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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98
ANO DE 1947 7 DE MARÇO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 96 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
Em 6 de MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 48 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foi negada autorização para o Sr. Deputado Alberto Crus depor, condo testemunha, no tribunal de Vila Real.
Usou da palavra to Sr. Deputado Antunes Guimarães, que enviou para a Mesa, um projecto de lei sobre guarda rural e fomento da caça e pesca desportivas.
Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego, sobre o problema das lãs.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alçada Guimarães, Cerveira Pinto e Antunes Guimarães.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Cortês Lobão.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarata de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
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José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegado Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 48 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Subscrito por Pedro Ruivo, de Lisboa, em que discorda do projecto do lei sobre o inquilinato.
Exposições
De Maria Fernanda Gomes de Almeida, em que manifesta a sua discordância com algumas disposições do projecto do lei sobre o inquilinato.
«Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Não podia o comércio retalhista de tecidos deixar de marcar a sua posição no problema do abastecimento de lãs que vem sendo debatido na Assembleia Nacional e na imprensa, onde se têm manifestado principalmente os diversos interesses em jogo, ou seja o grande produtor, o grande negociante de lãs e a indústria de lanifícios, esta nas suas variadas modalidades transformadoras da matéria-prima.
Ora sucede que é através do comércio retalhista de tecidos, o extremo da corda afinal, que o consumidor toma contacto com os produtos resultantes do labor das diversas actividades intervenientes.
Assim, naturalmente, é nesta actividade que se reflectem as consequências de todas as medidas que os Poderes Públicos, na defesa dos superiores interesses nacionais, nos seus múltiplos aspectos de protecção aos vários sectores económicos, entendem dever tomar.
E, então, por necessidade própria, este comércio se debruça ansiosamente sobre este e muitos outros problemas que à sua volta se agitam e resolvem quase sempre sem a sua prévia consulta, como se de uma actividade inexistente se tratasse, quando é certo que não só é bastante importante, mas também, e até, se encontra corporativamente organizada.
Tem o comércio retalhista de tecidos sofrido dolorosamente, desde o segundo ano da guerra, as consequências de medidas restritivas da importação de lãs estrangeiras, de que resultaram em curto prazo o esgotamento dos stocks e a consequente subida vertical dos preços dos tecidos.
Desaparecida assim essa fonte normal de abastecimento, restaram-lhe os artigos fabricados com lã nacional, em quantidade progressivamente deficiente, mercê de causas várias, como desbaste de gados por necessidades alimentares e também, depois, por imperativos de mobilização militar, que vieram absorver boa parte das quantidades produzidas.
Resultou destas circunstâncias e da subida dois preços da lã nacional, em virtude de um tabelamento que a elevou de cerca de 250 por cento sobre os preços que então vigoravam no mercado, um grave déficit no poder aquisitivo da maior parte da população portuguesa.
Impulsionada desta forma a subida dos preços da lã nacional, em breve ultrapassou os limites do tabelamento, chegando a verificar-se até, nos leilões realizados nos organismos da lavoura, preços que atingiram cerca de 500 por cento de aumento sobre as cotações do fim do primeiro ano de guerra.
Verificou-se depois o péssimo serviço prestado à economia do País pela proibição da importação de lã estrangeira, então, e até bastante tempo depois, de bem fácil aquisição.
Os tecidos, reflexamente, atingiram preços incomportáveis, o que originou a intervenção dos Poderes Públicos no sentido de estabelecer uma retroacção de preços, impondo o seu tabelamento.
O comércio retalhista de tecidos encontrou-se assim, sem culpa própria, em face de prejuízos gravíssimos, pela equiparação de preços a que em curto prazo era forçado a proceder em relação às suas existências.
Por este tabelamento foram-lhe atribuídas percentagens de lucro de tal maneira exíguas que tomaram o aspecto de verdadeira punição, provocando o esgotamento das suas reservas.
No ano passado verificou-se o regresso ao normal jogo económico da matéria-prima, pela liberdade de importação de lã estrangeira de qualidades absolutamente indispensáveis ao fabrico de tecidos próprios para o consumo do País e bem assim pela liberdade de exportação das lãs nacionais das qualidades impróprias para o fabrico de artigos de vestuário.
Disto resultou para o comércio retalhista de tecidos o prejuízo natural da desvalorização dos artigos em stock que haviam sido fabricados com as nacionais, de qualidade sempre inferior às estrangeiras.
Ora sucede que alguns grandes produtores e intermediários-negociantes de lã, por não terem querido, os primeiros, sujeitar-se aos preços da tabela, não venderam as colheitas em seu poder, e os segundos, porque adquiriram, com intuitos especulativos, elevadas quantidades de lãs nacionais por preços possìvelmente superiores aos legais, pretendem agora conseguir dos Poderes Públicos medidas restritivas da importação de
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lãs estrangeiras, a fim de, uns e outros, obterem grossos lucros na venda das suas existências de lãs nacionais.
Então os prejuízos que o comércio retalhista de tecidos sofreu em relação às suas existências anteriores de artigos de lã nacional repetir-se-iam, por, lògicamente, ser de admitir que só momentâneamente se restringisse a importação de lãs estrangeiras.
Quer dizer: para que certos sectores económicos pudessem eximir-se a uma lei - tabelamento de lãs - que onerou uma matéria-prima em cerca de 250 por cento sobre as cotações de antes da guerra, sacrificar-se-ia mais uma vez o numerosíssimo comércio retalhista de tecidos e a população portuguesa, na sua totalidade.
A direcção deste Grémio, ao apresentar a V. Ex.ª os seus pontos de vista em tão importante assunto, fá-lo cônscia de que defende os legítimos interesses do comércio retalhista de tecidos, que representa, e os do público em geral, ficando plenamente confiada em que a Exma. Assembleia Nacional tomará na devida consideração o que acaba de expor.
Digne-se V. Ex.ª aceitar os protestos respeitosos da nossa muita consideração.
A bem da Nação.
Lisboa, 6 de Março do 1947. - Ano XXI da Revolução Nacional. - A Direcção: Manuel Nunes Esperança - Henrique dos Santos Leitão».
Ofício
Da Câmara Municipal do Braga, em que transmite os seguintes votos, aprovados pelo conselho municipal de Braga:
«1.º A reinstalação em Braga da secção hidráulica que serve a bacia hidrográfica própria desta cidade, a qual, sem favor e só de direito, deve estar situada na capital do Minho, facto a que aludiu durante a presente sessão legislativa o ilustre Deputado Sr. Dr. Francisco Prieto.
2.º A instalação em Braga da delegação distrital da polícia judiciária, prevista na lei e a favor da qual Braga apresenta indiscutível direito do prioridade, por qualquer sentido que se encare o problema, como bem acentuou na Assembleia Nacional o ilustre Deputado Sr. Dr. Pinheiro Torres.
3.º A descentralização a favor de Braga do ensino universitário, a qual só tornará inevitável se o Governo não impuser o chamado numerus clausus, descentralização que, com mais razão de ser, tem de ser ampliada ao ensino médio (liceal, técnico e agrícola), devendo ter inicio com a criação de um liceu feminino, e não com a simples criação, que pràticamente nada representa, de uma secção feminina».
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer sobre a proposta de lei em que só converteu o decreto-lei relativo ao plantio da vinha.
Esta proposta de lei, com o respectivo parecer, vai baixar à Comissão de Economia.
Fica desde já convocada esta Comissão para esse efeito, visto que este assunto será dado para ordem do dia na próxima semana.
O Sr. presidente da Comissão de Economia promoverá a sua reunião e estudo da proposta.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do Sr. juiz do tribunal de Vila Real pedindo autorização à Câmara para que o Sr. Deputado Alberto Cruz deponha naquele tribunal no próximo dia 8.
O Sr. Deputado Alberto Cruz não está presente à sessão, mas tenho informação do que reputa inconveniente a autorização solicitada.
A Câmara resolverá.
Consultada a Assembleia, não fui concedida a autorização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarães.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: em 27 de Janeiro do 1930 foi publicado o decreto n.º 17:900, que autorizava o Governo a conceder, para fins recreativos e desportivos, às comissões de iniciativa e turismo ou a grémios de pescadores, constituídos nos termos da lei, com o mínimo de vinte sócios, o exclusivo da pesca desportiva em zonas fluviais com a extenção de 5 quilómetros, medidos ao longo do respectivo curso, mas ficando sempre destinados à pesca segundo as disposições gerais em vigor outras zonas, não inferiores a 5 quilómetros, e prevendo-se ainda determinadas áreas destinadas a abrigo e desova para a constituição de viveiros das espécies piscícolas.
Aos concessionários, além do pagamento de determinada quantia ao Estado, cumpria a obrigação de repovoamento das zonas concedidas, nas quais não poderiam ser instalados quaisquer meios impeditivos da livre passagem daquelas espécies para as outras zonas.
Não fora então possível acompanhar aquelas disposições de outras que assegurassem o policiamento eficaz de rios e lagoas, o qual estava, e ainda continua, confiado a reduzidíssimo número de guarda-rios, sendo essa a razão principal de, à aplicação daquela fórmula (embora já expressa em algumas concessões do certa eficácia), não terem correspondido os resultados de graúdo alcance desportivo, turístico e também económico que sucessivamente se teriam alcançado se uma fiscalização eficiente houvesse evitado o uso de métodos exaustivos de pesca - a inquinação das águas, o emprego de substâncias tóxicas ou explosivas e ainda a construção de obras sem os requisitos necessários à livre circulação das espécies aquícolas.
E não obstante, como aliás se dissera no preâmbulo do citado decreto, o desporto piscatório é dos mais cultivados em todo o Mundo, constituindo não só uma das razões principais do turismo, mas fonte de rendimento apreciável em vários países nórdicos e americanos e noutros que a natureza privilegiara com ribeiros e lagoas de condições propícias ao desenvolvimento daquelas espécies, notòriamente do trutas e outros salmonídios, mas que ali tem eido alvo de providências eficazes para a respectiva defesa e indispensável fomento.
Felizmente em Portugal também existem lagoas (e muitas haverá em breve, mercê da construção de albufeiras regularizadoras dos caudais, para seu aproveitamento hidroeléctrico), abundam os rios com as melhores condições de habitat para aquelas espécies piscícolas e também não faltam estuários e trechos magníficos da nossa costa marítima frequentados por robalos e outras espécies cuja pesca proporciona aos diletantes o mais impressionante desporto.
Mutatis mutandis, as considerações feitas aplicam-se ao desporto venatório, largamente apreciado, mas que, sobretudo por falta de fiscalização, virá a decair, devido ao despovoamento cinegético de montes, planícies, campos e outras zonas onde ainda há poucas décadas a caça abundava e fazia as delícias dos desportistas de todas as categorias sociais.
O fomento cinegético e piscícola carece de providências tendentes à melhoria, em quantidade e qualidade, das espécies indígenas, ao regresso de algumas que nou-
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trás eras habitaram o nosso País e também à aclimação de novas espécies, capazes de proporcionar as emoções indispensáveis ao estímulo da sua caça desportiva.
Mas o que se torna mais urgente é o rigoroso cumprimento dos preceitos sobre caça e pesca, para repressão das inúmeras e variadíssimas transgressões verificadas naqueles sectores.
Para isso haverá que promover urgentemente o policiamento das zonas rurais.
Simultâneamente os agentes de fiscalização venatória e piscatória poderão acautelar outros interesses, garantindo a propriedade contra a multidão de delinquentes que assaltam campos de cultura e armazéns de recolha das colheitas obtidas com o esforço perseverante dos lavradores, exercido muitas vezes sob as maiores intempéries, que roubam a lenha nos montados e pari lá encaminham rebanhos de cabras daninhas que tudo destroem, desde os matos indispensáveis às camas do gado e adubação das terras ao arvoredo ainda tenro e até às próprias árvores adultas, devorando-lhes a casca e acabando por matá-las.
Importa criar quanto antes a guarda rural, correspondendo assim a uma legítima e urgente aspiração da numerosa e trabalhadora população das zonas rurais.
Mas para corresponder às necessidades de todo o País aquela guarda carece de ser numerosa, conhecedora da vida campestre nos seus diversos aspectos, incluindo noções sobre os variadíssimos truques empregados na destruição da caça e da pesca, e, para sua maior eficiênicia, deve ser essencialmente móvel.
Desta forma a sua criação e manutenção constituiriam grande encargo para o Estado, da mesma forma que agravaria os encargos tributários da lavoura, ainda recentemente aumentados com 10 por cento sobre a colecta da contribuição predial rústica e a incidência progressiva do imposto complementar, além de outras verbas para grémios, Casas do Povo, acidentes de trabalho e diversas obrigações mais.
Haverá, por isso, que procurar os fundos necessários noutros sectores, principalmente nos ìntimamente ligados à lavoura, sobretudo nos caçadores e pescadores, porque tanto as espécies cinegéticas como as piscícolas ali se criam e alimentam muitas vezes com dano das culturas.
É, portanto, razoável que uns e outros contribuam com verbas na proporção dos resultados materiais, recreativos e desportivos das suas caçadas e pescarias.
Está, assim, indicada a criação de licenças gerais de caça e de pesca de preço relativamente módico para que todos possam praticar aqueles exercícios salutares.
Mas para reforço do Fundo da guarda rural justifica-se o recurso a licenças especiais para a prática daqueles desportos em zonas reservadas, as quais poderão variar de preço consoante a zona escolhida e sua validade, devendo ainda ser condicionadas para o emprego exclusivo de métodos desportivos e também para que o povoamento das zonas não seja afectado por caçadas ou pescarias excessivas. E, da mesma forma, para aumentar o mencionado Fundo, também seria de toda a justiça proporcionar o contributo de caçadores e pescadores à quantidade e qualidade das espingardas, canas de pesca e mais apetrechos empregados e ainda sobre as respectivas munições, fazendo incidir determinadas taxas sobre aqueles artigos.
Finalmente, os certames de caça e pesca e outros conexos com aqueles desportos, destacadamente o tiro aos pombos, que é largamente praticado por nacionais e estrangeiros e no qual se movimentam quantias avultadas, também deverão concorrer para o referido Fundo, porque, afinal, trata-se de exercícios ìntimamente ligados à caça.
O conjunto daquelas verbas deve bastar para dotar o País com a tão desejada guarda rural e para fazer face aos encargos do povoamento das zonas de caça e pesca.
Mas de início, se aquelas cobranças não chegassem, poder-se-ia (mas sòmente nesta hipótese, aliás improvável) pedir aos grémios da lavoura e outros organismos ou entidades em ligação com esta importante actividade, verbi gratia os que dela recebem matérias-primas as ou outras vantagens, o indispensável contributo para o seu eficaz policiamento, que a todos seria proveitoso.
Criada a guarda rural, será de toda a vantagem promover-se a coordenação das diferentes organizações policiais e de fiscalização com alçada nas zonas rurais, para que mùtuamente se auxiliem.
Contudo, a guarda rural, pela natureza das suas funções especializadas, deverá ser orientada pelos grémios da lavoura e comissões de caça e pesca desportiva.
Finalmente, além das zonas referidas, é indispensável prever outras destinadas a viveiros, tanto de espécies cinegéticas como piscícolas, para garantia do repovoamento de outras áreas.
Porque estou convencido de que, mercê do referido Fundo, para o qual contribuirão numerosas pessoas, nacionais e estrangeiras, mas com importâncias moderadas e quase automàticamente cobradas, sem complicações burocráticas, e, ainda, proporcionadas às vantagens recebidas, será viável a organização da guarda rural sem encargos para o Estado ou para os proprietários rurais, e proporcionaremos a todos um dos mais salutares exercícios, o qual, não exigindo grande robustez física, é compatível com todas as idades, e facultará, simultâneamente, o conhecimento de variadíssimos trechos da nossa paisagem e dos costumes da província, proporcionando também momentos de vida ao ar livre absolutamente necessários aos que vivem confinados em escritórios, nas escolas ou oficinas.
Em face do exposto, tenho a honra de, usando da faculdade que me confere o artigo 97.º da Constituição Política da República Portuguesa, enviar para a Mesa, conforme as bases adiante indicadas, o seguinte projecto de lei sobre guarda rural e fomento da caça e pesca desportivas:
BASE I
São criadas comissões de caça e pesca desportivas, regionais e concelhias, cujas áreas e atribuições serão definidas em regulamento.
BASE II
É também criado o Conselho Superior Técnico de Caça e Pesca Desportivas, constituído por representantes dos Ministérios da Educação Nacional, Economia, Marinha, Obras Públicas e Interior, bem como de cada comissão regional, nos termos da base anterior, da Agricultura e do Secretariado Nacional da Informação.
BASE III
Com parecer do Conselho previsto na base anterior o Governo designará zonas de caça ou de pesca desportivas, onde a prática daqueles exercícios ficará dependente, além das licenças gerais, de licenças especiais, cujo preço, validade e uso constarão de regulamento.
BASE IV
As zonas nos termos da base anterior poderão abranger quaisquer áreas territoriais ou marítimas, salvo as exceptuadas no Código Civil.
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§ 1.º Na sua delimitação intervirão também os respectivos grémios da lavoura o câmaras municipais.
§ 2.º As zonas de caça ou de pesca desportivas serão intermeadas com outras onde aqueles exercícios dependerão apenas de licença geral.
§ 3.º Também poderão ser estabelecidas zonas para viveiros de espécies
cinegéticas ou piscícolas.
BASE V
A receita das licenças gerais e especiais, nos termos das bases anteriores, e de multas, conforme os respectivos regulamentos, depois de deduzidas percentagens que, porventura, se destinem ao Estado e corpos administrativos, bem como das despesas das comissões nos termos da base I e do Conselho referido na base II, constituirá o Fundo da guarda, rural e de fomento de caça e pesca desportivas.
BASE VI
Para esse Fundo poderão também concorrer receitas provenientes de taxas sobre artigos de caça e de pesca, bem como de certames relativos ou conexos com aqueles desportos, particularmente o tiro aos pombos.
BASE VII
Também poderão concorrer para aquele Fundo os grémios da lavoura e outros organismos ou entidades que utilizem matérias-primas ou outros produtos da mesma lavoura.
BASE VIII
Com parecer do Conselho Superior Técnico da Caça e Pesca Desportivas será organizada a «guarda rural», rujas funções deverão exercer-se de acordo com os grémios da lavoura, e comissões, nos termos da base I.
BASE IX
O Governo promoverá a coordenação da guarda rural com os domais organismos de policiamento e fiscalização das zonas rurais.
BASE X
Ouvido o Conselho Superior Técnico de Caça o Pesca Desportivas, o Governo, publicará os regulamentos do caça, pesca, de uso e porte de armas e outros de que venha, a carecer a conveniente execução destas bases e o indispensável fomento cinegético e piscícola para a prática bem orientada daqueles desportos e estímulo do turismo.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente - O projecto de lei que o Sr. Deputado Antunes Guimarães acaba de enviar para a Mesa vai baixar à Camará Corporativa.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego, sobre o problema das lãs.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alçada Guimarães.
O Sr. Alçada Guimarães: - Sr. Presidente: foi com surpresa que ouvi na sessão de 9 do Janeiro último o Sr. Deputado Figueiroa Rego, a cujo labor parlamentar rendo as minhas homenagens, fazer determinadas considerações sobre o problema das lãs nacionais, que conduziam, em resumo, a estas conclusões:
A indústria de lanifícios tem-se eximido a criar um ambiente económico favorável ao fomento e melhoramento da produção nacional;
A indústria trabalha em ambiente vantajoso, que nega à agricultura;
A indústria, embora integrada na organização corporativa, tem iludido ou resistido às normas do coordenação económica;
A indústria joga com os mercados externos para se rebaixarem os preços da matéria-prima nacional.
É, como se vê, um libelo esmagador contra a indústria de lanifícios!
Ora eu, repito, ouvi as considerações do Sr. Deputado Figueiroa Rego com surpresa, pois tinha conhecimento de que a política dos últimos Governos, traduzida, aliás, em repetidos diplomas, tem sido, não direi já de aberta protecção aos interesses dos produtores de lã - e podia talvez dizê-lo -, mas, pelo menos, orientada por um desejo de equilíbrio prudente dos vários factores a considerar no fabrico de lanifícios, entre os quais, evidentemente, figura a produção de lãs.
Dispunha-me, no entanto, a rever esse conjunto de medidas e a rectificar, porventura, a minha opinião, quando, logo poucos dias depois, a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, em representação enviada a esta Assembleia e dirigida a V. Ex.ª, Sr. Presidente, por uma forma clara e precisa, com argumentos o números, veio esclarecer a posição do problema das lãs no seu reflexo com a indústria.
Supus que, com este documento, o assunto só teria, efectivamente, por esclarecido.
Mas não.
O Sr. Deputado Figueiroa Rego, na mesma sessão em que foi lida essa representação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, e justamente, em presença dela, anunciou um aviso prévio, em que, textualmente, se propôs tratar dos seguintes pontos:
1.º A importação intempestiva e maciça de lãs estrangeiras em 1946;
2.º As perspectivas graves para a lavoura e para a própria industria derivadas dessa imoderada importação;
3.º Os seus reflexos na nossa balança comercial e no mercado de cambiais;
4.º Final e secundariamente, os pedidos do nova ou novas fábricas de lavagem e penteação e respectivas consequências para a lavoura.
O âmbito das acusações ficou, como se verifica, notòriamente reduzido agora, em faço dos termos do aviso prévio, certamente porque o Sr. Deputado Figueiroa Rego, ao procurar dar expressão concreta ao seu primitivo libelo, teve de reconhecer que as faltas atribuídas à indústria estavam na categoria dos crimes impossíveis ou esta não passava de simples autor material dessas faltas, e o Sr. Deputado Figueiroa Rego havia-se esquecido de chamar à responsabilidade o autor moral.
Entretanto, conhecido do País o aviso prévio, começaram a chegar a esta Assembleia vozes da lavoura e vozes da indústria, entrechocando-se nos seus clamores e denotando que tanto num como noutro desses sectores o problema ou, antes, os problemas equacionados haviam provocado uma lamentável e desorientada luta de opiniões.
Ora, antes do mais, importa colocar o assunto numa atmosfera de serenidade ...
O Sr. Melo Machado: - Mas nós ainda não tínhamos saído dela.
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O Orador: - Não me refiro à atmosfera criada nesta Assembleia, mas sim à criada lá fora, da qual são reflexo os documentos recebidos nesta Assembleia.
Dizia eu que, antes de mais, importa colocar o assunto numa atmosfera de serenidade, única propícia ao exame dos problemas agitados - e felizmente agitados se, em consequência deste debate, vierem a ser convenientemente resolvidos.
Há que partir do princípio de que lavoura e indústria são elementos igualmente necessários à nossa economia, cada qual tendo, embora, a sua esfera de acção, mas que, longe de serem antagónicos, como parece ter-se suposto, os interesses de ambas são comuns, estreitamente comuns, e têm de integrar-se por sua vez, ambos também, num plano superior de ordem nacional.
E como poderia deixar de ser assim se o nosso mercado industrial consumidor é essencialmente o interno, onde, pode dizer-se, os agricultores constituem o maior número?
E como poderia deixar de ser assim se, recìprocamente, o comprador de toda a lã nacional (excepção feita para uma parte de lã churra) é a nossa indústria, que importa defender de desamor da população, para usar das palavras de um fulgurante economista português, fazendo-lhe ver nela um motivo de orgulho e fazendo-lhe compreender que directa ou indirectamente a indústria contribui para lhe melhorar a vida?
Vender mais produtos da terra à custa de menor actividade industrial pertence à categoria das soluções excessivamente fáceis, diz ainda, com flagrante lucidez, o citado autor, que é o Sr. engenheiro Ferreira Dias.
O Sr. Nunes Mexia: - V. Ex.ª dá-me licença? E o inverso?
O Orador: - V. Ex.ª terá de argumentar nessa ocasião com o autor deste parecer, que é, ia eu a dizer, o Sr. engenheiro Ferreira Dias.
Não é assim que se consegue criar suficiente nível para o País poder comprar nem suficiente necessidade paira dever comprar.
É à luz destas ideias, que se me afiguram incontestáveis, que me abalanço a analisar os pontos tratados pelo Sr. Deputado Figueiroa Rego no seu aviso prévio.
O problema da melhoria, qualitativa e quantitativa, das lãs nacionais tem sido desde há muito um problema que deu preocupações.
Entregue, porém, às vicissitudes de uma economia liberal, ele nunca conseguiu encontrar nos esforços singulares, nas tentativas, nem sempre animadoras, de um ou outro produtor, quaisquer resultados de considerar.
Foi só ao abrigo das disposições intervencionistas da economia corporativa, facilitadas, melhor dizendo, impulsionadas pelos preceitos da Constituição de 1933, que esse problema pôde ser posto e definidas as linhas gerais da sua adequada solução.
O primeiro passo neste sentido foi dado pelo decreto-lei n.º 29:749, de 13 de Julho de 1939, que criou a Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
O problema veio então a ser de alguma maneira planificado, e não há que ter medo da palavra, agora que ela se encontra adoptada não só nas economias colectivistas como nas individualistas e generalizada na linguagem da especialidade.
Uma vez planificado o problema, quer dizer que ficou subordinado, quanto à sua solução, a determinadas normas que eram impostas aos interessados, e não apenas aconselhadas ou sugeridas.
O relatório do diploma criador da Junta define essas normas:
a) Fazer mais largo aproveitamento das lãs nacionais;
b) Aumentar os rebanhos e melhorar a sua qualidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em síntese: mais e melhor lã, para permitir uma mais intensa industrialização. Para atingir estes objectivos a Junta, pela 2.ª secção, ficou com competência para organizar o serviço de recolha e selecção das lãs em estabelecimentos próprios; proceder à formação de lotes ou partidas de idêntica qualidade; conceder créditos aos produtores; pronunciar-se sobre a importação e exportação de lãs, etc.
Mas a verdade é que, para lá da Junta, antes que esta possa intervir como organismo regulador e coordenador, há que ter em conta a actividade dos produtores, o seu espírito de empreendimento, a sua preparação técnica, a sua capacidade organizadora, a sua própria disciplina.
E é evidente que é por aqui que tem de começar-se.
Se os rebanhos são heterogéneos, se as tosquias são mal feitas, se é deficiente a apartação e anárquico o comércio da lã, como poderá ser profícua a acção da Junta e como poderá afinal o industrial vir a ter interesse na compra e utilização da lã nacional?
Portanto parece oportuno e legítimo perguntar:
Que fez a lavoura para assegurar, no campo biológico, a pureza das estirpes?
Que fez para preservar os lanígeros dos malefícios do meio fisiográfico?
O Sr. Figuelroa Rego: - Porque acabaram com a comissão arbitral?
O Orador: - Isso nada tem que ver com as questões que estou a pôr.
O Sr. Figueiroa Rego: - Oportunamente rebaterei as considerações de V. Ex.ª
O Orador: - Que fez para fomentar a produção?
Que fez para melhorar e aperfeiçoar a tecnologia das tosquias?
Que fez para garantir uma boa escolha das lãs?
Que fez para modificar as condições de armazenagem e do mercado?
Acaso estes aspectos fundamentais do vasto problema da lã se encontram resolvidos, ou foram sequer tentadas, para eles, algumas soluções?
Eu li, em trabalhos técnicos .recentes e autorizados, que não se tom formado núcleos selectos ide populações ovinas; li que os lanígeros não são, por via de regra, rodeados dos cuidados que permitam evidenciar as qualidades do velo; li que as tosquias se fazem por processos rudimentares, em «tendais» quase sempre improvisados; li que as instalações onde se aparta a lã são deficientes e impróprias, parecendo mão serem conhecidas as condições que se exigem em tarefas desta natureza; li que a forma deficiente como, na maioria dos casos, tem lugar a conservação da matéria-prima é, de facto, indiscutível; li que o mercado idas lãs é, entre nós, totalmente desorganizado.
De sorte que eu deixo sem resposta directa aquelas perguntas, mas avanço desde já esta afirmação: a lavoura ainda hoje não abastece suficientemente, nem em qualidade nem em quantidade, a nossa indústria de têxteis.
E todavia o condicionalismo legal criado à produção pelas insistentes medidas publicadas de 1939 para cá - nada menos de trinta e três diplomas, entre decretos e portarias - parece que devia despertar o seu interesse.
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Aqui está, por consequência, um largo campo aberto às iniciativas e à natural actividade dos proprietários de ovinos.
Por outro lado, é certo - se bem que isto contrarie a ordem de considerações do Sr. Deputado Figueiroa Hugo - que a indústria de lanifícios foi das primeiras a enquadrar-se na organização corporativa, o que tanto vale dizer na disciplina dos seus princípios.
Afirma-o o decreto n.º 26:850, de 29 de Julho do 1936, que criou a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, em cujo relatório preambular expressamente se consignam os progressos feitos nos últimos anos, verificados na modernização de instalações e na qualidade dos tecidos.
Mas terá havido desvios à disciplina da organização por parte dos industriais, infracções ao seu próprio estatuto legal?
Não só o admito, como o afirmo.
Houve-os, por certo.
Houve-os sobretudo quando, nos anos da guerra, justamente a falta de matéria-prima reduzia o trabalho nas oficinas, levando por vezes à sua completa paralisação, e abalava por maneira assustadora o equilíbrio económico das empresas.
Então, muitos fabricantes se lançaram desordenadamente, porventura contra o regime legal estabelecido, na compra de lãs no País.
Mas nessa desordem também houve alguma coisa de legítima defesa.
Ou cinco anos de guerra privaram a indústria de 13 milhões de quilogramas de lã, que a tanto montaria a quantidade normal da sua importação durante aquele período. E, apesar de tudo, os encargos tributários, os de energia, os de salários, os de carácter social, nunca deixaram de acentuar-se, sem condescendências.
Enfim, o facto é por demais conhecido e já foi lealmente confessado, em relatório oficial, por estas palavras: «não se pôde dominar as dificuldades, nem diminuir a especulação, nem abastecer o mercado».
O Sr. Figueiroa Rego: - Disso beneficiaram alguns até 1945 ...
O Orador: - Eis uma afirmação que V. Ex.ª terá o cuidado de demonstrar.
No entanto, eu pergunto: é a lavoura, que deve ter sido, som dúvida, a principal beneficiária desta situação irregular, quem vem queixar-se?
É a lavoura, que, ao abrigo de qualquer concorrência, viu u sua lã sobrevalarizada até onde o desequilibrado mercado interno actuou como único regulador (tal como só diz numa circular da Junta Nacional dos Produtos Pecuários), ao sentir afectada pelos inevitáveis eleitos do preço internacional essa sobrevalorização, quem procede desta forma?
O Sr. João do Amaral: - Mas ela queixa-se do que se passa agora, e não do que se passou.
O Orador: - Não podemos fazer distinções.
O Sr. Melo Machado: - O que é preciso é saber qual é que está rica: a lavoura ou a indústria.
O Orador:- Eu é que não estou.
Sr. Presidente: não deixa de ser estranha semelhante atitude, tanto mais quanto é certo ser a lã, no complexo agrário, um, entre muitos, dos produtos que concorrem para a riqueza do lavrador, enquanto que na indústria ela é a matéria-prima essencial, de que depende basicamente a sorte da empresa.
Sr. Presidente parece que neste momento o que pode interessar a todos nós é a solução do problema que tem prendido a atenção da Assembleia.
Por isso, será nesse sentido, deixando de lado inúteis recriminações - inúteis ou, pelo menos, inoportunas -, será no sentido de uma contribuição de alcance construtivo, ia eu dizendo, que ordenarei as considerações que ainda me resta fazer.
A questão das lãs reveste, como já por vezes foi dito, dois aspectos fundamentais: o quantitativo e o qualitativo.
O primeiro resolve-se pela simples inspecção de números: uma produção de cerca de 6 milhões de quilogramas e um consumo da ordem dos 10 milhões.
Há, portanto, ainda uma larga margem para as possibilidades da lavoura.
Que a lavoura intensifique a produção, e não lhe faltará, certamente, comprador.
Quanto ao segundo, não é por mero capricho nem por animosidade que a indústria adquire no mercado externo uma parte da lã que trabalha nas suas fábricas. Fá-lo porque as lãs nacionais, pelo menos em grande parte, não têm apresentado até hoje as qualidades indispensáveis ao fabrico de alguns tipos de tecidos de que ela não pode prescindir na sua laboração.
A lã é uma matéria-prima de características muito variadas.
O Sr. Dr. Mário Morais, num dos seus valiosos trabalhos, assinala-lhe, por ordem decrescente de importância, estas propriedades: finura, comprimento da fibra, uniformidade, macieza ao tacto, cor e brilho, ondulação, resistência e extensibilidade, elasticidade e flexibilidade, higroscopicidade, rendimento em lavado a fundo.
E nenhuma destas propriedades pode ser desprezada na preparação de um tecido.
Poderá a lã nacional, mercê do esforço dos produtores - e note-se que é a eles que compete e se impõe o dever de tal iniciativa, através de uma conveniente organização -, vir a alcançar estas propriedades na medida em que isso se torna necessário para a sua eficiente utilização industrial?
Se o conseguir, creio que a indústria será a primeira a felicitar-se.
Mas a lavoura - e será a lavoura? - põe a questão de outra forma: que a indústria nos compre primeiro toda a lã que produzimos e depois que importe o que lhe aprouver.
Ora este critério é insustentável.
E é insustentável em face do interesse nacional, com que, aliás, esse mesmo critério pretende acobertar-se.
A indústria, sob pena de não satisfazer as necessidades do mercado, tem de acompanhar as exigências da moda, dos padrões, da técnica, que obrigam ao emprego de lãs variadas. Nós já não estamos no século XVII, em que os trajos eram decretados por meio de pragmáticas, nem a lavoura deseja com certeza que todo o País só envolva em surrobeco ...
Depois, um sistema fechado de aquisição de matérias-primas havia de conduzir não só ao abandono da qualidade como à especulação do preço.
O fenómeno foi previsto pelo Chefe do Governo e logo jugulado ao sustentar, doutrinàriamente, o princípio de que a liberdade de comércio externo e as pautas aduaneiras devem constituir na mão do Estado a segura defesa dos interesses gerais contra os abusos prováveis ou possíveis de qualquer sector da economia nacional.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Não. A lavoura não pode pretender dominar a indústria. Tem de se harmonizar com ela. Tem de se adaptar às suas necessidades e procurar satisfazê-las em condições compatíveis com aã suas possibilidades económicas.
O Sr. Figueiroa Rego: - Perfeitamente de acordo; mas também não se pode admitir o inverso.
O Orador: - E daqui deriva logo um outro aspecto - o custo.
Como se sabe, a indústria não é livre na fixação dos preços dos tecidos.
Para só me reportar ao diploma que actualmente regula esta matéria, direi que a portaria n.º 10:902, de 19 de Março de 1945, obriga à remessa a uma comissão de fiscalização dos cálculos de fabrico, para efeito de determinação dos preços de venda, que não podem exceder os das tabelas em vigor.
O Sr. Figueiroa Rego: - Quem praticou a rotura dessa tabela?
O Orador: - Comprimida neste regime, com que o Governo acertadamente procurou defender o consumidor, a indústria não pode, lògicamente, adquirir lãs a preços que ultrapassem aqueles limites.
Há, em última análise, uma disciplina corporativa, a que está também, por forma indirecta, obrigada a própria lavoura.
Tal é o que poderemos chamar o quadro geral em que se movimenta o problema das lãs. E, traçado ele, vejamos agora mais de perto as questões postas no aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego.
O que sucedeu em 1946?
A indústria estava sem stocks e o mercado carecido da abastecimento de tecidos, pelas dificuldades criadas pela guerra.
Os negociantes - alguns, pelo menos -, na expectativa de uma insuficiente importação, fizeram grandes provisões de lãs nacionais, a preços elevados.
Enfim, prepararam-se para especular.
Ora a indústria, por força daquela salutar disciplina, não pode comprar lã a preços de especulação. E, assim, foi abastecer-se principalmente no mercado externo, que lhe vendeu a lã a cotações compatíveis com a margem legal estabelecida.
É claro que o negociante não viu bem esta resolução. Mas o abastecimento do País fez-se, e está quase normalizado, e isto parece que é o mais importante.
Em resumo, um episódio no quadro geral do problema, que só confirma a necessidade de a lavoura o a indústria procurarem um melhor entendimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outro ponto: a instalação de penteações.
abe-se que a vida da lã compreende três fases: a produção, a transformação e a industrialização.
Até agora a transformação tem-se encontrado conjugada com a indústria, e é com ela que tem, de facto, mais afinidades.
Mas, em teoria, pode deixar de estar.
O que é necessário, porém, é produzir mais, melhor e barato.
E isto só será possível - e nós temos uma experiência feita - com a concentração das máquinas.
Em Portugal existem, disseminadas por várias fábricas, quarenta e quatro penteadeiras, em regime de trabalho francamente inconveniente.
Considerando esta circunstância, o Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria proferiu um despacho normativo em 17 de Dezembro de 1946, segundo o qual todas estas máquinas dispersas teriam de concentrar-se, para formarem uma vantajosa unidade industrial. E neste caso a prioridade de instalação ficou naturalmente concedida aos actuais proprietários das penteadeiras.
Tudo simples e lógico, e registe-se que esta concentração foi decidida ao abrigo da lei n.º 2:005, que a Assembleia Nacional votou.
O Sr. Nunes Mexia: - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª pode informar a Assembleia se a lei do condicionamento industrial era respeitada nessa concentração? É que lá diz-se que se não podem substituir máquinas velhas por máquinas novas com um aumento de produção...
O Orador: - Julgo que sim, e nem se pode presumir o contrário.
Sr. Presidente: ao concluir a minha intervenção neste debate quero afirmar que também eu, como o Sr. Deputado Figueiroa Rego, entendo que é dever nosso aproveitar ao máximo os próprios recursos do País; mas importa acrescentar que esta aspiração tem de realizar-se fora dos desejos imoderados, da miragem da felicidade pela riqueza, da ambição do inacessível, porque contra tudo isto - característica, embora, da época doentia em que vivemos - nos preveniu, ainda há bem poucas horas, a palavra avisada do Sr. Presidente do Conselho.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: se está fora de toda a discussão o facto de o nosso País não ter conhecido as devastações e horrores da grande guerra que há pouco terminou, e esse espantoso serviço deve-se à clarividência de um Governo patriota e ao génio de um Homem que definitivamente entrou na galeria dos grandes personagens da história de Portugal e da Humanidade (Apoiados), nunca é demais reconhecê-lo e agradecê-lo; é também indiscutível que os portugueses suportaram e suportam ainda duríssimos sacrifícios provocados pelo cataclismo que assolou o Mundo durante seis intermináveis anos.
E se esses sacrifícios tivessem sido equanimemente distribuídos por todos os portugueses não teríamos outro remédio senão resignarmo-nos perante a calamidade que a ninguém poupava e de corajosamente encetarmos uma obra colectiva para a consecução da melhoria das nossas condições de vida.
Mas a verdade é que a guerra provocou um temeroso desnível económico entre os portugueses. Para uns - são a maioria - a guerra constituiu um empobrecimento trágico; para outros, um enriquecimento desmedido. À custa da miséria de tantos fizeram-se fortunas fabulosas, que todos os dias crescem desmesuradamente.
Para uns a guerra foi desgraça, para outros regabofe.
E, como sempre, os grandes devoraram os pequenos...
O Sr. Pacheco de Amorim: - Já o dizia Vieira.
O Orador: - Exactamente; como já dizia o grande Vieira no sermão que pregou aos peixes na cidade da Baía. E isso é um grande mal, porque são precisos muitos pequenos para alimentar um grande.
Ainda se se desse o contrário, se os pequenos comessem os grandes, o mal seria menor, porque bastava um grande para dar de comer a muitos pequenos.
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Isto parece linguagem subversiva, mas não é minha. Como já disse, é do padre António Vieira, e ele tem as costas suficientemente largas para assumir a responsabilidade de tal afirmação.
Na hipótese, os grandes foram os especuladores, e emprego esta palavra no sentido mais amplo e mais genérico, para abranger todos aqueles que ganharam mais do que deviam, mesmo à margem das leis penais, e os pequenos, as vítimas, foram os consumidores.
Há quem diga - e parece que com razão - que o consumidor é uma ficção económica. Consumidores somos nós todos.
O Sr. Melo Machado: - Até mesmo os tais «tubarões».
O Orador: - Somos todos nós, é verdade. E parece-me que o Sr. Deputado Nunes Mexia concorda com esta doutrina, que é boa ...
O Sr. Nunes Mexia: - Absolutamente.
O Orador: -... porque V. Ex.ª disse ontem que no problema lanar todos protestam: protestam produtores, protestam industriais, protestam armazenistas, protestam retalhistas, e não falou dos consumidores.
O Sr. Nunes Mexia: - Esses... parto-se do princípio que também protestam.
O Orador: - Ora eu, servindo-me da liberdade que me é outorgada pela minha ignorância nos altos problemas económicos (Não apoiados), empregarei, à falta do melhor vocábulo, esta palavra «consumidor» para designar os que não são fabricantes, nem grandes proprietários, nem comerciantes por ofício e por milicianismo. Designarei por esta palavra aqueles que têm de viver de rendas fixas e os que, com o esforço do seu braço ou do seu cérebro, têm de ganhar o suficiente para ocorrer às despesas fundamentais de uma vida que pretendem seja decente.
Refiro-me aos pequenos agricultores, aos trabalhadores dos campos e das oficinas - e os salários destes já subiram por forma apreciável; aos que exercem profissões de ordem intelectual; aos que têm de viver de rendimentos de pequenas economias acumuladas - e são tantos os velhos e viúvas e órfãos que estão nestas condições! -, e ao funcionalismo público, civil e militar.
Numa palavra, quero referir-me àquela dona de casa que, atónita com o preço do peixe, recebeu da sagaz peixeira esta sentença definitiva:
- Ai, a senhora não vende nada? Só compra? Então está perdida!
E a situação destes a que chamo consumidores e simplesmente desgraçada!
Eu sei que este fenómeno do súbito enriquecimento de uns à custa da miséria dos outros é peculiar a todas as épocas de anormalidade provocada pelas guerras. E sei também que foram tomadas medidas para evitar uma subida exagerada de preços. Mas porque aquele fenómeno é, em grande parte, inelutável, e ainda porque não foram tomadas todas as medidas para subtrair o consumidor à rapacidade de especuladores, a situação é esta: a fartura insolente de uns perante a miséria do maior número.
Esta é a terrível e indiscutível verdade.
Há dias, durante o debate sobre o problema monetário, foi aqui dito por quem tinha autoridade e solvência científica para o afirmar, que, graças à sábia política económica e financeira desenvolvida pelo Governo, com as reservas acumuladas durante a guerra e no período que se lhe seguiu, se podia reapetrechar econòmicamente o País e adquirir nos mercados internacionais as matérias-primas necessárias para a produção e os bons de consumo indispensáveis à melhoria das nossas precaríssimas condições de vida.
Firmemente creio que assim é. E se isto é um sonho eu também o desejo sonhar. Mas até que esse sonho se materialize completamente, até que o verbo se faça carne, o pobre consumidor continua a subir penosamente a dura encosta do seu calvário.
Ora, para atingir aquela idade de ouro que o nosso demosténico colega Dr. Bustorff da Silva aqui anunciou há dias, e todos nós desejamos que seja alcançada o mais depressa possível, parece-me que se torna mister aproveitar todas as oportunidades para se conseguir a normalização dos preços e, portanto, a descida do custo da vida.
Postos estes princípios gerais, que me parecem indiscutíveis, tratarei de averiguar sucintamente se é mais útil para os consumidores, para a maioria da gente portuguesa, a proibição ou restrição da importação de lã estrangeira, com o fim de proteger a lã nacional, ou se é mais conveniente a livre importação e exportação dessa matéria-prima. E entro desta maneira na matéria do aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego.
Direi rápidas palavras, apenas as suficientes para demonstrar que a importação de lãs em 1946 não foi imponderada nem intempestiva, e que dela resultarão tecidos melhores e mais baratos e a consequente descida nos preços de especulação da lã nacional...
O Sr. Figueiroa Rego:- ... provocada pela indústria ; demonstrarei mais tarde.
O Orador: - Especularão da lã nacional provocada pela indústria?. ..
O Sr. Soares da Fonseca: - Especulação na baixa! O Sr. Figueiroa Rego: - Especulação na alta.
O Orador: - Então V. Ex.ª concorda que o preço da lã nacional é de especulação. Muito bem; já lá vamos.
A produção de lã nacional deve andar à roda de 6:000 toneladas, digamos 6:300 toneladas. Foi esta a maior quantidade adquirida pela indústria até hoje, segundo os números que aqui tenho, relativos a 1944, fornecidos pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Desta produção, 2:500 toneladas são de lãs churras, que só servem para colchões, mantas e tapetes, dividindo-se a restante em lã branca e preta, sendo a branca a maior quantidade. A lã para tecidos anda à volta de 3:800 toneladas.
Antes da guerra o consumo da indústria andava à roda de 8:000 toneladas de lã, entrando neste número uma parte de lã churra.
Exportavam-se cerca de 900 toneladas de lã churra e preta.
O déficit era coberto pela importação. Em 1945 o consumo da indústria foi superior a 9:000 toneladas o em 1946 ultrapassou a casa das 13:000; número exacto: 13:595 toneladas.
A importação de lã estrangeira em 1946 foi do 11.069:316 quilogramas.
O Sr. Figueiroa Rego: - Em 1946 foi de 14 milhões e trezentos o tal mil quilogramas, números estes que foram fornecidos oficialmente pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
O Orador: - Mas isso não prova nada.
O Sr. Figueiroa Rego: - Estes números foram tirados dos boletins das taxas cobradas na Alfândega.
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O Sr. Nunes Mexia: - A diferença está na lã desembarcada e ainda não desalfandegada.
O Orador: - Não é assim. Esses 14 milhões a que se referem as licenças não correspondem à realidade.
O Sr. Figueiroa Rego: - V. Ex.ª dá-me licença?
Faço a declaração peremptória, sem receio de desmentido, do que a quantidade de lãs recebida nas fábricas é inferior à que estava depositada nos armazéns da Alfândega.
Depois demonstrarei.
O Orador: - Mas qual ó a quantidade que foi despachada? 12 ou 14 milhões?
O Sr. Figueiroa Rego: - Em 31 de Dezembro de 1946 existiam em poder da indústria 8.865:000 quilogramas.
O Orador: - Mas esses 12 milhões referem-se às licenças do importação concedidas pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Ora essas licenças nem sempre são utilizadas na totalidade, porque os industriais nem sempre realizam os negócios que tinham em vista. Os números que citei a V. Ex.ªs são tirados do ofício n.º 2:529, de l do corrente, dirigido pelo Instituto Nacional de Estatística à Federação Nacional dos Industriais do Lanifícios.
De resto, a contraprova é fácil do tirar. Atendam V. Exaa.
Quilogramas
No ano do 1946, e como já foi dito, o consumo da indústria foi de ................... 13.595:000
A existência do lã em poder da indústria era em 31 de Dezembro de 1946 ................... 5.508:000
Total ................... 19.103:000
O saldo do lã que passou de 1945 para 1946 foi de ................................ 2.514:114
A quantidade de lã nacional adquirida pela indústria em 1946 foi de ................... 5.854:864
Total ................... 8.368:978
A diferença entre os 19.103:000 e os 8.368:978 quilogramas dá 10.735:298 quilogramas, número que é sensìvelmente igual ao apresentado pelo Instituto Nacional de Estatística.
De resto, mais milhão menos milhão não prova nada.
É natural que haja alguma quantidade de lã em poder dos comerciantes e que haja lã retida na Alfândega, pois, como é sabido, as mercadorias são retidas durante longos meses no porto do Lisboa, em virtude das miseráveis condições do seu apetrechamento, condições essas que ainda aqui foram justiceiramente profligadas pelo nosso ilustre colega Dr. Manuel Lourinho.
Temos, portanto, que o stock de lã em poder da indústria no um do ano de 1946 ora de 5:508 toneladas.
Como o stock normal devia ser - e foi sempre anteriormente à guerra - o do consumo de um ano e o consumo do 1946 foi superior a 13:000 toneladas, não há dúvida de que a importação feita no ano que findou não foi imponderada nem intempestiva.
Pelo contrário, essa importação ficou aquém do que devia ter sido.
E foi pena que não tivesse vindo mais lã, porque de uma maior importação teria advindo também maior lucro para o País, em virtude de ter subido 20 a 30 por cento nos últimos leilões realizados na Austrália.
Vejamos agora os preços por que as lãs nacionais tom sido vendidas.
Em 1939 o quilograma de lã merina, lavada, nacional, custava 17$, ao passo que a lã da Austrália e do Cabo custava nessa altura 27$. Em 1940 o preço da lã nacional passou a ser de 27$; de 38$ em 1941; em 1942 38$94; em 1943, 44$; e em 1944, 46$66.
Em 1945 foi tabelada em 49$30.
Mas os lavradores resolveram não acatar a tabela fixada pelo Governo, e na verdade não a acataram.
Por isso a indústria teve de conceder uma sobretaxa do 3$, pagando, portanto, a lã a 52$30.
Mas houve 141 produtores que nem assim a venderam.
O Sr. Nunes Mexia: - Esses 141 produtores venderam à Federação Nacional dos Lanifícios ou aos grémios dos industriais.
O Orador: - Eu ainda não cheguei ao fim e eu é que dirijo a minha fala. De resto, se a Federação a comprou a esses altos preços, foi porque lha não venderam mais barata.
Ora os 141 produtores a que me refiro nem por esse preço venderam, e então a indústria teve de adquirir 426:623 toneladas a preços que variaram entre 59$40 e 67$85.
E é curioso notar o seguinte:
Ao lavrador do Norte requisita-se a lenha, requisita-se o milho, requisita-se tudo, e, às vezes, de que maneira!
O Sr. Melo Machado: - Só ao do Norte?
O Orador: - É um apontamento que dou a V. Ex.ªs Se ele sonega algum milho e o vende fora da tabela, ferra-se com elo na cadeia. Pois a lã, que predomina principalmente no Sul, nunca se requisitou. Tabelou-se, mas permitiu-se que os produtores a vendessem por preços muito superiores à tabela ...
O Sr. Nunes Mexia: - Havia um preço estabelecido e garantiu-se um mínimo; houve até um regime pelo qual os grémios da lavoura e os compradores eram autorizados a mandar lavar e pentear a lã, pagando o trabalho executado à façon. Com uma parte do lucro da penteação melhoravam-se os preços das lãs pagos à lavoura, sem que daí resultasse agravamento do preço dos tecidos.
A diferença que V. Ex.ª aponta nos preços tem a razão de sor que acabo de indicar e não constitui a especulação que V. Ex.ª imaginava.
O Orador: - A indústria não se prejudicou com isso; quem se prejudicou, como sempre, foi o pobre consumidor.
No mesmo ano de 1945 as lãs da Austrália e do Cabo custavam 44$50 o quilograma.
O Sr. João do Amaral: - O que está provado é que o industrial e o productor se aliaram para tosquiar o consumidor, e V. Ex.ª ainda não abordou o problema do' consumidor.
O Orador: - Já lá vou. Não tenha V. Ex.ª pressa.
Restabelecido o mercado livre pela portaria n.º 11:197, de 1946, as lãs nacionais foram adquiridas, em média, a 60$ o quilograma, ao passo que as lãs da Austrália e do Cabo foram compradas a 43$.
Enquanto que as lãs nacionais quase quadruplicaram de preço em relação a 1939, o custo da lã estrangeira não chegou ao dobro em referência ao mesmo ano.
O Sr. Figueiroa Rego: - Em 1939 estavam muito abaixo das cotações externas, e, procurando a paridade,
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veja V. Ex.ª que não houve quádruplo do preço, apenas o dobro.
O Orador: - Não há paridade, há diferenciais que tinham sido fixados pela concorrência de 1939, e, como tenho de partir de uma base, parto dos preços livremente estabelecidos em 1939.
Temos, assim, em 1939: lãs nacionais, 17$; lãs estrangeiras, 27$; e em 1946: lãs nacionais, 60$; lãs estrangeiras, 43$.
Se isto não ó especulação por parte dos produtores nacionais, não sei o que significa esta palavra.
Ora, quem tem sido o grande prejudicado, o verdadeiro tosquiado? Tem sido o consumidor e, principalmente, o consumidor pobre.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª não tem o direito de acusar a lavoura, porque, em todo o caso, essa vítima podo vestir-se graças à lã nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Soares da Fonseca: - O que não é motivo para a despir agora...
O Orador: - A lavoura não fez nenhuma África em vender a lã... cara.
Ora dizia eu que o grande tosquiado foi o consumidor pobre, e posso fàcilmente fazer a demonstração disto: o preço de um metro de casimira de estambre em 1939 era de 81$ e actualmente é de 131$, tendo subido portanto 70 por cento; um metro de flanela fina custava em 1939 68$, custa agora 90$, sendo, pois, a subida de 30 por cento.
Pois um metro de surrobeco de l.ª, que em 1939 custava 33$, custa neste momento 89$92 e o de 2.ª, que custava 21$, custa agora 55$. Quási triplicou de preço.
Nestes simples exemplos se patenteiam os belos efeitos do facto de a lã nacional ter ficado sozinha em campo e do não ter sofrido a concorrência da lã estrangeira.
O Sr. Melo Machado: - Mas o surrobeco dantes fazia-se só com lã estrangeira?
O Orador: - Não; fazia-se e faz-se com lã nacional. Simplesmente, como havia um diferencial apreciável entre os preços da lã estrangeira e da lã nacional, a diferença entre tecidos finos e tecidos grosseiros era e devia ser grande.
O Sr. João do Amaral: - A demonstração só ficará completa quando V. Ex.ª nos disser que esta importação de lã estrangeira vai fazer descer estes preços.
Além disso, é preciso também demonstrar em que percentagens as lãs entram na confecção dos tecidos.
O Orador: - O preço da lã nacional quase quadruplicou. Esse aumento representa uma verdadeira especulação. Ora, desde que se importou lã estrangeira em quantidade apreciável e por preço mais baixo, a lã nacional tem de descer e os tecidos que com uma e outra se farão têm de ser infalìvelmente mais baratos. Só nos podemos defender dos produtores de lã com abundância de lã; só nos podemos defender dos industriais e dos comerciantes com abundância de tecidos.
O Sr. Deputado Figueiroa Rego disse que já estão a vender-se tecidos abaixo da tabela. Óptimo. Isto demonstra que a concorrência da lã estrangeira já fez baixar os tecidos.
O Sr. Cincinato da Costa: - Durante a guerra não teria havido stocks internacionais?
O Orador: - O que é que V. Ex.ª adianta com isso?
O Sr. Cincinato da Costa: - Se antes da guerra a lã nacional estava a 17$ e a lã estrangeira a 27$ e agora se dá o contrário, podia ter sido uma habilidade do mercado externo ...
O Orador: - Já se sabe que nos últimos leilões realizados na Austrália a lã subiu 20 a 30 por cento.
Além disso, se nos pomos aqui com «ses», não chegamos a conclusão nenhuma.
O Sr. Figueiroa Rego: - V. Ex.ª dá-me licença?
Vou informar V. Ex.ª com outros elementos. O último número de Wool Record dá as seguintes subidas para as lãs da Austrália: sujas, 44,5 por cento; lavadas, 59 por conto.
O Orador: - Isso só demonstra que foi vantajosíssima a importação feita, que não foi nem maciça nem intempestiva, e que dela resultaram tecidos melhores e mais baratos e a consequente descida do preço de especulação da lã nacional.
O Sr. Nunes Mexia: - V. Ex.ª falou em preços do especulação. Porque não fala das taxas de fabrico? Quer dar-se ao incómodo de ler o que aqui está?
O Orador: - Eu não posso ler esta enorme partitura. Se as taxas são de especulação, corrijam-se. Metam-se na ordem os industriais, se eles estiverem fora dela.
O Sr. Figueiroa Rego: - Apoiado. Foi o que eu defendi.
O Orador: - Mas V. Ex.ª defendo os altos preços das lãs nacionais.
E vir dizer que a protecção às lãs nacionais também defende o consumidor acho que é uma afirmação que não está certa.
O Sr. Figueiroa Rego: - Mal interpretada.
O Sr. Melo Machado: - O que V. Ex.ª ainda não pediu foi a importação de tecidos mais baratos.
O Orador: - Venham eles; a importação é livre.
Sr. Presidente: proclamar a liberdade de preços, como o fizeram os produtores em 1945, não acatando as tabelas do Governo, e vir agora reclamar contra a concorrência da lã estrangeira, quando os nossos mercados estão exaustos, parece-me que não está certo.
O Sr. Melo Machado: - Posso esclarecer V. Ex.ª de que houve leilões oficiais de lãs que tiveram de ser anulados porque os industriais trataram de fazer subir o preço dessas lãs acima do limite da tabela. Então quem é que fez a especulação?
O Orador: - Especulação onde?
O Sr. Melo Machado: - Nos leilões. V. Ex.ª está sempre a dizer que a lavoura é que faz a especulação.
O Orador: - Evidentemente; especularam os que venderam, porque provocaram a rarefacção do mercado.
Sr. Presidente: o valor da produção nacional de lãs é insuficiente para as necessidades do nosso consumo.
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Voado-se lã no mercado internacional.
Temos dinheiro para a comprar.
Os produtores, para aguentarem os altos preços da lã nacional, agitam o perigo da exportação de cambiais com que têm de ser adquiridas as lãs estrangeiras.
Ora as cambiais servem para adquirir no estrangeiro o que é essencial à nossa vida.
Dizer a quem mio podo comprar os tecidos aos altos preços provocados pela lã nacional: «Rapa frio porque, em compensação, tons cambiais; sentir-te-ás suficientemente aquecido se te prosternares perante o bezerro de ouro», não convence ninguém.
Acima dos direitos do bezerro está o direito à vida. Primum viver e, deinde... cambialia. A lã estrangeira ó do melhor qualidade. É mais rendosa.
Basta citar que l quilograma de lã merina da Austrália rende mais 30:000 metros de ao do que a melhor lã nacional.
Por ser mais barata, da importação de lã estrangeira resultarão fatalmente tecidos melhores e mais baratos.
Por isso louvo, sem reservas, a portaria do antigo Ministro da Economia Sr. Dr. Luís Supico que restabeleceu a livre importação e exportação das lãs.
O consumidor está asfixiado. Ir-lhe ministrando um poucochinho de oxigénio para que ele possa viver ou, polo menos, arrastar a sua existência significa, na presente conjuntura, defender o interesse nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentada.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns momentos.
Eram 17 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 35 minutos.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: poios discursos proficientes pronunciados pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Figueiroa Rego, que teve a oportuna iniciativa do aviso prévio que estamos a apreciar, e pelos distintos oradores que se lhe seguiram no uso da palavra, bem como por várias representações enviadas por interessados na produção e na respectiva indústria, verifica-se que neste importante problema das lãs há alguma coisa que não está certa.
Importante, acabo de dizer, porque, no respeitante às diferentes modalidades industriais que o aproveitamento daquela preciosa matéria-prima requer para a multiplicidade das suas utilizações vê-se que se empregam muitos milhares de operários e estão colocados avultados capitais em instalações fabris e nas variadas operações inerentes ao respectivo movimento industrial e comercial.
Mais importante no que respeita à respectiva produção, pois os números com que os ilustres oradores que tivemos a honra de ouvir nos esclareceram demonstram que ela interessa de uma maneira geral a toda a nossa lavoura, desde os simples cabaneiros e casais de categoria modesta, que não vão além de meia dúzia do ovelhas, aos proprietários de áreas maiores, incluindo muitos latifundiários, cujos rebanhos são formados por milhares daqueles utilíssimos ruminantes.
Mas ainda muito mais importante, pelo elevadíssimo número das pessoas afectadas, no que respeita ao vastíssimo sector dos respectivos consumidores, pois, ou seja de pano de modesto tecido ou do mais aprimorado artefacto, não há quem não use como vestuário, por muito pobre que seja, alguma das variadíssimas categorias de lãs a que os ilustres oradores aludiram com incontestáveis conhecimentos técnicos.
E não é só no vestuário, pois que a lã entra na confecção do cobertores e de outros agasalhos com que, do uma maneira geral, todos se defendem do frio.
E, ainda no capítulo da indumentária, é digna do nota aquela espécie de feltro fabricado pela indústria doméstica das regiões montanhosas, como a do planalto barrosão, com que se fabricam os capotes originais que resistem às maiores nevadas, mesmo quando fustigados por autênticos furacões.
Isto sem mais longas referências a outros artigos do largo uso, tais como as meias e as luvas e a imensa variedade de tapetes, que muitas vezes constituem valiosas revelações do arte regional, que embelezam o garantem certo grau de conforto, tanto a moradias modestas como aos mais sumptuosos solares.
Como já aqui se disse, e muito bem, o gado ovino, além de contribuir tão largamente para vestir e agasalhar os habitantes e embelezar-lhes as casas, constitui valiosíssimo elemento de adubação das terras e entra como factor do maior mérito, pelo leite produzido, pelos queijos, alguns de grande renome, que se fabricam em várias regiões do País e, principalmente, mercê da sua apreciada carne, na alimentação humana.
Há ainda a salientar o valor das respectivas peles o de variadíssimos subprodutos de largo o utilíssimo emprego.
Sr. Presidente: pelas reclamações que tivemos ocasião do ler e pelos largamente fundamentados discursos aqui pronunciados conclui-se que, apesar dos importantes valores que se registam naquele importantíssimo sector da produção nacional, ninguém está satisfeito. Os consumidores, claro está, reputam caríssimo tudo o que são forçados a adquirir, quando os recursos tanto escasseiam.
A lavoura queixa-se de que as lãs dos seus rebanhos, se uma ou outra vez têm atingido cotações remuneradoras, frequentemente acontece não compensarem o grande esforço que a sua produção exige a muitos milhares do pessoas e os avultados capitais envolvidos, sem falar no valor das enormes extensões de terreno consagradas às respectivas pastagens.
É não é só sobre o preço corrente das lãs que se ouvem reclamações. A lavoura protesta contra a sua procura irregularíssima, tendo-se aqui falado em grandes stocks armazenados e outros expostos às intempéries, apontando-se até casos do partidas importantes em plena fermentação e, assim, em risco de só inutilizarem completamente, com prejuízos incomportáveis para os respectivos possuidores.
E se no mercado interno não encontram a regular colocação das quantidades normalmente produzidas, o que assim imobilizam grandes capitais, expostos, como acabo de dizer, a completa perda, regista-se que a sua exportação tem sido dificultada por um conjunto do circunstâncias deploráveis.
E, pelo que ouvi, ao lado daquelas grandes existências de lã nacional, para cuja totalidade não tem havido mercado remunerador aquém ou além fronteiras, registam-se enormes quantidades daquele artigo recebido de vários países que, por variadas circunstâncias, conseguem produzir a lã em condições tais que se torna difícil, senão impossível, uma económica concorrência da parte da nossa lavoura.
Por seu lado, a indústria afirma que aquela matéria-prima de procedência estrangeira lhe é absolutamente indispensável para o fabrico de tecidos pedidos pelo nosso mercado consumidor, os quais não seria possível obterem-se em qualidade e preço sem determinada percentagem de certos tipos de lã que só no estrangeiro podem adquirir-se, e reputa em geral cara a matéria-prima nacional.
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Objecta-se, porém, do campo produtor que a lã nacional, se devidamente tratada, poderia suprir em grande parte a matéria-prima importada.
Tudo se limitaria à instalação de determinada maquinaria e à aplicação de processos técnicos de que a ciência felizmente dispõe.
Desta forma a lã nacional poderia concorrer em muito maior percentagem para o nosso mercado, garantindo-se-lhe assim um escoamento mais regular e cotações estáveis e remuneradoras.
Por outro lado, a economia nacional seria defendida do desequilíbrio resultante da transferência de cambiais avultadíssimas para pagamento de grandes importações daquele artigo, sendo certo que o País de todas há-de carecer para a obra de reapetrechamento de quase todas as indústrias e instalação de muitas outras novas.
Sr. Presidente: num artigo cujo consumo tão fundamentalmente interessa a todos os habitantes, forçoso é providenciar no sentido do que o seu fornecimento seja garantido em qualidades que correspondam satisfatòriamente à multiplicidade das suas utilizações, em tipos que satisfaçam à diversidade de gostos e preferencias e a preços acessíveis às diversas classes sociais e, portanto, na proporção do respectivo poder de compra.
Para isso impõe-se o estudo rigoroso das possibilidades da produção lanígera nacional, no sentido de se averiguar se as qualidades o quantidades obtidas correspondem ao indispensável fornecimento da indústria, para que esta possa abastecer convenientemente o mercado consumidor.
Na hipótese de vir a concluir-se que, mercê de determinados melhoramentos nas pastagens e adaptação de raças ovinas com as características aconselháveis, será possível melhorar-se a qualidade da lã e produzir as quantidades precisas, é evidente que a lavoura deve ser orientada e, se tanto for preciso, estimulada e auxiliada nesse sentido.
Mas se viesse a concluir-se pela inviabilidade de um tal fomento, claro está que à indústria competiria estudar até onde se poderia levar o aproveitamento económico daquela matéria-prima.
Há dificuldades do ordem climática ou relacionadas com a natureza do solo que são irremovíveis para a produção de determinados tipos de lã, que noutros países encontram condições favoráveis; mas nem por isso poderia admitir-se a hipótese de pôr de parte a exploração de rebanhos, a não ser que fosse possível substituí-la por outras actividades pecuárias ou agrícolas de rendimento maior ou equivalente e reconhecidamente vantajosas para a economia nacional.
Outra solução traduzir-se-ia no êxodo inevitável dos habitantes, ou, a preferirem permanecer, numa vida miserável, que importa, para dignificação da raça e prestígio do Estado Novo, não permitir, custe o que custar.
O distinto Deputado Sr. Dr. Figueiroa Rego e outros oradores afirmaram que as nossas lãs, desde que convenientemente tratadas, podem ser utilizadas pela indústria sem prejuízo dos seus legítimos interesses e não contrariando as exigências razoáveis do mercado consumidor.
Sendo assim, ha- que ver a que sector deve competir essa preparação prévia: se aos industriais ou aos lavradores.
Repetidas vezes tenho manifestado nesta tribuna a opinião de que à lavoura devem ser reservadas, sempre que possível, as indústrias complementares daquela actividade, para aumento dos respectivos réditos, que, limitados aos provenientes directamente dos géneros agrícolas, são, por via de regra, muito escassos, e também para que os respectivos subprodutos sejam, tanto quanto possível, aproveitados pela mesma lavoura.
Sr. Presidente: na maioria dos casos, como consequência da divisão da propriedade, para que a exploração dessas indústrias complementares seja economicamente viável, haverá que recorrer a cooperativas de produtores.
Ora esta fórmula, que tem sido coroada de incontestáveis êxitos na maioria dos países, vem sendo geralmente classificada de inadaptável às condições particulares do caso português.
Com tal fundamento vimos assistindo a essa política, que eu sistemàticamente tenho condenado, de se promoverem concentrações em grandes unidades resultantes da supressão do inúmeras unidades modestas, as quais melhor teria sido introduzirem-lhes os melhoramentos que a técnica moderna aconselha, para que os pequenos industriais seus proprietários não se transformassem em capitalistas improdutivos ou viessem a proletarizar-se, com grave dano para eles e para a sociedade.
Lembro o caso do encerramento de numerosas oficinas que trabalhavam no corte e preparação de pelo para a indústria de chapéus, o da condenação de postos caseiros onde se procedia à desnatagem do leito e tantas outras actividades sacrificadas por aquela fórmula, sem justificação económica, mas de funestas consequências sociais.
Felizmente que as palavras pronunciadas no último sábado pelo Ministro da Economia na sua conferência, na cidade do Porto, com a lavoura nortenha são indicadoras de novo rumo, por isso que prometeu rever o problema das zonas de produção de leite afectas às indústrias de lacticínios o autorizar o funcionamento das respectivas cooperativas de produtores.
Eu tenho a esperança de que a política da organização das diferentes actividades que operavam estruturalmente dispersas e sem a indispensável coesão, antes hostilizando-se e prejudicando-se mutuamente, há-de conseguir, sem inutilizar o grau de concorrência que serve de estímulo ao progresso e de defesa ao consumidores, que a fórmula cooperativista triunfe, para que as pequenas unidades económicas se valorizem e formem a barreira indispensável contra todas as tentativas de subversão.
E, uma vez que o ilustre Deputado e experimentado lavrador Sr. Dr. Nunes Mexia nos demonstrou com números indiscutíveis que a lã devidamente lavada e penteada atinge cotações que, mesmo tendo em consideração as despesas daquelas operações, representam grande lucro para a lavoura, eu desejaria se tentasse para isso a constituição de uma cooperativa de lavradores.
Mas na hipótese, aliás improvável, de uma tal empresa vir a ser considerada inviável ou temerária a respectiva organização, seria à indústria que competiria instalá-la, para conveniente aproveitamento das lãs nacionais.
E sòmente depois da intervenção desta nova indústria na indispensável valorização das lãs nacionais ó que deveria ser apreciada a necessidade de importação daquela matéria-prima, para determinação das respectivas quantidades e qualidades.
Ouvi as inteligentes considerações do Sr. Dr. Figueiroa Rego sobre a justiça que haveria, a exemplo do que se passa com os trigos, de se garantir em tal caso um preço razoável à produção nacional.
Justamente na citada conferência realizada no último sábado na cidade do Porto com os grémios da lavoura o ilustre Ministro da Economia tranquilizou aquele importante sector do trabalho, que se mostrava sobressaltado com as sucessivas importações maciças de certos géneros, aliás justificadas pela sua carência actual, mas que, a prosseguirem, poderiam traduzir-se em concorrência esmagadora para a nossa lavoura, que luta com dificuldades desconhecidas noutros países, aquele Ministro, vinha eu dizendo, afirmou, no que respeita ao milho,
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que, em qualquer hipótese, lhe seria garantido um preço mínimo.
Eis a boa doutrina.
Se ela já fomenta desde há muito a cultura do trigo, que fixa numerosos habitantes em vastas zonas do nosso território onde o solo e o clima não permitem obter de outras culturas maiores vantagens económicas, também é justo que a cultura do milho, perfeitamente adequada às zonas irrigáveis, sobretudo do Noroeste, e que, além de comparticipar largamente na alimentação humana, concorre para o desenvolvimento da pecuária, seja da mesma forma estimulada.
E dentro deste critério também reputo oportuna e justificada a sugestão do Sr. Dr. Figueiroa Rego a que venho de referir-me.
Não pensaria desta forma se se tratasse de uma cultura privativa de zonas bastante limitadas e ocupando reduzido número de braços.
Mas o trigo, o milho e a lá, constituindo valores do maior interesse nacional, porque se realizam, em maior ou menor grau, por todo o território e ocupam grande parte da população, justificam fórmulas de equitativa distribuição dos respectivos encargos e correspondentes lucros, para que, sem esquecer a defesa do consumidor, as indústrias possam continuar a auferir lucros que remunerem com justiça os capitais ali colocados e garantam a todo o pessoal que nelas trabalha uma remuneração condigna, mas que, simultaneamente, à lavoura seja também assegurado tratamento idêntico, para que, finalmente, só atenuem as disparidades a que repetidas vezes mo tenho aqui referido, sempre em desfavor da lavoura, e que ameaçam, com o êxodo dos trabalhadores para as cidades, centros fabris e até para o estrangeiro, onde podem conseguir melhores remunerações, provocar o despovoamento das vastíssimas zonas rurais, o que absolutamente importa evitar.
Sr. Presidente: não quis entrar nos domínios da técnica, aliás aqui largamente apreciada com incontestável competência por colegas nossos muito distintos, porque para tanto me falecem conhecimentos; mas nos seus aspectos políticos, aos quais me esforcei por confinar as minhas considerações, muito mais haveria a dizer, tantos são, e todos da maior importância, os problemas de ordem económica e social Intimamente ligados à política das lãs.
Comecei por afirmar que em tão momentoso assunto alguma coisa não está certa.
Afigura-se-me que é, sobretudo, na indispensável coordenação dos interesses da produção e da indústria que se notam certas deficiências, que carecem de imediato remédio.
Mas, se há remédios que nada remedeiam, conforta-me a animadora esperança de que todos aqueles importantes interesses hão-de harmonizar-se, sem prejuízo, antes com vantagem, das respectivas actividades e, acima de tudo, para o bem-estar da população e garantia sólida da nossa prosperidade económica e indispensável equilíbrio social.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Estão ainda inscritos seis oradores para usarem da palavra sobro o assunto em discussão.
O debate continuará na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Júdice Buatorff da Silva.
António Maria Pinheiro Torres.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique doa Santos Tenreiro.
João Luís Augusto das Neves.
José Maria de Sacadura Botte.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Viterbo Ferreira.
Lute da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Mário Borges.
Mário de Figueiredo.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA