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REPÚBLICA PORTUGUESA SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.° III ANO DE 1947 24 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 111, EM 22 DE MARÇO

Presidente: Exmo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Melo Machado apresentou um projecto de lei sobre a composição do concelho que há-de julgar as reclamações da Junta, Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola.
A Sr.ª Deputada D. Virgínia Gersão ocupou-se da situação dos tuberculosos pobres.
O Sr. Deputado Pastor de Macedo referiu-se ao próximo 800.º aniversário da tomada de Lisboa aos mouros.
O Sr. Deputado Quelhas Lima falou sobre o caso de Cabo Verde, levantado na sessão anterior pelo Sr. Deputado Pinto Coelho, que também usou da palavra pfMi explicações.
O Sr. Deputado Viterbo Ferreira tratou dos feriados nacionais, do aeroporto de Pedras Rubras e do vinho do Porto e das actividades que lhe dizem respeito.
O Sr. Deputado Favila Vieira mandou para a Mesa dois requerimentos.
O Sr. Deputado Antunes Guimarães chamou a atenção do Governo para a violação de encomendas postais nos CTT.
Os Srs. Deputados Armando Cândido e Carlos Mendes apresentaram requerimentos.

Ordem do dia. - Começou a discussão das Contas Gerais do Estado de 1945, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Braga da Cruz, Manuel Lourinho e Antunes Guimarães.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 15 horas e 47 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.

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João Antunes Guimarães.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Pastor de Macedo.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 104.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.° 104: a p. 885, col. 1.ª onde se lê: "... pelo douto Prof. Dr. Paulo Mereix: Há muito ainda que fazer no que respeita à terra", deverá ler-se: "... pelo douto Prof. Dr. Paulo Mereia. Há muito ainda que fazer no que respeita à terra".

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação o Diário.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este Diário, considero-o aprovado, com a rectificação solicitada pelo Sr. Deputado Braga da Cruz.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Colónias em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Henrique Gaivão.
Estão igualmente na Mesa os documentos enviados pelo Ministério das Finanças em satisfação do que foi requerido pelo Sr. Deputado Ricardo Durão.
Estes documentos vão ser entregues aos referidos Srs. Deputados.
Está na Mesa um projecto de lei sobre a composição do conselho que há-de julgar as reclamações da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola.
Este projecto de lei é da autoria do Sr. Deputado Melo Machado e vai baixar à Câmara Corporativa.

É o seguinte:

Projecto de lei

Considerando que, pelo artigo 29.° do decreto n.° 28:632, as reclamações a apresentar pelos interessados nas obras de hidráulica agrícola contra o erro acerca de limites, de áreas, de figura, de nivelamento da planta parcelar, troca ou erro de nome, erro acerca do rendimento, do preço e valor das rendas, de classificação no registo cadastral ou outro semelhante, e ainda sobre a fixação da taxa de conservação, são decididas pela própria Junta, que os sancionou;
Considerando que não satisfaz aos interessados que a Junta possa ser juiz em causa própria;
Considerando que é natural e humano que se persista e defenda a todo o transe o primeiro voto emitido;
Considerando que das obras de hidráulica agrícola provêm sempre pesados encargos para os proprietários das propriedades beneficiadas;
Considerando que, nestes termos, parece legítimo dar ao julgamento dessas reclamações todas as garantias do uma justiça tão perfeita quanto possível, convindo dar aos interessados todas as possibilidades de defenderem os seus pontos de vista, proponho a substituição do artigo 29.º do decreto n.° 28:632 pelo seguinte:

Artigo 29.° As reclamações serão julgadas por um conselho, assim constituído: como membros da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, o ajudante do Procurador Geral da República, que servira de presidente, professor de Hidráulica Geral Agrícola do Instituto Superior de Agronomia, representante da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, e três representantes da lavoura, sendo um eleito pelos grémios da lavoura dos distritos de Beja, Castelo Branco, Évora, Faro, Lisboa, Portalegre, Santarém e Setúbal, outro pelos grémios da lavoura dos restantes distritos e o terceiro indicado pela Associação Central da Agricultura Portuguesa.
§ 1.° Ao fazer a reclamação o interessado fará o preparo necessário para pagar as despesas de deslocação dos três membros representantes da lavoura.

A numeração dos seguintes parágrafos será alterada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia a Sr.ª Dra. D. Virgínia Gersão.

A Sr.ª D. Virgínia Gersão: - Sr. Presidente: quando no período passado eu pedi nesta Câmara a honra de me ser concedida a palavra pela primeira vez advoguei a causa dos tuberculosos pobres, que não parece tão justa que ninguém tem o direito de a olhar com indiferença.
Com efeito, entre tantas doenças graves é para mim esta a mais triste de todas, porque, obrigando o doente a afastar-se dos seus entes queridos, lhe corta a maior

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riqueza com que Deus nos dotou cá na terra, que é a ternura, o carinho dos nossos,
Sr. Presidente: toda a gente sabe que o povo, na sua ignorância, Contribui largamente para que esta terrível doença se vá alastrando cada vez mais assustadoramente; ninguém ignora que a falta de higiene, especialmente das classes pobres, é um factor poderosíssimo da sua propagação; que uma espécie de fatalismo absurdo, subordinando tudo ao que Deus antecipadamente determina, tem destruído famílias inteiras, onde um caso único, isolado a tempo, se poderia ter curado, evitando assim aquela tremenda catástrofe.
Toda a gente sabe também, Sr. Presidente, que nos tristes anos que ultimamente temos atravessado a crise da alimentação de quase toda a Humanidade e, em muitos países, especialmente nos assolados pela guerra, o difícil problema da habitação e do aquecimento, além de tantos outros factores que seria longo enumerar, vão ceifando, sem dó nem piedade, vidas cujo fio a Parca não teria, por certo, pensado em cortar tão cedo.
Se é verdade que entre nós o Estado se não tem poupado a sacrifícios para atenuar todas estas calamidades
- como o provam as sábias providências que tem tomado no sentido de nos virem de fora os alimentos de primeira necessidade e como no-lo mostram também as inúmeras casas dos bairros económicos, que dia a dia cada vez se estão alargando mais -, não é menos certo que, para o que é necessário fazer, muito pouco há ainda, e que é bem preciso que todos demos a nossa colaboração para essa grande obra humanitária que é o socorro às classes pobres no debelamento da tuberculose.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Não são mal formadas as almas de todos aqueles que têm aproveitado pequenas migalhas dos nossos ordenados para debelar tão grande mal, nem as dos que procuram aumentar o fundo das receitas do Estado que são destinadas ao tratamento e à sanatorização dos tuberculosos pobres por qualquer modo ao seu alcance.
Após as minhas simples considerações do ano passado recebi de toda a parte do País telegramas e cartas de várias espécies, desde os que se limitavam a simples agradecimentos às que se reduziam a queixas e a súplicas.
Sensibilizada, fui procurar S. Ex.ª o então Ministro do Interior, junto de quem advoguei, o melhor que pude e soube, a justa causa desses desgraçados: chamei-lhe, em especial, a sua esclarecida atenção para o caso, que me parecia desumano, de se fazerem sair dos hospitais e sanatórios os internados que, embora curáveis, tivessem atingido quatro anos de internamento.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Na minha mente agitada ferviam os exemplos de desgraças que me tinham contado, como a de um infeliz qualquer que, ao fim de três anos e meio de internamento, se tinha submetido a uma torocoplastia. Como V. Ex.ªs sabem, muito melhor que eu, essa delicada operação faz-se em várias sessões, e só ao fim de alguns meses se considera pronta. Ora nesse meio tempo tinha saído o decreto que reduzira ao máximo de quatro anos o período de internamento dos tuberculosos pobres, e o desgraçado teve de vir para a rua ainda com um dreno.
Como se não pôde apresentar ao trabalho, porque não estava em condições de o poder fazer, perdeu o lugar, sem ter ainda direito à aposentação. Num estado melindroso como era o seu, estes abalos todos provocaram-lhe a morte.
A conselho do Sr. Ministro, todas essas cartas foram para a Direcção Geral da Assistência, onde os diferentes pedidos ficaram registados, para que na devida oportunidade fossem atendidos dentro do possível.
Toda essa documentação foi depois enviada para o Ministério - desde a súplica para um trabalho moderado após a cura, ao menos durante alguns meses, para aclimatação ao antigo ofício, ao pedido de um rigoroso exame bacteriológico dos internados, onde a vigilância dos enfermeiros não fosse ludibriada por doentes pouco escrupulosos que, roubando a um seu irmão na desgraça o ensejo de entrar no sanatório, estando eles já quase absolutamente curados, não hesitam em fazer passar por sua a expectoração de um companheiro carregada de bacilos!...
Triste prova de um feroz egoísmo humano, que toca as raias da mais cruel desumanidade!...

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
Em princípio, V. Ex.ª tem razão em discordar da limitação a quatro anos do tempo em que o Estado dá assistência aos funcionários tuberculosos.
Pela legislação actual, o funcionário tuberculoso que ao fim de quatro anos não estiver em condições de retomar o serviço é aposentado, e se não tiver ainda atingido o direito à aposentação receberá uma pensão ou subvenção suficiente, creio eu para atingir o equivalente à aposentação. Aquela limitação de tempo, porventura em certos casos realmente desumana, explica-se pela necessidade de acudir a todos e para haver mais possibilidade do internamento. E evita a eventualidade de surgir um ou outro caso de "profissional da doença".

A Oradora: - E exactamente. Procurei informar-me junto da Direcção Geral da Assistência e tratei desse assunto o ano passado.
Sr. Presidente: já não fazia tenção de tornar a abordar este problema, não porque o achasse indigno disso, mas porque tenho a certeza de que o Estado há-de procurar resolver, com o maior carinho, esta causa, de que depende a sua própria vida. Atrás de cada tuberculoso que se não cura vão famílias inteiras, e vemos a cada passo que pessoas ricas, cuja mesa não chegou mesmo a ressentir-se do estado a que a guerra e os maus anos de lavoura nos foram reduzindo, têm também os filhos contagiados, porque uma criada, que não sabiam doente, os trouxe nos braços, enchendo-os de bacilos, ou porque a professora que os ensinou teve o cuidado de ocultar a sua doença, que a não deixaria ganhar o pão.
Pois, como ia a dizer, Sr. Presidente, não tencionava voltar a este assunto; contudo fui aqui procurada na Câmara por um pobre rapazinho que me pediu que advogasse a sua causa, órfão de pai e mãe, é o único apoio de uma irmã; mostrou-me o resultado da análise da sua expectoração, das suas radiografias; disse-me que já tinha tido hemoptises; que o seu estado era curável se fosse internado a tempo, mas que há dois anos à espera de vaga a sua saúde ia declinando dia a dia, aterrorizando-o a ideia de que depois poderia chegar-lhe a vez quando já a não pudesse aproveitar.
Impressionada pela exposição desse rapazinho ainda tão novo, fui logo no dia imediato ao Instituto da Assistência Nacional aos Tuberculosos informar-me do

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que havia a seu respeito e, a propósito disso, soube o seguinte:
1.° Que os doentes pobres se inscrevem num dos dispensários;
2.° Que esse dispensário verifica se se trata de um caso curável;
3.° Que, embora não abandone o seu tratamento, pelo que diz respeito a medicamentos, só neste caso - no de se admitir a possibilidade de cura - o dispensário indica a entrada no Sanatório da Ajuda, onde, após um estágio de alguns meses, se indica também, por sua vez, se o doente deve ir para um sanatório de altitude;
4.º Que o dispensário manda o processo para o Instituto; e, finalmente,
5.º Que o doente entra no sanatório logo que lhe chegue a vez se, após esses longos meses - porque, em geral, há uma demora de muitos meses -, se verificar que está ainda em condições de cura.

O Sr. Marques de Carvalho: - Depois disso tudo vem a certidão de óbito...

A Oradora: - Tem V. Ex.ª razão.

O Sr. Formosinho Sanches: - Depois da entrega dos papéis no Sanatório da Ajuda há ainda uma demora mais ou menos de catorze a quinze meses.

A Oradora: - Imaginem V. Ex.ªs o que representam esses catorze ou quinze meses de espera!

O Sr. Formosinho Sanches: - Mas é que aquele sanatório tem apenas cento e vinte e uma camas.

A Oradora: - Não conhecia esse rapazinho, que nunca tinha visto antes; sei que é novo e que podia viver; lembro-me de que, nas suas condições, muitos outros hão-de esperar também a sua vez, de coração amargurado, vendo a lentidão do tempo a passar, desse tempo que lhes vai minando os pulmões e abrindo a sepultura, arriscando também a vida daqueles que o não afastarem do seu convívio.
Ora todos nós entendemos que o Estado tem obrigação de se desfazer em dinheiro, sem nos importarmos com a forma por que o há-de obter.
Pedir custa muito menos que dar, tanto mais que todos estamos sobrecarregadíssimos; mas seria, com efeito, muito bom que, entre as múltiplas despesas do Estado, se pudessem pôr estas num lugar de destaque, para que, reduzidos os casos da tuberculose, desaparecessem os perigos do contágio, e uma juventude forte e saudável surgisse em breve, para verdadeira tranquilidade do lar e para bem dos destinos da nossa Pátria.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Mas se cada um de nós, dentro do pouco que pudesse fazer, colaborasse com o Estado nesta grande obra de amor, auxiliando-o voluntariamente com o seu dinheiro ou com o seu trabalho, quantas coisas úteis se poderiam fazer já!..
Bis dat qui cito dat, diziam já os latinos. Não nos demoremos, pois, a dar, que pode ser demasiado tarde.
Nos liceus, por exemplo, há festas educativas, que, bem orientadas, poderiam contribuir para melhorar a condição de muitos tuberculosos pobres.
No Liceu Infanta D. Maria, em Coimbra, têm-se realizado, em benefício da sua caixa escolar, algumas festas educativas, que foram bem aceites pelo público, como o provaram as lotações do teatro, sempre excedidas, e a autorização, com palavras de louvor, concedida em 1940 por S. Ex.ª o então Ministro da Educação Nacional para se ir repetir em Braga, em benefício da creche, a nossa festa, carinhosamente ensaiada.
Ora então aqui, num meio como Lisboa, em que uma peçazinha infantil, bem apresentada, poderia ser levada vezes sem conto em matinée, uma vez por semana, sem o menor prejuízo do rendimento escolar, que grande lição de amor se podia dar às crianças, habituando-as a divertir-se com nobreza, na execução de peças morais, cujo fundo ficaria gravado na sua alma, e cujo desempenho poderia levar algumas dezenas de contos, todos os anos, aos tuberculosos pobres!...
Apoiados.
A minha grande colaboradora em Coimbra, então lá professora de Canto Coral e actualmente no Liceu D. Filipa de Lencastre, alma de verdadeira artista, que me ensaiava os coros e bailados, foi a Sr.ª D. Sara de Sousa, e penso bem que, se o Estado quisesse aproveitar-se dos nossos trabalhos, ela me não negaria mais uma vez a sua colaboração; também muito me auxiliou no mesmo sentido, quando esteve em Coimbra a exercer as mesmas funções no Liceu, a Sr.ª D. Sara Navarro Lopes, agora no de Maria Amália, e as Sras. D. Deolinda Martins e D. Encarnação Alcântara, que apresentaram, com enlevo do público, lindíssimos números de ginástica rítmica.
A antiga reitora, D. Elisa Figueira, agora professora no Liceu D. Filipa de Lencastre e a actual reitora, D. Dionísia Camões, souberam compreender o grande papel educativo das festas escolares.
E nunca esquecerei o trabalho intenso, a verdadeira dedicação e carinho que a estas festas, nitidamente artísticas, foram dedicados por todas as professoras, especialmente as Sras. D.as Ilda Figueiredo, Sara Figueiral, Gracinda Mateus, Dozinda Alcântara e Maria Júlia Antunes, bem como a delicadeza, altruísmo e bondade com que todas as peças foram musicadas pelo ilustre professor P.e Tomás Borba.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Ora, que coisa linda, instrutiva e útil, sem prejuízo dos trabalhos escolares, se poderia ir ensaiando lentamente, com o consentimento das respectivas reitoras e a colaboração de todos os elementos que por isto se pudessem interessar!
Numa cidade como Lisboa, onde, neste sentido, há tão bons elementos nos liceus, como a Sr.ª D. Olímpia Bastos, cujo nome é já bem conhecido; numa cidade onde não faltam as melhores professoras de canto e de ginástica, porque se não há-de dar às festas escolares, cujo valor educativo é universalmente reconhecido pomo absolutamente necessário, o seu verdadeiro carácter educativo e artístico?

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - E porque se não hão-de orientar estas festas num sentido humanitário, destinando o seu produto a uma das maiores obras de beneficência?
Ao meu alcance penso que não está mais nada. Se o Estado entender que lhe serve a minha colaboração, dar-lha-ei com toda a minha alma, certa de que muitos contos entrarão nos cofres do Estado e suavizarão as angústias dos tuberculosos pobres, para quem os meses que precedem a sua sanatorização se contam quase por séculos.
Temos este período legislativo quase no fim. Contudo, penso que se podia já começar a trabalhar, sem pressas, vagarosamente, para não haver depois prejuízos escolares.
Os coros das peças poderiam ser ensaiados, em conjunto, nas respectivas aulas de canto coral; a declama-

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cão, logo que se acerte com a escolha dos elementos que nela deverão tomar parte - o que é sempre o trabalho mais ingrato e mais extenuante - , vai depois relativamente depressa.
E assim poderíamos ter, já nos fins do próximo mês de Novembro, quando começasse o terceiro período legislativo, um teatrinho infantil que, desviando as crianças do mau cinema que as perverte (Apoiadas), lhes satisfizesse as legítimas aspirações artísticas e desse asas à sua imaginação, divertindo-as nos momentos em que o espírito carece absolutamente de qualquer coisa que o distraia.

Vozes: - Muito bem !

A Oradora : - E essas mesmas crianças, que se divertiriam divertindo outras, ficariam com a ideia salutar de que o seu trabalho infantil, orientado num sentido humanitário, tem já um grande valor - e tão grande que é capaz de arrancar às garras da morte os que estavam condenados!...
Sr. Presidente: com a ajuda de Deus não tenho medo nenhum do resultado desta tentativa. Tenho visto todas as peças infantis que se têm representado em Lisboa, e vejo sempre o teatro cheio de gente; sei que as crianças que têm feito as suas representações em Coimbra, espalhadas mais tarde pelas diferentes terras do País, têm conseguido repeti-las por lá e que, embora cheias de deficiências - como é fácil de ver, porque são ensaiadas por crianças que muitas vezes nem sequer desempenharam os principais papéis nas peças - , essas representações conseguem interessar o povo, angariando-se dinheiro para obras de beneficência.
Recebi muitas cartas dessas antigas alunas, em que me pediam conselhos ou relatavam o seu êxito.
Gostava tanto de que o Estado me autorizasse a realizá-las em Lisboa e de encontrar, da parte das Exmas. reitoras e colegas dos liceus femininos, essa comunhão de ideais que nos leva a uma colaboração desinteressada e sincera, sem emulações mesquinhas, num verdadeiro sentimento de arte e caridade cristã!...
Tenho a impressão de que seria um bom auxílio para o triste caso a que me referi, do internamento destes infelizes.
Ponho este alvitre, num preito de homenagem, nas mãos de S. Exas. os Ministros da Educação Nacional e do Interior, e toda a minha boa vontade, o meu trabalho, a minha alma, nas dos tuberculosos pobres.
Disse.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Pastor de Macedo: - Sr. Presidente: no dia 22 do próximo mês de Outubro faz 800 anos que Lisboa moura capitulou. No dia 25 do mesmo mês faz 800 anos que o primeiro Rei de Portugal entrou vitorioso na cidade com o seu exército e com os dos cruzados estrangeiros que das suas terras saíram com destino a Jerusalém. É esse acontecimento, da maior importância para a consolidação do reino então nascente, que dignamente vai ser comemorado por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa e com a cooperação do Governo.
E como o período destinado às comemorações decorrerá quando esta Assembleia tem já os seus trabalhos suspensos, aqui venho hoje lembrar o facto, eu que, como Deputado por Lisboa, não poderia deixar de o lembrar.
E nesta evocação da tomada da cidade aos infiéis, desses primeiros passos da Nação, que se formava e que procurava o seu rumo, não posso deixar de a evocar,
alcandorada primeiro no monte principal, estravazando depois as suas muralhas por uma e por duas vezes, alastrando em todos os sentidos, ao sabor de todos os gostos, cortando almoinhas e hortejos, até tornar-se a Princesa do Mar Oceano, e depois, até nós, alastrando mais e muito mais, embonecando-se, amaneirando-se, até tornar-se a cidade que todos conhecemos - essa cidade cheia, de história e de luz, cheia de encanto e de pitoresco, que a todos prende e cativa, lisboetas, nados e criados nos seus bairros tão característicos, portugueses vindos do aquém e de além-mar.
Uma das capitais mais antigas da Europa, pode-se dizer que a sua história é a história da Nação. Nela se defendeu e restaurou a independência pátria, nela se armaram exércitos para a conquista e ocupação africana, nela se aparelharam armadas para a descoberta de novas rotas, marítimas e cujas caravelas que as seguiram, a tonas as partes da terra, juntamente com o nome português, levaram a palavra de Cristo. Nesse momento Lisboa é o grande porto da Europa, o maior entreposto comercial e, mais ainda, a capital do Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nela nasceram santos e papas, reis e príncipes, heróis e artistas e uma infinidade de homens notabilíssimos em todas as actividades. E quantos nomes estreitamente ligados à existência da nossa cidade haveria a recordar! Mas na impossibilidade de recordá-los a todos - seria um nunca acabar - lembremos aqueles que em qualquer circunstância teriam sempre de ser lembrados: D. Afonso Henriques, que a conquistou; D. Afonso III, que fez dela a capital do Reino; D. Dinis, que a dotou com o Estudo Geral; D. Fernando, que a protegeu com muralhas; D. João I, que a defendeu do invasor; D. Afonso V, que assegurou os seus destinos imperiais; D. João II, que planeou a sua grandeza; D. Manuel I, que fez dela a grande cidade cuja fama reboou por todos os cantos do Mundo; Sebastião José de Carvalho e Melo, que a reconstruiu depois do terramoto de 1755. E quantos e quantos mais!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: neste momento, em que a capital completa os seus 800 anos de cidade cristã e portuguesa, evoquemos, a memória de todos, grandes e pequenos, que para a sua grandeza contribuíram, que por ela morreram, que a ela votaram o seu labor e que, nascidos nela, por qualquer maneira levantaram o prestigiaram o nome português. E não deixemos também de falar nesse povo lisboeta, que através dos tempos soube viver e sentir as horas de regosijo e de angustia da cidade, que, pacífico de seu natural, foi guerreiro e valoroso quando teve de o ser, que, cioso das suas liberdades, desde sempre outorgadas pelos nossos reis, soube apreciá-las e usá-las com dignidade.
Lisboa, que gozou a paz quando outras cidades não puderam furtar-se aos horrores da guerra, pode por isso, em consciência, promover a realização das comemorações centenárias. Mas não pode fazê-lo sem agradecer a Deus tão grande benefício sem vincar a circunstância de o Governo da Nação ter estado entregue a quem da guerra nos preservou.
Eu, por mim, como português e lisboeta, agradeço a Deus e registo a circunstância, e faço votos pela eternidade desta mui nobre e leal cidade de Lisboa, rainha do majestoso Tejo e gloriosa capital do Império Português.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Quelhas Lima: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: sinto quase o dever de cometer perante V. Ex.ªs um acto de contrição por na sessão da manhã de hoje não ter respondido imediatamente, dentro de certo terreno seguro e do meu firme conhecimento, às considerações vibrantes, metálicas, do Sr. Deputado Pinto Coelho a propósito de problemas que importam às terras de Cabo Verde.
Não o fiz porque senti certo atordoamento pela matéria versada, e, como era desconhecedor dos seus aspectos de carácter técnico, a perplexidade paralisou momentaneamente o espírito de reacção pronta, embora possa dizer, sem jactância, que não me escassearam reflexos mentais de valor modesto para fulminantemente repor em devido e digno lugar, e com o mais rigoroso jus, o homem que governa Cabo Verde.
A forma com que o Sr. Deputado Pinto Coelho, ora aqui, ora ali, aludiu ao governador de Cabo Verde tocou a minha sensibilidade, e nesta matéria tenho a que tenho e dela sou inteiramente responsável.
Repito que as considerações do Sr. Deputado Pinto Coelho sobre a actuação da Saga em matéria económica são inteiramente estranhas ao meu conhecimento e não sei se entendimento - e ainda bem -, mas o que não desconheço é a alta estatura intelectual e moral do homem que sacrificariam ente se encontra à testa da governação daquela colónia.
Se, Sr. Presidente, como primeiro magistrado desta Assembleia, se V. Ex.ªs, Srs. Deputados, me solicitassem para depor sobre o comandante João de Figueiredo, governador de Cabo Verde, não poderia responder sob a fórmula consagrada: "Aos costumes disse nada". Não! Teria de dizer, confessar com orgulho e altivez, que sou amigo fraterno, medular sentimento de bem querer a esse homem, aliás como todos aqueles que o conheceram no meio onde essencialmente desenvolveu o seu espírito nobre e adulto e que o seguem no seu caminho público como os seus mais rigorosos e inflexíveis censores e ainda aqueles outros que privaram de perto com ele nos altos cargos públicos que nas colónias tem desempenhado e onde a sua capacidade administrativa e integridade de carácter falam bem alto-rectamente ao serviço da Pátria, a quem ama e serve com exaltação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dotado de uma coragem física e moral do primeiro plano, de uma austeridade de costumes exemplar, honestidade e escrúpulo nas acções de um companheiro de Catão, solidíssima cultura técnica e humanista, exerce no momento a governação de Cabo Verde com sacrifício pessoal inegável, pondo, como sempre, nas suas acções a seriedade e serenidade do justo e a mais enternecedora, mas decidida, saudável, nobilitante compreensão por todas as desgraças e misérias que afligem e assolam as gentes daquelas terras.
Cabo Verde, que conheço geogràficamente de forma sofrível, mas sem entendimento particular ou intrínseco da sua geografia humana que conscientemente me autorize a pronunciar com rigor, sei, e sabemos, contudo, que de quando em quando o agregado insular é flagelado por ventos áridos, quase mortais, que geram fomos periódicas e até, Sr. Presidente, quer-me parecer, fomes técnicas...
Diante do pungente drama estou a ver erguer-se como um Hércules o comandante João de Figueiredo de cordas na mão, clava, se tanto for necessário, para correr os vendilhões do templo e proteger dentro das suas forças o primário preto, ser humano simples e em geral bom, e incapaz de consentir um momento sequer o tratamento daquelas gentes como escória, objecto ou simples e desprezível instrumento.
Quando assim me refiro ao comandante João de Figueiredo, governador de Cabo Verde, não me limito exclusivamente à sua pessoa.
Não sou homem de colónias, infelizmente, mas tenho absoluto respeito por todos aqueles que lá lutam e se dessangram por uma Pátria sem vassalagem, porque por aqui já temos de remexer as entranhas da terra para ir vivendo sem solavancos de maior.
Não poderia, Sr. Presidente, dentro do meu conhecimento próprio, deixar de apontar vivamente, e até com emoção, os caracteres de eleição que se abrigam no comandante João de Figueiredo, e lamento não ter conhecimento efectivo, desapaixonado, das questões técnico-administrativas e dos chamados erros que, de envolto com outras considerações, o Sr. Deputado Pinto Coelho fustigantemente produziu na sessão desta manhã. Mas julgo poder afirmar que a ordem económico-administrativa que rege a tal Saga foi sancionada, ou até determinada, pelo Ministro das Colónias, Sr. Marcelo Caetano. E então pergunto: sendo da responsabilidade deste Ministro a actuação da tal Saga, porque não toma o Sr. Deputado Pinto Coelho posição em lógica oportunidade com a entidade que julgamos responsável?
Anuncia com fragor o Sr. Deputado Pinto Coelho um aviso prévio sobre a matéria. Benvindo seja o apregoado aviso, porque estou certo cie que o digno Ministro das Colónias, Sr. Teófilo Duarte, galhardamente não deixará de apresentar à Assembleia Nacional tudo quanto se passa para os efeitos de justiça integral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou apenas até aqui, e consoante os elementos de que disponho, para o que não tive necessidade de catedrática partitura ou galeriante auditório na defesa rija dos valores humanos, como o comandante João de Figueiredo, que ainda temos ou, melhor, nos restam.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, paru explicações, o Sr. Deputado Pinto Coelho.

O Sr. Pinto Coelho: - Sr. Presidente: eu sei bem como o tempo urge para os trabalhos da Assembleia e vou, portanto, ser o mais breve possível.
Estas minhas explicações tornaram-se necessárias, como certamente já foi compreendido por todos os presentes, pelas palavras que acabam de ouvir ao nosso ilustre colega Sr. Quelhas Lima.
Quero crer que S. Exa., com aquela amizade por S. Ex.ª o governador de Cabo Verde que eu invejo e que muito desejaria alguém tivesse para comigo, confundiu, ao ouvir-me falar esta manha, a vivacidade da minha expressão com o conteúdo das minhas palavras.
Não era minha intenção, e disso não me acusa a consciência, atacar ou diminuir a pessoa do Sr. governador de Cabo Verde. Nada disse que pudesse brigar com a sua honestidade, não me referi à sua inteligência, que não ponho em dúvida, não pus em dúvida a sua cultura, pela qual tenho respeito; apenas referi aquilo que eu considero erros de administração em matéria económica, cometidos pela Saga.
Portanto, se eu estou enganado, se o que eu disse pôde deixar em quem me ouviu a impressão de que eu sou capaz de pôr as pessoas adiante dos problemas, se

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as minhas palavras puderam ser consideradas um ataque à pessoa do Sr. governador de Cabo Verde, que não quis atingir, ou se as minhas palavras podiam beliscar sequer a amizade que por ele tem o nosso ilustre colega Sr. Quelhas Lima, então, no mesmo lugar em que as proferi, eu peço desculpa, de as ter proferido, peço desculpa ao Sr. governador e ao Sr. Deputado Quelhas Lima.
Mas também, Sr. Presidente, para minha, tranquilidade, e se isso não vai contra, o Regimento, peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sobre se na minha intervenção desta manhã, viu alguma coisa - que não me pesa na consciência, repito - com que de qualquer forma eu ofendesse a pessoa do Sr. governador de Cabo Verde.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não posso, regimentalmente, dar satisfação ao pedido do Sr. Deputado Pinto Coelho, mas suponho que, depois do que S. Ex.ª acaba de expor quanto ao Sr. governador de Cabo Verde, nenhuma dúvida subsistirá na Câmara sobre a intenção das palavras que o Sr. Deputado Pinto Coelho proferiu esta manhã.
Dou, portanto, por encerrado este incidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Viterbo Ferreira: - Sr. Presidente: impossibilitado de comparecer na sessão legislativa corrente por motivos de saúde, não pude associar-me às palavras de entusiasmo aqui proferidas por motivo da extraordinária manifestação de fé invocada pela nova vinda a Lisboa da imagem de Nossa Senhora de Fátima nem associar-me aos votos feitos por que o dia 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal, volte a ser feriado nacional.
Permita V. Exa que o faça agora, renovando o voto já por mim feito há anos e agora constante da proposta de lei do Deputado Mendes de Matos de ser revisto o calendário dos feriados nacionais.
Com efeito, além de voltarem a comemorar-se datas consagradas pela tradição, outras há que devem ser suprimidas por relembrarem lutas de portugueses contra portugueses e rememorarem lutas de partidos contra a Nação. Convém eliminar tudo quanto nos divida, tudo quanto nos enfraquece. De esperar é, e espero que assim venha a ser, que o ilustre Ministro do Interior - que na sua passagem por esta Assembleia tanto se distinguiu - do assunto se ocupe e lhe venha a dar a solução justa e de há tanto esperada.
Seja-me também permitido lembrar, esperando que mereça o devido interesse a quem de direito, que passe a haver mais respeito no cumprimento do preceituado relativamente ao descanso dominical. E lamentável o que nessa matéria se passa.
Na sessão legislativa passada, e em face das circunstâncias que se verificaram, formulei o pedido de serem construídas no aeroporto de Pedras Rubras, no Porto, pistas de aterragem que lhe dessem maior eficiência. Tal pedido foi aprovado, e, finalmente, removidas várias dificuldades, foi dado princípio de execução a tal realização. Esperemos que não demorem a executar-se e assim se dê maior facilidade e segurança ao desenvolvimento da navegação aérea no nosso País.
Finalmente, Sr. Presidente, seja-me permitido acrescentar uma palavra sobre os benefícios da organização corporativa num sector da nossa economia que tanta importância tem para o equilíbrio da nossa balança comercial. Refiro-me mais uma vez ao vinho do Porto e às actividades que lhe dizem respeito, na precaução, no cuidado havido no seu benefício, de modo a evitar crises que a guerra e as dificuldades de exportação por ela criadas teriam sido inevitável causa.
Nas entidades, exportadoras, pelas dificuldades financeiros originadas pelo aumento e permanência dos stocks, que foram obviadas pela concessão de crédito sem terem de recorrer aos favores da banca, mas sim garantidas por títulos avalizados pela organização.
Finalmente, finda a guerra e ao retomarem-se as relações comerciais com os diversos países de que estivemos separados durante anos, pela acção inteligente e notável do Instituto do Vinho do Porto, secundando o Ministério dos Negócios Estrangeiros e defendendo a economia nacional e, por vezes, indo mais além do que os próprios interessados - já dispostos a transigir - pediam.
Relembre-se o que há um ano se passou com a Bélgica, para onde a exportação chegou a estar proibida e que constitui verdadeira causa de glória para o Instituto do Vinho do Porto.
Eis sucintamente referida uma das intervenções da organização num campo de tanto interesse para a nossa economia.
As obras corresponderam ao que havia a esperar da doutrina: é o que importa.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Favila Vieira: - Tinha resolvido, Sr. Presidente, apresentar ainda nesta sessão legislativa um projecto de lei destinado a promover a libertação da agricultura da Madeira das situações de colónia, que a dominam há séculos.
Faltaram-me, todavia, alguns elementos de estudo sobre certos pontos relativamente secundários, mas, mesmo assim, de interesse e responsabilidade, Sr. Presidente.
Terei de deixar para a próxima sessão legislativa a apresentação desse projecto de lei.
O resgate dos contratos de colónia oferece, a meu ver, Srs. Deputados, o maior alcance social, económico e político, se assentar, como pretendo, em bases sérias e objectivas, que considerem devidamente todos os valores e interesses legítimos que o problema envolve.
A questão é complexa e concretiza-se nas mais diversas situações de ordem pessoal e geral.
Desejo, apesar disso, atacá-la de frente, Sr. Presidente, como o impõem as condições de vida da população da Madeira e as indicações do nosso tempo e da nossa política doutrinária.
Há-de considerar-se, nas primeiras impressões, a minha iniciativa como uma temeridade.
Foi sempre assim quando alguém tentou romper a rotina ou as malhas espessas de interesses particulares ou de meros preconceitos enraizados - para abrir novos horizontes de renovação ou justiça na vida.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Carlos Borges: - No continente, numa situação talvez semelhante, o resgate fez-se, afinal, em favor duma empresa particular...

O Orador: - Como V. Ex.ª sabe, aceito com verdadeira satisfação quaisquer comentários quando falo nesta Assembleia. Para poder entender ou responder à observação de V. Ex.ª preciso, porém, que a concretize...

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O Sr. Mário de Figueiredo: - O aparte não visa as afirmações de V. Ex.ª É uma nota à margem...

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, a gentileza do esclarecimento.
Estou a recordar agora, de momento, um caso de certa semelhança com este, no que respeita à expectativa geral.
Vale a pena contá-lo a V. Ex.ªs, Srs. Deputados, pelas indicações úteis que dele resultam no campo da vida pública.
Em 1932, num período político agudo, depois do ter o assunto estudado, na mão, como governador substituto do Funchal, propus-me dar o golpe de misericórdia na questão do Seminário da Madeira, que se complicara em vários sentidos e parecia constituir o que pode chamar-se uma questão perigosa.
O Ministro da Justiça de então, Doutor Manuel Rodrigues, estadista e professor de saudosa memória, autor do decreto-lei, de 19227, que ordenara a entrega imediata à diocese do Funchal do grandioso edifício do seu seminário (Palácio da Encarnação), sob a impressão das informações e do ambiente, hesitou no primeiro instante, como era absolutamente natural, em dar-me carta branca para resolver o assunto, como deu, afinal, com a sua superior e penetrante observação política.
Na Madeira foram várias as pessoas que me procuraram para dissuadir-me da ideia, convencidas de que eu arriscava a vida com semelhante resolução.
Nada disto mo impressionou, Srs. Deputados. O sentimento das verdadeiras realidades e daquilo que eu julgava uma obrigação moral e política primacial dominou as falsas ideias e conjecturas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fiz a entrega à diocese do seu seminário, depois de resolver algumas questões preliminares delicadas. Não houve atentados nem desordens. Ao contrário: manifestações públicas vibrantes de aplauso e agradecimento ao Governo, Sr. Presidente.
Uma coisa são as atmosferas mais ou menos superficiais de cada momento, outras a consciência nacional e a opinião pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estas afirmações, ainda que espontâneas, sugeridas na ocasião, sem relação directa com o problema que estou apresentando à Assembleia, têm a maior oportunidade, suponho, neste período de crise moral e confusão de ideias.
Apoiados.
De resto, Sr. Presidente, sou daqueles homens que aceitam com resignação ou até com gosto e coragem todas as consequências dos seus actos e atitudes sempre que correspondam a indicações superiores do bem comum ou simplesmente da sua personalidade.
Cada um de nós tem de algum modo marcadas as suas reacções e orientação nas coisas deste Mundo.
Entendo mesmo que certos convencionalismos falsos, contrários a exigências vivas do espírito humano e de uma vida social de verdadeiro conteúdo cristão, podem considerar-se já, apesar de tudo, como sombras do passado.
Posso dizer aqui a V. Ex.ªs, Srs. Deputados, com a mesma firmeza e sinceridade, o que - não há muitos meses - disse ao Sr. Ministro da Guerra, na Madeira, num discurso na recepção da Câmara Municipal do Funchal, em expressões mais ou menos semelhantes:
Conheço os vários caminhos e processos da vida, mas nenhuma dúvida tenho de que só vale a pena vivê-la nobremente: sob a inspiração de um ideal superior e de harmonia com a nossa própria personalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se não houvesse verdadeira conveniência política em considerar desde já as primeiras e desencontradas impressões sobre a iniciativa tomada, poderia dizer-se com razão, Sr. Presidente, que estas minhas palavras eram excessivas e bastante pessoais.
A importância da questão e as ideias erradas que a sua discussão suscita, em geral, tornam-nas, todavia, mais que oportunas: necessárias.
O contrato de colónia, Sr. Presidente, apresenta-se na Madeira em modalidades bastante variadas - conforme os costumes de cada região, a natureza e o valor das culturas e outras circunstâncias de facto, algumas mesmo, cada vez mais raras, de significado meramente pessoal ou de tradição familiar.
Na sua forma fundamental típica pode, no entanto, fixar-se em breves palavras.
Convém talvez que eu a ponha a V. Ex.ªs desde já.
O senhorio é o proprietário da terra e, em geral, da água de rega. É em princípio - mas na prática difícil e precariamente - quem orienta e fiscaliza a exploração agrícola.
O colono ou caseiro, que é a expressão consagrada no meio, é o dono e possuidor das culturas e benfeitorias agrícolas e urbanas. É quem, com os seus, trabalha a terra e vive geralmente nela.
Um e outro contribuem, em metade cada um, pura determinadas despesas da exploração, como as das águas, adubos, insecticidas, e repartem de igual modo entre si os produtos da terra, com algumas restrições de importância em favor do caseiro.
O senhorio pode, judicialmente, por simples conveniência ou razões próprias de direito, dar por findo o contrato e obter o despejo, mediante aviso prévio e o pagamento das culturas e benfeitorias existentes.
O caseiro, por seu lado, pode onerar ou ceder tudo quanto possui.
São estas, Srs. Deputados, as posições dos dois parceiros agrícolas, postas do forma directa e sumária.
Pouco dizem por si sós, evidentemente, que nos dê uma indicação segura a respeito das complexas realidades da economia agrícola da Madeira, vista em relação aos seus elementos primários, ao comércio e indústria regionais, aos consumidores e demais valores humanos, sociais e económicos que a questão abrange.
Não é este, porém, o momento mais oportuno para eu desdobrar perante V. Ex.ªs as considerações que me decidiram a levantar o problema.
Afigura-se-me em todo o caso conveniente lembrar a V. Ex.ªs, antes de mais, como já afirmei nesta mesma Assembleia, a propósito de outros assuntos, que os prédios rústicos da Madeira oferecem aspectos característicos inconfundíveis, resultantes das condições naturais, que têm de reputar-se irredutíveis.
São quase todos, em dada forma, construídos pêlos agricultores, Srs. Deputados.
Os acidentes dos terrenos, de excepcionais declives, dos mais caprichosos perfis, a sua natureza geológica, o regime das chuvas, numa palavra, as condições mesológicas da Madeira, as exigências das suas principais culturas - a bananeira, a vinha e a cana de açúcar -, obrigaram o agricultor a levantar palmo a palmo, por assim dizer, os férteis terrenos daquela afamada ilha, em arranjos difíceis e muito dispendiosos: com seus muros de suporte, de socalco em socalco, seus tanques, seus caminhos calcetados, suas levadas, suas pequenas

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casas agrícolas, que se traduzem na maior parte das vezes em verdadeiras construções.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As suas principais culturas e benfeitorias estão embebidas profundamente no solo: fazem parte integrante da propriedade e do conjunto da exploração agrícola.
Sem estas indicações elementares não pode ter-se, a distância, uma ideia mais ou menos nítida das condições em que se cultiva a terra na Madeira há cerca de cinco séculos.
Apoiados.
Não ponho em dúvida, Sr. Presidente, que o contrato de colónia tenha senado, outrora, largamente ao desenvolvimento económico da Madeira.
Estou mesmo certo de que foi um instrumento poderoso do povoamento, da formação dessas admiráveis qualidades de trabalho dos homens da lavoura da Madeira, reconhecidas como excepcionais nos meios do estrangeiro - para onde vão muitos deles, há tantos e tantos anos, como o Brasil, os Estados Unidos da América do Norte, a União Sul-Africana -, e, em certos períodos, uma fonte viva de estímulos para a vida familiar e a constituição de pequenos patrimónios de simples trabalhadores rurais feitos caseiros e até do estreitamento dos laços de solidariedade e hierarquia sociais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenho aqui comigo, Sr. Presidente, numa separata, um discurso de 1888, relativo a este problema, pronunciado na antiga Câmara dos Deputados, em debate com o Ministro das Obras Públicas do tempo e o Deputado conselheiro Dr. Augusto Fuschini, pelo Dr. Manuel José Vieira, meu avô paterno, que seria oportuno ler em grande parte nesta altura se houvesse tempo para tanto.
O conselheiro Dr. Manuel José Vieira podia então dizer, com toda a verdade, na sua qualidade de senhorio:

E depois, Sr. Presidente, digamo-lo desde já. Apesar daquela minha qualidade de proprietário, como logo o confessei para evitar equívocos e colocar-me em posição definida, eu entendo que, na presente questão, no menos, poderei falar o mais despreocupadamente possível e com toda a imparcialidade, porque não terei que atender ou tomar em consideração nenhumas divergências ou lutas, que nunca houve, presentes ou pretéritas, entre mim e os meus parceiros ou consócios agrícolas.
Tratando de perto com um não pequeno número deles, e desde muitos anos, nunca até hoje tive uma só questão em que as paixões ou os tribunais tivessem de intervir.
Entendemo-nos, por interesse comum, sobre a cultura preferível, e ainda sobre os melhores modo e meios a empregar para a dirigirmos, pura assim podermos alcançar os resultados mais convenientes.
Pode até, nesse e noutros pontos de administração ou direcção, haver entre nós uma hesitação ou um modo diferente de apreciação; mas tudo isso deriva da própria natureza do contrato de parceria, tal qual o código estabelece e o bom senso aconselha. É essa a nossa tarefa; são esses os nossos comuns interesses, que só podemos realizar ilustrando-nos e auxiliando-nos reciprocamente quanto possível.
São esses parceiros, para assim dizer, a minha força viva, e com eles caminho em perfeita intimidade de interesses, parecendo-me representar para com eles igual elemento de força. São dos meus melhores amigos.
......................
Mas quero afirmar, e é esse o ponto que ora nos ocupa a atenção, que a absoluta divisão de classes e inalterável, como poderia depreender-se das palavras do ilustre Deputado, é coisa que ali não há.
Ora se confundem e se transmitem indistintamente, enquanto aos meios e enquanto às pessoas; ora se acumulam as qualidades, ou de senhorio ou de parceiro agrícola.

E mais adiante, na impugnação de algumas afirmações erradas, pela generalização, contra os senhorios, o Dr. Manuel José Vieira exprimia o seu pensamento nestes termos:

Esta questão não, pode ser devidamente apreciada encarando-a sob o ponto de vista isolado de um abuso; ou esse abuso seja do senhorio em relação ao parceiro, ou vice-versa, que por parte de um ou de outro os pode haver, como acontece em todo o contrato de sociedade, qualquer que seja a sua denominação, desde que se rompe a harmonia entre os sócios.
Para que ela possa ser justamente conhecida é mister ver de perto o que seja a parceria, razões que a determinam, condições em que se verifica e modos de tornar efectivas essas condições, vantagens e desvantagens para um ou outro dos associados e confronto entre elas, abusos que em relação ao mesmo contrato por uma ou outra parte podem dar-se, e, em todo o caso, e com o maior cuidado, não confundir nunca o abuso com o contrato, tal qual ele é, quando lealmente cumprido.
Um estudo desta natureza só directamente pode ser feito.
Não pode argumentar-se do facto isolado para a generalidade.
Menos pode deduzir-se do abuso um novo direito.

No casal de um dos seus filhos levaram-se as coisas ao ponto de, numa quinta em exploração corrente, com benfeitorias rústicas e urbanas valiosas, se aceitarem como caseiros trabalhadores rurais sem recursos, com o compromisso apenas de irem amortizando os valores transmitidos, sem juros ou encargos especiais, com o rendimento livre da sua demídia, de harmonia com as possibilidades de cada ano.
As condições da vida económica, e social da Madeira, no que respeitam à propriedade e à exploração agrícola, modificaram-se, entretanto, acentuadamente no último século, Srs. Deputados.
Lembrarei simplesmente, de passagem, que a sua população (distrito do Funchal) passou de 107:000 habitantes, em 1854, para 200:000, em 1940, números redondos, e deve ser agora de cerca de 273:000, que os terrenos e as benfeitorias agrícolas se parcelaram até se reduzirem, em muitos casos, a valores insignificantes, a situações de compropriedade insustentáveis, que os valores e as áreas das culturas, considerados entre si, na sua relatividade, mudaram também de forma bastante sensível.
A densidade da população da Madeira, se excluirmos as zonas florestais, nas serras, há-de andar já à volta de 1:000 habitantes por quilómetro quadrado.
A questão agora é outra, Sr. Presidente.
Se V. Ex.ª mo consente, já que fui além do tempo regimental para usar da palavra e há ainda vários assuntos de responsabilidade por discutir, eu renuncio à leitura dos requerimentos que vou mandar para a Mesa, dirigidos aos Ministérios das Finanças e da Justiça.

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Limitar-me-ei, para concluir, a enunciar alguns dos mais importantes objectivos do projecto de lei que desejo apresentar na próxima sessão legislativa.
Antes disso, porém, devo acentuar, como explicação prévia, que o resgate das situações de colónia efectivar-se-á - se as conclusões a que cheguei forem, porventura, convertidas em lei, pela aprovação de V. Exas - natural e progressivamente, sem perturbações, com o auxilio do Estado, em especial pela aplicação dos princípios estabelecidos na lei dos melhoramentos agrícolas.
Os fins principais da extinção dos contratos de colónia, segundo a minha orientação, Sr. Presidente, são estes:
1.° Unidade da propriedade e direcção da exploração agrícola, pela integração dos seus elementos constitutivos numa só entidade - os senhorios ou colonos ou, ainda, terceiros, talvez, em certos casos de excepção - para poder obter-se uma maior produção e, principalmente, facilitar-se a renovação e o desenvolvimento da economia agro-pecuária da ilha da Madeira;
2.° Agrupamento das pequenas parcelas de terrenos e benfeitorias agrícolas em unidades económicas de rendimento suficiente: a divisão das terras de lavoura e suas benfeitorias atinge já, em inúmeras situações, o domínio da pulverização;
3.° Estabilização, pela fixação nas terras que possuem ou onde vivem, e revigoramento moral e económico de grande número de famílias dos campos de reduzidos recursos - de pequenos proprietários e colonos ou caseiros;
4.° Valorização social de muitos dos actuais parceiros pela aplicação das suas qualidades de iniciativa e acção na administração directa dos seus prédios e explorações agrícolas;
5.° Fortalecimento dos laços de solidariedade humana entre as diversas classes sociais: pela libertação dos motivos de atrito e rivalidade resultantes das precárias condições de facto em que se mantém, geralmente, para senhorios e caseiros, os contratos de colónia.
Vou mandar para a Mesa os requerimentos referidos.
Nada mais tenho a dizer por agora, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

Os requerimentos são os seguintes:

"Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me sejam enviados os seguintes elementos de estudo, relativos à ilha da Madeira, por concelhos, segundo as matrizes e demais livros das respectivas secções de finanças:
1.° Número de prédios rústicos existentes;
2.° Número de prédios rústicos no regime de parceria agrícola de colónia;
3.° Número de proprietários ou senhorios e colonos ou caseiros - totais dos dois grupos de interessados;
4.° Número de prédios rústicos de cultivo (com exclusão dos florestais, se a destrinça for praticável) com as áreas de 1 a 3 e 3 a 5 hectares;
5.° Importâncias totais colectadas, por ano e cada grupo de interessados (senhorios e colonos), pela contribuição predial rústica e urbana (discriminadas) dos prédios em situação de colónia, de 1940 a 1946.
6.° Número e valores totais, por ano - de 1935 a 1945 - de todas as transacções de compra e venda, hipoteca ou quaisquer outras (discriminadas) sujeitas a contribuição ou imposto, efectuadas entre senhorios e colonos, relativamente a terrenos, águas e benfeitorias agrícolas ou urbanas do prédios explorados em comum no regime de colónia.
7.° Quando deve achar-se concluído o cadastro da propriedade rústica na ilha da Madeiras.

"Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me sejam enviados os seguintes elementos de estudo, relativos à ilha da Madeira:
Número e valores, por ano, de todas as acções cíveis, devidamente discriminadas, entre proprietários ou senhorios, de um lado, e caseiros ou colonos do outro, sobre prédios explorados em comum, no regime de parceria agrícola de colónia, distribuídas desde 1935 a 1945, nas comarcas da ilha da Madeira (Funchal, Ponta do Sol e Santa Cruz), com indicação sumária das respectivas sentenças que hajam transitado em julgado.
Número e valores, por cada ano, de todas as escrituras ou instrumentos notariais de compra e venda, hipoteca ou quaisquer outras transacções que importem ónus real, efectuadas desde 1935 a 1945, entre senhorios e colonos, relativamente a terrenos, benfeitorias agrícolas ou urbanas e águas de prédios explorados em comum na situação de colónia".

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: acontece que incidentes de importância material relativamente pequena despertam a nossa atenção para situações que, a verificarem-se, poderiam ter consequências gravíssimas, não só materiais, mas porque não deixariam de determinar sérios incómodos e de causar preocupações acabrunhantes.
O caso de que vou tratar pôs-me em face de uma legislação que, sendo obsoleta, contraria um dos preceitos fundamentais da Constituição Política da República Portuguesa.
Refiro-me ao artigo 8.° daquele diploma, que, ao definir os direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses, estabelece no seu artigo 12.° não haver confisco de bens.
Por isso o trago à alta consideração da Assembleia Nacional.
Se V. Ex.ª permite, Sr. Presidente, eu direi em poucas palavras o que se passa.
Fora expedida para Lisboa, como encomenda postal, uma caixa devidamente lacrada, contendo um chapéu de senhora e um sobrescrito com fotografias, e julgo que um papel com algumas instruções, e, o que particularmente importa, duas notas de 50$.
Quando a emissária da senhora a quem a encomenda fora endereçada se apresentou na estação dos correios, com o respectivo recibo assinado e caucionado, para a levantar, comunicaram-lhe ser indispensável a comparência da destinatária.
A referida senhora dirigiu-se imediatamente ali, para lhe ser comunicado que a referida caixa lacrada fora aberta sem a sua presença, é bem de ver, como aberto fora o referido sobrescrito, e que tinham sido apreendidas as duas notas de 50$, carecendo a destinatária de assinar um auto e pagar determinada multa para lhe ser entregue, contra recibo, o que restava da encomenda.
Sr. Presidente: para averiguar da legalidade e correcção dos factos apontados lá está o ilustre administrador geral dos correios telégrafos e telefones, a quem, pelo telefone, contei o que se passara; e nenhuma dúvida tenho de que a sua inteligência e alto critério são garantia de que o assunto será resolvido consoante os preceitos regulamentares, mas por forma a demonstrar que ao público serão asseguradas as atenções e a defesa de direitos legítimos, isto para o indispensável prestígio daquela Administração Geral.
Sr. Presidente: fui consultar a legislação em que se baseara aquele estranho procedimento, do qual resultou, além dos incómodos e preocupações já referidos, a abertura duma caixa lacrada e de um sobrescrito, sem a presença da destinatária ou de representante seu, a referida apreensão de duas notas de 50$ e, ainda por cima, a aplicação de uma multa.

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No artigo 81.°, alínea b), do decreto n.° 5:786, de 10 de Maio de 1919, encontrei a seguinte disposição, que me dizem figurar já na legislação de 1902:

Os jornais, impressos, manuscritos sem carácter epistolar, as amostras, caixas, encomendas postais que não puderem ser entregues, os objectos de ouro ou prata, as pedras preciosas encontradas em cartas ou maços cintados e quaisquer outros objectos de valor encontrados em correspondência serão vendidos, constituindo o produto da venda receita da Caixa de Auxilio dos Empregados dos Correios e Telégrafos.

Sr. Presidente e ilustres colegas: tão estupenda disposição, que - ia jurá-lo - só é conhecida do pessoal dos correios, expõe o público à perda completa de quaisquer valores que, por ignorância, descuido próprio ou de emissário a quem houver de confiar o despacho da correspondência e ainda, porque se dá muitas vezes o caso de não poder aguardar muito tempo nas bichas que frequentemente se formam junto das repartições competentes, comete a temeridade de os confiar aos serviços dos correios apenas com a franquia corrente e sem a precaução de os expedirem como valor declarado.
Importa não esquecer que de tão revoltantes apreensões podem resultar prejuízos avultadíssimos.
Tal a hipótese de se expedirem pelo correio, e sem valor declarado, títulos ao portador, cujo valor pode subir a centenas de contos, uma autêntica fortuna, porventura todos os haveres de quem carecesse de os remeter à Casa da Moeda, para a indispensável selagem, ou a corretores, banqueiros e outras pessoas para serem negociados ou se verificarem outras operações correntes.
Sr. Presidente: a legislação aduaneira, salvo casos muito excepcionais, quando se verifique tentativa de desvio ao pagamento do que é devido ao Estado, manda aplicar a multa correspondente, cobrar os direitos, mas ordena se devolva o artigo ao seu legítimo dono.
E nesta hipótese trata-se, sistematicamente, de tentativa de prejudicar o Estado em importância quase sempre elevada e o transgressor só muito raramente procede por ignorância.
Mas no caso em questão o prejuízo do Estado seria mínimo, isto é, a insignificantíssima diferença entre a franquia corrente e a relativa a valor declarado.
Por outro lado, o transgressor não procede de má fé, pois ninguém se abalançaria à contingência da perda de grandes valores se previamente tivesse conhecimento do risco em que incorreria, isto é, o da sua apreensão definitiva, que, no fim de contas, outra coisa não seria que o confisco terminantemente proibido pela Constituição.
Esta inconcebível penalidade, além de inconstitucional, está em flagrante desproporção com o insignificantíssimo prejuízo que para o Estado resultaria da substituição de uma franquia por outra e com a intenção de quem, desta forma, confiadamente entrega à Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones os seus valores.
E nem ao menos é prevista a intervenção dos tribunais.
Que se aplique uma multa, compreende-se, mas proporcional à importância da franquia que deixou de ser paga, como no caso de cartas encontradas sem o selo correspondente.
Contudo, a aplicação, neste caso banalíssímo do gravíssimo princípio da responsabilidade ilimitada, que pode determinar o confisco de grandes valores em pedras preciosas, notas, títulos ao portador, não pode admitir-se por mais tempo.
Só muito transitoriamente e em casos de emergência como o que agora se verifica com a crise de subsistências é que se explicaria a apreensão de um artigo desviado do abastecimento público.
Salus populi...
Sr. Presidente: quando tive de rever, julgo que em 1930, o Código da Estrada, verifiquei ser ilimitadas a responsabilidade em que se incorria pelo prejuízos e danos derivados de acidentes de viação.
As companhias de seguros não cobriam tais riscos senão até determinada quantia.
Desta forma, o proprietário de um veículo estava sempre na contingência da ruína, em resultado de indemnizações que tivesse de pagar por qualquer acidente, para as quais não havia qualquer limitação.
Mas neste caso a fixação da indemnização cabia aos tribunais.
Contudo, na alínea a) do artigo 138.° do Código da Estrada, no capítulo intitulado "Reparação civil", pode agora ler-se a limitação por mim introduzida, nos termos seguintes:

A indemnização respeitante a todos os prejuízos ou danos derivados do mesmo acidente não poderá exceder 200 contos, excepto quando se provar que da parte do responsável pela indemnização houve intenção criminosa, porque em tal caso responderá este, nos termos da lei geral, por todas as perdas e danos que tiver causado.

E na alínea d) do referido artigo determina-se:

As pessoas ou entidades civilmente responsáveis pela indemnização a que este Código se refere poderão transferir a sua responsabilidade para quaisquer companhias de seguros devidamente autorizadas.

Sr. Presidente: volvidos cerca de dezassete anos após a publicação daquele diploma, mantenho a opinião de que assim é que está certo.
Pena tenho eu de que então, isto é, quando a Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones estava sob a alçada do Ministro do Comércio e Comunicações, ninguém tivesse chamado a minha atenção para o decreto n.° 5:786, em vigor, onde se continha a tal doutrina do confisco, a que estou a referir-me.
Dentro do critério que me levara a fixar um limite à responsabilidade até aí ilimitada nos casos de acidentes de viação, eu teria substituído aquela inadmissível disposição por outra que, defendendo com justiça o devido aos serviços do Estado, não sujeitasse o público a surpresas tão perigosas.
Sr. Presidente: a explicação de que tão descabida disposição legal, obrigando, sob pena de confisco, toda a correspondência contendo valores a ser expedida como valor declarado, constitui precaução contra possíveis tentações, não colhe; e até seria atentatória da dignidade da corporação.
Se tal fosse de admitir, que não é, a violação da correspondência em proveito próprio exporia o responsável a graves sanções.
Outras, porém, seriam as consequências para o seu autor da abertura de correspondência com a franquia corrente e confisco dos valores contidos, não em proveito próprio mas a favor da Caixa dê Auxílio dos Empregados dos Correios e Telégrafos.
Apuradas as coisas e feitas às contas, a pessoa que confiadamente entregara a sua correspondência com os seus valores à corporação dos correios, telégrafos e telefones acabaria, em qualquer das hipóteses, por ficar sem eles.

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Sr. Presidente: uma tão grave situação não convém à corporação dos correios, telégrafos e telefones, nem ao público.
Carece, por isso, de ser imediatamente revogada.
Mas, acima de tudo, a Constituição Política da República Portuguesa, que terminantemente proíbe o confisco, tem de cumprir-se.
Para tão grave assunto chamo a atenção do Governo, especialmente do muito distinto Ministro das Comunicações.
Não fora a circunstância de terminar depois de amanhã esta sessão legislativa e eu apresentaria um projecto de lei de acordo com as considerações feitas.
Mas a resolução deste assunto, repito, não pode esperar até à nossa próxima reunião.
Para já, e até que a disposição aludida seja modificada, esta minha intervenção não deixará de ter a vantagem de prevenir o público acerca das gravíssimas consequências de uma simples troca de tarifa postal, por ignorância ou descuido, mas sempre demonstrativa de confiança, que importa assegurar, nos serviços dos correios, telégrafos e telefones, troca da qual poderá resultar a perda de valores sem qualquer limitação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidas as seguintes informações:
1.° Se no ano de 1946, designadamente no último semestre, chegou a Portugal algum carregamento de azeite sírio consignado à firma Eugênio Gonzalez & C.ª (Filhos);
2.° No caso afirmativo, se esse azeite foi nacionalizado;
3.° Se foi entregue ao Estado 20 por cento da totalidade importada;
4.° Se foi permitido exportar o restante para o Brasil em latas da referida firma com a sua marca "Oliveira" e com o selo de garantia do organismo corporativo competente".

O Sr. Carlos Mendes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pela Junta Nacional do Vinho, Grémio dos Armazenistas de Vinhos e Comissão de Viticultura da Região de Vinhos Verdes (Ministério da Economia), me seja fornecido, em relação ao ano de 1946 e em cada uma das suas áreas:
1.° Número de retalhistas (tabernas);
2.° Litros consumidos".

O Sr. Presidente: - Comunico à Assembleia que foi recebido na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei da Carta dos solos de Portugal.
Este parecer vai baixar à Comissão de Economia.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em discussão as Contas Gerais do Estado de 1945.
Tem a palavra o Sr. Deputado Braga da Cruz.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: das funções normais desta Assembleia Nacional é, com certeza, a mais importante aquela que hoje está exercendo: tomar contas ao Governo da autorização que lhe dera para cobrar as receitas do Estado e pagar as despesas publicais.
E é reconfortante verificar a pontualidade com que o Governo dá as suas contas, e que tão singularmente contrasta com as faltas e omissões de outras eras.
Há, assim, (patrióticas aspirações já satisfeitas, e, por certo, breve será dada satisfação a outras a que ainda não foi possível dar execução.
Diz o artigo 91.°, n.° 3.°, da Constituição Política que compete à Assembleia Nacional tomar as contas respeitantes a cada ano económico, as quais lhe serão apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas, se este as tiver julgado, e os demais elementos que forem necessários para a sua apreciação.
Até hoje não foi ainda possível ao Tribunal de Contas dar execução a este preceito constitucional, mas, quero crer, por impossibilidade material de o fazer.
Sentem-se dois ritmos de trabalho desencontrados: aquele ao qual vêm correndo os serviços de apresentação e tomada de contas por esta Assembleia, porventura em exagerada aceleração, e aquele no qual há que movimentar as decisões do Tribunal de Contas, que não sei se exigindo prazos insusceptíveis de redução.
Há que fazer um pequeno trabalho de sincronização, ou de reajustamento, e, assim, o preceito constitucional será depois integralmente cumprido.
Que essa sincronização se faça são os meus votos.
E dito assim como o Estado presta as suas contas, quanto à pontualidade de tal prestação, vejamos agora a forma como as presta, isto é, como e quanto recebe, e como e quanto gasta, embora em muito resumida análise, visto o tempo de que disponho mais não permitir. Se é fácil ver o quanto recebe, pois a expressão numérica das contas em ligeira leitura logo o demonstra, já essa facilidade não há quando se pretende saber o como recebe, isto é, quais as normas que autorizam tais recebimentos.
E aqui surgem os primeiros reparos. O Governo, que conseguiu vencer dificuldades que se afiguravam quase invencíveis, não só não venceu o singelo problema da coordenação e codificação das leis tributárias, tantas e tantas vezes pedido por esta Assembleia, mas ano a ano o vem agravando ainda com a publicação de legislação dispersa e difusa, como não há memória!
Aqui não merece o Governo aplausos, mas só reparos. Manda a lei que o índice da 1.ª série do Diário do Governo seja pontualmente publicado, mas, para que as dificuldades de consulta se avolumem, ele é publicado com um atraso enorme, sem que ao facto possa ser dada qualquer justificação. E, já que as coisas se acham neste pé, seja-me lícito, ao menos, apelar para o Sr. Ministro do Interior, que nesta Assembleia, a par do seu espírito brilhante e sabedor, mostrou ser um estudioso metódico e ordenado, para que, pêlos serviços da Imprensa Nacional, faça extrair separata em folhas soltas de todas as disposições publicadas na 1.ª série do Diário do Governo, por forma a com elas se poder fazer colecções de assuntos, e assim, ao menos, haver já um meio material de fugir à confusão existente.
Mas há ainda alguma coisa mais que não merece louvor.
Diz o artigo 63.° da Constituição Política que o Orçamento Geral do Estado para o continente e ilhas adjacentes é unitário, compreendendo a totalidade das receitas, e despesas públicas, mesmo as dos serviços autónomos, de que podem ser publicados aparte desenvolvimentos especiais.

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Visou este princípio constitucional a dar à Nação a nota do conjunto de toda a carga tributária, princípio que sempre vi perfilhar, desde os já recuados anos em que em Coimbra ouvia as prelecções de um bondoso mestre a que um boémio do tempo chamava "o capataz das finanças em Portugal".
Chegou quase a ser inteiramente vencida a campanha nos primórdios da nossa restauração financeira.
Mas aqui perdemos terreno, e urge que o retomemos. Há que envidar todos os esforços no sentido de fazer inscrever no nosso orçamento o total dos tributos impostos à Nação, seja qual for a terminologia que revistam, não fazendo sentido que dele estejam ainda, fora, por exemplo, o Fundo de Desemprego e o socorro social.
E tenho até fundada esperança de que, com a perfeição que vão tomando os trabalhos estatísticos e os estudos económicos em Portugal, um dia virá em que possa avaliar-se qual é o rendimento nacional e assim o até onde pode e deve ir a carga tributária e a justa equidade da sua distribuição.
Por enquanto há que contar ainda com um certo empirismo em zonas, aliás limitadas, de certas matérias colectáveis.
Também quanto à forma e lugar de pagamento do tributo não têm melhorado as condições em que se realizam. Dantes as relações fiscais do tributado exerciam-se quase apenas com um organismo - a repartição de finanças. Hoje há uma infinidade de liquidadores e de recebedores espalhados por sectores diversíssimos.
Não seria possível evitar tantas contabilizações separadas e tender para o ideal de uma só pagadoria e uma só recebedoria, criadas embora tantas unidades dessa mesma espécie quantas as necessárias para as comodidades do público? Estou em crer que sim.
Em visão geral e de conjunto do quanto recebe o Estado e do quanto paga, há que proclamar que ele nem é pródigo nem avaro e procura ser justo.
Não pode, com certeza, agradar a todos; cada um supõe, até na singela administração de sua casa, que emprega melhor que outrem os seus rendimentos, quando tantas vezes, aliás, os emprega pior.
Mas são benéficas e salutares estas diversas apreciações, e o Governo, que abre de par em par as portas do Ministério das Finanças para que todos possam ver o que lá se passa, tem o direito de exigir que todos aqueles que de boa fé se queiram pronunciar vejam e proclamem a inexcedível lisura das suas contas, a honorabilidade plena da sua administração.
Li com meticuloso cuidado e decidido interesse o notável relatório apresentado pela nossa Comissão das Contas Públicas, de que foi relator o ilustre Deputado Araújo Correia.
Ser-me-ia impossível fazer aqui toda a análise da sua vasta matéria, onde encontro notas de todo o meu aplauso e de onde procuro arredar até pequeníssimos pontos, de longe em longe, transparecedores de ligeiro pessimismo.
E como me é impossível fazer essa análise, peço licença para, em largos traços, apontar apenas alguns aspectos.
Afirma o douto relator que a única coisa sólida que existe na vida económica de um povo é a eficiência e o rendimento das suas actividades.
Por certo assim é, mas como não concebo nem admito a dissociação da vida económica da vida moral, acrescento que além disso, e acima disso, está a consciência moral desse mesmo povo.
Foi para ela que se olhou e se apelou quando, no início da regeneração e saneamento da Administração Pública, ao povo se disse e apontou quão árduo e duro seria o caminho a trilhar, mas que era assim, subindo esse calvário, que se se redimia a Pátria.
E o milagre, mercê de Deus, do talento e tenacidade do condutor e da bondade do povo português, consumou-se!
Pelo facto me recolho em prece. O douto relator fixa, e muito bem, a doutrina, que é aliás a que se procura seguir, de evita; gastos supérfluos e de reduzir as despesas improdutivas. Calorosamente o aplaudo, até quando aponta aquela verba de 700 contos gastos com os bailados Verde Gaio e os 8:725 contos gastos em obras no Palácio Foz.
Secundo-o também ao dizer que é preciso ainda aumentar mais as dotações dos serviços da Imprensa Nacional, dos da saúde e dos da assistência.
Aqui há que não tomar para base o que havia, que era reduzidíssimo, mas sim o que ainda há que fazer, para que, estonteados com o muito que já se fez, não vamos mais além, muito mais além, como temos de ir, melhor direi, como havemos de ir.
Penso que ainda não há sido encontrada a justa fórmula para a distribuição das funções que competem aos comandos e competências destes ramos da Administração: a saúde, a assistência e a previdência.
À saúde parece que deveria competir apenas a profilaxia, direi, a previdência sanitária, para que o mal não surja.
Mas, se o mal surgiu, então, menos para os grandes remediados, há que surgir a assistência para a cura desses males que surgiram, e quer no aspecto especializado clínico, cirúrgico e terapêutico, quer no da prestação de meios materiais supletórios.
Quanto à previdência, se o acto previdente respeita à conservação da saúde, está ele no âmbito da profilaxia, e, se respeita à formação do pecúlio económico, futuras reservas ou seguros vários, a outro sector, que não à saúde ou à assistência, pertence comandá-lo.
Vejo que actualmente, e apesar dos louváveis esforços dos Subsecretariados de Estado das Corporações e da Assistência Social, estas matérias andam muito descoordenadas, e a mesma matéria tem este ou aquele comando, sem plausíveis razões que tal justifiquem.
Nem se queira ver nisto uma diminuição da importância em que estão os serviços de saúde, pois até, e pelo contrário, eu os desejo ver muito mais alargados, mas sempre nos rumos que se me afiguram ser os de sua especial competência, como impondo medidas para evitar o inquinamento de águas em milhares de fontes espalhadas pelo País, impedindo a sordidez de ruas citadinas e habitações anti-higiénicas, lixos e estrumeiras em aglomerados populacionais, vigiando eficazmente os géneros alimentícios e os produtos farmacêuticos, bem como pensões, hotéis, cafés e centros de reunião pública, e indo até onde seja mister, transpondo até as portas dos hospitais quando à sua permanente e cuidadosa vigilância não escapar que, apesar de tudo, mesmo lá dentro há perigos anormais de contágios, como infelizmente já se há verificado em terras portuguesas.
E muito e muito têm de fazer os sanitaristas portugueses, audazes, brilhantes e sacrificadas tropas de choque, em quem deponho a esperança de melhores dias para a saúde e regeneração da raça.
Foca ainda o douto relator um ponto, que se me afigura importante e grave, ou seja o apetrechamento do País, sobretudo no que respeita às indústrias.
Quem lê e aponta os resultados das gerências últimas de muitas empresas, e ainda delas procura arredar certas camuflagens, pode afirmar que leni havido em muitas lucros verdadeiramente excessivos, e, perante eles, dois caminhos seguidos: nuns casos tais lucros são logo imprevidentemente distribuídos; noutros casos dês-

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tinados a constituir fundos para renovação de aparelhagem e instalações.
Parece nada haver que objectar a este último proceder, mas, bem vistas as coisas, não é bem assim.
Quem pagou aquele lucro excessivo? O consumidor.
Para quem vai esse lucro ? Unicamente para os donos da empresa, que assim não só ficam com essas enormes somas, como ainda habilitados a futuros e maiores lucros ainda, com as facilidades da produção por maquinismos actualizados, aliás só pagos pelo consumir!
Nada me repugna, em casos tais, ver o Estado lançar mão de forte e pesada tributação, tanto mais que já estou farto de ver que em tempos de vacas magras logo esses donos das empresas, faltando-lhes os lucros, se voltam suplicantes para o Estado, depressa esquecidos dos opíparos tempos das vacas gordas.
Creio, Sr. Presidente, dar garantias a toda a gente de que não sou socialista, muito e muito longe disso, mas é que não esqueço que há também uma moral para os negócios que proíbe condenáveis desvios e excessivos lucros à custa do consumidor, e nisso só me louvo por ver que é assim mesmo a doutrina da nossa Constituição Política, que no seu artigo 31.°, n.° 3.°, declara que o Estado tem não só o direito, mas até a obrigação, de coordenar e regular superiormente a vida económica e social com o objectivo de conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores da produção., pelo aperfeiçoamento da técnica, dos serviços e do crédito.
Já estou a abusar da gentil atenção da Câmara, mas peço para focar ainda dois pontos versados pelo douto relator.
A forma pela qual é apresentado o problema dos recursos extraordinários pode levar a equívocos, que não do douto relator, bem o sei.
Há, sem dúvida, que fazer novas avaliações e acelerar os trabalhos do cadastro, mas não avaliações ad hoc, e por vezes ad odium, mas sim avaliações gerais e feitas segundo um critério uniforme e justo.
Foram os recursos extraordinários, como arma aperrada contra os contribuintes, postos de parte, e muitíssimo bem, pelo Sr. Ministro das Finanças, certamente por verificar que para não haver injustiças tem de haver equidade, e esta só pode obter-se por uma justa comparação de valores a obter em avaliação geral.
Ir de caso pensado para esta ou aquela avaliação e deixar de ir - e às vezes sabe-se lá porquê! - para muitas outras dá lugar a justos protestos e a suposições pouco dignificadoras para os respectivos serviços.
E até não podem deixar de registar-se, com pesar, certas lamentações de alguns serventuários de pretenderem ver desfalcados os réditos do Estado por esta perda de manejo da traiçoeira arma do recurso extraordinário, pois só como lágrimas de crocodilo podem ser tidas tais lamentações.
Há valorizações a corrigir?
Sim, corrijam-se, mas em livre e justo regime de equidade, e não de fechado e por vezes duvidoso exclusivismo.
Dispôs a nossa Constituição Política, no seu artigo 27.°, que não é permitido acumular, salvo nas condições previstas na lei, empregos do Estado ou das autarquias locais, ou daquele e destas, e abordou o regime das incompatibilidades.
Ora as acumulações têm vindo a subir sempre, bem como a sua importância.
Assim, tendo sido em 1943 de 742, passaram em 1944 para 859 e ficaram em 1945 em 976, sendo certo que 94 por cento dos beneficiados vivem em Lisboa, Porto e Coimbra.
Reputo necessária a revisão desta matéria, pois aqui também estamos a perder terreno.
Vou já terminar, Sr. Presidente, mas antes de fazê-lo desejo pôr diante de V. Exa. e da Câmara o agrupamento dos dezoito distritos do continente português, alinhados pelos seus rendimentos colectáveis por hectare. São eles:

Beja............................... 53$00
Castelo Branco..................... 56$00
Setúbal............................ 61$00
Bragança........................... 68$00
Faro............................... 80$00
Guarda............................. 80$OO
Portalegre......................... 88$00
Évora.............................. 90$00
Vila Real.......................... 98$00
Leiria............................. 115$00
Viseu.............................. 142$00
Coimbra............................ 144$00
Santarém........................... 149$00
Viana do Castelo................... 184$00
Aveiro............................. 197$00
Porto.............................. 229$00
Lisboa............................. 235$00
Braga.............................. 243$00

E ao olhar para estes números o meu espírito peregrina da linda ermida de S. Bento de Vimieiro a S. Martinho de Tibães, de Rendufe a Refojos de Basto e S. João de Arnóia, e louva e bendiz esses colonizadores famosos que foram os virtuosos monges beneditinos, mercê até da operosidade dos quais nos achamos nesta sala.
E ao ver a carga máxima que à minha terra é imposta, e ela suporta sem azedume, é com o melhor afecto que eu deste lugar saúdo os meus conterrâneos e lhes digo que com eles me sinto honrado por termos o nosso pão, sim, mas bem ganho ao suor do nosso rosto.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna para levantar um louvor em honra de um facto que, sendo usual no gesto de um grande número de pessoas, aparece destituído do alto significado que (realmente tem e que nunca será demasiado vincar - a apresentação das contas públicas e a sua discussão.
Há, pois, contas públicas e também discussão pública sobre elas!
Louvado seja Deus!
Este facto, que em tempos passados só poderia admitir-se como um fenómeno, faz-se agora com regularidade, com exactidão, e sobre as contas podem os representantes da Nação apresentar dúvidas, realizar críticas e sugerir planos.
Casa em ordem. Boa administração. Certezas de hoje, possibilidades para amanhã.
Sobre isto não pode haver crentes nem descrentes. Há contas e contas certas, a tempo e horas. É a verdade, sem sofismas. Sr. Presidente: se a actual Situação não tivesse no seu activo um feixe de realizações, que tocam, em maior ou menor profundidade, os diferentes sectores da Administração, esta, só por si, era bastante para a tornar credora do agradecimento do País inteiro.
Mas, Sr. Presidente, eu sei que a gratidão não é virtude que aflore com frequência e espontaneamente por benefícios realizados, por aqueles que trabalham para o comum. Desde sempre, no tempo e no espaço, não foi a gratidão o prémio grande com que foram coroados os heróis, os sábios e os santos. A cruz foi mais vezes o simbólico pagamento para as vidas consagradas aos

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desígnios mais altos. O calvário do martírio é quase sempre o prémio final para os grandes iluminados, para os grandes realizadores, para os predestinados. Quem espere da gratidão dos povos o facho maravilhoso que lhe ilumine o passo na marcha da sua directriz política, religiosa, científica ou social comete uma falta que poderá fazer-lhe perder o rumo melhor, a fé mais profunda e o mais recto espírito de justiça.
Sr. Presidente: li com atenção, com a maior atenção e com o interesse manifesto que me merecem todos os assuntos que são presentes a esta Assembleia, o parecer sobre as contas públicas referentes ao ano de 1945.
No final da leitura, tive uma sensação de bem-estar. Conhecia a vida do País através do documento que acabava de ler e nele vira que se procurava organizar e realizar, todos os dias, para mais e melhor.
Sr. Presidente: considero notável o parecer, não pela explanação profunda, porque a mão poderia realizar, tantos e tão variados são os assuntos a tratar, mas, pela fidelidade da observação, pela boa colocação dos conceitos, pela harmoniosa concatenação dos problemas que aparecem bem focados, bem pesados e rigorosamente estudados na sua projecção em todos os sectores nacionais, desde o económico, na sua forma puramente materialista, até ao espiritual, na forma mais diferenciada, a elevar-se para o bem, para a perfeição.
Dá prazer a leitura do parecer, elucida e ensina. Fica, com os anteriores, para ilustrar a história deste período da governação do País, onde tanta coisa bela se tem feito e que anos atrás se supunham ser apenas realizáveis no espírito imaginativo de mentalidades febris ou poéticas.
Está mais uma vez de parabéns o ilustre relator deste parecer. Estamos de parabéns todos nós. De resto, o País, habituado a ver tudo no seu lugar, já não dá conta do bem que usufrui.
Rejeito a suspeita de louvaminha ao pôr perante V. Ex.ªs os comentários que ficam registados. Quem me conhece sabe decerto que não sou cultor dessa forma de fazer justiça, e ela não faz falta ao douto relator deste parecer. Sobram-lhe largamente os méritos para que fosse eu, um João Ninguém, que me propusesse descobrir o seu real valor com adjectivação.
Sr. Presidente: do conteúdo do parecer desejo ocupar a atenção da Assembleia com o problema dos serviços de saúde, para aplaudir muito do que ali se escreve, para rectificar alguns pontos e esclarecer outros para os quais o ilustre relator não encontrou explicação plausível.
Quase toda a argumentação em volta do problema tem como fundamento a afirmação feita no parecer de que "cuidar apenas dos meios curativos, e não das causas, é, evidentemente, desperdício de dinheiro" (p. 76, capítulo XXX). Não é exactamente assim. Não é desperdício de dinheiro. É aproveitamento apenas em determinada, directriz.
Isto pela razão de que curar a doença é tornar o indivíduo apto fisicamente. E quanto mais rápida e eficientemente se realizar a cura da doença menor será o prejuízo económico sofrido pela colectividade.
Mas vamos a principiar:
A planificação de um problema de saúde exige em primeiro lugar a instalação dos respectivos serviços. Os serviços de saúde não têm por fim somente o tratamento, das doenças, assim o diz o ilustre relator do parecer. É verdade.
Nunca consistiu essa a sua única finalidade. Entro nós, porém, pensa-se de maneira diversa, continua o parecer. Também é em parte verdade.
Sr. Presidente: os serviços de saúde devem constituir tuna organização que disponha dos meios que possam atingir como objectivo preservar ou recuperar, no indivíduo, o estado perfeito de integridade física. Assim, a saúde não é a única, ou, melhor, não deve ser a única ou principal finalidade dos chamados serviços de saúde.
A saúde do indivíduo não pode ser estudada isolando-o, retirando-o do seu habitat, dos seus costumes, da sua profissão, das suas reacções para com o meio, e deste sobre ele, do funcionamento normal ou patológico dos seus órgãos e aparelhos e até da constituição anatómica da sua estrutura animal. Se assim é, definir os serviços de saúde como meio de tratar exclusivamente a doença é marcar-lhes limites que têm de ser transponíveis, a todo o momento, em extensão e em altura, sob pena de não ser científica nem económica uma planificação assim projectada.
Não sei se alguma vez se fez o cálculo do valor absoluto, ou qual a percentagem que representa, no total da riqueza económica- de um país, o factor humano. Tenho para mim que deve ser representado por um número elevado.
A máquina, é cega e inerte; é o homem quem lhe dá a vida. A terra é anárquica na produção, não distingue a boa da má semente; é o homem quem a selecciona. O mar é vasto e indiferente; é o homem quem o domina. As forças da natureza são rebeldes, incoerentes, magníficas ou destruidoras; cabe ao homem servir-se delas para os seus desígnios, disciplinando-as quanto em si possa. É, pois, o homem o maior e melhor valor da Natureza. Deus assim o quis, fazendo-o à sua imagem e semelhança.
Econòmicamente, proteger o homem é realizar riqueza. Pertence, pois, a toda a colectividade organizada colocar no primado dos seus deveres, sociais, políticos, económicos e morais a protecção do homem. Pertence aos serviços de saúde a organização dos meios próprios para atingir este fim - a completa, e perfeita integridade física do indivíduo. Eis a definição.
Sr. Presidente: o problema- nos seus fundamentos consiste:
1.° Meios que se traduzem na profilaxia mediata ou imediata das doenças. É a preservação. Esta preservação da doença pode ser atingida actuando directamente sobre o indivíduo, modificando as suas defesas naturais, aumentando-as ou dando-lhe novas aptidões. Pode ainda actuar por processos indirectos, modificando os factores que atrás enumerámos e que vão desde o habitat até à mais rudimentar reacção do organismo sobre o meio ou deste sobre ele. Para o efeito teremos a higiene nas suas diferentes modalidades, atingindo o indivíduo ou o agrupamento. Estão todas estas fórmulas, Sr. Presidente, sob alçada, que é pertença de direito e de facto, da Direcção Geral de Saúde;
2.° Meios que se traduzem no combate à doença. São meios terapêuticos que têm por finalidade diminuir o número de dias de doença.
Eles, os meios terapêuticos, serão tanto mais económicos quanto mais rapidamente actuarem. Estes meios têm por fim ainda colocar o indivíduo apto a exercer a sua profissão ou torná-lo capaz de se adaptar a outra compatível com o seu estado físico último. Os meios referidos serão tanto mais perfeitos quanto menor for a mortalidade, o número de dias de hospitalização, o consumo em agentes utilizados, a perda de aptidão profissional, o período de aprendizagem de outro mister.
Para este efeito tem qualidade bastante a assistência pública ou privada. Se confrontarmos os dois grupos de meios, verificamos que se completam. Cuidar de um sem desenvolver o outro é malefício de organização e malefício económico.
Sr. Presidente: para a organização dos meios apontados teremos de apresentar os instrumentos necessários.

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Levar-nos-ia muito longe, embora não nos falte o fôlego para isso, considerar todos os instrumentos de trabalho, para bem fundamentar a orgânica a escolher. É possível que voltemos ao assunto, para um maior desenvolvimento, que aqui lhe não poderá ser dado. Referir-me-ei, pois, apenas a um dos instrumentos, ou, melhor, a um dos agentes que é mais insistentemente focado: o médico.
Não nos admira a irregularidade de distribuição dos médicos, notada pelo ilustre autor do parecer. Ela filia-se em diversos factores, entre os quais claramente o económico se apresenta como principal. A presença nos grandes centros de um número elevado de médicos é devida a uma maior abundância de proventos pelo exercício da clínica ou por outras formas de actividade, a uniu remuneração mais elevada por unidade de serviço prestado, maior facilidade de acumulação de lugares, maior possibilidade de especialização, com consequente melhoria de remuneração, possibilidades mais vastas de aquisição de conhecimentos, maior projecção científica e social. Eis, segundo nosso parecer, as razões que determinam a aglomeração dos médicos, em manchas intensas, nos grandes centros.
Permito-me ainda discordar do que o ilustre Deputado Araújo Correia chama as belezas do sistema inglês, que diz recentemente decretado, embora eu possa afirmar a S. Ex.ª que tal sistema apenas ainda está em projecto. E discordo pelo que passo a expor. A sua adopção trazia dois graves resultados: a proletarização e a burocratização do médico.
A primeira talvez já não trouxesse grande espanto, porquanto eu afirmo que uma percentagem elevadíssima dos médicos não ganha pelo exercício da clínica livre o suficiente para manter um nível de vida decente. Não sei se essa proletarização é o que se pretende, mas, se é, penso que tal desiderato, propositadamente procurado, é um mau serviço prestado à sociedade e critério errado de combate ad odium a uma classe que não merece ser assim tratada.
Por outro lado, a burocratização faria desaparecer o incentivo para melhoria dos serviços prestados, para selecção dos melhores e para progresso da ciência médico-cirúrgica. Este nivelamento traria o condomínio dos menos aptos com os mais apetrechados, dos mais úteis com os menos eficientes. Não. O critério que resulta da burocratização é negativo. É nitidamente comunizante. A igualdade procurada no rebaixamento dos melhores ao nível dos mais inferiores.
Eu aceito e advogo, com o maior entusiasmo, a melhoria de condições gerais de vida das classes operária e média. Aplaudo sem restrições, nem de espírito, nem de lucro, a obra nitidamente revolucionária - passe o termo - de radicalismo "saudável", como tão bem conceituou o ilustre Deputado Dr. Mário de Figueiredo, a larga e profunda metamorfose, levada em marcha de ritmo veloz pelo Subsecretariado das Corporações no sector do ramo de previdência social.
Eu também desejo ser do social. Melhor, eu também sou pelo social. Pelo radicalismo saudável, nem outro quero e nem outro o meu sentimento deseja aceitar. Nós todos assim pensamos.
Não me admiro, porém, do não agradecimento de quem recebe os benefícios.
Foi sempre assim. Está na história de sempre e é lógica atitude há muito verificada. Até é táctica de combate, aconselhada mesuro pelos doutrinários dos extremismos.
Mas dizia eu, Sr. Presidente, que advogando que os benefícios da previdência se estendam ao maior número, que a protecção à mãe, à criança, ao escolar, ao operário, à família, seja extensiva a todos quantos dela necessitem, não me parece necessário, nem justo, que se lance na miséria a classe média. E é tão simples resolver o problema... Por que não hão-de ser todos filhos de Deus? Por que razão os médicos hão-de ser inscritos no índex dos malditos?
Sr. Presidente: no aspecto do combate à doença antevejo dificuldades intransponíveis com a resolução do problema tal como está posto. Tive ocasião de pôr os meus reparos quando se tratou nesta Assembleia da reforma hospitalar. Não me parece necessário desenvolver novamente o que disse a propósito da dificuldade de recrutamento de técnicos hábeis e em quantidade para as necessidades, no exagerado volume do numerário necessário para a aquisição de material, quer de hospitalização, quer de diagnóstico, quer de tratamento. As despesas de carácter administrativo, com o caminho que estou vendo levar às coisas, devem representar-se por cifras astronómicas. E tudo com a finalidade exclusiva de só combater a doença - insuficiente por si - como doutamente afirma o ilustre relator do parecer.
Nem a verba dos tratamentos, que muito fez admirar, poderá salvar os hospitais da exigência de, para bem cumprirem, terem a necessidade de dispor das reservas do banco emissor.
Lembra-me, a título de incidente, informar o Sr. Deputado que a verba de tratamentos que figura no quadro da p. 93, e que soma 28:109 contos, deve ser proveniente de tratamentos a indivíduos vítimas de acidentes de trabalho a cargo de companhias de seguros e de contas de patrões que não têm o seu pessoal seguro contra risco dos referidos acidentes.
Sr. Presidente: ficaria mal comigo se não fizesse algumas considerações, mesmo ligeiras, sobre o problema do combate à tuberculose em Portugal, a que o parecer em discussão também se refere, sobretudo com a apresentação de dados estatísticos.
Conheço o problema em todos os seus pormenores desde há muitos anos. Tenho-o vivido, por ter sido desde os princípios da minha vida clínica um agente activo da especialização na modalidade do diagnóstico clínico, laboratorial e radiológico. Actualmente exerço funções efectivas e objectivas que me põem em contacto diário com ele, na sua forma menos estudada e até, posso afirmá-lo, menos cuidada. Talvez por isso mesmo, eu tive a honra, ao tomar parte na X Conferência Internacional da União Contra a Tuberculose, que teve lugar em Lisboa, de focar a importância de combater a doença, pela assistência ao doente no seu domicílio e pela triagem dos co-habitantes do doente. Tive até a honra de ter sido o único congressista que leu a sua intervenção na língua da Nação no seio da qual a Conferência se realizou. E das muitas intervenções que me foi dado escutar, e tão brilhantes elas. foram, quero afirmar a V. Ex.ªs que aquela que mais funda impressão me produziu foi ouvida aqui nesta mesma sala e dirigida pelo Sr. Doutor Oliveira Salazar aos delegados da Conferência, ao inaugurar os trabalhos na noite de 5 de Setembro de 1937. Disse assim:

Socialmente - eu não confundo social com humanitário - o que importa não é que vós nos ensineis a curar o mal, mas a evitá-lo.

Eis aqui, Sr. Deputado Araújo Correia, unia opinião que está de acordo com a de V. Ex.ª, focada, em toda & exposição feita sobre os serviços de saúde, mas que V. Ex.ª não repete ao referir-se ao problema da luta contra a tuberculose. Não o fez V. Ex.ª certamente porque supôs suficientemente afirmado o princípio, para que visse necessidade de o citar novamente, neste caso muito particular e muito de considerar, no grupo dos meios de combate à tuberculose.

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Mas eu, que sou do métier, que vivo o problema, que o conheço nas suas mais pequenas projecções, fiquei impressionado ao verificar a justeza das palavras do Sr. Presidente do Conselho. Assim era e assim é. E uma luz se acendeu na minha fé.
Supus que os fados iriam mudar. Mais: acreditei que mudariam.
Mas o assunto é vasto e merece ser tratado mais largamente nesta tribuna, se Deus na sua infinita bondade me der vida e saúde e os fados não mudarem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Nesta altura assumo a presidência o Exmo Sr. engenheiro Sebastião Ramires.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: subo mais uma vez a esta tribuna para apreciar um dos diplomas fundamentais da administração pública, o qual entrou nesta Assembleia acompanhado, esclarecido e completado por outro diploma também da maior importância.
Trata-se das Contas Gerais do Estado relativas a 1945 e do parecer sobre elas elaborado pela nossa ilustre Comissão das Contas Públicas, de que é muito distinto relator o nosso colega Sr. engenheiro Araújo Correia.
Se as contas, na sequência da administração zelosa, inteligente e verdadeiramente notável que o País reconhece e admira, demonstram que durante a gravíssima emergência que por longo período se caracterizou pela desorganização e consequente desequilíbrio mundial a nossa Administração conseguiu manter íntegro, o nosso equilíbrio orçamental, sem exigir sacrifícios tributários incomportáveis e não deixando de prosseguir na grande obra de reconstituição e de fomento fielmente seguida de há anos a esta parte, o parecer da nossa ilustre Comissão das Contas, além do exame minucioso dos diferentes capítulos das receitas e despesas, constitui valiosíssimo repositório de elementos do maior valor para se avaliar das possibilidades e disponibilidades do Estado e da Nação.
Além disso e de harmonia com o critério que norteara os anteriores e muito valiosos pareceres, regista uma larga e utilíssima série de bons conselhos e de alvitres inteligentes para o conveniente aproveitamento e indispensável valorização de todos os recursos nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O parecer este ano oferecido à Assembleia Nacional apresenta anexos três apêndices, todos eles notáveis e repletos de indicações, muitas delas inéditas, que devem contribuir para esclarecer governantes e governados.
O primeiro intitula-se "A pobreza e a riqueza do País".
Trata-se de proficiente dissertação sobre os recursos do País.
Começando pelo ferro, afirma existirem 150 milhões de toneladas de minério em Moncorvo, com alta percentagem de sílica, mas a pouca distância do rio Douro, que um dia há-de garantir seguro e barato transporte fluvial até ao Porto e fornecer a energia necessária para a económica fusão daquela montanha de hematites, hoje muito facilitada mercê de recentes progressos da respectiva técnica nos Estados Unidos.
Refere-se também aos jazigos de Quadramil, junto à fronteira e a pequena distância de Bragança, e ao da serra do Marão, nas proximidades de Amarante.
Lê-se também uma referência aos jazigos do Alentejo.
A propósito, recordo que esta fundamental indústria foi preocupação minha, que me determinou a nomear uma comissão, logo que em 1929 tomei conta do Ministério do Comércio e Comunicações, para estudar aquele importantíssimo problema.
A fase em que então se encontrava a técnica siderúrgica, a falta de energia eléctrica barata e na quantidade requerida, bem como de coque de fundição, tudo isto, conjugado às condições do mercado, e ainda outras circunstâncias fundamentais para a económica exploração daquela indústria, determinaram o adiamento da sua instalação.
Mas a importante riqueza constituída por muitos milhões de toneladas de minério de ferro, aliada à possibilidade de se conseguir, mercê do conveniente aproveitamento dos nossos rios, mais de 9 biliões de unidades de energia, e ainda a existência de alguns jazigos de carvão são de molde, como se diz no valioso parecer, a garantir um dos principais pilares da industrialização do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há ainda a registar a grande vantagem de o caudal dos nossos rios, se ó certo estarem sujeitos a irregularidades resultantes do clima ibérico, em que as estiagens são prolongadas mas susceptíveis de correcção mediante o recurso a albufeiras, que simultaneamente concorrerão para garantir e regularizar a produção de energia, a rega dos campos e, em alguns casos, a navegação fluvial, não estarem expostos a outras irregularidades de correcção mais difícil, como é a que resulta de invernos com temperaturas glaciais, que determinam a congelação da água e a consequente baixa de caudal.
Sempre orientado por um critério de confiança gerador de confortante optimismo, este valioso capítulo do parecer elucida-nos acerca de outros recursos do nosso território e demonstra que o solo considerado como improdutivo em larguíssimas áreas, como a do plioceno do grande golfo Tejo-Sado e a das areias em grande extensão da costa, é susceptível de transformação em magníficos campos e hortas capazes de concorrerem para a nossa colonização, proporcionando trabalho e garantindo recursos a numerosas famílias.
Sobre o milagre que se está operando no aproveitamento de extensas zonas da beira-mar, onde predominavam areais e dunas, basta ler o relato dos trabalhos florestais e a bela obra sobre a Aguçadoura, no concelho da Póvoa de Varzim, para nos certificarmos que a sua transformação se vai operando com inteligência e tenacidade, de forma que nuns pontos crescem hoje frondosas florestas e noutros se cultivam cereais, vinhas e hortaliças magníficas, que contribuem para o abastecimento dos grandes centros populacionais.
Acerca do pliocónico estéril, que numa zona vastíssima vinha resistindo a todas as tentativas de valorização, mantendo-se teimosamente improdutivo, lê-se no referido capítulo ter-se ali verificado a existência de importantes lençóis aquíferos, a profundidades que oscilam, geralmente, entre 15 e 30 metros, indo em alguns pontos a 50 metros, mas tendo-se encontrado também entre 6 e 10 metros.
Esta feliz circunstância, conjugada com a expectativa de electricidade a baixas tarifas para a elevação económica da água de rega, faz-nos prever um largo futuro nesta extensíssima zona da outra banda do Tejo.
E responde a uma interrogação que pesava no meu espírito e à qual, sistematicamente, todas as pessoas que eu consultara davam resposta negativa, qual a de saber se os grandes trabalhos hidroagrícolas do Pego do Altar e do Vale do Gaio, em que o Estado vai despendendo bastantes centenas de milhares de contos, não poderiam ter sido evitados, ou reduzidos, por vantajosa utilização de mananciais de água do subsolo.
Mas, seja como for, a verdade é que, mercê de grandes obras de irrigação e de enxugo da iniciativa do Governo, e muitas outras, embora de menor fôlego, realizadas por

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particulares, vão-se corrigindo irregularidades e insuficiências do clima e do solo de forma a abrir-nos o caminho de franca prosperidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O vastíssimo horizonte económico dos nossos pomares é traçado magistralmente no capítulo a que consagro estas modestas mas reconfortantes palavras.
Sr. Presidente: do apêndice i, "A pobreza e a riqueza do País", que venho comentando, destaco, para depois passar a outro assunto, o parágrafo mais importante, intitulado "O factor humano na indústria".
Ali se foca a importância do ensino técnico, mas com feição nitidamente experimental, tema da maior importância, que fora desenvolvido com fartura de elementos quando aqui foi discutida a proposta de lei sobre ensino técnico.
Não só no sector industrial se nota a insuficiente preparação dos trabalhadores portugueses, sendo certo que as virtudes da raça lhes vão permitindo não sucumbir na luta duríssima pela vida.
Não só lhes falta, preparação técnica para a indústria e agricultura, mas verifica-se, de uma maneira geral, carência dos factores que. contribuem para um clima propício ao desenvolvimento de iniciativas e produtividade remuneradora do trabalho nacional.
Haja em vista que muitos dos que na sua Pátria não conseguem elevar-se da mediania, nem ao menos ganhar é indispensável para se aguentarem com suas famílias na torrente de vicissitudes que a todos ameaça aniquilar, logo que passam as fronteiras ou atravessam os mares, e sem tempo para que as suas habilitações melhorem, só porque se alteraram as condições em que as actividades laboram conseguem, em concorrência com povos mais instruídos e convenientemente apetrechados, não só viver com abastança mas até triunfar e enriquecer.
No parecer este tema da melhoria e indispensável aproveitamento de todos os recursos nacionais para criar o ambiente propício à nossa política de produção é largamente desenvolvido e, na verdade, consegue demonstrar que, finalmente, merco da evolução da técnica, que permite agora tirar o necessário partido de factores que permaneciam improdutivos, a Nação pode confiadamente trabalhar para diminuir a distância que a separava, no campo industrial, de outros países pela Natureza favorecidos com largas disponibilidades de carvão, de ferro e de outros elementos que deram ao respectivo trabalho vantagens de grande valor.
Para esse grande esforço conta a Nação com a política de fomento desenvolvida pelo Estado e expressa em obras da sua iniciativa.
Mas espera que às iniciativas privadas, que, convenientemente estimuladas e sobretudo defendidas dos travões que as vêm estorvando na sua acção, muito podem contribuir paru o nosso avanço, se deixe o campo livre, tanto quanto possível, para que a sua valiosa intervenção se possa desenvolver, como é absolutamente necessário.
Ao lado dos grandes aproveitamentos hidroeléctricos, muito terá a Nação a esperar dos pequenos aproveitamentos, de interesse local e privado, que, longe de serem contrariados, importa estimular e auxiliar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No sector das regas é indispensável a intervenção das actividades privadas. Na minha opinião, teria sido vantajoso aumentar a intervenção dos proprietários nas grandes obras de irrigação onde a iniciativa e a construção são exclusivo dos organismos do Estado.
A lei dos melhoramentos agrícolas já prevê, muito acertadamente, a intervenção dos proprietários neste basilar capítulo da irrigação.
Não me parece, porém, que a fórmula dos financiamentos, baseada exclusivamente em garantias hipotecárias, se harmonize com as possibilidades correntes nas zonas rurais.
Afigura-se-me que este problema tem de ser revisto em face das realidades, para que da referida lei dos melhoramentos agrícolas venham a resultar todas os benefícios dela esperados.
E, ainda no que respeita a irrigação, agora que há a esperança de força motriz em condições económicas, entendo que, além de pequenas albufeiras, é sobretudo aos poços que se deve recorrer, evitando tanto quanto possível as minas, que, sangrando durante todo o ano as águas subterrâneas, acabam por esgotar os depósitos aquíferos do subsolo antes da época em que as regas mais precisas seriam.
Neste capítulo fica muito por comentar, tão largamente o problema é ali desenvolvido.
Mas não desejo terminar sem aludir a outros capítulos do valioso parecer.
Sr. Presidente: no apêndice II, intitulado "Receitas das autarquias locais", projecta-se um magnífico feixe luminoso sobre o preocupante sector dos encargos que recaem na produção nacional.
E no apêndice III, sobre organização corporativa, mais luz se faz em tão momentoso assunto.
Se os encargos da produção fossem apenas os pagos à tesouraria do Estado, como muitos erradamente supõem, já não seriam de pequena monta.
Mas do que sobra das empresas agrícolas, industriais e comerciais, depois de pagos os salários e todos as múltiplas obrigações que a vida das empresas exige, força é alimentar ainda as exigências da vida administrativa local, o que é justo e indispensável, as do novo organismo corporativo, expresso em grande variedade e numerosas instituições, com instalações por vezes sumptuárias, quadros de pessoal geralmente dispendiosos e outros gastos aqui postos em evidência no recente debate sobre o inquérito feito àquela organização, e ainda outras importantes verbas, como a do desemprego, já aqui referidas.
Este estudo é muito oportuno, para se poder apreciar com dados oficiais o considerável esforço tributário das empresas e, notoriamente, o da propriedade rústica, que, como é geralmente sabido, está sempre exposta, nu sua exploração agrícola, à incerteza do clima e a outras contingências a que se alude inteligentemente no parecer da nossa ilustre Comissão das Contas Públicas.
Sr. Presidente: sobre a matéria vastíssima da pormenorizada análise das contas do Estado referentes a 1945 muito haveria a dizer.
No respeitante à sua exactidão e ao critério que superiormente orientara a cobrança das receitas e a sua aplicação das variadíssimas despesas ali registadas e apreciadas, só há que louvar.
Na celeridade com que a vida se precipita, ao analisar contas de há quase dois anos o nosso espírito, como o dos condutores de automóveis rápidos e de aviões velozes, preocupa-se mais com o momento que passa e, sobretudo, procura adivinhar o futuro, para com tempo ir preparando a manobra que há-de desviar-nos dos perigos e garantir-nos a marcha segura e veloz para não nos atrasarmos no caminho do progresso.
Desta forma, e ajudados pelas inteligentes e oportunas considerações ali feitas, o nosso espírito vai fantasiando o dia de amanhã e procurando as melhores fórmulas para que, ao optimismo que informa todo aquele belo trabalho,

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correspondam as realidades que hão-de ser vividas por nossos filhos e netos.
Sensibilizou-me o carinho com que são tratados todos os interesses da vida rural.
Como de costume, reeditam-se neste parecer considerações, de ano para ano reforçadas pêlos factos, sobre os melhoramentos rurais, no sentido de serem aumentadas as respectivas verbas orçamentais, adaptadas as formalidades à vida simples dos povos das aldeias e generalizada a sua alçada a outros melhoramentos indispensáveis e urgentes para a valorização do trabalho realizado naqueles importantíssimos sectores e para que a vida melhore de nível, em conforto, alimentação e outros aspectos conducentes ao bem-estar dos habitantes, sem o que toda a política de fixação e colonização falharia.
Felizmente que a actual verba para comparticipações do Estado naqueles importantes melhoramentos foi este ano bastante aumentada.
Estou certo de que poucas verbas do orçamento serão tão generosas em frutos abençoados como as que se destinam a valorizar as possibilidades rurais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não só das obras abrangidas pela lei dos melhoramentos rurais depende o fomento daquelas vastíssimas zonas.
A lei dos melhoramentos agrícolas, se adaptada à índole e possibilidades do povo, a rede escolar dos centenários, as promessas de electricidade comportável para a exploração agrícola e usos domésticos, a organização dos transportes rodo e ferroviários e outros factores em via de organização, e alguns já em franca realização, devem contribuir para a necessária e urgente melhoria das zonas em questão.
Há, porém, um sector que, por falta de material, não levou ainda na medida do indispensável o seu concurso aos povos rurais.
Refiro-me à rede telefónica.
A Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, por falta de material eléctrico, tem concentrado a sua atenção especialmente em dotar cidades e vilas com pitorescos edifícios para instalação dos seus variados serviços.
Mas é geral a ânsia pela instalação de telefones privados e públicos nessas regiões que vivem quase isoladas do Mundo.
Mas para isso impõe-se o estudo e aplicação de uma fórmula de autêntico fomento, que não exija aos povos comparticipações e garantias de chamadas quase sempre em desproporção com os recursos locais.
Neste como noutros capítulos há que administrar os serviços sem a preocupação do lucro imediato, mas visando o indispensável fomento de todo o território, que, assim auxiliado, não tardaria a pagar largamente ao Estado e à Nação todo o esforço e verbas consagradas a tão justificada política.
Sr. Presidente: repetidas vezes tenho trazido a esta Assembleia o apelo do País: uma guarda rural que policie e defenda os habitantes, a propriedade e as culturas das razzias constantemente praticadas por autênticas quadrilhas de meliantes.
Espero que dentro de um ano, mercê da aprovação do projecto de lei que tive a honra de apresentar para a criação da guarda rural, será finalmente satisfeita essa grande aspiração nacional.
E, além da defesa das propriedades e das culturas, teremos a satisfação de verificar, o repovoamento dos nossos rios e das nossas zonas apropriadas ao exercício da caça, valorizando assim dois elementos de grande projecção económica, desportiva e turística até agora quase abandonados.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações, que, se obedecesse apenas ao que me vai na alma, eu prolongaria ainda por muito tempo.

Reassumiu a presidência o Exmo Sr. Dr. Albino dos Reis Júnior.

O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, não ignora o número de cartas, ofícios, telegramas, telefonemas e solicitações directas que diariamente nos chegam de todo o País e, particularmente, dos círculos que nos elegeram, para que os ajudemos nas suas pretensões, sempre justas e muitas vezes urgentes.
Ainda recentemente, a seguir às palavras oportunas e inteligentes aqui pronunciados a favor do restabelecimento de algumas comarcas, eu recebi a incumbência de solicitar também a restauração da tão justificada e necessária comarca de Lousada.
Faço-o agora na véspera do encerramento dos nossos trabalhos parlamentares, convencido de que o ilustre Ministro da Justiça atenderá aquela e outras solicitações idênticas, que muito hão-de contribuir para facilitar e defender a justiça nas zonas rurais.
Também da minha terra natal - de Guimarães - acabo de receber o honroso encargo de mostrar nesta Assembleia a necessidade de ser dotada com um edifício condigno do seu importante liceu, que é largamente frequentado pêlos filhos das famílias daquele importante centro de actividades agrícolas, industriais e comerciais.
Importante não somente nos aspectos demográfico e económico, mas porque tem uma larga e valiosa tradição cultural, expressa na benemérita Sociedade Martins Sarmento, no seu artístico museu, no seu valioso arquivo, em grandiosos monumentos e noutras demonstrações do quanto todos devemos às pleiades de vimaranenses ilustres que ali vêm trabalhando desde séculos remotos, a bem da Nação.
Já no último período de trabalho legislativo eu solicitei a atenção do Governo para que aquela terra, que tanto marca para a prosperidade do País, fosse dotada com um hospital regional; e agora, também com o maior interesse, porque se trata de uma aspiração justíssima, faço idêntico apelo a favor do novo edifício liceal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: associo-me às palavras pronunciadas da sessão da manhã de hoje pelo nosso ilustre colega Sr. Dr. Marques de Carvalho em defesa do grande plano de aproveitamento da Quinta do Campo Alegre, na cidade do Porto, para instalação da "residência dos estudantes", jardim botânico, campos de jogos e outros melhoramentos de indiscutível vantagem e oportunidade.
As minhas últimas palavras são de homenagem ao Governo pela eloquente demonstração de boa administração pública afirmada nas contas de 1945 e de felicitação à nossa Comissão das Contas Públicas e ao seu inteligente e activíssimo relator pelo magnífico trabalho com que honraram esta Assembleia Nacional.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Antes, porém, de o fazer, dou conhecimento à Assembleia de que está na Mesa um pedido de autorização para, nos termos do artigo 8.° do Acto Colonial, o Governo de Sua Majestade Britânica adquirir à Companhia de Moçambique um terreno situado na cidade da Beira, a fim

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de nele se construir um edifício destinado à residência oficial do Consulado Britânico naquela cidade.
Este pedido de autorização vai baixar à Comissão dos Negócios Estrangeiros e será apreciado na próxima sessão.
O Ministério das Colónias dá a sua concordância quanto ao terreno escolhido.
A próxima sessão será na segunda-feira dia 24, h hora regimental, sendo a ordem do dia a continuação da discussão das Contas Gerais do Estado, a discussão das da Junta do Crédito Público e a apreciação do pedido de autorização a que acabei de fazer referência.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 47 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António Carlos Borges.
Belchior Cardoso da Costa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Henrique de Almeida.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Xavier Camarate de Campos.
Jorge Botelho Moniz.
José Pereira doa Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Querubim do Vale Guimarães.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernão Couceiro da Costa.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Carlos de Sá Alves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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