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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 127
ANO DE 1948 22 DE JANEIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 127 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 21 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - o Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia: - Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Froilano de Melo, sobre a situação das câmaras municipais do Estado da Índia, e Franco Frazão, que [...] publicação do decreto-lei n.º 36:515, que regula e [...].
Ordem do dia: - Continuação da discussão na generalidade sobre o projecto de lei [...] e alterações ao artigo [...] do decreto n.º 28:652.
Usaram da palavra os Srs. deputados Melo Machado e Colares Pereira, que encerrou o debate.
Posto à votação o projecto de lei segundo o [...] da Câmara Corporativa, com alterações [...] pelo Sr. Deputado Colares Pereira, foi aprovado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, á qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Afaria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
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José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da direcção da Associação dos Naturais da Colónia de Lourenço Marques apoiando as considerações do Sr. Deputado Froilano de Melo quanto à criação de uma Escola Médica em Lourenço Marques.
«Congratulando-se maneira como foi apreciado parecer favorável Câmara Corporativa projecto unificação descanso semanal classes operárias trabalhadoras empregados comércio indústria Caldas da Bainha cumprimentam V. Ex.ª e aguardam ansiosamente sanção unânime favorável. - Comissão Pró-Descanso Dominical: António Maia Faria - João Hilário - Abílio Flores».
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Armando Cândido, não podendo tomar parte nas próximas sessões da Assembleia, encarrega-me de lhe transmitir o seu comovido reconhecimento pelo voto de pesar que, na sessão de 15 do corrente, ela exprimiu pela morte do pai do mesmo Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Froilano de Melo.
O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: a evolução do estatuto municipal nas câmaras da índia é o tema que desejo versar para o conhecimento de V. Ex.ª e da digna Assembleia.
As filmaras municipais na nossa Índia, dantes eleitas sempre pelo povo em sufrágio directo, foram sujeitas nos últimos anos a sucessivas modificações, que, de restrição em restrição, acabaram por suprimir praticamente as últimas regalias populares adstritas à vida municipal.
E, se a vida municipal é, de uma maneira geral, no seio dos povos a mais bela expressão das liberdades cívicas e o mais acabado teste da maturidade e da emancipação das colectividades, na nossa índia atingiu um grau de desenvolvimento que, sendo o orgulho dos seus munícipes, está hoje virtualmente abolido pela sua absorção total pelo governo do Estado.
É do domínio da História a independência do primeiro senado de Goa, a quem D. João de Castro se dirigia em momentos aflitivos, em termos de respeito e gentileza, que são títulos de glória para a nobreza da nossa vida municipal. Os arquivos de Goa e os livros das monsões estão cheios de documentos que no curso de quatro séculos demonstram a um tempo a consideração do Poder Central pela vontade popular e a patriótica colaboração que os municípios da nossa índia prestaram ao Governo da índia e de Portugal na resolução dos mais prementes problemas da vida pública.
Sucessivamente, nous avons changé tout cela!
Não suponha, porém, V. Ex.ª, Sr. Presidente, que a constituição actual dos municípios na índia tenha porventura saído das normas legais. Ela está perfeitamente dentro das leis que de tempos a tempos têm sido promulgadas no Diário do Governo: somente essas leis parecem-me regressivas e pouco consentâneas com a evolução do Mundo em que vivemos e de que não pode-mos nem nos devemos isolar.
Não é, pois, sob o ponto de vista da legalidade que desejo abordar este assunto para a informação da Câmara e consideração do Governo Central. É-o sob o amplo prisma da sua oportunidade política e sobretudo em confronto com a vida política do povo que aí nos cerca e onde a vida municipal goza dessa independência e liberdade que caracterizaram a nossa própria vida municipal na índia Portuguesa de antanho.
E, pois que não é meu intuito enfrentar este problema com citações de textos legais e seus comentários tão elucidativos dados à luz pelos nossos jurisconsultos, mas tão somente no campo da psicologia social, não cansarei a vossa atenção com decretos e diplomas emanados do Poder Central para a restrição das nossas regalias municipais: limitar-me-ei a resumir as diversas étapes dessa evolução, que, produzindo no primeiro momento um sentimento de mágoa e, porventura, de revolta íntima, tem terminado por alienar o interesse do povo na gestão dos negócios públicos - o mais triste sintoma de uma certa dissociação entre governantes e governados, que urge combater para o bem de todos nós,
Essas étapes são em tempos recentes, desde o Código Administrativo do grande estadista Rebelo da Silva até os nossos dias:
l.ª étape: as câmaras municipais, com uma larga composição, consoante o grau de cultura de cada concelho, eram eleitas pelo povo e as suas deliberações sujeitas, em determinados assuntos, à tutela do Governo, que nas sessões da câmara se fazia representar pelo seu delegado, o administrador do concelho.
Vem a 2.ª étape: seduz-se o número dos seus componentes.
Vem a 3.ª étape: os presidentes são nomeados pelo Governo, somente os vogais são eleitos pelo povo, uns por sufrágio directo, outros por eleição no seio de asso-
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ciações organizadas e com existência oficialmente reconhecida.
Vem a 4.ª étape: as câmaras municipais são suprimidas e substituídas por comissões municipais nomeadas in toto pelo Governo.
Vem a 5.ª étape, que é determinada pelo decreto n.° 35:229, de 8 de Dezembro de 1945, e contém os seguintes princípios, que abrigam o germe do vírus que há-de matar para sempre a vida municipal: o administrador do concelho, devendo ser em regra o presidente do corpo administrativo; a fusão das secretarias do corpo administrativo e da administração do concelho, continuando, porém, os funcionários municipais a ser pagos pelo respectivo município, segundo categorias dadas a esses funcionários pelo Governo, que os pode, por decisão sua, promover, transferir por conveniência de serviço para outro lugar idêntico do quadro geral e punir disciplinarmente.
A estas doutrinas, que, com o devido respeito por opinião alheia, reputo atentatórias das regalias municipais, veio dar a machadada final a portaria n.° 4:409, de 22 de Maio de 1947, do governo da índia, inspirada em moldes absorcionistas ainda mais rígidas que os do próprio decreto que os ditou.
Atentai nos termos deste diploma: «Artigo 8.° Os chefes das secretarias municipais - que, note-se bem, eram providos pelo Município, mediante concurso de provas públicas, e tinham os seus direitos garantidos por lei - terão no quadro geral da administração civil a que todos pertencem a categoria: e vencimentos de segundos-oficiais».
O texto do artigo 14.° afigura-se-me, além de absorcionista, uma espécie de isca destinada a silenciar qualquer reclamação dos interessados, com mira em sonhos dourados de ambições futuras. Ei-lo: «Os actuais chefes das secretarias municipais e os amanuenses destas secretarias (repartições centrais) de nomeação definitiva serão considerados funcionários de nomeação definitiva do quadro geral da administração civil» e (artigo 15.°) «Serão colocados nas vagas que houver no quadro geral da administração civil, por despacho do governador geral. Mais além (artigo 16.°): «os actuais chefes das secretarias municipais (repartição central) e amanuenses (de todas as secções? Porque não há-de haver clareza no enunciado de uma disposição, a fim de se evitar recursos futuros?!) de nomeação provisória poderão, por despacho do governador geral, preencher as vagas que sobrarem, depois de executado o disposto nos artigos 14.° e 15.°».
E para complemento: «na vaga que ocorrer na secretaria municipal, o corpo, por sua iniciativa, ou dentro do prazo que lhe for marcado pela Direcção da Administração Civil, solicitará que esta Direcção abra concurso para o provimento». E a administração civil que comunica ao corpo administrativo o nome do candidato apurado, devendo este provimento efectuar-se na primeira sessão do corpo administrativo e ser comunicado àquela Direcção.
Com uma tutelagem tão pronunciada não se compreende, com franqueza, para que tanta perda de tempo e de papel; bastaria mandar apresentar no corpo administrativo o candidato apurado com uma guia da administração civil.
Reparai bem nessa evolução regressiva do nosso municipalismo! Onde se foi anichar a doutrina do artigo 536.° da Reforma Administrativa Ultramarina, que respeitava a regalia camarária de o título da nomeação dos serventuários dos corpos administrativos ser um alvará fundado na deliberação respectiva e expedido pelo respectivo presidente?
A que cantinho foi relegada a doutrina que, fundada na Constituição Política e no Código Administrativo, serviu ao comentarista Amândio Pinto Garção para pôr em relevo que a prática de todos os actos em relação aos funcionários dos corpos administrativos é da competência do respectivo corpo administrativo?
Onde está a doutrina de que as câmaras municipais coloniais deliberam, definitivamente sobre a nomeação, exoneração, disciplina dos funcionários do município, contratados e assalariados?
Sr. Presidente: comecei por vos dizer - e acho dever frisá-lo mais uma vez - que não se cometeu nenhum atropelo à lei fazendo-se das câmaras da índia o que elas actualmente são. Mas não é o ponto de vista legal que discuto. E o espírito da própria lei!
E ao ,fazê-lo não é a estrutura nem a concepção do nosso direito social privativo que tenho ante os meus olhos. É o confronto com o estatuto orgânico do povo quo nas cerca; é a sua repercussão intramuros e sobretudo além fronteiras que tem servido para, a propaganda quo na índia vizinha se está fazendo contra a nossa administração e contra a nossa soberania na índia Portuguesa.
Não ignoro que o regime camarário de sufrágios, eleições, votações, deu muitas vezes lugar a abusos de partidarismos e clientelas, que tanta vez foram prejudiciais à boa marcha dos negócios municipais. Não ignoro que o trabalho real das comissões municipais foi muita vez de uma surpreendente eficácia em muita terra portuguesa. Mas ninguém deve também ignorar que o direito público não pode ser uno para todas as parcelas, que formam um aglomerado não homogéneo, constituído por esse grande Império que é o Portugal continental, insular e ultramarino. A própria ressalva jurídica da observância dos códigos de usos e costumes que não afrontem os princípios básicos do direito natural, que é fundado na ética humana, é a demonstração evidente da tolerância dos estadistas perante a força da tradição, que é de bom aviso respeitar.
Notai que a contextura municipal na índia não data do regime português: o germe dos municípios que Afonso de Albuquerque lançou ao criar o primeiro senado de Goa vinha de largos séculos atrás na vida indiana, impregnando a própria orgânica aldeã nos seus magníficos panchayets, que hoje mais que nunca se procura restabelecer em toda a península indiana no seu prístino esplendor.
Sr. Presidente: tenho sincera pena que não se discuta nesta sessão legislativa o Estatuto Político do Estado Português da índia - de que só a promessa, feita no ano passado, calmara como por encanto a agitação dos espíritos, que ainda hoje, e porventura na sua grande maioria, estão sinceramente empenhados em continuar integrados na grande família portuguesa.
Mas, enquanto se não decreta esse Estatuto, não seria possível dar um passo precursor, restaurando na nossa índia as antigas regalias municipais? Temos de encarar os factos no seu aspecto real e adaptá-los no sentido de fortalecer e encorajar o sentimento do agregado nacional.
E, pois que uma sã política não é feita de dogmas intangíveis, mas de inteligentes e cautelosas adaptações às realidades da vida social, não me repugnaria certamente aceitar que, para estabelecer uma transição entre o conceito actual da vida municipal portuguesa e a concepção indiana, os presidentes das câmaras fossem nomeados (pelo governo entre pessoas de sua confiança que servissem de elo de ligação entre o governo e o povo.
Mas que os vogais das câmaras sejam eleitos por sufrágio popular e que as suas regalias sejam restauradas no seu antigo esplendor, sujeitas embora à tutela do Estado, senão nos termos do Código Administrativo de 1896, pelo menos nos termos da Reforma Adminis-
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trativa Ultramarina, que, com algumas modificações no sentido de mais ampla liberdade municipal, é ainda um documento digno de ser ponderado, ampliado e melhorado.
Vou concluir: entendo do meu dever levar ao conhecimento do Governo e da Nação o descontentamento que lavra no seio do povo da nossa índia pela actual organização da vida municipal, praticamente suprimida e absorvida pelo Estado nas suas mais elementares prerrogativas.
E enquanto se não decrete o Estatuto prometido ao Estado da Judia e cumpre-me prevenir que me pareço de bom aviso que, como passo precursor de uma ampla descentralização financeira e administrativa, pela qual o povo da índia anseia, desejando tomar parte activa, na própria gerência do governo, com ingerência directa do cidadão e do contribuinte, se restaurem as câmaras municipais, libertando-as da absorção a que foram sujeitas numa repartição do Estado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: dizia Emílio Levasseur que a estatística tinha o defeito fundamental de fornecer números que são simples abstracções. Contudo, essas abstracções correspondem a realidades tão concretas que é impossível desprezá-las. Mas a noção da verdade estatística anda por tal forma transviada que se pretende pela simples leitura de números obter uma certeza matemática, quando a maior parte das vezes se deveria apenas desejar encontrar um coeficiente de probabilidades.
Vem isto a propósito da publicação do decreto-lei n.º 36:545, que procura coordenar todas as actividades estatísticas de interesse nacional.
Tem esse diploma incontestável interesse. Num país que durante muito tempo teve bastante desprezo pala estatística e pelos números assistiu-se, mercê da guerra, a uma florescência exuberante de manifestos, mapas, verbetes, declarações e questionários verdadeiramente, alarmante.
Já em março de 1945 muito oportunamente tinha sido nomeada uma comissão que produziu trabalho de valor. A primeira parte dos seus trabalhos visava a centralizar e simplificar os instrumentos de notação.
O decreto-lei a que nos referimos resolve esse primeiro problema. Confia ao Instituto Nacional de Estatística, que já provou largamente a sua capacidade técnica e competência, o registo de todos os instrumentos de notação e confere-lhe os poderes necessários para a simplificação e uniformização dos manifestos existentes e, de certo modo, dos seus prazos de entrega.
Tal tarefa era urgente. Pelo trabalho da comissão verifica-se que organismos havia onde doze declarações puderam ser substituídas, por cinco. No que se refere a prazos constataram-se, pelo menos, nove prazos diferentes para os manifestos agrícolas, que podem, porventura, ser reduzidos a três.
Existem, portanto, aqui possibilidades de simplificação, que muito interessam e que se espera, a breve trecho, possam ser levadas a efeito.
Contudo há um segundo aspecto encarado pêlos trabalhos da comissão que se me afigura muito importante - é o problema da notação. No que se refere aos agentes de notação, parece necessário regular a intervenção dos grémios da lavoura e das brigadas técnicas, quanto aos manifestos agrícolas, e da Direcção Geral da Indústria e organismos afins para os de natureza industrial.
O Sr. Melo Machado: - Parecia-me também necessário que a estatística não continuasse a multar os regedores, senão daqui a pouco não temos quem queira exercer essa profissão, tanto mais que não é remunerada.
O Orador: - Em certos casos dá-se também uma remuneração a esses agentes.
O Sr. Melo Machado: - Mas isso não é suficiente.
O Orador: - continuando, porém:
Por outro lado, para mais eficiente aproveitamento das verbas despendidas pelos vários, organismos, importa a sua centralização num fundo comum, administrado pelo organismo centralizador.
Estes problemas continuam sem solução por emquanto, apesar de em tempo oportuno a comissão a ter sugerido.
Conhecida a relutância dos manifestantes em declarar a verdade, o seu receio de que as declarações tenham intuitos fiscais, fobia sem dúvida agravada quando constatam, que o Instituto Nacional de Estatística pertence à orgânica do Ministério das Finanças, não sei se não será necessário ir mais longe: reduzir ao mínimo as declarações individuais e substituí-las por indagações de agentes competentes e com preparação técnica adequada.
Em inúmeros casos julgo que tal verdade estatística será mais que suficiente e até com mais probabilidades de ser mais verdadeira.
Entendo, portanto, que seria oportuno que a comissão nomeada em Março de 1945 fosse dissolvida, uma vez que o seu trabalho, de incontestável utilidade, se encontra há muito terminado.
Quanto ao restante, o Instituto Nacional de Estatística pode estudar e resolver os problemas aqui apontadas, prestando assim mais um alto e relevante serviço ao País.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado, para concluir as suas considerações sobre o projecto de lei n.° 177, de alterações ao artigo 29.° do decreto n.° 28:652, que continua em discussão, na generalidade.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: quando ontem suspendi as minhas considerações estava falando da ameaça que impende sobre os proprietários da campina da Idanha, que poderão ser expropriados para que as suas propriedades sejam entregues à Junta de Colonização Interna.
Compreendo a necessidade de fazer colonização através de uma obra de hidráulica agrícola num sítio em que a população é muito escassa.
Penso até, Sr. Presidente, que há muito deveria existir logo que começam em qualquer localidade as obras de hidráulica agrícola técnicos competentes que pudessem logo de início estudar as culturas a realizar naqueles terrenos e que estivessem aptos no momento oportuno a ensinar a regar. Com muito mais razão isso deveria suceder na Idanha, onde o número das pessoas que conhece a rega é excessivamente limitado. Suponho mesmo que, a fazer-se colonização, se devem conduzir
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para ali colonos de outras regiões que já conheçam as regas, facilitando assim o trabalho a realizar. Todavia, isso não quer dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que eu ache bem ou possa mesmo admitir para aquelas pessoas que, segundo a lei, estão resolvidas a regar que continuem sob a iminência de uma expropriação que lhes prejudica os seus interesses e que não pode trazer nada de útil nem para eles nem para a obra.
Lembro-me que existe numa das principais ruas de Lisboa um prédio onde esteve instalado o Hotel de Inglaterra, que ostenta o seu aspecto miserável de ruína, destruído dia a dia pela acção do tempo e pelo facto de estar desabitado à espera de uma expropriação que nunca mais chega, sem que se tome qualquer providência ou para a sua utilização ou demolição. Não vamos repetir este facto com a agravante de o repetir em regiões onde a economia agrícola é de sua natureza delicada e de este facto poder ser especialmente gravoso para os proprietários atingidos.
Seguindo nas minhas considerações, tenho a dizer que todos estes encargos, que recaem sobre as obras de hidráulica agrícola dependem do estabelecimento da mais valia.
O que é a mais valia? É a diferença entre o rendimento das terras antes da obra realizada e aquele que se prevê para depois dela realizada.
A Junta é que estabelece esta mais valia, mas as reclamações que essa decisão pode originar eram também julgadas pela Junta.
VV. Ex.ªs têm do parecer da Câmara Corporativa uma elucidação curiosa sobre as reclamações.
Diz-se aqui:
Os resultados das reclamações foram os seguintes: Magos, 10 reclamações e nenhuma deferida; Cela, 480 reclamações e 12 deferidas; Loures, 90 reclamações e 12 deferidas; Burgães, 682 reclamações e 56 deferidas; Alvega, 172 reclamações e 3 deferidas.
Ora, meus senhores, eu faço inteira justiça às intenções da Junta. Mas há duas coisas que podem acontecer.
Não é facilmente que alguém se demove de uma opinião que formou conscienciosamente, embora pudesse ter sido influenciada por quaisquer outros factores.
De resto, não é muito português desistirmos das nossas opiniões. Quase sempre teimamos e persistimos, até mesmo quando sabemos que não temos razão, pelo capricho de sustentarmos a nossa opinião.
Não quer dizer que isto suceda na Junta Autónoma idas Obras de Hidráulica Agrícola, mas também compreendo que não é fácil mudar de opinião quando numa sessão de uma junta composta por pessoas idóneas se assenta em determinado assunto.
Por outro lado, é mais que compreensível que quem reclama não possa entender que haja de decidir da sua reclamação aquela mesma entidade que lhe deu origem. É aquilo que chamamos ser juiz em causa própria.
E aqui têm VV. Ex.ªs a origem do meu projecto.
Resta-me explicar a VV. Ex.ªs a razão por que fiz o meu projecto tal como ele aparece no Diário das Sessões. Ontem foi lida aqui uma reclamação dos beneficiários da obra de Loures dizendo que ficavam ainda suficientes membros da Junta Autónoma e que era preciso eliminar esse inconveniente.
Devo dizer a VV. Ex.ªs que o que me levou a incluir alguns membros da Junta Autónoma foi o receio de que pude-se ser invocado o preceito constitucional que nos impede de apresentarmos projectos que impliquem aumento de despesa ou diminuição de receita.
E assim eu fui escolher de entre os membros da Junta aqueles que podiam estar menos vinculados às suas resoluções? Mas, felizmente, o Sr. relatar teve o cuidado de nos dizer que de facto nenhuma nova criação de despesa há a considerar. E diz mais:
De facto, tratando-se sòmemte de substituir a Junta pelo conselho no julgamento das reclamações, a preparação e o seguimento dos processos respectivos mantêm-se como presentemente se faz: as despesas a realizar com deslocações e vistorias, sejam de membros do conselho sejam de peritos, sei ao, nos termos actuais, custeadas pela Junta ou, no caso de indeferimento, pelo reclamante, coma está previsto no § 1.° do artigo 29.° do decreto n.° 28:652.
Não admira, Sr. Presidente, que o ilustre presidente da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola pudesse ter encontrado uma solução mais perfeita do que aquela que eu encontrei.
S. Ex.ª tem para isso toda a competência e nada me custa reconhecer que a alteração que se propõe no parecer da Câmara Corporativa é muito melhor do que o meu próprio projecto.
Nestas palavras vão, mais uma vez, as minhas homenagens ao espírito de justiça, ao espírito desempoeirado do ilustre relator do parecer, que pôs a questão num pé de muito maior justiça do que eu a havia posto, pelas razões que expliquei.
De facto, a composição do conselho tal como a apresenta o parecer da Câmara Corporativa dá maior satisfação, certeza e confiança do que aquela que eu tinha apresentado.
Perfilho, por consequência, inteiramente o parecer da Câmara Corporativa no seu artigo 1.° e seu parágrafo, e no artigo 2.°
Falta, por consequência, fazer a justificação deste artigo 2.°, que diz o seguinte:
A declaração da passagem das terras ao regadio e o início da cobrança das taxas de rega e beneficiação e de novas contribuições determinadas pelas obras não poderão verificar-se em nenhum caso antes de ter decorrido o período mínimo de cinco anos sobre a conclusão das obras. Este período de transição constará do cadastro da obra posto à reclamação.
Nada mais justo, Sr. Presidente, se considerarmos o extraordinário aumento de despesa que há entre a cultura de sequeiro e a de regadio, e que os mestres consideram em seis a sete vezes.
Se considerarmos ainda que é indispensável arranjar matéria orgânica, sem a qual a rega é um prejuízo em vez de um benefício, tudo isto nos leva a considerar ser absolutamente indispensável este período de transição.
Resta saber se se trata de facto de uma inovação ou se, sem estar na lei, este princípio já tem sido respeitado, e para isso vou socorrer-me, mais uma vez, deste precioso parecer, que soube perfeitamente corresponder àquilo que julgo deve ser um parecer, quer dizer, a informação precisa onde nós possamos encontrar tudo de que precisamos, para analisar um projecto de lei.
Assim, vemos que para todas as obras já concluídas, a diferença entre o início de exploração e a data marcada para começar o pagamento das taxas é de cinco, seis e sete anos.
De facto, praticamente, não se trata de uma inovação, visto que já foram dados para todas estas obras os prazos que acabei de referir. Trata-se, simplesmente, de tornar legal aquilo que vinha sendo um uso, por necessidade.
Para concluir, direi que já se despenderam 435:000 contos nesta magnífica obra de hidráulica agrícola e,
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portanto, é indispensável que, tanto quanto possível, este dinheiro torne a entrar nos cofres do Estado, até mesmo para que se possam realizar todas as obras ainda julgadas necessárias e possíveis.
Mas não é menos necessário, Sr. Presidente, que aqueles que têm de usufruir as obras realizadas sejam postos em condições económicas de poderem continuar a viver, a agricultar e a ser úteis ao seu País, o que certamente se não dará se se lhes fizerem exigências incomportáveis.
E termino assim as minhas considerações, esperando que a Câmara tenha ficado elucidada sobre as intenções do meu projecto e sobre as razões por que eu (perfilho a proposta do parecer da Câmara Corporativa, a fim de que os Srs. Deputados possam colaborar comigo neste projecto, que eu julgo que corresponde de facto a uma necessidade real e para que as obras da hidráulica agrícola possam resultar úteis, visto que para outra, coisa o Estado não despendeu o seu dinheiro, e para que com isso lucre a economia nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Colares Pereira: - Sr. Presidente: pareceria perfeitamente dispensável que mais alguém acrescentasse quaisquer palavras acerca da discussão deste projecto depois idas considerações que sobre ele produziu o seu autor.
É evidente que a ninguém surpreendeu a clareza e o perfeito conhecimento de causa por ele revelado. Todos sabem, por de há muito se terem habituado a escutá-lo e a conhecê-lo, como ele, exaustiva e entusiasticamente, estada todos os problemas, mormente quando se trata daqueles que à terra dizem respeito. Por isso, bem podemos calcular o assédio que lhe deve ter sido feito de todos aqueles pontos do País a que a hidráulica agrícola estende a sua acção a pedir-lhe opiniões, outros a reclamar medidas de evidente necessidade e outros ainda a sugerir meras fantasias irrealizáveis. E de tudo isso o ilustre Deputado Sr. Melo Machado só nos trouxe aqui a síntese sensata do que ele entendeu ser a necessidade urgente da reforma do actual sistema de reclamações.
Depois do que lhe ouvimos, depois do que lemos ao parecer, será necessário acrescentar mais alguma coisa? Seria abrir uma «porta aberta», mas eu direi: vale sempre a pana fazê-lo para que se possa dizer neste momento a Assembleia aquilo que tenho o prazer de afirmar; esqueci-me, «por momentos, de que estava em Portugal, onde é costume dizer-se mal de tudo e onde, por vezes, as justas censuras despertam injustificadas indisposições. Assisti aqui a um torneio em que a lealdade vestiu «punhos de renda»: por parte do nosso querido colega Deputado Melo Machado, mostrando, mas sempre com a maior elegância, que as dúvidas que porventura se suscitem sobre a forma de julgamento das reclamações daqueles que se julgam lesados por realizações da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola não possam nem devam, porque além do mais seria injusto, ser decididas precisamente pela entidade que as tomou; por outro lado, o presidente da Junta, o Sr. engenheiro Trigo de Morais, vem também, aprumadamente e com igual elegância, como relator do parecer - a todos os títulos notável, pela sua minúcia e imparcialidade -, estudar mais do que uma ponte de passagem à crítica apresentada, porque vem ele próprio, com uma lealdade que muito o dignifica, não só reconhecer a razão da crítica feita, como até fazer crítica própria, proclamando a necessidade de, uma vez que se alterem certas disposições, que então se alterem ainda outras, para que não só mais justo seja o julgamento das reclamações como ainda diminuam ás suas causas. Justiça, pois, a ambos: ao nosso querido colega Sr. Melo Machado e ao Sr. engenheiro Trigo de Morais. Ambos a merecem.
Assim, ao pegarmos neste parecer, temos a sensação de estarmos a construir. Desperta em nós o entusiasmo da discussão - porque tudo é justo e oportuno. E sempre agradável quando as coisas correm assim.
Mas, dir-se-á: por que razão estou eu então aqui? Que razão me leva a tomar parte no que afinal está já esclarecido? Uma só: a de que faço parte do círculo de Leiria, por onde fui eleito e onde fica a região a que eu chamo «dos rios». Não sei se VV. Ex.ªs a conhecem. É que a região dos lagos ainda se pode identificar; a minha região, a dos rios, essa poucos talvez a conheçam. E recordo neste momento a frase romântica de Pinheiro Chagas: «lago que a brisa encrespa e já se julga oceano»... Ora os meus rios não se julgam assim; todos se julgam simples sulcos que cortam, paralelos, a veiga surpreendentemente ubérrima que vai de Alcobaça ao mar e que eles regam e fertilizam, imas na sua modéstia tranquila de rios pequeninos.
Há um que tem nome conhecido, é o mais viril, o primeiro da ordem daqueles quatro sulcos que parece terem sido abertos, em antiguidade remotíssima, por uma máquina gigantesca de uma hidráulica agrícola desse tempo. Esse tem nome - é o Alcoa - e tem panache no seu nome. Nasce logo à beirinha de Alcobaça e dir-se-ia que D. Afonso Henriques, o nosso primeiro rei, quisera que o seu mosteiro fosse erguido bem perto do sítio em que ele nasce, na ideia de que pudessem melhor ocupar-se dele os que nesse tempo mais sabiam de hidráulica agrícola e que eram os seus queridos, monges, de Claraval.
Os outros rios nesse tempo talvez que, de tão pequeninos, nem ainda irrigassem como hoje a planura fecunda que se estende até ao mar da Nazaré.
Mas, grandes ou pequenos, todos são rios, e, como se diz no parecer da Câmara Corporativa, o supremo objectivo da engenharia hidráulica deve ser o de fazei- com que os rios sejam amigos do homem e o sirvam docilmente.
Para mais, a maioria desses pequenos rios têm todas, as condições necessárias para bem servirem o homem e para se tornarem amigos dele.
Ao referir-me ao Alcoa não posso deixar de lembrar a grande obra realizada pela Junta Autónoma no paul da Cela, que lhe fica à beira.
O Alcoa já regava os campos do Valado, mas também os inundava. A hidráulica agrícola, porém, corrigiu-lhe os desmandos, não metendo-o num colete de forças, mas dominando-o o suficiente para tornar possível aos que à sua ilharga mourejam a forma melhor de eles assegurarem e melhorarem as suas culturas.
Mas - e em tudo há sempre um mas - perto deste rio existe o rio da Areia, nome por que vulgarmente é conhecido. Ele, por si, é amigo do homem, mas os homens é que têm sido muito inimigos dele. Os homens e a própria hidráulica, porque esse rio, que apenas poderia e deveria trazer benefícios em ocasião de cheias, só continua a fazer mal, e tudo só por descuido e por desleixo.
É para esse aspecto que eu penso que se deveria também olhar, porque a obra hidráulica da Cela, que honra a hidráulica e que não podia ser melhor para a economia nacional, está quase lado a lado de um rio que, se fosse convenientemente cuidado, mesmo apenas no seu curto percurso nos campos do Valado (para o que bastaria o pequeno dispêndio de 40 ou 50 contos), deixaria em ocasião de cheias de continuar a causar gravíssimo prejuízo: o de cobrir campos de cultura com a abundância da areia que lhe dá o nome.
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O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?...
Desejo dizer apenas a V. Ex.ª que, se não se fizer paralelamente às obras de hidráulica agrícola a correcção florestal dos regimes torrenciais dessas bacias hidrográficas, muito cedo essas obras terão desaparecido e substituído a água benéfica pela arei prejudicial.
O Orador: - Concordo com V. Ex.ª Por isso me pareceu que não era realmente descabido que hoje, ao tratar-se das bacias dos rios grandes, se tratasse também dos trabalhos de protecção às dos pequenos. Mas, para sermos rigorosamente imparciais, eu julgo que a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola não tem a menor responsabilidade. Há apenas uma entidade responsável, mas a essa nenhum de nós pode pedir contas; ninguém lhe pode pedir responsabilidades. E uma pessoa intangível e tem privilégios tais que ninguém lhe é capaz de tocar. Essa entidade chama-se burocracia. E por via dela que nós não tratamos, muitas vezes, de certas coisas nem realizamos certos trabalhos, mesmo pequenos, e que estariam perfeitamente dentro das nossas possibilidades, apenas porque os rio, mesmo querendo ser «amigos do homem», não podem servi-lo nem consentir até que se lhes toque sem ser através do requerimento em papel selado, com toda a complicadíssima liturgia dos selos, dos carimbos, dos despachos e dos vistos, liturgia essa que nem é a mais própria para estimular iniciativas nem a mais adequada para remediar a tempo o que careça de remédio pronto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, parecia-me, Sr. Deputado Melo Machado, que, paralelamente às obras de hidráulica agrícola e à correcção florestal dos regimes torrenciais das bacias hidrográficas, que V. Ex.ª preconizou, se deveria ir também, pouco a pouco, eliminando os prejuízos que toda essa burocracia tem vindo a acumular.
Mas será a Junta Autónoma sempre responsável por tudo?
Não. Não esqueçamos - porque queremos ser imparciais até ao fim - que quando a Junta Autónoma, apareceu sobre ela ficou logo a recair a responsabilidade da pronta execução de todas aquelas obras que, sem qualquer estudo prévio, eram apenas simples bandeira de propaganda eleiçoeira, como muito bem disse o Sr. Deputado Melo Machado.
E digo mais: fizeram-lhe pesar sobre os ombros, logo de início, a pesada responsabilidade pela resolução de problemas que hoje não podemos deixar de reconhecer estarem manifestamente fora da sua verdadeira atribuição. E que uma coisa é fazer obras de hidráulica agrícola e outra é pretender que se faça, simultaneamente, política agro-social. E ambas as coisas têm sido feitas dentro de um único quadro, que, embora atingindo a perfeição técnica que atingiu sob o ponto de vista de hidráulica agrícola - ao ponto de já hoje honrar a Nação -, não deixa, precisamente por virtude dessa mesma especialização, de abrir certas brechas que só podem ser conveniente e satisfatoriamente preenchidas através da especialização técnica de outros departamentos.
A Junta ao começar teve de criar tudo: o seu quadro de engenheiros e o seu apetrechamento.
E por isso evidente que ela não podia, sozinha e logo de entrada, satisfazer todos aqueles pontos de vista que convergem sempre em obras dessa natureza e volume.
No dia em que a actividade da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola pudesse circunscrever-se essencialmente ao seu campo - o que mais aumentaria ainda a competência técnica, que já tão notavelmente a prestigia - e deixar a outros departamentos especializados, como os Serviços Agrícolas e Junta de Colonização interna, a preocupação de previamente resolverem aqueles problemas que propriamente lhes dizem respeito e são pressupostos da necessidade e do resultado útil da obra a fazer, então poderíamos dizer assim: atingiu-se a finalidade por todos desejada - a realização de mais e melhor. Na verdade, quão útil seria que as coisas pudessem praticamente passar-se assim: há aqui este terreno que era muito conveniente que fosse aproveitado e irrigado.
Chamava-se a Junta Autónoma e dizia-se-lhe: quanto custa fazer esta obra? E a Junta Autónoma responderia: custa 20:000 contos. E os respectivos serviços diziam: damos os 20:000 contos. E a obra fazia-se.
Não se nega à Junta a perfeição técnica de todas as obras por ela realizadas. O que se pretende é evitar que possa ser possível a realização de qualquer obra em que, por mais que se admire a sua técnica, se tenha de concluir que esta ficou muito para além do resultado prático dos benefícios que dessa obra poderia tirar a política agro-social.
Mas para que dizer mais. se VV. Ex.ªs sabem tudo, leram o parecer e ouviram o Sr. Deputado Melo Machado?
Agora é já uma pequena questão de bairrismo. E que, com surpresa para mim, eu vi que os grémios da lavoura muitíssimo bem chamados para o julgamento das reclamações eram os de Castelo Branco, Beja, Évora, Faro, Lisboa, Portalegre, Santarém e Setúbal.
Fez-me, confesso, verdadeira impressão porque é que Leiria, que tem grémio da lavoura, que tem obras da Junta Autónoma e é um distrito tão respeitado como qualquer outro, que existe e está em Portugal, que não desapareceu do mapa, porque é que Leiria não teria sitio chamada para o facto?
o Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?...
eu explico: é que eu queria dois representantes da lavoura e queria separar os do Norte dos do Sul. Peço desculpa a V. Ex.ª se melindrei o distrito de leiria, mas não foi essa, nem podia ser, a minha intenção.
O Orador: - Depois da amável explicação do Deputado Sr. Melo Machado e do que consta do parecer e depois de eu afirmar também que com ele concordo seria descabido estar a insistir num ponto que o próprio parecer resolve, porquanto nele se diz que o outro vogal será designado pelos grémios da lavoura.
O Sr. Melo Machado: - No parecer da Câmara Corporativa, quando se diz «representante dos grémios da lavoura» suponho - e desejaria que isto ficasse consignado no Diário com sentido interpretativo - que se quer significar que esse representante será escolhido pelos grémios das áreas onde existam obras de hidráulica agrícola. Não faria sentido que se escolhesse o representante de um grémio de uma região onde não houvesse tais obras.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua interrupção, pois é assim mesmo.
Há apenas mais uma observação a fazer: quando no projecto se diz «o presidente será um magistrado judicial designado pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça» (e é apenas uma questão de pormenor) deverá entender-se que esse magistrado possuirá a categoria de desembargador, porquanto mais adiante se diz que o vice-presidente é um ajudante do Procurador Geral da República.
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Parece-me, portanto, que seria de todo o ponto razoável que esse magistrado tivesse a categoria de desembargador.
Para terminar, vou ler a seguinte sugestão feita no parecer:
A declaração da passagem das terras ao regadio e o início da cobrança das taxas de rega e beneficiação e de novas contribuições determinadas pelas obras não poderão verificar-se em nenhum caso antes de ter decorrido o período mínimo de cinco anos sobre a conclusão das obras. Este período de transição constará do cadastro da obra posto à reclamação.
De forma que este acrescentamento, a que há pouco o Sr. Deputado Melo Machado se referiu tão claramente, é de tão evidente necessidade e de tal justiça que nem vale a pena perder tempo a falar nele.
Permito-me, no entanto, acrescentar que mais uma vez louvo a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, e agora por essa sugestão que, quando perfilhada, muito concorrerá para facilitar um mais conveniente ajustamento de interesses.
Não quero ainda deixar de louvar o relator do parecer da Câmara Corporativa por ter ido mais longe ainda do que aquilo que lhe fora sugerido. Acho que o seu trabalho é merecedor de todos os louvores, como entendo - também com toda a sinceridade o digo - que poucas vezes se terá apresentado um assunto por forma tão clara e imparcial como aquela por que o fez o Sr. Deputado Melo Machado ao discutir e defender o seu projecto de lei.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Assume a presidindo, o Exmo. Sr. Sebastião Ramires.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns minutos.
Eram 17 horas e 5 minutos.
Assume a presidência o Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Não está mais ninguém inscrito para este debate.
Pausa.
O Sr. Presidente: - O projecto do Sr. Deputado Melo Machado contém apenas um artigo, não havendo, pois, discussão na especialidade.
Durante a discussão foram mandadas para a Mesa as propostas que vão ler-se.
Foram lidas. São as seguintes:
«Perfilho a proposta do parecer da Câmara Corporativa. - F. de Melo Machado».
«Proposta de aditamento ao texto sugerido pela Câmara Corporativa: proponho que ao artigo 1.° se acrescentem, em seguida às palavras «magistrado judicial», as palavras «de categoria não inferior a desembargador». - Manuel Colares Pereira».
O Sr. Presidente: - O projecto de lei dó Sr. Deputado Melo Machado, pela adopção que S. Ex.ª acaba de fazer das sugestões da Câmara Corporativa, fica inteiramente substituído por estas.
Consequentemente, a votação recairá sobre o texto da Câmara Corporativa, que contém dois artigos. Vão ser lidos à Assembleia.
São os seguintes:
«Artigo 1.° As reclamações que, segundo os artigos 27.° e 33.° e o § 1.° do artigo 56.° do decreto n.° 28:652, de 16 de Maio de 1938, são da competência da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola passam a ser julgadas por um conselho, assim constituído:
Presidente - um magistrado judicial, designado pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Vogais:
1) Um ajudante do Procurador Geral da República;
2) Vogal designado pela Associação Central de Agricultura;
3) Vogal eleito pelos grémios da lavoura;
4) Vogal designado pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas;
5) Vogal designado pela Junta de Colonização Interna;
6) Presidente da associação de regantes e beneficiários das obras cujas reclamações estejam em julgamento.
§ único. Às reuniões do conselho assistirá, sem voto, um representante da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, para prestar as informações de ordem técnica que forem julgadas convenientes.
Art. 2.° A declaração da passagem das terras ao regadio e o início da cobrança das taxas de rega e beneficiação e de novas contribuições determinadas pelas obras não poderão verificar-se em nenhum caso antes de ter decorrido o período mínimo de cinco anos sobre a conclusão das obras. Este período de transição constará do cadastro da obra posto à reclamação».
O Sr. Presidente: - Como a Assembleia verifica, o artigo 1.°, por força da proposta do Sr. Deputado Melo Machado, que perfilhou as sugestões da Câmara Corporativa, é aquele que consta da conclusão do (parecer da mesma Câmara.
O artigo 2.° é o que se encontra a p. 88-(10) do parecer, quanto à declaração da passagem das terras ao regadio e ao início da cobrança das taxas de rega e beneficiação.
O Sr. Deputado Colares Pereira apresentou uma proposta de aditamento ao artigo que passou a ser o artigo 1.°
Diz-se neste artigo que o conselho será presidido por um magistrado judicial e o Sr. Deputado Colares Pereira propõe que este magistrado judicial nunca tenha categoria inferior à de desembargador.
Vai votar-se o artigo 1.°, com o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Colares Pereira.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o artigo 2.°, com o texto sugerido no parecer da Câmara Corporativa, nos termos em que já foi identificado.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação deste projecto de lei, que baixará à Comissão de Legislação e Redacção. Vou encerrar a sessão.
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A próxima sessão será no dia 27, tendo por ordem do dia o aviso prévio dos Srs. Deputados Cortês Lobão e Nunes Mexia sobre o problema do pão e do trigo.
Convoco para amanhã as comissões de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais, de Trabalho, Previdência e Assistência Social e de Política e Administração Geral e Local, para se ocuparem do projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos sobre feriados nacionais e descanso semanal.
A Comissão de Educação Nacional fica convocada para as 15 horas de amanhã; a Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social para as 16 horas e 30 minutos, e a Comissão de Política e Administração Geral e Local para as 18 horas.
Esse projecto deverá entrar em discussão depois do debate sobre o aviso prévio dos Srs. Deputados Cortês Lobão e Nunes Mexia.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Paulo Cancela de Abreu.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Beja Corte-Real.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA