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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO N.º 103

ANO DE 1947 15 DE MARÇO

CÂMARA CORPORATIVA

IV LEGISLATURA

PARECER N.° 22

Proposta de lei n.° 119

(Em que se transformou o decreto-lei n.º 33:062, de 27 de Dezembro de 1946 - Protecção ao cinema português e criação do Fundo cinematográfico nacional)

A Câmara Corporativa, pelas suas secções de Ciências e letras, Interesses espirituais e morais e Belas-Artes, emite parecer acerca da proposta de lei em que se converteu o decreto-lei n.° 36:062, ratificado com emendas pela Assembleia Nacional.
O objectivo desta providência governativa é a protecção do cinema português. As questões fundamentais que se apresentam são estas: interessa à Nação que se proteja a produção cinematográfica nacional? De que natureza deve ser essa protecção? Quaisos melhores métodos de a realizar?
A resposta à primeira pergunta está na atitude unânime de todas as nações e nas providências paralelas de todos os Estados que, perante esse fenómeno prodigioso, expressão das forças e das necessidades colectivas da humanidade, linguagem da vida universal e do homem universal - nova arte, nova eloquência, novo mito, nova arma -, reconheceram que era preciso opor à influência deformadora, desnacionalizadora, por vezes moralmente destrutiva do cinema estrangeiro, um cinema nacional, um cinema «seu». Apenas por motivos de defesa? Não. Por óbvias razões de utilização. O cinema é hoje uma janela aberta sobre o Mundo. E pelo cinema - diz Ture Dahlin - que a humanidade respira. Exigem-no as massas, que nele encontram o espectáculo por excelência, imagem total da vida no
tempo e no espaço; exigem-no as elites, porque o cinema constitui poderoso e indiscutível instrumento de acção política, de criação e vulgarização de ciência, de renovação estética, de ilustração didáctica, de progresso pedagógico, de experiência humana. Não temos de o discutir; temos de o aceitar como facto inevitável, como necessidade social, como índice de civilização, certos de que a nação que melhor utilizar o seu cinema mais decisiva influência intelectual e moral exercerá sobre todas as outras. Inútil a controvérsia sobre se o cinema é ou não uma arte: aceitemo-lo como um conjunto de realidades de que nasceu uma realidade nova; como alguma coisa que possui a faculdade, a virtualidade - sem limites de absorver a vida, e de que pode fazer-se tudo - poesia, romance, pintura, teatro, história, ciência, jornalismo, civismo, caridade, fé - porque as suas raízes profundas mergulham na universalidade da alma humana. Declararam-no perigo político; e, entretanto, ele aproxima os povos e contribui para que eles se conheçam melhor. Proclamaram-no perigo social: e perante ele - necessidade de ricos e de pobres - as classes sociais confraternizam. Linguagem viva de imagens, o cinema serve indiferentemente o mal e o bem: aproveitemos o bem - e editemos o mal que ele pode fazer-nos. Tem-se dito que a produção estrangeira, não, felizmente, toda, mas parte dela (tanto mais perigosa,

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aliás, quanto mais sugestiva, mais comunicativa, mais deslumbrante), perverte a inteligência, degrada a sensibilidade, incita ao crime, mina e corrói, pouco a pouco, não apenas a armadura moral dos povos, mas a sua personalidade nacional, a sua alma colectiva. É sobretudo para corrigir, quanto possível, esse factor de corrupção e de desnacionalização que as nações, mesmo as menos opulentas e poderosas, procuram «proteger o seu cinema. Nós, povo latino e cristão, rico de história, de tradições e de personalidade, temos o dever de o fazer também.
Qual- a natureza dessa protecção urgente? Quais os seus métodos? Os Estados que protegem o cinema fazem-no estimulando a produção nacional; procurando tecnicamente melhorá-la; subsidiando-a; orientando-a, sem prejuízo do seu livre e espontâneo desenvolvimento; facilitando as operações de crédito que têm de constituir a sua indispensável base financeira; contribuindo, pela progressiva construção de mais cinemas, para o alargamento do mercado interno; coordenando a acção de todos os organismos interessados - produção, distribuição, exibição -, porque o futuro do cinema depende da harmonia e da prosperidade de todos eles; aliviando, na medida em que o permitam os superiores interesses do Estado, os encargos tributários que pesam sobre a indústria cinematográfica; defendendo a genuinidade do filme nacional; dirigindo a sua propaganda; assegurando as suas possibilidades de expansão e de colocação nos mercados internacionais. Nos Países em que o cinema não constitui, como na Rússia e na Checoslováquia, indústria «Io Estado, ou a cujo favor se não realizaram, como nos Estados Unidos da América, vastas mobilizações do capital privado (Organização Hayes e outras), o problema de solução mais difícil - porque se trata de uma indústria cara - é o financiamento da produção. «Que maravilhas maiores ainda o cinema teria oferecido ao Mundo se não vivesse - diz com razão Arnheim - acorrentado a sistemas económicos?». Entretanto, em alguns países, os poderes públicos lançaram mão de formas de subvenção e ritmais largos meios de protecção, técnica e administrativa, que notavelmente contribuem para estimular a iniciativa particular e que encontram justa compensação em serviços que, por seu turno, o cinema presta ao Estado. O Governo Português definiu a sua posição tão delicada matéria, não talvez como desejaria, mas como as circunstâncias lhe permitiram fazê-lo. Esta Câmara assim o reconhece, e por isso não propõe outras soluções, que seriam porventura inoportunas. Encontrando-se perante um diploma já ratificado, embora com emendas, limita-se a esclarecê-lo, a procurar melhorá-lo, sem prejuízo do que nele há de essencial, a informar a sua doutrina, a tornar, aqui ou além, mais clara e mais precisa a sua redacção - cumprindo, antes de tudo, o dever de acentuar que a crítica, elevada e construtiva, feita ao presente diploma na Assembleia Nacional muito facilitou o trabalho desta Câmara.
Dividimos a nossa exposição em seis partes: A Licença de exibição (capítulo I); 2.ª Criação do Fundo do cinema nacional e sua administração (capítulo II); 3.ª Definição de filme português e defesa da sua genuinidade (capítulos III e IV); 4.ª Regime de contingentes e exploração (capítulos V, VI e VII); 5.ª Serviços cinematográficos do Estado e disposições gerais (capítulos VIII e IX); 6.ª Conclusões.

1.ª - LICENÇA DE EXIBIÇÃO (capítulos I e II).

O artigo 1.° da proposta de lei em exame preceitua que a exibição em Portugal de e qualquer filme» fica dependente de licença passada pela Inspecção Geral dos
Espectáculos. O artigo 2.º fixa a taxa dessa licença, «paga por uma só vez» e variável com a categoria e espécie de cada filme (desde 10.000$ para os filmes de fundo, «destinados a ser incluídos em programas de estreia como principal atracção do espectáculo», até 100$, taxa devida pêlos pequenos filmes de actualidades). A matéria destes dois artigos suscita dúvidas que convém esclarecer.
Quais são, na realidade, os filmes sujeitos ao pagamento da licença de exibição? O artigo 1.° diz: «qualquer filme»; por conseguinte, todos, não importa qual. As pessoas menos conhecedoras destes assuntos poderiam depreender dos propósitos proteccionistas enunciados no relatório preambular do decreto-lei n.° 36:062 que só os filmes estrangeiros pagam licença. Não é assim. Pagam-na também, em igualdade de condições, os filmes nacionais. Mas - perguntar-se-á - como se compreende que se tribute aquilo mesmo que se pretende proteger? Em primeiro lugar, a taxa não pesa sobre os produtores; onera a distribuição e. indirectamente, a exibição. Em segundo lugar, se os filme? portugueses não pagassem taxa, o aumento, que se prevê, da produção nacional determinaria inevitavelmente o progressivo empobrecimento do denominado Fundo cinematográfico nacional, criado pêlos artigo? 3.° e 4.° da proposta. Em terceiro lugar, se os filmes nacionais fossem isentos do pagamento da licença de exibição, automaticamente o seriam também, pela força de compromissos internacionais já assumidos, os filmes importados de determinado ou determinados países produtores. Todos os filmes que se exibam em Portugal, nacionais ou estrangeiros, estão, pois, sujeitos à taxa fixada no artigo 2.° Mas - objectar-se-á ainda -, sendo assim, a tributação abrange os filmes produzidos pelos serviços cinematográficos do exército; os filmes científicos necessários às Universidades e escolas superiores: e, de maneira geral, todos os filmes didácticos que o ensino moderno prevê e adopta. Teria sido esse o pensamento do legislador? Parece que sim. se considerarmos a doutrina do artigo 23.° da proposta, no qual se preceitua que «os filmes produzidos pêlos serviços cinematográficos dependentes de organismos oficiais ficam sujeitos às disposições deste diploma». Convém, entretanto, distinguir. Evidentemente, todo e qualquer serviço do Estado que recorra, para a produção dos seus filmes, ao Fundo nacional criado pela proposta em exame tem de sujeitar-se, como qualquer outra entidade beneficiária, às condições em que a assistência financeira lhe é concedida; isso não significa, porém, que a exibição do filme ou filmes nesse regime produzidos obrigue necessariamente ao pagamento de licença, a não ser quando os mesmos filmes se destinem a exploração comercial e hajam, para esse efeito, de entrar, como qualquer outro, na circulação geral dos organismos distribuidores. Afigura-se pois a esta Câmara conveniente esclarecer que não devem considerar-se abrangidas pela expressão «qualquer filme» aquelas produções que não se destinem a exploração comercial.
Não é geralmente conhecida a organização da indústria cinematográfica, no complexo jogo dos seus organismos produtores, distribuidores e exibidores. Aliás, esse jogo difere de país para país, conforme a posição que o Estado assume perante o cinema e o ponto de vista do qual são considerados os seus aspectos políticos, sociais, estéticos, económicos e financeiros. Pessoas insuficientemente informadas supuseram, perante o disposto nos artigos 1.° e 2.°, que cada cinema de estreia pagaria 10.000$ de licença por cada filme de fundo que exibisse. Não sucede assim. A expressão «taxa de licença paga por uma só vez» seria suficientemente esclarecedora se não pudesse interpretar-se também no sentido de «cobrança integral da quantia no acto de on-

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trega do documento de licença», em oposição à fornia de «pagamento por semanas», preconizada pêlos Grémios. A taxa é uma só para cada filme a exibir em um ou mais cinemas de estreia e a reexibir nos restantes cinemas do País. Pagam-na normalmente os organismos de distribuição, que, nos seus contratos com as firmas exibidoras, procurarão amortizar esse encargo distribuindo-o equitativamente por todos os cinemas que passarem o filme; donde se conclui que, quanto mais vasto for o mercado interno, quer dizer, quanto mais cinenas houver no território nacional, menor será o encargo para cada um. (Se realmente, como se diz a pp. 56 e 57 do Anuário Cinematográfico de Portugal para 1946, os poderes públicos têm negado autorização para a construção de cinemas na província sempre que o respectivo projecto não inclua um teatro, temos de reconhecer que semelhante critério se opõe a toda a política de protecção do cinema nacional). Calcula-se em 106.818$, em média, a receita líquida de cada programa exibido no País durante o ano findo: a aplicação da taxa de licença, computada por programa entre 18.000$ e 14.000$, para baixar essa média para 95.218$. Andando por 250 o número de programas que anualmente se estreiam entre nós, calculam os organismos corporativos interessados que a nova taxa produza para o Fundo criado pela proposta em estudo a receita anual de 3:200 a 3:500 contos. (Parece à Câmara elevado o cálculo da importância da taxa por programa, porquanto um programa constituído por um filme de funil o e complementos de todas as categorias, incluindo seis filmes de actualidades, não chega a pagar de licença 12.000$). Constituirá a taxa de licença de exibição criada por esta proposta de lei «encargo incomportável, de que resulte fatalmente a ruína de vários distribuidores e exibidores». como afirmam os organismos corporativos interessados, na sua representação dirigida a esta Câmara: Será a receita de 3:200 a 3:500 contos amuais, mesmo calculada por alto, suficiente para assegurar protecção efectiva, ao cinema português?
Já ficou dito que o cinema é de todos os espectáculos, o mais dispendioso. O aspecto financeiro domina o complexo dos seus problemas fundamentais. Mas
— com razão o afirmou René Clair, em Le cinématographe entre l'esprit - o progresso do cinema não depende apenas do volume dos financiamentos, mas da existência de uma «organização», de uma «técnica» e, na expressão consagrada, de uma «cultura» cinematográfica. O Fundo instituído pelo artigo 3.° não se destina apenas, como veremos, a subsidiar a produção ou a caucionar as operações de crédito de que carece «uma indústria que ultrapassa, e submerge a capacidade do indivíduo» (Allport). A sua função, nos primeiros exercícios. «era. de preferência, prover ao aperfeiçoamento técnica da produção; melhorar a sua qualidade e a sua dignidade entérica; contribuir para a revelação de novos valores, pela protecção concedida à produção nacional do «pequeno filme». 3:000 contos anuais não será muito; mas nisto como em tudo, é preciso começar. Quanto à declaração, várias vezes repetida, de que a indústria cinematográfica não suporta o novo encargo tributário, lamenta esta Câmara a impossibilidade de, no curto período de alguns dias que lhe foi concedido, colher maior soma de elementos susceptíveis de esclarecer a Assembleia Nacional. Os organismos distribuidora - em número de trinta - pagaram em 1946 ao Estado (direitos, alfandegários, impostos, licenças da Inspecção dos Espectáculos), à Câmara Municipal e aos organismos corporativos 4:553 contos. O imposto único pago pelos trezentos e quarenta exibidores ao Estado rendeu no mesmo ano de 1946 (com o adicional de 25 por cento; 9:310 contos, não contando 2:330 contos às câmaras municipais, 7:075 contos ao Socorro Social, 1:485 contos de licenças de exploração e vistos, e outros, encargos, no total de 23:618 contos. É certo que em quase todos os países europeus e americanos as actividades que comercialmente exploram o cinema suportam pesados encargos (na Espanha, por exemplo, a tributação absorve 48 por cento da receita bruta); entretanto, não pode esta Câmara deixar de reconhecer que se tem pedido já aos distribuidores e exibidores portugueses alguns sacrifícios. A taxa de licença criada pelo decreto-lei n.° 36:062 é, sem dúvida, mais um; não será, porém, dos maiores, já porque o seu produto se destina ao progresso e prestígio do próprio cinema, já porque; distribuído por todos os exibidores do mesmo programa, pouco pesará sobre cada um deles. Conviria, talvez, proceder oportunamente a uma justa revisão dos encargos que oneram a exibição e a distribuição em Portugal, atendendo a que o cinema representa um conjunto de actividades coordenadas e depende do próspero desenvolvimento, não apenas de uma, mas de todas. Esta Câmara, porém, não obteve a prova de que a capacidade dos organismos distribuidores e exibidores se encontra esgotada; e, desde que não se julga preferível inscrever no Orçamento Geral do Estado para cada exercício a verba de alguns milhares de contos destinados à protecção do cinema nacional, não vê esta Câmara outra forma de resolver o problema, que não seja aquela que o Governo adoptou: a taxa. O regime das taxas de exibição está, aliás, a ser preconizado noutros países. Ainda recentemente na Grã-Bretanha o Sr. Metcalfe, ex-presidente do Cinematografers Exhibitors Association, propôs que em vez de contingentar a importação, se fizesse incidir sobre cada filme, nacional ou estrangeiro, uma taxa de licença, cujo rendimento (paralelamente, ao que se propõe no diploma em exame) se destinaria a melhorar a técnica da produção; a fundar um Banco de Cinema, destinado a facilitar aos produtores os necessários e réditos: a criar nas Universidades o ensino da cinematografia; a propiciar a revelação de valores novos. Quando a Assembleia Nacional discutiu o decreto-lei n.° 36:062, não foi propriamente o lançamento da taxa que suscitou dúvidas; foi a existência de uma taxa única. Alguns ilustres Deputados manifestaram a opinião de que embora mantendo-se a taxa máxima de 10.000$ para os filmes de fundo, deveriam fixar-se taxas degressivas para as produções nacionais ou estrangeiras de menos categoria ou de mais duvidosa atracção popular. É, porém, difícil, no acto prévio do pagamento da licença, taxar filmes em função de um êxito que eles ainda não obtiveram ou não deixaram de obter: mesma tratando-se de, filmes estrangeiros já experimentados nem sempre podem prever-se as reacções do público português, tantas vezes diferentes daquelas que se verificam em povos de outra sensibilidade e de outra cultura. Além disso, o facto de pagarem menor taxa os filmes piores poderia, em princípio, conduzir-nos à selecção invertida dos programas. Também o Grémio Nacional dos Cinemas, na representação dirigida a esta Câmara, sugeriu, não já a supressão da taxa, mas o seu pagamento em «regime de «semanas». Parece-nos, entretanto, que os resultados de semelhante processo seriam pràticamente os mesmos (no fim do ano o montante global da taxa não diminuiria); só a cobrança se teria tornado mais difícil e mais complicada.

2.ª CRIACÃO DO FUNDO DO CINEMA NACIONAL. E SUA ADMINISTRAÇÃO (Capítulo II).

O artigo 3.º cria o chamado Fundo cinematográfico nacional e entrega a sua administração ao Secretariado Nacional da Informação. Cultura Popular e Turismo.
(Esta Câmara, atendendo a que não é o Fundo que é

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cinematográfico, mas a produção a cuja protecção o mesmo Fundo se destina, prefere, por mais rigorosas, as denominações de a Fundo do cinema, nacional» ou de «Fundo nacional do cinema». Também se não denominaria «escultural», ou «arquitectónico», um fundo consignado à protecção ou subsídio da arquitectura ou da estatuária). No artigo 4.° e suas alíneas descrevem-se as receitas do Fundo, uma das quais é, como acaba de ver-se, a «licença de exibição de filmes». O artigo 5.3, seus números e parágrafos tratam da aplicação a dar às disponibilidades do Fundo criado (subsídios aos produtores; caução de créditos; estímulo e aperfeiçoamento da produção; criação da cinemateca nacional). Nos artigos 6.°, 7.° e 8.° estabelecem-se as condições a que devem obedecer a concessão de subsídios e a caução de empréstimos. O artigo 9.° determina que, enquanto o Fundo do cinema nacional não dispuser de receitas suficientes, o Comissariado do Desemprego poderá «continuar a financiar» a produção nacional, sujeitando porém a concessão dos seus créditos ou subsídios às condições que regulam o novo regime de «protecção.
Suscitou dúvidas a entrega da administração do Fundo ao Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, já porque este organismo se encontra sobrecarregado pela acumulação de muitos e variados serviços; já porque se considerou o cinema, pela vastidão dos seus problemas e pela riqueza da sua substância educativa, social, económica, estética e política, como menos pertinente no quadro de actividades e funções de um organismo especialmente destinado a superintender nos serviços de informação, propaganda e turismo; e, sobretudo, porque não se compreendeu a razão (nisto particularmente insistiram alguns Srs. Deputados por que da obra da orientação, protecção e fomento do cinema português se excluíram o Ministério da Educação Nacional e os organismos corporativos interessados. Quanto à definição da competência do Secretariado para a função técnica e administrativa que é chamado a desempenhar, esta Câmara reconhece que naquele organismo existe já uma secção de cinema, para o desempenho de uma função prevista no seu próprio estatuto; que o Secretariado tem acompanhado, com vivo interesse, o movimento de criação e de expansão do cinema nacional; e que nalguns países europeus é ao Ministério da Informação que estão subordinados os organismos ou serviços - quaisquer que eles sejam - destinados a orientar, coordenar, fiscalizar e proteger a indústria cinematográfica e a produção nacional. Assim sucede na Grã-Bretanha; assim sucede em França, cujo Centro Nacional de Cinema, recentemente criado (Outubro de 1946), funciona «sob a autoridade do Ministério encarregado da Informação»; assim sucede na própria Checoslováquia, onde o Ministério da Informação centraliza os serviços da cinematografia nacional, hoje inteiramente nas mãos do Estado. Mas - cumpre acentuá-lo - os aspectos «informativos» do cinema, que sem dúvida o aproximam da imprensa e da radiodifusão, não devem fazer esquecer os seus aspectos «educativos», por mais que eles tenham sido contestados (educação estética, vulgarização dos conhecimentos científicos, formação moral e cívica), nem, designadamente, o seu valor como instrumento didáctico. São, para facilitar a solução do problema, e até que se crio um organismo autónomo, os serviços do cinema houverem de continuar entregues ao Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo (ao qual, aliás, já antes da publicação do decreto-lei n.° 36:062 estavam afectos), esta Câmara considera necessário não deixar de assegurar a intervenção do Ministério da Educação Nacional quer na acção geral orientadora do cinema português, quer na administração do Fundo criado pelo artigo 3.º daquele diploma. E não só a do Ministério da Educação Nacional, mas ainda - porque vivemos em regime corporativo - a dos organismos corporativos interessados, quer dizer, daqueles que representam, ou vierem a representar, a indústria cinematográfica e os técnicos do cinema. Assim, a Câmara Corporativa sugere que o Secretariado exerça a administração do Fundo do cinema nacional por intermédio de um conselho responsável - o Conselho do Cinema -, de que farão parte, além do secretário nacional da informação, que presidirá, dois delegados da Junta Nacional da Educação, um pertencente à secção de belas-artes e o outro à de educação moral e cívica; um delegado do grémio ou grémios que representam ou venham a representar a indústria cinematográfica portuguesa; um delegado do sindicato ou sindicatos que representam ou venham a representar os técnicos de cinema; o inspector dos espectáculos; o chefe da secção de cinema do Secretariado, que servirá de secretário. Pode alguém objectar que, considerando certos autores o cinema como «cultura popular» e incluindo-se a chamada «cultura popular» na competência do Secretariado, a participação da Junta Nacional da Educação não é indispensável. Não pensamos assim. Semelhante participação não só está prevista no estatuto da Junta, mas, se há organismo a que possa atribuir-se, entre nós, a representação do universo de valores da cultura, esse é, sem dúvida, a Junta Nacional da Educação. Além disso, poderá o cinema definir-se restritamente como forma de cultura popular, não sendo produto espontâneo da alma do povo e não se destinando apenas às classes menos cultas, mas, como fenómeno sui generis, geral e universal, a um tempo às elites e às massas, quer dizer, a toda a humanidade? Não residirá precisamente nesse ecumenismo, nessa universalidade prodigiosa, a força e a glória do cinema, realidade que desafia e anula todas as tentativas de definição e de classificação? E o que significa, no jogo das ideias gerais, a expressão «cultura popular»? Toda a gente sabe o que quer dizer «educação popular», «arte popular», «música popular»; mas como compreender a expressão restritiva «cultura popular», se a cultura, por definição «culto dos grandes valores humanos» (quanto se tem abusado desta palavra!), é, afinal, na deslumbrante variedade do seu conteúdo, uma só?
Além dos aditamentos consequentes da criação do Conselho, outros são de recomendar na redacção e na economia do capítulo II (artigos 3.° a 9.° da proposta. Desde que, no artigo 4.°, alínea á), se descrevem como receita do Fundo as «subvenções, subsídios e créditos concedidos por entidades oficiais», conviria que a matéria do artigo 9.° figurasse como § único do referido artigo 4.°, porquanto nele se regula a forma por que uma dessas entidades - o Comissariado do Desemprego- poderá continuar a financiar a produção cinematográfica nacional, enquanto o Fundo não dispuser de receitas suficientes. No n.° 1.° do artigo 5.° diz-se que as disponibilidades do Fundo serão «aplicadas a subsidiar as entidades produtoras de filmes portugueses que com regularidade exerçam a respectiva actividade». Esta disposição restritiva não parece de manter. Não estava decerto no espírito do legislador a intenção de proteger apenas determinado grupo de produtores; o que tem de proteger-se é, de maneira geral, a produção nacional. Nem, aliás, semelhante interpretação se harmonizaria com a doutrina do n.° 5.° do mesmo artigo, que reconhece a necessidade de «revelar valores novos». Propõe esta Câmara, pois, a eliminação das palavras «que com regularidade exerçam a respectiva actividade». As expressões «cultura» e «cultural» são por vezes usadas em termos de que pode resultar confusão. No n.° 5 do artigo 5.°, definindo a natureza e espécie dos pequenos filmes que convém proteger, enumeram-se as produções

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«de carácter documental, artístico e cultural», como se um filme «documental» não fosse tantas vezes «artístico» (veja-se Paul Rotha, Documentary Film, Faber and Faber, Londres), e como se a «arte», em todas as suas expressões, não devesse considerar-se «cultura». Já na tabela do artigo 2.º se distingue entre «filme cultural» e «filme educativo», como se «educação» não fosse «cultura» também. No 11.° 7.º deste mesmo artigo preceitua-se que as disponibilidades do Fundo se aplicarão ainda «ao pagamento dos encargos relativos às licenças de exibição». Esta redacção presta-se a dúvidas. Encargos de pessoal? Parece não haver necessidade de mais funcionários para a passagem das licenças de exibição e para a contabilização da respectiva receita, porque o serviço corre pelo Secretariado da Informação, que tem a sua contabilidade, e pela Inspecção dos Espectáculos, que funciona, ou vai funcionar em breve, no mesmo Secretariado, onde existe já, como ficou dito, uma secção de cinema. Talvez o disposto no artigo 1.°, in fine, nos esclareça quanto à natureza dos encargos a que faz referência o n.º 7.º do artigo 5.° Com efeito, a taxa de licença inclui o «visto» da Comissão de Censura; desde que a importância integral da referida taxa reverta para o Fundo, deixa de existir a verba pela força da qual os censores são pagos; e daí, porventura, a necessidade de autorizar a Administração a prover a esse encargo. Como, porém, do mesmo Fundo terá de sair também a importância das senhas de presença aos vogais do Conselho do Cinema (àqueles, apenas, que representam a Junta Nacional da Educação e os organismos corporativos interessados; não aos funcionários do Secretariado ou da Inspecção dos Espectáculos), convirá dar ao n.° 7.° do artigo 5.° outra redacção. Os restantes artigos deste capítulo contêm matéria em grande parte adjectiva. Não há, porém, inconveniente em mante-los com as alterações resultantes da criação do Conselho. O disposto no § 2.° do artigo 5.° deve constituir matéria de um artigo novo, que será o último. Com efeito, não é preciso regulamentar apenas a administração e contabilidade do Fundo, mas toda a lei. Há referências ao regulamento em outros pontos do texto (§ 3.° do artigo 17.º, artigo 22.°)

3.ª - DEFINIÇÃO DE FILME PORTUGUÊS E DEVESA DA SUA GENUINIDADE (capítulos III e IV).

Os capítulos III e IV (definição do filme português; dobragem e legendas de filmes estrangeiros) podem reunir-se, para efeito de estudo, num único capítulo: defesa da genuinidade do espectáculo cinematográfico nacional.
Desde que se trata do filme português, convém, naturalmente, definir a natureza e limites daquilo que só protege. A definição terá de ser, com pequenas alterações, aquela que se contém no artigo 10.° e suas alíneas O legislador considerou portugueses: a) os filmes «falados em língua portuguesa»; a) os filmes «produzidos em «estúdios» e laboratórios pertencentes a sociedades portuguesas instaladas em território português»; c) os filmes «representativos do espírito português, pelo seu tema, ambiento, linguagem e encenação, sem prejuízo dos grandes temas da cultura universal». Quanto à alínea a), nenhuma dúvida se oferece. Oxalá a língua portuguesa seja de futuro prezada, quer nos filmes nacionais, quer nas legendas dos filmes estrangeiros, mais do que, com honrosas excepções, tem sido até aqui. No que respeita à alínea a), convirá, como foi observado na douta Assembleia Nacional, substituir «sociedades» por «empresas». Com efeito, a entidade produtora pode não ser uma sociedade. Quanto à alínea c), permite-se esta Câmara algumas observações. Sem dúvida, o «tema» e o «ambiente» constituem características da produção nacional; mas o cinema estrangeiro pode utilizar (já o tem feito) temas e ambientes portugueses sem deixar de ser estrangeiro; e o cinema nacional, como o teatro nacional, pode lançar mão de temas estrangeiros sem por isso deixar de ser português. A «linguagem», já na alínea a) foi dito que deve ser a portuguesa: inútil repeti-lo. Quanto à «encenação», importa considerar que se trata de uma técnica, susceptível de enriquecer-se peio contributo universal, e não de uma característica nacional propriamente dita. O facto de ter havido mestres encenadores ingleses, franceses, russos, alemães, italianos (Max Reiuhard, Bragaglia, Lugné-Poë, Piteeff, Alexandre Tairoff, Gordon-Craig), não quer dizer que haja uma encenação francesa, inglesa, italiana, alemã, russa ou, ainda menos, portuguesa. Se isto é verdade no teatro, muito mais ainda o é no cinema. Judiciosamente, o legislador ressalvou, na alínea em exame, que de nenhum modo o produtor nacional se encontra inibido de escolher «temas da cultura universal». Evidentemente, Ésquilo não deixou de produzir teatro grego quando escreveu os Persas; nem Shakespeare teatro inglês quando extraiu da novela de Luigi da Porto o Romeu e Julieta; nem Corneille, Racine, Beaumarchais, Hugo, Giraudoux, Valéry ou Anouille fizeram teatro menos animado do clarão do génio francês quando escreveram o Cid, Berenice, Casamento de Fígaro, Ruy Blas, Judite, o Fausto ou a Antígona. A expressão, porém, «temas da cultura universal» induz em erro. Com efeito, não se trata apenas de «temas da cultura», mas de «temas da vida». Um assunto (conflito moral resultante da oposição de caracteres e da interferência, de séries de acontecimentos humanos) não constitui «tema de cultura» senão depois de convertido em obra-prima da literatura, do teatro ou do cinema. Não é decerto fácil precisar estes conceitos, mormente num texto jurídico; mas, desde que o artigo 5.° pretende ser uma definição, devemos torná-lo quanto - possível nítido e preciso. A Câmara propõe para o n.° 7.° deste artigo nova redacção, nestes termos: «ser representativo do espírito português, quer traduza a psicologia, os costumes, as tradições, a história, a alma colectiva do nosso povo, quer se inspire nos grandes temas da vida e da cultura universais».
Passemos a outro problema, não menos delicado: a dobragem de filmes estrangeiros. O artigo 12.° proíbe a exibição em todo o território nacional de filmes estrangeiros dobrados em língua portuguesa. Na legislação espanhola adoptou-se por muito tempo e na italiana adopta-se ainda o critério oposto: impôs-se como obrigação aos distribuidores e exibidores precisamente aquilo mesmo que, pelo decreto-lei n.° 36:062, praticamente se proíbe no nosso País, ou seja a dobragem da língua nacional. Não foi sem justificadas hesitações que esta Câmara procurou marcar a sua posição perante o problema. Como se compreende -pergunta-se - que se haja manifestado por formas tão contraditórias o mesmo espírito de protecção nacionalista? É fácil a explicação. O legislador procurou atingir objectivos diferentes no nosso País e nos dois outros países novi-latinos. Em Espanha e na Itália protegeu-se a língua, proibindo que se ouvissem no cinema idiomas estrangeiros. Em Portugal procura-se proteger a produção cinematográfica nacional. Assim, 03 filmes portugueses distinguir-se-ão dos estrangeiros em ser fadados em português; e o público, quando não haja sensível diferença de qualidade, preferirá os filmes portugueses, porque os entende melhor. É uma forma indirecta de protecção, que consiste em não permitir que se torne extensivo ao cinema estrangeiro um elemento de compreensão, e portanto de atracção, cujo privilégio o cinema nacional reserva para si: a língua pátria. Ao mesmo propósito obedece o disposto no artigo 13.°, que proíbe

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a importação de filmes estrangeiros falados em língua portuguesa. Esta Câmara, atendendo, por um lado, a que o diploma em estudo se propõe proteger por todos os meios, mesmo os indirectos, a produção nacional, e, por outro, a que a dobragem, mesmo quando tecnicamente perfeita, é artìsticamente condenada pelas maiores autoridades do cinema mundial, nenhuma dúvida suscita quanto à doutrina dos artigos 12.° e 13.° Quanto à preferência a dar pelos distribuidores aos laboratórios nacionais na denominada sobreimpressão das legendas e ao pagamento da taxa complementar de 1.000$ por cada 300 metros quando a referida sobreimpressão seja mandada fazer fora do País (artigo 15.°), nada opõe também.
No que respeita ao artigo 16.° (formato de 16 milímetros), esta Câmara considera-o deslocado no capítulo IV e, porventura, na economia do decreto-lei n.° 36:062, agora convertido em proposta de lei; reconhece que os aspectos do problema são predominantemente políticos; e, nestes termos, julga conveniente que, enquanto fie não legislar sobre o assunto, o uso do formato de 16 milímetros fique dependente, para cada caso, de autorização do Governo.

4.ª - REGIME DE CONTINGENTES E EXPLORAÇÃO (capítulos V, VI e VII).

A Câmara concorda em que se estabeleça para o espectáculo cinematográfico nacional o regime de contingentes. Trata-se de medida que não constitui novidade, porque a adoptam quase todos os países estrangeiros interessados em proteger a sua produção. O artigo 17.° fixa a proporção mínima de uma semana de espectáculo cinematográfico português para cada cinco semanas de espectáculo cinematográfico estrangeiro, ou seja 1/4: dois meses por ano. Em França, o contingente de exibição regulado pelo acordo Blum-Byrnes garante para o filme francês, em cada trimestre e em cada cinema, quatro semanas de exibição, ou seja 1/3: quatro meses por ano. Na Itália, por acordo de 15 de Janeiro de 1946 entre os organismos produtores, distribuidores e exibidores, foi assegurado para os filmes nacionais, em cada ano, um mínimo de sessenta dias, ou seja 1/6.: dois meses por ano. Em Espanha a exibição está contingentada na proporção de um programa espanhol para cada seis semanas de programas estrangeiros. O mesmo na República Argentina. No Brasil, três filmes de fundo nacionais para cada período de quatro meses. Isto é, nove programas brasileiros por ano. O contingente português é inferior a todos os outros e sensivelmente igual ao que acaba de estabelecer a Itália, ainda mal acordada do pesadelo da guerra. Mas, se é certo que nenhuma dúvida ocorre a esta Câmara, quer quanto à política de contingentes, quer quanto ao contingente fixado, alguns esclarecimentos parecem entretanto necessários no que respeita ao disposto na parte final do artigo 17.° Nele se preceitua, como aliás era óbvio, que os cinemas estão dispensados de cumprir a obrigação do contingente quando a produção nacional efectiva de cada ano não assegurar o seu cumprimento. Parece, porém, à primeira vista que o disposto mais adiante, no artigo 27.°, contradiz esse preceito, obrigando os mesmos cinemas a completar o contingente com os filmes portugueses produzidos nos últimos cinco anos, alguns dos quais - como se disse na Assembleia Nacional e se escreveu na imprensa - deixaram muito a desejar sob todos os pontos de vista. Não foi, porém, essa a intenção do legislador, embora a insuficiente redacção dos dois artigos favoreça o equívoco. Temos de distinguir entre os cinemas de estreia de Lisboa e Porto e os restantes cinemas de reexibição do País. Evidentemente, os cinemas de estreia não podem cumprir o contingente de filmes nacionais senão quando haja filmes portugueses novos. Nenhuma disposição legal os obriga, nem essa é a sua função, a reexibir filmes nacionais antigos. Semelhante obrigação cabe apenas aos restantes cinemas do País, os quais, para lhe dar cumprimento, podem livremente escolher entre os filmes portugueses estreados antes da publicação do decreto-lei n.° 36:062. E ninguém os obriga a escolher os piores. Convém ainda lembrar que muitos cinemas da província dão apenas um ou dois espectáculos por semana, porque não têm público para mais. Para efeito do cumprimento do disposto no artigo 17.° e seus parágrafos, cada espectáculo ou cada dois espectáculos (consoante a função é semanal ou bi-semanal) representam uma semana de contingente. É, porém, necessário que isso fique devidamente esclarecido na lei.
Não tem esta Câmara qualquer observação a fazer quanto à doutrina dos artigos 18.°, 19.° e 20.° Não sucede o mesmo respectivamente aos artigos 21.° e 22.° Parecem justificados alguns reparos feitos pelo Grémio Nacional dos Cinemas à doutrina destes dois últimos artigos. Houve, sem dúvida, filmes portugueses cujas condições de aluguer nos cinemas de estreia atingiram a percentagem de 50 por cento da receita bruta fixada como mínimo no artigo 21.°; mas houve outros -afirma aquele organismo corporativo - que foram alugados por percentagem inferior. Nos espectáculos diurnos paga-se pelos filmes nacionais metade da percentagem fixada para os espectáculos nocturnos. A grande maioria dos cinemas de província e de bairro trabalhou a preço fixo. Entende esta Câmara que as condições de aluguer dos filmes portugueses não podem ser determinadas por decreto, mas tratadas entre o Secretariado Nacional da Informação e os organismos corporativos interessados, com a maleabilidade que tão delicada matéria requer. O mesmo deverá fazer-se quanto u fixação das percentagens sobre a receita máxima acima das quais o exibidor não poderá retirar do programa um filme português (artigo 22.°).

5.ª - SERVIÇOS CINEMATOGRÁFICOS OFICIAIS E DISPOSIÇÕES GERAIS (capítulos VIII e IX).

Como atrás ficou dito, entende esta Câmara que os filmes produzidos pelos serviços oficiais só devem ficar sujeitos às disposições da presente proposta de lei: 1.° quando esses serviços recorram para a produção dos seus filmes ao Fundo do cinema nacional; 2.° quando os mesmos filmes se destinem a ser explorados comercialmente. Só no primeiro caso se justifica que as produções cinematográficas dos serviços oficiais (Universidades, academias, escolas superiores, serviços militares, agrícolas, coloniais) fiquem sujeitas à acção fiscaliza dor a e orientadora exercida, nos termos do § único do artigo 7.°, pelo Secretariado Nacional da Informação. Só no segundo caso é admissível que os filmes dos serviços oficiais paguem taxa de licença.

6.ª - CONCLUSÕES.

Em conclusão, esta Câmara é de parecer:
1.° Que o Estado deve proteger e estimular a produção do cinema nacional, tendo especialmente em vista a sua função social e educativa, os seus aspectos estéticos e a defesa dos altos valores morais da cultura;
2.° Que o cinema português, pela qualidade e êxito de algumas obras já produzidas; pelo volume dos capitais que na sua produção se invertem (17:000 contos, só em 1946, em nove filmes realizados); pelo labor das oficinas e do laboratório existentes (representativos de valor superior a 25:000 contos), constitui realidade digna de ser protegida;

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3.° Que os métodos de protecção adoptados (criação do Fundo do cinema nacional, regime de contingentes, orientação e coordenação superior da produção nacional, estímulo da produção do pequeno filme) não diferem sensivelmente daqueles que a experiência de outras nações consagrou;
4.° Que, não sendo de esperar, nesta oportunidade, que o Estado por si só assegure a dotação necessária à efectiva protecção do cinema nacional, o problema não teria solução se não fosse buscar-se à própria indústria do cinema a receita necessária para esse fim;
5.° Que a taxa de licença, principal receita do Fundo do cinema nacional, repartindo-se por todo o mercado que exiba e reexiba o mesmo programa (mercado cujo rendimento bruto anual atinge 85:000 a 90:000 contos), constitui encargo menos pesado do que à primeira vista poderia parecer;
6.° Que, até que se justifique a conveniência de entregar a um organismo autónomo, como se pratica noutros países, a acção superior orientadora e coordenadora dos serviços do cinema e a administração do Fundo criado por esta proposta, deve essa função ser atribuída ao Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, que a exercerá por intermédio de um Conselho do Cinema, com representação suficiente da Junta Nacional da Educação (secções de beks-artes e de educação moral e cívica e dos organismos corporativos interessados;
7.° Que parece de aconselhar a revisão dos encargos que oneram os vários ramos da indústria cinematográfica, a fim de os atenuar quanto possível, porquanto a protecção concedida ao cinema não será completa nem eficaz se não abranger todo o conjunto das suas actividades;
S.° Que deve facilitar-se a construção de mais cinemas, não só para indispensável alargamento do mercado interno, mas para que os teatros existentes possam ser restituídos à sua função;
6.° Que a par da maior difusão interna, convém assegurar, por meio de acordos, a expansão internacional do cinema português;
10.° Que, quer nos filmes nacionais, quer nas legendas dos filmes estrangeiros, quer, ainda, na locação dos comentários, procure zelar-se a pureza e prestígio da língua portuguesa;
11.° Que seria justo tornar extensiva a protecção do Estado às outras formas cultas do espectáculo, em especial ao teatro português, de tão esplêndidas tradições, e à música portuguesa.
Em harmonia com as conclusões a que chegou e de conformidade com as sugestões apresentadas no decurso do presente relatório, a Câmara Corporativa, atendendo a que convém dar nova ordenação às matérias, suprimir alguns, artigos, números e parágrafos, aditar outros, alterar a redacção de muitos, julga dever completar o seu trabalho submetendo à consideração da Assembleia Nacional novo texto da proposta de lei era que se converteu o decreto-lei n.° 36:062.
Esse texto, que inevitavelmente altera a numeração dos artigos, é o seguinte:
Fundo do cinema nacional
Artigo 1.° O Estado resolve adoptar medidas atinentes à protecção, coordenação e estímulo da produção do cinema nacional, tendo em atenção a sua função social e educativa, os seus aspectos estéticos e a defesa dos altos valores morais da cultura.
Art. 2.° É criado, para esse fim, o Fundo do cinema nacional, cuja administração o Secretariado Nacional
da Informação, Cultura Popular e Turismo exercerá por intermédio do Conselho do Cinema.
Art. 3.° O Conselho do Cinema, que funcionará no Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, será constituído pelo secretário da informação, presidente; por dois delegados da Junta Nacional da Educação, nomeados pelo Ministro da Educação Nacional, respectivamente, de entre os vogais das secções de belas-artes e de educação moral e cívica; pelo inspector dos espectáculos; por um delegado do grémio ou grémios que representam ou venham a representar a indústria cinematográfica; por um delegado do sindicato ou sindicatos nacionais que representem ou venham a representar os técnicos de cinema; pelo chefe da secção de cinema do Secretariado Nacional da Informação. Cultura Popular e Turismo, que será o secretário.
§ único. Os delegados da Junta Nacional e os representantes dos organismos corporativos que fizerem parte do Conselho do Cinema terão direito, por cada sessão a que assistirem, à gratificação de 100$.
Art. 4.° A exibição em Portugal de qualquer filme destinado a exploração comercial depende da prévia passagem da respectiva licença pela Inspecção dos Espectáculos, licença que inclui o actual visto da Comissão de Censura.
Art. 5.° A taxa de licença de exibição, paga por uma só vez e cobrada no acto de entrega da licença, é variável com a espécie e categoria do filme, de acordo com a seguinte tabela:

Filmes de fundo (todos os de metragem superior a 1:800 metros):

Categoria A (filmes destinados a ser exibidos no programa de estreia como principal atracção do espectáculo) - 10.000$.
Categoria B (filmes destinados a ser exibidos no programa de estreia juntamente com outro filme de fundo, isto é, em programa duplo) - 5.000$.

Filmes de complemento (todos os filmes de metragem inferior a 1:800 metros, por parte não superior a 300 metros):

Categoria C (farsas e atracções musicais) - 500$.
Categoria D (desenhos animados) - 400§.
Categoria E (documentários e congéneres) - 200$.
Categoria F (actualidades) - 100$.

§ único. Se um filme classificado na categoria B vier a ser exibido em programa simples, como principal atracção do espectáculo, será cobrada a diferença entre a que houver pago e a taxa correspondente à categoria A.
Art. 6.° Constituem receita do Fundo do cinema nacional:
a) O produto da taxa de licença de exibição de filmes, criada nos termos do artigo antecedente;
b) Dotações especiais do Estado;
c) Donativos e legados particulares;
d) Subvenções, subsídios e créditos concedidos por entidades oficiais;
e) Multas aplicadas Dor infracção do disposto no artigo 17.º;
f) Quaisquer outras receitas resultantes da administração do Fundo do cinema nacional e da actividade do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo na propaganda e difusão do cinema português.

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§ único. Os empréstimos que o Comissariado do Desemprego efectuar com destino à produção cinematográfica portuguesa ficam sujeitos ao preceituado na presente lei quanto à concessão de subsídios e caucionamento de créditos pelo Fundo do cinema nacional.

II

Aplicação das disponibilidades do Fundo

Art. 7.° As disponibilidades do Fundo serão aplicadas:
1.° À concessão de subsídios às entidades produtoras de filmes portugueses, destinados a cobrir parte do custo desses filmes;
2.° Ao caucionomento de empréstimos a curto prazo, realizados pelas mesmas entidades junto da Caixa Nacional de Crédito:
3.° A prémios destinados a distinguir os filmes de maior mérito artístico e técnico e os artistas e técnicos que neles intervierem;
4.° A subsídios destinados a auxiliar os estudos e investigações que visem ao aperfeiçoamento técnico a artístico da cinematografia nacional;
6.° A subsídios destinados a intensificar a produção de filmes de curta metragem, facilitando assim a revelação de novos valores da cinematografia nacional;
6.° À criação e instalação de uma cinemateca nacional;
7.° Ao pagamento das gratificações aos membros do Conselho do Cinema e dos encargos da Inspecção dos Espectáculos, consequentes do disposto no decreto-lei n.º 34:590, de 11 de Maio de 1945.
§ único. Os subsídios previstos no n.° 1.° deste artigo não poderão exceder para cada filme 30 por cento do custo orçamentado, salvo para filmes considerados de interesse nacional por despacho do Presidente do Conselho, e serão no mínimo equivalentes ao juro das operações de crédito necessárias à produção.
Art. 8.° A concessão dos subsídios ou o caucionamento dos créditos previstos no artigo 7.° depende da prévia apresentação ao secretário nacional da informação, cultura popular e turismo e, por este, ao Conselho do Cinema de uni projecto compreendendo:
a) A exposição desenvolvida do argumento;
b) A relação dos técnicos e dos artistas principais;
c) O orçamento pormenorizado;
d) O plano de trabalho, indicando os períodos previstos para a preparação, filmagem e trabalhos acessórios, documentado por cartas de conformidade do estúdio e do laboratório em que tiver de ser produzido, quando não pertencerem à empresa produtora.
Art. 9.° O Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo fiscalizará superiormente as produções que recorram ao Fundo do cinema nacional, a fim de que o projecto aprovado pelo Conselho do Cinema seja escrupulosamente cumprido.
Art. 10.° Os produtores aos quais forem concedidos subsídios do Fundo do cinema nacional obrigam-se a fazer um seguro do filme, até à sua estreia e a favor do mesmo Fundo, por uma importância não inferior ao valor do subsídio que lhes tenha sido concedido.

III

Definição do filme português

Art. 11.° Só é considerado filme português, para efeito da protecção estabelecida nesta lei, aquele que obedecer cumulativamente às seguintes condições:
a) Ser falado em língua portuguesa;
b) Ser produzido em estúdios e laboratórios pertencentes ao Estado ou a empresas portuguesas instaladas em território português;
c) Ser representativo do espírito português, quer traduza a psicologia, os costumes, as tradições, a história, a alma colectiva do nosso povo, quer se inspire nos grandes temas da vida e da cultura universais.
Art. 12.° A concessão de licenças para a colaboração de técnicos estrangeiros nos filmes portugueses fica dependente de informação favorável do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, só sendo de admitir elementos de comprovada competência.

IV

Dobragem e legendas de filmes estrangeiros

Art. 13.° Para garantir a genuinidade do espectáculo cinematográfico nacional, não é permitida a exibição em todo o território português de filmes de fundo estrangeiros dobrados em língua portuguesa, salvo os produzidos em regime de reciprocidade, reconhecida superiormente.
Art. 14.° Fica proibida a importação de filmes de fundo estrangeiros falados em língua portuguesa, quer venham completos ou incompletos, à excepção dos realizados no Brasil e daqueles que forem reconhecidos superiormente como produzidos em regime de reciprocidade.
Art. 15.° A locução dos filmes de complemento das categorias E e F será em língua portuguesa em todo o território português.
§ único. Exceptuam-se do disposto neste artigo todos os complementos importados até 31 de Dezembro de 1946.
Art. 16.° Se a sobreimpressão de legendas portuguesas não for feita em laboratórios nacionais, estabelecidos em território português, cada parte (não superior a 300 metros) pagará uma licença suplementar de 1.000$, cuja receita reverterá a favor do Fundo do cinema nacional.

V

Contingente de filmes portugueses

Art. 17.° Todos os cinemas do território português são obrigados a exibir filmes portugueses de grande metragem, na proporção mínima de uma semana de cinema nacional por cada cinco semanas de cinema estrangeiro, independentemente do número de espectáculos semanais.
§ 1.º Os cinemas de estreia de Lisboa e Porto são obrigados ao cumprimento do contingente na medida em que o número de filmes nacionais produzidos o permita.
§ 2.º Os restantes cinemas podem cumprir o contingente com quaisquer filmes portugueses produzidos antes da publicação da presente lei, os quais serão exibidos nas condições de colocação e exploração nela estabelecidas.
§ 3.° A contagem das semanas para efeito de aplicação deste contingente é feita em relação a cada ano civil, a partir de 1 de Janeiro de 1947, podendo essas semanas ser seguidas ou interpoladas, consoante as conveniências da exploração.
§ 4.° O contingente pode ser aumentado para cada ano, mediante proposta do secretário nacional da informação, fundamentada em voto do Conselho do Cinema, quando o desenvolvimento da produção nacional o justifique.

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§ 5.° O não cumprimento do disposto neste artigo importa a aplicação de multas e o encerramento do cinema infractor, como for estabelecido no regulamento desta lei.

VI

Colocação e exploração de filmes nacionais

Art. 18.° Os contratos com filmes portugueses têm preferência sobre quaisquer contratos que as empresas exploradoras dos cinemas hajam celebrado para a exibição de filmes estrangeiros, tanto para efeito de data da estreia como de duração da sua permanência no cartaz.
Art. 19.° O produtor de um filme português deverá indicar a data da sua estreia à empresa com quem o contratar pelo menos com seis semanas de antecedência.
Art. 20.° Em todo o território português nenhum cinema fixo ou ambulante, seja qual for o formato dos filmes que projecte, pode ser propriedade ou ser explorado por empresa estrangeira ou por empresa nacional que não se encontre nos termos da base n da lei n.º 1:994, de 13 de Abril de 1943.
Art. 21.° O secretário nacional da informação fixará, com os organismos corporativos interessados, as condições mínimas de exibição dos filmes portugueses, bem como o mínimo de receita necessário para a sua permanência em exibição, resolvendo, em caso de dúvida, o Conselho do Cinema.

VII

Serviços cinematográficos oficiais

Art. 22.° Os filmes produzidos pelos serviços cinematográficos dependentes de organismos oficiais só têm de ser submetidos ao Conselho do Cinema quando os mesmos serviços hajam recorrido, para a produção desses filmes, ao Fundo do cinema nacional; e só pagam taxa de licença de exibição quando se destinem a exploração comercial.
Art. 23.° Fica o Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo autorizado a criar os serviços de noticiário e documentação cinematográfica, com os seguintes fins:
a) Utilizar o cinema como meio informativo e cultural de exposição e divulgação, por meio de filmes de actualidades, documentários Q congéneres, patrocinados ou realizados directamente pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo;
b) Reunir e arquivar na cinemateca nacional prevista no n.º 6.° do artigo 7.° os filmes que interesse conservar como documentos históricos ou obras de arte.
Art. 24.° O Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo pode fazer projectar em qualquer cinema do território português os filmes de que julgar conveniente a divulgação, devendo estabelecer com o organismo corporativo competente as condições dessa exibição.

VIII

Disposições gerais

Art. 25.° O Governo celebrará com outros países produtores de filmes acordos destinados a fomentar o intercâmbio técnico, artístico e comercial do cinema.
Art. 26.° Enquanto se não legislar especialmente para o formato de 16 milímetros, fica a exploração do mesmo formato, quer na produção, quer na distribuição e exibição de filmes, condicionada a autorização do Governo.
Art. 27.° As restrições determinadas pela presente lei não se aplicam aos filmes que se estejam produzindo na data da sua publicação.
Art. 28.° No prazo máximo de noventa dias, a contar da data da promulgação desta lei, será publicado o respectivo regulamento.

Palácio de S. Bento, 15 de Março de 1947.

Gustavo Cordeiro Ramos, assessor sem voto.
Maximino José de Morais Correia.
Paulo Durão Alves.
José Angelo Cottinelli Teimo.
Manuel Ivo da Cruz.
Reinaldo dos Santos.
Samwell Dinis.
Aurélio Augusto de Almeida.
Fernando de Freitas Simões.
D. Maria Joana Mendes Leal.
Joaquim Manuel Valente.
Amadeu Guerreiro Fortes Ruas.
Júlio Dantas, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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