públicas, agrava os impostos ou cria novos impostos e arruina todos os devedores, afecta os produtores, origina autênticos terramotos financeiros, a que nem os grandes organismos comerciais ou industrias conseguem escapar.
Os capitais rareiam. O crédito torna-se ou impossível ou, na mais favorável das hipóteses, muito difícil.
As reformas de letras ou os novos descontos são geralmente recusados; com o alargamento dos créditos dá o mesmo ...
Subtil, ardilosamente, vai-se criando ambiente para a elevação das taxas de juros ...
Sob à capa das lisonjeiras afirmações de apenas aparentes entusiastas da deflação podem, portanto, esconder-se propósitos pérfidos de ganhuça!
Logo, há que recear os excessos de qualquer dos movimentos.
Ao Governo cumpre evitar que uma ou outra - a inflação ou a deflação - passe além dos limites da boa prudência.
De mão firme nas fabulosas disponibilidades-ouro que criou, e que pode manejar confiadamente, não lhe faltam meios de acudir à zona de maior perigo, remetendo ao acatamento devido aos superiores interesses
da Pátria todo aquele - seja quem for! - que os intente atraiçoar ao serviço de ambições desmedidas.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - A obrigação moral de não omitir coisa alguma impele-me a ser mais explícito.
Em franca oposição com os arautos do deflacionismo, sente-se que anda no ar a tentativa de se ensaiar uma resistência veemente contra a baixa de preços.
Já de vários sectores surge a carpidura de novas protecções pautais.
Com lágrimas de crocodilo sobre as misérias do povo e pranto magoado sobre a iminência da ruína de certas indústrias nacionais entremeiam-se falácias aliciantes no sentido inflatório.
Apetece-me exortar os que arrazoam com propósitos encobertos a que arranquem as máscaras e meditem nas conhecidas palavras de Abraham Lincoln: «You can fool all people some-time, you can fool some people all the time, but you cannot fool all the people all the time».
E ficamos entendidos ...
Sr. Presidente: remeto-me de novo à matéria que talvez não devesse ter abandonado:
Qual é, na verdade, a situação real da moeda portuguesa?
Já está dito, mas é bom recordar de quando em quando, que a actual circulação fiduciária é incomparável com a de 1918.
Àquela data o Estado, às portas da ruína, carecia de notas, impunha a respectiva impressão ao banco emissor e este facultava-lhas. Papel - nem para forrar paredes!
No momento actual, e desde o saneamento das contas públicas, o equilíbrio da administração do Estado e as facilidades de tesouraria de que passou a dispor, longe de «criar artificiosamente poder de compra, actuou como factor da sua imobilização». (Palavras do relatório do Sr. Ministro das Finanças).
Existe, porém, uma circulação fiduciária quatro vezes superior à de 1940.
Já descobrimos a sua origem. Seria ocioso voltar ao assunto.
Perfilho em absoluto a reserva de S. Ex.ª o Ministro das Finanças, no relatório que acaba de publicar, quando acentua que a simples, menção do número representativo das notas em circulação, só por si, não corresponde exactamente à circulação efectiva em determinado momento: há que descontar as disponibilidades que os bancos mantêm inactivas para se assegurarem contra necessidades imprevistas da tesouraria.
Os bancos depositam no banco emissor as quantias que presumem exceder as necessidades das suas caixas.
Quanto ao somatório dos depósitos do público nos bancos particulares, repito e resumo o que disse em 14 de Dezembro de 11946:
E um erro, a meu ver, assegurar que toda essa moeda, a que o Prof. Pacheco de Amorim chama circulação monetária propriamente dita, pesa integralmente nos preços. Há que distinguir:
1.° O capital líquido que representa a reintegração de valores de capital que não puderam realizar-se tecnicamente por virtude da guerra e que esperam a oportunidade de seguir o destino que determinou o seu depósito (renovação das máquinas, reparações do equipamento industrial, etc.);
2.° Uma outra parte, que representa a capitalização normal da produção, o aumento regular do seu equipamento, que não pôde também fazer-se em consequência da guerra, mas cuja satisfação deve ser atacada desde já;

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3.° Uma última parte, que representa efectivamente capitalização extraordinária devida às transacções excepcionais do período da guerra.
Na utilização desta última é que reside o grande perigo.
Mas o Sr. Dr. Águedo de Oliveira tinha razão sobrante quando, em Dezembro último, notava que a inflação dos preços e o custo da vida não dependem só das medidas do Governo ou das intervenções desta Assembleia, ou das operações do banco emissor, mas, acima de tudo, do critério do grande público, que deve abster-se de gastar pródiga e desordenadamente o seu dinheiro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -A situação interna, note-se bem, é delicada, mas não justifica previsões de tragédia.
Reuniram recentemente em Lisboa as assembleias gerais de dois estabelecimentos bancários que ocupam posição de destaque na finança nacional: o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa e o Banco Fonsecas, Santos & Viana.
Numa e noutra ouviram os accionistas palavras de confiança no futuro e de louvor à obra do Governo Nacional.
Na assembleia do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa o seu director disse:

A transição para a economia da paz tem tomado aspectos fundamentalmente diferentes nos diversos países, conforme a situação em que a cessação das hostilidades os encontrou, e assim, enquanto alguns procuram por todas as formas opor uma barreira à onda crescente da inflação, outros há em que os sinais de deflação são tão nítidos que requerem o estudo cuidadoso de medidas tendentes a facilitar a readaptação a que, na terminologia moderna, se chama «reconversão».
Entre nós a reconversão iniciou-se sem sobressaltos e temos de convir que a diminuição do poder de compra da nossa moeda, resultante mais da escassez de bens de consumo do que da inflação do meio circulante, não lhe diminuiu a paridade com as moedas estrangeiras mais consideradas, nem mesmo com o próprio ouro fino, que, no mercado livre, depois de oscilações de origem mais ou menos especulativa, tem hoje um preço que excede apenas em cerca de 10 por cento o gold point estabelecido.
Provimos que o excesso de numerário que pesava sobre a nossa economia seria gradualmente reabsorvido na aquisição das divisas de que era contrapartida, logo que as exportações estrangeiras pudessem dirigir-se para o nosso País.
E não nos enganámos ...
Felizmente, Portugal hoje pode pagar em qualquer mercado, em qualquer moeda, e tem reservas suficientes para o fazer durante alguns anos, que esperamos sejam mais do que os indispensáveis para estabelecermos a produção metropolitana e colonial em condições de suprir as necessidades de todos os portugueses.

Não se dirá que são «teóricos» que fantasiam. Produziram afirmações idênticas homens práticos que no triunfo das suas realizações dão a prova da consistência dos conceitos em que se inspiram.
Assim, no Banco Fonsecas, Santos & Viana, o Sr. Mário de Sousa foi, se possível, ainda mais terminante:

... se compararmos o último ano com os anos anteriores, verifica-se que o ano de 1946 se caracterizou não só por terem cessado completamente as causas que determinaram a grande inflação produzida durante a guerra, mas também por se haverem revelado já, nos últimos meses do ano, os primeiros sintomas, nítidos e inequívocos, de havermos entrado no período da deflação.
É certo que a maioria do público mal se terá por enquanto apercebido disso, visto que, assim como só bastantes meses depois de começada a inflação ele lhe sentiu os efeitos, assim também agora não poucos meses serão decerto necessários para se reflectirem por forma sensível, nos variados elementos da economia, os efeitos da deflação.
Certo é, porém, que o fenómeno se verifica como uma realidade do mais largo alcance para o futuro económico do País, só restando saber como essa deflação virá a operar-se e a desenvolver-se: se lenta e progressivamente, de modo a permitir a todos os factores da vida económica uma gradual e suave adaptação, se de moído brusco e violento - de rendimentos, de salários, de valores e de preços -, com todos os correspondentes desequilíbrios e perturbações económicas e sociais.
Julgo difícil fazer prognósticos seguros nesta matéria.
Tudo dependerá, em última análise, da vida que o País fizer: na restauração e fomento da sua economia, no reapetrechamento e progresso da suas indústrias, no rendimento do seu trabalho e ainda no ritmo, natureza e volume das suas despesas, quer estas correspondam directamente a um aumento de importações, quer a um aumento de consumo, capazes de afectar as exportações.
Com efeito, ao passo que durante a guerra todas as despesas contribuíam para estimular e avolumar caída vez mais o movimento geral da inflação, hoje, pelo contrário, julgo que quanto maiores forem aquelas despesas e mais largos os consumos nacionais tanto maior, mais rápida e mais violenta poderá ser a deflação.

Por sinal que estas, palavras calaram tão vibrantemente no espírito dos accionistas presentes que o seu representante irrompeu num caloroso e merecido elogio à sábia política financeira do Governo de Salazar, elogio que provocou em todos os arraiais da política, amigos ou inimigos, a emoção natural.
Não nos alarmemos, pois, a ponto de descrer do futuro.
Ë certo que, num artigo de fundo publicado no Diário Popular de 12 do corrente, o respectivo autor, socorrendo-se da última situação semanal publicada pelo instituto emissor, respeitante a 24 de Dezembro de 1946, apura que em 1946 a circulação de notais aumentou em mais 678:396 contos, isto é, mais 144:788 do que de 1944 para 1945, e conclui que isto significa «ter retomado a inflação a sua marcha ascencional», pelo que, «por mais boa vontade que tenhamos, não vemos, à luz dos conceitos e ideias da ciência económica, nenhum processo deflatório em curso» ... embora possamos «dizer e provar que cessaram as causas externas da inflação; todavia isto não é deflação».
Ora se em Janeiro de 1946 a circulação fiduciária andava por 8 milhões e em Dezembro subiu 600 mil contos, subiu menos de 10 por cento, o que está dentro das normas da oscilação estacionai.
Acessoriamente, o aumento da importação que teve de ser financiada justifica o aumento, aliás normal, da circulação fiduciária (p. 29 do relatório do Sr. Ministro das Finanças).
Os gráficos VI e VII desse importante trabalho corroboram estas conclusões.

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E para os que vivem ao agitado labor da vida de todos os dias, bem longe do remanso doa gabinetes onde teorizam os mestres, a constatação de que nos últimos tempos as faculdades de crédito arrefecem, os descontos dificultam-se, os papéis de crédito baixam, a oferta de valores mobiliários ou imobiliários excede a procura, o capital rareia, os juros ameaçam aumentar, constitui sintoma inequívoco de que a razão está do lado dos homens de negócios directores de organismos bancários, como os que citei.
Não ignoro que me podem contrapor que se trata de opiniões de práticos, alheios às sibilinas congeminações dos que auferem as primícias da ciência pura.
Especificadamente em relação às entidades cujos discursos transcrevi, trata-se de diplomados por escolas superiores.
Mas que o não fossem! Não me consta que Camões tenha cursado a Faculdade de Letras ou que Edison filiasse numa carta de engenheiro a concepção das suas geniais descobertas.
Arredado o equívoco da atribuição ao problema monetário português da paternidade de todos os embaraços da penosa vida actual, vamos concluir fazendo a determinação do valor efectivo da nossa moeda e das possibilidades da sua interferência na remoção de novos agravamentos do custo da vida.
Com a corajosa reforma do Banco de Portugal de 1931, Salazar assegurou-nos uma forte base para reagir contra crises como a que nos anunciam os pessimistas.
O Banco de Portugal atingiu desde então uma situação de especial solvência.
Apoiados.
E da melhor ou pior posição dos bancos emissores extraem-se conclusões seguras para o aferimento do valor real da moeda das respectivos países.
Bist (Histoire des doutrines relatives au crédit et à la monnaie, p. 416), ensina:

O banco de emissão é a reserva de crédito à qual os bancos privados recorrem em tempo de crise; u concentração das reservas metálicas do país numa só caixa permite a sua repartição mais rápida e melhor pêlos pontos onde é necessário.

O Prof. Rui Ulrich (Teoria Económica das Reservas, 1914, p. 7), escreve:

Como diz Patroii, as reservas bancárias são os alicerces sobre os quais assenta o edifício de cada país, e por isso não será demais todo o cuidado do Estado em tal assunto e nunca se compreenderá que ele o abandone à iniciativa privada. A guarda da reserva de ouro de um país corresponde, na frase de V. Pareto, a uma função pública.
... As reservas metálicas do» grandes bancos emissores são as reservas metálicas de todo o país, de que dependem a sua situação monetária e o seu equilíbrio económico, e por isso o seu movimento interessa a todos os cidadãos ...
Com efeito, a missão desses bancos não consiste em defender as suas reservas, mas sim em defender também, 9 em primeiro lugar, a reserva nacional na sua única parte com valor internacional, isto é, na sua parte ouro.

Nas Lições de Economia Política, do Prof. Marcelo Caetano, de 1935-1936, lê-se:

... o metal amarelo é cada vez mais preciso e a sua conservação é uma necessidade imperiosa.
Ora bem: as nossas reservas metálicas - ouro - atingiram em fins de 1946 - há dias - quantidades e cifras que pode dizer-se astronómicas.
O ouro-metal, segundo extraio dos balanços do Banco emissor do exercício de 1945 (ouro em barra e moeda e disponibilidades-ouro no estrangeiro e outras reservas), atinge 8.271:879 contos.
Sabido como é que este ouro foi contabilizado a uma média de 28$ por grama, ou 28 coutos por quilograma, temos que àquele montante corresponde um mínimo de 295 toneladas de ouro.
Este é o ouro do Banco, que constitui a nossa reserva monetária.
Mas o Estado possui também ouro próprio, que constitui uma reserva de tesouraria.
Tenho diante de mim uma nota discriminada da» operações levadas a efeito e posso informar a Assembleia de que as compras de ouro efectuadas pelo Governo foram as constantes do mapa seguinte:

MAPA N.º 5

Ouro em barra adquirido pelo Governo Português depositado no Banco de Portugal

[Ver tabela na Imagem]

Ouro do Governo Português saído do Banco de Portugal

[Ver tabela na Imagem]

O ouro existente no Banco de Portugal pertencente ao Governo Português pesa actualmente 15.477:311,8651 e tem o valor de 432:184.144$49, correspondentes a $ 17.416:246, atribuindo a cada onça troy de ouro o valor de $35.

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O Estado é, por conseguinte, proprietário de 16.506:760,4425 gramas-ouro, ou seja de mais de 16 toneladas.
Isto significa que, pela reserva monetária do sen banco emissor e pela reserva -da tesouraria do Estado, Portugal apoia a sua moeda, em mais de 300 toneladas de ouro ou disponibilidades-ouro.

Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª está a aguçar os apetites do MUD ...
Risos.

O Orador: - Ou, mais precisamente: a uma circulação fiduciária de 8 milhões de contos correspondem e milhões de cobertura-ouro.
No estrangeiro, ao menos, esta posição foi compreendida.
As cotações de venda, extremas e médias; das divisas a seguir indicadas foram, em 1940:

[Ver tabela na Imagem]

(P. 27 do Relatório da gerência de 1940).

E em 1940:

[Ver tabela na Imagem]

(Relatório do Banco de Portugal, gerência de 1945).

Quer dizer: neste espaço cie cinco anos o escudo valorizou-se, ainda que ligeiramente, em relação à libra, ao dólar e ao franco suíço.
Que facilidades de movimentos assegura esta portentosa situação de disponibilidades?
São fáceis de definir:
Em primeiro lugar, somos dos raros países do Mundo em condições de suprir as nossas deficiências internas recorrendo ao estrangeiro para comprarmos e pagarmos tudo de que necessitamos.
Apoiados.
Neste a tudo podemos com facilidade e segurança abranger a quase totalidade tios abastecimentos indispensáveis para a alimentação dos portugueses do continente; com a multiplicação dos meios de transporte, que a abundância das divisas ao dispor do Governo permite obter, as colónias acudir-nos-ão, com recíproca vantagem para os nacionais de aquém e de além-mar;
Depois, o que as colónias não puderem fornecer-nos, procurá-lo-emos no estrangeiro, de onde, excepção feita do azeite, a experiência comprova ser possível obter carne, gorduras, batatas, lãs, etc.
E se reservarmos uma parte das nossas disponibilidades, aliás insignificantes em relação ao todo, para que funcione em fundo de compensação por conta do qual correrá a diferença entre os preço de custo dos géneros importados e a sua nivelação com o preço justo tabelado para os géneros de produção interna, os riscos do agravamento do custo da vida atenuar-se-ão.
Apoiados.
A par destas, medidas, impõe-se a remodelação severa, integral, de alto a baixo, dos serviços de racionamento.
Disse-o há momentos e gritá-lo-ei vezes sem conto, sempre que necessário: o que está sucedendo por esse País fora tem de acabar!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando os trabalhadores do norte no sul do País, quando o pobre abade do Minho, quando os funcionários públicos se queixam de que morrem de fome, não é, essencialmente, porque existam tabelamentos ou racionamentos idos produtos vitais para a sustentação caseira; mas é, sim porque os produtos tabelados desaparecem e os racionados ou não chegam nunca ou chegam tarde.
Se as rações a que cada qual tem direito pelas senhas de racionamento estivessem a tempo e horas, no princípio de cada mês, à disposição dos consumidores, as queixas desapareceriam ou reduzir-se-iam enormemente.
Apoiados.
Todos os dias ouvimos nesta Assembleia protestos clamados de vários cantos do País: das rações de Novembro ou Dezembro não há sequer notícias em Janeiro, e por aí adiante.
Apoiados.
Custe o que custar, doa a quem doer - semelhante desaforo não continua!
Para os que falham por mera incapacidade . . . rua, que há muito quem queira trabalhar - e bem!
Apoiados.
Para os que não cumprem por comodismo, por exacerbação de prosápiais autoritárias, por especulação ou por traição ao serviço que lhes paga ... cadeia, sem do nem piedade.
Apoiados.
E em toda a parte e a todo o momento: guerra a papelada enredadora e irritante.
Apoiadas.
Cumulativamente, no aspecto interno do problema da moeda, o Governo decerto prosseguirá na política de novos subsídios ou elevações de vencimentos que substancialmente equilibrem os réditos dos trabalhadores do Estado com os encargos do seu dia-a-dia, consoante as oscilações apuradas no custo da vida.
Apoiados.
As disponibilidades de cambiais existentes, repito, facilitam ao Governo a aquisição - bem sabemos- que, por vezes, aleatória e difícil - da maior parte dos produtos de alimentação em deficit no consumo interno.
A circunstância, de se não haver seguido a lição sueca ou a suíça da criação de outros fundos de compensação, pêlos quais são suportados os encargos da equiparação dos preços internacionais, mais elevados que os fixados internamente, não impede que o Governo recorra também a esse salutar recurso, consoante já afirmei.
Seja como for, há que facilitar a vida enquanto a abastança não chega.
Apoiados.
Nenhum dispêndio, sacrifícios alguns, serão excessivos!
Apoiados.
Salus populi, suprema lex!
E as queixas calar-se-ão.
Apoiados.
Duvido se os que me escutam já observaram que na sua grande maioria, os «prospectores» das inflações e das deflações contentam-se com proclamar, triunfantemente, que só a primeira continua em progresso.
Proclamam o facto e tanto lhes basta ... Soluções?
Para quê?

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Constituem excepção a esta regra os Profs. Drs. Pacheco de Amorim e Rui Ulrich.
Da análise dos escritos do nosso ilustre colega e das palavras que aqui tem proferido parece subentender-se que S. Ex.ª perfilha a ideia, de uma elevação maciça ele preços, salários, etc.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Mas não instantânea.

O Orador: - Quanto ao Prof. Ulrich, numa conferência recentemente realizada no Porto (e ao que depreendo dos jornais, pois, mau grado a patente boa vontade do ilustre professor, foi-me impossível ler o original) S. Ex.ª aconselha que tudo se multiplique por 2 em relação a 1940. E fica certo, segundo supõe.
A multiplicação é possível que fique. Os efeitos, esses, salvo o devido respeito, ante vejo-os mais do que incertos.
Vejamos:
Excepção feita do trigo e da carne, cujos preços dependem de circunstâncias de ordem política ou ocasional, a generalidade dos produtos agrícolas de produção interna atingiu preços que excedem ou já igualaram o dobro dos de 1940.
O mapa que se segue corrobora esta asserção:

Preços do produtor

Índices referidos ao prego médio de 1938 (100)

[Ver tabela na Imagem]

Quer dizer: praticamente o produtor já recebe pelos seus produtos o preço que corresponderia à aplicação da fórmula do Prof. Ulrich.
Ora ainda há bem pouco a expectativa de um ligeiro acréscimo da contribuição predial bastou para que os proprietários portugueses gemessem de exaurimento por não poderem pagar mais.
Aplicada a solução proposta, pagariam mesmo. Pagariam o dobro, vendendo embora os produtos aos preços que já indiquei.
Com a indústria aconteceria pior: a duplicação do preço de venda dos produtos facilitaria a luta triunfante dos concorrentes estrangeiros.
Com as rendas das casas as injustiças de 1940 acentuar-se-iam pura e simplesmente pela aplicação do coeficiente.
E como aplicar esse coeficiente aos débitos, às pensões, às reformas ou aos créditos?
As ponderações do Sr. Dr. Águedo de Oliveira em 14 de Dezembro último subsistem inteiramente.
Sr. Presidente: sei que as agonias do próximo não curam as que nos afligem. Dão-nos, porém, até certo ponto, o conforto de não sofrermos sós.
Beneficiemos, por conseguinte, das maravilhosas descobertas científicas que encurtaram o Mundo e nivelaram os obstáculos que distanciavam as diferentes nacionalidades e perscrutemos, mesmo daqui, desta sala, o que se passa por esse orbe além:
Governantes e economistas inclinam-se para qualquer elevação de preços?
Estou habilitado a afirmar que não.
Em França propagandeia-se o plano Monnet, logo seguido do chamado «golpe psicológico» de Blum, com a redução de õ por cento nos preços.
O plano Monnet importa, de certeza, um sacrifício imediato, pesado e irreparável, em compensação do qual não se descortinam resultados certos. O «golpe psicológico», esse, precedido, como foi, de uma elevação, a bem dizer que surda, de certas tarifas que subiram 30 e 25 por cento, há-de correr os avatares de todos os artifícios desta espécie... Há dias, em 19 do corrente mês, o Governo ordena nova baixa de preços e opõe-se à elevação dos salários.
Passemos à Bélgica: a experiência Yan Acker.
Em fins de Maio de 1946 o Sr. Yan Acker deliberou, de certo modo imprevistamente, que os preços baixassem 10 por cento, porque ... «toda a alta no custo da vida arrastaria dentro de um prazo mais ou menos curto uma desvalorização da moeda».
A medida foi aplicada corajosa, rigorosamente.
As reivindicações operárias mais instantes calaram-se por algum tempo.
A carne chegou, por vezes, a vender-se 20 por cento abaixo da tabela oficial.
Todos os índices deixam perceber que se obteve, de facto, uma estabilização do custo da vida.
Porquê?
Porque a produção industrial e a produção agrícola atingiram níveis jamais previstos, a tal ponto que desde a primavera de 1946 a inflação não aumenta e principia a respirar-se um clima de deflação.
Quer dizer: nos dois países do continente europeu o processo adoptado foi caracterizadamente adverso ao sugerido na conferência do Porto.
Em vez de elevar, reduzira-se preços e estimulou-se uma forte poussée na produção agrícola e industrial.

O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença.? ...
Devo chamar a atenção de V. Ex.ª para o facto do que na conferência, que li, o Sr. Dr. Rui Ulrich preconiza uma readaptação gradual a um novo nível de preços e ganhos.

O Orador: - V. Ex.ª navega num autêntico mar de nevoeiro, como eu. V. Ex.ª não tem outro ponto de referência senão um curto relato da imprensa. Temos de aguardar a publicação do discurso para considerações finais.
Mas, continuando:
E em Inglaterra?
Nesta grande nação, onde, pode dizer-se sem exagero, cada inglês que passeia pisa uma mina de carvão, ha dezenas de indústrias paradas, milhões de operários sem trabalho por falta de combustível.
Onde estarão os tímpanos capazes de resistirem à gritaria que se elevaria em Portugal em caso semelhante?
Pois também em Inglaterra um membro do governo trabalhista condenou a elevação de preços.
Renegando o slogan que dominou a propaganda trabalhista durante vinte anos, o Sr. Stafford Cripps, Ministro do Comércio, falando em Londres no dia 22 do mês passado, preconizou a urgente necessidade de se produzir mais em Inglaterra, acrescentando não haver vantagem em elevar os salários.
Na América, o presidente Trumann vaticina um déficit mundial de 10 milhões de toneladas de trigo. Os homens do Governo e da finança, de ouvido alerta, continuam aguardando a resposta da Rússia à pergunta, várias vezes insistentemente repelida: quando serão pagos os 12 milhões de dólares que a América confiadamente emprestou?

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27 DE FEVEREIRO DE 1947 667

E o silêncio desesperante é perturbado apenas pelos rumores idos preparativos de, mais uma greve - uma greve monstro! -, adiada para princípios do mês que vem.
Nos vários quadrante da terra: produção insuficiente, tremendas dificuldades de vida, falta de trabalho, de lar, de pão, de calor, de luz ...
Estaremos pior? Seremos excepção?
Que cada português interrogue a sua. consciência nos momentos de, aliás, legítimo desespero, em que a complexidade do transe que atravessamos o leve a desanimar. A resposta reconfortá-lo-á.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E os que renunciam, os que perdem a esperança, os que se acobardam perante a enormidade da luta, que leiam as reconfortadoras páginas do prefácio com que esse iluminado servidor do Estado Novo, Prof. Ferreira Dias, inicia o seu Linha de Rumo. E serão tocados daquela fé de idolatria nos ilimitados recursos de recuperação da nossa Pátria, de que me sinto possuído!
Apoiados.
Para dar a última têmpera a essa confirmação, rija como o aço, falta-me a informação que solicitei do Sr. Ministro das Finanças.
Se ela vier, e se vier desmentindo os maus agoiros dos articulistas que citei, então, Sr. Presidente, cessem os sustos de profetizar dias melhores!
Contamos com um Governo de ordem (Apoiados), uma administração honrada (Apoiados) e 300 toneladas de ouro e 80 milhões de libras a garantirem um plano de reconstrução industrial a que esta Assembleia já deu o seu voto:
As indústrias-base absorverão mais. de l milhão de contos, aperfeiçoarão a agricultura, obstarão a importações anuais de adubos que ascendem a cento e tantos mil contos e permitirão adubar mais e melhor, aumentando e embaratecendo a produção;
Na renovação da frota mercante despenderemos 2 milhões de contos;
No plano de electrificação, 3 milhões de contos;
Na renovação e melhoramentos dos caminhos de ferro, 2 milhões de contos;
Na construção de estrada, 1 milhão.
É preciso gastar! Gastemos liberalmente em obras de utilidade geral essa gigantesca fortuna, acumulada por uma administração cautelosa. Toneladas de ouro fechadas a sete chaves no fundo de uni cofre servem apenas para preocupar a polícia!
Apoiados.
O Sr. Mário de Figueiredo: - E para assegurar o valor da moeda.

O Orador:- Ponhamos de parte despesas aplicadas na mera satisfação de caprichos ou requintes de inútil luxo.
Quanto mais despendermos proveitosamente mais teremos, proclama Robert Natham no Caminho da Abundância: participemos em actividades produtivas. «O nosso nível de vida geral admite uma imensa melhoria. O nosso país pode e deve consumir mais».
1 milhão, 2 milhões, 3 milhões, 9 milhões! ...
Como que me sinto um Shylock de novo tipo, que deixa correr por entre os dedos uma cascata de ouro para a ver germinar por esse País fora, do norte ao sul, do Atlântico às fronteiras de Espanha, florescendo em instalações industriais e agrícolas, transportes rápidos, fáceis e económicos, e energia e luz a jorros e a preço acessível para que invada os escaninhos lôbregos dos lares dos trabalhadores portugueses, assegurando-lhes a existência arejada a que têm direito na claridade de uma decente mediania.
Apoiados.
Objectar-me-ão que sonho!
E pergunto se sonham os que confiam nas infinitas t> bem demonstradas possibilidades da sua raça?
Sonho?
Sonho teria sido prever Aljubarrota naquele meio-dia tórrido de Agosto em que a chusma dos castelhanos descia o vale - 30:000 contra 7:000 -, o «lume de uma pobre estrela ante a claridade da lua em seus perfeitos dias» (no dizer de Fernão Lopes) ... E, contudo, ainda o sol se não escondera por detrás das montanhas e nas hostes de Nun'Alvares rompia o brado, vibrante como o de um clarim que anuncia a vitória, «Já fogem, já fogem»! ...
Apoiados.
Sonho foi Alcobaça; sonho foi a Batalha ...
Sonho seria predizer as descobertas quando a proa da primeira nau portuguesa principiou cortando as vagas do mar ignoto ... E, não obstante, volvido menos de meio século, o tratado de Tordesilhas reconhecia-nos direito a metade do novo Mundo.
Apoiados.
Sonho significaria na «manhã pura e alegre» do 1.º de Dezembro de 1640 vaticinar a Restauração ... E aqui estamos, e estaremos, independentes e livres.
Apoiados.
Mais que sonho, fantasia de opiado, representaria o anunciar-se em Maio de 1926 os vinte anos de ordem, progresso e paz que contam indestrutìvelmente nos fastos da nossa história !
Apoiados.
E mais do que sonho, mais do que fantasia, de delírio frenético de visionário seria acusado aquele que, neste sala e na paisagem de que dei um pálido esquisso ao iniciar estas considerações, prognosticasse que três décadas bastariam para que o País deixasse de «estar a saque» e pudesse olhar de frente o sol de um futuro nas condições de segurança financeira que mais de 8 milhões de contos em ouro ou divisas-ouro e 80 milhões de libras garantem interna e externamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador : - Mas se, mau grado todos estes precedentes, sou eu quem sonho e não os que discorrem enfeitiçados pela magia de abstracções metafísicas ou de fórmulas algébricas rígidas, ao lado das quais os mil e uns imponderáveis da evolução do Mundo passam desinteressada e depreciativamente, se sou eu o sonhador e eles os realistas - então, Sr. Presidente e meus colegas, quero sonhar!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado por todos os Srs. Deputados.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: peço a generalização do debate suscitado pelo aviso prévio do Sr. Deputado Bastorff da Silva.

O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.

O Sr. Alberto de Araújo: - Peço a V. Ex.ª a palavra; mas, atendendo ao adiantado da hora e a que esta Assembleia teve a sua atenção presa durante duas horas ao trabalho, a todos os títulos notabilíssimo, que acaba

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de produzir o Sr. Deputado Bustorff da Silva, peço a V. Ex.ª o favor de me considerar com a palavra reservada para a sessão de amanhã.

O Sr. Presidente: - Em virtude do adiantado da hora vou encerrar a sessão, ficando com a palavra reservada o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava marcada para hoje.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alexandre Alberto de Sonsa Pinto.
António de Almeida.
Artur Proença Duarte.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Bagorro de Sequeira.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Maria de Sacadora Botte.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel França Vigon.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualbertp de Sá Carneiro.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Mário Lampreia de Gusmão Madeixa.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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