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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 110

ANO DE 1947 24 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 110 DA ASSEMBLEIA NACIONAL;

EM 22 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Os Srs. Deputados Sousa Pinto, Marques de Carvalho e Querubim Guimarães mandaram para a Mesa requerimentos.
O Sr. Deputado Figueira Rego falou sobre a recisão das comunicações ferroviárias e de camionagem no distrito de Viseu.
O Sr. Deputado Marques Teixeira ocupou-se do problema das comunicações ferroviárias e de camionagem no distrito de Viseu.
O Sr. Deputado Pinto Coelho tratou da crise económica em Cabo Verde.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães referiu-se à urbanização de País.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo chamou a atenção do Governo para a Misericórdia do Funchal.
A Assembleia resolveu que o Sr. Deputada Mário Madeira não perdeu o mandato.

Ordem do dia. - Discutiu-se a proposta de lei que, estabelece a organização suprema da defesa nacional.
Usou da palavra o Sr. Deputado Carvalho Viegas.
A proposta foi aprovada com emendas.
Antes de encerrar a sessão, o Sr. Presidente anunciou que a proposta de lei sobre o cinema nacional só será discutida na próxima sessão legislativa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 11 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Manuel Marques Teixeira
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sonsa Pinto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.

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Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês:
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Sousa Pinto.

O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para o seguinte requerimento:

"Pretendendo ocupar-me oportunamente da forma como é feito o recrutamento de professores para o ensino liceal, quer para os estabelecimentos oficiais, quer para os de ensino particular, requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.° Número de lugares que constituem o quadro de professores de cada um dos liceus da metrópole e ilhas adjacentes, discriminados por grupos;
2.° Quantos desses lugares estão, em cada liceu, ocupados por professores efectivos, auxiliares e agregados, discriminados por grupos o sexos;
3.° Quantos dos mesmos lugares estuo ocupados por professores contratados, discriminados por sexos;
4.° Quantas semanas lectivas deixaram de se efectivar no ano corrente até à data em que esta informação for prestada por motivo de falta de preenchimento de vagas de professores;
5.° Número de licenciados, discriminados por sexos, que concluíram as suas licenciaturas nas Faculdades de Ciências e Letras portuguesas em cada um dos últimos dez anos;
6.° Número de diplomas de habilitação para o ensino secundário particular de letras e ciências, discriminados por sexos, passados pela Inspecção do Ensino Particular em cada um dos últimos dez anos;
7.° Número de estabelecimentos de ensino particular que têm actualmente autorização para o exercício do ensino secundário liceal, discriminados segundo essa autorização abrange ou não o ensino dos cursos complementares de ciências e letras".

O Sr. Marques de Carvalho: - Sr. Presidente: é já um lugar comum dizer que um país vale o que valorem as suas elites.
A nova idade, que tão dolorosamente se está a, formar, dará ainda maior realce a essa afirmação. Por um lado, o domínio da técnica imporá aos povos, para sobreviverem, um escol de técnicos que assegure o comando o valorize a produção. Por outro lado, esse mesmo domínio tornará, mais imperiosa, ainda a existência de camadas cultas, que mantenham viva a chama do espírito e que, erguendo os seus direitos, evitem que tudo se reduza à planura arrepiante do "material".

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A um e outro desses objectivos terá de acudir, Sr. Presidente, na plenitude da sua função, a Universidade.
Pode dizer-se que em grande parte se forja ali o nosso destino, e, por isso para lá têm de voltar os olhos os homens responsáveis.
O problema comporta, variadíssimos aspectos, mas neste momento, Sr. Presidente, eu quereria focar apenas um, seguramente dos mais importantes. Trata-se das condições em que vivem os nossos estudantes universitários, quase todos mal instalados, em circunstâncias precaríssimas, numa total ausência de ambiente propício a uni bom aproveitamento escolar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No plano da Cidade Universitária de Coimbra parece ter sido encarado com largueza esse aspecto.
Quanto ao Porto, o problema também não deixou do ter sido posto, e em termos que se afiguravam promissores. As coisas encontram-se, porém, em ponto morto, e por isso pedi a palavra a fim de solicitar esclarecimentos às entidades oficiais e de instar pela rápida aprovação do plano proposto.
Trata-se, Sr. Presidente, da aquisição da vastíssima. Quinta do Campo Alegre para a Universidade, quê ali instalaria um museu de ciências naturais e um jardim botânico, complemento indispensável dos estudos fitológicos e ao mesmo tempo valioso recinto decorativo da cidade. Seria ali, em sereno e calmo ambiente, tendo em frente a formosíssima barra do Douro, que se construiria uma residência de estudantes, com campos de

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jogos e ura estádio académico para demonstrações desportivas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A ideia, surgida na Universidade, anda a ser trabalhada há anos e, acarinhada pelo Exmo. Sr. reitor, foi levada com insistência ao Governo. Fizeram-se inquéritos habitacionais a mostrar as condições clamorosas em que vive a generalidade dos estudantes, apresentaram-se estudos e estimativas, convidaram-se vários Ministros a visitar a Quinta, o que gentilmente fizeram, não ocultando a boa impressão colhida.
Urge, porém, Sr. Presidente, ultimar as coisas para se dar início à execução desse plano, que reputo de grande alcance nacional.
O Estado Novo, a quem o Porto já deve quase a totalidade dos edifícios em que estão instalados os seus estabelecimentos universitários, completaria assim a sua obra nesse sector, e, por via dela, novo passo seria dado no caminho da Revolução Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao solicitar do Governo a sua atenção para o assunto, vou mandar para a Mesa, Sr. Presidente, o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pelos Ministérios da Educação Nacional, das Finanças e das Obras Públicas, me sejam fornecidos esclarecimentos sobre o estado em que se encontra o processo de aquisição da Quinta do Campo Alegre para a Universidade do Porto, a fim de, além de a adaptar a jardim botânico, nela se instalar uma residência de estudantes, incluindo campos de jogos, ginásio e um estádio académico.
Desses esclarecimentos deverão constar, nomeadamente, cópias dos despachos que por qualquer daqueles Ministérios tenham incidido sobre o assunto, bem como a indicação de quaisquer estudos ou projectos existentes sobre o destino e aproveitamento da referida Quinta, quer no ponto de vista da ampliação e valorização da actividade universitária, quer no da sua integração no plano de urbanização da cidade do Porto".
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento :

"Requeiro que, em complemento do requerimento, por mim feito na sessão de 28 de Fevereiro, solicitando informações, pelo Ministério da Educação Nacional, sobre casas de residência dos professores primários, me seja enviada também nota das casas dessa natureza que os respectivos professores não habitem, indicando-se o destino que se lhes deu, se estão ou não ocupadas por outras pessoas e em que condições, se o estão".

O Sr. Figueiroa Rego: - Sr. Presidente: é de moralidade administrativa e de importância política o assunto para que vou chamar a atenção da Câmara e do Governo.
Convicto da elevação moral que preside superiormente aos destinos do Estado Novo, reconheço, todavia, que é necessário corrigir desvios que o comprometem.
Não importa só a restauração do património monumental de antanho, mas também manter na sua inicial pureza a arquitectura moral da Situação. De contrário
cairemos naqueles erros que censurámos e em incoerências que deslustram.
No entrarei na pormenorização de factos concretos, porque se prestariam a especulações tendenciosas. Também não generalizo por comodismo; tão-sòmente analiso sintomas mórbidos que urge combater.
Há necessidade de manter íntegros os princípios de moralidade administrativa traçados pelo insigne Ministro das Finanças de 1928.
Em vários sectores da administração pública estão a adoptar-se certos critérios, certos métodos que, a generalizarem-se, podem derruir o magnífico edifício moral e financeiro que, com muito saber e patriótica esforço, tanto custou a erguer ao grande obreiro da reconstituição nacional, Doutor Oliveira Salazar.
Não nos iludamos. E necessário reconquistar a plena confiança do povo e não frustrar as esperanças da mocidade, que está a pisar o terreno resvaladiço do cepticismo e, até mesmo, da animosidade.
Não exagero dizendo que estamos transviados do primitivo rumo.
Não é com acrimónia que me refiro à burocracia, porque, embora agindo, por vezes, no domínio do irreal e embaraçando a vida nacional com os seus complicados formalismos e liames, no geral colabora dedicadamente no progresso e ressurgimento do País. Todavia, é necessário expurgá-la de alguns vícios, não deixar inveterá-los e estimulá-la, para que recobre o ritmo anterior, porque um certo afrouxamento ou desânimo se nota. A pobre e mesquinha trabalha em angustiosas circunstâncias, que transcendem os limites do sacrifício. E, todavia, preza ciosamente a sua honra, apesar de, quando a miséria entra pela porta, a honestidade sai pela janela.
Ela queixa-se, com razão, não só das dificuldades materiais da vida, mas também de desamparo moral, de atropelos vários aos seus legítimos direitos.
O que se passa no capítulo de admissões e promoções carece de remédio. Para alguns magnates não há lei, nem há direitos: há somente arbítrio e favoritismo. No seu departamento esses "senhores" agem discricionáriamente.
O direito de escolha deve assentar sobre o mérito provado e documentado dos candidatos. E para o temperar e reparar certas e flagrantes injustiças é mister restabelecer, embora em apertada percentagem, a promoção por antiguidade, reconhecidamente merecida.
Para ilustrar as minhas considerações poucas citações bastam. Direi que candidatos com muitos anos de serviço não devem ser preteridos por novos, embora com o mesmo tempo apenas na mesma categoria de vencimento como contratados.
É necessário que as decisões sobre os recursos interpostos pêlos preteridos tenham imediata execução, sob pena de se tornarem inúteis.
É necessário que não se arquitectem quadros de contratados a par dos quadros permanentes, a pretexto do desenvolvimento dos serviços, nem sempre justificado.
E, em ultima ratio, o que vale são os empenhos de padrinhos suspeitos a favor de afilhados indesejáveis. O favoritismo, enfim, baseado às vezes em que é bom estar de bem com Deus e com o diabo...
É moda agora em alguns departamentos do Estado propor-se aos Ministros o reajustamento dos quadros, com a mira de se regularizarem situações anormais, alargarem-se aqueles, quando a pletora é manifesta e os planos de acção não o exigem.
A contradança do quadro permanente para o dos contratados, para galgar às categorias de maior vencimento, é outra manobra nada elegante.
Conheço o caso de um funcionário vitalício de 2.º classe passar à licença ilimitada, para ser contratado

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logo a seguir para a 1.º classe, continuando na sua colocação anterior.
Mas não ensombremos mais os "quadros"...
Sr. Presidente: não vou reeditar as considerações que formulei na sessão de 23 de Março do ano passado.
Reputo-as justificativas de um projecto de lei que apresentarei, inspirado nos decretos n.ºs 15:465 e 26:115, respectivamente de 4 de Maio de 1928 e 23 de Novembro de 1935, e cuja revisão e actualização são imperativas e urgentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto lembrarei que ao funcionalismo há que exigir cada vez maior cultura e especialização.
Há que estabelecer normas rígidas para o seu recrutamento e acesso, justas, iguais e comuns a todos os departamentos do Estado.
As classes e respectivas remunerações devem ser revistas, os quadros reajustados no sentido da sua compressão, respeitando-se religiosamente os direitos adquiridos, marcando-se para o efeito um prazo transitório o criando-se a situação de supranumerários.
Enfim, revejam-se e reduzam-se as categorias de vencimentos, no intuito de uma melhor e mais equitativa graduação e de se pagar melhor às classes modestas, embora à custa das mais elevadas.
Esboça-se - é dever revelá-lo - a anarquia notada até 1935 nos serviços públicos, nos aspectos que foquei, a qual urge reprimir.
É imperiosa a necessidade de um mais duro, constante e apertado controle da Administração, através de órgãos especiais, para se conseguir um maior rendimento útil das dotações e do pessoal.
As considerações que acabo de fazer são uma oportuna lembrança para que o assunto seja tomado em conta sem delongas. E o projecto de lei que apresentarei não visa a ser uma lei-travão, mas um instrumento de moralização e economia.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: porque reconheço que esta Assembleia está assoberbada com a apreciação de altos problemas que se revestem da oportunidade de um interesse incontroverso e têm a mais elevada projecção nacional, desde já garanto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara que, mercê dessa circunstância, serão breves as considerações que vou produzir, e consequentemente não prenderei por tempo demasiado o espírito de V. Ex.ªs
Aproveitando o ensejo de V. Ex.ª me haver concedido o uso da palavra, quero reportar-me primeiramente ao objecto da minha intervenção no período de antes da ordem do dia da sessão de 18 de Março do ano findo, a fim de acentuar e pôr uma vez mais em relevo perante o actual e muito ilustre Ministro das Comunicações a necessidade instante de volver a sua atenção para a situação precária em que se encontra o distrito de Viseu em matéria de ligações pelo caminho de ferro com o resto do País, certo de que há-de buscar-lhe a solução indispensável, como é timbre do espírito esclarecido, criterioso e justo de S. Exa.
Não vou agora, Sr. Presidente, reeditar sérias razões já apontadas, argumentos convincentes repetidamente aduzidos. Limito-me apenas a solicitar empenhadamente a quem de direito, através da prestigiosa interferência de V. Ex.ª, Sr. Presidente, que encare de frente o problema, que nem carece de ser equacionado, porque já o está desde anos recuados, firmado na certeza inabalável de que, se ele for cabalmente resolvido, como é útil e urgente, advirão com segurança largos benefícios de carácter social, e sobretudo de ordem económica - e isso é que importa -, com reflexo fatal, não só na cidade de Viseu e distrito que a enquadra, como também; embora indirectamente, na própria Nação.
Mas neste momento, Sr. Presidente, o meu espírito está tomado pelo desejo de apelar para a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses e serviços técnicos do Estado que têm interferência e superintendem no capítulo da viação respeitante à camionagem no sentido de que observem o que se passa com a carreira Viseu-Vale de Cambra - Oliveira de Azeméis-Porto, circulando em grande parte do seu percurso pela estrada de 2.ª classe n.º 227.
Nada tenho que apontar, Sr. Presidente, quanto à relativa comodidade dos veículos que nela são utilizados; não me queixo da falta de urbanidade dos seus serventuários, que trabalham sob a estrita obrigação de lidar delicadamente com o público, sentindo até prazer em louvar a correcção revelada por todos eles; registo sem favor, mas somente por mero imperativo da justiça, a pontualidade com que são cumpridos os horários pré-estabelecidos, os quais, em meu entender, o foram criteriosamente.
O que me determinou a rogar a V. Ex.ª a concessão do uso da palavra foi apenas a razão seguinte: lastimar a actual exiguidade, para mim inexplicável, do número de dias por semana (sòmente dois!) em que a aludida carreira se efectua. Porquê? Houve tempo em que ela foi feita tri-semanalmente, e julgo que até quadri-semanalmente.
Qual o fundamento da manutenção, ainda agora, do novo regime? Subsiste, porventura, a escassez de combustíveis? Evidentemente que não. E é ,acaso da mesma acuidade, na presente conjuntura, a crise da rarefacção
de pneus e de câmaras de ar? Creio que não laboro em erro pronunciando-me negativamente, tanto mais que já possuímos esses artigos de fabrico nacional.
Mas convenho em que podem objectar-me: aumentando o número de dias da efectivação da carreira referida não redundará numa exploração ruinosa?
A verdade, porém, é que ela reveste os caracteres de um serviço público, e, como tal, por força dos princípios instituidores do regime jurídico que rege a actividade de quem está vinculado à prestação dos chamados serviços públicos, a questão do lucro minimiza-se necessariamente ante a própria natureza do fim a que estão afectas a sua criação e conservação - acudir às necessidades colectivas que se propôs satisfazer.
Mas abstraindo destas despretensiosas considerações, e com base apenas no que é o resultado da minha observação pessoal, naturalmente esporádica, à pergunta acima formulada parece-me poder opor uma resposta discordante.
É que, Sr. Presidente, tenho visto expedidores sentirem frustrado o seu desejo de despacho de mercadorias, o que, com certeza, lhes acarreta prejuízos do ordem material, que, em meu entender, não podem deixar de ser tomados em consideração.
Daqui, Sr. Presidente, três conclusões há a tirar: a primeira é que se verifica uma acentuada procura dos serviços transportadores da camioneta da carreira a que me venho referindo; a segunda é que a acumulação das mercadorias se diluiria e os interessados alcançariam o seu objectivo, como é legítimo, se ela circulasse em quatro ou, pelo menos, em três dias por semana; a terceira é a de que, com efeito, a intensificação da prestação desses serviços teria a contrapartida, julgo, de uma remuneração compensadora. Mas, essencialmente, não se esqueça nunca que há a satisfação de

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necessidades colectivas, a cujo imperativo importa obedecer.
E adito este apontamento, que para mim é ainda mais importante: nomeadamente entre o percurso de S. Pedro do Sul à fértil, ridente e progressiva região do Vale de Cambra, numa extensão de largas dezenas de quilómetros, à volta do qual se localizam povoações de um elevado índice demográfico (e só não cito o nome para não enfadar demasiadamente V. Ex.ªs), algumas integradas na área do distrito de Aveiro, tão carecidas de habituais e regulares processos de locomoção, muitíssimo afastadas - léguas e léguas - do caminho de ferro, com todo o cortejo de pesados inconvenientes que tal situação comporta, mormente no trajecto, repito, de S. Pedro do Sul a Vale de Cambra, tendo enxergado com os meus próprios olhos, sempre com desolação e até com amargura, o facto de inúmeras pessoas verem iludida, à última hora, a sua expectativa de cómodamente se deslocarem de um para outro lugar.
Não há caminhos de ferro, não há automóveis de aluguer, e, mesmo que os houvesse, a magreza da sua bolsa não permitiria o seu aproveitamento. É que, Sr. Presidente, trata-se, sobretudo, de pobre gente, ordinariamente de condição humilde, que come o pão amassado com o suor do rosto, mas a quem as exigências da vida impõem também, tanto como aos mimosos da fortuna, a necessidade de se movimentarem, à busca - quantas vezes - da achega de um equilíbrio para a sua vida económica, tão cheia de dificuldades e tão instável.
Neste capítulo de transportes colectivos vamos, pois, até por espírito de humanidade, ao encontro das necessidades legítimas dessa pobre gente, laboriosa, esforçada e paciente, de tal sorte que quando ela solicitar quase a medo, com ansiedade e em jeito de súplica, como tenho ouvido e visto, "um lugarzinho na camioneta, ainda que seja no depósito da bagagem, por amor de Deus", lugar que honradamente pagaria, e honradamente paga, a resposta não seja um "não" decepcionante, mas um abrir de portas franco e acolhedor.
Agora que temos a lei de fomento e coordenação de transportes terrestres votada por este órgão da soberania, em nome dos elevados fins do bem comum que ela visa, sugiro à Companhia dos Caminhos de Fervo Portugueses e peço, por intermédio de V. Ex.ª, Sr. Presidente, à Direcção Geral dos Serviços de Viação que determinem o acréscimo do número de dias por semana em que deverá vir a efectuar-se a carreira de camionetas Viseu-Vale de Cambra-Oliveira de Azeméis-Porto.
Este apelo é decalcado sobre um alto interesse de ordem colectiva, e por isso o faço confiadamente tanto mais quanto é certo ser inflexível norma orientadora da acção do Estado Novo prestar justiça a todos e dispensar sempre protecção aos mais fracos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pinto Coelho: - Sr. Presidente: há muito já que tencionava pedir, deste lugar, a atenção de S. Ex.ª o Ministro das Colónias para certos factos, que reputo graves, que se estão passando na colónia de Cabo Verde.
Mas, propositadamente, demorei esta minha intervenção : em primeiro lugar, na esperança de que produzissem resultado reclamações apresentadas por outras vias; em segundo lugar, não quis falar antes que a Assembleia marcasse a sua posição no debate, há muito anunciado e ontem concluído, sobre o inquérito parlamentar aos elementos da organização corporativa.
Mas, porque a situação da colónia se mantém na mesma e porque a Assembleia já terminou aquele debate, definindo pontos de vista quanto à posição do Estado na vida económica, considero chegada a oportunidade para tratar do assunto, apelando para S. Ex.ª o Ministro das Colónias.
Teria matéria suficiente para um aviso prévio que tencionava anunciar. Mas, porque não quero demorar mais o meu brado, pedindo a atenção do Sr. Ministro das Colónias, vou reduzir-me ao tempo regimental concedido ao uso da palavra antes da ordem do dia e apresentar apenas uns tópicos dessa questão, que considero grave, pela prejudicialíssima actividade para a vida da colónia de um organismo oficial que tem gozado da protecção e amparo de S. Ex.ª o governador da colónia. Esse organismo chama-se "Saga".
A pavorosa crise de fome que a colónia de Cabo Verde sofreu em 1941-1942 levou o Governo da Nação a tomar largas e enérgicas medidas tendentes a fazer cessar a crise e a atenuar os seus efeitos. Foi publicado, em 9 de Fevereiro de 1942, o decreto n.° 31:880, que, declarando no seu preâmbulo justificativo ser necessário o esforço da população da colónia para resolver o problema, reconhecia também ser necessário o auxílio do Estado. E esse auxílio da parte do Estado não poderia limitar-se, como até então, à abertura de trabalhos públicos, devendo revestir também o carácter de assistência, pois, sem dúvida, o problema era também um problema de assistência, que cumpria encarar.
O Sr. governador da colónia foi por esse diploma encarregado de nomear duas comissões de assistência, uma para Barlavento e outra para Sotavento, as quais exerceriam a sua actividade mediante donativos em géneros alimentícios e agasalhos, podendo somente em casos excepcionais distribuir dinheiro.
Pelo mesmo diploma foi o governador autorizado a montar um serviço de aquisição de géneros alimentícios de primeira necessidade. Assim nasceu o Serviço de Aquisição de Géneros Alimentícios, cujas iniciais dão aquele nome "Saga", que há pouco referi. Esse organismo deveria garantir a segurança da chegada dos géneros alimentícios aos locais em que deveriam ser consumidos.
Ainda o mesmo diploma mandou abrir vários créditos especiais para subsídio às comissões de assistência, mediante a aquisição de géneros alimentícios e agasalhos, que dariam entrada na Saga, que os poria à disposição das referidas comissões.
Do conjunto das medidas referidas é fácil inferir que o pensamento do Governo Central se circunscrevia ao auxílio a prestar aos famintos, pela abertura de trabalhos públicos e, através das comissões de assistência, pela obtenção e fornecimento de géneros e agasalhos.
No entanto, S. Ex.ª o governador de então fez publicar no Boletim Oficial, no suplemento ao n.° 9, de 5 de Março de 1942, uma portaria - n.° 2:411 - que pretendia dar execução ao artigo 6.° do referido decreto n.º 31:880, mas na realidade atribuiu aos serviços criados uma função mais ampla.
Logo no seu n.° 1.° estabelece que a acção da Saga. poderá ser alargada a quaisquer outros géneros ou produtos cujos reabastecimento, reserva e distribuição seja indispensável promover por intervenção oficial.
O n.° 4.º da portaria enumera as atribuições da Saga, e também dessa disposição se vê imediatamente como se estava longo dos objectivos iniciais. Assim, além de lhe competir dar satisfação às necessidades das comissões de assistência e realizar fornecimentos aos trabalhadores em obras de socorro social promovidas pelos serviços do Estado e dos municípios - o que era perfeitamente harmónico com os fins da Saga -, deu-se-lhe também competência pura abastecer quaisquer outros serviços

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públicos, designadamente militares, para fornecer ao comércio os géneros imprescindíveis ao consumo público.
Em face do decreto n.° 31:880, não se poderá deixar de considerar que estas últimas atribuições excedem em muito o alcance do diploma a executar. Isto mesmo foi reconhecido pelo governador de então, promulgador da portaria, o que o levou a estabelecer no § único do mesmo artigo 4.° que tais fornecimentos aos serviços públicos e ao comércio só seriam satisfeitos quando, através de simples inquéritos, se verificasse que as actividades estabelecidas na localidade não tinham à livre disposição dos compradores os géneros e produtos a fornecer e só seriam promovidas (?) quando não houvesse prejuízo decisivo para a satisfarão das necessidades da assistência e dos trabalhadores empregados.
Quer dizer: é o próprio diploma executivo u reconhecer que as actividades referentes ao abastecimento dos serviços públicos e do comércio são apenas supletivas das deficiências do comércio e que estão subordinadas aos objectivos reais o legítimos da Saga: assistência, aos famintos pelo fornecimento de géneros e agasalhos.
Mas ainda não é tudo. O n.° 17.° dessa portaria qualifica a Saga de organismo económico sem finalidade lucrativa. No entanto, o contraditoriamente, o n.° 8.° atribui lhe lucros, por vezes avultados, em todas as suas actividades, ao estabelecer os critérios a que obedece a fixação dos preços dos fornecimentos.
Até a própria assistência pública tem de suportar o agravamento de unia percentagem, embora declarada mínima, destinada a fazer face aos encargos de funcionamento do organismo.
Para o abastecimento dos trabalhadores empregados nos socorros sociais a portaria estabelece que o preço dos géneros será o preço corrente de venda ao público. Isto é, cobrará a Saga simultaneamente o lucro do armazenista e o do retalhista!
Também os restantes serviços oficiais dão benefício àquele organismo, pois foi determinado que nos respectivos fornecimentos a venda se faça pêlos preços praticados nos armazéns de comércio. O lucro é menor, é só o do armazenista, mas ainda é lucro, oscilando entre 5 e 7 por cento.
Quanto aos fornecimentos destinados ao consumo público, comporta-se a Saga como um autêntico organismo comercial, pois pratica os pregos que, sob. a base dos usuais estabelecidos para a venda ao público, asseguram o interesse reputado legítimo pelo trabalho de distribuição e emprego de capital.
E, como se tudo isto fosse pouco, o n.° 29.º da portaria estabeleceu que a Saga podia ser autorizada, por despacho do governador, a promover a regularização de quaisquer importações o exportações, a criação de fundos de estabilização de preços, a coordenação dos transportes, a requisição de géneros e produtos de interesse público e quaisquer outras medidas tendentes a assegurar a satisfação das necessidades instantes do consumo da colónia.
Veja-se como se estava longe do ponto de partida!
Não se limitando à finalidade assistencial, para a qual fora concebida, a Saga arvorou-se desde logo em fornecedor geral supletivo. E, avançando ainda, estabeleceu as bases de um domínio económico integral.
Noutro aspecto: tendo sido instituída para combater uma crise, procurou criar uma fonte de receita.
Isto passava-se em 1942; mas de então para cá, infelizmente, a situação piorou grandemente, pois a Saga não quis ou não pôde conservar-se na sua posição inicial e, utilizando os largos poderes que lhe eram conferidos para circunstâncias especiais, tem vindo, a pouco e pouco, a absorver as funções do comércio, criando-lhe uma situação impossível de suportar, o que, além de contrariar as leis fundamentais do País, é injusto e injustificável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Acresce que a intervenção da Saga tem sido feita muitas vezes com prejuízo da população da colónia, não só no tocante ao abastecimento de géneros, mas também no que se refere a preços.
Vejamos o que se refere ao abastecimento da colónia.
Compreendia-se que a Saga estivesse habilitada a evitar situações de carência, constituindo reservas dos produtos fundamentais, para os lançar no mercado quando o comércio não assegurasse convenientemente a importação e distribuição. Assim exerceria, até, uma salutar missão reguladora de preços, ao mesmo tempo que acudia às faltas.
Mas o que se passa é bem diverso. A Saga. servindo-se da sua posição privilegiada, tem procurado, quanto aos produtos essenciais, substituir-se ao comércio importador e armazenista, importando-os por sua conta e fornecendo-os depois aos armazenistas ou até directamente aos retalhistas. Não se limitando à função supletiva, afasta o comércio; devendo, quando muito, concorrer para o abastecimento, pretende fazê-lo todo só por si, tendo chegado a fomentar a reexportação de produtos que o comércio importara para a colónia!
O sistema adoptado pela Saga é muito simples, liaras vezes o comércio é expressamente proibido de importar; mas a Saga importa e distribui e depois não permite ao comércio o despacho ou a venda de géneros idênticos enquanto existir à venda ou em armazém um quilograma dos produtos por ela importados; e, renovando sempre as suas importações, mantém o comércio indefinidamente impossibilitado de importar.
Assim, com esta prioridade de venda dos produtos da" Saga, o comércio sofre manifesto prejuízo, pois nem sequer pode concorrer com aquele organismo; e muitas vezes terá sofrido o abastecimento da colónia, pois, se houvesse ao menos concorrência, maiores quantidades de produtos poderiam afluir a Cabo Verde.
E evidente a injustiça de que sofrem aqueles que se organizaram e existem para exercer o comércio, suportando os correspondentes encargos e correndo os inerentes riscos, contribuindo, afinal, com a sua actividade para dar vida à própria vida da colónia.
Vou referir-me a alguns dos produtos mais importantes. Começo por me referir ao açúcar.
Em certa altura um comerciante pretendeu importar açúcar, pedindo a necessária autorização. A Saga informou-o, em Agosto de 1945, de que tinha feito a Angola uma encomenda de 490 toneladas para satisfazer encomendas do comércio e que tal açúcar teria provavelmente primazia na venda.
Mas acrescentou que seria tomada em consideração a intenção do referido comerciante, para evitar novas importações que o prejudicassem. No entanto, as encomendas da Saga passaram de 490 para 679 toneladas. Daqui resultou que, quando em Setembro seguinte S. Ex.ª o governador determinou que o açúcar importado pelo Governo através da Saga teria realmente preferência na venda, ficaram ainda mais reduzidas as possibilidades do importação e venda pelo comércio.
Efectivamente, essas quantidades eram tais que em Dezembro a Saga declarava que elas satisfaziam as necessidades da colónia até Abril de 1946! E repetiu então que tinham preferência na venda, porque a sua importação fora feita a pedido do comércio local.
Mas o mais curioso é que em Dezembro de 1945 a Saga oferecia açúcar a esse mesmo comércio; e, já em Março de 1945, voltava a oferecer, ainda ao mesmo comércio, açúcar que tinha disponível para venda!

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Passou o mês de Abril; mas em Maio do 1946 uma grande companhia - a Companhia do Buzi - ainda teve de dirigir repetidas exposições ao Sr. Ministro das Colónias para conseguir que cerca de 300 toneladas de açúcar, por ela fornecidas e que há meses estavam na colónia, sofrendo perdas e quebras, pudessem ser lançadas no mercado para consumo.
A Saga não supre faltas, não concorre para o abastecimento. Tem o exclusivo do abastecimento, impedindo mesmo a concorrência, ao abrigo da primazia das vendas. Foi precisamente com o açúcar que a Saga chegou a fomentar a reexportação.
Pior é ainda, talvez, o que se passa com o arroz!
Habitualmente este produto é importado da Guiné, mas, por dificuldades da própria colónia abastecedora, tornou-se muito difícil a Cabo Verde a importação de arroz. No entanto o comércio não desistiu dessas importações, arriscou capitais, chegando a ter consideráveis quantidades compradas e pagas na Guiné, mas não conseguiu a respectiva importação, cujo exclusivo ficou pertencendo apenas à Saga.
Na verdade, este organismo conseguiu do governo da Guiné autorização para a compra de 150 ou 160 toneladas. E, ao abrigo da primazia, nenhuma outra importação da Guiné podia ser efectuada enquanto não estivesse efectuada aquela.
Porque as disponibilidades da Guiné eram fracas, o comércio nada conseguiu.
De resto, tudo seria escusado. Em Agosto de 1946 o comércio de S. Vicente foi avisado de que, de futuro, somente o governo de Cabo Verde poderia importar arroz da Guiné.
Quanto ao milho, coisa semelhante se tem passado.
Não havia grande dificuldade para os importadores conseguirem esse produto, negociado pelos organismos coordenadores das colónias produtoras.
Adoptou a Saga o mesmo sistema: comprar milho por sua conta e dar prioridade à venda do milho por ela importado, dificultando ou impossibilitando as importações do comércio.
Em dado momento - Setembro do 1946 - houve necessidade de milho na Praia. A Saga, porém, fez saber que não permitia lucros aos armazenistas; só permitia lucros aos retalhistas, e mesmo esses pequenos.
É evidente que isso paralisou a actividade do importador armazenista. Passado algum tempo condescendeu em dar algum lucro aos armazenistas, ainda que pequeno. Já alguns armazenistas se preparavam para fazer a importação quando a Saga fez saber aos armazenistas que não deixaria, vender o milho por eles importado enquanto houvesse existências da própria Saga e que esporava receber em breve milho em abundância.
Quem se atreveria, assim, a importar?
Vejamos agora o que se passa com a farinha de trigo.
A importação vem sendo feita pelo comércio em regime de quotas. Em dado momento, e alegando que alguns importadores haviam desviado de Cabo Verde quantidades de farinha, que só deviam destinar ao preenchimento das suas quotas, S. Ex.ª o governador privou-os da qualidade de importador, quando é certo que não houvera qualquer desvio, pelo menos por parte de alguns dos atingidos o quo haviam já feito fornecimentos; por outro lado aquela qualidade do importador foi mantida a outros comerciantes que ainda não haviam fornecido um só quilograma de farinha.
Naquele mesmo dia era reduzida a percentagem de farinha de trigo no fabrico do pão.
Consta, que a Saga procurou então, através da comissão portuguesa do compras na América, que lhe fossem atribuídos os fornecimentos até aí feitos aos comerciantes eliminados da lista dos importadores.
Se isso lhe fosse concedido, adoptaria naturalmente o sistema da primazia de venda e nunca mais o comércio poderia vender os produtos que importasse. O certo é que a táctica, se chegou a ser empregada, não surtiu efeito e as quotas foram atribuídas aos importadores não castigados; mas, em face da carência de farinha de trigo, foi preciso recorrer de novo aos importadores eliminados, que continuaram a enviar tudo quanto puderam.
É curioso notar que alguma dessa farinha, importada por quem não tinha obrigação de o fazer e, em rigor, até estava...proibido de o fazer, foi depois entregue aos comerciantes a quem haviam sido mantidas as quotas não preenchidas e atribuídas as dos «castigados»!
Isto no que respeita a alguns aspectos dos fornecimentos. Mas a verdade é que até dentro da própria colónia a Saga tem feito comércio, e do pior, porque, enquanto houvesse milho importado por ela, não deixava vender o da produção local.
Depois, o comércio da Saga estendeu-se a outros produtos não alimentares. Toda a produção de cimento de uma das fábricas da metrópole que ó enviada para Cabo Verde é entregue à Saga, que o vende por sua conta, com os respectivos lucros, inclusivamente aos serviços públicos!
Feitas estas breves referências no capitulo dos abastecimentos, passo a aludir aos preços.
No que diz respeito aos preços, a actividade comercial da Saga é de molde a prejudicar, muitas vezes, a economia da colónia.
Os preços dos produtos essenciais são fixados em tabelas e são calculados na base do custo dos produtos importados por aquele organismo postos na colónia, incluindo fretes, seguros, etc., e incluindo também cenas percentagens de lucros.
Seria lógico que tais tabelas significassem os preços máximos de venda. Mas não sucede assim, pois que, se um comerciante, conseguindo vencer todas as dificuldades de importação, obtiver produtos postos na colónia por preço inferior ao da tabela, não pode vendê-los por esse preço inferior enquanto houver produtos da mesma espécie importados pela Saga.
Mas, por outro lado, ao comerciante também não é consentido guardar para si a diferença entre o preço por que poderia vender e o preço por que tem de vender. É obrigado a entrar com essa diferença para os cofres da assistência pública!
E é curioso referir que a exigência desta reversão para os cofres da assistência pública é feita com base numa disposição legislativa que se refere apenas a «percentagens voluntárias pagas pelo comércio».
O raciocínio é este: se o comerciante quiser despachar e vender a sua mercadoria, tem de submeter-se a essa reversão; se não quiser sujeitar-se à reversão, não pode importar nem vender. Logo, se, querendo importar e vender, paga a reversão, paga voluntariamente...
Ora tudo isto sucede porque a Saga se meteu a comerciante, sentindo-se depois na necessidade de defender as suas importações e as suas mercadorias.
Mas é evidente que este mecanismo absurdo do exclusivo do comércio de alguns produtos essenciais prejudica até o próprio consumidor, porque obriga por vezes os comerciantes a, sem qualquer benefício próprio, vender por preços superiores àqueles por que poderiam vender.
Estou a chegar, Sr. Presidente, ao fim das minhas considerações.
Não se pretende, de modo algum, que o comércio de Cabo Verde volte ao sistema da economia inteiramente livre, à concorrência desregrada, em que uns se atropelam aos outros, quase sempre em prejuízo do consumidor.
O que se pretende é que se lhe faça uma fiscalização aportada o rigorosa, que se tabelem os preços, que se determinem as regras de funcionamento do comércio de

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importação e de distribuição, mas que se lhe permita exercer a função para que existe e que só a ele deve caber.
A Saga ou S. Ex.ª o governador não tiveram a coragem de proibir abertamente a importação dos produtos em que aquela comercia, a não ser para o caso especial do arroz atrás referido.
Ora, é preciso que o comércio saiba a lei em que vive e as condições em que pode trabalhar. Assim é que não pode - sempre dependente da existência ou não existência, para venda ou em armazém, dos produtos importados pela Saga e, para mais, lutando com a prática instabilidade dos preços.
Há várias fórmulas que poderiam ser adoptadas, mas é mal todo está no desvio fundamental que se fez dos fins do organismo.
Em conversa que tive com S. Ex.ª o governador chamei-lhe a atenção para muitos destes factos. Mas S. Ex.ª declarou-me lealmente que a colónia precisava dos lucros da Saga para ocorrer às necessidades da assistência. Objectei-lhe que a meu ver, a solução do problema devia encontrar-se no aumento dos impostos de consumo, pois então o encargo da assistência seria repartido com justiça.
Não é justo que a assistência seja feita só à custa de uma classe - a do comércio - e por meios que são profundamente contrários às disposições fundamentais da Constituição e do Estatuto do Trabalho Nacional.
Se os fins são bons e louváveis, os meios é que o não são.
Portanto, levanto daqui o meu brado de apelo e espero da boa-fé e da honestidade de S. Ex.ª o governador que ponha as coisas no seu devido pé. Se são precisas receitas pura a assistência, que sejam todos aqueles que vivem na comunidade de Cabo Verde a suportar por igual os respectivos encargos.
O que não está certo é que haja desvios de funções de um organismo que lhe permitam arrecadar milhares de contos, como se pôde ver até quando a Saga, há anos, financiou as reparações de um navio ato certa altura adstrito ao serviço da colónia.
Muito mais teria para dizer; e não desisto, se for necessário, de anunciar um aviso prévio no intuito de permitir que o assunto seja largamente debatido, para que seja feita a justiça que assiste à colónia de Cabo Verde ou para eu próprio ser esclarecido, se estou em erro.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: já tive ensejo de me referir à situação criada em todos os concelhos do País com a publicação idos decretos que estabelecem as normas de urbanização.
Já neste mesmo lugar pus em realce a grande soma de inconvenientes resultantes de uma urbanização feita à sombra do arbítrio de um presidente da câmara ou dos interesses dos particulares.
Mas também pus em realce os perigos para o desenvolvimento material de terras resultantes de uma urbanização exageradamente cingida a certos rigores de técnica.
E quer-me parecer, Sr. Presidente, que é menos prejudicial para os interesses dos nossos concelhos deixar a iniciativa particular expandir-se, apenas subordinada, para o efeito da urbanização, às licenças camarárias, do que impedir que ela se manifeste ou se abalance a realizar obras de indiscutível interesse municipal somente porque não existe o plano de urbanização.
Como toda a gente sabe, a iniciativa particular dimana de um certo número de circunstâncias em relação ao local e em relação ao tempo.
O local fica deserto e mudo (ai se ele falasse!), e o tempo vai e com ele a vontade de realizar.
Quantas e quantas iniciativas particulares têm soçobrado ante esse fantasma do plano de urbanização!
Há quem pretenda dotar a sua terra de um teatro-cinema. Impossível, porque falta o plano de urbanização.
Há quem pretenda construir a sua própria casa de habitação. Impossível, porque falta o plano de urbanização.
Há quem pretenda edificar uma igreja, uma oficina, uma escola. Impossível ou quase impossível, tais são as exigências de um plano que não existe.
Meia dúzia de boas vontades juntam-se para animarem a construção de um estádio. Impossível, porque não se sabe o que dirá a técnica, que está indefinidamente em gestação.
A crise de habitação, que preocupa seriamente quem precise de viver nas pequenas terras, é especialmente devida- ao reconhecimento por parte de particulares dos impedimentos técnico-burocráticos para a aplicação do seu dinheiro em aglomerados sujeitos às funestas normas de urbanização.
Quer isto dizer, Sr. Presidente, que eu sou contra os planos de urbanização? De maneira alguma.
Eu tenho muito prazer neste momento em acentuar que sempre encontrei no Sr. engenheiro Sá e Melo, director geral dos serviços de urbanização, uma compreensão nítida das funções em que está investido, que o leva a remover muitas dificuldades, para resolver prontamente todos os assuntos que lhe são postos.
Mas eu não me quero referir aos serviços de urbanização - e se cito o nome é para acentuar que não desejo que as minhas palavras sejam interpretadas equìvocamente.
Talvez um dia faça um requerimento para ser esclarecido sobre a demora da remessa para a Direcção Geral de certos processos de melhoramentos municipais. Hei-de confrontar os melhoramentos feitos à roda da sede dos distritos com os melhoramentos feitos nos concelhos limítrofes, para tirar as devidas conclusões.
Por agora não quero, repito, referir-me aos serviços de urbanização. Pretendo apenas citar factos e tirar as ilações que eles comportam.
E o facto é este: a lei exige um plano de urbanização. Sem plano de urbanização a terra não se pode desenvolver.
E, como os planos de urbanização não podem existir sem o levantamento topográfico nas condições estabelecidas pela lei, quase todas as terras do País estão condenadas há uns seis anos a permanecer em êxtase.
Isto não está certo.
Há câmaras que já pagaram toda a importância que lhes foi arbitrada para se proceder ao levantamento da planta topográfica.
O que lhes aconteceu? Ficaram sem dinheiro, estão sem a planta topográfica e não podem desenvolver a sua actividade nem autorizar que se desenvolva a actividade dos seus munícipes.
Eu podia testemunhar o que se passa com a Câmara de Resende e outras câmaras.
Mas para quê? Basta apenas afirmar que não há boa vontade que resista.
Que é feito dessas organizações encarregadas pelo Governo de proceder ao levantamento topográfico para os planos de urbanização?
Receberam o - dinheiro dado pelas câmaras?

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Por que motivo não satisfazem os seus compromissos, entregando os seus trabalhos? Escasseiam ainda os materiais? Há falta de técnicos?
Isto é muito grave, sob vários aspectos.
Os presidentes das câmaras não podem estar à mercê deste condicionalismo técnico. Recaem sobre eles responsabilidades que pertencem ao Governo. Ou o Governo reconhece que o que quer é impossível, ou toma providências para que o que quer seja possível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Chamo para este assunto a atenção do Sr. Ministro das Obras Públicas, e espero não ter necessidade de, noutra oportunidade, o desenvolver, conforme o reclamam os interesses gerais do País.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: na sessão de 6 de Fevereiro do ano passado concluiu a Assembleia Nacional a discussão e estudo de um dos mais importantes diplomas que têm sido submetidos à sua apreciação: a proposta de lei que estabelecia o plano geral da organização hospitalar e que, nos termos do relatório da mesma proposta, constituía o primeiro fundamento da obra que se pretende realizar neste domínio capital da assistência.
Em 2 de Abril seguinte era publicada a lei n.° 2:011, em que se convertera a proposta submetida pelo Governo à Assembleia Nacional, e logo em 30 do mesmo mês foi publicado o decreto n.° 35:621, criando a Comissão de Construções Hospitalares, que em 17 de Junho entrava em exercício efectivo de funções.
Neste período de tempo lançaram-se as bases preliminares de uma grande obra, em vésperas de efectivação plena e que, pelo seu vasto alcance e pelo alto idealismo que a informa, não pode deixar de interessar profundamente todos os portugueses, sempre tão sensíveis aos grandes objectivos da justiça e da solidariedade sociais.
Tem-se trabalhado activamente na elaboração do plano das novas construções, ampliação ou adaptação dos edifícios já existentes, organizando-se, simultaneamente, o mapa hospitalar, ou seja o conjunto de estabelecimentos hospitalares de que necessita o País e a fixação da sua categoria.
Relativamente aos hospitais centrais, pensa-se edificar dois em Lisboa - um na parte ocidental e outro na parte oriental da cidade -, um no Porto e outro em Coimbra, estando já em princípio escolhidos terrenos para a construção de alguns deles, devendo considerar-se que à margem deste programa estão a ser actualmente construídos dois hospitais escolares: um em Lisboa e outro no Porto.
Quanto aos hospitais regionais, parece que só muito poucos são susceptíveis de obras de adaptação. Quase todos terão de ser instalados em edifícios novos, estando já escolhidos os locais de construção para grande parte deles, dentro dos planos de urbanização dos respectivos municípios.
E está também concluído o programa a que deve obedecer a instalação dos futuros hospitais regionais.
Neste momento a Comissão de Construções Hospitalares está diligenciando a rápida elaboração dos projectos dos novos hospitais a construir.
Para bem se desempenhar da missão que lhe foi confiada, aquela Comissão visitou já quase todos os distritos do País e, dentro do mesmo distrito, diversos concelhos.
E deslocou-se também ao estrangeiro, a fim de conhecer algumas das mais completas e modelares organizações hospitalares do nosso tempo, tendo estado na Suíça, na Dinamarca, na Suécia e noutros países, inteirando-se das últimas inovações em matéria de construção e estudando o que mais directamente interessa ao funcionamento, à enfermagem, à instalação e à vida administrativa dos hospitais.
Quando se apreciou na Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência da Assembleia Nacional, de que me honro de fazer parte, a proposta, de lei de organização hospitalar, logo se entendeu que os hospitais regionais das ilhas, pela distância a que se encontravam dos grandes centros cirúrgicos do País, deviam ter uma organização e ser dotados dum equipamento que os aproximassem tanto quanto possível dos hospitais centrais.
Na efectivação do pensamento de reorganização hospitalar não foram esquecidas as nossas ilhas do Atlântico, e, ao mesmo tempo que se procedia à elaboração do mapa hospitalar do Portugal continental, uma missão especial visitava os Açores e a Madeira, a fim de, in loco, colher todos os elementos de estudo e de informação que habilitassem o Governo a dotar os dois arquipélagos dos estabelecimentos hospitalares que os interesses morais e materiais das respectivas populações exigem e impõem.
Deputado eleito pelo círculo do Funchal e tendo acompanhado, juntamente com todos os Deputados eleitos pelas ilhas, este problema instante desde que aqui foi posto, não quero deixar de agradecer ao Governo o interesse que lhe está merecendo este assunto e que traduz o firme propósito de dotar rapidamente os hospitais insulares dos edifícios e do equipamento indispensáveis à boa realização da sua alta finalidade social e humanitária.
O Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, que serve uma população de perto de 300:000 habitantes - população que cresce em proporções rápidas, pois basta dizer que quase duplicou em número no curto espaço de cinquenta anos -, não tem instalações apropriadas para o grande número de doentes que necessitam de ser internados e que, ao mesmo tempo, permitam tratamentos isolados e convenientes das diversas enfermidades que hoje constituem o âmbito complexo e vasto da ciência médica.
A lotação do edifício dos Marmeleiros, onde se encontra instalado o hospital, não deveria ir além de 300 doentes. Todavia a lotação regulamentar é de 360, muitas vezes excedida, como aconteceu em Outubro último, em que chegaram a estar hospitalizados 395 enfermos.
A localização do hospital, distante e incómoda, é também origem de gravíssimos inconvenientes, sobretudo para os casos e para as intervenções de urgência, como ainda recentemente o reconheceu a delegação da Ordem dos Médicos no Funchal, num notável relatório que sobre o assunto elaborou e no qual as necessidades do hospital daquela cidade são enunciadas com todo o realismo e toda a objectividade.
Não pode, portanto, a Madeira deixar de saber com júbilo que a comissão que recentemente visitou aquela ilha reuniu elementos que lhe permitem definir a sua sede hospitalar e projectar o novo hospital do Funchal.
Aproveito a oportunidade para destacar a importância do facto ao plano regional e chamar, ao mesmo tempo, a atenção do Governo para a necessidade de se olhar pela situação da Santa Casa da Misericórdia do Funchal no momento em que se estende às ilhas a execução do plano de reorganização hospitalar.
Apesar dos esforços, da dedicação, do espírito de sacrifício da Mesa da Santa Casa, do auxilio oficial e particular que lhe tem sido prestado, a verdade é que são tão grandes os encargos daquela instituição que a sua situação financeira tem sido particularmente difícil nos últimos anos.
Antes da guerra, em 1938, por exemplo, a média diária dos doentes hospitalizados era de 270. Em 1946 essa

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média elevou-se para 345 doentes. Em igual período as despesas de alimentação dos doentes subiram de 588 para 1:035 contos e as despesas de medicamentos de 207 para 516 contos.
Da Junta Geral Autónoma do Distrito recebeu durante o último ano a Santa Casa da Misericórdia subsídios que totalizam a importante verba de 520 contos, da Câmara do Funchal 120 contos e do Governo Civil 50 contos. Mas deve atender-se a que, saindo os subsídios concedidos pela Junta Geral das verbas destinadas a despesas facultativas, estes subsídios são só possíveis enquanto os encargos obrigatórios não absorverem por completo as receitas daquele corpo administrativo.
Os doentes pobres dos concelhos rurais estão a cargo das respectivas câmaras, mas, como os recursos destas são também reduzidos, há a tendência natural para limitar o número de indivíduos a abranger naquela designação. E muitas pessoas há que, não sendo consideradas rigorosamente pobres, não dispõem de 135 diários para pagarem a sua hospitalizarão. Estão neste caso muitos dos pequenos lavradores, o trabalhador rural ou o operário que possui uma moradia ou uma pequena parcela de terra, cujo braço é o arrimo principal da família e que, uma vez doentes, não só não podem sustentar os seus, quanto mais angariar meios para tratarem da sua saúde.
Torna-se necessário dotar o hospital do Funchal dos meios financeiros que tornem possível o internamento gratuito desta grande massa do doentes. As câmaras rurais deviam, em fins de Dezembro passado, à Santa Casa da Misericórdia 281 contos. À sua conta devem, de futuro, ficar apenas os doentes pobres ou indigentes, não se lhes podendo exigir maiores sacrifícios, sob pena de se comprometer irremediavelmente a sua acção administrativa.
Falando da Santa Casa da Misericórdia do Funchal não se pode esquecer o auxílio que também lhe tem dado a benemerência particular, nem deixar de referir o que aquela instituição deve aos médicos e cirurgiões que constituem os seus quadros próprios e que, pela sua competência e isenção, são honra, e lustre da classe médica portuguesa.
Por uma interessante coincidência, o novo governador civil do Funchal é também médico ilustre da Santa Casa, cuja Mesa inaugurou o ano passado o seu retrato na sala das suas sessões, em reconhecimento dos altos serviços de que lhe é devedora aquela instituição - como médico e como presidente da Junta Geral do Distrito.
Eu confio em que da passagem de S. Ex.ª pelo Governo Civil do Funchal resulte, em estreita e íntima colaboração com o Governo, a solução definitiva do problema hospitalar da Madeira.
Todos nós sabemos o interesse e o entusiasmo que o actual Ministro das Obras Públicas consagra à efectivação do plano de organização hospitalar e estão também bem presentes ainda na nossa lembrança as palavras que a este problema dedicou o Sr. engenheiro Cancela de Abreu no notabilíssimo discurso pronunciado ao tomar posse do seu cargo de Ministro do Interior e que definem, simultaneamente, um programa de acção e a nobreza de um pensamento inteiramente consagrado à defesa do bem comum.
Da acção conjugada destes ilustres membros do Governo e do Subsecretariado da Assistência há-de resultar o início de um novo período na vida hospitalar do País, e estamos certos de que daqui a um ano esta Assembleia, ao constatar a construção dos hospitais novos, vai poder congratular-se pela efectivação de uma das mais legítimas e compreensíveis aspirações nacionais.
Quis falar da questão hospitalar da Madeira. Mas naturalmente saí um pouco do âmbito local a que desejaria limitar as minhas considerações, talvez porque o
problema tem aspectos comuns e gerais. Da Assembleia Nacional fazem parte Deputados - e alguns são dos nomes mais ilustres e representativos desta Câmara - que à vida dos hospitais e das Misericórdias tem dedicado uma boa parte do seu esforço, da sua actividade e do seu próprio coração. E mesmo aqueles que não têm tomado parte directa na direcção daquelas instituições são eleitos por círculos onde se torna, em regra, necessário melhorar e ampliar os serviços de assistência hospitalar. Não é, pois, inoportuno nem fora de propósito que, antes de encerrarmos os nossos trabalhos e depois de termos discutido questões de vital interesse para a riqueza e para a economia do País - a moeda, as lãs, o funcionamento dos organismos corporativos -, lancemos de novo os olhos para um problema que tanto interessou esta Assembleia, que é uma das grandes causas dos humildes e dos pobres e que, pela justiça que a anima e pelos sentimentos que a comandam, funde as nossas vontades, junta os votos e os anseios de todos os portugueses aos propósitos e objectivos do Governo da Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Como V. Exas sabem, foi publicado no Diário das Sessões o parecer da Comissão de Legislação sobre a situação parlamentar do Sr. Deputado Mário Madeira, nomeado governador civil de Lisboa.
Vou submeter à apreciação da Câmara o parecer sobre a situação parlamentar deste Sr. Deputado, para que a Câmara se pronuncie nos termos do Regimento.
Vai, pois, fazer-se a chamada para a votação por escrutínio secreto.

Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Armando Cândido e Ernesto Subtil.

Procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - Entraram na primeira urna quarenta esferas brancas e na segunda trinta e nove esferas pretas, o que quer dizer que o Sr. Deputado Mário Madeira não incorreu em facto que importe perda de mandato.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão a proposta de lei sobre a defesa nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Viegas.

O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: ao subir pela segunda vez a esta tribuna, proporciona-se-me novamente a honra de apresentar a V. Ex.ª os meus cumprimentos, interpretativos do meu muito respeito, confiança e apreço a V. Ex.ª, como Presidente desta Assembleia e ilustre magistrado que é, e de agradecer, na minha qualidade de militar, o patriótico e justo sentir por V. Ex.ª manifestado nas palavras com que há tempo nesta Casa saudou a força armada nacional, «cuja abnegada dedicação é uma lição de patriotismo».
V. Ex.ª expressou assim o conhecimento que tem das virtudes que constantemente são praticadas e cultivadas pelas forças armadas do País, com honra para os seus chefes, com honra para a Nação, de que elas são a essência.

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E essas virtudes estão bem definidas pela sua inteira abnegação, tendo sido seu mister manter íntegro aquele ideal de sempre, quo se traduz na tradição da honra, e no desinteresse, qualidades quo constituem a personalidade e a elevação de carácter dos seus oficiais, que na sua missão altamente moral, como outra não lia superior, de antemão sabem que hão-de morrer pobres, que têm de ser honestos e que devem estar sempre prontos a dar a vida em defesa da tranquilidade pública e dos lares e da soberania da Nação. É, de resto, a sua moral, a sua fé, a sua mística.
Por isso, a V. ,Exa., por não regatear à força pública a confiança e estima e a admiração que ela merece, endereço, como militar que sou, as minhas mais efusivas saudações.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: entra em discussão nesta Assembleia a proposta de lei de reorganização dos serviços de defesa nacional, enviada pela Presidência do Conselho e que mereceu já o respectivo parecer da Câmara Corporativa.
Foi ainda pedida urgência para a sua discussão, embora se anuncie o propósito de se apresentar na próxima sessão legislativa uma proposta de lei sobre a organização geral da Nação para o tempo de guerra, onde, naturalmente, se exporá o esquema geral de questão tão decisiva para a eficiência, nacional na emergência de uma beligerância, ou até simples neutralidade, um presença de grave e extenso conflito entre grupos de Estados.
Fugindo às considerações que a filosofia da história permitiria trazer para aqui na análise crítica da oportunidade, justeza, alcance e elaboração da proposta em causa, justificada doutamente pela Câmara Corporativa a razão da conveniência da transformação da lei n.° 1:905, explicando-se os motivos e a evolução por quo têm passado os organismos semelhantes na França e Inglaterra,, limitar-me-ei, a mero título elucidativo, a enunciar os princípios que informam a mobilização dos Estados, princípios que a Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia entende que serão respeitados no presente projecto, depois de algumas alterações propostas pela Câmara Corporativa.
A organização militar (a que se chama também orgânica militar) fixa os princípios que devem presidir à criação e disposição das instituições militares e define as condições técnicas da sua conservação e aperfeiçoamento. No direito positivo de cada Estado adaptam-se às circunstâncias especiais que o informam os princípios da ciência da organização militar. As vitórias finais resultaram sempre de vantagens de organização, assim como os erros ou vícios desta constituem a causa profunda das derrotas.
As instituições militares devem adaptar-se às restantes instituições constitutivas do Estado. Mais do que razões técnicas, são as determinantes sociais que explicam a evolução orgânica, vindas dos exércitos mercenários aos exércitos permanentes e destes aos exércitos milicianos. Esta adaptação constitui objecto da política militar. Ainda mais: os mesmos factores sociais justificam a forma como os exércitos são recrutados e organizados; a evolução industrial influi nos meios de acção materiais; o conjunto forma a constituição dos exércitos.
A preparação militar dos Estados para a guerra constitui a chamada mobilização dos Estados.
Sendo a guerra sucessivamente mais complexa e justamente designada por guerra total, a sua preparação deve compreender todas as actividades nacionais.
A mobilização militar é apenas um capítulo da mobilização dos Estados, que compreende também a mobilização moral, ou seja a educação cívica da Nação, e
a mobilização civil nos seus vários aspectos, mas onde sobressai o económico.
O plano de mobilização geral dos Estados é, pois, um documento de grande significação na existência soberana da Nação o que deve ser organizado em harmonia, não só com as actividades nacionais, assegurando o seu regular funcionamento na emergência de uma interrupção de relações pacíficas e permitindo a passagem rápida da situação de paz para a de guerra, mas também deverá atender à intervenção oportuna e eficiente na parte que ao Estado competir na segurança colectiva, cujas bases não podem deixar de constantemente preocupar os dirigentes das diferentes potências mundiais.
A proposta de lei apresentada substituirá a lei n.° 1:905, de 22 de Maio de 1935, tratando dos organismos superiores da defesa nacional.
Ligada a esta lei veio, na mesma data, a lei n.° 1:906, criando o Conselho Superior do Exército. A seguir, regulamentando a lei n.° 1:905, o decreto n.° 25:857, de 19 de Setembro do mesmo ano.
Este decreto criou, com o fim de coordenar e impulsionar todas as actividades normais desde o tempo de paz, os seguintes altos organismos:
a) O Conselho Superior de Defesa Nacional;
b) O Conselho Superior da Direcção da Guerra;
c) O Conselho Superior Militar;
d) A Comissão de Estudos da Defesa Nacional;
e) A Secretaria Geral da Defesa Nacional;
e foram igualmente criados os seguintes órgãos de trabalho, consulta, e preparação do exército para a guerra:
f) O Conselho Superior do Exército;
g) O Estado Maior do Exército.
Duas razões podem apresentar-se a explicar o motivo por que a tentativa de 1935 - há doze anos - não teve resultados práticos:
Por defeito do esquema orgânico?
Por incompreensão da economia do sistema, não lho dando os principais responsáveis o necessário - o indispensável - impulso que poria à prova as suas deficiências ou defeitos, «não obstante a regulamentação» quase imediata (decreto n.° 25:857, de 19 de Setembro de 1935)?
A parte preambular da proposta do Governo nos diz da medíocre eficiência de tal conjunto de conselhos e comissões, esfriando o impulso objectivo do Conselho Superior de Defesa Nacional, isto é, «para paralisar a acção, arrefecer entusiasmos e possibilidades de determinação instituiu-se um conjunto de organismos vários, consultores e de estudo, mais intervindo em discutir do que em resolver, mais próprios à meditação prudente do que a acção eficaz. O sistema conduziu ao desastre na generalidade dos países que observaram os seus métodos ou seguiram a sua orientação».
É para obviar a esse moroso arrastar das soluções com que se procura resolver os problemas da defesa militar, e conforme a experiência colhida, na ultima guerra, que se apresentam à apreciação desta Assembleia umas novas bases para a organização e funcionamento dos organismos superiores da defesa nacional.
A lei n.° 1:905 trata, de uma maneira geral, da direcção da guerra, atribuição de carácter privativo do Governo, como prescreve, aliás, a base I.
O esquema geral dos seus organismos está, com efeito, mal definido.
Chama-se hoje à polícia militar «direcção da guerra» e à estratégia «conduta de operações». As suas relações são contínuas, mas com predomínio da direcção da guerra.
A actual concepção da guerra total ou outra integral veio dar actualidade ao assunto. Discutiu-se muito até que ponto a política podia intervir nas operações

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militares, ou, antes, procurava-se definir a fronteira entre a política e a estratégia, para esclarecer as atribuições do principal responsável pelas operações militares e evitar os atritos resultantes de iniciativas restritas.
A actividade militar deverá subordinar-se aos grandes objectivos políticos, que são a causa do conflito armado. É isto hoje evidente, mas foi discutido durante um longo período e interessante é relembrá-lo.
A acção da política geral do Estado deve ter por fim dar expressão concreta as necessidades de conservação ou de incremento do património nacional, sendo um dos meios a guerra. Ela, assim, tem de lhe dar todos os elementos em extensão e em intensidade, quer no campo político e económico, quer no militar, para a poder tornar total. Dir-se-á que o grande filósofo da guerra, von Clausewitz, previu a guerra apocalíptica do século XX.
São esses dois esforços, que se devem combinar, que constituem a política da guerra, isto é um, o da direcção e conduta geral da guerra; outro, o da conduta das operações militares.
O primeiro orienta e coordena, oportunamente, a acção de todos os elementos que formam ou podem contribuir para o poder militar da Nação. Para isso tem desde o tempo de paz de prever e de prover todas as necessidades que possam dar-se no estado de guerra, preparando e impulsionando todas as actividades do País, de maneira a concorrerem num sentido único para a melhor eficiência dos organismos militares em terra, no mar e no ar, no conseguimento dos objectivos considerados, definidos pela política.
Canalizando a acção de todos esses meios para uma utilização futura no campo militar realiza-se a coordenação das operações no sentido de se alcançarem esses objectivos e adentro dos princípios e concepções da arte da guerra.
Ora é essa direcção e conduta geral da guerra que pertence aos governos, porque são estes os responsáveis pela realização da política do Estado, pois são eles que, dentro da Nação, não só têm de regular as relações dos indivíduos entre si e com o próprio Estado, como têm de dirigir a política do Estado na mais elevada concepção da política geral.
Se é um perigo a política de entregar aos comandos largas iniciativas, para depois declinar sobre eles, em caso de insucesso, as responsabilidades que lhes não deviam pertencer, também não menos grave é quando os governos começam a interferir nas operações militares, dando ordens que lhes não competem. A História nos dá vários exemplas, bem funestos.
Iniciadas as operações militares, estas devem ser conduzidas exclusivamente sob a responsabilidade do comando em chefe, conforme os planos já formulados o aprovados.
Fazendo o paralelo entre a lei n.º 1:905 e a actual proposta, aparece na base V a constituição do Conselho Superior da Mobilização Civil, em tempo de guerra. E a revelação da proposta em causa.
Sobre a sua necessidade faz a parte justificativa judiciosas considerações, que mostram a conveniência da existência de tal organismo.
A mobilização civil é parte importantíssima, nos seus múltiplos aspectos, da mobilização integral, que corresponde ao critério da guerra total, concorrendo para a eficiência dos organismos defensivos, que realizam a sua mobilização militar, hoje tão complexa, ambas, diga-se, com base na mobilização moral.
O actual conceito da guerra total empenha todos os recursos, constituindo em grupos de Estados verdadeiras autarquias, e até em cada Estado, quando neutros, uma independência de se bastarem a si próprios.
Sendo tão profunda a modificação da política da guerra, a antiga estrutura não pode ser invocada. Pode-se afirmar que os antigos sistemas corresponderam ao carácter da sua época e foram uma solução que se julgou conveniente.
A lei n.° 1:905 não atendeu a uma corrente já bem acentuada como lição da primeira grande guerra (1914-1918), quando nessa época já se previa o conceito da guerra total e a estreita dependência dos três organismos defensivos: exército, marinha e aeronáutica, para uma melhor eficiência das forças armadas.
O temeroso conflito de 1939-1945 constitui uma grande lição para mostrar não só a ligação permanente e íntima desses três organismos, como ainda a interdependência de todos os meios de acção.
A criação do Ministério da Mobilização Civil é uma verdadeira mobilização nacional, que interessa a todos os Ministérios no seu conjunto harmónico de concurso e no seu funcionamento próprio nas emergências de guerra.
Nada se diz na proposta sobre a constituição de tal Ministério. É natural, porém, que o critério da sua constituição seja o de coordenar todos os recursos nacionais da metrópole e das colónias.
O relatório que antecede a proposta prevê-o, mas só para o tempo de guerra, o que não se coaduna com a ideia da necessária e cuidada preparação da mobilização; porém, o texto da proposta não condiciona a sua existência somente a essa ocasião. Intuitivo parece ser o existir em tempo de paz, pois a mobilização só será capaz quando for rápida e não improvisada. A sua preparação deve ser metódica e constar de planos elaborados com perfeito conhecimento e coordenados com outros planos que, no seu complexo, constituem o plano de mobilização geral do Estado.
Mas, a propósito, seja-me permitido ainda expor a minha opinão pessoal de que desde o tempo de paz deveria existir em todos os Ministérios um organismo próprio (secção ou repartição) para a respectiva mobilização.
Cada Ministério devia ter o respectivo plano de mobilização administrativo, que assegure a continuidade do seu funcionamento em tempo de guerra (substituição imediata, já prevista, dos funcionários mobilizados) e a sua participação na mobilização geral, interferindo no capítulo ou capítulos que especialmente lhe interessem pela sua especialização.
Assim, se a mobilização moral é função do Ministério da Educação, depende igualmente de um subsecretário de informações ou de propaganda, a criar pelo próprio plano de mobilização, e que, durante a guerra, atenda àquilo que se denomina «guerra dos nervos», de tanta influência no (prosseguimento das operações militares.
É isto um exemplo, não me sendo possível indicar o plano ou esquema geral da participação dos diferentes departamentos ministeriais nos diversos, capítulos da mobilização, tomando como base a orgânica política do País.
Uma preparação técnica e intelectual facilitaria a unidade administrativa do novo Ministério.
Como disse, é esta uma minha opinião pessoal, não querendo alongar mais. as minhas considerações, dada a concordância da Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia à proposta de lei remodelando a actual lei n.° 1:905, de 22 de Maio de 1935, quanto à sua generalidade, pois a considera dentro das necessidades, vitais do País e, com algumas das alterações indicadas pela Câmara Corporativa, dentro dos princípios que, conforme a experiência colhida, devem reger actualmente a mobilização geral dos Estados.

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Assim reservar-me-ei para na discussão na especialidade me referir às outras bases da proposta em causa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai passar-se à discussão na especialidade.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base I da proposta de lei.
Sobre esta base há na Mesa uma proposta apresentada pela Comissão de Defesa Nacional, que vai ser lida à Câmara.

Foi lida. É a seguinte:

«De acordo com a redacção que a Câmara Corporativa propõe, mas é do manter a terminologia da base I da proposta do Governo quando diz «política militar».

O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: esta base prescreve as atribuições de carácter político privativas do Governo, dando liberdade aos comandos na conduta das operações militares. O contrário seria perigoso para a eficiente conduta destas. Assim, a base I da lei n.° 1:905 fazia o Governo acompanhar a forma como os meios de acção eram utilizados, e portanto, uma constante ingerência sua.
A base I da proposta está assim, mais conforme com os princípios da orgânica militar, em que se fixa ao Governo a direcção da guerra, e ao comando em chefe a conduta das operações militares.
Em relação, porém, ao parecer da Câmara Corporativa, a Comissão de Defesa Nacional é de opinião que se deve manter a terminologia da base I da proposta do Governo quando diz «política militar da Nação», porquanto esta parece ter uma envergadura, isto é, uma latitude muito maior do que a expressão «política de guerra da Nação».
Quando se falou da «generalidade da proposta» do Governo não foi referido outro aspecto da mobilização militar, constituindo uma questão fundamental, sobre a mobilização dos altos comandos, e, muito principalmente, a designação de comandante chefe, por se anunciar o propósito de se apresentar na próxima sessão legislativa uma proposta de lei sobre a organização geral da Nação para o tempo de guerra.
O parecer da Câmara Corporativa esclarece perfeita e intuitivamente que não é de aconselhar que só em caso de guerra sejam fixados os fins gerais da guerra e aprovados os planos gerais para a elaboração do plano de guerra.
Com efeito, a preparação da defesa nacional exige que se pensem antecipadamente, prevejam e estudem as soluções a adoptar nas hipóteses mais prováveis num caso de conflito armado.
Assim, a Comissão de Defesa Nacional dá o seu voto favorável à aceitação da base I com a redacção que a Câmara Corporativa propõe, mantendo contudo a expressão «política militar da Nação» da proposta do Governo.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a base I da proposta de lei segundo o texto do parecer da Câmara Corporativa, mas com a alteração da terminologia empregada nessa base com relação a «política militar», proposta pelo Sr. Deputado Carvalho Viegas.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base II.
Quanto a esta base, a proposta do Sr. Deputado Carvalho Viegas contém apenas isto: «de acordo com a proposta do Governo».
Está em discussão.

O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: a base II da lei n.° 1:905 alude à constituição e atribuições do Conselho Superior de Defesa Nacional e ao Conselho Superior da Direcção da Guerra. Ainda prevê a consulta aos majores generais e, em tempo de guerra, aos comandantes em chefe das forças da armada.
O Conselho Superior de Guerra não é mais, por assim dizer, que o Conselho Superior de Defesa Nacional mobilizado, espécie de Governo restrito.
Pela base II da proposta de lei o Conselho Superior da Direcção da Guerra passa para a base III.
Há, porém, uma diferença: ao passo que o Conselho Superior de Defesa Nacional agregava a si, a título consultivo, os majores generais, na actual proposta estes passam a fazer parte integrante do Conselho.
Poderá merecer reparo o facto de nem todos os seus membros terem a mesma categoria e responsabilidades constitucionais e, por isso, nem todos deverem ter o mesmo voto deliberativo.
Mas a História nos dá bastantes exemplos de que foi sempre funesto que a direcção da guerra interviesse na conduta das operações militares: ora, da maneira como está elaborada agora tal base, resultará dar-se mais força em possibilidades para obviar a esse inconveniente, sem contudo deixar de ter preponderância a direcção da guerra, visto o Governo ter maior número de membros no Conselho.
A Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia opta pela redacção da base n da proposta do Governo.
A Câmara Corporativa dá o seu parecer de que o Conselho Superior de Defesa Nacional delibere sobre os altos problemas relativos à defesa nacional. Ora, em tempo de paz, o deliberar pertence ao Governo e, por isso, a Comissão não concorda com a alteração proposta pela Câmara Corporativa.
Esta introduz ainda uma alteração da designação dos majores generais para vice-presidente dos Conselhos Superiores do Exército e da Armada. Talvez não seja a ocasião oportuna de alterar já neste diploma tais designações, e por isso melhor será deixar o caso para a decisão do Governo. Deve-se, porém, esclarecer que a designação de major general do exército e da armada saiu da Assembleia Nacional quando, em 1935, discutiu as bases actualmente em vigor. Julgava-se então designação muito apropriada e tradicional.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base II.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se a base II tal como consta do texto da proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base III. Sobre esta base não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

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O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: a Comissão do Defesa Nacional concorda com a base III da proposta do Governo. Quanto ao facto de o Ministro da Economia não fazer parte do Conselho, com efeito a estratégia económica dentro do País não é de uma complexidade tal que necessite de uma permanente assistência ao Conselho. Já, porém, não se poderá dizer o mesmo quanto à estratégia económica relativa aos recursos das nossas colónias, assunto que se reservará para quando se discutirem as bases VIII e IX.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base III.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a base III.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IV. Sobre esta base não há qualquer proposta de alteração.

O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: a Comissão de Defesa Nacional nada tem a objectar ao fundo da proposta da Câmara Corporativa. No entanto, acha mais consentânea com a verdade e com a conveniência a redacção da proposta do Governo.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se a base IV.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base V.
Sobre esta base está na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Carvalho Viegas, manifestando-se de acordo com o texto tal como consta da proposta de lei, mas com a substituição do último período pela redacção sugerida pela Câmara Corporativa, e, além disso, propõe mais um aditamento.
Vai ler-se.

Foi lida. É a seguinte:

«De acordo com a base V da proposta, mas com a substituição do último período pela redacção proposta, pela Câmara Corporativa. Propõe para que se junte às palavras «Ministro das Colónias» «ou um seu delegado qualificado».

O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: as considerações constantes não só da parte preambular da proposta do Governo e do parecer da Câmara Corporativa, como as que se fizeram quando se tratou da generalidade da proposta, são bastantes para a Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia dar a sua concordância à base V da proposta, mas com a substituição do último período pela redacção sugerida pela Câmara Corporativa.
A Comissão propõe mais, para não se obrigar o Ministro das Colónias a comparecer a sessões de pouco interesse, que se junte às palavras «Ministro das Colónias» «ou um seu delegado qualificado».

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se a base V, com a substituição do último período conforme a redacção sugerida pela Câmara Corporativa e com o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Carvalho Viegas.

Submetidas à votação, foram aprovadas a base V e as alterações apresentadas.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão as restantes bases da proposta de lei: VI, VII VIII e IX.

O Sr. Carvalho Viegas: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para dar à Assembleia os seguintes esclarecimentos quanto as bases em discussão.
Assim, quanto à base VI: cria o Secretariado do Conselho Superior de Defesa Nacional, o qual será exercido pelo Gabinete da Presidência do Conselho, que será um verdadeiro estado maior de todo o conjunto, que coordenaria a actividade dos Ministérios da Guerra e da Marinha.
Diz a Câmara Corporativa que «a fórmula proposta obedeçe à ideia de simplificação da organização actualmente em vigor o não parece inconveniente». Mas, a seguir, acrescenta «desde que a função de secretariado seja exercida por pessoa ou pessoas especialmente qualificadas pelos seus conhecimentos militares».
Com efeito, é duvidoso o exercício útil de tal missão, considerada tão fácil na proposta, para que esse Secretariado fique adstrito ao Gabinete da Presidência do Conselho. Só ao Conselho Superior de Defesa Nacional, limitando a sua função orientadora das actividades, como Governo restrito, será possível esse Secretariado como secção do Gabinete da Presidência do Conselho.
Mas como talvez a sua composição faça parte de uma regulamentação futura, a Comissão de Defesa Nacional não propõe qualquer modificação, ciando o seu voto ao proposto pelo Governo.
Quanto a base VII, a Comissão concorda com a base da proposta do Governo. Não dá o seu voto à modificação das designações de Majoria General do Exército o Majoria General da Armada pelas razões já referidas quando se tratou da base III.
Sr. Presidente: as bases VIII e IX referem-se à defesa nacional nas colónias e consideram apenas o seu aspecto militar, quando outros aspectos, principalmente em relação às nossas grandes províncias ultramarinas de África, são tão importantes para a defesa nacional.
A unidade económica do território nacional, de descontinuidade geográfica, deve ser assegurada e muito importa na preparação da mobilização de todos os serviços, principalmente quando Portugal se tenha de bastar pela permuta entre a metrópole e as terras do Império Colonial.
Mas essas atribuições talvez venham a pertencer ao Ministério da Mobilização Civil, a criar, e que a proposta prevê. Nestes termos, a Comissão de Defesa Nacional dá o seu voto favorável às bases da proposta do Governo.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as bases VI, VII, VIII e IX.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vão votar-se as referidas bases.

Submetidas à votarão, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Está concluída a votação. A proposta de lei vai baixar à Comissão de Redacção.
Chamo a atenção da Assembleia.
Ontem, ao marcar a ordem do dia, disse que, se houvesse tempo, se iniciaria a discussão da proposta de lei de protecção ao cinema nacional. Não é, porém, possível iniciar-se hoje essa discussão. E o tempo que resta é necessário reservá-lo para a discussão das Contas Gerais do Estado.

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Não posso, portanto, satisfazer o voto da Câmara, mas todos reconhecerão que tudo se tem feito para se conseguir dar execução a esse voto.
Temos apenas a sessão da tarde de hoje e, quando muito, duas sessões de segunda-feira. As duas sessões da tarde serão destinadas à discussão das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público.
A discussão referente ao decreto de protecção ao cinema nacional, se se marcasse para ordem do dia da sessão de segunda-feira de manhã, daria ocasião a uma discussão precipitada sobre um assunto que despertou um grande interesse. Ficará, por isso, para a próxima sessão legislativa.
A ordem do dia da sessão da tarde é a discussão das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Cruz.
João de Espregueira da Rocha Páris.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Penal Franco Frazão.
José Soares da Fonseca.
Ricardo Malhou Durão.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Carlos Borges.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernão Couceiro da Costa.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Carlos de Sá Alves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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