O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 43

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 117

ANO DE 1947 11 DE DEZEMBRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 117 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 10 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: -O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 18 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Froilano de Melo congratulou-se com a resolução do problema da lepra.
O Sr. Presidente comunicou que na sessão seguinte serão apreciados os pareceres da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar dos Srs. Deputados Fernandes Prieto e Sousa Pinto.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1948, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarães, Alexandre Pinto Basto e Figueiroa Rego.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 8 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.

Página 44

44 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 117

João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 84 Sr s. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 18 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o

Expediente

Telegrama

Subscrito por estudantes católicos de Coimbra, em que pedem que o dia 8 de Dezembro seja considerado o grande dia santo da Nação, tendo sido também este, segundo comunicam, o voto emitido na Semana dos Estudos Marianos e por esta calorosamente aplaudido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Froilano de Melo.

O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: numa das sessões do primeiro período da nossa legislatura -vai já hoje para dois anos -, nesta mesma sala em que quis
o destino viesse colaborar convosco, no limite das minhas forças, para a resolução de vários problemas da vida nacional, chamei a atenção da nossa Assembleia, e por intermédio dela da Nação inteira, para o grave problema da lepra em Portugal. A minha consciência de leprólogo, que me levara um dia a expor nesse nobre tablado que aos intelectuais portugueses oferece a actuação, por assim dizer missionária, da Liga de Profilaxia Social do Porto, e em resumida síntese, o problema: «A campanha antileprosa. Como eu agi na índia; como se deveria agir em Portugal», ficara apavorada ao ver nas ruas de Lisboa, nos comboios dos arredores, por vezes nos eléctricos da cidade e em algumas das belas termas do nosso País leprosos abandonados ao seu destino e espalhando o contágio traiçoeiro pelas populações inermes e desprotegidas.
Pois é esta mesma consciência que me obriga moralmente, Sr. Presidente, a vir aqui declarar à Nação inteira, terminantemente e com a pequena autoridade que me dão os meus estudos da especialidade, que o problema da lepra em Portugal se acha hoje plenamente resolvido, com uma amplitude e, o que é mais, com um carinho que podem servir de lição ao Mundo e fazem honra ao intelecto e ao coração da terra portuguesa!
Chegam as malas postais ordinárias de Portugal à índia com um longo atraso de três meses: em vésperas da minha partida para aqui chegaram-me, através do Jornal do Médico, os ecos da bela cruz da inaugurada com a abertura do Hospital-Colónia Rovisco Pais. Li rapidamente os articulados do decreto-lei n.° 36:400 e li com profunda admiração as declarações do Sr. Dr. Trigo de Negreiros sobre a solução portuguesa do problema da lepra.
Eu ajuizara da capacidade de elaboração mental de S. Ex.ª numa sessão de medicina social no Instituto Ricardo Jorge, em que ele presidira a uma conferência do Dr. João Porto. Devo, porém, confessar-vos francamente: nunca supus que S. Ex.ª, que não é médico, pudesse apreender com tanta amplitude e com tanto brilho os problemas de leprologia, como o fez nesses primorosos conceitos com que expôs aos jornalistas tão magno problema de medicina social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nestas minhas palavras vai pois Q meu entusiástico aplauso ao seu talento de jovem que com tão larga e carinhosa visão soube integrar-se como apóstolo e cientista em tão difícil e melindroso problema. Possa o seu nome perdurar eternamente na memória dos homens, porque a obra antileprosa tem a coroá-la as preces dos que sofrem e a bênção de Deus! O Sr. Dr. Trigo de Negreiros bem merece do País que lhe foi berço.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E bem merecem deste País todos os precursores que agitaram o problema da lepra em Portugal por forma a impor-se ao estudo reflectido e consciencioso do Governo. Zeferino Falcão, Bombarda, Aleixo Guerra, Álvaro Pimenta, Alfredo de Magalhães, Álvaro Lapa, Rocha Brito, o infeliz Uriel Salvador, Silva Carvalho, Fernando Correia, o grupo devotado e insuflador de tão nobres iniciativas que constitui a reduzida elite da Liga de Profilaxia, precisam de ser recordados nesta Assembleia, para o reconhecimento da Nação Portuguesa.
E a benemerência de Rovisco Pais, que tornou possível a realização de uma obra tão notável, encontra certamente na alma do povo português aquele alto pedestal em que se colocam os grandes e nobres ideais.

Página 45

11 DE DEZEMBRO DE 1947 45

Sr. Presidente: acabo de visitar a Leprosaria Rovisco Pais. Quis certificar-me de visu até que ponto a realidade correspondia ao ideal. £ raras vezes me senti tão emocionado ao ver o ambiente de higiene, de conforto e de carinho que nessa instituição cerca os leprosos de Portugal. Sei que o grande animador desse ambiente é o Prof. Bissaia Barreto. É meu dever prestar-lhe aqui a minha homenagem.
Eu já conhecia, nos tempos modernos, a grande obra médico-social que é o Instituto do Cancro, cujo animador é o Prof. Francisco Gentil. Já conhecia a magnífica Maternidade Júlio Dinis, de que foi alma o Prof. Alfredo de Magalhães. A Leprosaria Rovisco Pais vem juntar-se por forma brilhante ao rol das obras sociais que se devem à concepção e actuação de médicos portugueses. É digna de ser visitada por nacionais e estrangeiros: ficareis surpreendidos ao ver que sob o frio bisturi de um cirurgião de nomeada se pode albergar uma alma de apóstolo e de artista, que sabe transformar ideais e sonhos nas mais espantosas realidades.
Nada ali falta! Tudo se acha previsto, com uma profusão de detalhes, com um instinto de humanidade e de ternura que não podem senão atrair a bênção de Deus!
A Leprosaria Rovisco Pais é uma obra que honra o País. E na verdade vos afirmo, tanto quanto afirmações desta ordem podem ser feitas antecipadamente: se os médicos e o povo português auxiliarem devotadamente o Prof. Bissaia Barreto e os seus colaboradores na campanha antileprosa delineada com tão larga visão, dentro de uns quinze anos a lepra em Portugal não será mais que um pesadelo que passou!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou concluir. Mas antes de o fazer permitir-me-ei umas sugestões:
a) Na nossa índia a descoberta e a despistagem dos casos de lepra é imensamente ajudada pela notificação confidencial feita à autoridade sanitária por qualquer indivíduo que suspeite ou tenha conhecimento de um caso de lepra. Qualquer abuso que se filie em baixo propósito de achincalhamento ou de vindita pessoal encontra o correctivo no diagnóstico ulterior feito por médicos especializados, com recurso à junta médica da lepra.
b) Na nossa índia o funcionário que contrair a lepra é aposentado com pensão por inteiro. Não pude levar mais longe este premente problema de previdência. Conheci desabafos dolorosíssimos de chefes de família internados que em angústia dantesca me diziam: «Prefiro que os meus filhinhos contraiam a lepra, que os inutilizará daqui a uns anos, a vê-los morrer de fome no presente momento, em que, devido ao meu internamento, não posso velar pelo seu sustento». É certo que esmolas vindas de todo o País minoravam até certo ponto esta tortura, mas não devemos confiar este encargo exclusivamente à caridade pública. Ouso recomendá-lo ao coração e inteligência de SS. Ex.ªs o Ministro do Interior e Subsecretário da Assistência Social, na certeza de que qualquer plano de previdência que afaste a miséria da família dos leprosos que a sociedade interna para própria defesa merecerá o aplauso de toda a Nação.
c) Seria para desejar que na zona sã se construísse quanto antes um lar para doze médicos já formados fazerem, por turnos, o seu estágio: dez lições práticas sobre os métodos de diagnose dos casos incipientes, à frente dos numerosos exemplares que aí vi, serão mais que suficientes para familiarizar os colegas com esta horrível doença, para cujo combate é necessária a colaboração de todos nós.
d) Finalmente, ouso dirigir-me ao Governo do meu Pais: esta grande obra nacional precisa de ser conhecida nos meios internacionais, para que contrabalance o silêncio, até certo ponto aviltante, em que o problema da lepra em Portugal foi amortalhado nos Congressos de Estrasburgo, Manila e Banguecoque.
Em breve vai reunir-se em Cuba um congresso da lepra. Está mais que nunca indicado que Portugal envie lá um seu delegado. Com o pequeno tempo de funcionamento da Leprosaria Rovisco Pais não poderão certamente os nossos leprólogos apresentar comunicações de transcendental interesse. Mas um documentário das instalações e actividades da Leprosaria, em filmagem cuidada, que mostre aos estrangeiros a solicitude e a seriedade com que esse problema foi resolvido, e, na secção de profilaxia e legislação sanitária, o texto integral do esplêndido decreto que faz honra à ciência portuguesa bastarão para matar de vez a lenda de que Portugal não cura dos seus leprosos e para demonstrar que na nossa teria o problema da lepra acaba de ser tratado com uma seriedade e rigor que fazem honra à ciência e à cultura portuguesas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Câmara para o facto de que amanhã, antes da ordem do dia, serão apreciados os pareceres da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar dos Srs. Deputados Alexandre Alberto de Sousa Pinto e Francisco Eusébio. Fernandes Prieto, pareceres que já foram publicados no Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1948.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarães.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: para não perder o hábito, mais unia vez subo a esta tribuna a fim de dizer o que sé me oferece acerca da proposta da lei de meios, ou, como se lê no Diário das Sessões, proposta de autorização de receitas e despesas para o ano de 1948.
Sim, para não perder o hábito que invariavelmente venho seguindo desde que esta Assembleia funciona, hábito que me tem permitido abranger em toda a sua magnitude o vastíssimo panorama da administração do Estado nos seus fundamentais capítulos das receitas e das despesas.
São mantidas as taxas da contribuição predial urbana e rústica respectivamente em 10,5 e 14,5 por cento dos respectivos rendimentos, com excepção dos concelhos onde vigorem matrizes cadastrais.
Mas o cálculo da sisa e do imposto sobre sucessões e doações, embora continuando a ter por base o valor matricial dos prédios, será acrescido de percentagens que aumentam bastante no próximo ano.
Exigências da Tesouraria para o conveniente equilíbrio orçamental.
Contudo, devemos reconhecer que o princípio, que já vigorou no ano que agora finda e que é mantido em 1948, de somente reconhecer o direito de requerer nova avaliação para efeitos de liquidação de sisa ou de imposto sobre sucessões e doações aos contribuintes, e que

Página 46

46 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 117

foi recebido com geral agrado, além de ser de toda a justiça, tranquiliza os que têm de pagar, por vezes, impostos elevadíssimos em casos de heranças ou doações, porque os defende da contingência de avaliações ordenadas pelo Ministério das Finanças, as quais podem levar a resultados exagerados.
E tal critério é tão recomendável que haveria toda a conveniência em torná-lo extensivo a outros casos, destacadamente ao cálculo de laudémios pertencentes ao Estado, nos casos de remição ou de liquidação de prestações em débito.
Em meu entender, de todo o vasto capitulo das limitações do direito de propriedade -foros e correspondentes laudémios, censos, pensões e direitos compáscuos -, todos eles à espera de providência legal que os extinga, com o respeito possível pelas cláusulas contratuais, para que a propriedade seja perfeita e as vantagens daí resultantes concorram para uma melhor produção e tranquilidade das famílias, de todos aquele que se me afigura carecer de mais urgente solução é o dos laudémios da antiga Mitra, do Cabido e de outras instituições eclesiásticas que, em consequência da lei da separação, passaram ao domínio do Estado.
Estes laudémios eram quase todos dos tipos 3-1, 4-1 e 5-l; quer dizer que as extintas corporações religiosas cobravam por cada laudémio um terço, um quarto ou um quinto do valor do prédio sobre que incidiam, enquanto o Estado cobrava, em idênticas circunstâncias, apenas 2 1/2 por cento, visto terem sido reduzidos à quarentena, como passo a expor.
Após a legislação de Mouzinho da Silveira que extinguiu determinados encargos, que oneravam bens da Coroa e outros verificou-se a encorporação na Fazenda Nacional dos bens dos conventos, sendo ordenada a suspensão de procedimento contra foreiros ainda em atraso. Em 1843 foram estes convidados a remir seus foros, com redução de pensões e sem laudémios.
Mas três anos volvidos, isto é, em 1846, foram todos os laudémios ainda na posse do Estado convertidos à quarentena.
E em 1863 um diploma fixava a remição do foro em vinte anuidades e suprimia o laudémio.
Os governos, empenhados na constituição da propriedade perfeita, foram mantendo aquelas facilidades e até isentaram as remições de pagamento de sisa.
À data da proclamação da República vigorava a quarentena para todos os laudémios do Estado.
Mais tarde o Governo do Estado Novo ordenou a remição daqueles laudémios do tipo de quarentena, garantindo facilidades de financiamento e liquidação.
Sr. Presidente: como a lei da separação tivesse declarado propriedade do Estado os direitos dominicais pertencentes às autoridades eclesiásticas, foram arrolados e inventariados todos os bens da Igreja, determinando-se o registo nas respectivas conservatórias de foros e laudémios que incidissem sobre aqueles bens, o que, aliás, não chegou a ser cumprido.
Levantaram-se dúvidas, e a jurisprudência mostrava-se hesitante, sobre se os laudémios entrados para o domínio do Estado pela lei da separação deveriam ser também reduzidos à quarentena, e a lei n.° 1:174, de Junho de 1921, estabeleceu que o laudémio dos prazos do Estado, qualquer que fosse o título de aquisição, seria sempre de 2 1/2 por cento, ou de quarentena chamado.
Foi sol de pouca dura, porque diploma posterior repôs em vigor o artigo 7.° da lei n.° 301, de 3 de Fevereiro de 1915.
Estes elementos colhi-os numa bem fundamentada exposição feita em 1939 pelas principais associações económicas da cidade do Porto.
Sr. Presidente: alguns afortunados aproveitaram o lapso da vigência da lei n.° 1:174 e remiram seus foros e landémios de origem eclesiástica, mas na posse do Estado por determinação da lei da separação, em condições aceitáveis.
Outros porém, porque então não dispunham de recursos, ou por ignorância daquelas fugazes disposições legais, ficaram sob a alçada de exigências incomportáveis, e até de multas avultadíssimas, porque, à falta dos registos que previdentemente haviam sido ordenados por lei, mas não efectuados, tinham comprado prédios sem pagar os respectivos laudémios.
Está agora em vigor um decreto-lei que permite a remição daqueles encargos, mio pela quarentena, como seria justo, mas por 50 por cento das incomportáveis e anacrónicas percentagens que vigoraram em tempos remotíssimos, quando os encargos e obrigações inerentes à propriedade eram infinitamente inferiores aos de agora.
Mas, segundo me informavam, as vantagens daquela pequena redução desaparecem muitas vezes, porque as repartições, apesar do princípio excelente que, por iniciativa feliz do Sr. Ministro das Finanças, aqui foi votado na última sessão legislativa, e que volta a figurar na proposta da lei de meios agora em discussão, ordenam avaliação prévia para a cobrança ou remição de laudémios, acontecendo exigirem depois preços incomportáveis.
Resultado de tão inaceitável procedimento: as remições apenas se fazem em casos muito excepcionais.
Os proprietários, sabendo que grande quinhão das benfeitorias realizadas em seus prédios urbanos ou rústicos pertencerá desde hoje ao Estado, o qual, simultaneamente, não deixará de elevar a correspondente contribuição predial, que incidirá sobre o imposto complementar, bem como outros tributos sobre a propriedade, evitam investir capitais em tão precárias, incertas e até ruinosas colocações.
Esta exigência de tão elevados laudémios tem prejudicado o desenvolvimento da cidade do Porto, onde ainda existem numerosos prédios onerados com aquelas anacrónicas limitações de propriedade, as quais, como já disse, vão até percentagens de um quinto, um quarto e um terço do valor do prédio, que terão de ser entregues ao Estado em caso de venda.
Este travão, fácil de evitar; a falta de estímulo à iniciativa privada para o tradicional emprego de capitais na construção de prédios, sobretudo de rendas médias e baixas, porque anacrónicos e injustos preceitos do inquilinato não criam as circunstâncias recomendáveis; certas dificuldades burocráticas, tais como grandes planos de urbanização que pretendem descer ao pormenor e quando estão concluídos já podem ser considerados antiquados; o desvio para o Estado, para as câmaras e outros organismos de funções construtivas, os quais reservam para si faculdades de defesa pronta, fácil e económica que aos proprietários privados não são permitidas ; estes e outros óbices e embaraços, aliás fáceis de remover, mas teimosamente em pleno vigor, são em grande parte responsáveis da grande crise de habitações com que se debate principalmente a numerosíssima classe média.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dos entraves a que venho de referir-me, limito-me por hoje a propor remédio para o primeiro, o dos laudémios, que, embora não sendo completo, resolveria em parte o assunto: quero referir-me à aplicação da doutrina dos artigos 5.° e seus parágrafos à remição e liquidação de laudémios devidos por qualquer circunstância.
Pode dar-se o caso de a aplicação das percentagens ali referidas levar a importâncias exageradas, mas ao interessado seria garantido, pelo § 2.°, requerer avaliação, quando não se conforme com o valor resultante

Página 47

11 DE DEZEMBRO DE 1947 47

das correcções estabelecidas no corpo do artigo 3.° e seus parágrafos.
A solução justa e radical consistiria na redução à quarentena de todos os laudémios na posse do Estado por qualquer titulo, seguida da aplicação da doutrina do artigo 5.° e respectivos parágrafos.
Mas como uma proposta consubstanciando tal princípio poderia envolver diminuição de receita, embora absolutamente justificada, pelo que venho de expor, mas que o Governo não deixará, por certo, de considerar, limitar-me-ei a propor a generalização ao caso dos laudémios do referido preceito inteligente e corajosamente introduzido na lei de meios aqui apresentada há um ano pelo ilustre Ministro das Finanças e por nós aprovada com gerais aplausos.
E calculo que a proposta que nesse sentido vou enviar para a Mesa, longe de contrariar o espírito do Sr. Ministro das Finanças, alargará, dentro da maior justiça, o âmbito da sua acertada providência.
E se a minha proposta vingar, como espero, não tardará que ela frutifique na construção de novos prédios e melhoramento dos actuais, com o correspondente acréscimo de contribuições, que compensará largamente o Tesouro e atenuará a preocupante crise de habitações que tantas dificuldades traz às famílias, notoriamente da classe média.
Se V. Ex.ª permite, Sr. Presidente, eu leio a minha proposta de aditamento ao artigo 5.°:

§ 4.° Os preceitos deste artigo e respectivos parágrafos aplicam-se às remições e liquidações de laudémios do Estado, seja qual for o título da respectiva aquisição.
Sr. Presidente: no artigo 4.° alude-se ao decreto n.° 33:494, de 5 de Setembro de 1947, e à lei n.° 2:022, de 22 de Maio do mesmo ano, que tive a satisfação de ler aquando da sua publicação, os quais se referem a isenções de imposto sobre as sucessões e doações, nos termos aprovados por esta Assembleia, e à liquidação daquele imposto, quando for devido, em prestações.
Esta última faculdade resultou de uma proposta por mim enviada para a Mesa, na qual se visava a liquidação daqueles impostos em prestações distribuídas por largo período.
Verifiquei que nesta parte a lei não corresponde inteiramente ao pensamento que ditara a minha aludida proposta, pois em certos casos as prestações correspondem a períodos bastante reduzidos.
Compreendo que tal redacção deve ter resultado de exigências da Tesouraria, mas como o princípio aqui votado subsiste, tenho a esperança de que os períodos virão a ser alargados, as prestações mais numerosas e generalizadas a outros casos não atendidos na lei, para desta forma defender, quanto possível, a manutenção de patrimónios resultantes do trabalho das famílias e que absolutamente conviria conservar para consolidação das mesmas e beneficio não só das economias privadas, mas da economia pública, que nelas assenta largamente.
Li com agrado a doutrina do artigo 8.°, em que se determina que o Estado e os organismos corporativos e de coordenação económica, não poderão criar nem modificar qualquer taxa ou receita de idêntica natureza, de carácter permanente ou temporário, sem prévio despacho de concordância do Ministro das Finanças, sobre parecer do serviço competente, homologado pelo respectivo Ministro.
Em tão séria matéria, como esta do pagamento de taxas e equivalentes, toda a cautela é indispensável para defesa dos contribuintes e para não serem a cada passo surpreendidos com multiplicidade de exigências tributárias, geradas pela fantasia de burocratas, que muitas vezes não medem as dificuldades resultantes, nem o perturbante desequilíbrio assim provocado nas economias privadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: ainda há poucos dias colhi num grupo de lavradores ilustrados e da nossa política observações curiosas no capítulo das contribuições que levam às tesourarias e a variadíssimas repartições do Estado, das câmaras, de organismos corporativos, e da infindável cadeia das que, por todas as formas e sob variadíssimos pretextos, vão agravando a vida dos que trabalham e desequilibrando-lhes os escassos orçamentos.
Mas de todas as observações uma registei que entendo dever expor à Assembleia Nacional:
«Se apenas nos cobrassem os impostos constantes da proposta da lei de meios que os Deputados vão apreciar, vá que não vá. Mas, como se não bastassem aqueles pesados impostos, a que se junta a série infindável de taxas, licenças e milhentas alcavalas cobradas a propósito, verifica-se que o Governo anuncia a exigência de mais encargos sobre a lavoura.
Não se trata do encargos dimanados de qualquer decreto ou portaria, nem previstos na Constituição.
O Governo anuncia, não no Diário do Governo, mas em discursos, que terá de exigir sacrifícios, novos e maiores sacrifícios, mas sem designar a sua natureza nem o respectivo quantitativo».

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu quero dizer a V. Ex.ª que não posso compreender esta contínua relação entre sacrifício e economia. Entendo que estas duas palavras não têm qualquer ligação entre si, porque quando há economia não pode haver sacrifício e quando há sacrifício não há economia.

O Orador: - Tem V. Ex.ª legítima razão.
Sr. Presidente: para imprevistos já chegam os que resultam das irregularidades climáticas, das pragas e parasitas que perseguem as culturas e de concorrências incomportáveis, que fazem baixar as colheitas de 50 por cento e mais e provocam baixas de preços para as quais . não há defesa possível. Os raros lavradores que podem livrar-se da ruína invariavelmente são atirados para o desequilíbrio orçamental, que os individa e muitas vezes empobrece.
Não passa de mera lenda o que gratuitamente se tem propalado sobre lucros mirabolantes auferidos pela lavoura durante a grave conjuntura da guerra.
Sobre este caso da lavoura já o nosso ilustre colega Sr. Melo Machado dissertou com a sua proficiência habitual na sessão de ontem, o que me dispensa agora de largas considerações sobre o mesmo tema.
Confunde-se geralmente o lavrador com a vasta e complicada engrenagem de intermediários que se colocam entre as múltiplas actividades da lavoura e os consumidores e exercendo um comércio que nem sempre se subordina aos preceitos legais.
É vulgar comprar-se barato ao lavrador e vender-se caríssimo ao consumidor.
Apesar da rija ofensiva travada contra o comércio ilícito e lucros exagerados, lancem-se os olhos sobre as cotações de compra de vinho ao produtor, que está sendo vítima dos manejos de uma especulação baixista, e o preço de venda dos diferentes tipos de vinho a retalho, seja a copo ou, sobretudo, engarrafado.
E observe-se a disparidade de preços entre a venda de gado pelo lavrador e a venda da carne e respectivos subprodutos pêlos marchantes no mercado de consumo.

Página 48

48 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 117

O Sr. Carlos Borges:-V. Ex.ª dá-me licença?
Parece até que já se começa a dar também com o azeite, e é notável que ainda não há bastante para o consumo e já os armazenistas não o querem comprar.

O Orador: - Tem V. Ex.ª muita razão.
Considerações idênticas poderiam fazer-se relativamente a outros géneros agrícolas, mas tenho de passar a outros pontos da maior importância focados na proposta da lei de meios.
Portanto, sem me demorar a apreciar os prejuízos consideráveis registados em alguns centros agrícolas na cultura da batata e as dificuldades e preços incomportáveis que se registam na aquisição de bons adubos e de sementes de confiança, vou passar à análise do artigo 10.°, seus parágrafos, números e alíneas, em que se garante o prosseguimento da valiosa obra de fomento realizada pelo Estado Novo nos diversos sectores, em consequência e nos termos da célebre lei n.° 1:914, sobre a nossa reconstituição económica, e de outros diplomas de igual força.
Merecem comentários, que, de uma maneira geral, além da minha concordância, são dignos do maior louvor, os diferentes números das cinco alíneas em que se enumera o importante plano de actuação do Governo sobre fomento económico, fomento colonial, obras de fomento sanitário, cultural e social, defesa nacional e, finalmente, ainda outras obras também da maior importância.
Todos estes números do grandioso programa despertam em mim o desejo de os comentar, mas falece-me para tanto o tempo preciso e não faltarão colegas ilustres para os apreciar como bem merecem.
Limitar-me-ei, portanto, apenas a um pequeno número, especialmente àqueles sobre que enviarei para a Mesa propostas de alteração.
Sr. Presidente: garante-se na proposta o prosseguimento da política dos melhoramentos, que nos últimos tempos tem sido valorizada pelo Governo com maiores verbas para comparticipações e generalizada a obras que não haviam sido atendidas logo no início do decreto criador da fórmula que logrou despertar e estimular o espírito propulsor do fomento rural, muito esquecido até então pela escassez de fundos de começo atribuídos no orçamento a este fundamental capítulo da nossa obra de engrandecimento da Nação.
No n.° VII) da alínea, a) alude-se a melhoramentos rurais e obras de abastecimento de águas às sedes dos concelhos.
De facto, a água aparece logo na cabeça do rol dos elementos indispensáveis em qualquer povoação, tais como estradas, escola, cantina, instalação e terreno para o ensino técnico profissional, pelo menos no grau elementar, e muito especialmente no que respeita à agricultura, electricidade, estação telefónica e outros ainda, sem os quais a vida seria hoje impossível, resultando da sua falta, não só a falta de afluxo de habitantes, mas até o completo despovoamento.
Não se compreende, porém, que o abastecimento de águas se limite às sedes dos concelhos, havendo absoluta e urgente necessidade de o ir garantindo a todos os aglomerados populacionais.
Concelhos há em que tais aglomerados são por vezes tão importantes ou mais ainda do que as próprias sedes.

O Sr. Melo Machado (em aparte): - Certamente V. Ex.ª está fazendo referência a um decreto que sobre o assunto existe. Naturalmente essa designação é devida à velocidade adquirida.

O Orador: - Não ignoro que recentemente foi publicado um diploma sobre esta importantíssima matéria, mas entendo que, coerentemente, a lei de meios a todos deve abranger, não se limitando às sedes dos concelhos.
Depois lá estarão os regulamentos.
Desta forma, enviarei para a Mesa uma proposta de alteração do n.° VII) da alínea a), tendente à eliminação das palavras «às sedes dos concelhos».
Ainda a propósito de abastecimento de águas, entendo dever chamar a atenção do Governo para o recurso imoderado à abertura de minas, que, sangrando os mananciais do subsolo durante todo o ano, acabam por esgotá-los, com grave dano para a agricultura, quando as mais das vezes se poderia recorrer à água do subleito das ribeiras, geralmente mais arejada, de melhor composição química e com mais garantias de pureza e, além de tudo, constituindo mananciais geralmente abundantes para garantia de fornecimento de água nas estiagens.
A técnica actual, a extensão que deve ser dada à rede eléctrica e os progressos realizados na tubagem concorrerão para permitir a económica elevação de água e respectivo transporte a grandes distâncias e em condições aceitáveis, podendo assim distribuir-se esse elemento fundamental a outros povoados além das sedes dos concelhos e defender os preciosos lençóis de água do subsolo, para que no Verão as fontes continuem a cantar e não faltem regas nas hortas e nos campos.
Sr. Presidente: na alínea c), dedicada aos importantes e urgentíssimos capítulos do fomento sanitário, cultural e social - que magníficos temas para glosar! -, encontro no n.° III) a garantia do prosseguimento da grande rede escolar, conhecida por «rede escolar dos Centenários», homenagem admirável aos valentes fundadores da nacionalidade.
Mas na sua redacção -edifícios para as escolas primárias, ampliações e novas instalações para as escolas de ensino técnico profissional e dos liceus - não se incluem as cantinas, aliás previstas no diploma que lançou os fundamentos do grande combate ao analfabetismo ordenado pelo Estado Novo.
Feliz ideia a da criação do cantinas escolares, que logo floresceu, despertando a generosidade de muitos portugueses, que têm oferecido avultadas quantias para a sua manutenção, tomando o Estado a seu cargo a construção dos respectivos edifícios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente, enviarei também para a Mesa a seguinte proposta de aditamento ao n.° III) da alínea c) do artigo 10.°:

Intercalar entre as palavras «escolas primárias e ampliações» o seguinte: «o respectivas cantinas».

Sr. Presidente: na alínea e) incluem-se, entre outras obras de marcada utilidade, n.° III) Trabalhos de urbanização e n.° IV) Estádio Nacional. Construção do edifício do Instituto Nacional de Educação Física e do hipódromo.
Acerca de urbanização muito haveria a dizer, por se tratar de problema que interessa não somente às cidades, mas a pequenas vilas e aglomerados espalhados por esse País fora.
Repito: é tema de larga envergadura, que exige ser tratado à parte.
Por agora apenas direi que a cidade do Porto não tem podido acompanhar a capital na sua marcha célere no que respeita a abertura de ruas, avenidas, praças e auto-estradas, nem na construção de autênticos palácios, que tanto têm alindado e valorizado a cidade de Lisboa, condigna capital do nosso vasto império.

Página 49

11 DE DEZEMBRO DE 1947 49

A cidade do Porto não tem obtido a mesma colaboração financeira, guardadas as proporções, dos cofres públicos com que tem sido distinguida a capital.
É certo que não pode atender-se simultaneamente a todo o País.
Contudo, foi com aplausos e vivo reconhecimento que aquela cidade recebeu -a notícia de que não tardaria a construção da ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, visto tratar-se de melhoramento de grande alcance e que constituirá a via rápida de comunicações entre o Porto, Gaia, circunvalação e Leixões, onde no futuro entroncarão autoestradas para as praias do Sul e do Norte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Referi-me ontem, Sr. Presidente, à grande aspiração das classes produtoras e dos desportistas do Porto pela construção de um palácio destinado à realização de exposições industriais e competições desportivas.
Aproveito a oportunidade desta discussão para mais uma vez salientar que seria do maior alcance a concessão de verba para o referido Palácio da Indústria e dos Desportos naquele antigo mas progressivo burgo, em local a designar pelo Governo e Câmara do Porto, mas de preferência em terreno ainda livre, de área bastante para de futuro se instalarem campos de jogos e convenientemente servido de bons transportes.
São estes os meus votos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido tenho a honra de enviar para a. Mesa a seguinte proposta de aditamento ao n.° IV) da alínea e) do artigo 10.°:

Bem como do Palácio da Indústria e Desportos da cidade do Porto.

Remata a proposta de lei de meios o artigo 10.°, consagrado a variadíssimas obras, constantes das suas cinco alíneas, com a afirmação oportuna e animadora de que se visa o desenvolvimento da produção nacional.
Bem haja por tal afirmação.
E bem haja também por todas as providências que houver por bem ordenar para que se mantenha íntegra a confiança com que em todos os sectores de trabalho se olhava o futuro e se empenhavam todos os recursos nacionais para luta económica em que teremos de vencer.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Basto: - Sr. Presidente: fora minha intenção, desde há bastantes meses, aproveitar as férias parlamentares para fazer um cuidadoso estudo sobre as condições presentes da contribuição industrial. Porém, razoes alheias à minha vontade obrigaram-me a ausentar do País nestes últimos meses, o que tornou impossível, a realização de um trabalho cujos resultados eu quisera trazer como elemento esclarecedor a esta discussão. Mas, não obstante estas circunstâncias, julgo ainda que a importância do assunto e a acuidade do problema justificam o meu propósito de chamar para ele a urgente e criteriosa atenção do Governo neste momento em que a lei de meios vai habilitá-lo a elaborar e fazer executar o orçamento de 1948.
A contribuição industrial é a rubrica do maior imposto directo: o seu pagamento interessa profundamente toda a vida económica do País. No entanto há, pelo menos, dois aspectos que, pela sua gravidade, carecem de urgente atenção.
O primeiro ressalta da necessidade de uma ordenação das leis fiscais e Ao regime fiscal. Já há um ano aqui nesta tribuna me referi à importância deste assunto, importante até por afectar o País inteiro e muito da sua população. Porém, nada aconteceu, excepto que, evidentemente, apareceram mais e novas disposições, mais e novas circulares, mais e novas instruções, isto é, complicou-se mais ainda o labirinto em que se move o contribuinte português.
Não ignoro a dificuldade que o problema encerra, resultante até da própria natureza das disposições fiscais; mas insisto mais uma vez, com todo o calor da minha voz sincera, que sabe traduzir ò pensamento de tantos, que é inadmissível o (regime em que vivemos. Criou-se uma meada e tal complexidade 110 regime tributário que qualquer, mesmo modesta empresa, é forçada a ter um serviço e pessoal unicamente ocupado a resolver os inúmeros problemas que a cada passo se apresentam. Junto ao regime e encargos de previdência, a cujo intento presto homenagem, a vida do industrial e do comerciante decorre sob uma espiada de Damodes, pois, apesar de todos os esforços, há sempre um erro possível, seguido de multas e o mais. Nem os mais peritos jurisconsultos - e esta Assembleia tem alguns no seu seio - se orgulharão de poder garantir a qualquer contribuinte, em casos mais complexos, ser perfeita a sua interpretação das inúmeras leis fiscais, sob cuja alçada o contribuinte se vê tantas vezes colocado. Se é justo que se peça ao contribuinte o que equitativamente deve pagar para os indispensáveis serviços do Estado, este não tem o direito moral de criar embaraços ao cumprimento da lei, como é o caso com o presente sistema. Urge, portanto, remediá-lo. E julgo que seria triste e grave - não por mim, mas pela Assembleia e pelo País - se estas palavras não tivessem eco.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O segundo ponto a que me quero referir é o que respeita ao critério seguido na distribuição da contribuição industrial.
Por motivos que todos conhecemos, e que eu pessoalmente profundamente lamento, e digo pessoalmente por não ter procuração da 'Câmara para lamentar...

O Sr. Mário de Figueiredo:- Mas tem da Nação.

O Orador: - Muito obrigado. ...portanto profundamente lamento, a fornia empírica do seu lançamento dá lugar a que o contribuinte nunca saiba o que o espera; mas quando sabe o que lhe aconteceu fica na total ignorância da razão por quê. Verdade seja que uma grande parte dos contribuintes por este imposto sabe agora
- mercê do geral conhecimento do que se continha numa circular secreta e confidencial - quê o objectivo do Estado é elevar a matéria colectável até compreender a importância relativa ao que, com evidente ironia; se chamou v imposto sobre os lucros excepcionais de guerra ». Assim, os contribuintes do imposto industrial, que em 1946, segundo as Contas Gerais do Estado, rendeu quase o dobro da receita de 1939, totalizando 367:633 contos, devem preparar-se para muito brevemente pagar também sobre o montante que foi colectável por lucros, de guerra ou coisa bem parecida. Aliás, já vamos a caminho, e com grande entusiasmo. Assim, posso dar-lhes estes números, que são bem elucidativos. Nos nove

Página 50

50 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 117

meses que decorreram de Janeiro a Setembro, em 1946 e 1947, a contribuição industrial rendeu o seguinte:

[Ver tabela na imagem]

O que permite prever para 1947 um rendimento de cerca de 500:000 contos.
Veja-se o brusco salto, o progresso, enorme no montante deste imposto sobre as actividades económicas, cuja vida, no conjunto, não é, como parece julgar-se, um mar sem escolhos e sempre florido. É dizer que o Estado resolveu, certamente através de índices ou indicadores cuja natureza não é conhecida nem da Câmara nem do público, tornar normal apenas por presunção aquilo que classificou como excepcional quando tinha diante de si os números exactos dos respectivos manifestos. E tal sistema, que já se vem aplicando desde o passado ano, não tem apelo, porque «são ordens».
As condições em que trabalha o comércio e a indústria são complexas e dificílimas e o Governo tem disso certamente amplo conhecimento. As restrições, os condicionamentos, os crescentes encargos de laboração e exploração, as dificuldades de crédito - por vezes inexplicáveis e inadmissíveis -, os próprios encargos fiscais de toda a espécie, incluindo os da organização corporativa e da legislação social, constituem crescentes embaraços à acção legítima das actividades económicas, que são indiscutido elemento de riqueza da Nação.
Não se pretende -nem eu saberia advogar a causa - que não pague o que é equitativo e justo aquele que, sob a protecção múltipla do Estado, exerce a sua indústria e o seu comércio. Mas entendo indispensável que o regime fiscal em que se vive se torne mais objectivo e que a repartição se faça mais criteriosamente. Se não se nega o crescente valor e importância destes elementos da economia do País, pede-se instantemente que as autoridades fiscais não ignorem nem desprezem as circunstâncias em que tais actividades se exercem. Se é verdade - e quem viaja talvez melhor o reconheça - que muito nos devemos congratular por vivermos neste oásis de ordem e de paz e a quem nos governa devemos apoio e sincero louvor, também é facto que por vezes se parece esquecer certos princípios e processos que são a base da justa administração e da justiça fiscal. E para evitar qualquer mal entendido desejo aqui render homenagem à grande maioria do funcionalismo fiscal, cujo trabalho é difícil e complexo e cuja conduta é, em geral, digna de louvor.
Não posso terminar estas considerações sem lamentar muito profundamente a disposição do artigo 9.° da proposta quando trata do estabelecimento de novos encargos por adicionais, eventualmente criados, sobre as receitas gerais do Estado. Se o equilíbrio orçamental é premissa indiscutível e indiscutida da política financeira e económica portuguesa - porque não dizê-lo da simples política portuguesa? -, os recursos financeiros e a situação política do Estado não devem necessitar deste recurso ao cheque em branco assinado pela Assembleia Nacional. Lamento, repito, que em tempo de paz se recorra a tais processos, que não são da melhor ética fiscal; não é nestes tempos de incertezas que estas devem aumentar-se com semelhantes disposições. Além de que o Estado tem muito onde pode e até deve reduzir despesas que não são urgentes, se as condições
gerais assim o necessitarem, sem ter de sobrecarregar contribuições, das quais algumas são já bem pesadas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Figueiroa Rego:-Sr. Presidente: não obstante o seu amargor, há comentários que é mais útil fazê-los do que ocultá-los.
No intuito de sermos úteis ao Governo e salientar a moralidade da sua administração, permitimo-nos umas breves considerações sobre a proposta em discussão. De resto elas estão no ânimo de muitos dos mais dedicados à Situação.
Não esquecemos uma anedota de Ataxerxes, agimos no uso de um direito, cumprindo um dever de consciência, arrostando, porventura, com possíveis susceptibilidades.
Sr. Presidente: seja-nos lícito, antes de mais e com o devido respeito, ponderar os embaraços que advêm da escassez do tempo que resta à Assembleia Nacional para apreciar a proposta da lei de meios, cumprindo-se o insofismável preceito constitucional que manda votá-la até 15 de Dezembro.
Conviria convocar com antecedência a Câmara Corporativa de modo que o seu parecer estivesse elaborado e distribuído no dia da abertura da sessão legislativa. Poder-se-ia assim estudar pormenorizada e documentadamente um diploma fundamental da vida do Estado.
Não defendemos nada de semelhante à arrastada, tumultuaria e deselegante discussão do Orçamento Geral do Estado em ominosos tempos, o qual era votado de afogadilho, com os crónicos deficits, ou apenas aprovados os duodécimos.
Mas também não é curial o pouco tempo que fica à Assembleia Nacional para este estudo.
Não é seu atributo o conhecimento preciso, mesmo nos seus traços gerais, do orçamento, pois limita-se a autorizar a cobrança das receitas e a aprovar o destino das despesas extraordinárias.
Não viria mal ao Mundo que se descesse a alguns pormenores, ao menos no respeitante à previsão de certas receitas e das despesas globais dos departamentos superiores do Estado, embora a sua destrinça caiba ao Governo.
Numa crítica colaborante e construtiva importa sobremaneira não só votar as normas conducentes ao equilíbrio das contas públicas, mas também sugerir regras que assegurem a equidade e severidade da cobrança das receitas à parcimónia na utilização das verbas a despender, isto é, a garantir o seu máximo rendimento útil e ia rigorosa observância das leis da contabilidade.
No brilhante e substancioso discurso do distinto parlamentar Sr. Melo Machado há conceitos que inteiramente perfilho e aos quais me poderia referir, mas, como calaram fundo no ânimo da Assembleia, mais restritas são as minhas considerações, que se limitam a focar ligeiros aspectos.
Sr. Presidente: nos últimos tempos - os das vacas gordas, passe a referência popular e bíblica -, em certos sectores, se não em todos, a palavra de ordem é gastar integralmente as verbas orçamentais, nem sempre cuidando da sua utilidade ou reprodutividade.
Poupar deve, porém, ser o objectivo máximo e constante, dados os perturbados tempos que decorrem.
Economia primeiro, agravamento tributário depois e sempre o equilíbrio orçamental.
Mas não esquecemos que às vezes deixar de gastar é má norma administrativa, porque é necessário semear para colher.

Página 51

11 DE DEZEMBRO DE 1947 51

Assim, somos de opinião de que as despesas reprodutivas ou recuperáreis devem, primar às improdutivas ou adiáveis.
Para as primeiras - como os aproveitamentos hidroeléctricos e hidroagrícolas, o povoamento florestal, a rede ferro e rodoviária, o fomento agropecuário e mineiro, a construção dos hospitais, etc.-, olhos postos no futuro, deve ser dispensada não só a primazia, como a maior largueza possível.
Em vez da pulverização das verbas, toda a sua possível concentração, de modo que a obra ou empreendimento se conclua, se torne útil e rendosa mais cedo.
Sr. Presidente: é mister opor um sólido dique à moderna tendência do alargamento dos quadros a pretexto do reajustamento.
Menos pessoal, mas mais competente e melhor pago; menos nas cidades e mais nos campos; mais técnica e menos burocracia, são ditames a observar.
As reformas a retalho, neste capítulo, são sempre caras e desconexas. São necessárias providências imediatas no sentido da remodelação de todos os quadros do funcionalismo, assente em normas gerais, idênticas às promulgadas em 1928 e 1935, para o que devem ser nomeadas comissões especiais para cada Ministério e uma comissão central que coordene e uniformize os respectivos trabalhos.
Dada a adopção dessas providências, resultará, estamos certos, farta economia, maior eficiência e robustecer-se-á a moral administrativa, tonificada por normas complementares respeitantes ao ingresso e acesso dos funcionários. Não o dizemos, mais uma vez, por doentia pertinácia...
Simples alvitres, como os nossos, a propósito dos artigos 9.° e 10.° da proposta em discussão, ou grandes proposições, tudo deve tender para assegurar a continuidade dos sábios ditames e as salutares e persistentes medidas do emérito estadista Doutor Oliveira Salazar, de que é ilustre continuador o Sr. Ministro das Finanças.
Graças a essa política financeira se conseguiu o saneamento da tesouraria, se restaurou o crédito e se amealharam avultados recursos investidos e a investir em obras sociais e de fomento, cujo ritmo crescente e metódico nos redimirá do atraso de dezenas de anos, no campo social e económico, quê nos legaram os políticos anteriores a 28 de Maio de 1926.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada, vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Propostas enviadas para a Mesa na sessão de hoje, relativamente à proposta de lei em discussão:

«Proponho o aditamento de um novo parágrafo ao artigo 5.º e seus parágrafos:

§ 4.º Os preceitos deste artigo e respectivos parágrafos aplicam-se às remições ou liquidações de laudémios do Estado, seja qual for o titulo da respectiva acquisição.

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1947. - O Deputado João Antunes Guimarães».

«Proponho o aditamento, no n.° III) da alínea c) do artigo 10.°, das palavras «e respectivas cantinas» entre as palavras «escolas primárias» e «ampliações».

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1947. - O Deputado João Antunes Guimarães».

«Proponho o aditamento das palavras seguintes no n.° IV) da alínea e) do artigo 10.°:

Bem como do Palácio da Indústria e dos Desportos da cidade do Porto.

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1947. - O Deputado João Antunes Guimarães».

«Proponho a eliminação, no n.° VII) da alínea a) do artigo 10.°, das palavras: «as sedes dos concelhos».

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1947.- O Deputado João Antunes Guimarães».

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Jorge Botelho Moniz.
Luís da Câmara Pinto Coelho.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Fernão Couceiro da Costa.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Pastor de Macedo.
Manuel Beja Corte-Real.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Teotónio Machado Pires.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 52

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×