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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 97
ANO DE 1947 6 DE MARÇO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 97 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
Em 5 de MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera os elementos fornecidos pela Emissora Nacional a requerimento do Sr. Deputado Braga da Cruz.
Ordem do dia. - Foi aprovado o texto, apresentado pela Comissão de Legislação e Redacção, da proposta de lei de reorganização dos estabelecimentos fabris dependentes do Ministério da Guerra.
Foi aprovada por unanimidade uma moção, apresentada por vários Srs. Deputados, sugerindo ao Governo a cunhagem de duas moedas de ouro comemorativas da reconstrução financeira e da tomada de Lisboa aos Mouros.
O Sr. Deputado Figueiroa Rego efectuou o seu aviso prévio acerca do problema das lãs.
O Sr. Presidente concedeu a generalização do debate, a requerimento do Sr. Deputado Nunes Mexia, que em seguida usou da palavra.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Alberto de Sonsa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
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João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Lufo Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Franca Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 86 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Grémio Nacional dos Cinemas agradecendo o interesse que mereceu à Assembleia Nacional o estudo e discussão do decreto-lei de protecção ao cinema nacional.
Do Sindicato Nacional dos Empregados de Seguros do Distrito de Lisboa, em que refere a situação precária da sua classe, devido aos baixos vencimentos auferidos e à falta de revisão do contrato colectivo de trabalho.
Exposições
Subscrita por Vítor da Silva Lisboa, em que discorda do projecto de lei sobre o inquilinato.
Subscrita por Manuel Novo da Cruz, em idêntico sentido.
Ofício
Da Associação Académica do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, secção aduaneira, manifestando a sua concordância com as considerações do Sr. Deputado Mendes Correia em defesa dos interesses dos licenciados por aquela secção.
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que estão na Mesa os elementos fornecidos pela Emissora Nacional de Radiodifusão, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Maria Braga da Cruz.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, da proposta de lei relativa aos estabelecimentos fabris dependentes do Ministério da Guerra.
Está em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer consideração sobre o referido texto, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à votação da última moção relativa ao aviso prévio sobre política monetária.
Tinha sido apresentada uma moção pelo Sr. Deputado Botelho Moniz e outros Srs. Deputados relativa à cunhagem de medalhas de ouro, de que V. Ex.ªs já têm conhecimento.
Vai votar-se essa moção.
Antes, porém, vai ler-se novamente.
Foi lida. É a seguinte:
«A Assembleia Nacional, reconhecendo a vantagem de comemorar a reconstrução financeira de Portugal e de integrar essa comemoração no centenário da conquista da capital do Império:
Sugere ao Sr. Ministro das Finanças que considere as possibilidades de a Casa da Moeda ser autorizada a cunhar um número ilimitado de unidades, mediante pagamento da taxa de cunhagem que for estabelecida, e em troca de ouro fornecido voluntária e exclusivamente por particulares, de dois tipos de moedas comemorativas, com toque idêntico ao estabelecido pela legislação para as moedas de ouro, tendo no verso e reverso respectivamente a primeira a efígie do Chefe do Estado, general Oscar Carmona, com a data de 28 de Maio de 1926, e o escudo da cidade de Lisboa, com data da sua conquista, e a segunda a efígie do Presidente do Conselho, antigo Ministro das Finanças, Dr. António de Oliveira Salazar,
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com a data da sua primeira posse do cargo de Ministro das Finanças, e o escudo da cidade de Lisboa, com a data da sua conquista».
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a moção que acaba de ser lida.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: creio que a moção foi aprovada por unanimidade. E, nessa conformidade, pedia que ficasse consignado no Diário das Sessões que essa aprovação foi por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Sim, senhor. Será feita essa monção no Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego, sobro o problema das lãs.
Tem a palavra o Sr. Deputado Figueiroa Rego.
O Sr. Figueiroa Rego: - Sr. Presidente: o problema das lãs tornou-se uma peça do grande metragem.
Regozijo-me por ter renovado o assunto nesta sessão legislativa, sobretudo por ter requerido este aviso prévio para que se possa tratá-lo com largueza, para esclarecimento completo do País.
Antes de mais, três declarações preambulares se me impõem:
1.ª É natural que a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios defenda os interesses que orienta e domina, mas até onde for justo, isto é, num disciplinado espírito de coordenação;
2.ª Não faço uso de documentos da comissão de inquérito à organização corporativa, respeitando o compromisso noticiado à Câmara pelo Sr. Doutor Mário de Figueiredo, mui ilustre catedrático e parlamentar, a quem tributo a maior admiração e estima;
3.ª Apenas os interesses nacionais, e em especial os da lavoura e dos consumidores, me preocupam, não tendo a mais leve ligação com quaisquer outros.
Releve-se-me a imodéstia, mas quero afirmar o grande interesse moral, meramente técnico, com que, há longos anos, acompanho o problema.
Estou certo de que o debate decorrerá com elevação e proveito, sem habilidades ou mero sentido de controvérsia, dentro do conceito nacional e até imperial.
Não fui claro no meu discurso de 10 de Janeiro, ou não me quiseram compreender. Não confundamos, por Deus.
Nada tem que ver o inquérito reclamado com o da comissão a que tenho a honra de pertencer; aquele que preconizo é muito especial e restrito, à margem da organização, porque as suas determinantes ocorreriam mesmo em regime de economia liberal.
A minha atitude visa a averiguar-se das razões da avultada importação de lãs em 1946, do confronto dos preços médios da lã nacional, dos seus reflexos na nossa balança comercial, no mercado das cambiais e na produção lanar portuguesa; acessòriamente, investigar da necessidade de instalar nova ou novas fábricas de lavagem e penteação, utilizando ou não as quarenta e quatro penteadeiras existentes, algumas abandonadas, outras quase sucata, segundo informação fidedigna.
Por último, ajuizar-se da conveniência de autonomizar ou ligar as novas unidades fabris à indústria consumidora ou à produção e da sua melhor localização.
Esse inquérito iniciámo-lo nós aqui; mas isso não obsta a que se ouçam também todas as entidades e organismos empenhados na produção e transformação da lã.
Não negamos encómios à proficiência e honorabilidade de quem está hoje à frente dos destinos da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, mas seja-me consentido afirmar que os problemas adstritos a esta têm sido encarados unilateralmente e com facciosismo.
As representações que chegaram à Assembleia Nacional são deveras elucidativas. Comentando-as, justifico simultâneamente os pontos fundamentais do meu aviso prévio e dou o meu contributo para esclarecer a Câmara e o Governo.
Perdoem V. Ex.ªs o fastidioso dos números, mas não posso fugir-lhes. Não vou com eles fazer jogos malabares, mas interpretá-los para desfazer incongruências e corroborar asserções.
E basta de preliminares, passando a analisar objectivamente o problema, no que tenho de me repetir e mesmo corrigir, não por exageros, mas por deficiências.
Sr. Presidente: a importação e a exportação das lãs carecem, de facto, pelas portarias n.ºs 11:197 e 11:566, de 13 de Dezembro de 1945 e 13 de Novembro de 1946, de licença, hoje meramente formal, da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, ouvida a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, porque não me consta que se tivesse inquirido das necessidades reais e justas da indústria, correlacionarias com as possibilidades da produção.
Por demais é sabido que as lãs nacionais não satisfazem todas as exigências das várias modalidades da indústria, mas suprem-nas em mais de 60 por cento quanto às merinas e cruzadas c excedem-nas quanto às churras, que na maior parte são normalmente exportadas, mas que, devidamente equipada a indústria, melhor e mais largo consumo poderão ter.
Quer dizer: o caso passou a ser tratado unilateralmente, com menosprezo pela acção coordenadora imposta pelo artigo 1.° do decreto-lei n.° 31:410, de 21 do Julho de 1941, que reza:
Compete à Junta Nacional dos Produtos Pecuários, além das atribuições que lhe foram conferidas pelo decreto-lei n.° 29:749, coordenar e disciplinar os organismos corporativos da produção, indústria e comércio das lãs e respectivas actividades.
Determinou a promulgação deste diploma a confusão que já então reinava no mercado das lãs - que se agravou -, devida à subida das cotações no estrangeiro, às contingências do reabastecimento e à psicose dos lucros.
Justificou-a, ainda, a necessidade de tabelar os penteados e os fios com base nos preços das lãs e exercer-se uma acção fiscalizadora na margem de lucros nos tecidos e nos artefactos.
Procurou-se obstar a que o comércio enveredasse pelo açambarcamento e pela especulação. E tentou-se libertar a lavoura da acção depressiva da concorrência estrangeira, dando-se-lhe um preço remunerador e estimulador do seu desenvolvimento e prosperidade, para poupar ao País largas somas despendidas com a importação.
São estes os salutares princípios que informam o referido diploma. Em resumo os aponto, como testemunho oficial da afirmação, que fiz e sustento, do sentido especulativo que sempre dominou a indústria, acostumada a sofismar ou desrespeitar aquela sã doutrina, funcionando como um autêntico cartel.
Não faltam documentos para o comprovar. Estou, porém, inibido de usá-los, como também de lavar a lã «suja» do Cabo e da Espanha, o caso das mantas e quejandos, mesmo porque isso é história antiga ...
Sr. Presidente: não cabe aos industriais decidir das importações pelas suas exclusivas conveniências, mas
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ponderá-las e coordená-las com as dos outros sectores do ciclo económico do têxtil.
Não podem nortear-se apenas pelas cotações dos mercados externos. A moagem não podia importar sem que tivesse comprado todas os nossos trigos, pagos desde 1899 até há pouco por preços superiores aos dos cereais exóticos, graças à lei da fome na opinião de alguns e que eu classifico de lei da abastança e de salvação pública.
Do mesmo modo os industriais de lanifícios têm de condicionar a sua actividade importadora ao interesse geral, a bem da economia e da defesa nacionais, como eloquentemente se comprovou no decurso da guerra.
O fomento da ovinicultura não foi uma política vã.
«A protecção que lhe tem sido dispensada» (palavras da portaria n.° 11:197) «deu resultados palpáveis e não devem perder-se» (completo-as com as do relatório do decreto-lei n.° 31:410).
Esclareça-se desde já a fundo este ponto.
Sr. Presidente: entram agora em função os números, de que tenho de me servir, por mais enfadonho que seja.
A importação das lãs sujas, lavadas, penteados e fios, média anual no quinquénio de 1935 a 1939, foi apenas, com poucas variantes, de 3.179:028 quilogramas na base de sujo, adoptados os coeficientes que a prática internacional utiliza.
As lãs entradas de 1940 a, 1945 totalizam 8.104:890 quilogramas.
A média deduzida para o sexénio foi de 1.350:815 quilogramas, elevada pela importação de 1945, que subiu a 2.304:995 quilogramas, dadas as maiores facilidades de aquisição nos mercados externos e de transportes.
As lãs sujas e em vários estados de transformação entradas de Janeiro a 31 de Dezembro de 1946 atingem e equivalem à avultada cifra de 14.056:530 quilogramas na base de sujo, dos quais naquela data já tinham pago taxas e ficado em condições de ser levantados 12.761:535 quilogramas. Convém fixar que este número se fracciona em 4.102:820 quilogramas de lã suja, 6.899:492 quilogramas de lã lavada, 1.544:118 quilogramas de lã penteada e 215:105 quilogramas de fio, tudo na base de sujo.
A disparidade entre os 15 milhões, números redondos, que citei no meu discurso de 10 de Janeiro, dizendo que era lã entrada e autorizada, e os agora referidos não existe. Todavia impressiona o confronto com os dados da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, mesmo que se refiram só até Novembro, exclusive, acrescento eu.
Só neste mês e em Dezembro entraram 2.209:000 quilogramas de lã em vários estados. E estão passadas licenças até ao fim de 1946 para o melhor de 16.516:000 quilogramas na base de sujo!
Posto isto, ponderem V. Ex.ªs como fomos levados ... à conclusão chocante de uma grossa e inexistente disparidade, que afinal peca por defeito.
Permitam V. Ex.ªs que resuma e fixe, antes de mais, o seguinte:
Totais de lãs importadas
(Na base de sujo)
Quilogramas
De 1935 a 1939 ............. 15.895:142
De 1940 a 1945 ............. 8.104:890
Em 1946 .................... 14.056:530
É ou não uma importação maciça e imponderada, cujo montante se aproxima ou excederá o total entrado no quinquénio anterior à guerra?
Que necessidades ou perspectivas a justificam? Não sei, porque o segredo é a alma do negócio.
A indústria ocorreu, embora forçadamente e com restrições, às mais prementes necessidades do vestuário nacional e às aquisições extraordinárias do exército no período crítico da beligerância. A produção nacional, os cautelosos stocks anteriores e as fracas importações deram para tanto, e até para a indústria exportar, a partir de 1939, 47:756 quilogramas de fio, de cuja falta a tecelagem se ressentiu, e 4.029:535 quilogramas de tecidos e artefactos, no valor de cerca de 276:550 contos, fonte de vultosos lucros.
As decantadas reservas não cobriram os deficits emergentes das escassas importações de 1939 a 1945. Neste ano, como se viu, entraram 72,5 por cento da média anual do quinquénio anterior à guerra.
A importação é intempestiva, porque há lãs da colheita de 1946 por trabalhar, embora a maior parte na mão dos comerciantes, e porque estamos nas vizinhanças da nova tosquia.
É louvável a aspiração de refazer os stocks para garantir o trabalho normal dos operários e das máquinas no ritmo anterior à guerra ou um pouco superior. Não exigiria isso, aipos cuidado estudo, mais do que 5 milhões de quilogramas, ou seja mais 36 por cento do que a média do ante-guerra.
Não colhe, já agora, a lamentação de que se deixaram de importar 12.600:000 quilogramas nos anos de 1939 a 1944.
E assim decaímos naturalmente na demonstração das possibilidades da produção nacional, para o que remontaremos a 1930.
Sr. Presidente: as nossas estatísticas são muito precárias. Os números são decalcados sobre os manifestos dos produtores, sempre defeituosos e deficientes.
Portugal, em 1930, ocupava os 2.° e 4.° lugares na estatística europeia dos ovinos, consoante os índices geográfico e demográfico, e julgo que os conservamos. E não se diga que essa posição é sinal de pobreza ou atraso, mas determinada pelas nossas condições agrológicas e climáticas.
Nesse ano foram manifestados 2.739:280 quilogramas; em 1940, 5.807:493 quilogramas, e em 1944, 6.386:458 quilogramas de lã.
Pelo arrolamento geral de gados de 1940 verificou-se que a produção subiu para 8.100:000 quilogramas, como discriminadamente citei.
Esta cifra é de aceitar e manter, por mais consentânea com o aumento progressivo dos efectivos ovinos - até aos anos das graves estiagens -, que subiram cerca de 100:000 cabeças por ano, ou seja 500:000 cabeças, a que corresponde o acréscimo de cerca de l milhão de quilogramas de velos, números redondos.
Esta asserção é ainda confirmada pelas quantidades de lã adquiridas em 1944, que totalizaram 7.198:588 quilogramas, superiores às indicadas pelo Instituto Nacional de Estatística. Essas quantidades distribuem-se pelas classes fundamentais seguintes:
Quilogramas
Merinas brancas e pigmentadas ............... 1.581:016
Primas e cruzadas brancas e pigmentadas ..... 2.750:925
Churras brancas e pigmentadas ............... 2.866:647
Elucidativas são também as percentagens das lãs merinas, pretas e brancas, dentro do total das não churras:
Percentagens
Merinas finas e correntes .......... 36,25
Primas e cruzadas .................. 63,75
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Destes números e dos anteriores ressaltam as possibilidades que o nosso rebanho oferece à indústria, que nos limites do razoável satisfaz mais de 60 por cento das suas necessidades normais, o que é imperioso considerar.
De resto, já antes da guerra a indústria confeccionava artefactos exclusivamente com lãs nacionais, que para certos tecidos são superiores às do Cabo e da Austrália. Há mesmo países que preferem lã com as características da nossa. «Nunca como agora a indústria tem tanta necessidade dela para a lotar com a do Cabo, de fibra mais curta, dando, por isso, tecidos moles e quebradiços», como diz a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios.
Vamos agora à ária dos preços.
Sr. Presidente: em 1931 a produção lanar mundial lutou com uma tremenda crise. Os preços desceram a um nível de que não havia memória. Os seus efeitos para nós foram desastrosíssimos.
A curva dos preços exibida pela Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, depois de corrigida com os veros números, revela e confirma que as lãs nacionais de 1936 a 1939, em mercado livre e com a feroz protecção pautal à indústria, eram pagas a 60 por cento menos ido que as cotações externas, chegando algumas vezes a diferença a ser maior.
O Sr. Cerveira Pinto: - V. Ex.ª quer fundamentar na protecção à indústria a depreciação da lã nacional?
O Orador: - Não senhor! Eu disse que não ignorava que lá fora, não obstante a protecção à indústria, a lã desceu.
O Sr. Cerveira Pinto: - Pareceu-me entender que a protecção à indústria fora a causa da depreciação da lã nacional. Ora, parece-me que a protecção é a favor da lã.
O Orador: - Mas não resultou dai vantagem nenhuma.
Foi de 1939 em diante, graças às judiciosas medidas do Governo e à intervenção da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, que os preços das lãs merinas subiram para 38$50 em 1941, ultrapassando as cotações externas; não as atingiram em 1942, para excedê-las de novo em 1944; em 1945 aproximaram-se, para subirem de novo em 1946, tendo-se em conta elementos do relatório da própria Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios.
A desordem dos preços elevou-os em 1945 a 67$85 para pequenas compras especiais feitas pela Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios aos 141 produtores por ela citados, preços de que os lavradores não beneficiaram, visto incluírem taxas, lucros da lavagem e porventura outras despesas não correntes.
Em 1945 os verdadeiros preços das lãs merinas nacionais entregues à indústria, em lavado, apreciam-se melhor pelos seguintes números:
62:160 quilogramas a preços de 44$ a 47$ por quilograma;
48:318 quilogramas a preços de 47$ a 50$ por quilograma;
25:348 quilogramas a preços de 50$ a 55$ por quilograma.
Daqui resulta uma média ponderai de 47$87(3).
É este o são critério em estatística comparada.
Os preços do gráfico do relatório da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios atribuídos às lãs exóticas reportam-se à mercadoria F. O. B. e C. I. F.; não são portanto comparáveis com os das lãs nacionais entregues à indústria.
Entretanto é interessante relacionar os preços de 1945 e 1946 nos mercados interno e externo:
Lãs nacionais (merino fino)
1945 - 49$30 (preço da tabela).
1946 - 52$64 (mercado livre).
Aumento, 6,4 por cento.
Lãs da Austrália
1945 - 38,5 dinheiros.
1946 - 62,5 dinheiros.
Aumento, 38,6 por cento.
Preços estes relativos aos tipos 58 s/60 s, inferiores, como se sabe, ao merino fino nacional.
O Sr. Cerveira Pinto: - V. Ex.ª está dando a impressão de que em 1945-1946 as lãs estrangeiras subiram muito mais do que as nacionais. Ora as lãs nacionais tinham subido de uma maneira extraordinária, ao passo que as outras tinham subido pouco.
E, não obstante esse aumento exagerado das lãs estrangeiras que se lhes quer atribuir, elas ficam mais baratas do que as nacionais.
O Sr. Botelho Moniz: - Há uma coisa que eu gostava que V. Ex.ª, Sr. Dr. Cerveira Pinto, me explicasse: é que eu há dois anos vendia lã mais cara do que vendia há um ano ...
O Orador: - O próprio gráfico da F. N. I. L. demonstra isso.
O Sr. Cerveira Pinto: - O que eu quero dizer é que a lã estrangeira está mais barata do que a lã nacional.
O Orador: - Eu registo todos os apartes que V. Ex.ªs me fizerem, porque estou convencido de que em segunda intervenção rebatê-los-ei.
É de uma candidez simpática o paralelo com os preços anteriores à guerra. E pretende-se que a lã merina nacional não valha agora mais de 27$20, quando já se pagou a 52$64 e quando se verifica uma acentuada alta mundial?!
O Sr. Cerveira Pinto: - V. Ex.ª pode dar-me um esclarecimento?
Em 1945 em quanto estava tabelada a lá nacional?
O Orador: - Eu vou dizer a V. Ex.ª: estava em 52$64.
O Sr. Cerveira Pinto: - E nessa mesma data qual era o preço da lã estrangeira?
O Orador: - Era de 43$, segundo o gráfico da F. N. I. L.
O Sr. Cerveira Pinto: - Então era mais barata ...
O Orador: - Mas os preços não são comparáveis, porque os das lãs estrangeiras são dados C. I. F. ou F. O. B. O preço dado pela própria F. N. I. L., depois de corrigido, é de 55$, números redondos.
A colheita de 1946 está ainda em parte nas maus dos negociantes c nas de produtores. Segundo um telegrama que recebi, só na região de Idanha-a-Nova, na posse dos noventa e dois lavradores signatários, estão por vender mais de 20:000 quilogramas de lã merina, da mais fina do País. Da Junta de Freguesia de Lar-
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dosa, concelho do Castelo Branco, recebi um ofício comunicando que, em sessão extraordinária, resolveu participar-me que todos os lavradores da sua paróquia tinham as lãs por vender, apesar de as terem oferecido aos industriais dos centros vizinhos de Tortosendo, Covilhã e Cebolais de Cima.
Há muitas outras provas semelhantes da desnecessária e intempestiva importação maciça feita à sombra da portaria n.° 11:197, que nem um pretendido exagero de cotações justifica.
Mas onde houver excessos, sou de opinião que se coibam, coordenando todas as actividades.
A margem das taxas de laboração, das percentagens para quebras e dos lucros nas várias fases de preparação e fabrico é tão larga que permitiu, e permite, manter os preços dos tecidos.
Os encargos que pesam sobre a lã suja, estado em que é vendida pelo produtor (salvo raras e recentes excepções), até chegar ao consumidor, são certamente excessivos em relação aos da indústria dos países mais adiantados.
Os lucros acumulam-se quando é o mesmo industrial a lavar, pentear, fiar, tecer e ultimar e atingem um volume de encantar. Mas alguns não ficam por aqui; arrecadam os lucros fixados para os armazenistas, vendendo directamente aos retalhistas, aos alfaiates e até ao público.
Não fujo à tentação de dar aqui, em resumo, a opinião do Sr. coronel Fernando Valadas Vieira, antigo presidente da comissão de fiscalização dos preços de tecidos, pessoa competente na matéria:
1.ª A lã nacional precisa uma garantia de preço, sendo justo que participe do acréscimo lucrativo da indústria, sem que isso lhe sirva de pretexto para encarecer os tecidos ou aviltar-lhes a qualidade;
2.ª O condicionamento já não existe, porque a indústria intervém unilateralmente na fixação dos preços, em cujo cálculo entram taxas de laboração, percentagens para quebras, despesas gerais e lucros exagerados, que se acumulam.
Não há, pois, ensanchas para especulação?! ...
A generosa indústria clama, contra o facto de os nossos camponeses terem de pagar o surrobeco ou a casimira cardada pelo preço dos tecidos finos usados pelos citadinos.
A esta elegante passagem da representação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios responde o Sr. presidente do Grémio da Lavoura do Crato, cujas palavras perfilho e cito:
Não é exacto que os preços dos melhores tecidos de lã estrangeira para as classes abastadas sejam idênticos aos do surrobeco para os rurais, o qual custa na região 75$ o metro, ao passo que o custo dos primeiros atinge o dobro, ou mais do dobro, com menor peso do lã por metro.
O Sr. Cerveira Pinto: - O Sr. presidente do Grémio da Lavoura do Crato parece que quer contradizer o Sr. presidente da Federação de Lanifícios quando este afirma que o surrobeco está quase pelo preço dos tecidos finos. O que o Sr. presidente do Grémio diz não é verdade; ou, melhor, é só meia verdade.
O metro de flanela custava em 1939 60$, preço industrial, e hoje é vendido ao armazenista por 90$; o surrobeco, que custava 33$, custa hoje 89$; portanto, menos 1$ do que a flanela fina.
Talvez o Sr. presidente do Grémio da Lavoura do Crato se refira ao surrobeco ordinário.
O Orador: - Os preços que V. Ex.ª aponta vêm corroborar a minha tese.
O que me parece é que o Sr. presidente do Grémio da Lavoura do Crato diz toda a verdade, e não aquilo a que V. Ex.ª chama meia verdade.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o prazer. Estou encantado pelo interesse que a Câmara está tomando neste assunto.
O Sr. Botelho Moniz: - Simplesmente para um esclarecimento. Como industrial que sou, o que acabo de ouvir ao Sr. Deputado Cerveira Pinto tem uma explicação perfeita.
É que em tecidos, como em outros artigos manufacturados, há o factor matéria-prima e o factor mão-de-obra. Quando o produto é muito pesado por metro o factor matéria-prima sobe, e é evidente que o tecido leve sobe menos que o tecido altamente pesado.
O Orador: - A influência da matéria-prima é, em números redondos, representada apenas por 25 por cento.
Nada deixa prever que os tecidos correntes tenham uma desmedida procura, porque a capacidade de compra da maioria dos consumidores não aumentou nem aumentará tão cedo, infelizmente.
Para compensar a indústria do aumento dos salários e dos maiores encargos sociais, lembro a V. Ex.ª que, para isso e na devida oportunidade, foram elevadas as taxas de fabrico e os preços dos tecidos (portaria n.° 10:998, de 19 de Junho de 1945).
Estes têm de baixar em relação ao preço da lã e ao maior volume e melhores condições de trabalho da indústria. A redução do custo unitário justifica a diminuição das taxas de laboração e das enormes margens de lucro. As tabelas de preços dos tecidos devem ser abolidas ou, pelo menos, reduzidas.
Assim defendo os interesses do consumidor.
De resto, este fenómeno já começa a esboçar-se. Anuncia-se já nas montras a venda de artigos de lã com uma baixa de 10 por cento sobre os preços tabelados!
Confirmam-se, assim, as minhas previsões e deduções.
Cabia aqui uma invocação do marquês de Pombal.
Sr. Presidente: «A lã é um dos cinco artigos que pesam fortemente na nossa balança comercial», disse-o o Dr. Oliveira Salazar num dos seus magistrais relatórios das contas públicas.
Para salientar os reflexos da decorrente e colossal importação de lãs bastaria o confronto com a de algumas mercadorias e determinar, para os períodos considerados, a sua percentagem no movimento geral. Esse trabalho é demorado, por se ter de contar com a influência da guerra e dos nossos maus anos agrícolas.
É desconcertante terem de se movimentar 416:000 contos, números redondos, para o pagamento dos 16.516:000 quilogramas de lãs exóticas, cuja importação foi autorizada e dos quais já entraram, até 31 de Janeiro findo, 14.056:000 quilogramas. E aqui continuo a rectificar-me ...
As cambiais correspondentes, às cotações médias oficiais, excederão 4 milhões de libras, desfalcando-se assim desnecessàriamente as nossas reservas de divisas.
Se a importação fosse devidamente ponderada, não teríamos de distrair dessas reservas para pagamento dos 3.200:000 quilogramas, média do quinquénio de 1935 a 1939, mais de 800:000 libras, ou 1.250:000 libras para os 5 milhões de quilogramas, em que condescendemos.
Que destino vai dar a indústria aos stocks derivados dos 16.500:000 quilogramas a importar e que representam a cobertura das suas necessidades de três a quatro
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anos? Quais as consequências ruinosas para ela e para a produção se as tendências altistas momentâneas do mercado internacional da lã mudarem de sinal?!
Todos V. Ex.ªs prevêem, como eu, a acção depressiva na economia nacional dessa montanha de lã Todos V. Ex.ªs concordarão comigo que é um tremendo desfalque no mercado monetário e na reserva de divisas. Todos V. Ex.ªs concedem que é um capital empatado a vencer juros e a depreciar-se. A lã avaria-se, tanto mais que entraram 4.851:440 quilogramas de lã em rama suja que as nossas penteadeiras e fiações não poderão trabalhar em curto prazo, circunstância adversa à sua conservação.
O Sr. Melo Machado: - Algumas lãs estão nos cais a apodrecer e sobre a lama.
O Orador: - E outras marcharam em grande velocidade dos cais para Alhandra, porque estavam quase em condições de combustão espontânea.
Sr. Presidente: a salutar política de fomento lanar ruiu mercê da insubmissão e imponderação da indústria.
Tudo aconselhava a que se prosseguisse e animasse o aumento da produtividade unitária do nosso armentio, se melhorasse o quilate do velo, pela sua selecção, classificação e penteação, indo-se até ao abastecimento quase integral da indústria com matéria-prima nacional, diminuindo-se os encargos em ouro e retribuindo-se melhor a produção, fazendo-a participar dos lucros exagerados dos industriais, enriquecidos à sombra da protecção pautal.
Mas a perspectiva para eles, num futuro próximo, também não é risonha. São fáceis de deduzir as graves consequências do superaprovisionamento, das dificuldades de exportação de tecidos quanto a preços e da limitada capacidade de consumo do mercado interno.
Oxalá que 1947 não seja o limiar de uma nova e mais grave crise para a produção lanar e para a indústria dos lanifícios, como aquela de que saíram em 1939.
Mas o mais doloroso é verificar-se que os 363:339 contos, valor da nossa exportação de vinho do Porto em 1946, não cobrem a imoderada importação de lãs, que não hesito em classificar de delito de lesa-economia.
E para atermar este capítulo, um conceito genérico, à guisa de aviso:
Não se promovam importações, embora de subsistências, com o intuito de normalizar o mercado e combater a especulação dos preços, sem prévio, judicioso e ponderado estudo e só na medida do indispensável. Doutro modo caminhamos para um desequilíbrio financeiro, provocando-se o êxodo de cambiais e o esgotamento dos capitais amealhados, sem contrapartida no fomento e defesa da produção e de trabalho nacionais.
Sr. Presidente: não s descabida aqui a apreciação, fugindo a pormenores, das características das lãs nacionais, para se destruir a lenda do seu baixo quilate.
Não convém à indústria que a sua colheita, selecção, classificação e penteação se pratiquem consoante a técnica e o critério seguido pelos países mais adiantados, do que resultaria a justa valorização do têxtil e o estímulo para o fomento da nossa ovinicultura no sentido patriótico, senão de auto-suficiência, pelo menos da redução dos nossos tradicionais deficits.
Em 1930 tive a iniciativa do estudo zootécnico das lãs, montando para isso um laboratório devidamente apetrechado, no que se prosseguiu e frutificou. Hoje, graças a competentíssimos veterinários especializados, conhece-se bem o valor da nossa produção lanar.
Mais tarde tentei comprar unia equipe de lavagem e penteação para determinar experimentalmente o seu rendimento industrial, mas, por respeito pelas normas
da contabilidade, malogrou-se o empreendimento. Pensei depois efectivá-lo junto do Sindicato Agrícola de Serpa, com a colaboração do meu saudoso amigo Dr. Fernandes de Oliveira, ilustre primeiro Ministro da Agricultura, mas a míngua de fundos não o consentiu.
O que tinha em mira com isto?
Estudar e classificar as lãs nacionais pelas suas características zootécnicas e industriais, de modo a determinar o seu rendimento e valor reais.
Queria que os lavradores mandassem analisar a esse ou esses centros as suas lãs, como mandam determinar o peso específico dos seus trigos; enfim, procurava a sua defesa perante a indústria dos lanifícios, como a têm em relação à da moagem.
Em tempos, como diz o meu ilustre correspondente, para esta só havia trigo, como para aquela só há lã.
Hoje há trigos moles e rijos, que se pagam segundo a tabela oficial, consoante o seu peso por hectolitro.
É preciso que as lãs se paguem segundo uma escala oficial, conforme os seus tipos e a sua cor e pelos respectivos rendimentos na lavagem.
Para isso a Junta Nacional dos Produtos Pecuários colheu os necessários elementos quando seguiu o trabalho de lavagem, de penteação e de classificação das lãs adquiridas à lavoura durante as campanhas lanares de 1943, 1944 e 1945.
A escala de classificação das lãs nacionais existe; foi proposta e aprovada oficialmente.
Pode fazer-se o confronto das classes referidas naquela escala com idênticos tipos das escalas estrangeiras; assim:
1.º Os merinos finos correspondem aos merinos 110/105 da escala francesa e aos 64's da inglesa;
2.º Os merinos correntes equivalem aos merinos 100 da escala francesa e aos 60's da inglesa;
3.º As lãs primas correspondem às 58's da escala inglesa e às primes dos franceses;
4.º As lãs cruzadas equivalem aos n.08 46's a 56's dos ingleses e às cruzadas I a IV da escala francesa.
As lãs nacionais dos tipos merinos e cruzados são apreciadas para tecidos menos macios, mais pesados e resistentes, e portanto mais duráveis.
As da Austrália, pela sua finura, toque e brancura, estão naturalmente indicadas para o fabrico de tecidos mais finos, leves e maleáveis.
Para aqui respigo, dando-lhes relevo, como oportunas, as opiniões dos abalizados e competentes industriais citados na representação da lavoura: «... o aspecto fundamental da indústria dos lanifícios é o aproveitamento integral das lãs nacionais; ... não se curou o seu estudo e não se protegeram os esforços para o conseguir».
A indústria de penteação autónoma «conseguiu já, de resto, magníficos penteados com as lãs portuguesas...».
Para conseguir «de modo completo o seu melhor aproveitamento, falta a essas empresas competência técnica para corresponder às exigências da tecelagem e do comércio de lanifícios; falta-lhes também capacidade produtora qualificada, porque na aquisição da sua maquinaria o único critério dominante foi produzir muito e utilizando penteados finos ... e porque o fabrico está bem protegido pela pauta e pelo regime de quase exclusivo».
«... em todas as instalações existentes conta-se apenas com as lãs finas e seleccionadas que os estrangeiros nos fornecem ... e nem se previu que um dia quiséssemos deixar de mandar para o estrangeiro o quase meio milhão de libras com que pagamos as lãs e os fios».
Para que V. Ex.ªs fiquem melhor elucidados, recomendo a leitura daquele documento.
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Para rematar esta ordem de apreciações, extracto os seguintes períodos do relatório do decreto-lei n.º 29:749, de 13 de Julho de 1939:
... as lãs nacionais distinguem-se por algumas propriedades de real valor, tais como o brilho, o nervo e o que na linguagem industrial se chama crochet ou aptidão para fiar. Diz-se que a lã nacional fia por si.
O Sr. Cerveira Pinto: - V. Ex.ª dá-me licença? Se a lá nacional é tão boa que se fia por si mesma, porque se reclama que a indústria se apetreche?
O Orador: - Mas não está em condições de fiar todas as lãs nacionais. Por isso, é a própria indústria que reclama a necessidade de reapetrechamento.
O Sr. Cerveira Pinto: - Se a indústria nacional fia, como V. Ex.ª conhece, a própria lã australiana, que é muito mais resistente, essa que se fia por si mesma não se compreende que origine a necessidade de novos apetrechamentos. Não percebo que sejam precisas mais máquinas.
O Orador: - Sobre esse ponto tenho muito que dizer.
Sr. Presidente: estou desejoso, como certamente V. Ex.ª e a Câmara, por ver ultimado o assunto.
Vou tentar, no acabamento, deixar a V. Ex.ªs uma, razoável impressão.
O quarto ponto que me propus versar respeita à montagem das fábricas de penteação.
Pelos documentos requeridos e recebidos pelo ilustre Deputado Sr. Dr. João das Neves - que muito considero e aprecio, após uma camaradagem estreita de meses, e que amàvelmente mos cedeu para consulta por não poder intervir no debate devido a especiais afazeres parlamentares - verifica-se:
Os pedidos pendentes há mais de dois anos para instalação cie lavandarias eram cinco, sendo duas de novas unidades autónomas, uma junto de uma fábrica de penteação e fiação e duas anexas a fábricas de lanifícios. E mais seis incluídas nos pedidos de novas fábricas de penteação e fiação - ao todo onze.
De penteação havia quatro pedidos para instalações autónomas, representando cento e vinte e uma penteadeiras, e mais trinta e duas ligadas à fiação.
N ao obstante a fábrica de Alhandra possuir quarenta e oito penteadeiras e haver quarenta e quatro dispersas, aquela, trabalhando vinte e quatro horas diárias de Março até Dezembro de 1944, regime horário que mantém, e tem de manter, apenas produziu 1:300 toneladas, e as últimas 500 toneladas, ao todo 1:800 toneladas, o que parece não satisfazer as necessidades normais do País e muito menos quando se façam importações maciças como a decorrente, em que entraram 4.851:440 quilogramas de lã suja, a que temos de somar a produção nacional.
O Sr. França Vigon: - V. Ex.ª dá-me licença? As considerações que V. Ex.ª acaba de fazer baseiam-se em documentos da comissão de inquérito?
O Orador: - Não. São documentos enviados à Câmara e que estão à disposição dos Srs. Deputados.
O Sr. França Vigon: - Mas os documentos que V.Exa. já enunciou duas vezes, por pertencerem à comissão de inquérito, não podem ser facultados aos Srs. Deputados?
O Orador: - Não me servi de quaisquer documentos da comissão de inquérito. Os que utilizei foram-me fornecidos através da Presidência da Assembleia.
O Sr. França Vigon: - Então podemos servir-nos todos deles? E mesmo daqueles que foram facultados pelo Sr. Deputado João das Neves e utilizados por V. Ex.ª? Não vejo como nós todos não possamos servir-nos desses também.
O Orador: - Por uma questão de delicadeza, esses não posso facultá-los sem a autorização do Sr. Dr. João das Neves.
Mas, continuando:
O Conselho Superior da Indústria, depois de larga e interessante discussão, por proposta do seu ilustre presidente, reconheceu, com uma única voz discordante, na sua sessão de 8 de Maio de 1946, que seria da maior vantagem a instalação de outra unidade autónoma de penteação, mais ou menos dentro do condicionalismo que informa o despacho normativo do Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria datado de 17 de Dezembro de 1946.
Alguns daqueles pedidos foram expressamente indeferidos, outros abrangidos por aquele despacho.
É curiosa esta resolução, que contrasta com as opiniões emitidas em 1941 até pelos representantes da indústria; em 1946 ainda houve relutância de alguns vogais do Conselho em aceitar o novo critério.
Subsiste, pois, a doutrina da preferência ao pedido que, no prazo de trinta dias, formulassem os proprietários de |60 por cento das penteadeiras dispersas. Consta-me que a notificação lhes foi feita e as «normas» estão ultimadas, não obstante a minha sugestão e o anúncio deste aviso prévio.
Os meus comentários sobre este ponto são impessoais; não sei se os interessados são altos ou baixos, grossos ou delgados ... Apenas me preocupam, repito, as elevadas conveniências da Nação e da economia agrária.
Julgo útil repetir nesta altura, concretizando-as, as perguntas que fiz em 10 de Janeiro:
1.ª Há necessidade de instalar novas lavandarias e penteações?
2.ª Devem ser anexas ou autónomas da indústria consumidora, da produção ou do comércio?
3.ª A localização dessas novas unidades fabris, devidamente apetrechadas para o bom aproveitamento das lãs nacionais e a recuperação dos subprodutos, deverá ser junto dos centros industriais ou dos centros produtores, considerando-se as facilidades de água, energia e transporte?
Parece, quanto à primeira questão, como já disse, que a única fábrica de penteação digna deste nome e autónoma é de laboração insuficiente; com as penteadeiras dispersas pouco há a contar; há, pois, índicos que aconselham novas instalações, sobretudo quando se importa tanta lã suja.
Parece também que o despacho normativo assim o entende.
Não sou categórico na afirmativa, embora para ela me incline, porque entendo que a resposta segura só deve ser dada por um inquérito técnico-económico em que sejam ouvidas todas as entidades interessadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à segunda interrogativa passo a palavra ao Conselho Superior da Indústria, extrac-
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tando do seu parecer de 17 de Dezembro de 1941, acerca do processo n.º 9-9, o seguinte:
... As penteadeiras não devem, em boa técnica industrial, fazer parte de fábricas completas; devem constituir unidades autónomas.
... Na hipótese de uma eventual concentração das penteadeiras existentes, não poderá deixar do se considerar que muitas terão de ser substituídas, por serem de tipos diferentes.
Deste mesmo processo consta uma informação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, embora desfavorável - consultados prèviamente os grémios e es industriais de fiação -, de que respigo as seguintes passagens claras:
As penteadeiras dispersas pelas diversas fábricas com fiação trabalham em condições de rendimento precárias, o que constitui a melhor demonstração da vantagem económica e industrial da autonomia desta especialidade (penteação), tão ìntimamente ligada ao complexo problema da matéria-prima em bruto, de sua escolha, comércio, distribuição e aproveitamento.
Nenhuma razão de ordem económica e fabril aconselha ou indica como mais vantajosa a instalação de penteadeiras como complemento das fiações autónomas.
Assim dizia a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios em 1941, e não como se diz na sua representação à Assembleia Nacional. Mais poderia recompilar dos curiosos documentos que ofereço à consulta de V. Ex.ªs; mas, para abreviar, limito-me a deles deduzir, sem deturpar, o seguinte: a lavandaria e a penteação «são de uma importância primacial na escolha e aparte das lãs», como daqui a pouco corroborarei.
Apenas comento que as circunstâncias económico-industriais se não modificaram substancialmente.
Pelo que fica dito e o mais que deixo de dizer, afoitamente repito o que afirmei:
A montagem dessas fábricas deve ser autónoma, por responder melhor aos interesses do País, numa equilibrada coordenação e para melhor defesa da lavoura.
Sòmente acrescento: era esta a opinião da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios.
Essa instalação autónoma ou ligada à produção «é de uma importância primacial», porque é o único meio de defesa eficaz dos preços normais das lãs portuguesas, qualquer que seja o nível das cotações nos mercados interno e externo.
E vai ver-se, em resumo, como:
Se um lavrador vender uma dada partida de lã em sujo, receberá 228$24 por arroba, aos preços de 1945; se fizer, porém, a venda em lavado, receberá 299$07, e se for em penteado, 417$, efectuados os devidos apartes das classes de merinos finos e correntes e de cruzados finos e médios. Estes valores não incluem os encargos de transformação, que seriam de cerca de 35$ na lavagem e 55$ na penteação, o que os respectivos diferenciais de 30 por cento e 83 por cento, números redondos, muito bem comportam.
Há ou não margem para fabulosos lucros e grande especulação?
Convém ou não a ignorância do valor das lãs nacionais e que se não faça a sua escolha e classificação, medindo-se o melhor e o somenos pela mesma bitola?
Porque se não há-de assegurar à lavoura a compra total da lã a um preço compensador para se animar e fomentar a produção, semelhantemente à política adoptada há cinquenta anos para o trigo?
Porque não se hão-de proporcionar aos produtores os meios de intervirem, total ou parcialmente, na montagem de uma fábrica para lavar e pentear as suas lãs?
Não é caso virgem, nem entre nós nem lá fora.
Numa revista da especialidade li, há pouco, a seguinte notícia: «O general Smuts anunciou a instalação de uma grande fábrica de transformação de lãs perto de Port Elisabeth, com o capital de 600:000 libras».
O capital foi inicialmente subscrito pelo Industrial Development Corporation, que é, como se sabe, um organismo do Estado.
Os produtores de lã, logo que a fábrica se desenvolva, poderão adquirir acções e ter representação no conselho de administração da empresa.
Entre nós fez-se coisa semelhante ao constituir-se a Sociedade do Amoníaco Português, para cujo capital a Federação Nacional dos Produtores de Trigo contribuiu com 40:000 contos e a Junta Nacional do Vinho com 10:000 contos dos seus fundos.
Na fábrica de penteação poderão intervir a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, com o fundo especial da 2.ª secção (Produção e comércio de lãs), cerca de 11:000 contos, e os lavradores directamente ou por intermédio dos seus grémios.
O único processo, repito, de valorizar as lãs nacionais, defendê-las da concorrência estrangeira e da especulação comercial e industrial é entregá-las já lavadas e penteadas.
A defesa pautai e a proibição de importar esta matéria-prima além do normal são meios precários, até pelo condicionalismo dos acordos internacionais, que podem trazer surpresas agradáveis ou desagradáveis no domínio dos lanifícios ...
Nos aspectos social e fiscal não me deterei; sòmente contraponho aos 400 industriais de lanifícios os 270:000 produtores de lã, alguns vivendo apenas da apascentação das suas ovelhas. Aos 20:000 operários fabris oponho mais de 60:000 operários rurais - pastores, ajudas, tosquiadores, etc. - que a ovinicultura emprega.
Os maiores encargos tributários da indústria foram várias vezes compensados pela elevação das taxas de laboração e de lucros (os lucros de guerra ...) certos e bem garantidos, que levaram a indústria a passar de uma situação financeira precária do ante-guerra à situação desafogadíssima que presentemente possui.
A lavoura suporta quase a descoberto as consequências do imposto complementar, sendo aliás bem aleatórios os seus réditos.
A indústria é poderosa, unida e concentrada; a lavoura, numerosa, dispersa e fraca, tem sido a eterna sacrificada.
Sr. Presidente: é tempo de terminar, sentindo deixar obra inacabada e imperfeita, embora haja muito pano para mangas, releve-me V. Ex.ª o plebeísmo.
À consideração da Câmara e do Governo submeto os seguintes votos:
1.º É necessário obrigar a indústria a comprar todas as lãs nacionais aos preços médios das estrangeiras, condição sine qua non da importação, legislando-se de modo efectivo e urgente sobre o assunto;
2.º É aconselhável proceder-se imediatamente a um inquérito sobre as necessidades e consequências da importação maciça de lãs em 1946 e começo deste ano, bem como suspenderem-se todas as autorizações sobre que não haja compromissos formais;
3.º Dar garantias estáveis de preço às lãs na base de lavado ou penteado, isto é, após a sua classificação erio-técnica e rendimento industrial;
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4.º Proceder-se com toda a urgência a um inquérito especial sobre as fábricas de lavagem e penteação, suspendendo-se a este respeito todos os efeitos do despacho normativo referido e assegurando-se à lavoura a sua intervenção numa unidade fabril da especialidade, nos termos sugeridos;
5.º Para a necessária e eficaz coordenação de todas as actividades intervenientes no ciclo da economia lanar, impõe-se:
a) Instituir a corporação da lã, abrangendo todos os sectores do seu ciclo, e integrá-la na corporação geral dos têxteis;
b) Organizar a produção e comércio das lãs nos moldes da indústria dos lanifícios;
c) Estabelecer normas orgânicas rígidas que garantam o justo equilíbrio e disciplina de todos os interesses em causa.
Ao terminar, já que o não fiz no início, aqui consigno os meus melhores agradecimentos às centenas de pessoas e dezenas de colectividades que me deram o seu incentivo, apoio e preciosos esclarecimentos.
No caso de o debate se generalizar, acompanhá-lo-ei com o possível cuidado e intervirei quando houver mister.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Mexia: - Roqueiro a generalização do debate e peço a V. Ex.ª que me conceda a palavra.
O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Mexia.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: de entre os vários sectores da nossa economia, o sector da lã, a ajuizarmos por vários indicadores, apresenta sintomas inquietantes que requerem um estudo sereno e tanto quanto possível objectivo, a fim de se encontrar para cada um dos seus problemas a mais adequada solução.
Queixam-se os produtores de que em todo este complexo e importante departamento faltam directrizes seguras e uma política de coordenação que o situe, sem atritos nem atropelos, dentro do conjunto económico da Nação.
Queixam-se os industriais ou, melhor, os seus organismos dirigentes de que outras actividades, e especialmente a lavoura, pretendem impor conceitos e restrições num campo que, segundo afirmam, só a eles dia respeito.
Queixam-se os armazenistas e os retalhistas de haverem sido as vítimas da concorrência que os próprios industriais lhes fizeram e de serem eles ainda a sofrer, sem culpa, o primeiro embate nesta fase que se desenha já de sobreabastecimento do País em tecidos de lã.
Trouxe a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, com a exposição dirigida à Assembleia Nacional, uma valiosa base de estudo, motivo por que inicio as minhas considerações por uma breve análise desse documento.
Tratarei, em primeiro lugar, das condições criadas ao mercado das lãs pelas portarias n.ºs 11:197 e 11:566, que regulam, sem qualquer outra formalidade que não seja uma licença passada pela Junta, a importação e a exportação das lãs.
Encaram esses diplomas a possibilidade da exportação das lãs nacionais, e, como o País é deficitário nesta matéria-prima, visa, assim, o livre jogo das importações e das exportações a satisfazer todos os requisitos da indústria dos lanifícios em quantidade e qualidade de matéria-prima.
Sabe-se, a par disso, que todos os países exportadores estão intensificando gradualmente a classificação, lavagem e penteaçao das suas lãs como meio de valorizarem este produto.
Sucede assim que de futuro iremos recebendo sucessivamente maiores percentagens de lãs lavadas e, sobretudo, penteadas.
Posto isto, como se prepara a produção portuguesa para a hipótese de ter de exportar as lãs nacionais que a indústria haja substituído por lãs estrangeiras?
Em sujo, apenas lavadas ou classificadas e penteadas?
Se pretendermos valorizar as lãs nacionais a exportar do País como indesejáveis, como pôr em prática o recurso à classificação e penteação e a utilizá-lo, como admitir que esta última fase preparatória e valorizadora esteja nas mãos de uma indústria que não necessita dessa matéria-prima e nenhum interesse, tem em valorizá-la?
Como não reconhecer o conflito de princípios que existe entre o recurso à exportação, por parte da lavoura, que a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios aponta, e os argumentos de que mais adiante se serve para justificar a pretensão dos industriais, seus tutelados, à instalação da nova penteação.
Teríamos assim de reconhecer à Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios a livre rejeição das nossas lãs e o direito ainda a impedir que, por uma conveniente classificação e apresentação, estas se valorizem nos mercados estrangeiros.
Argumenta-se na exposição que estou apreciando com a excelência de uns quantos factores, que vão desde a eficiência de 50 por cento das penteadeiras existentes até ao valor do pessoal e à qualidade da água, para concluir pela escolha da Covilhã para local da nova instalação, o que me leva a perguntar por que motivo os próprios industriais da Covilhã, possuidores das referidas penteadeiras, vem pondo de parte todos esses preciosos elementos e mandam, simplesmente, pentear as lãs na fábrica da Alhandra?
Penso que no fundo os dirigentes da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios raciocinam como eu e que não foi pura coincidência, mas coerência mental, que os levou à intercalação das palavras «em princípio» na frase seguinte da sua exposição:
Se os industriais, «em princípio», optam pela Covilhã como o lugar mais indicado para a instalação da nova fábrica é porque têm motivos decisivos a determiná-los.
O que era em princípio uma intenção deixará de o ser depois do conseguido o alvará, e o mesmo acontecerá a uma das condições basilares do condicionamento industrial, que determina que só é permitida a substituição de máquinas antiquadas por aparelhagem moderna desde que não haja aumento de laboração.
Não terá sido a necessidade de tornear este obstáculo que determinou, numa louvável demonstração de zelo, o súbito rejuvenescimento de nada menos do que 50 por cento das penteadeiras existentes, a grande maioria das quais todos supunham quase históricas?
Passemos à segunda afirmação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, esta sobre o valor relativo das nossas lãs.
Coloca-se a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios no exclusivo ponto de vista do rendimento, alheia-se das condições de produção existentes no País e no estrangeiro, nenhum valor atribui ao que possa constituir os complexos económicos de cada país e,
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com uma segurança que lhe invejamos, determina, pela observação de determinado período, que as lãs nacionais deverão valer e se cotaram automaticamente em 40 por cento do valor das lãs estrangeiras.
À parte a explicação já dada pelos grémios da lavoura, resultante de factores estranhos, tais comova livre entrada então de lãs estrangeiras e a proibição de saída das nossas, e ainda a circunstância, de às nossas lãs faltar então uma escolha criteriosa que as valorizasse, tenho de perguntar se, não existindo, como é óbvio, uma margem de lucro de 60 por cento na exploração ovina, do facto apontado pela Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios se deveria inferir que devêssemos sacrificar os 3.950:000 ovinos que possuímos e suprimir, sem compensação possível, os 500:000 contos de produtos que nos advêm da ovinicultura nacional.
Aceite o princípio, para que insistir, num país que está fora da zona geográfica dos cereais, na exploração cerealífera, se podemos substituir o trigo que produzimos por outras variedades de importação, como o Manitoba, de muito maior rendimento e que normalmente se adquire por menor preço?
Como não admitir também a preferência pelo algodão egípcio, de melhor qualidade, possuidor de uma fibra mais comprida e de melhor toque, susceptível de produzir, em vez de panos de algodão de diversas categorias, as apetecidas popelinas, cambraias e outros artigos de luxo?
Como admitir que se teime em reservar 24.000:000 de quilogramas de consumo interno de algodão quase exclusivamente para a produção colonial e apenas se importem cerca de 3.500:000 quilogramas de algodão egípcio para o fabrico de linhas e outros artigos especiais?
Para que pensar em arborizar o País se a madeira que teimamos em utilizar nas nossas fábricas possui apenas cerca de 2:300 calorias, quando o carvão, que talvez possamos importar, contém 7:000 calorias?
E o arroz e o milho e a carne, para que produzi-los, se em relação a cada um destes produtos existem países de maior capacidade produtora que no-los podem fornecer a melhor preço ou de melhor qualidade?
Creio ter demonstrado pelo absurdo a nenhuma razão desta política e o empobrecimento a que ameaça conduzir o País.
Fixados os princípios gerais de uma sã economia, bem diversos dos defendidos na exposição da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, e passando aos aspectos secundários dos diversos problemas em estudo, pergunto:
Serão de facto tão grandes as vantagens da lã estrangeira em preço e qualidade sobre a nacional?
Terá a Península Ibérica, considerada a segunda pátria da raça merina, raça ainda hoje mundialmente admitida como melhoradora, perdido tanto das suas condições naturais que as nossas lãs, de regulares que sempre foram, se hajam aviltado a tal ponto?
Possui acaso a Inglaterra insular e toda a Europa Central melhores lãs? do que as nossas?
É do conhecimento geral que assim não sucede, o que não impede esses países de adaptarem a sua indústria à matéria-prima nacional e de produzirem com lãs do tipo cruzado, como sucede com a Inglaterra, os óptimos tecidos do tipo Sportex e outros.
Afirma a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios que, por exigências desmedidas dos respectivos produtores, foram adquiridas a 141 produtores lãs que depois de lavadas ficaram por 67$85 o quilograma.
Como noutro local esclarece que o numera total de ovinicultores é de 264:000, a relação, mesmo levando em linha de conta a categoria desses produtores, não parece constituir percentagem bastante para imprimir carácter ou definir uma cotação.
Assim mesmo no ano de 1946, período em que as lãs se transaccionaram livremente, não a pedido dos produtores, mas porque se pretendeu deixá-las em livro concorrência com as estrangeiras, teriam esses produtores vendido por tão altos preços, e teria toda a lã importada ficado aquém dos valores médios atribuídos à lã nacional?
Como conciliar, num ano em que as fábricas estão sobreabastecidas e em que ficaram várias partidas de lá por vender, o alto nível dessas vendas com a apregoada falta de qualidade da lã nacional?
É ainda a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios que noutra passagem da sua exposição esclarece a inconsistência destas afirmações ao referir a imperiosa necessidade de lotar as lãs nacionais com as do Cabo, de fibra mais curta, dando por isso tecidos moles e quebradiços.
Sobre cotações informo a Assembleia de que os preços por que em 1945 - ano citado pela Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios - a lavoura vendeu a generalidade das suas lãs foram os seguintes:
Campanha de 1945
Preços médios pagos à lavoura
[Ver Tabela na Imagem]
No referido ano a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios comprou aos referidos 141 produtores ias que em média e na base de lavado ficaram a 52$64 o quilograma, e não a 67$85, como se afirma na exposição enviada a esta Assembleia.
A diferença verificada não aproveitou à produção.
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Em relação às diversas classes de lã foi a seguinte a evolução de preços no triénio 1943-1945:
Preços das lãs nacionais entregues à Indústria em lavado e em penteado
(Preços por quilograma)
[Ver Tabela na Imagem]
Afirma a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios que foi a alta dos preços da lã nacional nos últimos anos que determinou a necessidade de intensificar as importações de lã estrangeira.
São ainda os números que esclarecem e contestam essa afirmação.
Nas reuniões do conselho geral da Junta Nacional dos Produtos Pecuários efectuadas em 1945 contentava-se a lavoura com a manutenção do preço e pugnava a indústria por uma baixa, que os representantes da produção ainda encararam em 10 por cento e os representantes da indústria desejaram avolumar.
Decretado o regime livre, determinou a evolução do custo das lãs estrangeiras, em vez da baixa que se esperava, uma ligeira alta do preço das nossas lãs.
Essa alta, conforme se infere dos seguintes números referentes à classe merina:
Ano de 1943: merino fino, 46$66; merino corrente, 38$94;
Ano de 1944: merino fino, 46$66; merino corrente, 38$94;
Ano de 1945: merino fino, 49$30; merino corrente, 44$90;
Ano de 1946: merinos, segundo informação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, 60$, como máximo e referente apenas a uma pequena percentagem da produção;
não ultrapassou no último ano 27 por cento e no conjunto dos quatro anos 40 por cento, ao passo que as lãs estrangeiras tiveram as seguintes modificações de preço:
Lãs espanholas. -Segundo um artigo de A. Marti Michelena, publicado num periódico de Madrid em 9 de Novembro de 1946, os preços da lã lavada, que em 1943 eram de 25 pesetas por quilograma, passaram em 1946 para 80 a 85 pesetas.
Lãs australianas. - Cotações indicadas no Wool Record and Textil World de Janeiro de 1947.
Lã do tipo 58's-60's da escala inglesa, ou seja um cruzado fino, custava em 1945 38,5 dinheiros por libra peso e vendeu-se em 1946 por 62,5 dinheiros.
O merino 64's da mesma escala valia em 1945 40,5 e passou nos leilões do Natal de 1946 a 81,5 dinheiros.
Aumento verificado neste último tipo de lã, 100 por cento.
Restam ainda alguns números da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios por rectificar, o que farei no decorrer das restantes considerações sobre o problema lanar português.
Sr. Presidente: tratando-se de um sector que se não abastece integralmente da produção interna e que pôde ser abastecido em quantidades e qualidades através da importação, todos os reparos feitos por produtores, industriais e comerciantes parecem à primeira vista fundamentados, visto a lavoura, por definição do próprio conceito nacional, dever ter assegurado integral cabimento para as suas lãs, a indústria ter podido regular as importações na justa medida das necessidades e o comércio de tecidos ter podido, numa economia dirigida, desempenhar a sua função entre produtores e consumidores.
Se, posto isto, o sistema não funcionou, é que alguma anomalia se verifica.
Importa para a apreciação do abastecimento do País em lã, aspecto fundamental do problema, determinar com aceitável rigor qual a produção portuguesa, qual o volume das importações e qual o consumo previsível.
Quanto à produção, sabe-se que anda por 7.500:000 quilogramas de lã, assim repartida:
Quilogramas
Lãs merinas e primas (brancas e pretas) ............... 1.700:000
Lãs cruzadas (brancas e pretas) ....................... 3.300:000
Lãs churras (brancas e pretas) ........................ 2.500:000
Pelo que respeita às importações no decénio 1937-1946, foram elas as seguintes:
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Esta quantidade diz respeito a toda a lã descarregada dos navios.
No que toca ao consumo, o problema é mais difícil de determinar, mas penso que o objectivo se consegue recorrendo à observação das disponibilidades da matéria-prima e das existências de artefactos no período anterior à guerra e naquele que imediatamente se lhe seguiu, ou seja de 1937 a 1940.
As disponibilidades de matéria-prima acham-se somando a produção nacional de lãs finas, computável então em cerca de 4.500:000 quilogramas, com a média das importações, que na base de lã suja e para o período 1937-1940 não ultrapassava 3.207:000 quilogramas, o que tudo somado perfaz 7.700:000 quilogramas de lã.
As existências de tecidos por vender não interessam tanto pelo que numèricamente significariam, mas pelo que representam perante o problema do escoamento.
Ora essas existências no período considerado, longe de diminuírem, aumentaram anualmente, o que permite assegurar que o consumo, de lãs sujas era então
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inferior ao cálculo acima apresentado, de 7.700:000 quilogramas.
Sr. Presidente: da observação dos números totais de importação de lãs na base de lã suja no decénio 1937-1946 verifica-se um período de excesso de abastecimento de 1937 a 1939, um outro de carência, em que o Paia foi quase exclusivamente abastecido pela lã nacional, e, finalmente, um terceiro período, a partir de 1944 até agora, em que as importações, expressas em lã suja, se intensificaram pela forma seguinte:
Quilogramas
1944 ............... 1.781:523
1945 ............... 2.304:995
1946 ............... 14.052:000
Se considerarmos o quantitativo de consumo atrás achado - 7.700:000 quilogramas -, mesmo actualizado, em atenção ao aumento da população, para 8.000:000 de quilogramas, vemos, somando as quantidades importadas com a produção nacional de lãs finas, presentemente de uns 5.000:000 de quilogramas, que no primeiro dos três anos, ou seja em 1944, ficámos bastante aquém do consumo normal, que no segundo ano já quase abastecemos o mercado e que no terceiro, em que, somada a lã nacional com a importada, obtivemos a impressionante quantidade de cerca de 19.000:000 de quilogramas, tudo se fez para lançar a produção nacional no aviltamento de preços, a indústria e o comércio de lanifícios na confusão e o País na perda de uma parcela da sua riqueza expressa no inútil desgaste de divisas.
Não desejando fazer afirmações que não documente, transcrevo de uma recente circular da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios a seguinte passagem:
Não devem os industriais mostrar-se apreensivos com o facto, porquanto à indústria convém muito mais produzir só o que encontre imediata colocação do que facilitar a criação de existências sujeitas a desvalorizações.
e interpreto-a através do oportuno comentário de que a indústria saiu arruinada do período de intensa actividade e consequente concorrência que precedeu a guerra, retemperou-se financeiramente no período em que exactamente quase só pôde contar com as lãs nacionais e corre o risco de comprometer novamente a sua saúde financeira através do desregramento de uma actividade que, por exceder as necessidades do País e as possibilidades de imediata colocação de artefactos no estrangeiro, não tem a justificá-la o necessário conteúdo económico.
Mas não são só estes aspectos que interessa focar. Há que ver em que limites e em relação a cada um dos diferentes sectores da nossa economia se justifica investir aquilo que na economia doa Estados mais interessa acautelar, ou seja o seu poder aquisitivo.
Fazendo um estudo comparativo do que em matéria de abastecimento e de consumo da metrópole se passa com o trigo, a lã, o algodão, o ferro e o carvão, obtenho os seguintes números:
[Ver Tabela na Imagem]
(a) O preço do algodão importado foi computado em mais 50 por cento do que o nacional.
(b) A quantidade de carvão nacional indicada acha-se convertida em bom carvão tipo Cardiff.
E verifico o seguinte:
Que, enquanto no sector trigo temos de recorrer a severas reduções e à inclusão de outros cereais, e assim mesmo, em relação ao consumo normal de antes da guerra, apenas suprimos 0,75 por cento das necessidades efectivas do País; que no do ferro e no do carvão vivemos em regime deficitário, que se poderá medir, respectivamente, na relação entre o consumo e o abastecimento, pelos índices 0,36 e 0,59; que no do algodão, dando integral primazia ao nacional sobre o estrangeiro, atingimos apenas a suficiência expressa no índice unidade, e no departamento da lã, não obstante as afirmações da Federação dos Lanifícios, concentrámos quantidades de matéria-prima, só no decorrer de 1946, isto é, sem levar em linha de conta as existências do ano anterior em poder dos industriais e da lavoura e a quantidade que nos advirá da próxima colheita, que correspondem a um índice de 2,47, ou seja o equivalente a mais de dois anos de abastecimento.
Determinaria esta estranha política de importações um acentuado espírito de previsão, nascido da incerteza do futuro?
Obedeceria a orientação seguida a uma alicerçada confiança nas possibilidades de exportação a preços que justificassem para o País a primazia de investimento, neste sector, de avultados capitais?
Interessaria à economia geral do País provocar, pelo excesso de importação, a baixa das lãs nacionais e estariam estas a ser cotadas demasiadamente altas, atentos os seus custos de produção e as suas qualidades de fabrico?
Teríamos realmente importado apenas lãs de alta qualidade, susceptíveis de corrigir possíveis defeitos das nossas ou destinadas exclusivamente a fabricos cuja exigência de qualidade ultrapasse as possibilidades da nossa matéria-prima?
Infelizmente a nenhuma destas perguntas podemos responder afirmativamente.
Não foi o espírito de previsão que determinou a euforia das importações, até pela razão simples de que é exactamente o sector das lãs aquele em que a metrópole se encontra em melhor posição, quer no que respeita a todos os produtos essenciais à vida, quer em relação aos diversos países da Europa, visto ocuparmos, quanto a densidade de gado lanígero, o terceiro lugar.
Não foi também a certeza de se poder exportar a preços de grande interesse nacional que determinou a orientação seguida, e isto pelo simples facto de que as nossas taxas de fabrico (margens de lucro nas diversas fases de laboração e quebras impostas pela qualidade e estado das nossas máquinas) nos não permitir considerar tão fagueira perspectiva.
Basta que se diga que a lã entra apenas em cerca de 25 por cento no preço dos artefactos.
A justificar estas afirmações encara já a indústria, segundo as afirmações do industrial Pinto Balsemão,
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proferidas no penúltimo conselho técnico dia secção das Ias da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, a indispensabilidade do recurso aos prémios de exportação.
Não foi ainda a conveniência de provocar nesta altura a baixa da lá nacional, visto que isso seria faltar a compromissos formais do Estado, tomados durante a guerra, em que a lavoura abasteceu quase exclusivamente o País, vendendo as suas lãs por pouco mais de metade do preço por que outros compradores lha pagariam, e contribuindo ainda anualmente com cerca de meio milhão de contos de produtos essenciais à vida, provenientes do gado lanígero, para vencermos o isolamento económico em que a guerra nos lançou.
Também se não justificaria a baixa de preço das nossas lãs não só porque do livre jogo da oferta e da procura resultou a sua valorização, como também porque esta valorização proveio da evolução das cotações no estrangeiro e da margem de lucro de uma indústria que se acha trabalhando em cheio com as mesmas taxas de laboração do período em que trabalhava em regime deficitário.
Não se justificaria ainda pela simples comparação de custo de produção entre as lãs nacionais e as importadas, levando em linha de conta que a renda de um hectare de terra do tipo entregue à exploração ovina regula entre nós por 120$, ao passo que em países como a Argentina, a Austrália e a Nova Zelândia quase não pesa ainda nos custos de produção.
O custo de produção das lãs nacionais é posto em evidência no quadro seguinte;
Mapa dos resultados da exploração ovina na base de 100 cabeças de gado valendo
[Ver Tabela na Imagem]
Não foram finalmente as exigências de qualidade que determinaram decisivamente o excesso das importações.
De mistura com lãs finíssimas, importaram-se algumas outras de inferior qualidade, há muito retidas e, como tal, inferiorizadas, que, longe de elevar o nível médio da qualidade da lã utilizada pela nossa indústria, antes actuaram em sentido inverso. Este último aspecto é tanto mais impressionante quanto é certo que uma parte relativamente importante das lãs importadas acha-se, por insuficiência de acondicionamento e de armazenagem, se não total, pelo menos parcialmente avariada.
O que determinou tão avultada importação foi a febre, bem compreensível, de laboração que se apossou cia indústria, a conveniência de aproveitar um momento favorável às suas reivindicações e, finalmente, o propósito, que se justifica, de dividir quase as mesmas despesas gerais por um número de unidades fabricadas duas, três e mais vezes maior.
Desse programa de liberdade de movimentos, aliás enunciado na exposição da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, se poderá dizer o mesmo que das liberdades individuais.
Uma e outras são normais a legítimas até ao limite em que não colidam com as liberdades alheias.
Ora a liberdade, ou, melhor, o direito de importar lã estrangeira, foi levada a um limite tal que prejudicou a economia nacional e colidiu com o direito que a lavoura tinha de vender a preço remunerador a sua lã, de a colocar adiante ou, que mais não fosse, em paralelo com a matéria-prima estrangeira e, finalmente, de a apresentar em condições da sua mais racional valorização como matéria-prima.
Como consequência do que se vem passando, não puderam as lãs nacionais ser consumidas, nem sequer valorizadas, pelo recurso à penteação, como o demonstram os seguintes elementos de laboração da fábrica de Alhandra:
Quilogramas
Lãs nacionais penteadas em 1946 da tosquia de 1945 .................... 586:737
Lãs nacionais penteadas em 1946 da tosquia de 1946 .................... 470:660
Lãs estrangeiras ................... 2.391:803
A divergência entre estes números e os da exposição provém do facto de a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios ter englobado num só ano as lãs nacionais provenientes de duas tosquias, o que altera o raciocínio quanto à apreciação do escoamento das nossas lãs.
Também a determinação que faz da percentagem de laboração das lãs nacionais e estrangeiras não está certa pelo mesmo motivo e ainda porque o que importa determinar não é a relação entre o que entrou e aquilo que se penteou, mas sim a relação entre a quantidade de lã nacional produzida e a quantidade penteada.
A baixíssima percentagem de lãs nacionais penteadas resulta da política seguida pela empresa de Alhandra, que, recusando a entrada das lãs portuguesas, deu decidida preferência às lãs estrangeiras, muitas das quais de sua própria importação.
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Porque as importações continuam, e a somar às partidas de lã nacional por vender haverá muito brevemente uma nova colheita, não é difícil prever uma baixa, que atingirá não só a lã nacional, como o valor global dos ovinos, levando a amargura e a desilusão a milhares de produtores e baixando o nível de produtividade económica de cerca de 3.500:000 hectares do solo metropolitano, predominantemente explorados com esta espécie, ou seja cerca de 43,75 por cento da superfície do País.
Arguménta a Federação dos Lanifícios com o interesse de ordem social de 20:000 operários, a que junto, como é de justiça, alguns centos de patrões e de técnicos.
Também eu desejo ver acautelados os legítimos interesses desses industriais e operários e alargadas as possibilidades industriais do País até onde seja aconselhável, não só porque daí resultaria uma melhoria do nosso problema demográfico, como também porque da intensificação industrial bem compreendida, com a consequente redução dos custos de fabrico, só deveriam resultar melhores condições de venda e de produção, reflectindo-se no nível de vida de 264:000 ovinicultores e de uns 75:000 maiorais, entre adultos e adolescentes, não falando em guardas de pastagem, pessoal de tosquia, ganhões e outro pessoal empregado no cultivo das terras fertilizadas pelo gado lanígero e no pessoal adstrito às indústrias derivadas do leite, o que tudo somado perfaz no campo social muito mais de 35 milhões de jornais e no campo económico um valor global de salários que corresponde â cerca de 460:000 contos.
Se houvéssemos, pois, por errada concepção económica, de considerar antagónicos interesses que são afins, nenhuma dúvida restaria de que a balança por onde aferíssemos o interesse social de uma e outra destas actividades se inclinaria para o lado da produção.
Sr. Presidente: feita desapaixonadamente a crítica da orientação seguida e apontados alguns desvios, cumpre-me apresentar algumas sugestões, o que faço a título de modesto contributo.
Assim, no que respeita à necessidade, por todos reconhecida, da instalação de uma ou mais penteações, parece-me que o problema consiste em saber se a iniciativa compete à indústria, ao comércio das lãs ou à produção.
Tendo demonstrado já que no regime de liberdade de comércio de lãs em que actualmente vivemos só a produção carece do recurso da penteação, passo a demonstrar que isso é um axioma dentro e fora do País.
Assim, pelo que respeita a Portugal, não obstante existirem dispersas em poder dos industriais cerca de quarenta e quatro penteadeiras, não foi a indústria de lanifícios que montou a única unidade de penteação eficiente que entre nós existe, mais sim a produção e o comércio internacionais das lãs.
Basta citar que a actual Empresa de Penteação de Alhandra é constituída pelas três seguintes entidades:
Segard & C.ª - grandes produtores e comerciantes mundiais de lãs;
Motte & Cº - grandes penteadores de lãs, trabalhando em diversos países em regime de conta própria e à façon;
Carlos Farinha, Limitada - comerciantes de lãs.
Do que se passa, por exemplo, em Inglaterra é, entro outros, testemunho seguro o artigo publicado no Jornal do Comércio, no dia 12 de Fevereiro, pelo economista inglês G. C. Allen, do qual extraio a seguinte passagem:
O negociante tias lãs compra a matéria-prima em bruto, escolhe, mistura e transforma-a em artigos penteados por intermédio de uma indústria de penteação que trabalha normalmente à comissão. O proprietário de fiações compra, por seu turno, estes artigos penteados, transforma-os em fios e vende-os ao tecelão, que faz passar a mercadoria por diversos processos fabris.
Esta separação das actividades, verificada quase por toda a parte, não provém de mera casualidade, antes obedece a imperiosas razões económicas, como passo a demonstrar.
Escolho para o efeito uma partida de lã já bastante Seleccionada pertencente ao Sr. Ricardo Gião, de Reguengos, lavada e classificada na fábrica de Alhandra.
Considerados o seu rendimento e os preços da tabela de 1945, correspondiam-lhe na base de lã suja, lavada e penteada, respectivamente, os seguintes valores por arroba:
Preço em sujo:
Merino fino ............... 16,69% X 39$00 por quilograma 6$50,9
Merino corrente ........... 31,70% X 35$00 por quilograma 11$09,5
Cruzado fino .............. 43,69% X 28$00 por quilograma 12$23,3
Cruzado médio ............. 8,00% X 24$00 por quilograma 1$92,0
31$75,5 X 7,5 = 238$17 cada arroba.
Preço em lavado:
Merino fino ............... 16,69% X 49$30 por quilograma 8$22,8
Merino corrente ........... 31,70% X 44$90 por quilograma 14$23,3
Cruzado fino .............. 43,69% X 37$20 por quilograma 16$25,2
Cruzado médio ............. 8,00% X 32$80 por quilograma 2$62,4
41$33,7 X 7,5 = 310$02 cada arroba.
Preço em penteado:
Merino fino ................ 16,69% X 68$90 por quilograma 11$49,9
Merino corrente ............ 31,70% X 63$50 por quilograma 20$12,9
Cruzado fino ............... 43,69% X 54$20 por quilograma 23$67,9
Cruzado médio .............. 8,00% X 48$90 por quilograma 3$91,2
59$21,9 X 6,75=399$72
Valor das blousses ........................... 30$00
Preço por arroba .............................429$72
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de onde se conclui que, mesmo deduzindo os encargos do trabalho executados à façon, respectivamente de 25$ e 45$ por arroba, a lavagem e sobretudo a penteação constituem, sem qualquer diminuição de lucro para a indústria de fiação e de tecelagem, uma possibilidade efectiva de valorização das lãs nacionais.
Enfeudar essas fases preparatórias à indústria de lanifícios corresponderia a desperdiçar a experiência colhida nos anos de 1943, 1944 e 1945, o exemplo dos outros países e a possibilidade, que importa não perder, de pela valorização e respectivo estímulo fomentarmos a produção lanar em quantidade e qualidade até onde técnica e econòmicamente seja possível.
Sr. Presidente: porque os problemas a que venho de me referir requerem a maior ponderação, solicito do Governo:
Em relação à projectada penteação, que sejam ouvidas todas as classes interessadas, adoptando-se uma solução que possa servir não os interesses deste ou daquele sector, mas os interesses gerais do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estes interesses ficariam, suponho eu, acautelados através a criação de uma empresa de tipo nacional, destinada exclusivamente a trabalhar à façon, em que o Estado entrasse, por exemplo, com um terço do capital, saído ou não do fundo de defesa da lã nacional, em poder da Junta dos Produtos Pecuários, os grémios da lavoura, na proporção dos respectivos efectivos ovinos, com outro terço e o restante a dividir pelo comércio das lãs, também na proporção das médias de aquisição das lãs nacionais, das respectivas firmas e pela indústria, com primazia, dentro do preceituado pelo condicionamento industrial, das empresas detentoras de penteadeiras.
Em defesa da campanha lanar de 1947 peço que sejam sustadas as importações de lãs pelo tempo julgado necessário e estudadas medidas complementares que impeçam a quebra dos preços.
Finalmente, no que respeita ao problema lanar português, solicito que o mesmo seja reenquadrado na política económica da Nação, dotando-se o organismo de coordenação económica respectivo da maior independência e dos meios de actuação necessários, de entre os quais destaco os que emanam do princípio da autoridade e da noção da hierarquia de funções, sem o que a disciplina é uma palavra vã, o equilíbrio de interesses uma utopia e a própria legislação uma frágil barreira, que não deterá os ambiciosos e os indisciplinados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será amanhã. A ordem do dia é a continuação do debate sobre o problema das lãs.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
José Pereira dos Santos Cabral.
Manuel Maria Munias Júnior.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Diogo Pacheco de Amorim.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luís Lopes Vieira de Castro.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário de Figueiredo.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA