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REPÙBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 124

ANO DE 1948 15 DE JANEIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 124 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 14 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 2 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.° 122, com uma rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Melo Machado. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Águedo de Oliveira chamou a atenção do Governo para a necessidade urgente de melhorar os transportes ferroviários na linha do Vale do Sabor.

Ordem do dia. - Encerrou-se o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Mendes de Matos, sobre o exercido do comércio de vinhos e outras bebidas alcoólicas a retalho, depois de ter usado da palavra aquele Sr. Deputado.
Foi aprovado o texto da última redacção da proposta de lei em que se converteu, o decreto-lei de protecção ao cinema português.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à, qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Conto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sonsa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Enrico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique de Almeida. Henrique
Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.

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Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Yigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 2 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 122, de 9 do corrente.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: desejo fazer a seguinte rectificação: a p. 127 vem como meu um aparte da autoria do Sr. Dr. João do Amaral. Como é muito interessante, não quero assumir a sua paternidade. O seu a seu dono.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja usar da palavra sobre o Diário, considero-o aprovado, com a reclamação apresentada pelo Sr. Deputado Melo Machado.

Pausa.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Dos empregados de quinze extintas agências de passagens e passaportes secundando a representação enviada à Assembleia Nacional.
De diversos antigos agentes de passagens e passaportes secundando igualmente aquela representação.
Do Grémio da Lavoura de Vinhais agradecendo à Assembleia Nacional a atenção que lhe mereceu a situação dos produtores de batata e preconizando diversas medidas tendentes à melhoria dessa situação.
De diversos lavradores da região de Bragança em idêntico sentido.
De Américo de Almeida, de Bossas, Bragança, aludindo à crise que atravessam os produtores de batata e apoiando as considerações do Sr. Deputado Melo Machado acerca deste assunto.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: chamo a atenção do Governo, particularmente do Ministro das Comunicações, para a necessidade urgente de melhorar o serviço de transportes ferroviários na linha do Vale do Sabor.
Como consequência directa da lei de coordenação dos transportes terrestres aqui votada e da execução que a ela foi dada pelo Governo, e também do abastecimento de combustíveis, sem dúvida nenhuma que tem melhorado duma forma apreciável o serviço de transportes ferroviários em Portugal.
Na região que aqui represento melhorou em grande parte na área da linha do Douro, do Tua até ao Porto, na linha do Corgo, na linha do Tua; infelizmente, até agora esta melhoria não pôde ainda estender-se ao troço restante do Tua até Barca de Alva e a toda a linha do Vale do Sabor, não obstante anunciada.
Possivelmente os novos dirigentes que substituíram os estados maiores tradicionais do nosso caminho de ferro estão fazendo mesmo um esforço superior às suas possibilidades, direi melhor, superior às possibilidades materiais dos nossos caminhos de ferro. E há que louvar as provas de capacidade que deram nos últimos tempos quanto a «rápidos», acelerações e horários mais cómodos e racionais. E assim se tem correspondido à expectativa legislativa aqui firmada, e os serviços melhoraram logo, mostrando de sobra que uma organização mais conveniente substituiu a pluralidade das companhias existentes em Portugal pela unidade na coordenação superior.
Sobretudo este progresso é patente no aceleramento da viagem de alguns comboios e é patente mesmo na comodidade do público em geral.
Há assim aproximação de alguns princípios simples em que os transportes foram definidos e que giram à volta de dois slogans, conforme funcionam bem, muito bem ou não funcionam bem:
1.° Sempre mais rápido, sempre mais cómodo e sempre mais barato, parece ser o essencial da economia dos transportes modernos.
2.° Quanto maiores forem as distâncias a vencer mais se impõe a aceleração.
Ora exactamente a região que vai do Focinho até Duas Igrejas de Miranda, ocupada pela chamada linha do Vale do Sabor, considerada uma região extrema em relação às duas capitais portuguesas, tanto em relação a Lisboa como ao Porto, ainda não acusa qualquer melhoramento no tráfego de passageiros, não obstante já haver sido publicamente prometido. Continua a sair-se de Miranda às 7 horas da manhã e a chegar-se ao Porto pela tarde adiante e algumas vezes a não se apanhar o «rápido», que permite uma ligação breve com a capital.
Tanto para a hipótese de se não apanhar o «rápido» em Campanhã, como na utilização 4e uma 3.a classe, são vinte e quatro horas de viagem desde aquele extremo fronteiriço até à capital. E eu suponho que nos países de grande área - a do nosso é o canapé de D. Pedro IV-

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não se pode viajar tão brandamente. Muitas vezes não se ultrapassa a velocidade média genérica de 26 quilómetros por hora.

O Sr. Melo Machado: - O que é vertiginoso...

O Orador:- É claro que esta linha continua ainda sem realizar a miragem dos políticos da geração de 1905 e 1906, quando procederam à sua abertura. Supunha-se que ela iria entroncar na região de Zamora e estabelecer ligação fácil com o Norte da Espanha e até com a França. Porém, ela parou em Duas Igrejas. Pensou-se também que à construção da linha corresponderia o aproveitamento imediato dos cursos de água e da sua força motriz. E são necessários para já 120:000 contos para acabar a obra de hidráulica agrícola implantada no Sabor, perto do Douro, que fornecerá a energia eléctrica indispensável aos grandes aproveitamentos.
Ao mesmo tempo supunha-se que a construção da linha facilmente permitiria a utilização do minério de ferro da serra do Roboredo, e a verdade é que ele continua a não poder ser explorado.
Convém ainda referir que esta linha foi iniciada com alguns episódios realmente tristes. Uns concursos para a construção da ponte que devia ligar a província da Beira com Trás-os-Montes no Pocinho ficaram desertos, porque os concorrentes não confiavam na solvabilidade do Tesouro Público.
Por outro lado, a construção da linha arrastou-se anos e anos, em pequenos troços, e foi preciso que a Revolução Nacional acabasse uma parte importante e levasse à parte final o primeiro empreendimento.
Portanto, de facto ainda se não fez aplicação à área descrita e à linha do Vale do Sabor do dinamismo posto pela concessão única na administração ferroviária, e naquela região longínqua aguarda-se ainda que chegue o progresso verificado na generalidade.
Certos males anteriores persistem: muitas vezes as locomotivas avariadas; qualquer chovisco ou nevoeiro tornando difícil o acesso e convertendo minutos de percurso em atrasos de horas. Também falta de fiscalização.
Peço, pois, Sr. Presidente, para o caso a atenção do Governo, a fim de, podendo ser, se acelerar o acesso àquelas regiões.
Se, porventura, há dificuldades de ordem técnica, se hão-de arranjar-se locomotivas ou automotoras nas devidas condições, se não pode ser melhor, então diga-se claramente, porque tais fatalidades serão reconhecidas com facilidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente:- Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Mendes de Matos. Tem a palavra este Sr. Deputado.

O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: eu poderia, sem qualquer compromisso, dispensar-me de vir a esta tribuna para encerrar o debate que incidiu sobre o aviso prévio que trouxe a esta Assembleia, pois, em meu entender, o assunto está suficientemente esclarecido.
Esclarecido pela Assembleia e esclarecido pelo País.
Em primeiro lugar, esclarecido pela Assembleia, visto que ela seguiu com atenção e interesse o debate tão interessante que sobre o aviso prévio se estabeleceu. Em segundo lugar, esclarecido pela opinião pública, visto que a imprensa lhe deu. o realce que merecia, não permitindo que o aviso prévio fosse desviado do seu verdadeiro sentido.
Podia, portanto, deixar de vir encerrar o debate, mas não o faço, em atenção aos ilustres Deputados que com tanto brilho, tanta distinção e tanta elevação intervieram no debate.
Subi, pois, a esta tribuna para encerrar o debate e, ao fazê-lo, não desejo empregar muitas palavras: poucas, mas claras, calmas, serenas e objectivas.
Ao olhar para o debate que vai findar parece-me que a nota característica, o traço saliente que melhor o define é a ausência objectiva de oposição.
Parecerá estranha esta afirmação; no entanto corresponde inteiramente à realidade. Porquê?
O primeiro fundamento com que justifiquei o meu aviso prévio é este: o comércio de vinhos e outras bebidas alcoólicas a retalho como está sendo exercido é contrário às leis vigentes, que são ostensivamente transgredidas. E demonstrei-o.
O comércio de vinhos e outras bebidas alcoólicas tal como está sendo exercido exprime-se por três ilimitações: ilimitação no tempo, ilimitação no espaço e ilimitacão nos meios.
Depois, muito lealmente, recordei à Assembleia os textos da lei que dizem respeito a estes pontos. Em seguida desenrolei documentadamente os factos e cheguei a esta conclusão: o comércio de vinhos a retalho e outras bebidas alcoólicas é exercido por forma contrária à estabelecida nas leis vigentes.
Porque é que coloquei em primeiro lugar para justificar a apresentação do meu aviso prévio este fundamento?
Por duas razões fundamentalíssimas. A primeira razão é que o assunto ia ser tratado numa assembleia legislativa, numa assembleia que tem por função a fiscalização das leis. Portanto, o aspecto que mais lhe poderia interessar era exactamente o aspecto jurídico.
Em segundo lugar, porque as desordens, as perturbações que se notavam neste comércio eram todas derivadas da transgressão das próprias leis.
Quer dizer que estes fundamentos que apresentei para justificar o meu aviso eram a substância do próprio aviso prévio, a substância perante a lei, a substância na sua realidade, a sua substância objectiva.
Pode dizer-se, portanto, que sintetiza, consubstancia, todo o meu aviso prévio. Qual foi a atitude da oposição perante esta tese?
Ouvi com atenção tudo quanto aqui se disse, e parece-me que esta tese ficou intacta, que a oposição não lhe fez sequer uma referência, que a oposição não lhe deu um tiro, nem um golpe, nem uma beliscadura. Portanto a tese ficou de pé, está intacta. Se o meu aviso prévio está substancialmente nessa tese e se ela não foi atacada por ninguém, o debate correu sem que tivesse havido oposição.
Segunda tese: provei que o exercício do comércio de vinho a retalho tal como estava sendo feito em Portugal era contrário à lei e a um despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social. Pus então estoutra tese: se a economia vinícola do País, tal como disse também o nosso ilustre colega Sr. Deputado Homem de Melo, é um dos grandes pilares da economia nacional, é preciso conservá-la e fortalecê-la. E disse também que a equação actual entre a produção e consumo não basta ao interesse da economia vinícola do País; é preciso que essa economia se levante, se fortaleça, é preciso aumentar o consumo do vinho em Portugal.
E para aumentar o consumo do vinho em Portugal não é preciso manter o regime da taberna livre, mas,

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pelo contrário, regulamentar o seu comércio, para que aumente a capitação.
E preciso generalizar o consumo do vinho, para beneficiar os próprios interesses da economia vinícola.
Eu não quis apenas emitir a minha simples opinião: trouxe à Assembleia os testemunhos das autoridades competentes do País e do Instituto Nacional do Trabalho. Fiz apenas minha a tese do Sr. Dr. Trigo de Negreiros, que disse que a solução do problema estava em dois pontos principais: primeiro, em criar lugares de recreio, centros de diversão, onde os trabalhadores empregassem o tempo disponível, valorizando-se física, moral e intelectualmente; depois, harmonizar o horário das tabernas com o do trabalho, para que as tabernas se possam transformar em modestos restaurantes dos trabalhadores.
Não ouvi ninguém combater esta tese nem apor-se a ela, e, portanto, também aqui o meu aviso prévio ficou intacto. Estas duas teses eram em substância todo o aviso prévio. Quando passei da tese jurídica para a moral e social, a Assembleia notou que eu disse: esta desordem jurídica, transgressão de leis que interessam fundamentalmente à economia biológica e espiritual da pessoa humana, não podia deixar de produzir desordens de ordem moral, de natureza social, de índole económica.
A Assembleia notou que quando cheguei a esta parte do meu discurso passei quase por cima dos articulados seguintes, limitando-me a apontar alguns factos que confirmavam a desordem que estava na transgressão das leis.
Portanto, Sr. Presidente, se o meu aviso prévio é substancialmente estas duas teses, e estas duas teses não foram atacadas, a nota saliente, o traço marcante deste debate, é a ausência objectiva de oposição.
E, dito isto, poderia concluir, Sr. Presidente: está encerrado o debate. Mas não o merecem os ilustres Deputados que, com talento, com cultura e zelo patriótico, intervieram no debate.
Qual foi então a atitude tomada pela oposição neste debate? Esta: não podendo enfrentar directamente a tese em si própria, não podendo tomar a ofensiva contra a realidade e sentido objectivo do aviso prévio, tomou uma atitude de defensiva de valores que não estavam em causa. A oposição partiu do pressuposto errado e falso de que o aviso prévio procurava: primeiro, acabar com as tabernas; segundo, consequentemente reduzir o consumo do vinho!
Creio que nesta Assembleia ninguém, absolutamente ninguém, perante o que eu dissera, perante as minhas palavras claras, categóricas e propositadas, tinha o direito de interpretar desta forma os intuitos e sentido do aviso prévio.
Apenas a oposição serviu-se comodamente desta atitude: em vez de enfrentar a questão, ladeou-a, em vez de tratar o assunto no pé em que eu o tinha posto, desviou-o para outro campo. Em vez do fogo de barragem, fez cair sobre o meu aviso prévio uma cortina de fumo para ocultar a verdadeira posição, visto que eu tinha afirmado claramente que não estava a combater a existência das tabernas nem o consumo do vinho. Muito ao contrário, eu dizia que as tabernas deviam apenas ser regulamentadas e o consumo do vinho generalizado, pelo encerramento das tabernas ao domingo. Não quero classificar essa atitude. Mas porque tomou a oposição essa posição?
Não enfrentou directamente o assunto porque lhe faltasse grandeza, coragem ou ânimo.

O Sr. Mário de Figueiredo (para explicações):- Acho muito graves as palavras que acaba de proferir o
Sr. cónego Mendes de Matos. S. Ex.ª está a referir-se aos Srs. Deputados que tomaram parte neste debate. Ora esses Srs. Deputados tomaram parte no debate em certo sentido: no sentido que julgaram conveniente. O Sr. cónego Mendes de Matos discorda da posição desses Srs. Deputados no debate e diz: anão sei como se classifica esta atitude; não a quero classificar».
Quero salientar estas palavras, pô-las diante da consideração de VV. Ex.ªs

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu não tomei parte no debate, pelo que não me deveria considerar tocado, mas entendo dever considerar-me tocado se for tocado algum dos Deputados desta Assembleia.
Peço, por isso, a V. Ex.ª que faça esclarecer se estas palavras tocam ou não algum dos nossos colegas na Assembleia, isto é, que se lhes determine o sentido exacto.

O Sr. Presidente: - Eu não tinha ornado nitidamente as palavras do Sr. Deputado Mendes de Matos que motivaram os reparos do Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Tais como o Sr. Deputado Mário de Figueiredo as referiu, elas envolveriam, por si, menos consideração pelos dignos Deputados visados. Mas estou certo de que o ilustre Deputado que está no uso da palavra quererá explicar o seu pensamento, afastando do ambiente do seu discurso qualquer intenção ofensiva. E isso espero do digno Deputado.

O Orador: - É de boa hermenêutica não interpretar as palavras senão em harmonia com o contexto. Segundo essa regra, geralmente aceite, as minhas palavras não podem ser interpretadas como menos apreço para os ilustres Deputados que no debate tomaram posição oposta à minha.
Eu prestei aqui homenagem aos ilustres Deputados que tinham tomado parte no debate, pus em destaque as minhas homenagens ao seu carácter, à sua dignidade e disse que o zelo patriótico com que SS. Exas. haviam tomado parte no debate era exactamente igual ao meu. Coloquei-os até no mesmo ponto de vista em que me coloquei neste aviso prévio, o que significa a afirmação de que esses Srs. Deputados se orientaram no mesmo sentido e procuraram o meu objectivo neste debate - servir a Nação. Não havia nenhuma intenção que pudesse ferir a dignidade de quem quer que fosse na classificação a que me referi. Seria incorrecto, depois de ter afirmado aqui a muita consideração que tenho pelos Srs. Deputados que intervieram no debate, dizer em seguida o contrário. Isso não teria sentido.
Julgo que com esta explicação ...

O Sr. Mário de Figueiredo:- V. Ex.ª acaba de classificar a atitude desses Srs. Deputados. É o suficiente!

O Orador: - Eu digo com toda a sincera lealdade que, sem estar a empregar nesta hora ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu não ponho em dúvida.

O Orador: - Portanto, liquidado este leve incidente, vou continuar.
Pelo contrário, nós não fazemos favor nenhum em classificar aqui o discurso do Sr. Deputado Homem de Melo como uma peça oratória de notável valor, pela linguagem e pelos conceitos nela expendidos.
Simplesmente, Sr. Presidente, a oposição encontrou-se diante de um problema de verdade e de justiça. Possível é que alguns Srs. Deputados tivessem sentido

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natural pudor em tocar no problema, que envolvia tão altos interesses nacionais. A verdade e a justiça são sempre maiores do que todos os homens.
Passou-se, pois, da oposição ofensiva à defensiva de uma realidade que não interessava directamente ao assunto. E assim se cantou o hino ao vinho, se glorificou o vinho. Enfim, era um tema novo que não interessava ao assunto, mas podia interessar a economia vinícola. Foi ao menos essa defesa mais eficiente que a oposição ao aviso prévio?
Sem quebra de respeito pelos ilustres Deputados, parece que essa defesa do vinho não foi aquela que os interesses da própria economia vinícola reclamavam.
Não foi nem tão feliz nem tão verdadeira como deveria ser.
Primeiro, não foi tão feliz porque nessa defesa do vinho se passou por cima da transgressão da lei e nesta transgressão há altíssimos valores comprometidos: a defesa do descanso dominical - tantos desgraçados que estão privados dessa garantia -, que é reconhecida não &ó pela Constituição, mas pelo próprio direito natural!; a defesa da formação moral de tantos rapazes dos nossos liceus, cujas escolas estão cercadas de tabernas; a defesa da nossa sociedade em armas, visto que aqui se demonstrou tantos quartéis cercados de tabernas; a defesa da família e conservação da Raça, da moralidade pública. ~Ë certo que .a oposição contestou estas duas coisas: que as tabernas constituem os focos de perturbação e de desordens que se julga; que o próprio despacho do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações tivesse ficado letra morta.
Eu quero nesta hora, Sr. Deputado Homem de Melo, agradecer a V. Ex.ª as palavras de estima e amabilidade, as palavras de imerecido elogio, as palavras de altíssima consideração que V. Ex.ª bondosamente se dignou pronunciar a meu respeito.
Confesso que essas palavras, esses elogios e essas homenagens são filhos exclusivamente da muita bondade de V. Ex.ª
V. Ex.ª traz no seu sangue grandes virtudes ancestrais, tem o seu carácter enflorado de altas qualidades.
Não podia V. Ex.ª julgar-me de outra maneira.
Quem julga não é a nossa razão abstracta: a razão é afinal a nossa própria pessoa, com o nosso sangue, com a nossa inteligência, o nosso coração.
E, se assim é, V. Ex.ª, julgando pela sua própria pessoa, mão podia julgar-me de maneira diferente.
Agradeço a V. Ex.ª essas palavras e essas homenagens, e agradeço-as pela bondade que se serviu haver para comigo e pela revelação que fez de si mesmo.
Ouvi encantado a conferência de V. Ex.ª, tipicamente portuguesa, pelo assunto, pela linguagem e até pela feição romântica e pelos perfumes de lirismo que a ilustraram.
Apenas esse género oratório não é o mais ajustado às exigências da dialéctica.
Por isso só é que a dialéctica de V. Ex.ª não correspondeu à beleza oratória.
V. Ex.ª disse que as tabernas não são aquele foco de desordens e de perturbações que tanta gente julga.
Para demonstrar a sua afirmação desdobrou aqui o resultado de um inquérito que tinha sido promovido pela Junta Nacional do Vinho, sob a direcção de um engenheiro distinto, coadjuvado por fiscais.
Ao ouvir ler esse inquérito é-se tentado a julgar que a taberna em Portugal seria uma espécie de retalho arrancado ao paraíso terreal antes da tentação dos nossos primeiros pais, um novo Tabor de esplendor tão vivo que imuniza as pessoas de toda a tentação do mal, e pensei de mim para mim se, afinal de contas, andando o Governo tão preocupado com a ordem pública, a solução
não seria fazer do País uma grande taberna do Norte ao Sul.
Infelizmente, não é assim. Porquê? Porque, não obstante os resultados do inquérito que V. Ex.ª desdobrou diante dos nossos olhos, as tabernas continuam a ser um foco de perturbação e desordens.
V. Ex.ª foi conduzido por uma confiança que só depõe em favor da sua muita bondade; V. Ex.ª foi iludido numa confiança ilimitada, porque os homens bons confiam em toda a gente e V. Ex.ª teria encontrado o documento com que o seu brio patriótico teria ficado lisonjeado e satisfeito.
Simplesmente, é que o resultado desse inquérito não corresponde à realidade.
Há um artigo no Código de Processo Civil, creio que o 158.°, que diz que os factos notórios não precisam de prova nem de alegação.
Ora, se há em Portugal factos notórios são as perturbações e desordens ocorridas nas tabernas, principalmente e quase exclusivamente ao domingo. Facto notório nas cidades, facto notório nas vilas, facto notório nas aldeias.
Facto notório na família, facto notório nos tribunais e nos hospitais. Mais notório que a combustão da hulha nas locomotivas dos caminhos de ferro, a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, o desaguar do Tejo no Oceano.
Porquê aquele resultado falso de inquérito?
Porque não foi feito junto das entidades que são testemunhas vivas de todos esses desastres: as vitimas que os suportam, as casas assistenciais que as socorrem, os médicos que as curam e os tribunais que as julgam.
Dispenso-me de trazer a esta Assembleia as provas que posteriormente ao discurso obtive, porque não quero fatigar a atenção de VV. Ex.ªs Apenas digo: procurei saber junto da Ordem dos Médicos, do Conselho Superior Judiciário, da guarda nacional republicana, da polícia e da Procuradoria Geral da República informações a este respeito, e em todas essas entidades me disseram que não tinham estatísticas organizadas sobre este assunto, mas que a maior parte dos crimes em Portugal têm tido na taberna a sua origem.
Agora o desmentido do despacho do Sr. Dr. Trigo de Negreiros. V. Ex.ª disse que o despacho de S. Ex.* o Subsecretário de Estado das Corporações não ficara letra morta e apresentou-nos a obra da F. N. A. T. em prova da afirmação.
Mas a F. N. A. T. foi fundada em 13 de Julho de 1935 e o despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Corporações é de 8 de Setembro de 1941.
Muitas das obras a que V. Ex.ª aqui se referiu já estavam realizadas, nessa altura, e portanto o despacho não poderia ser referido a elas. Não se conhece nem na ginoconologia animal nem na ginoconologia social um feto que apareça cinco ou seis ano» antes do respectivo parto.

O Sr. Homem de Melo: - V. Ex.ª dá-me licença?
Não queria interromper V. Ex.ª, mas tenho de esclarecer o erro em que V. Ex.ª está induzido. Os números que eu aqui trouxe são referentes à posteridade do despacho.
Perdão a V. Ex.ª, mas temos de viver com realidades e não com lirismos.

O Orador: - Tanto pior. Se essas obras foram realizadas posteriormente ao despacho do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações, encontramo-nos diante de uma nova dificuldade, pois que aquele despacho se compõe de duas partes: que se criem obras de recreio, «de distracção e de instrução para os trabalhadores; depois destas obras que se modifique o horário de trabalho de

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forma a que o horário das tabernas coincida com o próprio horário do trabalho. Conclui-se assim que é a oposição que não quer manter a taberna livre, que combate a sua aplicação e sou «u quem propugna pelo seu cumprimento integral.
E, na verdade, outro não é o objectivo do meu aviso prévio.
A defesa que se fez do vinho não foi feliz. E foi falsa.
Demonstrei aqui que o actual horário das tabernas não é o que melhor favorecia o escoamento do vinho; o melhor processo seria regulamentar o funcionamento da taberna e generalizar o seu uso, transformar o uso pessoal em uso familiar.
Também a este respeito poderia trazer novos testemunhos. A verdadeira defesa do vinho consiste exactamente em procurar aumento do consumo. A taberna livre não procura o escoamento, dificulta-o. A defesa que se fez do vinho não é verdadeira.
Finalmente, a defesa que se fez do vinho não foi a anais feliz nem a mais exacta; foi o abandono da defesa.
A defesa do vinho em Portugal tem de se fazer sob esta tríplice base: impedir o aviltamento da qualidade do vinho, impedir a falsificação do vinho, impedir que os vinhos bons tomem um preço elevado e incomportável.
Nós temos as massas vínicas mais ricas do Mundo inteiro. E, no entanto, deixamos fabricar os piores vinhos do Mundo.
Com as nossas massas vínicas, se usarmos os métodos enológicos de que usa a França, podemos concorrer com o mercado francês em todo o Mundo. E não o fazemos; parece que nos empenhamos mais em fabricar ébrios do que em fabricar bons vinhos.
Segundo: nós estamos num país encharcado de vinho e creio que uma das razões por que lançou tão grande alarme o meu aviso prévio foi a suposição de que eu queria restringir o consumo do vinho.
MUS, se nós temos vinho que excede o consumo, porque é que consentimos que se falsifique vinho?
Nós sabemos (não é segredo para ninguém) que tanto nas tabernas de Lisboa como nas tabernas da província, mesmo nas tabernas em regiões de boas massas vínicas, se vendem muitos milhares de litros de vinho que não são fabricados nem no Douro, nem no Dão, nem no Ribatejo: suo fabricados por aí fora, em lugares conhecidos, com ingredientes que apenas servem para envenenar os que bebem e prejudicar a economia vinícola.
Finalmente, nós temos magníficas qualidades de vinhos; qualidades de vinhos higiénicos, bem fabricados, de vinhos cujo consumo convém alargar. Mas esses vinhos higiénicos, salutares, esses vinhos de boa qualidade têm preços incomportáveis, que os tornam uma bebida de luxo.
Verifico, pois, que a oposição deixou intacto o meu aviso prévio e no mesmo estado as condições do vinho.
Trouxe a esta Assembleia o meu aviso prévio sem pensamento reservado. Trouxe-o com sentimento patriótico, no cumprimento do meu dever de Deputado, que é o de zelar pela execução das leis e defesa dos valores superiores da Nação. Trouxe-o para pôr diante do Governo um magno problema. É que muitas daquelas autoridades e organismos que têm o encargo de levar ao Governo a informação do que se passa, uns por comodidade, outros por desleixo, não o fazem.
Por essa província fora, neste aspecto, vive-se ainda no regime constitucional, no regime das clientelas; abafam-se muitas coisas que o Governo precisava de saber para que a sua acção, tão desinteressada e tão patriótica, seja ainda mais eficaz, mais salutar e mais benéfica.
Sr. Presidente: o meu aviso prévio mostrou:
1.° Que o comércio de vinho e de bebidas alcoólicas a retalho é contrário as leis, cuja transgressão afecta altos valores nacionais;
2.° Que essas desordens constituem o definhamento da Raça;
3.° Que afecta a estabilidade da família, pois destrói a sua estrutura e coesão;
4.° Que perturba a economia nacional, pois reduz o rendimento do trabalho e a longevidade do trabalhador;
5.° Que é lesivo da economia agrícola, porque prejudica o consumo do vinho. Fica o Governo informado e confio em que serão tomadas as providências necessárias para que os abusos sejam punidos, as leis cumpridas e a moralidade protegida, a família amparada, a economia salva, assegurado o Direito e a Justiça, e assim se trabalhe para que Portugal seja uma grande e próspera nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito» sobre este debate e, por isso, considero-o encerrado.
Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: apreciação do texto elaborado pela Comissão de Legislação e Redacção sobre a proposta de lei em que se converteu o decreto-lei de protecção ao cinema nacional.
Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra para fazer qualquer reclamação ao referido texto, vai votar-se.

Submetido à aprovação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a matéria dada para ordem do dia de hoje.
A ordem do dia para a sessão de amanhã será a discussão do projecto de lei n.° 177 (alterações ao artigo 29.° do decreto-lei n.° 28:652 - julgamento de reclamações em matéria de hidráulica agrícola).
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Artur Proença Duarte.
José Alçada Guimarães.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel Colares Pereira.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.

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15 DE JANEIRO DE 1948 155

Fernão Couceiro da Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Carlos de Sá Alves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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