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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 94

ANO DE 1947 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 94 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 28 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 90, que contém o parecer n.º 19 da Câmara Corporativa, relativo à proposta de lei n.° 102 (em que se transformou o decreto-lei n.º 36:018, de 6 de Dezembro de 1946 - plantio da vinha).

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.°s 90 e 91 do Diário das Sessões, o primeiro com emendas. Deu-se conta do expediente.
Os Srs. Deputados Belchior da Costa e Alberto Cruz ocuparam-se, respectivamente, da produção carbonífera do Norte e da distribuição dos géneros racionados. O Sr. Deputado Querubim Guimarães enviou para a Mesa um requerimento pedindo esclarecimentos destinados a versar o problema da habitação e residência dos professores primários.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio sobre a política monetária, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Franco Frazão, Teotónio Ferreira e Pacheco de Amorim.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 40 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriqnes de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sonsa Pinto.
Álvaro Henriqnes Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdioe Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Enrico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Ensébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Bocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarote de Campos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.

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José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Franca Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 90 o 91 do Diário das Sessões.

O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar a seguinte rectificação ao Diário n.° 90: a p. 585, col. 2.ª, 1. 25.ª, onde se lê: «encontrava-se», deve ler-se: «encontrara-se»; na 1. 30.ª, onde se lê: «obra», leia-se: «alma».

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, considero aprovados os Diários reclamação com as alterações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Reclamações

Do advogado Dr. Alberto Pires de Lima, contra o facto de ter sido facultado pelo Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria um documento que, junto a um
recurso interposto pelo Grémio Concelhio dos Comerciantes de Carnes do Porto de quatro decisões do Sr. governador civil do Porto, visa a inutilizar esse mesmo recurso.
Do mesmo advogado, contra o facto de a Repartição dos Correios do Porto lhe ter recusado a expedição de um telegrama dirigido à Assembleia Nacional, do seguinte teor:
«Excelentíssimo Presidente da Assembleia Nacional- Lisboa. - Continuando usar direito representação, dirijo à Assembleia Nacional digna presidência V. Ex.ª veemente protesto contra despacho anunciado Ministro Economia sobre ratificação tardia actos ilegais governador civil Porto praticados fora sua competência e não ratificados Ministro cessante! Tal despacho afastando ainda actual direcção Grémio terá como consequência evitar tribunais possam pronunciar-se dentro condicionalismo existente mormente interposição recurso o que é atentatório direitos legais e constitucionais usados pelo recorrente com vista prestigiar ordem corporativa ameaçada. Respeitosos cumprimentos.- Alberto Pires de Lima, advogado Grémio Concelhio Carnes Porto».

Exposição

Da Empresa Carbonífera do Douro, Limitada, em que, a propósito das considerações feitas pelo Sr. Deputado Belchior da Costa, afirma não ter baixado a produção da sua mina nem diminuído a procura dos carvões nacionais, e, se em dado momento as minas não produziram mais, isso foi motivado pela falta de madeira de entivação e pela fixação de preços de venda inferiores às possibilidades do merendo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Belchior da Costa.

O Sr. Belchior da Costa:- Sr. Presidente: ao tomar conhecimento do ofício que a V. Ex.ª dirigiu a Empresa Carbonífera do Douro, Limitada, a propósito de uma passagem do meu discurso proferido nesta Assembleia em 24 de Janeiro, folgo em constatar que a produção das minas daquela Empresa não baixou, pelo menos nos anos de 1944 a 1946 - únicos de que nos dá nota -, e que, até pelo contrário, aumentou, embora em escala reduzida.
E folgo em constatar esse facto, tanto mais quanto é certo que se trata de uma empresa por assim dizer da minha região, e como, por via de regra, a maior produção é fonte de maior riqueza, quanto mais as minas produzirem maior riqueza advirá para o País e especialmente para a região interessada.
Parece-me, ao entanto, Sr. Presidente, e sem o menor melindre para a Empresa referida, que as suas observações suo um tanto ou quanto descabidas e, o que é mais, não abalam, em meu parecer, as breves considerações que incidentalmente formulei acerca do assunto aquando daquela minha intervenção nesta Assembleia em defesa dos interesses e direitos da lavoura, nomeada e principalmente da do Norte.
Com efeito, Sr. Presidente, e em primeiro lugar:
Eu não me referi expressamente à Empresa Carbonífera do Douro, como me não referi expressamente a nenhuma empresa. Aludi à produção do carvão na generalidade no País e afirmei que tinha diminuído.
Da ordem de considerações que então produzi deduzia-se facilmente que essa diminuição era principalmente em relação a 1942, ano em que começou a funcionar o atómico sistema da requisição das lenhas, e especialmente em relação a 1945.
Ora de um mapa que tive à mão, publicado no n.° 3 da revista Centro de Estudos Económicos e que reputo

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exacto, constata-se que a produção de antracite no ano de 1942 foi de 472:903 toneladas, (embora nesse número estivesse incluída a escolha de entulheiras), baixando em 1943 para 354:099 toneladas - isto é, menos 118:000 toneladas, números redondos.
Em 1944 a produção subiu ligeiramente. Em 1945 subiu mais; mas em compensação não houve nesse ano produção de hulha. Em todo o caso, em qualquer destes anos a produção foi sempre inferior a 1942.
Em 1946 a produção de antracite nos primeiros tires trimestres do ano foi de 269:325 toneladas, o que dá para cada trimestre 89:775 toneladas. Partindo da hipótese de que no último trimestre a produção teria igualado a dos anteriores, a produção anual em 1946 viria a somar 359:100 toneladas, pouco mais do que em 1943.
Continuou nesse ano a não extrair-se hulha e a produção da lignite, pelo menos com referência àqueles três trimestres, também baixou em relação a 1945.
Da análise e comparação destes números constata-se que a produção de carvão, nomeadamente de antracite, diminuiu de 1942 para 1943 em 118:000 toneladas, números redondos, e, embora em 1944 e 1945 tenha aumentado alguma coisa, baixou em 1946 aproximadamente para o nível de 1943.
É evidente que, tendo diminuído a produção, diminuiu consequentemente o consumo, e a tal ponto que, tendo-se consumido em 1942 606:278 toneladas de carvão nacional, em 1943 apenas se consumiram 496:808 toneladas, isto é, menos 109:470 toneladas, como vejo num mapa, que reputo exacto, publicado no n.° 2 da revista citada.
Não tive à mão estatística de consumo referente a 1946; mas, se neste ano a produção baixou aproximadamente para o nível de 1943, é de concluir que o consumo se tenha de aferir por esse nível.
Penso por isso, Sr. Presidente, que, quando afirmei que via diminuir em muitos milhares de toneladas o consumo e pois a extracção do carvão nacional, não fiz uma afirmação que poesia classificar-se de gratuita.
Em segundo lugar: porque quis ser prudente, não afirmei categoricamente que aquelas diminuições se deviam em absoluto ao recurso às lenhas; admiti a hipótese.
Mas, verificando agora melhor os números, constato, por exemplo, que, enquanto o consumo de carvões baixou de 606:278 toneladas em 1942 para 496:808 toneladas em 1943, o consumo das lenhas aumentou de 611:537 para 1.007:703 toneladas nos mesmos anos, números suficientemente elucidativos para se ficar compreendendo as razões da minha asserção.
Ora, Sr. Presidente, se isto foi assim em 1943 e se em 1946 a situação no que diz respeito a produção de carvões se assemelha à de 1943, está V. Ex.ª a ver o que terão sofrido os pinhais.
Diz a Empresa Carbonífera do Douro, Limitada, que lhe não consta que tenha diminuído a procura dos carvões. É natural que assim seja. Mas eu não coloquei o problema nesse pé: referi-me à produção e ao consumo.
E que adianta que haja procura se não há oferta, se não há a matéria?
Pela lei da oferta e da procura é até natural que à medida que o produto escasseie maior seja a procura. Mas isso só serve para corroborar as minhas afirmações.
Não discuto as razões por que as minas não produziram mais mas custa-me a compreender que tenha sido por falta de madeiras de entivação, não só porque as empresas podiam requisitar as que quisessem, mas também porque das notas que me foram enviadas pelo Serviço de Requisição de Lenhas, e que foram publicadas no Diário das Sessões n.º 70, constata-se a existência de excedentes.
Passando por cima da referência que no ofício é feita à inferioridade dos preços e possíveis benefícios que poderiam advir para a Empresa e seus operários de um melhor reajustamento, por evidente deslocando do problema, detenho-me nos últimos passos do ofício, em que se pretende ter visto nas minhas considerações uma atribuição de culpas às empresa? carboníferas na devastação das matas e se diz:

Justo é que não sejam agora as minas nacionais acusadas de terem contribuído para a devastarão das matas.

Mas quem acusou de tal as minas nacionais? Quem atribuiu culpas à Empresa pelo desbaste das matas?
Positivamente, Sr. Presidente, a Empresa interpretou as minhas considerações exactamente ao inverso do que decorria da linha de pensamento que as ditou.
Quando muito o que se podia concluir das minhas considerações era que diminuíra a produção do carvão pela facilidade de aquisição de lenhas.
Mas isto mesmo fora posto com reticências.
Ora daí só se podia extrair um ensinamento: era do que o sistema de requisição de lenhas não só prejudicava a lavoura, como também prejudicava as empresas carboníferas.
Presto a minha homenagem ao esforço dessas empresas em prol do abastecimento do País e é com desgosto, e até com os olhos nos legítimos interesses dessas empresas, que vejo diminuir a produção dos carvões quando aumenta o consumo das lenhas.
Não esteve nas minhas intenções nem nas minhas palavras menosprezar esse esforço e só me resta lamentar que a Empresa Carbonífera do Douro, Limitada, tenha tirado conclusões de premissas que as não admitiam.
A minha intenção nesse passo do meu discurso foi apontar alguns dos grandes sacrifícios exigidos à lavoura, sem querer estabelecer comparações; e suponho que as minhas palavras não atraiçoaram essas intenções, pelo número e qualidade de mensagens de apoio que recebi das mais distantes regiões do País.
Sr. Presidente: foi só para prestar este esclarecimento e fazer este breve mas necessário comentário que eu pedi a palavra a V. Ex.ª; mas, como entretanto algumas medidas foram tomadas, no sector da economia, em ordem a serem atendidas, na medida do possível, algumas queixas e reclamações de que me fiz eco nesta Assembleia, não queria terminar estas breves considerações sem lhes fazer uma referência especial.
Quero reportar-me aos recentes despachos do Sr. Ministro da Economia e do Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, aquele reduzindo em 50 por cento ou mais os sacrifícios impostos à lavoura pelo regime de requisição de lenhas e madeiras e este autorizando a inscrição no Grémio de Armazenistas e Lojistas de Mercearia de novos associados.
Não foi debalde - nunca o será - trazer ao seio desta Assembleia o eco das queixas, das reclamações ou mesmo das injustiças dos que não têm outra maneira prática de fazer ouvir a sua voz.
Mas o mesmo imperativo de consciência que me tem impelido a levantar deste lugar a minha voz em defesa desses impele-me também à tarefa, para mira, muito mais grata, de aplaudir e louvar aqueles que merecem o louvor e o aplauso.
Esse louvor, esse aplauso, vão para o Governo da Nação, que continuamente redobra de esforços para atender ao bem-estar do País.
Se a medida tomada quanto à requisição de lenhas e madeiras não dá total satisfação aos desejos dos produtores, é, todavia, um importante passo para atenuar

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os efeitos do indesejável regime de requisição. E estou bem certo de que, a avaliar-se pelo que se diz na entrevista concedida aos jornais de hoje pelo Sr. Ministro da Economia, a estas medidas outras se seguirão, igualmente úteis e práticas, como é de esperar do trabalho conjugado e harmónico de todas as Secretarias do Estado. Por isso termino, Sr. Presidente, por prestar ao Governo, e especialmente aos ilustres titulares da Economia, Comércio e Agricultura, a minha saudação e a minha maior homenagem.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: a responsabilidade que sobre mim impende de ter contribuído com o meu esforço para a revolução de 28 de Maio e o orgulho que tenho por tudo o que de bom e grandioso ela já trouxe para a Nação e pana o prestígio internacional de que legitimamente desfruta é que me levaram, há pouco tempo ainda, a reclamar deste lugar uma maior justiça distributiva dos géneros racionados por todas as localidades do País e a inquirir das razões de tantas faltas, que eram e têm sido objecto de queixumes dias populações e de que os jornais se faziam e fazem eco diariamente.
Mais pedi nessa altura que se elucidasse o povo das providências a tomar para o que tivesse solução e até para o que fosse impossível de solucionar. Nessa ordem de considerações, requeri que me fossem fornecidos elementos sobre abastecimentos de azeite em Guimarães, pois sabia particularmente que desde Junho até Janeiro passado nenhum tinha sido distribuído. Noutros concelhos do meu distrito, como Vieira do Minho e Esposende, deu-se o mesmo facto, ou pior ainda.
Pedi ainda mais nessa altura que se estudasse carinhosamente o problema alimentar do País e para ele convergisse toda a atenção do Governo.
Acabo de ler nos jornais que o Sr. Ministro da Economia reuniu no seu gabinete os representantes da imprensa e os elucidou das medidas já tomadas e de outras em curso para a solução do instante problema do abastecimento da população portuguesa.
Bem merece o Sr. Ministro da Economia os nossos louvores pela forma corajosa e inteligente como inicia os seus primeiros passos na gerência da pasta que em boa hora lhe foi confiada. Já no acto da sua posse S. Ex.ª tinha declarado que seria inflexível na apreciação dos erros, intransigente perante o desleixo e inconformista com situações que prejudicassem ou dificultassem a marcha da Revolução Nacional e que abandonaria pelo caminho aqueles que teimassem em não acertar o passo.
S. Exa. já percorreu algumas terras da minha região e teve ocasião de verificar que foram justas as palavras proferidas há tempos mesta Assembleia. Aguardo eu e aguarda o País com a maior confiança os resultados da actuação do Sr. engenheiro Daniel Barbosa na pasta da Economia, certos de que se não repetirão os erros passados e que se compensarão da melhor forma os prejuízos sofridos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O meu maior desejo e os meus votos são para que S. Ex.ª se torne em breve credor do reconhecimento de todos os pobres consumidores.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:

«Desejando ocupar-me do problema da habitação e residência dos professores primários, roqueiro que pelo Ministério da Educação Nacional me sejam dadas as informações seguintes, com a possível urgência:
a) Número de edifícios escolares com casa de residência anexa;
b)Igualmente número de edifícios que a não têm;
c) Se as residências dos professores, na hipótese da alínea a), são gratuitas ou se pagam alguma renda, e, neste caso, quanto e quantas».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio sobre a política monetária.
Entretanto, comunico a V. Ex.ªs que o Sr. Presidente do Conselho informou a Assembleia, em aditamento à comunicação de ontem, relativa ao aviso prévio do Sr. Deputado Bustorff da Silva, «que não foi solicitada, nem, portanto, concedida, qualquer redução no crédito de 80 milhões de libras».
Tem a palavra o Sr. Deputado Franco Frazão.

O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: a velha cidade suíça de Basileia podia ser considerada espécie de placa giratória das grandes linhas europeias. Deve-se, sem dúvida, a esse facto a sua escolha para sede de instituição bancária internacional, hoje já muito esquecida, o Banco Internacional de Pagamentos. Instalado num antigo hotel, próximo da estação central, a sua vida atribulada foi sempre acompanhada do silvo mais ou menos estridente de comboios partindo para variados destinos. Esse clube dos governadores dos bancos emissores tinha o aspecto triste dos restaurantes de estação, onde a calma das refeições é sempre interrompida pelo anúncio intempestivo de uma próxima partida. Nas suas salas, aliás confortáveis, havia um ambiente nostálgico, como se fora a saudade de um ideal impossível.
Nascera aliás o Banco sob o signo do ouro, numa época em que o regresso a esse padrão monetário era acolhido por toda a parte com entusiasmo. Consequência de um dos numerosos planos gerados pela primeira guerra mundial, o plano Toung, inicialmente considerado sucedâneo da célebre Comissão das Reparações de Guerra, parecia condenado a vida efémera. Mas a breve trecho germinavam ambições mais vastas: conseguir entre os bancos nacionais alguma colaboração na altura em que cada um estava disposto a dirigir a moeda nacional a seu bel-prazer e determinar um padrão internacional estável.
Os accionistas eram os bancos emissores ou grupos bancários e para ser admitido era necessário provar que a moeda do país candidato era realmente sólida e tecnicamente sadia.
Creio que em 1930 se discutia ainda a questão de saber se podiam ou não ser entregues aos bancos emissores da Jugoslávia e de Portugal 6:000 acções que o Banco estava autorizado a entregar a esses países se conseguissem provar que a sua moeda era boa e sólida e as suas finanças sadias.
Ignoro qual fosse a situação da Jugoslávia. A dúvida, se existia, em relação ao nosso País, em plena restauração da sua moeda e das suas finanças, era verdadeiramente incompreensível. Sentiam-se já as primeiras oscilações dos grandes sismos monetários que

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desde 1931 haviam de percorrer o Mundo inteiro. Na verdade, o barómetro financeiro e monetário português indicara durante tantos anos mau tempo e até grossa tempestade que custava a supor que tivesse passado para região de tempo mais bonançoso. Os banqueiros teriam razões sérias de desconfiança. Aos primeiros estremecimentos da crise que se avizinhava a frágil agulha não mudaria de rumo e voltaria a indicar o abismo? Desde 1891 que tínhamos abandonado o padrão-ouro, salvo um pequeno período em 1907
Mas desde 1914 até 1928 deficits orçamentais constantes, uma circulação fiduciária que vai até 1:990 milhares de contos, inúmeros bilhetes de Tesouro, saldo negativo na conta «Caixa», depreciação fantástica em relação ao ouro, a possibilidade de uma tutela estrangeira, mil e um sintomas alarmantes, atestavam, a gravidade da doença. Como supor então que já em 1930 estão em via de regularização as finanças públicas portuguesas? Há saldos positivos e liquidam-se os compromissos da dívida flutuante externa. A dívida flutuante está a desaparecer.
A contabilidade pública vai-se tornando mais clara e mais exacta.
A reforma tributária está em marcha, regularizou-se o crédito.
Tão brusca transformação devia desnortear o observador superficial. No momento crítico em que vão naufragar as mais poderosas moedas com largos pergaminhos de estabilidade e seriedade, o escudo português renasce, como a Fénix, das suas cinzas. Ë que, nas palavras do autor da reforma monetária portuguesa, uma vez regularizadas as finanças públicas, a circulação da moeda deixou de ser afectada pela» necessidades de tesouraria ou pelas existências dos deficits e passou apenas a ser determinada pelas condições económicas.
Em 9 de Junho de 1931 a reforma monetária consagrava os resultados da política de estabilização.
A agulha do barómetro português, no meio da tempestade geral, teimosamente, heroicamente, indicava o bom tempo.
O Banco de Basileia, entretanto, acudia aflito ao desmoronar do Credit Anstalt austríaco. A seguir eram os bancos alemães e o banco hungaro Magyar Nemzeti Bank. Os câmbios oscilam loucamente. Em Setembro era a libra que caía, arrastando vários países. As próprias reservas de ouro americanas afiguram-se ameaçadas. O Banco tem de socorrer numerosos países, navegar perigosamente numa onda de inflação que arrasta o Chile, a Grécia, o Sião, o Peru, a União Sul-Africana. Não me consta que se tivesse de preocupar com a situação portuguesa. O alinhamento com a libra, ditado por razões de realismo económico indiscutíveis, pôde fazer-se sem o auxílio do Banco Internacional. O abandono do padrão-ouro realiza-se, portanto, num ambiente de absoluta confiança na solidez da moeda nacional.
No centro internacional onde se discute a seriedade das moedas o escudo português começa a ser aceite sem discussões. No caos monetário em que mergulha a Europa, esta moeda apresenta-se com características clássicas que impõem respeito ...
Mas, Sr. Presidente, o silvo triste das locomotivas em marcha para os mais variados, destinos continua a perturbam a calma serena do Banco Internacional.
Desaparece no fumo ténue do passado a sua luta a favor do padrão-ouro, as suas desilusões perante a política monetária americana.
Em 3 de Julho de 1933 nasce o chamado bloco-ouro constituído pela Bélgica, França, Itália, Holanda, Polónia e Suíça. Mas logo a seguir temos Otawa a proclamar que o verdadeiro problema a resolver é conciliar a estabilidade dos câmbios com uma estabilidade razoável do nível dos preços internos e mundiais. É certo que o Banco exulta com os resultados da Conferência de Londres (27 de Julho de 1933), que proclama o predomínio do ouro, e nem o Silver Purchase Act, que determina o aumento das reservas em prata dos Estados Unidos, consegue destruir o seu optimismo.
Esta fé extraordinária no ouro que o Banco Internacional manifestava estava perfeitamente nas tradições dos banqueiros. O que caracteriza o sistema do padrão de ouro, sob o ponto de vista internacional, não é a possibilidade da conversão do papel em metal, mas, sobretudo, a disponibilidade de divisas sempre prontas a serem libertas e a encontrarem tomador logo que uma moeda atinge os gold points. A moeda é um meio de medir, trocar ou poupar riqueza. O ouro pareceu desde remota antiguidade reunir as condições próprias de uma boa moeda: prolongar-se no espaço a sua aceitação, manter-se constante o seu poder de compra.. Não admira, portanto, que o Banco Internacional se tivesse pouco a pouco tornado o defensor intransigente do padrão-ouro. A gigantesca produção das minas, sobretudo desde 1890, época em que começam a ser exploradas mais intensamente as minas do Transvaal, permite uma intensa vida económica mundial, uma prosperidade incrível até à guerra de 1914. As velhas e clássicas lutas entre monometalistas e bimetalistas terminam. Na realidade eram os factos económicos a impor o ouro, mais que a teoria: uma produção intensa das minas - as reacções entre si dos mercados monetários para evitar conversões de moeda de ouro em prata ou de prata em ouro.
A extensão da área do padrão-ouro era cada vez maior. Estava criada, por assim dizer, uma unidade de preço internacional, um denominador de valor comparável ao metro para o sistema linear.
E uma das características da história humana de repetir periodicamente as mesmas experiências.
A primeira reunião de peritos para tratar deste momentoso assunto julgo ter sido em Génova, de 29 do Outubro de 1445 a 21 de Junho de 1447. A guerra de cem anos dura há mais de um século e a grande República de Veneza sofre com a desordem monetária que vai pelo Mundo. No fim de dois anos de trabalho o relatório foi apresentado pelos peritos.
Uma minoria, com Gaspare Gentile Luciano Grimaldi, aconselhava um estranho sistema de três moedas: ouro, prata e moeda desvalorizada estrangeira. A maioria, dirigida por Benedetto Centurione, recomendava o padrão-ouro. Era bem conhecido dos portugueses, pois seu irmão Paulo negociava em Lisboa.. A casa tinha até a distinção de contar entre os seus viajantes Cristóvão Colombo, que uni dia havia de ser célebre.
O que é certo é que todas as letras sobre Génova passaram a ser emitidas na nova moeda - o ouro. Esta solução da casa Centurione não era isenta de ganância comercial, pois organizava imediatamente uma expedição em busca de minas de ouro no Sudão. Contudo, dera ao Mundo um sistema que durante imenso tempo funcionou satisfatoriamente.
Sr. Presidente: não posso duvidar que passaram por Basileia evocações desses velhos tempos. Parecia que Centuirione é que tinha razão e que fora muito mais feliz que os numerosos peritos reunidos, também em Génova, em 1922.
Estes tinham encontrado três recomendações a fazer aos Governos:

Uma referente a estabilização dos preços; outra, aquilo que se chamou o Gold Exchange Standard, e, finalmente, a cooperação dos bancos emissores.
Os peritos achavam que seria suficiente estabilizar o crédito, e assim se mantinham as moedas ao par entre

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si e se evitavam as flutuações anormais no poder de compra do ouro.
O sistema foi aplicado pelos Estados Unidos, que procuravam evitar que o ouro que entrava em abundância nesse país tivesse influência no crédito. Era uma espécie de esterilização do ouro.
A Inglaterra praticava ao mesmo tempo uma política de altos preços de custo. Impedindo o padrão-ouro de funcionar, não consentia que a sua balança de contas, diminuída de parte das divisas tiradas da exportação, se apresentasse deficitária. A saída de ouro que então se teria produzido provocaria alta de taxa no mercado londrino. Teria sido um remédio duro, imas salutar. Os pedidos de empréstimo em Londres teriam diminuído e iriam procurar outras praças. Mas o Banco de Inglaterra achou preferível substituir por compras de obrigações de Estado o metal que saía do país. Trabalhava em mercado aberto - open market.
Por outro lado, aplicando o sistema do Gold Exchang Standard, que a autorizava a contar na sua reserva monetária os créditos pagáveis em ouro e deixados em depósito nas praças de origem, dissimulava a realidade da situação.
A sensibilidade e eficiência de mecânica do padrão-ouro estavam comprometidas. Os movimentos do crédito do ouro deixam de estar solidários. Regressavam dos Estados Unidos os capitais exportados durante H guerra, mas sem modificar as reservas metálicas daquele país. A distribuição do ouro tornava-se, portanto, anormal.
Criava-se ao mesmo tempo terrível máquina de inflação. Os capitais que regressavam à Europa continuavam a estar disponíveis nos Estados Unidos. Tinham, por assim dizer, uma dupla existência.
A terceira recomendação dos peritos para maior cooperação entre bancos emissores traduziu-se na prática por créditos concedidos de um banco a outro, quando possivelmente mais valia realizar operações de desconto. A forma artificiosa como o Federal Reserve System acompanhou a evolução da taxa do Banco de Inglaterra está na base do período de intensa especulação que só termina em 1929.
Estavam suprimidos, por assim dizer, os freios automáticos que agiam na mecânica internacional.
E bom, Sr. Presidente, relembrar estes factos, hoje esquecidos, para se verificar as tremendas dificuldades que foi necessário vencer para sanear e equilibrar a moeda portuguesa. Tivemos a coragem de resistir a fórmulas fáceis verdadeiramente aliciantes. Quando o Banco Internacional se faz porta-voz das doutrinas sadias que séculos antes Centurione tão elegantemente expunha, repetia as normas da economia clássica que Portugal com prudentes alterações adoptava na sua tarefa de regeneração.
Se Portugal, pela força de circunstâncias estranhas à sua vontade - a crise inglesa -, se via forçado a seguir outro caminho, alinhando o escudo pelo esterlino quando acabava de atingir a meta que o Banco Internacional preconizava, nada provava que o escudo não possuía todas as condições próprias de uma moeda sadia. A nota de banco estava integrada na sua função económica, deixara de ser expediente para cobrir deficits.
As reservas do Banco podiam passar a ter composição mais apropriada com um aumento constante e progressivo das reservas metálicas.
Não havia qualquer restrição ao comércio dos câmbios. Acentua-se a tendência de entrada de capitais no País. A taxa de juro conhece uma baixa gradual. O câmbio mantém-se com inteira estabilidade.
Ao iniciar-se a segunda guerra mundial o nosso crédito no mercado internacional está firmemente assente.
Em toda a parte o escudo português é aceite como persona grata.
A seguir surge a guerra mundial o a moeda portuguesa tem de sofrer os embates inevitáveis da economia de guerra.
No período anterior à primeira guerra mundial a economia do Mundo parecia de facto razoavelmente organizada. Cada continente e cada país desenvolvia, sobretudo, os produtos mau próprios às suas condições naturais. Uns eram produtores de matérias-primas, outros de produtos manufacturados.
Mais ainda r mercê dos capitais postos largamente à disposição dos países novos, estes podiam desenvolver-se intensamente e tornar-se clientes dos grandes países industriais.
Em 1913 o comércio mundial podia ser avaliado em 37:790 milhões de dólares-ouro, sendo 19:460 para as importações e 18:330 para as exportações. A Europa tinha 61 por cento desse comércio.
Estes circuitos comerciais claramente definidos foram bruscamente interrompidos pela primeira guerra mundial. No regresso à paz o panorama era inteiramente diverso e a breve trecho foi impossível pôr em funcionamento esta mecânica tradicional. Indústrias novas criadas em plena guerra reclamavam a protecção dos Estados. Por toda a parte elevam-se verdadeiras muralhas da China de tarifas protectoras em redor das nações.
Sr. Presidente: compulsando as estatísticas ficamos admirados de verificar que, embora o comércio mundial continue a progredir, o seu eixo mudou.
O Japão passa a exportador de tecidos de algodão. O Canadá, em vez de exportar madeiras, exporta pasta de papel. Existe um franco progresso dos países produtores de matérias-primas a fazer concorrência aos países industriais.
A breve trecho a baixa de preço nas matérias-primas empobrece as balanças comerciais dos países produtores e torna impossível ou difícil a aquisição normal de produtos manufacturados.
Se examinarmos um gráfico do comércio mundial nesse período que se inicia em 1929 e se prolonga ate u. nova guerra mundial, sobretudo se for um gráfico polar, assusta pela sua espiral cada vez mais apertada, quase asfixiante. Um estudo dos balanços comerciais das diversas nações mostraria que antes do conflito quase todas as balanças se podem filiar num sistema geral de transacções que permitia a transferência dos juros, dividendos e outros pagamentos dos países devedores para os países credores europeus.
Este sistema, que se podia chamar mundial, é substituído gradualmente por um sistema de trocas bilaterais.
Assim, ao passo que a Europa insular exporta 190 milhões de dólares de mercadorias para os trópicos em 1928, dez anos depois, em 1938, importa 270 milhões.
Muitos dos raciocínios feitos sob o ponto de vista económico e monetário esquecem as profundas transformações que se foram dando e ainda estão em via de evolução no Mundo.
Os preços praticados em determinados mercados externos afiguram-se nitidamente especulativos. Se, de facto, a nossa excepcional situação financeira permite largo recurso à importação, será prudente, sobretudo enquanto as incógnitas internacionais são imensas, não descurar todas as possibilidades do fomento da produção nacional.
Feitas bem as contas, será possível verificar que muitas vezes a importação acaba por ser feita por preço muito mais alto do que aquele que se considerou justo

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pura o produtor nacional. É um remédio que não pode ser sistema.
Não nos podem, portanto, ser indiferentes as correntes que se desenham pelo Mundo. Segundo alguns autores, o comércio mundial é, em derradeira análise, a troca dos produtos agrícolas contra os produtos industriais. Sem partilhar opinião tão radical, é curioso ver que num período de crise a produção agrícola mundial se manteve estável enquanto a produção industrial variava intensamente.
A média de 1925-1929 sendo igual a 100, verificamos que a produção agrícola mundial era de 97 em 1925 e de 104 em 1936, mantendo grande estabilidade em todo o período. A produção industrial, que em 1925 é de 89, desce a 75 em 1923, e é de 120 em 1936. Quer isto dizer que o consumo dos produtos agrícolas tem uma estabilidade que não se pode comparar com os produtos industriais.
Sr. Presidente: por esses motivos e por muitos outros, não posso achar que os tais planos internacionais, que, por vezes, são classificados como simples elucubrações dos economistas, sejam tão inofensivos como à primeira vista parece. Será, portanto, interessante, Sr. Presidente, se não for abusar da paciência dos que benevolamente me escutam, verificar se em Bretton Woods, como em Basileia, o escudo pode continuar a ser considerado persona grata.
À primeira vista o assunto parece inofensivo e sem grande projecção. Bastaria, segundo o plano, fornecer às diversas nações admitidas no Fundo Internacional determinadas quantidades de moeda internacional. Poderiam, então, como bons jogadores, sentar-se com confiança em redor da mesa de jogo do comércio internacional, cujas regras seriam de. futuro uma liberdade de transacções entre povos, expurgada de todas as restrições hoje em voga pelo Mundo. Pela natureza mesmo das coisas, devíamos assim regressar a sistema de comércio internacional equilibrado, cujas reacções, em resumo, estavam limitadas aos fundos concedidos a cada parceiro.
O plano prevê a criação de um fundo monetário internacional e o estabelecimento de um Banco Internacional de Fomento.
O Fundo procura a estabilidade monetária, cuja guarda está confiada a um conselho permanente. Facilita a expansão do comércio mundial e, portanto, a possibilidade do pleno emprego. Elimina as restrições cambiais, por um sistema multilateral de pagamentos. Finalmente, procura agir sobre a balança de pagamentos das diversas nações, evitando o seu desequilíbrio.
O total do Fundo foi orçado em 8:800 milhões de dólares. Cada país pagará em ouro 25 por cento da sua quota ou 10 por cento do total de dólares em seu poder na data de início das operações. O resto poderá ser entregue em moeda nacional.
Além disto haverá ainda um banco internacional destinado à obra de reconstrução, com um capital de 10 biliões de dólares. Deste capital, 900 milhões são destinados aos países neutros.
Interessa observar que as regras estabelecidas são de natureza exclusivamente monetária. Mas como parece impossível criar um esquema monetário sem conteúdo comercial, é necessário criar esse conteúdo.
Uma liberdade absoluta de trocas afigura-se quase irrealizável.
A ideia de uma expansão ilimitada do comércio mundial como única base da prosperidade de trocas entre nações é difícil de conciliar com as realidades. Ainda mais do que após a primeira guerra mundial, vemos os países agrícolas a industrializar-se e os países industriais a desenvolver a sua agricultura.
As produções de guerra de matérias-primas atingem cifras colossais.
Os progressos da técnica e das inovas indústrias atenuam os efeitos da especialização. A divisão de trabalho entre nações perde a sua utilidade na proporção de um nivelamento de preços obtido por meios científicos inéditos até hoje. A possibilidade de economias regionais parece hoje muito mais viável do que no passado.
A nova economia parece, portanto, mais uma pirâmide de nações pesando umas sobre as outras do que estrutura plana onde se desenhavam harmoniosamente os circuitos das diversas mercadorias.
Se o plano funcionar, cativa 1/10 do nosso ouro, o que pode, até certo ponto, ser vantajoso. Não nos devemos ta inibem afligir se conseguir a estabilidade monetária e a liberdade cambial. Tem sido essa a nossa política. Obriga-nos a certa determinação do valor da nossa moeda. Contudo, como deve ficar prèviamente estabelecida a relação entre o dólar e a libra, não deve haver grande dificuldade numa decisão.
Toda a questão é saber se conseguiremos estabelecer o equilíbrio entre os débitos e os créditos da nossa balança de pagamentos.
Mas, praticamente, as coisas funcionam como no caso de um país devedor a outro ser obrigado a liquidar os seus débitos recorrendo ao ouro ou outros valores do reserva. O Fundo apenas acelera o processo.
No caso de o Fundo ter escassez de escudos, é natural que tome medidas para contrariar uma política que consistiria em vendermos sem comprar.
Mas ainda aí o máximo que nos pode acontecer é solicitar o Fundo um empréstimo em escudos ou comprar-nos escudos com ouro. Só em último caso se poderá verificar uma restrição nas operações em escudos de outros países.
Parece, portanto, que poderemos encarar sem grandes receios o funcionamento do Fundo Internacional.
Se de facto a subscrição do Banco Internacional a muito elevada (50 milhões de dólares), apenas 20 por cento são exigíveis de entrada.
Sr. Presidente: receio que tenha sido talvez inútil e sem interesse a rápida e incompleta visão que tentei traçar da nossa moeda, vista do ponto de observação externo. Nem a todos é dado conseguir instantâneos perfeitos à luz do magnésio. Apesar do reflexo brilhante das toneladas de ouro que a sustentam, pode resultar imprecisa nesta exposição a imagem de uma moeda sadia e farte, conquistada penosamente numa ascensão magnífica, que teve, é certo, um guia de excepcional inteligência, mas também o apoio e confiança de todo um povo. Valia, contudo, a pena verificar que as normas anuis sadias preconizadas em matéria monetária são as que foram seguidas desde o início da nossa restauração monetária. Interessava constatar que, na impossibilidade de regressar ao antigo e clássico sistema do padrão-ouro, o Mundo busca, cheio de ansiedade, substituí-lo por um sistema de cooperação internacional que mantenha parte dos seus benefícios. O Mundo não pode correr o risco de voltar novamente a um período de feroz isolamento de caída nação, ao abrigo das suas barreiras pautais e da sua política monetária exclusivista.
Se do ponto de observação distante em que nos colocarmos consultarmos os banqueiros internacionais, certamente nos dirão com certa segurança que: de 1785 a 1810 houve baixa no valor da moeda ouro; de 1810 a 1850, alta; de 1850 a 1873, baixa, pela descoberta de jazigos auríferos na Austrália e Califórnia; de 1873 a 1896, alta, por ter diminuído a extracção das minas e por ter sido adoptado o padrão-ouro em muitos países; desde 1896 baixa, resultante da produção do Transvaal.

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Contudo, se consultarmos o célebre índice de preços de Sauerbeck, verificamos que ema 1910 o índice é igual ao de 1850.
Os banqueiros dirão ainda que se recordam de inúmeras crises em 1815, 1819, 1825, 1836 e 1847, no período de alta da moeda.
Nos períodos de baixa, e basta referir o período de 1896 em diante, temos frises em 1900, 1907, 1913 e 1920.
A influência da variação do valor da moeda sobre os preços não lhes deve parecer portanto tão imediata, geral e regular como desejariam os postulados da teoria quantitativa. Um acréscimo da quantidade de moeda faz aumentar lentamente e por forma desigual os preços das mercadorias, pela acção da procura, da diminuição da taxa de juro e das modificações cambiais, até ao momento em que se estabeleça novo sistema de preços.
Eu sei que o ilustre Deputado Sr. Prof. Pacheco de Amorim interpreta de forma diferente a fórmula de Fisher modificada e que é hoje universalmente aceite. Introduz-lhe e sustenta, com a poderosa e lúcida argumentação que lhe é particular, aquilo que se pode chamar com propriedade equivalente moeda:

Mv+MV=PT

Mas é impossível não deixar de impressionar que nesta fórmula apenas M é que é elemento puramente monetário, V, ou seja a velocidade de circulação, pode ser influenciado por simples causas psicológicas, T, total dos bens vendidos contra moeda, é extraordinariamente sensível pela técnica, pelo estado da organização económica. Não há dúvida de que estes elementos reagem uns sobre os outros, mas ninguém nos prova que cada factor da fórmula não pode ter evolução própria. Assim, os progressos da tecnologia podem perfeitamente pela redução de preço de custo fazer baixar os preços, mas não é indispensável para isso que tenha havido qualquer modificação monetária antecipada a esse acontecimento.
Quer dizer: encontro pelo menos três situações em que os níveis dos preços se podem modificar.
A primeira resulta de modificação na estrutura da produção nacional ou qualquer outro processo que motive alterações dos preços em relação uns aos outros.
Uma segunda situação seria uma modificação na velocidade de circulação monetária, devida a causas externas ao próprio sistema monetário. Haveria, é certo, uma pressão sobre todos os preços, mas nada prova que as relações entre os diversos preços fossem alteradas.
Terceira: uma modificação dos valores M da fórmula com todos os outros elementos permanecendo sem alteração teria efeitos sobre a quantidade de signos, monetários disponíveis e iria afectar os preços.
Mas ainda aqui o valor relativo dos preços entre si não deveria ser alterado.
Sr. Presidente: seria preciso, para que actuasse com perfeito rigor a fórmula, que a velocidade da circulação não se alterasse com os preços e que as proporções de sucedâneos da moeda ou de moeda escriturai variassem muito pouco.
Como admitir essas possibilidades num país com uma economia ainda relativamente primitiva como a nossa, apesar de todos os progressos? Numa terra onde o uso do cheque e ida ordem de lançamento são ainda tão raros? A moeda escriturar só pode ser usada por um reduzido número. Arde como uma espécie de fusível, logo que se quebra o seu circuito, e carece de moeda efectiva.
Se forem buscar os volumosos relatórios relativos à primeira, guerra mundial, verificaremos que as reservas dos bancos emissores duplicaram na Suíça de 1914 a 1918, triplicaram na Suécia e quadruplicaram na Holanda e na Espanha. A circulação fiduciária aumentou imenso nesse período nesses países, mas era a tradução monetária de uma intensa actividade económica o sinal evidente e seguro do acréscimo de poder de compra das suas populações.
Mas esse aumento de reservas-ouro não seria sozinho um índice de riqueza. Em plena inflação, a mais fantástica da história, as reservas-ouro do Beichsbank também aumentaram. Na realidade, nos países neutros verifica-se, além de mais ouro, maior riqueza. Compram-se valores estrangeiros e os beligerantes contraem empréstimos.
Na Suécia ternos 3:000 novas sociedades, 2:000 sociedades com novos capitais. Dividendos magníficos e intensa especulação na Bolsa.
A esta prosperidade segue-se uma depressão, mas não é idêntica em toda a parte. Na Holanda a maioria da riqueza acumulada mantém-se. Na Suécia uma política financeira sadia, um rigoroso equilíbrio orçamental, mantiveram estável o valor da coroa sueca em plena
Uma política financeira imprudente, o desequilíbrio do orçamento, depreciam rapidamente a coroa norueguesa.
Na Em resumo: existem inúmeras causas, além das monetárias, que determinaram estas crises, espécie de choque do organismo económico, após um período de prosperidade. Contudo, nos países com finanças sadias as consequências foram muito menores.
Após a segunda guerra mundial, se os nossos banqueiros internacionais consultassem as estatísticas, poderíamos constatar com eles que nos Estados Unidos, se compraram 200 biliões de empréstimos de guerra, os depósitos nos bancos são de 70 biliões, a circulação monetária é de 15 biliões de dólares. Mas nada disso é riqueza real. Foi destruída uma imensidade de mercadorias. E os biliões de dólares só terão valor em função de nova produção.
E assim, por comparações e analogias, sempre perigosas sem dúvida em matéria económica, mas que podem conter uma parcela de verdade, talvez seja lícito concluir.
Importa sempre, e sobretudo neste período ainda incerto, não abandonar as normas sadias de administração financeira que permitiram o regresso à normalidade monetária nacional. Que não se olvide a dura lição do passado. Que as riquezas acumuladas não deslumbrem o povo português e que a sua aplicação seja criteriosa e verdadeiramente reprodutiva.
Que nos convençamos de que não é por uma alquimia, subtil de manipulação de moeda que se consegue a baixa do custo da vida.
O caminho a seguir afigura-se diferente.
Continuo a pensar que, apesar de tudo, Adam Smith tinha razão quando escrevia:
«Representaram a riqueza das nações, não como resultante de uma acumulação de moeda, que não se pode consumir, mas sim por objectos de consumo reproduzidos anualmente pelo labor paciente da sociedade.
A sua doutrina afigura-se sob todos os aspectos justa, generosa e liberal ... Nestes últimos anos têm constituído uma seita numerosa e são conhecidos na República das letras sob a designação de economistas».
Na pureza das suas linhas clássicas a obra realizada em matéria de política financeira e monetária em Portugal mereceria, sem dúvida, o aplauso entusiástico do maior pensador económico de todos os tempos, que teria,

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de certo, confiança no trabalho tenaz e persistente de todos os portugueses. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Teotónio Pereira: - Sr. Presidente: a pletora fiduciária que provocou este debate, e a que tão erradamente se atribuem os malefícios que no momento nos afligem, tem por detrás de si, a garantir o valor da moeda, montanhas de ouro e não deficits orçamentais acumulados, como outrora sucedia.
Esta a diferença; nada mais é preciso dizer para mostrar o abismo que separa as duas épocas, o abismo que separa a prosperidade da miséria.
No fim do século passado, Oliveira Martins, no seu pessimismo, mas ainda confiado na repetição do milagre que já tantas vezes houvera salvo Portugal nos seus quase seis séculos de existência, interrogava angustiado: «Salvar-nos-á Angola no século XIX como o Brasil nos salvou no século XVIII? Caber-nos-á essa fortuna a tempo de prevenirmos o esfacelamento pela fome?».
Angola não nos salvou e para se não morrer de fome houve que hipotecar ao estrangeiro muito do que ainda nos restava em riquezas a explorar.
Tudo ou quase tudo se foi, ficaram os coches, esquecidos no Palácio de Belém, os quadros arrecadados nas Janelas Verdes e os capitais que, patriòticamente, escapando à voragem, puderam procurar abrigo mais seguro além-fronteiras.
Angola não nos salvou no século XIX, mas o milagre repetiu-se poucos anos depois; salvou-nos Salazar, e num dos períodos mais críticos que o Mundo tem atravessado.
Com o saneamento e equilíbrio das finanças públicas Salazar restituiu a confiança ao País.
Fixaram-se os capitais e regressaram os que tinham emigrado, e isso foi o primeiro passo no caminho da regeneração.
Durante os anos decorridos desde a reforma monetária até ao deflagrar da guerra, conquanto a estatística continuasse a acusar, anualmente, posição desfavorável na balança de pagamentos, as exportações invisíveis não só neutralizaram essa situação, como ainda permitiram reforçar as reservas em metal e divisas do banco emissor, custear os novos navios para a marinha de guerra e restituir para a posse nacional bastante do que se havia hipotecado ao estrangeiro.
Parece-me que os resultados obtidos durante esses oito anos são mais que suficientes para convencer OB que, de boa fé, julgavam o nosso ressurgimento só possível com o auxílio externo ou a alienação das colónias.
Enquanto no campo financeiro se colhiam os frutos da administração sábia e honesta de Salazar, estimulava-se no campo económico a produção, com a oferta de capitais a taxas de juro mais reduzidas, e no campo social iniciavam-se os primeiros passos para dar satisfação à justa pretensão da grei, no sentido de um melhor nível de vida.
Foi este labor interrompido pela guerra, e o que, de começo, parecia só vir retardar ou dificultar a obra de ressurgimento em que o País se empenhava, tornou-se com a extensão e duração do conflito motivo das mais graves apreensões.
O volume das nossas exportações entrou em franco declínio e as importações tornaram-se dia a dia mais difíceis.
A perturbação daqui resultante, mais agravada ainda com os sucessivos maus anos agrícolas e, mais tarde, com as exportações de guerra, forçou a usar das medidas de emergência que ainda se mantêm.
A diminuição das importações, por um lado, e, por outro, o alto valor que a concorrência na compra atribuiu a alguns dos produtos da nossa exportação fizeram acumular no País a grande reserva de ouro e divisas estrangeiras existente nos cofres do banco emissor.
Creio que ninguém de boa fé pode duvidar da solidez e poder de compra do escudo.
A que atribuir, então, o aumento sempre crescente do custo da vida? Para mim esse aumento tem justificação nas causas seguintes:
a) Maus anos agrícolas;
b) Diminuição nas quantidades e aumento no custo dos produtos de importação;
c) Diminuição no poder de aquisição das moedas com que, mais ou menos, alinhamos - libra e dólar;
d) Encargos de carácter social e outros;
e) Diminuição da taxa de rendimento;
f) Aumento do nível de vida;
g) Incerteza na direcção da economia e perturbação causada por alguns organismos de coordenação económica chamados- a exercer funções muito diferentes daquelas para que foram criados.
E de desejar que nem todas estas causas desapareçam no futuro, mas ver-se-á que, na medida em que umas ou outras se atenuem ou deixem de exercer influência, o custo de vida baixará, embora o volume da circulação fiduciária se mantenha.
E claro que não se poderá pensar em voltar aos. preços e salários que vigoravam anteriormente à guerra; isso só seria possível anulando tudo o que no campo social se fez já e o muito que se conseguiu no aumento do nível de vida da população.
Salários mínimos, acrescidos dos encargos para c Fundo de Desemprego, caixas de previdência e abono de família, habitações higiénicas e tudo o mais que ainda se projecta e se há-de fazer é, certamente, incompatível com os preços que há uma dúzia de anos obtinham os três ou quatro produtos que alicerçam toda a 'economia portuguesa.
Mas então onde procurar o futuro equilíbrio da nossa economia?
Na riqueza acumulada nos cofres do Banco de Portugal, se esta não for consumida no supérfluo, como sucedeu com as outras que nos séculos XVI e XVIII nos vieram da índia e do Brasil.
Precisamos aumentar a produção, para exportar mais e poder importar mais, e só assim poderemos entrar numa época de verdadeiro desafogo, que nos permita aumentar o nível de vida.
Finanças equilibradas, balança de pagamentos sem deficit, podem conseguir-se sempre que haja firmeza na administração, mas isto pode não representar desafogo, mas antes vida triste e miserável, se o critério for apenas o de sujeitar as despesas às receitas, por mais exíguas que estas sejam.
Não há dúvida de que o nível de vida do povo português melhorou sensivelmente nos últimos anos; permitiu-o a balança de pagamentos, influenciada pelas causas já apontadas, mas estas foram ocasionais.
Estabilidade no desafogo da vida só poderá vir da produção, e para produzir é necessário trabalhar, trabalhar cada vez mais.
Um país de fracos recursos como o nosso não se pode dar ao luxo de ter vida fácil; não é com semanas inglesas nem com a redução das horas de trabalho nem com as repartições a abrirem às 11 horas que se conseguirá alimentar e albergar decentemente uma população em pleno crescimento e que já hoje representa 8 milhões.
É do trabalho de todos, mas de todos, que tem de resultar o bem-estar da colectividade.
Isto foi sempre compreendido pelos povos pobres, ciosos da sua independência, e também pelos ricos, quando o declínio os ameaça e a tempo se apercebem da situação.

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Parafraseando Churchill, já lá por fora se diz «que nunca tão poucos trabalharam para tantos».
Isto pode não ser inteiramente verdade, mas não se exagera se se disser que o nunca tão poucos trabalharam utilmente para tantos».
Há, na verdade, muitas formas de trabalhar; trabalha-se até para dificultar a vida dos outros.
Trabalhar mais e complicar menos deverá ser o lema.
Guerra a essa bacanal de papelada que sufoca a Nação. São milhares de toneladas de papel que se não consomem sem outro fim aparente que não seja o de complicar, irritar e fazer perder o tempo e a paciência.
Anima-me verificar que ramos entrar, finalmente, no bom caminho da valorização económica; atesta-o o plano grandioso iniciado já com as obras do aproveitamento hidroeléctrico.
Se se continuar neste caminho e se os capitais amealhados se não desviarem para o supérfluo e grandioso, poderemos todos confiar no futuro.
Quanto ao presente, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.
O Sr. engenheiro Daniel Barbosa é um novo, mas um novo com um passado que o impõe já à consideração de todos nos.
S. Exa. poderá, se quiser, ser o Ministro da Economia por quem o País suspira. Basta para tanto que, abrindo de par em par as portas do seu gabinete, dê saída dali à rajada salutar que varra todos esses tiranetes incompetentes que, propositada ou inconscientemente, teimam em divorciar a Nação do Governo de Salazar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Sr. Presidente: na resposta ao elegante e substancioso discurso em que o ilustre Deputado e meu velho amigo Sr. Dr. Águedo de Oliveira apreciou a minha crítica à lei de meios para o ano corrente, tive ocasião de dizer, embora o Diário das Sessões o não registe, que, se não fora o receio de que os vinhos viessem a ser tabelados muito em breve, teria reservado as minhas considerações sobre a questão monetária para um aviso prévio a realizar depois das férias do Natal. Não obstante, que o problema ficava posto e que me parecia da maior vantagem que a Assembleia Nacional o viesse a discutir com o cuidado que ele merece.
Cumpre-me, portanto, Sr. Presidente, agradecer a V. Ex.ª e aos Srs. Deputados, e de um modo muito especial ao Sr. Dr. Bustorff da Silva e aos demais oradores que tão brilhantemente intervieram no debate, não só a conta em que tiveram a minha sugestão, mas também a gentileza das referências tão penhorantes com que se dignaram distinguir-me.
Iguais agradecimentos faço ao Sr. Ministro das Finanças, por se ter dignado enriquecer este debate com o seu elegante e substancioso relatório, cheio de preciosas informações e importantes esclarecimentos. E peço a S. Ex.ª que não veja nas minhas apreciações à sua obra uma quebra da velha amizade e camaradagem de Coimbra e da antiga e velha admiração que sempre tive pelo seu talento, pelo seu saber e pelas suas qualidades pessoais. Os mesmos motivos que animam S. Ex.ª animam-me a mim e a todos os que tom a honra de fazer parte desta Assembleia: bem servir a Pátria que nos viu nascer.
Sr. Presidente: está em causa neste debate, não só a política monetária seguida desde o princípio da guerra, mas ainda a minha opinião pessoal sobre essa política. Permita-me portanto V. Ex.ª que comece pela refutação daqueles argumentos chamados ad hominem, sempre de grande efeito nestas discussões. Pelo facto de o ensino da Economia Política ter sido inicialmente entregue às Faculdades de Direito, pensam muitos que só a cultura jurídica dá capacidade para estudar os problemas que caem no âmbito daquela ciência.
E, o que é pior, não falta quem julgue que certas formas de cultura, designadamente a matemática, não só não favorecem, mas diminuem a capacidade para esses estudos. Vou procurar demonstrar que este ponto de vista é erróneo, quer se tenham em conta as semelhanças, quer as diferenças que há entre a cultura jurídica e a matemática.
Foi num pequeno compêndio de geometria dos princípios do século XVIII que vi pela primeira vez posta em evidência a semelhança entre a Matemática e o Direito. Não tenho presentes os diversos passos seguidos pelo autor, mas calculo que a linha geral da argumentação resulte de ambas estas ciências serem essencialmente dedutivas. Partem de certas verdades, que na Matemática se chamam axiomas e postulados e em Direito princípios gerais, e daí derivam, com o simples auxílio da Lógica, toda a sua doutrina.
E se é grande, neste aspecto, a semelhança do Direito com a Matemática pura, maior é ainda com as Matemáticas aplicadas - Mecânica, Física, Astronomia. Estas ciências partem igualmente de certas proposições, habitualmente chamadas leis ou princípios, das quais se deduzem, com auxílio da Lógica e da Matemática, todas as verdades nelas contidas, umas já descobertas pela experiência ou pela observação, outras deduzidas pelo cálculo e em seguida verificadas experimentalmente.
Por isso mesmo, a semelhança das ciências jurídicas com as Matemáticas aplicadas é ainda mais completa do que com as Matemáticas puras, porque, além de abranger toda a parte formal destas ciências, digamos, toda a arquitectura das suas construções, vai um pouco mais além. Nas Matemáticas paras, os princípios de que se parte são desprovidos de conteúdo, segundo a concepção mais moderna desta ciência; são formas sem matéria ou, melhor, cuja matéria é indeterminada a priori, ao passo que no Direito e nas Matemáticas aplicadas as verdades de que se parte têm de estar de acordo com os factos, o mesmo tendo de suceder a todas as consequências que logicamente se deduzem dos princípios admitidos. Isto tanto é verdade no Direito como nas Matemáticas aplicadas. Simplesmente, no caso destas, a verificação experimental é quase sempre fácil e sem contestação possível, ao passo que no Direito muitas vezes não sucede assim.
Não obstante, tanto o Direito como as Matemáticas são disciplinas eminentemente apropriadas para o exercício e desenvolvimento da inteligência e do raciocínio, que são o alicerce em que se apoia a cultura moderna.
Onde as divergências são profundas entre o Direito e as Matemáticas, tanto puras como aplicadas, é na matéria que manuseiam. As Matemáticas actuam na esfera do ser; o Direito trabalha no domínio do dever ser. Tal como a Moral, o Direito tem em vista um ideal: uma escala de valores para os actos humanos.
Mas ao passo que a Moral vai beber os seus princípios a uma Religião ou a uma Filosofia, e apela unicamente para a razão e sensibilidade dos homens, o Direito apela principalmente para a coacção, para a força, e tem sobretudo em vista a salvaguarda dos interesses materiais, tanto dos indivíduos como dos povos. Na melhor das hipóteses, o Direito procura pôr a Força ao serviço da Razão. O legislador é o homem que impõe a sua vontade aos outros. A sua atitude perante a matéria que manuseia é a de quem comanda.
Muito diferente é a atitude do homem de ciência, tomando esta palavra no sentido estrito de ciência do ser ou, mais precisamente, de ciência da natureza. O

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homem de ciência procura dominar as forças naturais, pô-las ao serviço da humanidade, mas sabe que para tanto tem de obedecer às suas leis, e para isso precisa de as conhecer tais como elas são. A sua atitude perante a matéria que manuseia é passiva; é a de quem tem de aceitar 9 que vier; é a de quem obedece incondicionalmente. É uma atitude de humildade.
Tal é a diferença de hábitos intelectuais que separa os homens das ciências normativas dos das ciências explicativas ou de facto.
Qual destas atitudes é a mais adequada ao estudo dos fenómenos económicos ? Ou por outra: pertence a matéria da Economia Política à esfera do ser ou à do dever ser? É ciência explicativa ou normativa?
A esta pergunta podemos responder, como Horácio: Certant grammatici... Há opiniões.
Segundo Lionel Robins e a generalidade dos economistas modernos, o que caracteriza a actividade económica é a escolha de meios escassos e alternativos para realizar determinados fins. Ora uma escolha é um acto humano, isto é, consciente e livre. A actividade económica do indivíduo é, pois, uma sucessão de actos conscientes e livres, ao contrário do que sucede com os fenómenos naturais, que resultam da acção combinada das forças brutas da natureza. E é por isso mesmo que a actividade económica individual está sujeita legitimamente aos preceitos da Moral, como é doutrina da Igreja, ao contrário do que sucede à actividade dos agentes naturais.
As raízes da actividade económica não brotam da natureza, mas da razão humana, e é por isso que a economia política não pode ser considerada como uma ciência natural no sentido estrito. Mas uma coisa são as raízes e o atra é o tronco. O acto humano, e portanto responsável, que dá o ser à actividade económica, pode perder-se numa multidão de outros actos igualmente humanos, que o anulam ou invertem, deixando a resultante de ser consciente e livre, porque não deponde sensivelmente da vontade de ninguém. Assim se desenvolvem actividades resultantes de actos humanos, mas que não são actos humanos. São actividades sociais, e não individuais. Pertencem à esfera do ser, e não à do dever ser.
Estas actividades constituem o domínio das ciências sociais, que é por assim dizer misto, porque parte se situa na esfera do ser e parte na do dever ser.
Isto levou à divisão das ciências em morais e matemático-naturais, sendo as ciências morais as que estudam os actos humanos e as actividades deles resultantes.
Sr. Presidente: depois do Cálculo das Probabilidades, ó sem dúvida a Economia Política a ciência moral que mais se avizinha das ciências naturais, no sentido de ser aquela em que os fenómenos são dominados em mais alto grau por leis objectivas. E isto quer se trate duma economia livre, quer dirigida, contanto que seja de homens e para homens, e não para autómatos.
Com efeito, uma economia para ser eficiente precisa de obedecer a leis que dependem da natureza das coisas, e não do capricho dos homens, sejam eles príncipes ou milionários.
Para estudar e compreender essas leis há que tomar a atitude humilde do homem que observa, e não a do que comanda. Por isso mesmo os homens de cultura científica não estão em pior posição ou disposição de espírito para estudarem os fenómenos económicos básicos do que os homens de formação jurídica.
A formação científica é antes uma vantagem para o estudo dos fenómenos económicos, e a cultura matemática traz por acréscimo a posse de um formidável instrumento de investigação, que é o cálculo. Assim se explica a tendência moderna paru a integração dos estudos económicos nas Faculdades de Ciências ou institutos afins; a criação recente de uma nova ciência -a Econometria-,
cujo objectivo é a aplicação do cálculo ao estudo concreto dos fenómenos económicos, e o predomínio que estão tomando, não só na literatura económica contemporânea mas até nas conferências internacionais, os economistas de cultura matemática.
Não só a razão mas os próprios factos mostram que a cultura matemática, longe de ser um empecilho, é do grande vantagem para o estudo dos problemas económicos. Saibam os jovens matemáticos que este campo lhes não é vedado.
Outro defeito que me põem ó de ser um teórico.
As ciências dedutivas são eminentemente teóricas, e é por isso mesmo que têm a primazia entre as ciências. Ora, o que distingue o conhecimento científico do vulgar é que este só abrange os fenómenos, ao passo que aquele penetra também as causas, como já dizia Aristóteles. E é por isso mesmo que é muito mais profundo e muito mais útil, pois só poderá dominar os fenómenos quem conhecer as causas deles. É daqui que resulta a superioridade do médico sobre o enfermeiro, a do engenheiro sobre o mecânico e o mestre de obras, a do advogado sobre o solicitador; numa palavra, a primazia da cultura sobre a incultura.
E, se isto foi assim em todos os tempos, o que diremos hoje, em pleno século XX, em que não só os transportes, as comunicações e todas as indústrias são frutos admiráveis da ciência, mas até as próprias matérias-primas são já em boa parte obra sua?
Como se poderá ser alguém hoje em dia sem se ser um teórico, isto é, um homem culto, conhecendo cientificamente os ramos em que exerce a sua actividade?
Dir-se-á que, se isto assim é nas ciências naturais o nos ramos de actividade que delas dependem, o caso muda quando se trata das actividades económicas, políticas e sociais. Muda, sim, mas apenas de grau, que não de natureza. E muda de grau porque as ciências sociais estão muito atrasadas ainda, em comparação com a generalidade das ciências naturais. E esse atraso está em que, na maioria dos casos, as ciências sociais só limitam à descrição dos fenómenos, sem atingirem as causas, e o seu conhecimento fica por isso no mesmo nível do conhecimento vulgar.
Quando assim é, o prático pode ter superioridade sobro o teórico, sobre o homem que tem apenas a cultura livresca, porque a este falta a chamada vivência das coisas, sem a qual se não tem de muitas delas verdadeiro conhecimento. Mas poderá chamar-se teórico a quem apenas tem dos fenómenos um conhecimento de grau inferior ao conhecimento vulgar? Evidentemente que não. Há aqui uma grande confusão. É preciso distinguir o conhecimento teórico do conhecimento livresco.
Os fenómenos económicos são daqueles que, para serem compreendidos, exigem certa vivência, sem a qual nem sequer se podem entender os livros que os descrevem. Ora a vivência adquire-se pelo contacto directo com as coisas. Quanto mais variados forem esses contactos mais rica será a vivência adquirida.
Por outro lado, quanto mais atrasado estiver o conhecimento das causas dos fenómenos mais rica precisa do ser a vivência deles, para quem queira conhecê-los bem. Nas ciências da natureza a vivência adquire-se pela experiência laboratorial e pela observação dos fenómenos naturais. Nas ciências morais a vivência adquire-se pela observação e pela prática, e até pela experiência da vida, que é a grande riqueza da velhice.
Mas, se é verdade que a vivência das coisas é indispensável para ter delas conhecimento perfeito, não se vá daí concluir que basta por si só para formar os dirigentes da vida moderna, qualquer que seja o ramo de actividade humana que se considere. O cavador, por mais que cave, nunca chegará ao saber do agrónomo. O mecânico, por mais que ferranche toda a vida, não chegará

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jamais o engenheiro. O negociante, o industrial e o banqueiro, por mais que labutem nas suas profissões, jamais chegarão a economistas, a não ser que o cavador, o mecânico, o comerciante e o banqueiro completem o conhecimento vulgar que lhes dá o exercício das suas profissões com os estudos necessários para subirem ao conhecimento científico.
Pelo contrário, ao homem culto bastará uma vivência mínima das coisas para chegar ao seu conhecimento científico.
O prestígio que entre nós têm os chamados práticos é filho quase sempre da ignorância; e o desprestígio dos chamados teóricos vem as mais das vezes de uma confusão proveniente da mesma fonte.
Sejamos homens do nosso tempo e lembremo-nos de que na Inglaterra, nação essencialmente prática, se está reorganizando o ensino público com o objectivo de que, dentro de trinta anos, a décima parte da população tenha tirado um curso universitário.
Na Inglaterra pensa-se que a formação teórica tem de ser levada até às camadas mais profundas da população.
Também se bacorejou, cá dentro e lá fora, que no ano passado anunciei catástrofes iminentes, que... felizmente se não deram. O que eu disse no ano passado está arquivado no Diário das Sessões, e é fácil de verificar que eu não anunciei catástrofes iminentes. O que ou disse foi que havia grande semelhança entre a situação monetária de 1910 o a de 1940 e até entre o estado de espirito das duas épocas. Fiz a comparação ponto por ponto entre as circulações monetárias, os números-índices dos preços e dos câmbios e concluí textualmente

Seja qual for o rumo que as coisas venham a tomar no futuro próximo, a verdade é que estamos em presença dum problema monetário gravo em que é preciso pensar a sério antes que ele se complique, como sucedeu em 1919.

E acrescentei:

É verdade que, tal como sucedia em 1919, há também hoje quem penso que este problema se resolverá por si logo que a nossa balança comercial se torne negativa. E não digo que isso fosse de todo impossível, mas é muito pouco provável, porque exige a concorrência de circunstâncias que não são do prover no actual momento.

Como V. Ex.ªs vêem, eu não anunciei catástrofes iminentes, apenas disse que estávamos em presença de um problema monetário, cuja gravidade então ninguém queria ver e que hoje, volvido um ano, ninguém se atreve a negar. Todos a reconhecem.
Acrescentei que tal problema se não resolveria de seu, como muitos julgavam, e pelo menos até hoje é evidente que acertei.
Em seguida passei a fazer a comparação entre os valores reais das receitas e despesas orçamentais em 1919 o em 1945, mostrando que em ambos os períodos em que se deram as duas grandes guerras tanto as despesas como as receitas baixaram em valor real, e concluí:

Quais foram, depois da outra guerra, os efeitos desta situação monetária e orçamental sobre grandes sectores da população portuguesa e sobre os serviços públicos está ainda na memória de muitos. Todos aqueles que viviam de rendimentos fixos foram altamente prejudicados e muitos lançados na pior das misérias, que é a dos que tiveram e deixaram de ter. Foram prejudicados aqueles que trabalhavam por conta de outrem, que ó a imensa maioria dos cidadãos. Foram prejudicados todos os credores, designadamente os do Estado, entre os quais se encontravam as Misericórdias e muitas casas de caridade, muitos velhos, milhares de órfãos e viúvas, que só desses juros viviam. Foram prejudicados os serviços públicos pela miséria a que foram reduzidos os vencimentos e as verbas reais para material.
A situação miserável que a desvalorização da moeda criou aos funcionários foi tal que muitos deles, e os melhores, debandaram para as empresas particulares, onde os seus serviços eram mais apreciados e mais bem pagos. Outros passaram a repartir a sua actividade entre o Estado e os particulares para poderem arranjar por fora aquilo que o Estado lhes não dava. Outros deixaram-se corromper, porque a necessidade é inimiga da virtude. Não menores e mais visíveis foram os estragos causados nos serviços públicos pela insuficiência das verbas para compra de material. O caso típico foi o das estradas, por estar mais à mostra, etc.

E terminávamos:

Pois, Sr. Presidente, estamos já caminhando para um estado de coisas semelhante a este. Os vencimentos do funcionalismo são de verdadeira miséria e o seu descontentamento é grande e justificado. As verbas para material começam a não chegar e os serviços públicos não podem deixar de sofrer com isso. A debandada do funcionalismo tenho a impressão de que está para começar, senão começou já, e o resto não tardará em vir.

Isto disse eu no ano passado.
Foi ou não o que sucedeu ? O que disse aqui há um ano, na discussão da lei de meios, foi isto, e saiu certo. Se tais sucessos se podem chamar catástrofes (e alguns o são), importa pouco. O que importa para o caso ó a justeza de visão; nada mais.
Antes de passar adiante permita-mo V. Ex.ª, Sr. Presidente, que faça aqui o meu primeiro reparo ao relatório que S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças se dignou enviar à Assembleia Nacional. Também S. Ex.ª faz uma comparação entre as duas épocas, mas, salvo o devido respeito, S. Ex.ª comparou datas que não são comparáveis, porque tomou para pontos de partida o ano da nossa intervenção na primeira Grande Guerra (1916) e o começo da segunda (1939).
No meu discurso do ano passado tomei para pontos de partida as datas em que começaram e terminaram as hostilidades na Europa. Estas datas creio que são homólogas. As que tomou o Sr. Ministro das Finanças, salvo o devido respeito, parece-me que o não são.
Em seguida tomei tempos iguais e relativamente curtos e fiz a comparação nas datas correspondentes. Mas a experiência do tempo decorrido de então para cá veio mostrar que a marcha para a normalidade no Mundo se está fazendo muito mais lentamente agora do que no fim da primeira guerra mundial.
Se a velocidade destas duas marchas fosso a mesma, o momento presente teria por homólogo os meados de 1920. Mas, como agora se está andando muito mais devagar, para sermos razoáveis teremos de fazer a comparação com uma data anterior. Ora o Sr. Ministro das Finanças fez a comparação com o fim de 1922! Claro que os resultados a que chega nesta parte do seu relatório ficam sem base.
Sr. Presidente: vejamos agora o que disse no passado mês de Dezembro na discussão da lei de meios. A quem ler o meu discurso com a devida atenção tornar-se-á evidente que a pedra angular em que todo ele se apoia é constituída pelos seguintes períodos:

O problema básico de qualquer orçamento é o monetário, porque a moeda é a medida comum dos

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valores. E a experiência de todos os tempos, e designadamente a da primeira guerra mundial, demonstrou insofismavelmente que é pelo nível da moeda que se alinha o nível dos preços num futuro mais ou menos próximo.

Nestes períodos fazem-se duas afirmações distintas:
1.ª que a moeda é a base de qualquer orçamento;
2.ª que é pelo nível da moeda que se ajusta o nível dos preços. É claro que a segunda afirmação é o fundamento da primeira. Demonstrada a segunda, demonstrada fica a primeira.
Evidentemente que esta segunda afirmação pressupõe que se fixou o nível da moeda ou, mais precisamente, que a moeda passou a oscilar em volta do uma média constante, de harmonia com o mecanismo do desconto e do redesconto normais.
Ora a demonstração da segunda proposição pode fazer-se à priori e à posteriori, isto é, com razões e com factos, tanto recentes como antigos. Vamos aos factos.
Deixando os da Antiguidade Clássica e da Idade Média, em que as políticas inflacionista e deflacionista já eram conhecidas o praticadas, comecemos pela Renascença, em que a afluência do metais preciosos trazidos do Oriente pêlos nossos navegadores provocou uma tal inflação monetária que os preços subiram a ponto de fazer o espanto dos estrangeiros que cá vinham. Este facto ó minuciosamente narrado por Clenardo em uma carta escrita de Portugal para um seu compatriota, como se pode ver na obra que sobre aquele ilustre humanista escreveu em tempos o Sr. Cardeal Patriarca.
Vem depois, no principio do século XVIII, a experiência do primeiro banco emissor, realizada pelo grande economista que foi Law.
As sucessivas emissões de notas podidas pelo Regente para financiar a guerra de Espanha provocaram, não só a corrida às reservas do banco, mas uma alta de preços, acompanhada da derrocada dos valores mobiliários.
No fim do mesmo século nova experiência memorável: a dos assignats da Revolução Francesa.
Do mesmo modo, a subida do nível monetário trouxe consigo a subida dos preços, até à derrocada final do valor da moeda.
Para estas e outras experiências históricas faltam-nos adequados registos estatísticos que permitam comparar os níveis sucessivos da moeda com os correspondentes dos preços, mas o que se conhece dos factos basta para relacionar os dois fenómenos.
Através do século XIX pôde observar-se que os preços subiram quando a produção do ouro, moeda internacional, se acelerava; e, pelo contrário, baixaram quando a produção afrouxava. Ainda aqui faltam os números para verificar o rigor deste paralelismo, mas a partir do fim do século as estatísticas começaram a aperfeiçoar-se, e quando surgiu a primeira guerra mundial foi possível registar as subidas sucessivas do nível da moeda e as correspondentes dos preços na maioria dos países civilizados, e daí o alto valor das experiências monetárias realizadas durante essa guerra e principalmente no fim dela. Ora essa experiência mostra insofismavelmente a verdade da proposição que estamos analisando. Dêmos alguns exemplos. Comecemos pelos Estados Unidos, que é a mais rica e uma das mais populosas nações do Mundo.
A normalidade, isto é, o equilíbrio dos preços, iniciou-se nos Estados Unidos em 1921, como se vê no quadro que se segue.

[Ver Tabela na Imagem]

Tomando as médias destes índices desde 1921 a 19:29, ano este em cujo final se iniciou nova crise, obtemos o número 141,3 para índice médio dos preços e 143,8 para índice médio da moeda. A diferença destes dois índices é de 1,9 por cento.
O alinhamento é perfeito.
Vejamos agora o que se deu em França. A estatística junta mostra que o equilíbrio dos preços com o numerário circulante, embora equilíbrio móvel, se iniciou igualmente em 1921:

[Ver Tabela na Imagem]

A média dos números-índices dos preços desde 1921 a 1929 é 515,4. A dos índices monetários é de 495,5. A diferença das duas médias é de 4 por cento. Se atendermos a que este período, muito longe de ser para a França de estabilidade, foi antes de agitação política e de acentuada inflação monetária, a diferença de 4 por cento entre a média dos índices monetários e a dos índices dos preços de atacado é verdadeiramente insignificante. E note-se que neste cálculo só não entra com a moeda miúda em 1913, e nos anos seguintes apenas se entrou com as notas do Banco de França.
Vejamos agora, Sr. Presidente, o que sucedeu em Portugal.
Entre nós o equilíbrio dos preços só foi atingido a partir de 1931, como se vê no seguinte quadro:

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Julho.
(b) Média do 2.° trimestre.

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A média dos índices dos preços de retalho desde 1931 a 1939 é de 1:990,7; a dos índices da moeda é 1:960,8. A diferença dos dois índices é de 1,2 por cento.
Se atendermos apenas aos anos em que se atingia a estabilidade simultânea do nível dos preços e do da moeda, isto é, aos anos de 1934 a 1938 inclusive, acham-se os índices de 2:022,2 para os preços e de 2:019,6 para a moeda. A diferença é de l por mil.
Entre parênteses diremos que o novo equilíbrio, atingido depois das crises económicas por que passámos desde a primeira Grande Guerra até à segunda, se estabeleceu com o coeficiente 20,2.
Sr. Presidente: estes factos e estes números demonstram à evidência que a inflação monetária trouxe invariavelmente consigo a inflação dos preços. E mais ainda demonstram estes números que, uma vez restabelecido o equilíbrio após uma forte perturbação inflacionista, o nível dos preços e o da moeda ficam oscilando em volta de médias rigorosamente iguais. Isto são factos e números, não são teorias!
Daqui se conclui que, fixado o nível da moeda, dentro de um futuro mais ou menos próximo, o nível dos preços virá a fixar-se à mesma quota.
E, reciprocamente, fixado o nível dos preços e deixado livre o nível da moeda, será este que virá a alinhar-se por aquele.
Se se deixarem os dois livres e cessar a emissão artificial de notas, o nível mais baixo subirá, o mais alto descerá e o equilíbrio far-se-á numa posição intermédia.
Não quer isto dizer, claro está, que o volume seja o único factor que influi no poder de compra da moeda. Outros factores influem, evidentemente: uns provenientes das variações da produção agrícola e industrial, outros provenientes da intensidade de circulação dos produtos, outros da política económica e financeira dos governos e da alta finança. Mas estes factores extra-monetários, quer internos quer externos, actuam do modo que a sua influência desaparece nas médias, logo que se regressa à normalidade.
Em tempos de crise há um factor de grande importância que anda ligado à taxa de desconto - é a variação da velocidade da circulação, quer monetária quer bancária. Este factor pode exceder em importância o resultante da variação do próprio volume da circulação. Mas logo desaparece a sua influência quando se regressa à normalidade. É um factor passageiro, que tanto pode actuar no sentido inflacionista como no deflacionista, porque a velocidade da circulação tanto pode subir acima da normal como descer abaixo dela. Mas a tendência é para o regresso à normalidade, como em tudo.
Sr. Presidente: esta é a realidade; os factos são estes. E contra esta realidade insofismável, contra este acervo indestrutível de factos, toda a argumentação se desfaz em espuma.
Mas há quem diga: realmente assim era dantes, no tempo da economia liberal, mas agora estamos na era do dirigismo e as coisas mudaram.
A esses respondo: é o que resta provar. Ora os factos continuam a justificar o princípio de toda a minha argumentação e sobre esse mesmo princípio se assentou o dirigismo da moeda, antes e depois da crise de 1929, antes e depois de iniciada a segunda guerra mundial.
Na verdade, para remediar a baixa dos preços e provocar a sua alta, as grandes nações atingidas pela crise de 1929 ou pelas suas consequências próximas, como os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, para não citar senão as maiores, recorreram à inflação monetária em grande escala. Que é isto senão a confirmação da minha tese?
Iniciadas as hostilidades, a Inglaterra, os Estados Unidos e, dentro de certos limites, a própria França, recorreram ao dirigismo monetário, sensivelmente nos
mesmos termos em que o concebera, já antes de 1914, o governador do Reichsbank, Havenstein, método que foi usado pela Alemanha durante a primeira guerra mundial e pelo Dr. Schacht, desde 1931 a 1939. Abandonado pelo seu sucessor durante algum tempo, logo foi restabelecido e vigorou na Alemanha até ao colapso dos seus exércitos.
Em substância, esse método, chamado do pré-financiamento, consistia no seguinte:
a) Fixar os preços por meio de tabelamentos e racionamentos adequados que garantissem um nível de vida fisiològicamente suficiente a toda a população;
b) Recolher por meio de empréstimos, mais ou menos voluntários, o poder de compra que as despesas de guerra obrigassem a criar artificialmente.
Postos em prática estes dois meios, a guerra seria financiada sem inflação de preços e sem inflação de carácter permanente da moeda e do crédito. Apenas haveria inflação da dívida pública consolidada.
A forma e extensão dos racionamentos e tabelamentos variaram de nação para nação, mas no geral só era deixado livre um pequeno sector de mercadorias consideradas de luxo.
A fornia do pré-financiamento também variava. O método puro, tal como o concebeu Havenstein, consistia em recorrer exclusivamente ao crédito bancário, mediante o desconto de bilhetes do Tesouro. Os anglo-saxões recorreram ao crédito bancário, à emissão de notas e ao imposto.
No fundo, o método consistia em criar poder de compra artificial, que era lançado no mercado para cobrir as despesas inadiáveis resultantes do estado de guerra. E o fundamento teórico do método também era sempre o mesmo, a saber: como os preços e salários eram mantidos artificialmente a nível constante, o poder de compra criado pelo Governo não podia ser absorvido pela circulação, e por isso, dentro de algum tempo, voltaria aos bancos, debaixo da forma de depósitos, mas agora da conta dos particulares. E então vinha o Governo com os seus empréstimos e absorvia os depósitos em excesso. E em seguida novo ciclo se abria, repetindo-se o processo nos mesmos termos.
Também houve modalidades na forma de recolha do poder de compra lançado no mercado pelo Governo. Tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, os empréstimos usados foram sempre voluntários. Os U o ver-nos anglo-saxónios recorreram apenas à propaganda para o seu lançamento. Daí resultou que o factor velocidade entrou em jogo, permitindo que, apesar de o nível dos preços e salários se manter constante, parte do poder do compra criado artificialmente pêlos Governos ficasse nas mãos do público, debaixo da forma de pé de meia ou de depósitos à ordem e a curto prazo.
O mercado encharcou-se de poder de compra e o juro baixou, como era natural.
Enquanto a guerra dura, este procedimento favorece as finanças do Governo, porque o poder de compra que é imobilizado nas mãos do público não vai avolumar a dívida de guerra. Mas, logo que terminam as operações militares, surge no público a tendência natural para utilizar o poder de compra que tem em excesso. E, ou os tabelamentos e racionamentos acabam, ou surge o «mercado negro». Em qualquer dos casos o nível geral dos preços sobe de modo irreprimível. É o regresso à normalidade, isto ó, ao nivelamento dos preços com a moeda. É o que se está a ver por toda a parte. Onde o mercado livre é francamente restabelecido, como na América do Norte, os preços aceleram a sua marcha ascendente. Onde apertado regime de racionamentos subsiste surge o «mercado negro». Até a Inglaterra, país único pelo civismo do seu povo e dos seus Governos, até a própria Inglaterra tem já «mercado negro».

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Aqui está, Sr. Presidente, em breves traços, a história e a teoria da política monetária usada para financiar a guerra. Vejamos agora o que se passou entre nós. Em fins de 1940 - pode mesmo dizer-se em Outubro de 1940 - era visível que estava em marcha um movimento de inflação monetária, como eu assinalei em artigo do Comércio do Porto publicado no dia de ano novo de 1941. E era igualmente evidente que esse movimento provinha dos saldos positivos da balança de pagamentos, como demonstrei com toda a clareza, no mesmo jornal, em artigo de Fevereiro do mesmo ano. Estávamos, portanto, em presença de um problema monetário de causas perfeitamente conhecidas.
Mas o nosso problema monetário era diferente do dos países beligerantes. Estes tinham de criar poder de compra para financiar a guerra. Nós tínhamos de nos defender dos efeitos de uma invasão de ouro e cambiais que nos vinham criar um problema monetário de consequências graves. Que fazer?
Para saber o que fazer, necessário seria começar por escolher uma política monetária e para tanto determinar os fins em vista. Que se pretendia? Pretendia-se manter a situação orçamental de antes da guerra e fazer, portanto, uma política de estabilidade de preços e salários ? Por outras palavras: pretendia-se manter o poder de compra interno da moeda? Ou, pelo contrário, pretendia-se manter a estabilidade cambial? Ambas estas finalidades eram defensáveis, mas havia que optar.
Também neste caso se não podia servir a dois senhores. A grande questão entre os partidários do plano Keynes e os do plano White surgiu precisamente neste ponto. Os ingleses preferiam a estabilidade do poder de compra interno da moeda, ao passo que os norte-americanos optavam pela estabilidade dos câmbios.
Em Bretton Woods foi preciso escolher, e levou tempo. Em Portugal também era preciso escolher nos fins de 1940. E que se fez? Fez-se uma política híbrida desde 1939 a 1942, pode mesmo dizer-se, ao verão de 1942, se a memória me não falha. Pelo Ministério da Economia ou por quem lhe fazia as vezes fez-se política de tabelamentos e não sei se já de racionamentos, isto é, de estabilização de preços. Pelo Ministério das Finanças fez-se política de estabilização de câmbios.
Pelo quadro n.° 9 do relatório do Sr. Ministro das Finanças se vê que durante os anos de 1939,1940,1941 e parte do de 1942, S. Ex.ª foi coerente com a política que escolhera, desinteressando-se completamente da inflação monetária. E assim, em 1940, em vez de reter poder de compra, libertou-o, no montante de 154:700 contos; no ano de 1941, libertou 14:500. Em 1942, já a inflação monetária ia em cerca de 100 por cento, o Sr. Ministro das Finanças mudou de rumo e passou a coadjuvar a política de estabilidade do poder de compra interno. Fez nesse ano um esforço vigoroso para aumentar as disponibilidades do Tesouro, dando-lhes um acréscimo de 1.606:000 contos. Mas esse impulso logo afrouxou no ano seguinte, e no fim de 1945 tinha-se chegado apenas a um aumento de 2.381:600 contos. Isto para fazer face a quê? A uma avalanche de mais de 18 milhões de contos de ouro e de cambiais! Parece-nos realmente pouco e tardio.
Além do recurso ao imposto e ao crédito, que deu o que acabamos de ver, recorreu o Sr. Ministro das Finanças à venda de ouro. Ato que ponto foi levada esta política não o diz S. Ex.ª nem é fácil de averiguar. É possível que o Banco de Portugal diga alguma coisa a esse respeito no seu relatório de 1946. Pela minha parte digo que me parecia muito mais útil seguir para o ouro exactamente a mesma política que se tem seguido para a prata. Salvo melhor opinião, o ouro que se tem gasto nesta política é muito mal aplicado. A quanto monta não sei, e por isso dou o caso por arrumado.
O que sei é que os contrabandistas têm tirado grandes lucros com a passagem do nosso ouro lá para fora.
Dissemos que o Sr. Ministro das Finanças mudou de política em 1942, e foi verdade, mas não totalmente, pois que manteve a estabilidade cambial que inicialmente escolhera. Salvo melhor opinião, parece-me que isto foi um gravo erro, além de ser contraditório, como já dissemos.
Se se tem feito uma política monetária coerente, abandonando a estabilidade cambial, a concorrência entre os beligerantes far-se-ia em preços - ouro e não em preços-escudo. O ouro e a moeda estrangeira desvalorizar-se-iam em relação ao escudo. Nós receberíamos o mesmo ouro e as mesmas cambiais, a Inglaterra receberia o mesmo volfrâmio e os mesmos produtos. Mas os escudos postos em circulação seriam em muito menor número. Os preços dos produtos importados teriam sido muito mais baixos, numa palavra, a inflação teria sido muito menor.
Desta política incoerente resultou uma inflação monetária maciça, acompanhada de uma política de compressão e distorção de preços, de que o Sr. Ministro das Finanças nenhuma culpa tem. Mas desta simbiose resultou qualquer coisa de parecido ao que sucedeu nos países beligerantes, porque, ainda que vagamente, pôs-se em marcha um sistema semelhante ao deles, de que derivaram, como era natural, consequências parecidas.
Como o papel-moeda em circulação aumentou em proporções muito superiores à subida geral dos preços, sucedeu que as notas emitidas regressaram, em parte, ao Banco de Portugal debaixo da forma de circulação potencial; outra parte imobilizou-se no pé-de-meia dos particulares; o resto passou a circular nos canais habitualmente ocupados pela circulação bancária.
Entrou em jogo o factor velocidade, em sentido negativo, e o mercado encharcou-se em dinheiro, As taxas do desconto e redesconto baixaram até 21/2 e 2 por cento respectivamente o os juros dos depósitos à ordem quase se anularam apesar dos esforços do Sr. Ministro das Finanças em sentido contrário. Até o juro dos depósitos a prazo ficou reduzido a muito pouco, apesar da progressiva carestia da vida, que o mesmo ó que dizer da desvalorização da moeda.
Para ver até que ponto chegou o encharcamento em notas, é elucidativa a evolução da carteira comercial do Banco de Portugal a partir de 1938:

Total dos efeitos entrados
(Contos)

[Ver Tabela na Imagem]

Os efeitos descontados foram aumentando em capital até ao fim do ano de 1940, para em seguida começarem a baixar rapidamente, estabilizando-se em 1942 e 1943, para em seguida tornarem a subir, até que em 1945 atingiram o nível nominal de 1938.
Quer dizer, a partir de 1941, justamente quando a inflação monetária se intensificou, o recurso ao desconto e redesconto do banco emissor começou a diminuir, o que explica a baixa das respectivas taxas.
E note-se que o recurso ao desconto e redesconto só aparentemente começou a subir em 1944, porque ó preciso notar que a moeda se desvalorizou.

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Para o nível do desconto e redesconto do Banco de Portugal atingir a normalidade precisa de ir para o quádruplo do que foi em 1039, isto é, para mais de 7 milhões de contos.
O movimento iniciado em Julho próximo passado no sentido de um maior recurso ao desconto e redesconto é tudo que há de mais natural e de mais lógico. À medida que o nível dos preços vai subindo, impelido por aquela lei natural a que nos vimos referindo, o volume da circulação monetária e bancária exigido pelo giro comercial é cada vez maior. Os pés-de-meia dos particulares vão-se esvaziando e o regresso à normalidade da circulação bancária acaba por se tornar necessário. Isto não é sintoma de que a moeda se está a valorizar, como certos anunciaram; é, pelo contrário, sinal certo de que a desvalorização já existente está lançando raízes profundas e a preparar-se para nova arrancada. É crise parecida com uma falta de trocos.
Consta que a Banca, alarmada com esta reviravolta que também se está a dar nos Estados Unidos e pelas mesmíssimas razões, iniciou uma política deflacionista, que leva à asfixia das pequenas casas comerciais e industriais. Não queremos crer que isto seja verdade. Se o for, revela duas coisas, ambas péssimas: incompreensão do fenómeno por parte dos banqueiros e inconsciência das obrigações que impendem sobre a Banca como criadora e dispensadora da circulação bancária. Os bancos têm obrigação de fazer o desconto e de abrir créditos às firmas que lhe mereçam confiança. Se o não fizerem dentro dos limites das suas possibilidades e de harmonia com as necessidades da circulação dos produtos, faltam ao seu primacial dever.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-E a sua falta pode acarretar-lhes num futuro próximo consequências graves, porque estamos vivendo um momento histórico em que vastos sectores da opinião pública, guiados mais pelo instinto do que pela razão, pretendem a nacionalização dos bancos de desconto, a começar pêlos bancos emissores.
Como acabámos de ver, Sr. Presidente, o fundamento que serviu do base aos meus discursos sobre as leis de meios para o ano findo e para o corrente, não só é verdadeiro em economia liberal, como as estatísticas e a História o demonstram, mas também o é igualmente em economia dirigida. Mais ainda: foi ele que serviu de base teórica à política de moeda dirigida, seguida para remediar a crise de 1929 e para financiar a guerra, e é ainda ele que explica os sucessos e insucessos dessa política.
O meu último discurso sobre a lei de meios não fez mais do que tirar deste princípio as consequências que nele se contêm e procurar explicar, com a sua ajuda, grande parte das dificuldades com que hoje se debate a imensa maioria da população portuguesa.
A prova mais clara da verdade desse princípio está em que, exclusivamente com a sua ajuda, eu venho desde 1940 prevendo o futuro com uma justeza que só os cegos poderão deixar de ver.
Eu, o teórico, denunciei a inflação logo no seu início, previ as consequências fatais que a política seguida pelo Governo teria sobre os preços e as dificuldades que viria a criar à imensa maioria da população portuguesa; previ os embaraços em que o País hoje se debate, em grande parte criados pela inflação monetária. Qualquer pais, mesmo sem guerras, nem secas, se entrar pelo caminho da inflação monetária, provocará a desvalorização da sua moeda. E se lhe acrescentar a política de distorção dos preços, vencimentos e salários, por meio de tabelamentos e racionamentos parciais e arbitrários, passará pelas mesmas penas que nós estamos sofrendo, que são as clássicas da inflação. Vêm descritas em todos os livros, são fáceis de prever. Como igualmente fáceis de
prever são as dificuldades verdadeiramente catastróficas que advirão se a esta política automaticamente inflacionista se seguir outra automaticamente deflacionista, que muitos esperam para remédio da situação actual com uma serenidade de arrepiar.
Já se disse e repetiu que em Portugal sucedeu o mesmo que lá fora. Também aqui é preciso distinguir. Na Inglaterra, que sofreu cinco anos de guerra, um dos quais em que pelejou sozinha, a circulação monetária apenas duplicou!
Não tenho presente o caso da Suécia. Mas se lá se repetiram os mesmos processos de cá, não me parece que disso nos possa vir grande consolo.
Mas será irremediável a nossa situação?
Creio bem quo não, porque o conjunto de circunstancias que nos trouxe o veneno trouxe-nos também a teriaga. Eu me explico. A nossa melindrosíssima posição durante as hostilidades, se por um lado nos obrigou à inflação, como muito bem acentuou o ilustre orador Sr. Dr. Bustorff da Silva, por outro meteu-nos pela porta dentro a famosa cobertura, base suficiente paru salvaguarda do futuro.
E aqui permita-se-me um parêntese. Pode parecer à primeira vista que alguns dos oradores que intervieram neste debate atribuem à política monetária seguida a aquisição dessa cobertura. Ora a verdade é que, fosse qual fosse a política seguida, a cobertura obtida seria sempre bastante para cobrir a circulação emitida e por outro lado, como não havia meio de a gastar lá fora, em vista das mesmas circunstancias, a solidez da moeda no mercado externo ficaria sempre assegurada.

O Sr. Botelho Moniz:- Muito bem!

O Orador:- O Governo Português colheu com a sua estupenda política de guerra louros suficientes para poder dispensar penas de pavão.
O meu ilustre amigo Dr. Ulisses Cortês perguntou-me, pelo menos indirectamente, quais os remédios que preconizo para sair da situação actual.
Neste ponto peço licença para reservar a minha opinião. Não quero tomar compromissos num aspecto que está a mudar de dia para dia. O que hoje é praticável pode amanhã tornar-se impossível. Quais os objectivos a atingir, esses sim, que são sempre os mesmos e já os expus claramente nos discursos anteriores.
E agora, meus senhores, para terminar, não posso deixar de agradecer a V. Ex.ªs a atenção com que me distinguiram e que sempre tiveram para comigo, mesmo quando de mim discordaram; e essa gentileza agradeço-a muito especialmente ao Sr. Dr. Bustorft da Silva pela apreciação que fez das minhas ideias e das minhas opiniões.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:- Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
António Augusto Esteves Mendes Correia.

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1 DE MARÇO DE 1947 705

António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Diogo Pacheco de Amorim.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Teotónio Machado Pires.

Sr s. Deputados que faltaram à sessão:

Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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