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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 93
ANO DE 1947 28 DE FEVEREIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 93 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 27 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Couto Zagalo, que enviou para a Mesa um requerimento dirigido ao Ministério das Comunicações, Manuel Lourinho, que apontou deficiências no funcionamento de alguns serviços da Administração Geral do Porto de Lisboa, Mendes Correia, que se referiu a determinadas anomalias no desempenho e acesso a alguns cargos dependentes da Direcção Geral das Alfândegas, Botelho Moniz, que fez considerações acerca do comércio e distribuição de carnes na cidade do Porto e arredores, Albano de Magalhães, que falou na mesma ordem de ideias, e Henrique Galvão, que mandou para a Mesa um requerimento dirigido ao Ministério das Colónias.
Ordem do dia. - Discussão na generalidade do aviso prévio do Sr. Deputado Bustorff da Silva, sobre a política monetária.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto de Araújo e Ulisses Cortês.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sonsa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
í Manuel José Ribeiro Ferreira l Manuel Marques Teixeira
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorf da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
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João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 03 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Casa do Alentejo, confiando na orientação da Assembleia Nacional aquando do próximo debate sobre o problema das lãs.
Da direcção da Sociedade Nacional de Crédito Imobiliário, apoiando as considerações do Sr. Deputado Colares Pereira sobre as cooperativas de construção.
Do Grémio da Lavoura de Monção e Valença, apoiando a representação dos grémios da lavoura alentejanos, sobre o problema das lãs.
Exposições
«Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - A Cooperativa Portuguesa dos Proprietários, com sede em Lisboa, na Rua da Vitória, 38, 3.°, vem mais uma vez, sobre o assunto do imposto sobre as sucessões e doações, expor algumas considerações sobre uma proposta de lei que esse alto organismo, por iniciativa governamental, vai ter ocasião de apreciar.
Devemos dizer, desde já, que acolhemos com a maior simpatia a intenção da referida proposta de lei, por sempre considerarmos que era possível conciliar os interesses do Estado com os da família.
A cobrança do imposto sobre as sucessões e doações, quanto aos descendentes (assim como quanto aos cônjuges), tem representado em muitos casos o empobrecimento, senão a ruína, para muitas famílias.
É certo que o Estado não pode (ou não podia) dispensar a receita proveniente deste imposto, mas, sob muitos aspectos, nada lucrava, antes ao contrário, com a diminuição dos pequenos patrimónios; e, por outro lado, como agora se vê na proposta, o Estado pode obter a compensação para as suas receitas com um adicional dos impostos directos que corresponde à cobrança do imposto por meio de avença, que é um modo mais suave de pagamento.
Todavia, pelo menos relativamente aos proprietários urbanos, não é possível esquecer-se que lhes é criado um novo encargo imediato aos seus já reduzidos rendimentos. Se não fora este facto, e também um outro que adiante se refere, podiam os proprietários urbanos aplaudir inteiramente a proposta de lei, por reconhecerem que, embora à custa de uma sobrecarga do imposto principal, os seus descendentes ficariam aliviados de um encargo que lhes impõe, em muitos casos, a venda dos bens.
Mas, como dissemos, não ó somente aquele o caso a considerar.
Pela redacção do artigo 1.° da proposta parece que apenas terão direito a isenção os descendentes que recebam bens de valor não superior a 100.000$, o que não é justo, uma vez que todos os contribuintes de impostos referidos na proposta ficarão sujeitos ao adicional.
Desde que todos os contribuintes pagam o imposto adicional, não há exagero em pedir-se que todos os descendentes gozem do direito à mesma verba de isenção. De outro modo sucederá até que alguns descendentes, os que recebam até 100.000$, nada pagarão e os que recebam mais 1$ já estarão sujeitos ao imposto, que então representará duplicação. Tal intuito não era certamente o do ilustre autor da proposta, mas, de qualquer modo, não pode aceitar-se que o artigo 1.° da proposta mantenha a redacção apresentada, para o que bastará modificar a sua oração de forma que tenha o sentido mais justo e que também traduzirá melhor o que foi, talvez, o pensamento do legislador.
Assim, melhor se dirá:
«Artigo 1.° As transmissões por título gratuito a favor dos descendentes, nos bens transmitidos pelo mesmo ascendente, são isentas do imposto sobre as sucessões o doações,- incluindo o adicionamento criado pelo decreto n.° 19:969, de 29 de Junho de 1931, até à quantia de 100.000$ por cada interessado».
Com tão simples modificação, ficarão devida e justamente defendidos todos os descendentes, como é natural,
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uma vez que, se todos pagam, todos devem ter os mesmos direitos.
Pelo exposto, confia esta Cooperativa que esse alto organismo apreciará e atenderá esta exposição.
A bem da Nação.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 1947.- Pela Cooperativa Portuguesa dos Proprietários, Os Administradores.
O Sr. Couto Zagalo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para insistir em que, pela Direcção Geral de Caminhos de Ferro (Ministério das Comunicações), me sejam fornecidos os elementos pedidos na sessão de 17 de Dezembro de 1946, pois desejo, deste lugar e dentro do actual período legislativo, fazer novas considerações acerca dum importantíssimo problema ferroviário, de interesse público nacional: a construção do caminho de ferro Régua-Lamego-Vila Franca das Naves, a linha de Lamego, assim designada no plano geral da rede ferroviária, aprovado pelo decreto n.° 18:190, de 28 de Março de 1930.
Tenho dito.
O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente no assunto da minha intervenção, permita-me V. Ex.ª que apresente à Câmara as minhas desculpas por não ter comparecido às sessões em que foram aprovadas as emendas que tive a honra de apresentar à proposta de lei sobre a reorganização do ensino técnico profissional.
Lamento bastante que assim tivesse sucedido, porquanto teria muita satisfação em apresentar as razões que me tinham levado a trazer até esta Assembleia o grupo de emendas que então foram apresentadas. Teria tido ocasião também de argumentar com o ilustre relator da proposta, insigne parlamentar Dr. Marques do Carvalho, mas, já que Deus assim quis, ficará para outra vez, quando vier novamente a esta Câmara a nova parcial reorganização do ensino técnico, que suponho não levará muito tempo.
Sr. Presidente: a razão da minha intervenção hoje é muito mais importante.
Por circunstâncias eventuais, tive de tomar contacto com determinados serviços do porto de Lisboa, e verifica-se, Sr. Presidente, aquilo que toda a gente pode verificar se, como eu, se resolver a dar um passeio até lá.
Vê-se o cais completamente pejado de mercadorias, numa balbúrdia indescritível, volumes de toda a ordem, não se sabendo o que contêm, expostos ao vento e à chuva e a todas as intempéries.
Mas vamos por partes.
Se o navio chega ao porto de Lisboa pura desembarcar as mercadorias que traz, duas circunstâncias podem acontecer: haver ou não haver espaço dentro dos armazéns. Mas, muitas vezes, parece haver espaço para algumas dessas mercadorias e para outras faltar com facilidade esse espaço.
A mercadoria é desembarcada do navio, é metida dentro do armazém ou colocada no cais de desembarque, não havendo, porém, ninguém que se responsabilize pela que é desembarcada ou que é armazenada.
Mas há ainda mais: se sucede que não existe lugar no armazém ou no cais de desembarque, então a mercadoria é lançada em fragatas que deambulam rio acima, rio abaixo, numa vagabundagem extraordinária, sem polícia, sujeitando as mercadorias a toda a espécie de roubos e de delapidações.
E as coisas chegaram a tal ponto, Sr. Presidente, que não há companhia nacional nem estrangeira que queira segurar contra roubos as mercadorias desembarcadas no porto do Lisboa.
O número de vistorias feitas por uma agência só, durante um ano, por mercadorias delapidadas anda aproximadamente por 4:500.
Este caso toma um aspecto tal que muitas companhias, e até casas comerciais estrangeiras, consideram o porto de Lisboa como um porto sujo.
Ora, Sr. Presidente, eu acho extraordinário que factos desta ordem se tenham dado durante muito tempo e que não tenham sido tomadas providências contra este estado de coisas a ponto de o porto de Lisboa não receber a visita de navios estrangeiros.
Os serviços alfandegários são de tal ordem que as mercadorias levam um tempo imenso a ser arrancadas de dentro dos armazéns. O serviço de despacho prévio ou de verificação prévia parece-se com o caso da casa do carvoeiro, pois há pouco tempo nem sequer ali havia pesos para pesar; as mercadorias eram pesadas com pedras.
Tudo isto nos coloca em situação pouco airosa em relação a todas as casas estrangeiras que procuram o porto de Lisboa para a colocação das suas mercadorias.
E ou os sectores respectivos se inferiorizam em relação aos problemas que lhe são postos, ou os problemas são de tal maneira que sobrepassam a capacidade dos serviços.
Eu verifiquei com os meus olhos e qualquer Sr. Deputado poderia fazê-lo e verificar que eu nada exagero nas considerações que acabo de fazer, e como este assunto já foi motivo de várias reclamações, inclusivamente de uma reclamação apresentada pela Associação Comercial em meados de Dezembro, que teve o destino do cesto dos papéis, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que chame a atenção do Governo a fim de que isto não continue - neste caso não deve continuar.
E certo que os armazéns não se improvisam e noutras partes também se cometem roubos. Mas o que se verifica é que só não actua de maneira a prestigiar o porto de Lisboa, procurando remediar esta situação.
É do domínio público que estes casos são assim, e assim são há muito tempo.
Permito-me lembrar as seguintes sugestões no que respeita ao despacho alfandegário o sua ordem:
1.° Mercadorias destinadas ao consumo público e sujeitas a deterioração. (A este respeito devo dizer que havia no porto de Lisboa várias centenas de caixas de massas alimentícias completamente rebentadas cujo conteúdo alimentaria mais de um milhar de galinhas);
2.° Mercadorias destinadas ao consumo público não adulteráveis;
3.° Mercadorias dispostas ao ar livre;
4.° Mercadorias armazenadas em fragatas.
a) As mercadorias desembarcadas no local próprio deveriam ser entregues por documento de responsabilidade, e não só à saída delas dos armazéns;
b) Os serviços da Alfândega deveriam contratar pessoal eventual para activar os despachos das mercadorias importadas. (Acontece que mercadorias importadas por via aérea, e que se supõem serem urgentes, levam dez dias a ser despachadas a contar da sua chegada ao aeroporto).
c) O porto de Lisboa deveria instituir um policiamento efectivo e eficaz das áreas que lhe dizem respeito, em ordem a acabar com os roubos que ali se praticam.
e) Que o sector responsável da administração do porto de Lisboa reorganize os seus serviços de molde a evitar os males apontados e outros que porventura preveja para o futuro.
E já agora, Sr. Presidente, que estou no uso da palavra, pedia a V. Ex.ª a sua benévola interferência para que me fossem fornecidos os elementos que pedi na sessão n.º 54, de 22 do Março de 1946, e que se referem
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a assuntos respeitantes ao ensino primário no continente, ilhas e colónias. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: recebi, por intermédio da Mesa, a resposta da Direcção Geral das Alfândegas a algumas perguntas que eu tinha formulado em relação a certos aspectos da organização do quadro técnico aduaneiro.
Agradeço essas informações, que são bastante minuciosas e me habilitam a manifestar uma opinião precisa sobre alguns factos da dita organização.
Devo dizer que não acho plausível a afirmação feita na resposta da Direcção Geral das Alfândegas de que não foi objectivo da reforma aduaneira de 1941 atender n situação do pessoal.
A reforma aduaneira tratou evidentemente da estrutura dos serviços em função da eficiência dos mesmos, mas, para que todos os serviços funcionem com regularidade, de uma maneira satisfatória, torna-se necessário atender às condições e circunstâncias do pessoal.
O assunto de que vou tratar tem uma rápida história. Durante cerca de oito anos, antes de ser promulgada a reforma aduaneira de 1941, estiveram suspensas todas as promoções por antiguidade, a abertura de concursos, etc. A reforma de 1941 reconheceu a necessidade de se atender às condições especiais em que tinham sido colocados os funcionários desses serviços por virtude do seu longo estacionamento forçado nas respectivas categorias. Aquela reforma suprimiu os lugares de aspirantes e permitiu que os funcionários colocados nesta última categoria fossem promovidos a oficiais, permitindo-se-lhes simultaneamente que pudessem concorrer aos lugares do segundos-verificadores.
O certo é que neste momento, tendo concorrido então com antigos oficiais, se encontram já em postos relativamente elevados do quadro técnico aduaneiro alguns dos antigos aspirantes, que passaram assim à frente de muitos antigos oficiais, que ainda hoje se mantêm nesta categoria.
Foram aprovados no concurso 194 candidatos, que eram oficiais. Tal concurso efectuou-se segundo normas simplificadas. Porém, no período de validade do dito concurso não puderam ser promovidos todos esses candidatos aprovados, mas apenas 134, ficando 60 oficiais, que não puderam obter promoção. Terminado o período da validade do concurso, pediu-se uma prorrogação, que foi recusada. E o que é certo é que se encontram presentemente no quadro técnico aduaneiro cerca de 60 oficiais, alguns dos quais com 20, 25 e 30 anos de bom serviço e sem possibilidade alguma de acesso, porque os novos concursos foram abertos segundo um regime de provas do maior complexidade, com exigências de pormenor que muitos antigos funcionários não podem satisfazer.
Sugeri que se fizesse a prorrogação da validade dos anteriores concursos, mas sugiro ainda que a própria categoria de oficial desapareça e os oficiais passem a segundos-verificadores. Tais factos não são inéditos nos serviços aduaneiros. Foi prorrogado o prazo de validade dum concurso para escriturários, que foi aberto em 1942.
Do mesmo modo que se suprimiram os antigos lugares de terceiros, segundos e primeiros-aspirantes e depois os de aspirantes, seria natural que se suprimissem igualmente os lugares de oficiais, fazendo justiça a funcionários que tinham sido outrora aprovados em concurso e agora se encontram impossibilitados de obter a sua promoção, ficando para sempre imobilizados na actual categoria.
Várias objecções foram feitas pela Direcção Geral das Alfândegas à inclusão dos oficiais na categoria de segundos-verificadores. A primeira ó a de que isso é contrário ao interesse da Administração. Mas eu julgo que a Administração é melhor servida por um funcionalismo que veja satisfeitas com justiça as suas reivindicações e não seja tratado com desigualdades e injustiças.
Argumenta-se também que a medida preconizada é contrária à tradição.
Já citei a extinção do várias categorias no quadro aduaneiro e a inclusão dos respectivos funcionários nas categorias imediatas.
Finalmente, afirma-se que há diferença de funções. O próprio documento enviado pela Direcção Geral das Alfândegas mostra, porém, que há confusão entre as funções exercidas por oficiais, segundos e primeiros-veri-ficadores, sendo difícil estabelecer limites precisos, sobretudo entre as dos oficiais e segundos-verificadores. Todos estes funcionários se substituem reciprocamente.
Sr. Presidente: se pudesse dispor de mais tempo, gostaria de mostrar como tem sido extraordinariamente favorável, em confronto com a situação dos oficiais a que me tenho referido, a de outras categorias do quadro em questão, a saber: aspirantes, segundos e primeiros-verificadores, chefes de serviço, etc. Mas de momento apenas quero chamar a atenção para outro facto que tanto na minha qualidade de Deputado como na de professor me parece de extrema importância. Trata-se da situação dos licenciados em Ciências Económicas e Financeiras que têm o curso aduaneiro e vêem recusadas, com diploma laboriosa e longamente alcançado, as suas possibilidades de admissão imediata a concurso para uma categoria do quadro técnico aduaneiro superior à de oficial.
Esta categoria é equivalente na escala burocrática geral ao lugar de terceiro-oficial, com 900$ de vencimento e com o aumento geral recente de 450$. Considero injusta e desigual, em relação às possibilidades de admissão nos outros quadros oficiais dos diplomados por outros cursos superiores, a situação dos licenciados em Ciências Económicas e Financeiras que têm o curso aduaneiro.
Sendo-lhes facultado concorrer directamente a segundos-verificadores, estes licenciados encontrariam assim maior equidade para as suas legítimas aspirações. Julgo praticamente inútil o estágio que lhes é imposto no curso aduaneiro, pois, segundo uma exposição que recebi, feita pêlos alunos desse curso, tal estágio limita-se afinal à assinatura periódica de um livro de ponto. E é imposto a senhoras que não podem ingressar no quadro em questão, como é imposto ainda a alunos com mais de 30 anos, que não podem já aspirar a entrar dentro do dito quadro. E de notar que o número de candidatos aos concursos para estes serviços está diminuindo significativamente.
Sr. Presidente: vou concluir, apresentando ao alto critério do ilustre titular das Finanças a minha convicção da justiça e da necessidade, que mo parece premente, de ser suprimida a actual categoria de oficiais do quadro técnico aduaneiro, ingressando os actuais oficiais na categoria de segundos-verificadores. Por outro lado, aos licenciados em Ciências Económicas e Financeiras deveria ser facultada a admissão aos concursos para estes últimos lugares, ou seja os de segundos-verificadores.
Julgo que com essas providências e com a ampliação do quadro, propriamente burocrático, de primeiros e segundos-escriturários dentro das exigências do serviço e das possibilidades orçamentais este assunto estaria perfeitamente resolvido.
É preciso que a administração pública em Portugal não seja mãe carinhosa para uns e madrasta para outros.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: julgo que foi entregue a V. Ex.ª, mas pelo menos foi distribuída pelos Srs. Deputados da Nação, uma representação do Grémio Concelhio dos Comerciantes de Carnes do Porto acerca da forma como naquela cidade e concelhos limítrofes, por decisão do Sr. governador civil do distrito, se procede ao abastecimento e comércio de carnes verdes.
Antes de mais nada, quero louvar a frequência com que muitas entidades, cujo número nesta sessão legislativa excede talvez a centena, estão usando o direito consignado na Constituição de representar perante a Assembleia Nacional.
Julgo que isto tem algum significado político, e o significado político que lho empresto é daqueles com que a minha qualidade de Deputado profundamente se satisfaz.
Porquê?
Ao contrário do que sucedia em épocas antigas, o povo habituou-se a respeitar a forma como os Deputados, perfeitamente isentos de qualquer espírito regional ou partidário, zelam nesta Assembleia os verdadeiros interesses gerais.
Vai passado o tempo em que a missão do Deputado, dificultada pelo excessivo partidarismo político ou tolhida pelo espírito de facção, andava nas bocas do mundo como coisa menos digna de crédito. Hoje discutimos e votamos com liberdade completa. Esta Câmara é vivo exemplo disso, exemplo que só não salta aos olhos daqueles piores cegos que, como ontem disse o nosso colega Bustorff da Silva, são os homens que não querem ver!
Sr. Presidente: na Assembleia Nacional todos os homens que dela fazem parte -todos, sem excepção alguma! - não hesitam nas críticas ao Executivo, mesmo quando no Poder se encontram os seus melhores amigos políticos. Ora, repito, isto nem sempre aconteceu no passado, pese a quem pesar, principalmente àqueles que falam nas infindas glórias dos Parlamentos de sessões infindas, onde os discursos eram infindáveis ...
Isto só não salta aos olhos dos cegos que não querem ver, porque ainda na presente sessão legislativa toda a gente pôde verificar, além de numerosas críticas a serviços, no período regimental de antes da ordem do dia, o modo elevado e imparcial como esta Assembleia tem discutido as propostas de lei do Governo, que nem sempre foram aprovadas e que nunca foram aprovadas sem alterações. E nos dois decretos-leis submetidos a uma ratificação recusámos a sua ratificação pura e simples, no primeiro caso por unanimidade e no segundo por maioria escassa.
Pergunto à consciência da gente de bem: qual seria o Parlamento partidário em que a maioria governamental teria coragem de proceder de forma semelhante?
Apoiados.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Isso é uma verdade que muitos ignoram. Eu assisti.
O Orador: - Por isso, Sr. Presidente, aconteça o que vier a acontecer na minha vida política, quero declarar perante V. Ex.ªs e perante o País a minha inteira, mais completa e mais formal solidariedade com a Câmara dos Deputados, porque me orgulho de pertencer a ela.
Não o afirmo para que V. Ex.ªs me apoiem ou mo agradeçam. Digo-o para que não sejam tecidas fantasias sobre qualquer atitude minha no futuro. Tenho orgulho do pertencer a esta Assembleia e sinto que ela procede dentro dos mais altos sentimentos patrióticos.
Ninguém seria capaz de fazer melhor do que fazem os restantes Deputados, e por isso admiro sinceramente a atitude de todos.
Por parte dessa gente que tudo critica pode alegar-se ainda, em relação ao funcionamento desta Câmara, que ele não é absolutamente perfeito.
Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que me desculpe o facto de, arrastado por estas minhas considerações, estar a afastar-me do assunto para que pedi a palavra. Mas V. Ex.ª verá quanta razão tenho para considerá-las oportunas.
Ainda na sua crítica à nossa actuação política, os adversários acusam a Assembleia Nacional de, pelo menos, dois defeitos: primeiro, o de não possuirmos o poder de derrubar Ministérios...
O Sr. Henrique Galvão: - Felizmente...
O Orador: - Segundo, o de não termos a faculdade de elevar despesas, isto é, de criar legislação que porventura as aumente. Atacam-nos porque em ambos estes dois casos, segundo crêem, nos distinguimos desses bons e queridos Parlamentos, maravilhas da democracia, que eles dizem existir em todos os países progressivos do Universo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Todos não...
O Orador: - Ia já dizê-lo: a maior, mais rica e melhor organizada democracia do Mundo, aquela que fornece mais alto exemplo de progresso, os Estados Unidos da América do Norte, vive em regime presidencialista. Nem a Câmara dos Deputados nem o Senado podem derrubar Ministérios. Eu, como muitos de V. Ex.ª, fomos discípulos dum grande presidencialista, por isso mesmo nos sentimos bem nesta Câmara. Este sistema é bom para o espírito dos anglo-saxões, ou descendentes de anglo-saxões, moderado, pacato, quieto e prudente, que só digere as ideias ao fim de vinte minutos e só as executa uma hora depois de compreendidas. Maior utilidade deve possuir para os bons latinos, precisamente porque nós, latinos, somos quase sempre irrequietos, rápidos ou precipitados. O sistema convém-nos por moderador dos ímpetos políticos. Isto quanto à função política da Assembleia Nacional.
E, quanto à sua função financeira, pergunto aos ilustres oposicionistas que criticam a limitação constitucional do direito a criar despesas quem inventou neste País a famosa lei travão? Não foi, por acaso, o Sr. Dr. Afonso Costa e não esteve ela fèrreamente em vigor em Parlamentos anteriores a 1926?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Terminado o que tinha a dizer em elogio da frequência com que se apresentam exposições à Assembleia Nacional, volto ao assunto da que nos dirigiu o Grémio Concelhio dos Comerciantes de Carnes do Porto. Recordarei que ainda há poucos dias o Sr. governador civil do Porto, o meu camarada e amigo coronel Joviano Lopes, foi objecto por parte das entidades mais representativas do seu distrito de imponente manifestação de simpatia, altamente expressiva de identificação política, a propósito do 1.° aniversário da sua posse.
Apoiados.
Quero - e vejo, pelos apoiados que escuto, poder contar com o aplauso da Câmara - aproveitar esta oportunidade para me associar a essa justíssima manifestação, porque ela representou, a par do agradecimento por uma orientação política verdadeiramente nacional, gratidão entusiástica pelos cuidados que ao governador civil do Porto vem merecendo o abastecimento da população do seu distrito.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Creio não haver ninguém no norte do País, mesmo que não pertença ao distrito do Porto, que não agradeça àquele governador civil a coragem de arrostar com muitas dificuldades e a virtude de, ao vencê-las, dar aos restantes distritos do Norte o exemplo do caminho a seguir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entretanto, dias passados sobre a homenagem relatada nos jornais e na qual não tomei parte só por dela não ter conhecimento prévio, o Grémio Concelhio dos Comerciantes de Carnes do Porto vem perante esta Camará prestar ao coronel Joviano Lopes outra espécie de homenagem. Julgava o Grémio que ela seria negativa. Vou demonstrar ser também perfeitamente positiva ...
A propósito da acção dos grémios, quer facultativos quer obrigatórios, a minha atitude é sobejamente conhecida pela Câmara, para que seja necessário entrar em considerações muito longas.
Entendo que, no sector «corporativismo» do nosso objectivo político-social, há que considerar três fases perfeitamente distintas. Só alguns espíritos primários, que falam em organização corporativa sem saberem o que ela é, porque não têm tempo nem capacidade para a compreender, andam constantemente a confundi-las: doutrina, orgânica e aplicação prática.
Quanto à doutrina, podemos garantir com orgulho que ela tem princípio, meio e fim. Estudámo-la profundamente, conhecemo-la em todas as suas dificuldades e, felizmente também, em todas as suas vantagens possíveis.
Quanto à orgânica, há que confessar que ela ainda se acha no princípio. Não atingiu nem o meio nem o fim.
Aguardo momento mais oportuno, que será o da discussão do relatório da comissão de inquérito à organização corporativa, para a tentativa de demonstrar que, por agora, apenas estamos num mau princípio.
No tocante à aplicação prática, afirmo que tudo quanto conheço acerca dela me leva à convicção, talvez errada ou pessimista, de que na maioria dos casos essa aplicação prática é feita precisamente ao invés da doutrina e da orgânica.
Por isso assistimos à transformação de certos grémios em cartéis (apoiados) o doutros em casas comerciais ou industriais.
Por isso ainda anteontem vimos alguns outros que, relegados para plano secundário ou terciário, só graças ao seu espírito combativo, bem orientado (sublinho «bem orientado»), conseguiram que fosse feita justiça à coragem com que defenderam os direitos dos seus associados.
Alguém me apontará: também o Grémio Concelhio dos Comerciantes de Carnes do Porto, com esta representação, vem lutar em prol dos seus associados.
E, por comparação simplista com a minha atitude de anteontem, parece que se deveria exigir-me que lhe acudisse imediatamente com os argumentos então empregados: ora vejam V. Ex.ª este pequeno grémio a combater contra a democracia! Em nome dos ideais corporativos, peço que o acarinhem, que o protejam, etc....
Ora, em vez disso, censuro-o e critico-o com aspereza.
Porquê?
Precisamente porque, neste caso, o espírito combativo foi mal orientado, a razão é nula e a oportunidade péssima, e vou já demonstrá-lo: quando certas pessoas me afirmam que às vezes os militares são vítimas de uma deformação profissional, aquela que se adquire com o espírito de comando, costumo responder que os bons oficiais, ao contrário do que se pensa, possuem maleabilidade intelectual. Para adquiri-la também, os políticos deveriam ser obrigados à frequência da cadeira de Estratégia, onde aprenderiam, entre outras coisas, as noções
de preparação e oportunidade do ataque. Por mais justo que seja o nosso ponto de vista, ou por maior sentimento patriótico que nos incite a repelir o inimigo, seja o armado ou o político, que só aparentemente está desarmado, deve guiar-nos o sentido da oportunidade, que indica ao chefe político, ao chefe militar, ao chefe corporativo, qual o momento próprio para atacar. Nós, no exército, não costumamos atacar com bom tempo se a operação exige chuva. Pelo contrário, quando a atmosfera está muito carregada e os trovões nos ameaçam por todos os lados, abstemo-nos de operações que requerem bom tempo. A bom entendedor, meia palavra basta.
Tenho a certeza, porque de contrário não falaria aqui, que o Grémio Concelhio dos Comerciantes de Carnes do Porto, para apresentar a sua reclamação, escolheu precisamente o momento menos oportuno. Mesmo que ela fosse justa, bastaria isto para condená-la da maneira mais categórica, sob o ponto de vista político.
Fica demonstrado que, por inoportunidade, carece de razão política. Vamos a ver agora por que lhe falta fundamento jurídico.
Há poucas semanas recebi nesta Assembleia uma lição de ilustres homens de leis: afirmou-se que se um assunto se acha entregue aos tribunais não devo ser versado pelos Deputados.
Por sinal, no caso concreto referido, eu nem sequer sabia, no momento em que falei, que o assunto se encontrava sub judice. Parece-me até que, por diferença de horas, realmente não o estava ainda. Discordei da opinião expendida, porque compreendo perfeitamente que um Deputado que não tenha interesse directo nem indirecto em determinado assunto trate dele nesta Assembleia, se o entender conveniente ao interesse geral.
Se não tivesse direito a proceder assim, então uma qualquer das partes interessadas em determinado caso, para fugir à respectiva discussão política, apressar-se-ia a pôr a questão nos tribunais. Deste modo conseguiria tapar a boca à Assembleia Nacional, o que é inadmissível.
Isto quanto a nós, Deputados. Mas quanto às partes interessadas, os juristas a que me referi têm razão completa e absoluta naquilo que disseram. Então, sim, não é lícito, a quem tenha seguido a via hierárquica, apelar para o contencioso antes de obter despacho na primeira via. Como também não é lícito, se uma das partes recorreu ao Supremo Tribunal Administrativo, vir simultaneamente pedir socorro ao poder político da Assembleia Nacional. Ora, no caso do Grémio Concelhio dos Comerciantes de Carnes do Porto, acontece uma coisa curiosíssima: segundo está escrito na própria representação, ele, além do recurso contencioso - Supremo Tribunal Administrativo -, interpôs, nos termos do § 1.° do artigo 411.° do Código Administrativo, o competente recurso hierárquico, isto é, para o Ministro do Interior, dos actos do governador civil considerados ofensivos dos seus legítimos direitos.
Já que estou usando imagens militares, posso afirmar que isto não é um grémio! É uma metralhadora de modelo antigo, daquelas de três canos, um apontado para o Supremo, outro para a Câmara dos Deputados e outro para o Ministro do Interior.
Mas, nos tempos correntes, de fortes explosivos modernos, ai de quem usar armas de tipo antigo, porque lhe acontece aquilo que efectivamente aconteceu. As armas fazem explosão nas mãos de quem pretende servir-se delas.
Compreendia-se perfeitamente que o Grémio aguardasse o resultado do recurso hierárquico, nos termos do artigo 411.° do Código Administrativo, e que, se ele não fosse atendido, realizasse então uma só de duas coisas: ou a reclamação política, através da Assembleia Nacional,
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ou a reclamação contenciosa, perante o Supremo Tribunal Administrativo.
Não aguardar o resultado do recurso hierárquico foi, segundo suponho, erro gravíssimo, que não pode desculpar-se a quem tenha cultura jurídica.
Evidentemente, com tantas citações de artigos de códigos, de decretos e até da Constituição Política da República, esta representação foi feita por ilustre jurisconsulto.
Seguia o exemplo de muitos que, depois de porem questões nos tribunais, se apressam a publicar as suas petições e argumentos, apelando para o tribunal da opinião pública, em vez de confiarem na rectidão dos magistrados profissionais. E, de acordo com o critério defendido nesta Assembleia, agora sim, não hesito em verberar tal procedimento.
Para terminar, lembro a V. Ex.ªs que todo o governador civil, nos termos do artigo 409.° do Código Administrativo, possui o direito de, em casos de necessidade e urgência, tomar medidas administrativas. Logo que seja possível, deve pedir para elas a ratificação do Governo. Mas, mesmo que não existisse este artigo claríssimo do Código Administrativo, o procedimento do coronel Sr. Joviano Lopes estaria justificado pela grande máxima que herdámos do direito romano: Salus populi, suprema lex!
E quando o governador civil do Porto adoptou as medidas que tomou e que não foram apenas relativas à carne, mas ao bacalhau, ao óleo de mendobi e a muitos outros géneros racionados que escasseavam, tenho a convicção de que salvou a ordem pública do seu distrito (apoiados} e tenho a certeza do que conquistou para a nossa situação política as simpatias de muita gente que dela andava desviada.
O Sr. Albano de Magalhães: - V. Ex.ª tem a certeza de que o governador civil do Porto tomou algumas medidas em relação a outros abastecimentos que não fossem o da carne?
O Orador: - Do bacalhau, por exemplo, e V. Ex.ª deve sabê-lo.
O Sr. Albano de Magalhães: - Quem resolveu esse assunto foi o Sr. Ministro da Economia.
O Orador: - Disse-se isso numa nota oficiosa, mas, na verdade, o Sr. Ministro da Economia limitou-se a aprovar as medidas que o governador civil tinha tomado no Porto, medidas que foram estas: havia bacalhau armazenado; o governador civil disse: «distribua-se»; responderam-lhe: «estamos à espera de ordens», e o governador civil objectou: «as ordens dou-as eu imediatamente, ao abrigo do artigo 409.° do Código».
O bacalhau foi distribuído em poucas horas, o que demonstra que o Sr. Ministro da Economia aprovou a atitude do governador civil do Porto, porque, senão, tê-lo-ia feito demitir. Esto caso passou-se em Outubro e não acredito que num conflito entre um governador civil e um Ministro, se o governador civil não tivesse razão, continuasse no seu cargo.
Já desempenhei cargo em que mandei entregar aos tribunais dois governadores civis de uma assentada, porque entendi que não tinham razão na falta do distribuição de géneros ordenada pelo Governo.
O Sr. Albano de Magalhães: - As explicações de V. Ex.ª esclarecem-mo.
O Orador: - A propósito, tenho muitíssimo prazer, por todos os motivos, em prestar agora a minha homenagem a dois Ministros do actual Gabinete.
Refiro-me em primeiro lugar ao engenheiro Sr. Cancela de Abreu, Ministro do Interior. S. Ex.ª possui elevadas qualidades morais e de carácter.
Apoiados.
S. Exa. possui conhecimentos económicos, porque tem vivido as questões práticas da produção e do comércio. Homem dinâmico, deveria ter chegado à conclusão de que, no lugar do governador civil, teria procedido exactamente da mesma forma. A prova é que, implícita ou explicitamente, o bill de indenmidade, necessário nos termos do artigo 409.° do Código Administrativo, foi dado ao governador civil, mantendo-o no seu lugar.
Sr. Presidente: por isto entendo que existe má fé evidente na exposição do Grémio Concelhio dos Comerciantes de Carnes do Porto. Não podemos considerar um documento que, contra toda a evidência, se baseava na afirmação de que esse bill de indemnídade não existia.
Quanto ao Sr. Ministro da Economia, sob cuja alçada se encontra aquele Grémio, ao entrar no Governo deixou o cargo de governador civil do distrito autónomo do Funchal, que exerceu brilhantemente. Por coincidência, no desempenho da minha missão de vogal da comissão parlamentar de inquérito tive ocasião de apreciar um relatório, severa e justamente elaborado, em que analisava as dificuldades económicas do seu distrito.
Soube resolvê-las com altíssimo critério, de tal forma que pensei para comigo, sem o dizer fosse a quem fosse:
- Ecce homo!
Que esto Ecce homo foi o pensamento do mais alguém prova-o a sua ascensão ao cargo actual. Quem possui prática das ansiedades de um governador civil (como o Sr. engenheiro Vieira Barbosa, que na Madeira salvou o prestígio da situação com as suas medidas de abastecimento) pode melhor do que ninguém apreciar a atitude do coronel Sr. Joviano Lopes.
Bem haja o Sr. Ministro da Economia! Bem haja o Sr. governado civil do Porto!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: apenas umas brevíssimas palavras para esclarecer uma atitude.
Ontem requeri nesta Câmara que me fossem fornecidos elementos sobre a questão do abastecimento de carnes à cidade do Porto, pois queria apreciar este assunto do uma maneira objectiva e com todos os elementos que mo esclarecessem suficientemente.
Hoje o Sr. Deputado Botelho Moniz levantou nesta Assembleia essa questão do abastecimento de carnes à cidade do Porto. Limito-me, Sr. Presidente, a declarar que, não. podendo neste momento esclarecer suficientemente a Assembleia num assunto de magno interesse para a cidade do Porto e para o País, que comporta uma política no seu sentido genérico e, no seu aspecto restrito, de disciplina económica, me reservo apreciá-lo quando me forem fornecidos os elementos requeridos.
Aproveito a oportunidade para prestar a minha homenagem ao governador civil do Porto.
Tenho dito.
O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Roqueiro que, pelo Ministério das Colónias, me sejam fornecidos, com urgência correspondente à que foi pedida à Câmara Corporativa para o parecer sobre a proposta de lei de protecção ao cinema português:
a) Nota discriminada das despesas efectuadas, pelos orçamentos da metrópole e colónias, incluídas as que foram inscritas em orçamentos de organismos com autonomia administrativa, pela missão cinematográfica às colónias, cujos trabalhos se iniciaram em 1938;
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b) Nota dos filmes produzidos pela missão;
c) Nota das receitas alcançadas com a exibição do filme Feitiço do Império;
d) Nota sobre o itinerário percorrido pela missão;
e) Nota sobre vencimentos e ajudas de custo percebidos pelos componentes da missão».
O Sr. Presidente:- Quero comunicar à Assembleia que esteve hoje nesta Casa o Sr. Subsecretário de Estado das Finanças para agradecer o voto que esta Assembleia lhe exprimiu pela morte do sou filho, padre Dinis da Fonseca.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado Alberto de Araújo, quero comunicar à Câmara que o Sr. Presidente do Conselho enviou uma comunicação do Sr. Ministro das Finanças em satisfação do pedido formulado pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva durante o seu notável discurso de ontem e relativa aos créditos abertos à Inglaterra.
Vai ler-se.
Foi lida. E a seguinte:
Comunicação recebida do &r. Presidente do Conselho no decurso do aviso prévio do Sr. Deputado António Júdice Bustorff da Silva, sobre as garantias de valor dos saldos em esterlino possuídas pelo Banco de Portugal:
«O Governo tem a honra de informar a Assembleia Nacional do seguinte:
1.° Os saldos em esterlino acumulados pelo Banco de Portugal durante a guerra, nos termos do acordo celebrado em 1940 entre este é o Banco de Inglaterra, com a homologação dos dois Governos, tinham, por virtude desse mesmo acordo, garantia de câmbio e de pagamento em ouro.
2.° Esta garantia foi inteiramente mantida no acordo que, para liquidação dos saldos acima citados, se realizou em Agosto de 1940, data em que, segundo o nele previsto, cessou a vigência do acordo de 1940. Pelo acordo de liquidação facilita-se, sem perda da garantia de valor-ouro, a utilização dos saldos referidos.
3.° Em Abril de 1946 foi realizado um novo acordo monetário entre os dois Governos, destinado a assegurar a liquidação das transacções comerciais correntes entre a área do escudo e a área do esterlino. Este acordo foi recentemente objecto de acordo complementar destinado a esclarecer certos pontos que no primeiro haviam ficado pendentes de solução oportuna.
Por tais acordos fixa-se o câmbio de 100$ por libra esterlina e regula-se através dos dois bancos emissores a liquidação das transacções comerciais correntes por contas recíprocas, em que mutuamente se concedem créditos de £ 5.000:000 ou 500:000.0000$. Atingido por qualquer dos Bancos esse limite, as liquidações que o excedam deverão fazer-se em ouro. Os saldos possuídos por qualquer dos Bancos em moeda do outro poderão ser livremente utilizados para pagamentos por transacções correntes em terceiros países e, quando isso seja necessário para pagamentos da mesma natureza, convertidos em ouro ou em moeda do país credor.
4.° Não correm, assim, nenhum risco de câmbio os saldos em esterlino constituídos durante a guerra e o risco que mutuamente assumiram os dois países contratantes no acordo de 1946, além de só poder referir-se
a 5.000:000 de libras ou seu contravalor em escudos, é atenuado pela convertibilidade dos saldos e sua livre utilização em pagamentos a terceiros países, pela faculdade de denúncia que ambos se reservam, pela intensificação das suas tradicionais relações do comércio e pela inteira correcção e boa fé que sempre mantiveram no cumprimento dos seus acordos.
Ministério das Finanças, 26 de Fevereiro de 1947.- O Ministro das Finanças, João Pinto da Costa Leite».
O final da leitura deste documento foi sublinhado com vozes de muito bem de toda a Assembleia.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: no começo da presente legislatura, e ao apreciar-se a proposta de lei de meios para o ano de 1946, levantou-se nesta Câmara o problema da moeda e da inflação, em face das previsões orçamentais e da economia geral do País.
O problema foi tratado com o desenvolvimento compatível com o tempo de que então dispunha a Assembleia Nacional para apreciar e aprovar a proposta de lei de meios. Mas na actual sessão legislativa, e a propósito da discussão do mesmo diploma, o Sr. Deputado Prof. Pacheco de Amorim, com o brilho com que desenvolve sempre os seus raciocínios e através dos quais nós não sabemos que mais admirar - se os recursos da sua cultura se o fulgor da sua inteligência -, pôs perante esta Câmara e perante o País as mesmas questões e os mesmos problemas, o que equivale a dizer: as mesmas dúvidas, as mesmas apreensões e os mesmos receios.
E se, de momento, as conclusões de S. Ex.ª puderam logo ser discutidas, a verdade é que, em assunto de tamanha transcendência, se exigia esclarecimento mais amplo. Coube a um dos mais ilustres e prestigiosos membros da Assembleia Nacional, o Deputado Sr. Dr. Bustorff da Silva, que no primeiro debate tomara, desde logo, posição bem marcada, a iniciativa de provocar uma larga discussão nesta Assembleia, mercê da qual se pudesse julgar em toda a sua extensão uma obra financeira, da qual o problema monetário não era senão um aspecto, que assegurou ao País as condições fundamentais do seu ressurgimento e, ao mesmo tempo, deu à Nação possibilidades de, externamente, restaurar o seu crédito.
Sr. Presidente: quando, em Setembro de 1939, eclodiu a segunda guerra mundial, Portugal procurava consolidar um período novo que se abrira na sua história.
E, nas finanças, na economia, nos mais diversos sectores da produção e do trabalho, tudo obedecia ao mesmo sopro construtivo, ao mesmo impulso de confiança, às mesmas directrizes firmes e seguras de renovação.
O ano de 1939 marca para o Mundo o termo de uma época de facilidades, de abastança, de bem-estar geral. Simultaneamente, corresponde ao início de um período de dificuldades e de restrições que, mais ou menos, tocaram todos os povos.
Natural é, portanto, que o tomemos como ponto de partida nas breves considerações que vamos fazer.
Em 1939 haviam-se firmado os resultados da política financeira iniciada em 1928 pelo Sr. Dr. Oliveira Salazar e cuja pedra mestra era o equilíbrio entre as receitas o as despesas do Estado.
Em 1928-1929 arrecadaram-se 2.175:000 contos do receitas próprias daquele ano e com essas receitas fizeram-se despesas num total de 1.900:000 contos. Em 1939 as mesmas receitas tinham aumentado para 2.225:000 contos e as despesas para 2.091:000 contos, mantendo-se, inflexíveis, os princípios de uma sã orientação financeira e tendo fechado sempre as contas do Estado com saldos positivos, os quais, em onze anos de gerência, totalizam 1.855:000 contos.
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E porque o Estado não precisava de socorrer-se do banco emissor para satisfazer as suas necessidades de tesouraria, a moeda desempenhava uma função de pura normalidade económica.
A economia do País, apesar dos progressos feitos, do desenvolvimento de muitos dos seus sectores industriais, continuava a ter uma balança comercial deficitária. Em 1939, a 2.077:000 contos de valores importados contrapúnhamos uma exportação de 1.336:000 contos, ou seja um saldo negativo de 741:000 contos.
O mapa organizado pela Inspecção do Comércio Bancário, nos termos do artigo 10.° do decreto n.° 28:088, de 18 de Outubro de 1937, acusava uma cifra sensivelmente igual - 27 milhões de libras - nas entradas e nas saídas de divisas naquele ano.
Segundo o referido mapa, mais de metade das divisas cuja entrada no País foi possível verificar, nos termos do citado decreto, correspondia a mercadorias exportadas: cerca de 18 milhões de libras. Como elementos de maior importância vinham, depois, as remessas dos emigrantes: 1.728:000 libras; importâncias recebidas através empréstimos e créditos em conta corrente: 1.710:000 libras; pagamentos de serviços prestados: 1.335:000 libras; importâncias trazidas por viajantes: 1.169:000 libras; remessas de bens, legados e pensões: 891:000 libras; importâncias trazidas por emigrantes: 461:000 libras.
Nas saídas de divisas figuravam, em primeiro lugar, os valores correspondentes ao pagamento de mercadorias importadas no País: 21 milhões de libras. Como cifras de maior vulto apareciam: 1.441:000 libras em pagamento de empréstimos e reembolsos de créditos em conta corrente; 847:000 libras em despesas de viajantes; 422:000 libras em rendimentos de capitais estrangeiros aplicados no País; 387:000 libras em remessas de bens, legados e pensões; 184:000 libras de transportes (fretes, afretamentos e passagens).
O mapa organizado pela Inspecção do Comércio Bancário, de acordo com os dados fornecidos pêlos estabelecimentos que negoceiam em cambiais, tem por finalidade ser uma base de estudo da balança de pagamentos. Não é, porém, a expressão da própria balança de pagamentos. E, assim, embora o mapa em referência, que é um valioso elemento de orientação e estudo, nos dê uma situação de sensível equilíbrio em 1939 entre as divisas entradas e saídas do País, a verdade é que, de facto, a balança de pagamentos já nos era então francamente favorável. O facto pode ser verificado através dos valores da posição cambial, que acusavam em 31 de Dezembro daquele ano um aumento de 392:000 contos relativamente a igual data do ano anterior.
Em referência ainda a 31 de Dezembro de 1939, a circulação efectiva de notas do Banco de Portugal era de 2.550:000 contos. As outras responsabilidades-escudos à vista, do Banco, somavam 870:000 contos, dos quais 602:000 escriturados na rubrica «Bancos e banqueiros».
Somando estas duas cifras - notas em circulação e responsabilidades-escudos à vista -, tínhamos, ao terminar o ano de 1939, um potencial monetário de 3.420:000 contos.
As reservas totais do Banco de Portugal, escrituradas em rubricas diversas: «Ouro metal», «Disponibilidades ouro no estrangeiro e outras reservas A, «Outras disponibilidades em várias moedas», e depois de deduzidas as responsabilidades do Banco em moeda estrangeira, atingiam a cifra de 1.621:000 contos, dos quais 920:000 em ouro metal.
Esta, muito resumidamente, a posição das contas do Estado, da balança comercial, da balança de pagamentos, do potencial monetário do País e da sua cobertura quando o Mundo ia entrar verdadeiramente em guerra: Dezembro de 1939.
E se o Governo Português pautaria todas as suas atitudes por regras previamente definidas que visavam a defesa do interesse comum, nas finanças e na economia manteve absoluta fidelidade aos princípios que animavam uma grande obra de ressurgimento em curso. Embora a guerra afectasse a cobrança dalgumas receitas e pesasse fortemente nas despesas públicas, nem um só ano as contas do Estado deixaram de fechar com saldo positivo.
O Estado não precisou, assim, de recorrer ao Banco de Portugal senão para a realização de operações normais. Este não teve de desviar a sua função emissora para fazer face a necessidades de tesouraria. O facto encerra em si um conjunto de conclusões. Define e exprime, por si só, a segurança e a firmeza com que se manteve o saneamento financeiro do País.
E, porque as finanças e a economia são domínios intimamente ligados e interdependentes, a obra realizada assegurou a portugueses e estrangeiros condições de estabilidade que permitiram à Nação ver o seu crédito restaurado em condições excepcionalmente honrosas.
E, assim, em 1940, embora a balança comercial continue a ser deficitária, a balança de pagamentos, a avaliar pela posição cambial, teve um saldo favorável de 659:000 contos.
Segundo o mapa referente ao movimento de divisas, baixaram em 1940 as remessas de emigrantes. Mas são expressivos os aumentos verificados nas entradas de divisas provenientes de importâncias recebidas por empréstimos e créditos em conta corrente, que duplicam dum ano para outro, e os valores monetários trazidos por estrangeiros, que quase triplicam relativamente a 1939. Em 31 de Dezembro de 1940 a circulação de notas estava em 2.902:000 contos, as responsabilidades-escudos à vista do Banco de Portugal tinham subido para 1.317:000 contos e, entre estas, a rubrica «Bancos e banqueiros» para 851:000 contos.
Nos anos de -1941,1942 e 1943 aumenta muito o valor das exportações portuguesas. O volfrâmio, que antes da guerra, nos anos de 1937-1938, representava, no conjunto da exportação nacional, uma média de 15:000 contos anuais, atinge, naquele período, uma média de 890:000 contos por ano; a média anual da exportação de conservas sobe de 209:000 para 614:000 contos e a do estanho, de perto de 15:000 contos, ascende a 235:000. Os anos de 1941 a 1943 são anos de saldos favoráveis na nossa balança comercial e, em consequência disso, o movimento de entradas e saídas de divisas acusa naqueles anos e, ainda, em 1944 grandes saldos positivos: 13 milhões de libras em 1941; 20 milhões em 1942; 822:000 em 1943 e 11 milhões em 1944, ou seja um total de cerca de 46 milhões de libras em quatro anos. Desses 46 milhões de libras, 40 milhões cabem a excesso de exportações sobre importações. Os restantes 6 milhões correspondem a dinheiro que afluiu ao País, de outras proveniências. Todavia, os saldos da nossa balança de pagamentos foram, realmente, muito maiores. Tomando, em consideração os valores da posição cambial, deviam ter totalizado naqueles quatro anos 13.627:000 contos, ou seja uma média de 3.400:000 contos por ano.
Em 1945, embora a balança comercial fosse, como em 1944, deficitária, embora o movimento de divisas registasse uma diferença de cerca de 3 milhões de libras entre as divisas que saíram para pagamento de mercadorias que importámos e as que recebemos em pagamento de produtos que vendemos, a balança económica foi-nos favorável em cerca de 1.850:000 contos.
Continuava estável o crédito do País, inalterável a confiança na sua moeda.
Em 31 de Dezembro de 1945, ano que assinala o termo da guerra, a circulação de notas do Banco de Portugal tinha subido para 8.165:000 contos, as outras responsa-
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bilidades-escudos à vista para 11.124:000 e a rubrica «Bancos e banqueiros» estava em 7.984:000 contos.
Em contrapartida, deste aumento de potencial monetário, no espaço de seis anos, as reservas do Banco de Portugal tinham crescido numa proporção maior ainda.
No fim de 1940 o nosso banco emissor dispunha nas rubricas «Ouro metal», 1.421:000 contos; «Disponibilidades ouro no estrangeiro e outras reservas», 7.096:000 contos; «Outras disponibilidades em várias moedas», 9.797:000 contos. Deduzindo destas rubricas as responsabilidades em moeda estrangeira, num total de 246:000 contos, elevavam-se as reservas totais do Banco de Portugal, em ouro e divisas em ouro, a 18.068:000 contos. Em 1939 as reservas totais do Banco correspondiam a 47 por cento das notas em circulação e das responsabilidades-
-escudos à vista; terminada a guerra, a percentagem das mesmas reservas elevava-se a 93 por cento do potencial monetário total.
O aumento da circulação monetária durante a guerra não se deu só em Portugal. Idêntico fenómeno, embora não tendo na sua base sempre a mesma origem, verificou-se na generalidade dos países, mesmo naqueles tradicionalmente apontados como modelos de sã e sólida orientação financeira.
A Suécia viu a sua circulação aumentar de 1:442 milhões de coroas em 1939 para 2:622 milhões em Outubro de 1946, e a Suíça de 2:050 milhões de francos para 3:858 milhões.
A Inglaterra tinha em 1939 uma circulação de 496 milhões de libras. Em Outubro do ano último a circulação tinha subido para 1:345 milhões. E os próprios Estados Unidos da América, que tão importante papel desempenham na política monetária do Mundo, viram ascender a sua circulação de 6:401 milhões de dólares, ao eclodir a guerra, para 26:800 milhões de dólares em Setembro de 1946, ou seja um volume monetário quatro vezes maior do que a circulação de 1939.
Se pusermos em paralelo o montante das reservas que asseguram o valor da nossa moeda com as reservas em ouro e divisas em ouro dos outros países, o confronto é altamente lisonjeiro para nós.
Ao explicar-se um aumento da circulação monetária de um país, como o que se deu em Portugal nos últimos anos, temos de atender, antes de tudo, às verdadeiras funções da moeda.
Esta não é, apenas, uma medida de valores e um instrumento de trocas. É também um acumulador de valor, precisamente porque desempenha aquelas duas funções.
Identificada com a própria riqueza, a moeda dá sempre ao seu possuidor possibilidade de adquirir bens ou obter determinadas prestações de serviços. Tornou-se, assim, instrumento de poupança e de economias.
O possuidor da moeda não se envolve na discussão especulativa de saber se ela é, realmente e em si mesma, uma riqueza. O que ele constata é que através do dinheiro pode assegurar a si próprio um certo número de utilidades.
Isto tanto para a moeda metálica como para a moeda representativa. As próprias características da moeda, a sua duração, o seu fácil transporte, a sua divisibilidade, contribuem para que os indivíduos, em toda a parte e em todas as épocas, procurem constituir reservas e economias, expressas em valores monetários. Guarda-se em tempos bons para fazer face a épocas más, economiza-se na mocidade para assegurar a velhice ou a invalidez, poupam os pais para que herdem os filhos.
O que se dá com os indivíduos acontece com as nações, e da mesma forma que para aqueles a moeda é um instrumento de poupança, pode constituir para estas uma reserva de valores.
Não se veja nisto, como já se escreveu, a expressão de uma pura heresia mercantilista ...
Simplesmente, enquanto a moeda assegura sempre aos indivíduos um determinado poder de compra interno, quer seja metálica ou fiduciária, convertível ou inconvertível, ela só constitui riqueza nacional, economia e poupança colectivas quando o seu poder aquisitivo é susceptível de ser utilizado no plano da economia mundial, isto é, quando se trata de uma moeda em ouro ou convertível em divisas estrangeiras.
Esta, a meu ver, a diferença fundamental entre a circulação de 1916-1922 e a circulação actual.
A presente expansão monetária portuguesa não é. assim, senão a expressão duma utilização de valores actuais, tendo em vista a aquisição do valores futuros. Tal como acontece aos indivíduos, as nações precisam de amealhar disponibilidades monetárias para o desenvolvimento das suas economias próprias e para o aumento da sua produção de bens de consumo.
Bem sabemos que, para um melhor equilíbrio económico, teria sido preferível que a acumulação do valores que conseguimos realizar se tivesse feito em bens reais e não em moeda. Mas o óptimo é inimigo do bom, e não estava nas nossas mãos mudar o rumo dos acontecimentos que nos últimos oito anos dominaram a economia do Mundo. De resto, o aumento dum património de bens reais pressupõe, antes de tudo, a posse do meios monetários.
Sr. Presidente: há quem entenda que existe um problema de moeda em Portugal. E porquê? Porque é pelo volume da circulação que se alinham os preços. Em segundo lugar, pêlos perigos a que, por virtude dum tão grande potencial monetário, está sujeita toda a economia do País.
Não posso ter a pretensão de transportar para o plano da discussão teórica este debate parlamentar, nem de citar todos os argumentos que os tratados enumeram a favor e contra a teoria quantitativa da moeda.
Apresentava-se a referida doutrina, na sua enunciação primária, através de uma fórmula rígida e segundo a qual o valor da moeda variava em razão inversa da sua quantidade. Expressa por outra maneira, dizia que o nível dos preços dependia do volume do dinheiro.
Começou, porém, a verificar-se que a doutrina quantitativa não dava explicação para certos fenómenos económicos e monetários; que algumas vezes se mantinha constante o volume da circulação e, entretanto, subiam ou desciam os preços. Outras vezes os preços corriam adiante ou ficavam atrás duma circulação monetária em aumento, não havendo paralelismo entre as duas curvas representativas do volume da moeda e da evolução dos preços.
Além disso, a influência da moeda não se fazia sentir sempre na mesma proporção sobre o nível dos preços das mercadorias. Se o influxo monetário agia sobre os bens de consumo, estes subiam de certa forma. Mas se as novas disponibilidades monetárias tinham por objecto a aquisição de bens da produção, o aumento de preços já não era tão sensível. E menor era ainda quando o entesouramento absorvia parte importante dos novos quantitativos monetários postos a circular.
Mas a convicção fundamental de que o volume da moeda e o nível dos preços não eram independentes um do outro, a constatação de que em períodos de abundância de dinheiro os preços subiam e de que em épocas de deflação baixavam, levaram os partidários da doutrina quantitativa a mantê-la, embora introduzindo-lhe novos e importantes elementos de correcção.
E, assim, admitiu-se que a doutrina quantitativa não podia verificar-se em períodos de transição. Julgou-se também necessário atender às rotações da moeda, isto é, à sua velocidade, para poder explicar a sua maior ou menor influência no nível geral dos preços.
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Coube a Fisher o privilégio de ter sintetizado o pensamento quantitativista nas fórmulas mais brilhantes da sua evolução doutrinária, dando-lhe, ao mesmo tempo, uma elasticidade que lhe permite explicar muitos factos atinentes às relações entre a moeda e os preços que não tinham explicação fácil na primitiva concepção mecânica e rígida da mesma doutrina.
Apesar da forma atraente o sugestiva como Fisher expôs os seus pontos de vista, não faltou logo quem negasse o valor dos seus elementos de correcção. Fisher não precisava o conceito nem explicava o sentido do que antendia por período de transição. Por outro lado, dizia-se que a estatística só dá a conhecer o volume da moeda, não existindo sem uma documentação fragmentária para o cálculo da velocidade da circulação, sobretudo no que respeita à moeda escriturai.
O Frof. Baudin concluía um interessante estado sobre esse elemento essencial na equação de Fisher dizendo que o factor velocidade de circulação, apesar de todas
as investigações até agora realizadas, continua um pouco misterioso e serve, muitas vezes, de Deus ex machina para explicar um movimento de preços que nada justifica.
Apesar de tudo, a doutrina quantitativa, na sua essência, sujeita a maiores ou menores elementos de correcção, ganhou grande número de adeptos. E continuou a ter também opositores de nomeada. Entre estes podemos citar o Prof. Jean Lescure, que considera as altas e baixas dos preços fenómenos extramonetários, e o conhecido economista italiano Loria. que num artigo publicado ma Revue Economique International, intitulado «A superstição monetária», afirma que as causas das alterações dos preços não devem ser procuradas no círculo sedutor mas superficial dos factos monetários, mas sim nas relações da produção e da repartição das riquezas.
Nesta discussão entre partidários e opositores da doutrina quantitativa os economistas da escola austríaca - e alguns são dos mais notáveis do nosso tempo - mantiveram um princípio ecléctico, segundo o qual nas investigações sobre as alterações do valor aquisitivo da moeda se devem distinguir duas categorias de determinantes da relação de troca que une o dinheiro aos outros bens económicos: aquelas que exercem a sua influência do lado monetário da relação e aquelas que actuam do lado da mercadoria.
Doutrinas monetárias bem recentes são as do rendimento (revenu), a de Nogaro, a desse grande espírito que os seus compatriotas elevaram quase às culminâncias
do génio e que foi Keynes.
É muito difícil tomar posição em problema tão controvertido e relativamente ao qual não chegaram ainda a acordo os mestres mais eminentes da Economia Política.
Um ilustre economista inglês contemporâneo, depois de fazer referência às principais doutrinas sobre as relações entre a moeda e os preços, pôde escrever com acerto, mas talvez com certo cepticismo: «Não se pode dizer que se haja dito a última palavra sobre este tema; o futuro trará, sem dúvida, novas aclarações, embora seja lógico esperar, por outro lado, a aparição de novos problemas e que a teoria atinja gradualmente uma maior complexidade, em vez de oferecer uma solução simples e geral dos fenómenos monetários».
Keynes havia escrito já a sua Teoria Geral. Julgávamos, francamente, que nesta matéria se tivesse atingido o limite do complexo e do abstracto ... . Vejamos agora os factos:
Em 31 de Dezembro de 1939 o total das notas em circulação era de 2.050:000 contos. Em 31 de Dezembro de 1940 estava em 8.165:000 contos, ou seja um aumento de 220 por cento.
Os depósitos dos particulares nos bancos, caixas económicas e companhias de crédito subiram de 5.095:000 para 19.411:000 contos em idêntico período.
Nos depósitos há que distinguir os depósitos reais daqueles que resultam do simples exercício da função bancária, e que consistem no conjunto das somas lançadas nas escritas dos bancos e nas contas dos seus clientes a crédito destes, sem uma entrega efectiva de notas. Um autor inglês definiu o fenómeno, duma maneira geral, dizendo loans make deposits (os empréstimos originam depósitos). Vejamos a relação entre a circulação e os preços: O índice ponderado do custo da alimentação e de outros produtos do consumo doméstico em Lisboa acusava em 31 de Dezembro de 1945 os seguintes aumentos, relativamente a 31 de Dezembro de 1939 (base 100):
Alimentação ............. 198,0
Combustíveis, iluminação e higiene .... 154,4
índice total.............. 190,5
Quer isto dizer que enquanto a circulação monetária propriamente dita tinha, grosso modo, triplicado, os preços haviam duplicado apenas. Os preços não acompanharam, assim, o aumento da circulação. Ficaram muito aquém desta.
- A alta de preços foi a resultante de diversos factores. Entre eles está, evidentemente, um maior poder de compra resultante do aumento de rendimentos de grande número de actividades e de indivíduos e que a balança de pagamentos expressivamente traduz. E entre esse conjunto de motivos e de determinantes estão também, a par de uma maior procura, a falta de bens de produção e do consumo que fossem uma contrapartida desse maior poder de compra, e ainda razões de ordem psicológica e especulativa de todos conhecidas.
Mas sobre os preços internos pesou sobretudo o aumento de custo de muitos produtos essenciais à nossa economia e que tínhamos de comprar lá fora numa altura que não era a mais apropriada para regatearmos com o vendedor ...
Em 1939, ano da declaração da guerra, vejamos? quais foram os onze produtos de maior valia na nossa importação. Digo onze, e não dez, para incluir o trigo, que nesse ano vinha precisamente em décimo primeiro lugar entre os valores da nossa importação.
Temos em primeiro lugar o carvão, no valor de 194:000 contos. A seguir vêm o ferro ou aço em bruto, com 129:000 coutos, o algodão, com 103:000 contos, os óleos minerais, também com 103:000 contos, o bacalhau, com 89:000 contos, o açúcar, com 86:000 contos, as máquinas industriais, com 65:000 contos, oleaginosas, com 54:000 contos, a folha de Flandres, com 37:000 contos, o milho, com 14:000 contos, e, finalmente, o trigo, com 11:000 contos.
Em 1945, ano da cessação das hostilidades, aqueles onze produtos não ocupavam o mesmo lugar na escala de valores das mercadorias importadas. O trigo, entre elas, tomara então o primeiro lugar, com um valor de 516:000 contos. Vinham depois o carvão, com 303:000 contos, os óleos minerais, com 272:000 contos, as oleaginosas, com 157:000 contos, o açúcar, com 123:000 contos, o ferro ou aço em bruto, com 113:000 contos, as máquinas industriais, com 111:000 contos, a folha de Flandres, com 87:000 contos, o bacalhau, com 82:000 contos, e o milho, com 67:000 contos.
Comparemos agora os valores unitários, por quilograma, destas mercadorias entre 1939 e 1945, tal como constam das nossas estatísticas de importação.
Neste lapso de tempo deu-se nos grandes centros da produção mundial uma alta considerável de preços. Assim, por exemplo, a cotação do trigo subiu de 1939 para 1945 nos Estados Unidos da América do Norte de 32 para 56 dólares, com tendência para subir sempre. O bacalhau da Terra Nova, que em 1939 custava 26,5 xelins por quintal (C. I. F.), passou a custar em
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1945 cerca de 18 dólares (F. O. B.). O carvão americano (hulha) passou de 4 a 5 dólares no começo da guerra para 6 a 9 dólares por tonelada em 1945. Um dos melhores carvões ingleses, e que é o que entre nós serve de base ao cálculo do custo da energia eléctrica, o Best Admiralty Large, subiu de 23 xelins por tonelada em 1939 para 48 xelins em 1945. O ferro (barra de ferro redondo) de origem belga, no mesmo período, subiu de 1:500 para 4:100 francos e o americano de 40 para 54 dólares por tonelada.
Basta consultar os índices gerais de preços por grosso das grandes nações fornecedoras para verificarmos o carácter geral que teve a alta de preços durante a guerra.
E aumentaram também os fretes, os seguros, etc.
Para se fazer uma ideia da elevação de certos fretes basta dizer que o custo do transporte de uma tonelada de carvão inglês, que em 1939 era de cerca de 7 xelins, em 1945 tinha subido até 95 xelins e meio.
Em resultado desta alta de preços de origem, de fretes, seguros e outros encargos, o valor, em escudos, de cada quilograma de carvão importado, que em. 1939 era de 0,165, segundo as nossas estatísticas, passou a ser em 1945 de 0,614, ou seja o correspondente a um aumento de 272 por cento; o ferro subiu em unidade de quilograma e também em escudos de 1,314 para 3,064, ou seja 152 por cento mais; o algodão, de 5,413 para 11,226, ou seja 107 por cento mais; os óleos minerais, de 0;496 para 1,465, ou seja 195 por cento mais; o bacalhau, de 2,.344 «para 8,897, ou seja 297 por cento mais; o açúcar, de 1,145 para 1,708, ou seja um aumento de 43 por cento; as máquinas industriais, de 13,329 para 31,153, ou seja 133 por cento mais; as oleaginosas, de 1,038 para 2,109, ou seja 103 por cento mais; a folha de Flandres, de 2,390 para 4,149, ou seja 73 por cento mais; o milho, de 0,49o para 1,218, ou seja 146 por cento mais; o trigo, de 0,713 para 2,012, ou seja um aumento de 182 por cento.
Muitos destes produtos são fontes de energia, outros são matérias-primas, outros ainda géneros alimentares. O aumento do seu preço de custo exerceu uma influência decisiva sobre a alta. de preços e de salários, peia sua fácil e imediata repercussão em toda a economia nacional.
Segundo a doutrina quantitativa, os preços desempenham um papel meramente passivo. Não foi o caso verificado no nosso País em 1939-1945. A passividade dos preços só se pode explicar em economias isoladas, e não em economias, comunicativas e interdependentes, como a nossa., nas quais os preços de .fora pesaram, e continuam a pesar, infelizmente, todos os dias, nos preços internos.
O Prof. Dr. Pacheco de Amorim, no seu discurso proferido na Assembleia Nacional no dia 12 de Dezembro do ano findo, focou, na sua. opinião, os dois aspectos de perigo da actual situação monetária portuguesa e que são os que provêm, primeiro, do existência de uma grande circulação potencial e, em segundo lugar, da passagem da inflação para a. deflação.
Quanto ao» depósitos de bancos e banqueiros no nosso banco emissor, o ilustre Deputado, considera-os uma espécie de bilhete do Tesouro sacado contra o público, que, em vez de ameaçar a liquidez do Tesouro, põe em perigo a estabilidade dos preços e dos salários.
O perigo, segundo S. Exa., não está em essa rubrica se encher, mas no poder esvaziar-se depois de cheia, ou seja na coexistência de mais movimentos simultâneos: à inflação da moeda, bancária e a inflação da moeda propriamente dita.
Ora o Sr. Dr. Pacheco de Amorim, ao mesmo tempo que teme o peso desta circulação potencial sobre os preços, na ocasião em que se tornar efectiva, diz que vai pôr-se em execução o seguinte mecanismo: o importador para comprar cambiais, levanta dinheiro dos seus depósitos, digamos 1:000 contos, e estes 1:000 contos entram no Banco de Portugal. Mas o banco sacado, paru refazer o desfalque da sua caixa, vai ao Banco de Portugal abastecer-se de igual quantia, e os 1:000 contos tornam a sair. Resultado», segundo o Sr. Dr. Pacheco de Amorim os depósitos à ordem baixaram de 1:000 contos e as reservas do Banco de Portugal de igual quantia, mas a circulação monetária ficou na mesma.
Não se me afigura que os factos se passem assim. Efectivamente, os bancos teriam, pela mobilização de outros-valores do seu activo, de fazer face aos levantamentos, dos seus depositantes sem recorressem, muito provavelmente, em montante igual, aos seus depósitos do Banco de Portugal, visto que estes são, apenas, uma percentagem dos depósitos bancários.
Todavia, mesmo dentro da lógica do ilustre Deputado, da passagem dos referidos 1:000 contos da circulação-potencial para a circulação efectiva não resultou aumento das nota» em circulação, e, portanto, não há que recear a tal espada de Daimocles suspensa, sobre a cabeça dos consumidores, a que S. Ex.ª alude no seu discurso.
É natural que, uma vez abastecido o País pela utilização desse poder de compra disponível que é a circulação potencial, a circulação efectiva possa aumentar em correlação comi o aumento do volume das trocas e transacções que necessariamente se verificará. Mas, então, nessa altura - que já é uma segunda fase da operação a que alude o Sr. Dr. Pacheco de Amorim - o acréscimo de circulação não pesará sobre os preços, porque terá uma contrapartida na maior existência de bens. de consumo e de produção.
O Sr. Dr. Pacheco de Amorim manifesta as suas apreensões pelo tempo que vai demorar o esgotamento de 8 milhões de contos de depósitos.
O que devemos, a meu ver, é pensar nos benefícios que resultarão para o equipamento industrial do País, para o barateamento da produção, para o revigoramento da nossa economia, da boa utilização de recursos tão importantes. Está delineado um pensamento vasto e em plena execução planos de vulto.
Só o custo presumível do equipamento das centrais hidroeléctricas, em construção, está computado em 453:000 contos. O plano da reconstituição da marinha mercante está calculado em cerca de 2 milhões de contos, tendo sido encomendados navios - alguns deles já ao serviço - cujo custo totaliza 1.437:000 contos.
Quanto aos perigos da deflação, a baixa de preços, a ameaça que paira sobre o comércio e. a indústria, a de pressão geral, pressupõem que o Governo vai efectivar uma determinada política monetária - a que o Sr. Dr. Pacheco de Amorim receia -, e a asse respeito, melhor que quaisquer esclarecimentos meus, falam as conclusões serenas e confiantes do Sr. Ministro das Finanças.
Hoje, como sempre, continua a pedir-se aos Estados que realizem um perfeito equilíbrio entre a produção e o consumo, entre a moeda e os bens disponíveis, entre os salários e os preços, dentro dos sãos princípios da boa economia.
Devemos, porém, ser realistas e estar precavidos. Li recentemente que a essa posição de equilíbrio ideal acontece como ao amanhã: não chega nunca. Assim como, ao despontar dos primeiros alvores da madrugada, o amanhã tem logo outro significado, assim, também, logo que a tendência para o equilíbrio começa a compensar o desequilíbrio existente, alguma coisa de novo ocorre e o equilíbrio para que nos aproximávamos significa já outra, coisa.
O Sr. Ministro das Finanças, no seu relatório já citado, afirma que, estando a estrutura monetária do País
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em condições de fazer face à conversão do capital líquido que se encontra actualmente sob a forma de depósitos e reservas em dinheiro ou títulos, em capital real, os preços serão assim dominados por dois factores: a evolução do mercado internacional e o volume e custo da produção do País, sendo do aumento desta e da diminuição do seu custo pela melhoria da técnica que depende a compatibilidade de novos níveis de preços com uma melhoria do nível geral de vida.
Nas grandes viragens da História - e o facto já foi anotado - a política monetária sofre, em regra, transformações profundas. Não é sem razão que os grandes bancos emissores - o Banco de Inglaterra, o Banco de França, o Banco Nacional da Bélgica, o próprio Banco de Portugal - foram criados depois de crises políticas e económicas mais ou menos graves.
A última guerra deu origem a um mundo novo de aspirações e de conceitos. Internamente as nações esforçam-se por elevar o nível das suas condições sociais, criar meios de actividade e de produção que permitam haver sempre um excesso de procura relativamente à oferta de trabalho. Pretende-se, em suma, realizar aquela fórmula que os anglo-saxões denominam full-employment.
As relações internacionais deverão ser dominadas por conceitos de colaboração e de permanência e os mesmos princípios que devem informar o mundo político projectam-se no plano da economia e da moeda.
Se no ponto de vista político se devem eliminar todos os motivos de perturbação, no plano da economia internacional, a moeda deve, através da estabilidade do seu valor, facilitar o movimento geral de trocas, e não ser, pela alteração do seu poder de compra, instrumento especulativo no domínio do comércio externo.
Como recentemente escreveu o secretário permanente do Ministério das Finanças da Suécia, Bretton Woods e, full-employment são actualmente palavras chaves no estudo e na discussão das questões de moeda.
O acordo de Bretton Woods é, fundamentalmente, uma tentativa para levantar uma nova estrutura destinada, sob certo aspecto, a substituir o sistema do gola, standard que representa a solução da época liberal dos principais problemas monetários.
São elementos essenciais dessa estrutura o Fundo internacional monetário e o Banco Internacional.
O Fundo, entre diversos fins, visa promover e conservar a estabilidade cambial nos países que para ele concorrem, estabelecendo um sistema multilateral de pagamentos e concedendo aos seus membros auxílio para resolverem as dificuldades temporárias da sua posição cambial.
O Fundo não limitará a sua acção ao problema específico da ordenação dos câmbios. Será um instrumento de cooperação internacional e de expansão do comércio e da produção mundiais. O Banco tem uma função complementar do Fundo monetário.
Na Conferência Monetária e Financeira de Bretton Woods tomaram parte delegados de quarenta e quatro Estados. Mas não quer dizer que outros países não possam aderir às suas conclusões.
O Prof. Sr. Dr. Rui Ulrich, num notável artigo publicado no último número da Revista de Estudos Económicos - e aproveito esta oportunidade para prestar a minha melhor homenagem a esta revista pela valiosíssima contribuição que está dando ao estudo e esclarecimento de alguns problemas de importância vital para a economia do País -, ocupa-se do desenvolvimento do acordo de Bretton Woods e diz, com a autoridade do seu nome, que os pequenos países não podem ignorar os planos ali traçados, nem lhes negar, mesmo, com vantagem, a sua adesão.
Não sabemos ainda quando e como tomarão forma os acordos de Bretton Woods e se Portugal aderirá às organizações ali projectadas.
O que sabemos é que o nosso País se encontra em condições excepcionalmente favoráveis para aderir a um plano que tem por fim ordenar e estabilizar as relações monetárias internacionais. Dois motivos concorrem fundamentalmente para isso: a posição da nossa balança de pagamentos e as nossas avultadas disponibilidades em ouro e divisas em ouro.
O professor americano Alvin Hausen, adviser do Federal Reserve Board, e que se celebrizou nos domínios da economia política desde que corrigiu uma das célebres equações de Keynes, com a concordância posterior do famoso economista inglês, no seu recente livro America's Role in the World Economy, escreve:
O ouro, como vimos, desempenha um importante papel no Fundo internacional monetário. As nações continuam a confiar principalmente nas suas reservas em ouro para resolver as deficiências de posição da sua balança de pagamentos. A linha de crédito concedida a cada país no Fundo é considerada apenas como uni suplemento. Nós não atingimos ainda aquele grau de solidariedade económica mundial na qual o crédito internacional é considerado como suficientemente seguro para dispensar os pagamentos em ouro. Até lá o ouro continuará a desempenhar um importante papel nos acordos monetários internacionais.
Mas não é só uma forte posição cambial que nos dá possibilidades de comparticiparmos com eficiência numa economia de comunicação e de estabilidade. Por detrás disso está a ordem nas finanças, o equilíbrio orçamental, o fomento económico em curso, como condições prévias de uma colaboração útil e construtiva, tem-se reconhecido sempre que não se pode realizar obra perdurável no plano internacional que não seja apoiada, dentro de cada nação, por poderosas forças internas.
E já que falamos do plano internacional, convém lembrar a alta conta em que são tidos hoje lá fora o crédito e a moeda do País, como as melhores expressões de uma política financeira e de uma política monetária. Podia reunir-se um documentário de citações. Mas não quero deixar de referir, entre tantos, alguns depoimentos autorizados.
Em 1942, no 12.° relatório anual do Banque des Règlements Internationaux, podia ler-se: «Portugal registou também um saldo líquido de divisas estrangeiras, sendo o escudo mais procurado do que nunca, na sua qualidade de moeda cuja importância internacional aumenta».
Em 1945 o boletim financeiro do Crédit Suisse constatava a grande procura de escudos, e em Fevereiro de 1946, isto é, há precisamente um ano, a revista inglesa The Economist, uma das mais conhecidas e consideradas publicações sobre assuntos económicos e financeiros, dizia que ao terminar da guerra a moeda portuguesa was among the stronyest in the record - estava entre as mais fortes do Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E podia terminar por aqui. Não fecharia, certamente, com chave de ouro, mas com valiosas referências ao poder de ouro da nossa moeda, hoje novamente comprovado, com o conhecimento dos acordos celebrados entro a Grã-Bretanha e Portugal, que asseguram a garantia em ouro dos saldos em esterlino acumulados durante a guerra e que lhe dão assim inabalável poder de compra em todos os mercados.
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Sr. Presidente: nas grandes clareiras que, de tempos a tempos, se abram na vida dos povos, a obra de saneamento financeiro realizada em Portugal nos últimos dezoito anos é o alicerce sobre o qual se levantou o ressurgimento de uma nação que, na confiança e na força de ânimo, escreveu as páginas mais luminosas da sua História e, na incredulidade e no desalento, quase perdeu o rumo dos seus destinos seculares.
Tudo conhecemos no Munido: a grandeza de um império que quase envolvia a Terra, a opulência do comércio, o deslumbramento das embaixadas faustosas, a abundância e o luxo das épocas de riqueza. Mas vivemos também horas amargas de carência e de dificuldades, não raras vezes se esgotou o erário público, e a recursos estranhos tivemos de ir buscar os meios para fazer face às nossas dificuldades próprias.
Aconteceu até que, de certa vez, a finança do Mundo foi tão exigente que voltámos as costas aos prestamistas para que se soubesse que neste país não se haviam perdido nem a noção nem o sentimento da dignidade.
São passados quase vinte anos. A nação que por essas alturas recorria ao crédito externo passou a ter as suas finanças solidamente equilibradas. Não só dispensámos a ajuda do dinheiro alheio como realizámos obra vasta e grandiosa. E realizámo-la com os nossos recursos próprios, com as disponibilidades do nosso Tesouro, com os saldos tios nossos orçamentos. Se a velha casa lusitana foi o berço da nossa grandeza, ela mais uma vez soube criar os forças e a energia para a sua própria ressurreição.
Abriram-se e melhoraram-se estradas, construíram-se e apetrecharam-se portos, levantaram-se edifícios e monumentos - a Casa da Moeda, o Instituto Nacional de Estatística, o Instituto Superior Técnico -, em Coimbra ergue-se a Cidade Universitária, renovou-se a marinha, rearmou-se o exército, estudam-se e efectivam-se as construções hospitalares, estão em curso trabalhos importantíssimos de fomento - tudo sem que o Governo tenha tido necessidade de pedir nada lá fora nem de constituir-se devedor de ninguém, a não ser do País, pela adesão voluntariamente dada a um plano vasto e fecundo de verdadeira renovação nacional.
Ë evidente que uma obra da envergadura daquelas que foram realizadas em Portugal no domínio das finanças públicas, estabelecendo o equilíbrio das contas do Estado, obedecendo a princípios jurídicos rígidos, restituindo ao banco emissor a sua função normal, estabelecendo pontualidade nos pagamentos, ordem e método na vida do Tesouro, não podia deixar de reflectir-se no crédito do País e de constituir o factor mais decisivo para o renascimento da confiança nacional.
Começaram assim a afluir ao País capitais, dinheiro e rendimentos que, juntos aos saldos da nossa balança comercial, permitiram a acumulação de uma importante soma de reservas e valores.
E um país que viveu durante anos sem poder antevêr a forma de renovar o seu apetrechamento industrial, de aproveitar os senis recursos naturais, de reconstituir a sua marinha mercante, de livrar-se de tantas algemas que prendiam a sua actividade e pareciam até sufocar o seu próprio espírito, consegue agora ter disponibilidades para realizar obras de fomento essenciais à melhoria do nível e das condições de vida da sua população, para aumentar a sua capacidade fabril, para restituir ao pavilhão nacional o lugar que lhe compete no tráfego do nosso comércio e nas rotas e caminhos do nosso Império.
Numa Europa vaca. parte depauperada e empobrecida, somos um exemplo honroso de disciplina e de trabalho, de finanças sãs, de circulação monetária garantida por ouro ou divisas em ouro, de economia em plena valorização dos seus recursos, preenchemos todas as condições para sermos um elemento útil de cooperação internacional; olhando para trás, para o passado que se esbate como uma sombra, e, em frente, o futuro que se abre diante de nós, no conjunto das suas perspectivas e das suas certezas, podemos e devemos estar tranquilos.
Passam na nossa mente, em lembrança e evocação, as dificuldades que se atravessaram nestes últimos vinte anos, os resultados que se atingiram, as grandes vitórias que obtivemos e que se chamam as Finanças, o Fomento, a Paz.
Das Finanças podemos falar com orgulho: pelo que se fez nas gerências do Sr. Dr. Oliveira Salazar; pelo que se continuou nas gerências do Ministro actual, de cujo alto «espírito e competência a Assembleia Nacional acaba de ter um eloquentíssimo testemunho no notável relatório por S. Ex.ª enviado a esta Câmara sobre a política monetária do Governo.
Mas se das Finanças podemos falar com verdadeiro orgulho, ao Fomento podemos referir-nos com admiração e com confiança.
A Paz não se pode aludir sem emoção viva.
Quando a maior guerra dos séculos abriu na Europa os caminhos mais incertos e sombrios da Humanidade, destruindo bens e riquezas, ameaçando os destinos de uma civilização que era o mais belo património do Mundo, fazendo ruir marcos eternos do trabalho e do génio, ceifando a parte mais bela e corajosa da juventude e deixando atrás de si um rosário interminável de angústias e de dores que, por muito tempo, viverão na alma e na própria fisionomia dos povos, esta nação do ocidente pôde, na ordem e na paz, continuar o seu labor construtivo de sempre, na metrópole, nas ilhas, no ultramar, em todas as parcelas de território sujeitas à dupla soberania do seu espírito e da sua bandeira, por graça de Deus e mercê da Política de um homem cuja obra e cujo nome não se podem separar já nem do nome nem da História de Portugal!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente: a moeda - disse-o alguém - é, em certa medida, a bandeira do um país.
Ela traduz a ordem ou a anarquia da administração, as vicissitudes da economia, o crédito externo do Estado, o clima psicológico e o próprio grau de confiança da população no destino nacional.
Um debate sobre a moeda não põe apenas em causa a situação económica ou a actividade financeira.
Tem incidências mais amplas: afecta de algum modo toda a vida da Nação.
Dai a transcendência política deste debate.
Ao intervir nele um dever se nos impõe para com a nossa consciência e para com o País que nos ouve: o de nos colocarmos numa atitude de isenção e o do sobrepormos às nossas paixões dialécticas e às nossas obstinações doutrinárias os direitos imperativos da verdade.
Não é esta a primeira vez que me ocupo do problema monetário. Permitam-me V. Ex.ªs a rememoração do alguns factos que não me parecem descabidos e só revestem de patente interesse neste debate.
Na sessão de 10 de Fevereiro de 1942, ao discutir-se a proposta de lei do imposto extraordinário sobre lucros de guerra, chamei a atenção para o desenvolvimento da circulação e fi-lo nos seguintes termos:
O meio circulante elevou-se de 2.279:000 contos em 1938 para 3.911:000 em Novembro de 1941 e,
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embora este facto, pelas circunstâncias que o determinaram e pelas garantias de que foi acompanhado, em nada afecte a solidez da nossa moeda e tenha até em parte sido provocado pela confiança no escudo e na sua estabilidade, certo é que, por si só, pode constituir e constitui um factor de desvalorização e, portanto, do alta dos preços.
E acrescentei:
Esta alta, porém, que constitui um fenómeno mundial, mesmo para os preços expressos em ouro, se pode, em parte, resultar do factor quantidade da moeda, provém essencialmente de uma forte redução da produção de bens de consumo e da acção conjugada de outros o múltiplos factores, políticos, económicos e até psicológicos e morais, cuja especificação não interessa agora à nossa ordem de considerações.
Na sessão de 12 de Dezembro do mesmo ano voltei a ocupar-me do problema e observei:
A circulação monetária, sem embargo da sua solidez e da firmeza da nossa posição cambial, continua a aumentar e constitui um elemento perturbador do equilíbrio económico geral.
Na sessão de 15 do Dezembro de 1943 insisti:
O excesso de disponibilidades criado pelo aumento do volume do meio circulante não pôde ser absorvido por novos investimentos produtivos, em virtude da restrição das importações, nem foi inteiramente imobilizado pelo sistema bancário, a despeito do considerável aumento dos depósitos particulares. A política tributária e a emissão do empréstimos destinados a actuar como punção sobre a circulação não puderam também neutralizar por completo a alta dos rendimentos e os seus efeitos perturbadores. Formou-se assim um poder de compra que, generalizado a várias camadas sociais, algumas delas vivendo em subconsumo, se traduziu em acréscimo da procura de produtos e, portanto, dada a carência ou a inextensibilidade do mercado, em agravamento dos preços.
Podia multiplicar as citações; estas bastam, porém, para mostrar que antes do meu querido amigo Dr. Pacheco de Amorim ter erguido a sua voz nesta Assembleia sobre os perigos da inflação já outros Srs. Deputados o haviam feito, marcando desassombradamente a sua posição.
A política monetária inscreve-se, pois, há muito no número das preocupações desta Assembleia e não foi necessária a intervenção daquele ilustre Deputado para a trazer a esta tribuna o assegurar-lhe nos debates parlamentares o lugar proeminente que por direito lhe pertence.
Entre a nossa atitude e a do prestigioso catedrático havia apenas estas diferenças: ao apontar o mal, indicávamos construtivamente os remédios (Diário das Sessões de 12 de Dezembro de 1942); ao acentuar o perigo, procurámos sempre não criar alarmes; ao manifestar os nossos receios, fizemo-lo sadiamente, sem profetizar desgraças ou lúgubres calamidades.
Em matéria tão delicada impusemo-nos voluntariamente limitações e evitámos presunçosos dogmatismos.
Não nos julgámos na posse exclusiva da verdade: admitimos tolerantemente que os outros pudessem ter também alguma razão.
Se o Diário das Sessões reflecte como um espelho a nossa conduta parlamentar, devo dizer à Câmara que estou inteiramente tranquilo.
Ele ó o melhor garante dos meus propósitos o da verticalidade das minhas atitudes.
Mas entremos no objecto do debate.
Sr. Presidente: começarei por reconhecer o fenómeno da inflação.
A circulação subiu de 2.270:000 contos em 1938 para 8.715:603 em 24 de Dezembro de 1946.
Os índices são os seguintes:
[Ver tabela na Imagem]
Trata-se, porém, de um facto imputável aos nossos governantes e pelo qual seja legítimo exigir-lhes responsabilidades?
Fiéis ao principio de documentarmos todas as nossas afirmações, damos a palavra a uma das mais autorizadas publicações internacionais - a Revue de la Situation Economique Mondiale, editada em 1945 pela Sociedade das Nações.
Diz-se nela, a pp. 242 e seguintes:
O acréscimo da circulação monetária constituiu um fenómeno universal e as suas proporções variaram entre 312.422.00 por cento na Grécia e 25 por cento no Uruguai. A Grécia e a China não ocupada encontram-se no grau mais elevado da escala da inflação. Na Itália, no sudeste da Europa, na Finlândia, Jugoslávia, Médio Oriente, índia e Japão o aumento varia entre 500 a 1:000 por cento; o grupo seguinte é o da Alemanha e países da Europa Ocidental, com aumentos variando entre 300 e 500 por cento; vêm em seguida a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos o a União Sul-Africana. A Inglaterra, a América Latina e os países neutros da Europa ocupam os últimos escalões.
A inflação constituiu, pois, um facto mundial, que atingiu todos os povos e a que nenhum conseguiu subtrair-se.
Portugal não pôde também eximir-se a estes inales universais.
Anteriormente à guerra a nossa balança do pagamentos andava próxima do equilíbrio.
Não se registavam nela deficits que comprometessem a nossa posição cambial nem saldos credores que pudessem ter repercussões prejudiciais no nível da moeda.
Esta situação, porém, modificou-se a partir de 1939.
Merco das circunstâncias especiais criadas pela guerra ao nosso comércio externo e do afluxo de ouro o divisas, resultante de outras proveniências, a balança de pagamentos tornou-se fortemente credora, apresentando os seguintes saldos positivos:
Contos
1940 ............. 659:530
1941 ............. 3.713:187
1942 ............. 4.528:333
1943 ............. 2.704:944
1944 ............. 2.675:135
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Em consequência da conversão destes saldos em moeda nacional, a circulação desenvolveu-se à seguinte cadência:
[Ver tabela na Imagem]
Em contrapartida, as reservas do Banco de Portugal aumentaram progressivamente o cobrem hoje por completo as notas em circulação, correspondendo à quase totalidade das responsabilidades à vista do instituto emissor:
[Ver tabela na Imagem]
Ante a inflação, como reagiu o Governo?
Cruzou os braços numa inércia despreocupada ou numa passividade contemplativa?
Não. Adoptou contramedidas deflacionistas, no número das quais podemos citar o controle dos preços, os empréstimos destinados a reduzir as disponibilidades monetárias, a contracção das mesmas através de novos impostos, a política de compressão de salários e vencimentos, a imobilização de parte dos lucros das sociedades, etc.
O êxito destas providências patenteia-se no exame do movimento da circulação e dos preços.
Por ele se vê que os índices destes estão longe de acompanhar o desenvolvimento dos instrumentos monetários.
Analisemos os números:
[Ver tabela na Imagem]
Estes resultados são eloquentes e revelam de modo persuasivo a eficácia das providências adoptadas para contrariar a inflação.
O Sr. Dr. Pacheco de Amorim parece, porém, discordar da orientação seguida e afirma pejorativamente que ela conduziu à «distorção dos preços».
Para o seu pensamento de quantitativista e de liberal, o Governo deveria deixar actuar livremente as leis económicas naturais, permitindo que os índices dos preços, do custo da vida e dos salários acompanhassem o desenvolvimento da circulação. O equilíbrio realizar-se-ia assim automaticamente.
São patentes nesta concepção as influências das teorias de Fisher e das Harmonias Espontâneas, de Bastiat.
Simplesmente a doutrina quantitativa está hoje ultrapassada e o liberalismo económico 6 um dos grandes vencidos da última guerra.
Por toda a parte os Governos, ante a torrente da inflação, tornada fatal pela ascensão das despesas públicas, pela alta universal dos preços e pelos desequilíbrios positivos das balanças de pagamentos, resignaram-se ao inelutável.
Não podendo dominar o acréscimo das massas monetárias, procuraram por todas as formas tornar inócuos os seus efeitos.
A distorção dos preços foi um dos objectivos voluntariamente prosseguidos pelos Governos como forma de evitar o ciclo desastroso da inflação.
«Na maior parte dos países - diz-se na publicação da Sociedade das Nações Le Passage de l'Economie de Guerre à 1'Economie de Paix, p. 94- os preços subiram em proporções menores do que a circulação o os salários menos do que os preços».
Eis alguns números comprovativos:
1944
[Ver tabela na Imagem]
O Sr. Pacheco de Amorim: - V. Ex.ª dá-me licença? ...
Não é a isso que ou chamo distorção de preços. O que eu chamo a distorção de preços é o aumento não proporcional do todos os preços. Tabelou-se, por exemplo, o trigo e o milho e não se tabelou, por exemplo, o bacalhau ou o arroz!
Essa distorção ó natural quando em períodos de inflação. A minha discordância com a política do Governo provém de este ter agravado essa tendência, em vez de a remediar.
O Orador: - As minhas considerações baseiam-se escrupulosamente no texto do discurso de V. Ex.ª, que procuro interpretar com fidelidade.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Mas tinha-me parecido que V. Ex.ª interpretara mal o meu pensamento quanto à distorção.
O Orador: - Suponho não haver má interpretação; simplesmente não posso citar a infinita variedade de preços em que se decompõe um índice e sou forçado, por brevidade, a aduzir apenas os grandes números, que traduzem a realidade económica e nos quais se reflecte aquilo a que V. Ex.ª chama a distorção.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Mas não; não é osso o meu pensamento.
O Orador: - É sobre a base que indiquei e que julgo corresponder ao sentido das considerações de V. Ex.ª que formulei os meus raciocínios.
Demonstrado que nesta parte a nossa política monetária coincide com a adoptada geralmente por beligerantes e neutros, uma outra questão se põe agora: como restabelecer o equilíbrio monetário, como pôr termo a uma
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situação, fértil em perturbações e que é urgente remediar para que a vida económica assente de novo numa base estável, condição imprescindível do regresso à normalidade?
Estabilização ou deflação?
Julgo contra-indicada, ou pelo menos prematura, a primeira destas soluções.
Se quiséssemos condensar numa fórmula sintética a actual situação económica do Mundo, diríamos que ela se caracteriza pela expansão das massas monetárias sem aumento correspondente no volume dos bons disponíveis.
Por outras palavras: os meios de pagamento multiplicaram-se, ao mesmo tempo que a oferta dos produtos se manteve estacionária ou decrescente.
O simples diagnóstico do mal basta para que se determine com segurança a terapêutica a adoptar.
Não basta actuar sobre um dos termos de equação, reduzindo o volume monetário; importa, se se pretende uma cura eficaz, agir também sobre o outro termo, aumentando a quantidade das mercadorias e serviços.
Diz a este respeito o relatório do Banco de Portugal referente a 1945: «Enquanto a produção não retomar o seu nível normal e o comércio internacional se não intensificar, será muito difícil contrariar a alta dos preços ou estabilizá-la, mesmo que se adoptem as mais severas medidas financeiras ou monetárias».
Opinião semelhante sustentam Damalas, Gaetan Pirou o Charles Rist. No mesmo sentido se pronuncia Lebeau, ao aconselhar o incremento da produção como remédio essencial da inflação.
O problema não é, pois, apenas monetário, como supõe o Prof. Pacheco de Amorim. É um problema económico, cuja solução tem de consistir principalmente no aumento da produção e das trocas.
Só depois se criarão as condições propícias a uma acção estabilizadora.
Fazê-lo desde já seria tentar a empresa inglória de construir o estável sobre o instável, o permanente sobre o transitório.
O simples bom senso repele a possibilidade de uma tal atitude.
De resto eu pergunto: qual o país que se lançou numa tal solução?
Espíritos timoratos ou presos de uma excessiva impaciência reclamam medidas imediatas e anunciam catástrofes caso demorem as soluções.
Outros, mais prudentes, aguardam, numa atitude vigilante, a oportunidade de uma acção esclarecida.
À meditação dos impacientes ofereço este trecho, recortado do penúltimo relatório do Banco Internacional de Pagamentos:
É provável que os fortes aumentos produzidos no montante das notas em circulação permaneçam como uma consequência da segunda guerra mundial. É indispensável que cada país se adapte a um novo nível de equilíbrio. Enquanto, porém, as mercadorias continuarem raras, pode ser difícil dizer qual será finalmente a posição de equilíbrio permanente e será forçoso passar por um período de experiência e de erros.
Não agravemos, Sr. Presidente, a margem destes erros com precipitações injustificadas.
Ao definir esta atitude não quero, porém, significar que devemos confinar-nos a uma pura e inerte expectativa.
Se, por um lado, já enunciei a necessidade do fazer cessar a rarefacção do produtos, não posso, por outro
lado, deixar de preconizar a conveniência de se adoptar desde já um plano de deflação. Através de que processos?
Começarei por pôr de lado a acção directa sobre a massa da moeda, ou deflação propriamente dita.
Nem julgo eficaz a solução nem me parece que ela se adapte aos nossos costumes e à nossa especial maneira de ser.
Vou expor uma dessas experiências, para que V. Ex.ªs possam apreciá-la.
Na Bélgica a circulação tinha quadruplicado posteriormente à guerra, e nos preços e salários registava-se um considerável agravamento. Era necessário reduzir a massa monetária, dominar a alta de preços, jugular o «mercado negro» e manter entre o franco belga e a libra esterlina uma paridade próxima da anterior a 1940.
Foram estes os objectivos do decreto-lei de 7 do Outubro do 1945.
Por este diploma foi determinada a troca obrigatória das notas em circulação e o depósito de todas as importâncias excedentes a 2:000 francos. Os depósitos foram bloqueados e a sua importância destinava-se: 40 por cento a uma progressiva libertação e os restantes 60 por cento ao pagamento de um imposto extraordinário sobre aumentos de património e à subscrição obrigatória de empréstimos de carácter deflacionista.
A experiência tentou-se e, se fizermos o balanço dos seus resultados, não colheremos alentos para a imitar.
O Ministro que a realizou caiu no meio de um coro geral de agitação e de descontentamento e a França, que elaborara um programa semelhante, não teve até hoje coragem de o executar.
Desaconselhada esta solução, excluída nos parece também, pelas razões invocadas pelo Sr. Ministro das Finanças, a redução do meio circulante através das vendas de ouro, como estão fazendo actualmente a Suíça e a Turquia e vem sendo praticado desde 1943 pela índia, México e Egipto.
Outros processos estão, porém, ao nosso alcance e que julgamos suficientes para nos reconduzirem ao desejado equilíbrio.
Um estudioso destes problemas, o Dr. Sousa Leite, na sua tese de doutoramento -Saneamento do escudo -, indica os seguintes meios: a reabsorção do excesso de disponibilidades por meio de empréstimos; a compra de ouro e o seu depósito no banco emissor; a limitação do poder de compra pela pesada tributação dos grandes rendimentos; a mobilização e o aproveitamento dos capitais inactivos, e, finalmente, a deflação provocada pelo incremento das importações.
Ora, todas estas medidas se encontram já em marcha, em maior ou menor escala, e os seus resultados benéficos em breve se patentearão.
De 1940 a 1945 o Estado vendeu títulos da sua dívida no total de 3.745:242 contos.
Cobraram-se durante a guerra 933:000 contos de impostos de lucros de guerra e 1.031:000 contos de direitos de exportação de vários géneros e mercadorias. Lançaram-se no último ano as bases para a cobrança do imposto complementar. Reforçou-se o encaixe-ouro do Banco de Portugal, que passou de 920:000 contos em 1939 a 8.271:279 em 1945.
Constituíram-se as grandes empresas hidroeléctricas do Cávado-Rabagão e Zêzere com os capitais, respectivamente, de 90:000 e 240:000 contos.
Acelerou-se, por último, o ritmo das importações, que passaram de 1.342:000 toneladas, no valor de 2.477:000 contos em 1942, para 1.748:000 toneladas e 4.050:000 contos em 1945.
Mas aqui uma dúvida se suscita: constituirá na verdade o aumento das importações um processo de deflação?
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O Sr. Ministro das Finanças, que é um professor ilustre de Economia e o Sr. Dr. Marcelo Caetano, que, além de outros títulos científicos, tem o de especialista em questões monetárias, sustentam a afirmativa. O Sr. Dr. Pacheco de Amorim, com a autoridade do seu saber, formula objecções.
Confesso que neste momento me domina uma grande perplexidade. Como se pode discutir o que é indiscutível?
Como se podem estabelecer dúvidas em pleno domínio das certezas?
Desde que a inflação foi determinada pêlos saldos credores da balança de pagamentos e teve a sua contrapartida na aquisição de ouro e de divisas estrangeiras, é evidente que, à medida que aumentem as importações, esta posição se inverterá: as notas são substituídas por cambiais e estas por bens de produção e de consumo.
Diminuirá assim a circulação real e potencial, com abatimento correspondente nas reservas que lhe servem de garantia.
Isto não é apenas uma verdade económica. É uma evidência de bom senso, que L. M. Edmond expõe nesta fórmula incisiva: «As exportações representam sempre mais dinheiro e menos mercadorias, isto é, inflação; as importações, ao contrário, significam menos dinheiro e mais mercadorias e, portanto, deflação.
Mas objecta o Sr. Dr. Pacheco de Amorim: c A aquisição de divisas para pagamento das importações, por conta dos depósitos bancários, obrigará os bancos comerciais, para refazerem a sua posição de caixa, a levantar iguais importâncias pela rubrica «Bancos e banqueiros e do Banco de Portugal. Consequentemente, manter-se-á o volume das notas em circulação, único que «importa verdadeiramente ao custo da vida e pelo qual se faz o alinhamento dos preços».
Há aqui - salvo a muita consideração que me mereço o alto espírito do Sr. Dr. Pacheco de Amorim - um erro económico e um equivoco manifesto.
O erro está na atribuição das variações dos preços a causas exclusivamente monetárias e na redução simplificadora de um mecanismo extremamente complexo a uma relação simples de causalidade, desconhecendo-se, contra o ensinamento dos factos e da ciência económica, que nesta matéria causas e efeitos são de tal modo interdependentes que, se muitas vezes é o volume monetário que determina a alta dos preços, outras vezes são os preços que impelem a moeda.
O equívoco está no asserto de que só a circulação de notas influi no nível dos preços e na proposição implícita de que os depósitos bancários constituem moeda esterilizada ou poder de compra neutralizado.
A verdade é, porém, que estes depósitos actuam, sob a forma de moeda escriturai, sobre os índices dos preços, designadamente dos preços por grosso, e, através deles, sobro os preços de retalho o sobre o custo da vida.
Esta influência, que já aliás Fisher admitia na sua famosa equação das trocas, podo apreciar-se no movimento das câmaras de compensação.
Em 1939 compensaram-se 885:000 documentos, no valor de 9.558:000 contos; em 1945 esses números elevaram-se, respectivamente, a 1.564:000 documentos o 32.084:000 contos.
Por outro Indo, a actual posição dos bancos, traduzida na proporção da reserva-caixa para os depósitos, é de tal forma sólida que não carece de qualquer reforço para manter o actual nível de crédito ou proporcioná-lo, em medida adequada, às necessidades da economia.
Os números que seguem são de um significado iniludível.
[Ver tabela na Imagem]
Quer isto, porém, dizer que os receios manifestados pelo Sr. Dr. Pacheco de Amorim, quanto à conversão da circulação potencial em real sejam inteiramente inconsistentes e que não deva estar-se atento ao movimento das responsabilidades à vista do banco emissor?
Numa conferência recente que fiz no Porta exprimi também as aninhas inquietações a esse respeito e considerei aquelas responsabilidades «como um perigo virtual para a estabilidade dos preços».
Efectivamente, se os depósitos à ordem no Banco do Portugal não destinados a investimentos económicos ou à renovação de stocks e equipamentos fossem levantados e se precipitassem sobre o mercado do consumo, a consequência seria uma grave perturbação no nível geral do» preços.
Esse perigo é posto em relevo por Kenneth Boulding nos seguintes termos:
Durante a guerra o público dispõe-se fàcilmente a aceitar sacrifícios e submete-se a toda a espécie ti e restrições de consumo; mas terminado o conflito este estado de espírito muda e começa o perigo da inflação. O clima do après-guerre não é feito de abnegação e de ascetismo; torna-se egoísta e é naturalmente inclinada a despesas exageradas. A população, fatigada de provações e de lágrimas, procura obter a recompensa dos seus sofrimentos. Os trabalhadores reclamam salários mais elevados; as pessoas abastadas utilizam as suas reservas em consumos desordenadas; o sistema fiscal tende a subverter-se e tudo isto agrava os elementos de inflação que já existiam, anteriormente (Economia de Paix, 1946, p. 32).
Este risco de um movimento inflacionista provocado pela alta dos consumos é acentuado também num livro que já citei - Le Passage de l'Economie de Guerra à l'Economie de Paix -, onde, a p. 48, se observa que a libertação da procura, longamente comprimida durante a guerra, se não for objecto de uma regulamentação minuciosa, pode constituir um factor de desequilíbrio e ter graves repercussões indirectas, por intermédio dos preços.
As mesmas apreensões se traduzem nos tratados económicas - Gaetan Pirou, La Monnaie, p. 481 -, nos trabalhos das comissões internacionais - La Stabilté Economique dans le Monde d'Après-Guerre p. 202 e seguintes -, e nos relatórios dos institutos e crédito, nomeadamente no 16.° rapport do Banque des Règlements Internationaux, onde, a pp. 48 e seguintes, se descrevem as tendências inflacionistas ulteriores à guerra e se aconselham os métodos a utilizar para prevenir ou atenuar os seus efeitos.
O problema não é também desconhecido do Governo, que no relatório das contas públicas de 1944 aponta a necessidade de se restringir a utilização do poder de compra em potência e de se manter a satisfação de necessidades como forma de se evitar o ritmo ascensional dos preços para além das causas que originariamente o determinaram.
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Não negamos, pois, o perigo, que corresponde aliás a uma das preocupações dominantes de homens de Estado e de economistas neste delicado período de transição e de reajustamento.
Afirmamos somente que ele é susceptível de ser dominado.
Basta que não se creia apenas na deflação natural e nos movimentos espontâneos da economia e se adopte a tempo um conjunto de providências destinadas a facilitar a readaptação e a amortecer ou eliminar as perturbações que podem acompanhá-la.
Entre essas providências citaremos o estancamento imediato da inflação, a manutenção das disciplinas do consumo, a expansão da produção e do abastecimento externo, a afectação das disponibilidades monetárias a empreendimentos produtivos, uma política moderada de crédito e, se as circunstâncias o tornarem imperioso, o controle dos depósitos bancários.
Isto sem falar na defesa inquebrantável das actuais paridades cambiais e nas medidas, que já tardam, do controle das divisas e da orientação das importações para a obra, cada vez mais instante, do reapetrechamento económico nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Qualquer que seja, porém, o rumo que os acontecimentos venham a tomar e ainda que, por omissão dos governantes ou por falta de colaboração dos governados, não seja possível contrariar as tendências inflacionistas que vimos analisando, a alta dos preços que se originará terá necessariamente curta duração e o seu efeito será apenas o de tornar mais difícil e doloroso o restabelecimento do equilíbrio económico.
Porque, ao contrário das previsões do Sr. Dr. Pacheco de Amorim, todos os prognósticos dos economistas são no sentido de que, recuperado o nível de produção de paz ou aumentado ele pelos progressos da técnica produtiva, as perspectivas são as de uma baixa de preços e, porventura, de um marasmo económico, idêntico ao de 1920-1922.
E esta baixa é especialmente de prever num país como o nosso, em que a deflação de mercadorias é mais intensa do que a inflação do poder de compra e onde a alta dos preços se mostra superior ao nível mundial, tendo, mais tarde ou mais cedo, de alinhar por ele.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Poderia terminar aqui as minhas considerações. Suponho tê-las produzido no plano desejado pelo Sr. Dr. Pacheco de Amorim, apondo facto a facto, argumento a argumento, estatística a estatística.
Acrescentarei sòmente algumas palavras.
Não direi, porque não seria sincero, que a situação monetária me não inspire também preocupações e que, em muitos aspectos, eu não partilhe dos pontos de vista daquele ilustre parlamentar.
Como ele, aspiro à rápida recuperação do equilíbrio monetário, à cessação dos sacrifícios impostos nos servidores do Estado e a todos os que vivem do produto do seu trabalho, ao termo, que desejo seja breve, dos formalismos, tabelamentos e incómodas restrições que incidem sobre a produção e a distribuição e constituem o lado desfavorável da excessiva intervenção do Estado na vida económica, tomada imperiosa pela força das circunstâncias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Não apresento, porém, postulados de escolas como verdades irrefutáveis, nem nego ou omito, contra a evidência dos factos, os benefícios indiscutíveis da política monetária.
Não é legítimo esquecer que durante os trágicos anos de guerra se manteve inalterável o valor externo da moeda, se constituiu um encaixe-ouro que excede o total das motas em circulação e se acumulou, em contrapartida da expansão monetária, um poder de compra, externo que anda à roda de 200 milhões de libras.
Como vai longe o tempo em que Oliveira Martins aludia melancolicamente à mendicidade do Tesouro desta Nação mendigas!
Hoje, mercê da política monetária, desfrutamos uma situação sem paralelo na nossa História e criámos possibilidades que nos permitem os maiores empreendimentos no domínio do engrandecimento nacional.
Se soubermos aplicar as nossas disponibilidades internas e externas à efectivação de um plano de fomento de larga envergadura que eleve, através da electrificação e do desenvolvimento agrícola e industrial, o nível da nossa produção e transforme num sentido progressivo as condições económicas e sociais da nossa vida colectiva, Portugal poderá vir a ser em breve, para a nossa satisfação e nosso orgulho, a um a grande e próspera Nação».
Não deixemos, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que estas razões de confiança se subvertam sob o coro dos derrotismos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:- Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Maria Pinheiro Torres.
Diogo Pacheco de Amorim.
José Gualberto de Sá Carneiro. Querubim do Vale Guimarães.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardas Pereira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA