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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 129

ANO DE 1948 29 DE JANEIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 129 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 28 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Afonso Ribeiro Cazaes

SUÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas. 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra, os Srs. Deputados Amorim Ferreira, que se referiu, com palavras de pesar, ao desastre de aviação de ontem; Froilano de Melo, para chamar a, atenção de quem de direito para a necessidade de dar um sentido mais prático ao nosso ensino, e Antunes Guimarães, que se referiu à grave crise que avassala a viticultura do Norte do País.

Ordem do dia. - Continuação do debate na generalidade sobre o aviso prévio dos Srs. Deputados Cortês Lobão e Nunes Mexia acerca do problema do pão e do trigo.

Usou da palavra o Sr. Deputado Cortês Lobão.
A requerimento do Sr. Deputado Mário da Figueiredo, o Sr. Presidenta declarou generalidade o debate, a prosseguir na próxima sessão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
Manuel José Ribeiro Ferreira Afonso Ribeiro Cazaes
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Camilo de Morais Bernardes Pereira
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Antunes Guimarães.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.

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Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão. Ricardo Spratley.
Rui de Andrade. Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 16 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

"Presidente Assembleia Nacional - Lisboa. - Excelência.- Grémio Comércio Leiria reconhecendo grande alcance determinação descanso dominical iodo País acabando assim benefícios de uns em prejuízo doutros e ver grande aspiração trabalhadores comércio realizada pede V. Ex.ª aprovação projecto nesse sentido patrões e empregados recebem com alegria realização tão justa pretensão felicitam Governo e agradecem justiça seja feita aos que têm sabido com ordem e respeito contribuir para o bem da Nação. - Direcção Grémio Comércio".

Em idêntico sentido, todos da cidade de Leiria, e cujos signatários são os seguintes: Varela Santos, Álvaro Ferreira, José Martins, José de Sousa, Luís Vieira, Jordão e Sousa, Isidro Rodrigues, - Comércio e Instalações, Limitada, António Luís Nogueira, António (Cândido, Luís José, Armando Gonçalves, Francisco Pereira, Ventura & Ramadas, Manuel Oliveira, Faria & Filhos, Carlos Pedro de Pina, Elias de Oliveira, A. Oliveira Rodrigues, Limitada, Conrado, Manuel Francisco Faria, Manuel Ferreira, António Fernandes. Carreira Alves, Cruz Fadigas, Elias Eduardo da Silva, Luís Jesus, Dinis Heleno, Manuel Freitas, José da Silva Brosque, Ana Rodrigues, Aurora Rodrigues, Gráfica Leiria, Voz do Domingo, António Augusto Fernandes, Manuel Joaquim Júnior, Clementina Ferreira, Jaime Mafra, Francisco Ferreira Barros, Adriano Ferreira, Henrique Santos, Manuel Ribeiro de Oliveira, Abel Santiago, José Vital. Manuel Figueiredo, Júlio Nazaré, Toninho Faria, Gabriela Fogaça Morais, Julieta, Joaquim Godinho Assunção, Joaquim Manuel Pereira e seu pessoal, Auto-Leiria, Elias & Cruz, Raul Medeiros, Mercedes Castanho, Elisa Cardoso, Álvaro Santos, Jorge Pereira, Baltasar & Rodrigues, Augusto Baltasar Silva, Carlos Rodrigues, Augusto Baltasar, Celeste Baltasar Rodrigues, Fernando Póvoas, Adriano Cordeiro, José Gaudêncio, Barreto Suor, João Alegria Seixas, Abel Fernando Seixas, César Cruz, Artur Sanches, João Carvalho, Adriano Santos, Fernandes & Carriço, José Domingues Portugal, Raul Bernardes, António Carvalho, José Bastião, António Alves do Espírito Santo, João Lourenço dos Santos, António Inácio, Manuel António Pereira, José Fernandes Carreira Alves, Gabriel Pacheco, F. A. Sequeira, Jorge Américo Pedro, Maria Amélia Vieira, Valentim Cordeiro, Mário Pólvora, Armando Ramos, Acácio Faustino, António Rodrigues, António de Sá Pessoa, Joaquim Carreira de Sá, Luís Roda, Manuel da Silva Marto, Ester Martins Matias, José Maria, Adriano Francisco, Delfim Pereira, José dos Santos, Octávio Leal, Elísio Ferreira, Manuel Agonto, José Dias Sequeira Pereira, Fausto Cruz, Estêvão Luciano Catarino, Leiria Acessórios, Limitada, José Marques Cordeiro, Gomes & Henriques, João Quirino Soares, Carlos Afonso, Limitada, José Nogueira, Perfumaria - Vanda, Camionagem Leiriense, Lubugás, Limitada, Associação de Futebol de Leiria, José dos Santos, Coelho de Freitas e director do jornal da região.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Amorim Ferreira.

O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: o desastre brutal que ontem vitimou três aviadores, capitão Benjamim de Almeida, primeiro-tenente Barros Brito e radiotelegrafista Sousa Figueiras, levou a orfandade a três lares, enlutou três corporações prestigiosas - a aeronáutica civil, a aeronáutica militar e a aeronáutica naval - e constitui uma grande perda para a Nação, ao serviço da qual se encontravam os três quando a morte os levou.
É como representante da Nação que primeiramente recordo aqui o nome desses três servidores, caídos em missão de serviço.
Faço-o também como companheiro de trabalho, que, ao lado do pessoal da aeronáutica e sem correr os riscos que ele corre, procura fornecer-lhe as informações de que precisa para a execução das suas missões.
Faço-o ainda como mestre que fui dos dois pilotos falecidos. Tive a sorte de os ter como alunos; tive depois a honra de os contar como amigos e a satisfação de lhes ouvir dizer - generosamente o disseram - que alguma coisa me ficaram a dever: a sua formação profissional e a sua formação moral.
Maior satisfação não pode ter quem exerce ou procura exercer com devoção a missão de professor.
Creio interpretar o sentimento da Assembleia pedindo a Deus que os acolha na sua santa morada.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: no decurso da última soma na têm ocorrido eventos de vida política que merecem ser sublinhados nesta Casa com o devido relevo, pela larga repercussão que tiveram nos meios políticos e nos círculos intelectuais nacionais e estrangeiros.
Em primeiro lugar, o plano do bloco ocidental euro-africano, delineado pelo Ministro inglês Sr. Bevin, que, apoiado por quase todas as correntes de opinião das democracias ocidentais, conta com Portugal e seus territórios ultramarinos para um dos seus mais prestantes e activos componentes.
Não devo ocultar-vos que para o meu espírito de português e de patriota é motivo de particular orgulho que a primeira e mais nítida visão dessa coligação de esforços, de que poderá depender o bem-estar económico e a paz do Mundo, tenha sido claramente concebida por um cérebro português, e folgo de ver que a nossa imprensa tenha reproduzido, para a documentação dessa evidência, as próprias palavras do Sr. Prof. Salazar concernentes u defesa e valorização económica com que o arroteamento do continente africano - ao mesmo tempo que fomentará o amanho e o progresso do solo indígena - poderá contribuir para pôr à disposição do Ocidente empobrecido e desnorteado valores incalculáveis para a garantia da (paz e da fraternidade humana, ameaçados hoje em dia por conflitos de ideologias e pelas incertezas do Destino.
Em segundo lugar, o justo enlevo com que todo o português deverá certamente acolher esse dinamismo, através do qual o Ministro Sr. engenheiro Daniel Barbosa expôs o seu plano de fomento industrial desta bela terra, fazendo-o depender primariamente da energia miraculosa que, extraída das nossas fontes naturais, possa transformar Portugal em uma oficina de laboração altamente especializada, que se transmude em riqueza para o seu bom povo.
Bem haja esse homem, que vem infundir novos alentos de energia e fé em milhares de corações de tíbios e de timoratos. Porque se há alguma coisa que dolorosamente tocou a minha alma neste meu contacto, mais ou menos íntimo, de dois anos com o amorável e hospitaleiro povo da metrópole, foi o slogan derrotista tão espalhado, tantas vezes repetido, de que somos um país pobre, que, pela fatalidade da pobreza, poderia, quando muito, aspirar a uma resignada mediania.
Pobre um país como Portugal, cujas entranhas contêm tantas riquezas inexploradas, que a visão de um homem acaba subitamente de desvendar ao seu povo atónito e deslumbrado! Um país cujas águas encerram energias encobertas de lâmpadas maravilhosas! Pobre uni país como Portugal, que possui no ultramar uma extensão tão .grandiosa de selvas virgens e de ubérrimos solos tropicais!
Que desapareça, pois, para sempre do nosso vocabulário esse slogan enervante, que só serviu para acobertar a inércia e a rotina que empobreceram este País, e seja o dinamismo contagioso do Sr. engenheiro Daniel Barbosa a lâmpada encantada que extraia luz, força e ouro do úbere fecundo das terras de Portugal.
Sr. Presidente: não é, porém, somente para cantar louvores - a quem, de resto, tão justamente os merece - que ousei tomar o tempo a esta Câmara. O trabalho colossal que Portugal está chamado a desenvolver para o seu fomento interno, tão admiravelmente exposto pelo Ministro Sr. engenheiro Daniel Barbosa e para o arroteamento do nosso ultramar, absolutamente necessário para efectivar a nossa cooperação económica com o bloco ocidental euro-africano, que, entrevisto pelo espírito clarividente do Sr. Prof. Salazar, conferirá a Portugal mo plano Bevin - e à solicitação das nações mais interessadas - um lugar de primeiro plano no
concerto internacional, não se pode levar a cabo somente com .palavras sonoras de idealismos exaltados. Esse trabalho comporta, seja no continente, seja, sobretudo, no ubérrimo e misterioso solo africano, realizações técnicas de elevado acabamento que se não podem confiar a mãos de diletantes ou de agentes com uma preparação técnica insuficiente. E é dever de todos nós colaborar com .o nosso esforço para que essas magníficas aspirações se transformem em realidades que tragam honra e prosperidade para o nosso País.
Foi na lúcida exposição do Sr. Ministro da Economia que o meu espírito pôde aprender o que já era uma impressão colhida em conversas com os nossos melhores e mais consumados intelectuais e com a quase totalidade da geração nova, tão ciosa da grandeza da sua Pátria: que a cultura técnica em Portugal não havia ainda atingido aquele grau de perfeição de que se reveste entre nós o cultivo da educação humanística.
No campo da técnica e da experimentação as manifestações da nossa actividade têm-se reduzido, por ora, a esforços isolados, que, por serem desajudados e incompreendidos, não têm conseguido criar o ambiente de trabalho e de técnica com que as nações avançam para a conquista do bem-estar e para a elevação do seu nível de vida. Ainda mais: essa falta de ambiente tem relegado a um plano de inferioridade social e económica os diplomados que, presos ao trabalho manual, envergam a ganga de artífice que nos laboratórios e oficinas revolucionam, em outros países, os destinos do Mundo. Cérebros potentes de cientistas estiolam-se entre nós em revoltas de resignada passividade, por insuficiência de meios práticos para exercerem as suas faculdades criadoras. E a carência de laboratórios e oficinas em alguns dos nossos estabelecimentos de instrução e a limitada acessibilidade de outros porventura já montados, e que com tão larga perspectivas foram criados, transformaram em parte o nosso ensino em teórico e livresco em que o silogismo e a especulação filosófica são incapazes de enfrentar as realidades do mundo físico.
De onde esse paradoxo de alguns dos nossos jovens diplomados poderem discorrer com brilho e primoroso saber altos problemas transcendentes de - Ciências Físico-Químicas ou Naturais - que mostra à evidência a formosura do seu talento - e verem-se, por vezes, embaraçados para construir um motor eléctrico ou reparar a avaria de uma grande máquina geradora de energia ! Porque ninguém os levou a uma oficina de electricidade, porque ninguém os familiarizou com as altas técnicas que criam e transformam as energias maravilhosas que se resolvem nas entranhas do Mundo!
É daí certamente que resulta que as pesquisas para o fomento desse plano industrial fossem confiadas a técnicos estrangeiros -americanos e suecos - para o estudo da região petrolífera de Torres Vedras, técnicos estrangeiros para a intensificação e aperfeiçoamento dos estaleiros navais e da grande indústria metalomecânica, técnicos estrangeiros para a instalação eficiente de máquinas de escrever, estrangeiros ainda para-o plano da electrificação do País.
Quanto seria para todos nós motivo de legítimo orgulho que a renovação da nossa vida industrial fosse levada a cabo pelo esforço da nossa própria gente, que a há com talento, energia e patriotismo, pronta a ajudar os chefes a cumprir a sua obra, desde que lhes seja dada a preparação necessária para desempenharem a sua missão com dignidade e saber.
Sr. Presidente: é dever de todos nós colaborar nessa grandiosa obra de renovação social. Como Deputado da Nação e como português- venho trazer hoje o meu contributo para essa obra: tem por mira valorizar rapidamente o nosso próprio capital humano, que não haverá

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nenhum outro que com mais devoção se lance nessa grande cruzada.
As minhas palavras dirigem-se ao Sr. Ministro da Educação Nacional. Conheço a sua força de vontade, a grandeza dos seus ideais, herdados de um santo velhinho cuja vida de professor floriu numa esplêndida dinastia de duas gerações de intelectuais, um dos quais, mercê da sua impecável técnica, conquistou no campo da anatomia e da teratologia o sufrágio da ciência internacional. Refiro-me, já o deveis ter calculado, ao Prof. Joaquim Alberto Pires de Lima.
E, pois, ao cérebro e ao coração do Sr. Ministro da Educação Nacional que se dirige a minha modesta sugestão: inunde S. Ex.ª os nossos estabelecimentos cie ensino geral com laboratórios e oficinas, destinados a criar esse ambiente de tecnicidade que é mister; torne compulsório no curriculum - dos estudos gerais o contacto da mocidade com esses centros de trabalho que, confiados a jovens assistentes, full-time, e convenientemente pagos para se lhes garantir uma situação económica desafogada, educarão a gente nova no respeito à dignidade do trabalho manual e no amor à blusa e à ganga de artífice, que são as vestes sagradas das oficinas; incite e estimule a investigação experimental dos nossos professores, provendo os seus laboratórios de equipamentos modernos destinados a enfrentar as exigências da técnica que avança dia a dia a passos de gigante; e multiplique, pelo menos nestes cinco anos, as bolsas de estudo para os centros técnicos do estrangeiro, recrutando jovens nossos, de talento, que, cheios de devoção pela causa santa de um Portugal próspero, dos centros de países avançados no campo da técnica - notavelmente da América do Norte e da Suíça -, se comprometam por sua honra a vir servir o País, importando para ele a excelência e o acabamento da moderna técnica estrangeira e o ambiente do trabalho manual fecundo gerado por cerebrações educadas na atmosfera da experimentação em oficinas e laboratórios.
E uma grande obra que S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional é chamado a realizar. Está na tradição e na ancestralidade do povo português, que na escola de Sagres teve a mais perfeita das escolas técnicas do seu tempo.
Assim se fez no Japão. Assim o faz o Brasil.
E vereis, meus senhores, como dentro de pouco tempo teremos uma equipe de técnicos habilitados a enfrentar os melhores problemas dessa técnica moderna que revolve o Mundo, como uma tal revolução modificará rapidamente a nossa educação técnica em bases inteiramente novas e como os nossos profissionais, vivendo e trabalhando em um ambiente que hoje lhes falta, poderão agir no concerto internacional em perfeita igualdade com os seus colegas mais especializados do estrangeiro, guindando a honrosas alturas a cultura e a técnica portuguesas, como o têm feito e estão fazendo uns poucos privilegiados, cujos nomes, mercê de insanos esforços e sacrifícios pessoais, têm sabido elevar lios centros internacionais o nome de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: deixei ontem bastante apreensivos os nossos amigos lavradores do Norte.
Apreensivos e muito preocupados.
A grande intranquilidade assim gerada, se vista de relance, apresenta-se paradoxal, porque não deriva de colheitas excessivamente escassas, de prejuízos graves causados por intempéries ou de estragos anormais devidos a pragas inimigas das culturas.
Até se verifica relativa fartura de géneros agrícolas nos casais de lavoura, onde as tulhas estão regularmente sortidas de cereais.
Também as batatas e as cebolas ali se amontoam mas vão grelando e apodrecendo u falta de mercado compensador.
O vinho continua a encher as adegas dos produtores, porque a última colheita fora regular. A procura, porém, é insignificante, porque se limita ao indispensável para abastecimento ou jour lê jour do consumo, que, importa dizê-lo, continua a ser regular.
Desta forma, os preços caminham velozes para a derrocada.
Algum vinho de menor graduação corre o risco de a vinagrar.
O gado vai envelhecendo nos estábulos e cortelhos à espera de cotações remuneradoras. As actuais são ruinosas para a lavoura, sendo certo que o público continua a pagar a carne do a mercado negro" a preços exorbitantes. Alguém lucra com este estado de coisas.
Por outro lado, os pés-de-meia vão minguando e as arrecadas deixam de enfeitar as orelhas das camponesas, para regressarem à triste função de penhor para as despesas urgentes.
E se as dificuldades continuarem no mesmo ritmo, teremos o desgosto de ver que à porta das conservatórias volta a formar-se o lúgubre cortejo das hipotecas.
Mas já vai havendo fartura de clientela para letras e outros títulos de dívida.
E que estamos no mês em que se pagam as contribuições prediais e outros encargos do fisco que não esperara: juros de mora, relaxes e execuções.
As jornas do pessoal agrícola subiram, e não pode, de uma maneira geral, pensar-se em baixá-las, porque, além da conveniência de ir defendendo o nível de vida dos que trabalham na lavoura,
correr-se-ia a séria contingência da sua derivação para outras actividades, onde recebem salários notoriamente mais elevados.
Tudo aquilo de que o lavrador precisa, fora dos produtos da respectiva lavra, e que, de uma maneira geral, sempre pagou caro, agora, em face do pouco que recebe (quando recebe ...) da venda dos seus géneros, constitui encargo incomportável.
Repito: os jornaleiros procuram noutras actividades o indispensável para viverem; e sei de casos em que os rendeiros (caseiros, como se diz no Norte) abandonaram as terras porque os géneros ou não se vendem ou não dão o preciso para viver.
Sr. Presidente: apreensivos e preocupados, afirmei eu que deixara os nossos amigos nortenhos, mas confiados no seu esforço para arrastarem com todos os obstáculos, quer de uma natureza hostil, de conjunturas económicas inevitáveis ou de providências que, não correspondendo ao desejo de quem as ordenara, arrefeceram o entusiasmo com que todos - lavoura, indústria e comércio -, confiada e decididamente, haviam respondido ao apelo do Governo para a intensificação das actividades produtoras.
E permanecem esperançados de que providências acertadas e oportunas os venham ajudar a vencer as dificuldades com que agora lutam.
Assim, a deliberação governamental de tornar livre a circulação do milho, com a garantia de um preço mínimo para combate à especulação baixista, agradou a produtores e consumidores e feriu o respectivo "mercado negro", que chegara a guindar aquele cereal (alimento de grande parte da população, sobretudo da nortenha) a cotações à volta de 100f por alqueire.
Como geralmente também agradou a libertação da lenha e vão sendo recebidas com alegria todas as determinações que visam a restituir os géneros a uma circulação sem entraves.

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O alarme determinado pela derrocada de preços da batata parece ir amainando com a notícia de providências para defesa das respectivas cotações no consumo interno e outras no sentido de se conseguir a sua exportação.
Também a imprensa aludiu a providências ordenadas pelo Ministério da Economia para garantir os preços da tabela para os porcos da montanheira e outras no mesmo sentido relativamente aos borregos.
Efectivamente, se para evitar os abusos na-"alta" (que fartos proventos carrearam para os exploradores do "mercado negro") o Governo pôs em prática severas medidas repressivas, justo é que agora, para defesa da produção nacional contra a especulação baixista, que nefastamente se reflecte no trabalho nacional, o Governo use da indispensável severidade e generalize sem demora a justa e inteligente política da garantia de um preço mínimo que proteja os produtores contra a ruína e evite que os trabalhadores sejam empurrados para o desemprego ou para outras actividades.
- Sr. Presidente: - entre tantas, a preocupação mais em evidência, neste momento, dos lavradores nortenhos é a da crise apavorante que pesa sobre os vinhos.
E, não obstante, e de uma maneira geral, a última colheita, se excedeu ligeiramente as duas anteriores, que foram manifestamente baixas, fica bastante aquém das correspondentes a 1943 e 1944, em que a natureza secundara os esforços tenazes dos vitivinicultores.
Da fartura de vinho daqueles anos de 1943 e 1944. que deu para encher os tonéis antigos e precisou ainda de muitas vasilhas- novas para a respectiva armazenagem, não resultou grande recurso à destilação, porque o consumo normal da metrópole e alguma exportação foram escoando as massas vínicas da produção nacional.
Referindo-me mais particularmente aos - vinhos verdes, porque o estado de espírito a que venho de aludir respeita à população rural da zona onde se produzem aqueles magníficos vinhos, a sua produção foi de 001:600 pipas em 1943 e de 622:123 em 1944, julgo que as maiores registadas até agora. A de 1945 pode reputar-se normal, pois andou por 442:000 pipas. Em 1946 baixou consideràvelmente, orçando apenas por 324:000 pipas, que, desta forma, atingiram preços em relação com a pequenez da colheita e desvalorização da moeda. A última colheita volta a aproximar-se do normal, pois orça por 470:000 pipas.
Ora, tendo sido a média dos preços dos vinhos verdes da colheita de 1946 de 2.000$ por pipa, os da colheita de 1947, que, de uma maneira geral, são - magníficos e não chegaram a exceder a colheita de 1946 em 30 por cento, deveriam andar à volta de 1.500$ por cada pipa.
Pois os preços que oferecem aos lavradores são muito mais baixos; pior ainda, a procura reduz-se a quantidades mínimas, isto é, ao indispensável, para ir alimentando o mercado de consumo quase dia a dia, mercado que, segundo informações colhidas, se mantém - regular, isto é, sensivelmente igual ao do ano passado. Somente se verifica grande - disparidade entre os preços pagos ao produtor e o exigido ao consumidor. A imprensa informou que, muito acertadamente, para combater aquela falta de procura foi ordenada a reconstituição dos stocks dos armazenistas de Lisboa e Porto. Contudo, tem sido uma gota no oceano, porque as adegas particulares conservam-se sensivelmente na mesma, e o pagamento de contribuições e outros encargos inadiáveis exige vendas de grandes lotes para realização dos fundos indispensáveis.
Li também que foi prorrogado o prazo de liquidação de empréstimos à lavoura, alargamento do benefício de financiamento nas zonas em que tal assistência vigora e que â$ tem fomentado o comércio de exportação, saída que pode vir a constituir um grande escoamento e em que há fundamentadas esperanças, sobretudo se uma propaganda de grande vulto e convenientemente orientada conseguir, demonstrar em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos da América, as vantagens incontestáveis dos nossos vinhos.
Também se fala na destilação de vinhos de acentuada acetificação, providência de dupla vantagem, porque permite o aproveitamento económico de alguns vinhos de baixa categoria em risco de se perderem e contribuirá para o descongestionamento das adegas e, embora pagos a preços baixos, constituirão uma fonte de recursos para. os seus proprietários.
Sr. Presidente: há que pensar a valer no armazenamento em grande escala dos vinhos para correcção da irregularidade de colheitas; e na - assistência financeira aos produtores, como já se verifica na zona da Junta Nacional do Vinho, cujos financiamentos a produtores já ascendem, segundo me - afirmaram, a 25:000 contos; e, sobretudo, na região duriense, onde a Casa do Douro, segundo refere a imprensa, estabeleceu os seus preços de aquisição nos termos seguintes:
a) Vinhos de boa prova e sem defeito, 109$50 por grau-pipa, ou $19(9) por grau-litro, e de acidez volátil até l grau;
b) Vinhos de prova deficiente, mas sem defeito, 107$ por
grau-pipa, ou $19(4) por grau-litro, e de acidez volátil até 1°,2;
c) Vinhos de prova defeituosa, 94$50 a 63$ o grau-pipa, ou $17(1) a $11(4) por grau-litro, com acidez volátil de 1,2 a 3 graus por litro, e podendo dar aguardentes de benefício.
Isto quer dizer que a Casa do Douro estabelece para vinhos de boa prova e pouca acidez volátil um preço que anda à volta de 1.300$ por pipa, o qual, não sendo exagerado, consideradas as despesas de produção, as excelências das massas vínicas daquela zona e as boas características da última colheita, atinge, contudo, cotações bastante superiores às que actualmente correm noutras regiões vinícolas de alta categoria, destacadamente na dos excelentes vinhos verdes, que tiveram sempre a melhor aceitação de vastíssima clientela, como seja a da cidade do Porto, e, portanto, uma grande procura e preços razoavelmente compensadores, circunstâncias que deploràvelmente, e como já afirmei, não se verificam neste momento, do que resultam as preocupações, melhor dizendo, o justificado alarme a que venho de referir-me.
Sr. Presidente: permita que reproduza aos nossos distintos colegas alguns comentários que sobre tão alarmante problema ouvi a importantes lavradores.
De uma maneira geral aceitam e até louvam os preços fixados pela Casa do Douro para os vinhos daquela região, tanto para os destinados a ser beneficiados, como para os de consumo, os quais ainda estão longe de ser exagerados; mas lamentam a repercussão prejudicial de tais cotações nos preços dos vinhos das outras zonas, especialmente do minhoto,- onde se produzem os conhecidos e apreciados vinhos verdes.
Tão deletéria repercussão resulta de à região duriense ter sido assegurado para os seus vinhos de consumo um contingente, variável, dos vinhos entrados na cidade do Porto, o qual recentemente era de 30 por cento. Isto é, para que de outras regiões pudessem enviar para a cidade do Porto determinada quantidade de vinho, teriam de previamente adquirir na região duriense, e pelo preço fixado pela Casa do Douro, uma quantidade de vinho correspondente a 30 por cento das respectivas remessas.
Ora como os preços ali correntes, orientados pela Casa do Douro, são notoriamente superiores aos actualmente correntes noutras regiões, os compradores esfor-

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çam-se, para se compensarem do que assim são forçados a pagar ao Douro, por conseguir a baixa de cotação dos vinhos que pretendem introduzir no importante mercado do Pôrto.
Sr. Presidente: de tão importante ónus, conjugado com os efeitos da política de barateamento conhecida por "psicose da baixa", que determinou de uma maneira geral certo retraimento dos compradores, e ainda com certas insuficiências de exportação, resultou para o importante sector vinícola a gravíssima crise a que venho de aludir.
Pois, Sr. Presidente, como se não bastassem as dificuldades ruinosas e insuportáveis com que os vinicultores já lutavam, surgiu a notícia de que se projectava elevar de 30 para 40 por cento o referido contingente a favor dos vinhos do Douro.
O reflexo na procura e nos preços foi imediato, e o alarme assim provocado, por ser oportuno e justificado, merece ser ouvido no Terreiro do Paço, tanto mais que se relaciona com o produto n.º 1 da nossa lavoura, em que trabalham numerosos portugueses.
Em geral os lavradores reconhecem a justiça e conveniência de se proteger a região do Douro, cuja produção quase se reduz à dos vinhos preciosos produzidos nos seus xistos câmbricos, os quais têm constituído através dos séculos um dos nossos mais valiosos factores económicos.
Mas pretendem, e com justiça, que daquela protecção não resultem perturbações e prejuízos graves para as outras regiões.
Estranha-se que o contingente daqueles vinhos, de tão valiosas e inconfundíveis características, seja excessivamente reduzido (nesta última colheita limitou-se a 30:000 pipas); quando a "novidade" fôr esplêndida e convenientemente beneficiada, muito se valorizaria nos armazéns, até que a reconstituição económica do Mundo voltasse a permitir (também no capítulo económico a história se repete) larga exportação de55e emi55ário admirável, que muito tem contribuído para o nosso prestígio.
Estranha-se também que as inconfundíveis massas vinárias dos socalcos que marginam não só o rio Douro, mas dos que vão acompanhando os seus diversos afluentes, para penetrarem nas Beiras e Trás-os-Montes, não sejam, como merecem, devidamente aproveitadas para a preparação de outros vinhos do tipo de consumo, como, aliás, já se verifica com algumas marcas de grande renome, o que dispensaria o recurso ao já mencionado contingente, que vem afectando os interesses, também a ter em conta, de outras importantes regiões vitivinícolas.
E ainda se estranha que vinhos de tão alta qualidade se destinem à caldeira para serem destilados, a fim de beneficiarem outros vinhos da mesma zona, quando essa função estava mais indicada para aguardentes obtidas em regiões menos privilegiadas no que respeita a qualidade.
Mas se, apesar de tudo, viesse a concluir-se pela indispensabilidade do contingente, seria recomendável estudar-se a viabilidade de o tornar extensivo à capital, para que não recaísse apenas nos consumidores da cidade do Pôrto e nos produtores vinícolas do Norte (sobretudo os do vinho verde, que são os mais directamente afectados) o pesado encargo de contribuírem para a defesa do Douro.
E sobretudo impõe-se generalizar às diferentes zonas vitivinícolas os financiamentos e outros factores de auxílio à lavoura e defesa de preços de vinhos em vigor na região duriense.
Se a região dos vinhos verdes e outras que mais directamente abastecem a cidade do Pôrto pudessem dispor dos fundos necessários para o indispensável financiamento da lavoura, indo-se até à aquisição dos respectivos vinhos a preços reputados justos, já a crise que neste momento assoberba tantas casas em que aquele produto constitui o elemento essencial de defesa e base essencial de equilíbrio económico não teria surgido com tantas perturbações e prejuízos.
Estes problemas devem ser apreciados e resolvidos em conjunto, embora tendo-se na devida conta os interêsses próprios a cada região, para que o bem de uma não custe o sacrifício das restantes, "O Sol nasce para todos", lá diz a sabedoria popular.
Sr. Presidente: já tomei muito tempo à Assembleia Nacional, mas a importância e gravidade do tema justificam o meu procedimento.
Já, numa recente sessão, o nosso distinto colega Sr. Dr. Bustorff da Silva se ocupou deste assunto; e se eu agora volto a insistir sobre o mesmo problema deve-se a terem surgido novos factores de grande importância e urgência, não só no País, mas no estrangeiro, onde há que ter em conta o que se passa em matéria cambial e valores da moeda.
Há não só que deter imediatamente a vertiginosa derrocada nos preços dos vinhos, mas elevar as suas cotações ao que fôr justo e razoável, para a indispensável defesa do mais importante produto do nosso trabalho agrícola.
Além de outras providências que ressaltam claramente da exposição que acabo de fazer, impõe-se um esfôrço de grande vulto para a indispensável propaganda dos nossos vinhos no estrangeiro, porque produtos de outros países, cujas qualidades são manifestamente inferiores às dos nossos vinhos, vão entrando em novos mercados e até substituindo marcas de 1.ª categoria que para lá exportávamos.
Os tratados de comércio são indispensáveis. Mas há que, simultâneamente, desenvolver uma propaganda comercial bem orientada.
Para isso, não o ignoro, é preciso despender muito dinheiro.
Mas vale mais empregar dinheiro para abrir mercados estrangeiros aos produtos do trabalho nacional do que utilizá-lo na compra de certos artigos e géneros estrangeiros, que, embora fundamentada em fartura de argumentos, entre os quais a da necessidade de alimentar a população, acontece terminar por traduzir-se em concorrências por vezes desleais para as nossas actividades.

O Sr. Botelho Moniz: - Mas há importações que por motivos de emergência são, absolutamente justificadas.

O Orador: - Antes de V. Ex.ª o dizer já eu o tinha dito.

O Sr. Botelho Moniz: - Não sei se V. Ex.ª sabe que o último número de O Militante, órgão do partido comunista, diz que as importações de géneros são absolutamente condenáveis sob o ponto de vista económico. Quer dizer, os comunistas queriam que morrêssemos à fome.

O Orador: - Nunca fui leitor de O Militante; isso no entanto nunca poderia ajustar-se e muito menos destruir as considerações que o meu espírito acaba de ditar.
Sr. Presidente: permita-me agora, para terminar, umas ligeiras, mas importantíssimas, considerações.
Não basta conseguir colocação dos nossos vinhos nos mercados estrangeiros.
Importa também, e sobretudo e quanto antes, abrir-lhes os mercados nacionais - os do ultramar, por

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muito extraordinário que pareça, os da própria metrópole.
A nossa capitação de consumo da bebida nacional por excelência, do vinho produzido pelos nossos vinicultores, auxiliados por condições excepcionais de solo e clima, continua a ser muito baixa.
Precisamos de ensinar os portugueses a beber o vinho da nossa querida terra.
Quando se discutiu o aviso prévio do nosso ilustre colega cónego Mendes de Matos pôs-se em evidência a necessidade, e até a conveniência para a saúde, de uma propaganda do vinho que o vá substituindo a outras bebidas, quase todas estrangeiras, e que são factores do alcoolismo, bebidas de raro consumo nas tabernas, mas correntemente preferidas em botequins, bares e equivalentes.
Pois, Sr. Presidente, acabo de ser informado de que uma câmara municipal deliberou a proibição da venda de vinho nos cafés!
Sem mais comentários.
Nem o tempo regimental daria para isso, e, se ainda dispusesse de alguns minutos - que não disponho -, aproveitá-los-ia para tratar de muitos outros capítulos deste momentoso problema.
Mas recordo o apelo lançado à Nação e afixado largamente em todos os lugares, em que se dizia mais ou menos o seguinte: "Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses".
Sim, é de acertado conselho, e até a própria Medicina o afirma, recomendar o vinho como bebida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas não a preços aviltantes, que atirariam o lavrador para a ruína, privando-o dos recursos indispensáveis ao pagamento de tributos ao Estado e corpos administrativos, ao sustento das respectivas famílias e à liquidação dos salários dos que com ele trabalham de sol a sol, e em vigílias e sob os maiores intempéries, para que à população não falte o preciso para se alimentar e a muitos industriais as matérias-primas indispensáveis à sua laboração.
Que os vinicultores não desanimem, não esmoreçam, e, sobretudo, não entreguem esses vinhos a preços vis.
Feitas as contas e comparadas com as de outras colheitas, os bons vinhos de 1947, agora nas adegas, devem valer à volta de 1.500$ cada pipa.
As providências ordenadas pelo Governo e pelos organismos corporativos demonstram que há a decisão firme de defender a vitivinicultura.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio dos Srs. Deputados Nunes Mexia e Cortês Lobão, sobre o problema do pão e do trigo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cortês Lobão.

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª o interesse que manifestou por este aviso prévio, mareando-o para já.
Que razões nos levaram a trazer à Assembleia Nacional este assunto?
Quanto ao problema do trigo, de que vou tratar, porque tenho um contacto directo com o homem da terra, com aquele português rude e são que dia e noite mioureja pelas vastas planícies do nosso País, insensível ao sol ou à chuva, e que tudo sacrifica, tudo, para tirar da terra, daquela terra que o viu nascer e onde quer morrer, o trigo que o há-de sustentar e à família, e as sobras, quando as há, vão alimentar outros portugueses. Tenho ouvido as suas queixas.
Conheço de perto tanto esses lutadores, pequenos de recursos mas grandes de alma, como outros, fortes lutadores, de grandes recursos, e que igualmente lutam para produzir sempre mais.
Conheço, por contacto directo, o que é essa luta permanente com a natureza adversa, essa vida de esperanças, e quantas vezes de desilusões, quando no fim de um ano, depois de tudo sacrificar na terra, com uma seara prometedora e quantas vezes hipotecada, vê no fim tudo perdido em dois dias de vento levante.
Não venho apresentar a solução deste grave problema, venho apenas pôr a posição da lavoura trigueira nesta crise aguda da sua existência, trazer modestos alvitres e também elementos que desfaçam injustas apreciações. Mas especialmente venho pedir ao Governo do meu País que ataque este problema de frente, principiando pelas medidas que julgo serem o ponto de partida para a sua solução.
Sr. Presidente: cultiva-se hoje trigo em várias terras do País, mas é no Alentejo que esta cultura tem a maior importância sob o ponto de vista económico.
Está ali o celeiro do País. Solucionado este problema no Alentejo, está dado o primeiro passo para a sua solução total.
Se bem que no Norte o trigo tenha uma posição diferente da que tem no Sul, é um facto que os três distritos cerealíferos - Beja, Évora e Portalegre - contribuem com mais de metade para a produção total.
Isto é confirmado pelos números da Federação Nacional dos Produtores de Trigo:

[Ver Tabela na Imagem]

É portanto desta região que primeiro me vou ocupar, e muito especialmente do distrito de Beja, distrito que figura normalmente com um quarto da produção total do País deste cereal.
Desejo dar a conhecer a muitos portugueses o que representa de sacrifício esta cultura, a mais ingrata, a mais contingente, e que exige somas avultadíssimas de capital.
Muitos, que não passaram o Tejo para a outra margem, apenas sabem que existe o Alentejo e que ali se cultiva o trigo que eles hão-de comer.
Alguns, porém, passaram e embrenharam-se pelas extensas (planícies alentejanas.
Uns e outros consideram o lavrador alentejano rotineiro, atrasado.
Para uns, todas essas planícies deviam estar permanentemente cultivadas, dizem.
Para outros, o lavrador do Alentejo não cultiva mais porque vive bem, não precisa, vive na abastança.
E para confirmar esta sua opinião apontam um ricaço que vêem passar, ostentando luxo, com um ou mais automóveis, sabem de passeios ao estrangeiro, etc.

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Pois eu afirmo, sem receio de desmentido, que a maior parte desses abastados lavradores, desses ricaços, não foram buscar à cultura do trigo o dinheiro para esses automóveis, para esses passeios, mas sim a outras fontes da agricultura, à cortiça, ao azeite, aos gados, etc.
Talvez não saibam esses críticos que no distrito de Beja, onde havia há poucos anos 1:600 grandes proprietários, havia na mesma data 19:000 pequenos produtores, e que no ano de 1934, ano de excepcional produção, quando esses grandes produtores arrancaram da terra 104 milhões de quilogramas de trigo, arrancaram os pequenos produtores 90 milhões, e são esses pequenos, a quem falta a cortiça, o azeite e muitas vezes os gados, que principalmente sentem neste momento o peso da crise.
Sr. Presidente: vou maçar com os números que apresento; peço, porém, a vossa benevolência, mas eles justificam as considerações que vou fazer e as conclusões a que vou chegar.
Principio, como disse, por apreciar a cultura do trigo no distrito de Beja, pela razão já exposta; e sem a pretensão de considerar essas conclusões indiscutíveis, mas apenas como um trabalho honesto, principio por trazer à vossa consideração umas contas de cultura feitas em fins de 1946, portanto actualizadas num concelho deste distrito, concelho que normalmente figura como segundo produtor de trigo do País, a seguir a Beja.
Este modesto trabalho foi feito por um grupo de produtores de trigo, trabalho que acompanhei com o maior interesse.
Considero-o sério, mas mostra apenas o desejo de alguns lavradores alentejanos em procurar justificação para as suas dificuldades na cultura deste cereal. São mais umas contas de cultura a juntar a muitas já feitas.
Segundo os números apurados na Federação Nacional dos Produtores de Trigo, colheram-se neste concelho no ano de 1946 16.620:707 quilogramas de trigo, apuramento ainda incompleto à data do trabalho.
Tive depois o número certo, 18.131:131 quilogramas.
Como da colheita de 1945 haviam sido destinados à sementeira 1.269:869 quilogramas, deu para esta seara de 1946 13,1 sementes, o que foi arredondado para 14 sementes, pela razão já exposta.
Foi depois repartida a área cultivada pelas diferentes qualidades de terra do concelho e as sementes calculadas por conhecimento directo.
Assim, foram atribuídos aos barros 20 por cento da área total e calculada em dezoito sementes a produção; às terras galegas 50 por cento da área [...] e calculada em dezasseis sementes a produção; e às terras da serra 30 por cento, com a produção de oito sementes.
Uma vez fixados os preços simples para os vários trabalhos agrícolas no decorrer do ano e que foram:

Geira, com jorna, desgaste do material, seguro e licenças......... 70$00
Geira no carrego.................................................. 80$00
Jorna de trabalho, espalhar adubo ................................ 21$00
Jorna de trabalho, semear ........................................ 20$00
Jorna de trabalho, carregar ...................................... 20$00
Jorna de trabalho, ceifar nos barros ............................. 22$00
Jorna de trabalho, ceifar ........................................ 25$00
Jorna de trabalho, mulher na monda ............................... 8$00

encontraram umas contas de cultora de trigo, precedido de grão para a produção das dezoito sementes nos barros (atribuindo à renda da terra um terço de produção, valor tradicional na região, para os barros), de que eu não maço VV. Ex.ªs com a sua leitura e que mando para o Diário das Sessões.

1.º Quota-parte do valor das grandes mobilizações feitas à terra para a cultura anterior, mas aproveitada nesta (1/3 de 700$ por hectare) .............. 233$00
2.º Gradagem, 1/3 de geira de 70$00 e embelgação (1/3 de geira) ......... 46$66
3.º 300 quilogramas de adubo "M. Fernandes" de 380$ e espalhamento (1/3 de jorna) ................................................................. 387$20
4.º 65 quilogramas de trigo seleccionado, com 82 de peso específico, a 2$68(65), desinfecção, distribuição (1/6 de jorna), lavoura de sementeira de 4
geiras ................................................................. 483$12
5.º Gradagem (1/2 geira) - 1.ª monda (32 mulheres), 2.ª monda (16
mulheres) .............................................................. 407$33
6.º Ceifar, atar, enreleirar (12 homens, transporte à eira), 1 geira e 1
homem .................................................................. 364$00
7.º Administração e juros (5 por cento das despesas citadas) ........... 96$07
Seguro contra acidentes no trabalho (4 por cento da mão-de-obra) ....... 27$14
Renda da terra, 1/3 da produção (valor tradicional na região para os barros), ou seja 1/3 X 65 kg X 18 sementes X 1$45(45) ............................... 563$72
Soma das despesas directas e indirectas ................................2.608$24

Receita:

Quota-parte das despesas feitas com a preparação da terra e que aproveita à cultura seguinte, 1/3 de 233$ ........................................... 77$61
Valor dos fertilizantes aplicados ao trigo, que não foram totalmente aproveitados, 1/4 da adubação ........................................... 95$00
Restolho - 2$ por alqueire ............................................. 12$00
65 quilogramas de trigo com dezoito sementes deram 1:170 quilogramas com 80 de peso específico, a 2$55(95) ............................................2.994$61
3.179$22
A deduzir:

6 por cento para maquia de debulha e por 1 cento para seguro da seara .. 209$62
2.969$60
Resultado:

Receita ................................................................2.969$60
Despesa ................................................................2.608$24
Lucro por hectare ...................................................... 361$36

A conta de cultura feita para uma produção de dezasseis sementes em terras galegas, atribuindo à renda da terra um quarto da produção, valor tradicional na região para as terras galegas, tendo em conta esta qualidade de terra e empregando 300 quilogramas de superfosfato de 18 por cento, deu o seguinte resultado:

Receita ................................................................2.644$47
Despesa ................................................................1.852$56
Lucro por hectare ...................................................... 791$91

A conta de cultura para uma produção de oito sementes em terra de serra, atribuindo à renda da terra um quinto da produção, valor tradicional para as terras de

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serra, empregando na adubação 250 quilogramas de superfosfato de 12 por cento, deu o seguinte resultado:

Receita .......................................................... 1.349$81
Despesa .......................................................... 1.283$63
Lucro por hectare ................................................ 66$18

Daqui concluíram que no ano de 1946 a cultura de trigo neste concelho foi francamente remuneradora e para ela contribuíram os barros com dezoito sementes.
Para contas mais seguras, foram tiradas as médias dos sete anos que antecederam, e para eleitos de simplificação admitiu-se que o subsídio de cultura acompanhou de facto o agravamento do custo de produção, apesar disso não ser bem exacto, pois há muitos factores que entraram na exploração da terra que foram muito mais além do subsidio.
Mas, admitindo esse equilíbrio, foi feito o estudo dos sete anos em função do custo da produção do ano de 1946 e do preço de trigo do mesmo ano.
Assim, temos, pelos manifestos da Federação Nacional dos Produtores de Trigo, que este concelho semeou e colheu nestes anos o seguinte:

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Não foi contada a colheita por ser catastrófica.
(b) Incompleta.

Não foi considerada a colheita de 1945, que foi catastrófica, mas foi considerada na produção, hipotèticamente, como média.
Naquele período de sete anos a média de produção foi de 88.577:667 quilogramas, que, dividida por 11.051:717, dá oito sementes, que foram distribuídas como segue:
Catorze sementes para os barros, oito sementes para as terras galegas e quatro sementes para as terras de serra.
As contas feitas, que aqui tenho, mas que me dispenso de ler, deram:

Nas terras de barro com catorze sementes:

Despesa .............................................................. 2.485$72
Receita .............................................................. 2.350$82
Prejuízo para os barros, por hectare ................................. 134$90

Nas terras galegas com oito sementes:

Despesa ............................................................... 1.656$97
Receita ............................................................... 1.392624

Prejuízo para as terras de serra, por hectare ......................... 264$24

Nas terras de serra com quatro sementes:

Despesa ............................................................... 1.205$39
Receita ............................................................... 723$67

Prejuízo para as terras de serra, por hectare ......................... 481$72

O lucro de 1946, já apresentado, foi de 483$75 por hectare, semeado na média das três qualidades de terra.
Nos sete anos decorridos de 1939 a 1945, considerando este como médio e, portanto, de oito sementes, temos o prejuízo médio, por ano e por hectare, para as três qualidades de terra, de 303$86.
Em sete anos foi de 2.127$02.

Prejuízo dos sete anos ................................................ 2.127$02
Lucro de 1946 ......................................................... 483$75

Prejuízo total, por hectare, nos oito anos ............................ 1.643$27

Quer dizer, no período dos oito anos considerado, sem contar com o ano de 1945, o prejuízo total com a cultura do trigo foi, por hectare semeado, de 1.643$27, ou seja o prejuízo anual de 204$08 por hectare.
Calculado em quilogramas do trigo, para as 8,5 sementes deu 553 quilogramas de produção por hectare e os 204$08, divididos por 553 quilogramas, deram $36(9) como prejuízo por quilograma de trigo produzido.
Não me impressionaram estes números, que verifiquei com atenção.
Podiam as contas ser feitas por outra forma, alterando algumas verbas, mas os números finais não se afastavam destes.
Mas se estas contas não estão erradas, pode então perguntar-se: como se aguenta a lavoura trigueira deste concelho?
Como teima em semear nestas condições?
A resposta é só uma. Vive do amparo, da assistência permanente do Governo.
Sem esse amparo substancial e efectivo, há muito tempo tinha soçobrado.
Para fazermos uma ideia do que representa esse auxílio, traduzo em números, como forma mais clara, a sua situação:
A produção de trigo, para me referir só aos últimos quatro anos, de 1944-1947, foi:

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Incompleta.

Qual foi o auxílio do Governo a este concelho?
Como esclarecimento informo:
O auxílio do Governo à lavoura foi dado em empréstimos através da Caixa Nacional de Crédito ao grémio da lavoura local e à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, quando esta precisou, para as várias campanhas do trigo, a fim de ocorrerem às despesas de sementeira, adubos, monda, ceifa e debulha.
Além destes, concedeu outros empréstimos hipotecários para diversos fins, que igualmente se destinam à exploração agrícola. Dados estes esclarecimentos, temos

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de empréstimos do Governo nos últimos quatro anos os seguintes:
Pelo grémio da lavoura local para as campanhas de trigo foram dados:

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Estes empréstimos foram prorrogados, e assim o que se encontra por pagar é capital prorrogado.
(b) Esta importância deve decrescer, por os mutuários estarem ainda a efectuar pagamentos.
(c) Esta verba é susceptível de aumento, por estarem ainda a fazer empréstimos para a presente campanha do trigo.

Pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo local foram entregues para o mesmo fim das campanhas de trigo, mas a partir de 1936 - e fui buscar desde este ano para conseguir reunir os números exactos desde essa data -, que nos indicam o aumento crescente em cada ano:

Em 1936-1937 ......... 365.969$00
Em 1937-1938 ......... 1:031.784$00
Em 1938-1939 ......... 1:730.180$00
Em 1939-1940 ......... 2:344.770$00
Em 1940-1941 ......... 3:389.595$00
Em 1941-1942 ......... 3:428.980$00
Em 1942-1943 ......... 2:914.100$00
Em 1943-1944 ......... 3:654.330$00
Em 1944-1945 ......... 4:443.840$00
Em 1945-1946 ......... 4:925.790$00
Em 1946-1947 ......... 5:121.150$00

Saldos devedores dos sócios em 31 de Dezembro de cada ano na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo:

Em 1935 ............ 3:211.398$00
Em 1936 ............ 3:017.397$00
Em 1937 ............ 3:699.615$00
Em 1938 ............ 3:868.665$00
Em 1939 ............ 4:096.868$00
Em 1940 ............ 6:466.603$00
Em 1941 ............ 6:010.559$00
Em 1942 ............ 4:911.263$00
Em 1943 ............ 6:288.588$00
Em 1944 ............ 7:528.008$00
Em 1945 ............ 9:295.786$00
Em 1946 ............ 9:720.468$00
Em 1947 (até Outubro)9:987.297$00

Esta última verba do ano de 1947 é, pelas razões já expostas, susceptível de aumento, que se prevê a eleve a 11:000 contos.
Se somarmos os empréstimos concedidos pelo Governo à lavoura deste concelho num ano, que pode ser 1946, encontramos:

Para campanha do trigo:

Pela Caixa de Crédio Agrícola Mútuo ...................... 5:121.150$00
Pela Caixa Nacional de Crédito através do grémio local ... 5:267.130$00
Soma .....................................................10:388.280$00

Ainda temos a acrescentar o auxílio dado pelo Governo através dos bónus de adubo:

Por conto
170$ por tonelada de superfosfato ..... 18
1200 por tonelada de superfosfato ..... 12

e que foi em 1946 neste concelho de 346.984$.
E ainda a juntar o auxílio para obras fundiárias através da Junta de Colonização Interna e que já hoje, neste concelho, começa a fazer sentir a sua actuação.
Sr. Presidente: está aqui a resposta à pergunta feita.
Este concelho, o segundo do País em produção de trigo, vive, como acabamos de ver, do crédito que o Estado lhe dá.
Para terminar as considerações a fazer acerca deste concelho, ainda a título de curiosidade, mostro num quadro a disparidade da situação de duas actividades agrícolas do País.
A deste concelho, de Serpa, produtor de trigo, e a doutro concelho, Bombarral, caracterizadamente vinícola e que traduz a situação financeira de cada uma nos anos de 1935 e 1946.

[Ver Tabela na Imagem]

Por este quadro vemos que os débitos no Bombarral desapareceram em 1946 e os saldos passaram de 1:461 contos em 1935 para 8:275 contos em 1946, aproximadamente 7:000 contos, ao passo que os débitos em Serpa, que eram de 131 contos em 1935, subiram para 4:399 contos em 1946 e os saldos passaram de 2:934 em 1935 a 4:757 contos em 1946, aproximadamente 1:800 contos.

O Sr. Homem de Melo: - V. Ex.ª dá-me licença? O fenómeno deve ser exacto, simplesmente está um pouco exagerado no seguinte: V. Ex.ª escolheu o ano de 1935, em que houve uma grande colheita de trigo e em que a vinicultura se encontrava em plena crise.

O Orador: - Estou perfeitamente de acordo. Agradeço o esclarecimento, e VV. Ex.ªs, esclarecendo-me, dão-me muito prazer; estou pronto a ser esclarecido.

O Sr. Figueiroa Rego: - V. Ex.ª dá-me licença? Os números que V. Ex.ª apresenta a respeito de Serpa quanto à sua posição deficitária sob o ponto de vista financeiro e económico, a propósito da cultura do trigo, têm a seu favor larga margem, porquanto, quer territorialmente, quer economicamente, não há comparação entre o concelho do Bombarral, vinícola, e o concelho de Serpa, produtor de trigo.

O Orador: - Ainda bem que a vinicultura em Portugal está próspera. Todo o português deve regozijar-se com isso; trouxe esta comparação para se ver a diferença entre uma actividade agrícola próspera e outra em crise.

O Sr. Carlos Borges: - Sòmente, temos de fazer propaganda para beberem o vinho e não se faz propaganda para comerem o trigo.

O Orador: - Sr. Presidente: se passarmos deste caso limitado dum concelho ao caso geral do Alentejo a si-

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tuação não difere. Encontramos sempre o amparo do Governo.
Analisemos agora a situação dos três distritos produtores de trigo - Beja, Évora e Portalegre -, e referidos aos três últimos anos - 1944,1945 e 1946 -, e a seguir a dos restantes distritos do País.
Os empréstimos concedidos às caixas de crédito agrícola mútuo foram:

[Ver Quadro na Imagem]

Por este quadro vemos que os empréstimos nos três distritos aumentaram de 65:871 contos em 1944 para 71:192 contos em 1946.
Vemos mais que os empréstimos para as campanhas de trigo no distrito de Beja foram maiores que nos dois outros distritos juntos e três vezes maiores do que nos restantes distritos do País.
Ao contrário, os empréstimos para outras aplicações onde entram obras fundiárias foram no distrito de Beja interiores aos outros distritos.

O Sr. Melo Machado: - Gostava que V. Ex.ª me esclarecesse por que razão se dá essa diferença em desfavor do distrito de Beja, quando é Beja que possui as melhores terras de trigo do País?

O Orador: - Julgo que é pelo seguinte: nos distritos de Évora e Portalegre a cultura do trigo não predomina e no distrito de Beja a principal cultura é a do trigo.
Está entre nós um ilustre colega que fez parte do Governo e que pode confirmar esta minha afirmação.

O Sr. Rui de Andrade: - V. Ex.ª dá-me licença?
Uma grande parte dos distritos de Beja e de Portalegre deixou de cultivar o trigo, que se passou a desenvolver noutras regiões.

O Orador - Continuando nas minhas considerações, devo dizer que na totalidade os empréstimos aumentaram de 143:800 contos em 1944 para 162:422 em 1946; isto é, aumentaram em 18:000 contos em três anos.
Pa55ando ao bónus de adubo concedido pelo Governo à lavoura, encontramos:
Segundo as contas da Federação Nacional dos Produtores de Trigo:

Até 31 de Dezembro de 1944 ... 214:168.728$00
Em 1945 ...................... 48:680.365$00

Pelas contas do Conselho Técnico Corporativo:

Em 1946 ........................ 60:489.870$00
Em 1947 (aproximadamente)....... 100:000.000$00
Soma............................ 423:338.963$00

Temos ainda a juntar um bónus para sementeiras de trigo, que foi concedido em 1945 e importou em 41:541.677$.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª não pode dizer de onde vem esse dinheiro para o bónus?

O Orador: - Era dinheiro que a lavoura teria de pagar.

O Sr. Melo Machado: - Eu pergunto é de onde veio o fundo de compensação que permitiu pagar essas diferenças.

O Sr. Alberto Cruz: - Do erário público.

O Sr. Figueiroa Rego: - É da lavoura e dos diferenciais do trigo importado.

O Orador: - Vou continuar. Temos mais os empréstimos para melhoramentos fundiários, por essa magnífica obra de assistêneia, que em boa hora foi criada -a Junta do Colonização Interna -, e que totalizaram em 1947 32:000 contos, uma parte dos quais foi para a lavoura trigueira.
Resumindo: anda pela casa dos 150:000 contos o auxilio dado pelo Governo à lavoura dos três distritos no ano de 1946. E na casa dos 250:000 contos se contarmos com os restantes distritos.
Tenho a certeza de que a verba dos empréstimos para o ano de 1947 há-de ser muito superior.
Sr. Presidente: seria possível neste pais outro Governo dar auxilio tão grande à lavoura? A minha resposta é negativa.
Estou certo de que a lavoura está reconhecida ao Governo do Estado Novo.
Mas as más colheitas em vários anos seguidos e a subida de tudo o que é necessário à sua exploração têm agravado de ano para ano a situação financeira.
A evolução dos preços dos salários, adubos e alfaias de 1939 a 1946 em relação às médias de 1931-1938 dá o seguinte:
A alfaia agrícola aumentou de preço em percentagem muito superior ao aumento do valor do trigo.
Os adubos, com excepção do ano de 1943, em que iguala, aumentaram em relação ao valor de liquidação do trigo.
A mão-de-obra teve oscilações, manteve-se com valor inferior de 1931 a 1938, em 1939 aumenta em percentagem superior, baixa em 1940, para aumentar sempre nos anos seguintes de 1941 a 1946.

O Sr. Melo Machado: - Todavia, a proporção de agora para 1934-1935 não a estabelece V. Ex.ª

Página 216

216 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 129

O Orador: - Não a tenho aqui presente.

O Sr. Homem de Melo: - De 1929 para cá aumentaram esses preços 200 e tal por cento.
Sr. Presidente: vejamos agora o mapa dos saldos devedores por crédito agrícola nos três distritos: Beja, Évora e Portalegre:

[Ver Tabela na Imagem]

Este quadro mostra-nos que a situação da lavoura dos três distritos se encontra fortemente agravada e posso acrescentar que a quase totalidade dos capitais mutuados não se destinou a melhoramentos fundiários.
Esta lavoura teve no período de 1923-1931 a produção média de 700gk,4 por hectare, com um saldo devedor de 85:500 contos, e no período de 1939 a 1946 (período da guerra) teve a produção média de 725kg,4 por hectare, com um saldo devedor de 170:800 contos.
E posso aqui notar que houve moratórias pelo prazo de três anos de uma parte dos capitais mutuados para as campanhas de trigo de 1940 e 1945.
Os três distritos, que em 1935 viram o seu saldo devedor reduzido a 41:800 contos, encontram-se em 1946 com um saldo devedor de 170:800 contos; isto sem considerarmos os débitos a bancos e outros organismos de crédito.
Não poderemos dizer que é uma situação desafogada.
Passamos agora a observar o quadro que nos mostra, através de vários anos e pelo valor do trigo vendido, a posição da lavoura trigueira:

[Ver Quadro na Imagem]

Por este quadro verifica-se que 126:767 contos, valor do subsídio médio de 1940-1947, são apenas 30 por cento do valor do trigo em 1934-1939 e que 266:689 contos, valor médio do trigo em 1940-1947, sem subsídio, são apenas 62 por cento do seu valor em 1934-1939.
A lavoura do trigo recebeu no período de 1934-1939, com o preço médio de 1$40(6) por quilograma, a média de 429:196 contos e recebeu no período de 1940-1947, com o preço médio de 2$25 por quilograma, a média de 393:456 contos; quer dizer, menos aproximadamente 30:000 contos.
Há quem pretenda justificar esta diferença com a possível desvalorização da moeda, mas então fica provado que o subsídio não acompanhou essa desvalorização.
Vejamos ainda o quadro que nos dão as áreas cultivadas e as produções:

[Ver Quadro na Imagem]

Por este quadro vemos que a área de cultura se alargou de 502:132 hectares em 1940 para 626:625 hectares em 1946, isto é, um aumento de 124:493 hectares.
A que poderemos atribuir este fenómeno?
Acabámos de ver que tem havido prejuízo.
Como explicá-lo?
Aqui quero observar que, segundo julgo, a área cultivada não se alargou igualmente por todo o País, mas muito especialmente no Norte, onde as restrições de consumo levaram muitos lavradores a mudar de cultura, cultivando trigo para consumo próprio. Julgo, porém, que hoje essa diferença deve ser menor. No Sul a área cultivada deve ter aumentado pouco.
Mas os números oficiais, indicam um aumento mesmo no Sul. A que podemos atribuir este aumento?
Julgo poder atribuí-lo, entre outras, às três seguintes razões:
1.ª O desejo que o lavrador tem de se compensar dos maus anos agrícolas anteriores;
2.ª O financiamento das campanhas;
3.ª Os arrendamentos a curto prazo.

O Sr. Rui de Andrade: - E a renovação do crédito...

O Orador: - O lavrador passa a vida do campo na esperança de futuro ano bom; tem facilidades de crédito, arrisca-se sempre que pode, mais e sempre mais.
Paga no fim do ano a dívida anterior, quando pode, e contrai novo empréstimo para o ano seguinte.
Isto é uma verdade que pode ser confirmada por qualquer caixa de crédito agrícola do Alentejo.
Os arrendamentos feitos a curto prazo, muitas vezes mesmo sem contrato, por períodos de três ou quatro anos, levam o rendeiro, neste curto prazo de tempo, a cultivar pelas pontas as propriedades arrendadas.
Tiram delas ràpidamente tudo o que podem, quando as rotações deveriam dar descanso a essas terras.
Consegue-se isto com prejuízo das produções.
Semeou-se mais, é certo, mas em piores condições.
Colheu-se talvez mais trigo, mas não na proporção da área cultivada.
Impõe-se uma revisão ao actual regime de arrendamento, fixando como período mínimo oito a dez anos.
Só assim poderá o rendeiro tratar das terras, dando-lhe as rotações devidas e até fazendo obras fundiárias

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que hoje não faz e que reverteriam para o dono da terra, mediante pagamento no fim do arrendamento.
O actual regime de arrendamento, na maioria dos casos, esgota as terras, reduz cada vez mais a produção.
Por agora, feito isto, dávamos mais um passo para a solução de conjunto, que tem de ir mais longe no futuro, quando o cadastro estiver completo.

O Sr. Carlos Borges: - Mas o senhorio pode defender-se do arrendatário!

O Sr. Homem de Melo: - O arrendatário é que não pode defender-se do senhorio.

O Orador: - Aproveito agora, que estou a falar de rendeiros, para procurar dar explicação à grande procura e aos preços elevados que os rendeiros dão presentemente.
Aqui devo notar que os rendeiros já não são tantos como se anunciam, mas atribuo essa grande procura e os elevados preços ao seguinte:
1.º Às facilidades de crédito;
2.º A os preços elevados serem muitas vezes dados por proprietários confinantes com as terras a arrendar, a quem essas convêm para melhor exploração das suas;
3.º A o rendeiro pagar mais, por não ter certos encargos, que hoje são só do dono da terra, como reparações da parte urbana dos montes, malhadas, abertura e limpeza de valas para escoamento de águas;
4.º A rendeiros que precisam das propriedades para pastagem de gados, que lhe dão mais interesse.
Não deve ser a exploração do trigo que os seduz, mas sim de outros cereais que fornecem alimento aos gados e pastagem.
Sr. Presidente: tenho lido opiniões que afirmam que Portugal tem todas as condições necessárias e suficientes para produzir o trigo para o seu consumo".
Gostaria de ter a mesma opinião, mas infelizmente não posso ter.
Afirmo convencido: Portugal poderá produzir trigo para o seu consumo com o regadio, mas não em condições económicas.
Deus permita que as condições climatéricas se modifiquem para melhor, para eu gostosamente mudar de opinião.
Temos tido até agora condições climatéricas desfavoráveis à cultura do trigo.
As Chuvas em Portugal são mal distribuídas durante o ano, excepção dos anos de 1932,1934 e 1935, de boa distribuição.
Frequentes ventos de levante e sueste durante a germinação prejudicam grandemente as produções.
Temos aproximadamente 600:000 hectares entregues à cultura do trigo; pois as produções, com excepção das colheitas de 1932,1934 e 1935, em que se ultrapassaram os 1:000 quilogramas por hectare, tiveram médias inferiores e algumas bastante baixas.

[Ver Tabela na Imagem]

Nestes números que apresento, para conseguirmos a média de 904 quilogramas em 1931-1938 foram precisas as excepcionais colheitas dos três anos já referidos.

O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença? V. Ex.ª considera essas médias de cultura baixas. E então diga-me V. Ex.ª qual é a região do Mundo em que há médias nitidamente superiores a essas? As únicas regiões do Mundo de médias nitidamente superiores às do nosso Alentejo são as do Norte da Europa, as da Groenlândia, as da Dinamarca; mas aí encontram-se condições completamente diferentes das do nosso Alentejo. Nunca podemos ambicionar aqui mais de uma média de 8 ou 9 quintais. Por aí não vamos lá, não vamos conseguir uma cultura como V. Ex.ª vinha dizendo.

O Orador: - Não ambicionamos; não podemos com o clima actual ter médias superiores. A terra portuguesa é pobre e é péssimo o seu regime pluvial. Quanto ao amanho delas, afirmo, não eram dantes melhor preparadas do que hoje nem tão bem.
Nestes últimos dez anos temos melhorado muito, graças ao auxílio dos serviços técnicos do Estado.
Aqui quero prestar as homenagens da lavoura aos competentes engenheiros agrónomos que por este País fora ensinam.
Hoje já o desconfiado lavrador os ouve, já segue os seus conselhos.
Os alqueires de verão nos barros já se fazem com regularidade, já entraram nos hábitos do lavrador.
Onde o proprietário da terra os não pode fazer, por falta de máquinas de lavoura, tem a sua disposição máquinas alugadas aos serviços do Estado ou a particulares, que lhe preparam os alqueives de verão.
Quem hoje atravessar os barros do distrito de Beja encontrará ali as terras assim preparadas.
Só são lançadas à terra, sementes seleccionadas e desinfectadas.
O lavrador português não é atrasado; vai no cultivo da terra até onde as suas possibilidades lhe permitem ... vai mais longe, como acabamos de ver nos números apresentados. Pede o dinheiro quando não o tem.
Disse um dia o Sr. Presidente do Conselho, referindo-se à agricultura portuguesa:

Nós somos sem dúvida favorecidos, no que respeita a géneros agrícolas, por este facto real, ainda que literalmente antieconómico, de que boa parte da nossa agricultura não é industrial, ou, para ser mais claro, não trabalha para o lucro, produz para viver pobremente e alegremente gastar o excesso de outras rendas. Mais que a paixão, o vício português da terra faz prodígios.

E uma grande verdade!
Sou tentado a citar um facto passado há pouco tempo que confirma em absoluto esta grande verdade - a paixão pela terra.
Tinha um pequeno produtor de trigo da minha terra recorrido aos empréstimos concedidos pelo Governo.
Esgotado todo o seu crédito, encontrava-se ele em Maio com a seara de trigo em pé, mas sem dinheiro para a ceifar.
Dirigiu-se mais uma vez à caixa de crédito agrícola local a pedir o dinheiro necessário para continuar a luta; a resposta foi, como não podia deixar de ser:
"Como quer você mais dinheiro se o seu crédito está completamente esgotado?".
Ao que o homem respondeu:
"Eu sei; mas o trigo está em pé, deu-me muito trabalho, muitas canseiras; empreste-me o dinheiro para a ceifa da minha searinha e depois levem-me tudo, tudo, para pagar, até a camisa, ou prendam-me, mas deixem-me ceifar aquela seara".
Isto é mesmo assim; é desta forma que a grande parte do pequeno produtor de trigo do Alentejo se agarra à terra.

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Luta enquamto pode, tudo sacrifica, morre deitando o grão à terra.
Sr. Presidente: ninguém hoje, no País, que conheça o homem da terra pode ter outra opinião.
Devemos continuar a lutar com a natureza adversa; continuaremos a cultivar trigo em Portugal. Quanto menos trigo importarmos, menos ouro exportamos, mais trabalho daremos à grande massa da população, que vive e durante muito tempo viverá da agricultura, e menos dependentes estaremos de outros países.
O Governo do Estado Novo isso espera da lavoura e a lavoura há-de corresponder.
E o momento de recordar à nossa lavoura trigueira que na última campanha do trigo, quando a política do Governo se desenhava no sentido da baixa dos preços, a lavoura do trigo, apesar de ter recebido um preço certamente ainda baixo, viu, porém, aumentada a tabela.
Isto teve um significado especial, que a lavoura tem de reconhecer.
Deu-se à lavoura mais dinheiro pelo trigo.
Reconheceu o Governo que a lavoura do trigo merecia e aumentou a tabela.
Foi esse aumento compensador? Cobriu os prejuízos? Diz a lavoura que não.
Qual será então o preço compensador? Eu não sei, e julgo que poucos serão os que hoje possam saber.
A lavoura do trigo apenas sabe, e já não é pouco, que muitos anos seguidos de más produções a têm arruinado. Recorre ao crédito, acumulando dívidas.
Sabe que a cultura do trigo absorve hoje todas as receitas e ainda tem de recorrer ao Estado.
Na maioria dos casos não pode mudar de cultura, porque não encontra um substituto.
Sr. Presidente: a cultura do trigo em Portugal viveu, vive e viverá por muito tempo em regime proteccionista. Não foi por mero acaso que Elvino de Brito lhe fixou essa protecção.
Desde que isto é uma realidade, como realidade é a grave crise que ela atravessa, julgo que este problema exige um estudo que habilite o Governo a fixar-lhe os preços de equilíbrio.
Não é através de duas, três ou mais contas de cultura, quatro ou cinco consultas, alinhando uns números, que encontraremos esse preço.
Sabemos que para a cultura do arroz a Comissão Reguladora do Comércio de Arroz mantém desde há anos um serviço, graças ao qual pode, ano após ano, fixar os preços de custo do arroz no País.
Sabemos que o problema do arroz é mais fácil. Não é contingente como o trigo.
Mas, porque o estudo sobre o trigo é difícil, devemos desistir?
Devemos abandonar a solução adequada a este ramo da agricultura, do qual dependem muitas centenas de milhares de portugueses?
Não o quer o Governo, que lhe tem dado tão grande assistência.
O problema dos preços do trigo, segundo julgo, deve ter o duplo objectivo de remunerar os produtores, de forma a não os desanimar na sua missão, e de defender os consumidores contra a alta dos preços e dificuldades do abastecimento.
Deveria ser feito um estudo que atingisse todas as principais regiões produtoras, reunindo dados seguros sobre as condições económicas da produção trigueira, acerca do mais conveniente preço a pagar, de forma a nem enriquecer a lavoura em detrimento do público nem levar à lavoura o desânimo que a obrigue a procurar noutras culturas mais lucrativas o interesse justo.
Está aí a solução do problema.
Feito este trabalho de investigação por quem tenha conhecimento exacto da economia agrícola e encontrados os preços de custo, fica o Governo habilitado a fixar com equidade os preços de venda do trigo.
Reduzidas as importações de trigo exótico, aplicando a solução aqui brilhantemente apresentada pelo nosso colega Nunes Mexia, estou certo de que entraremos num período de melhores dias para a lavoura trigueira

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que a população aumentou nos últimos dez anos em mais de 1 milhão de pessoas.
Este aumento de população tem com certeza contribuído para o aumento do consumo.
Mas também é certo que se tem alargado a todo o País o consumo deste cereal.
Onde antigamente se comia pão de milho ou de centeio hoje come-se pão de trigo.
Se olhássemos para a cevada, o centeio, o milho continental e até o arroz, com o fim de os incorporar na farinha de trigo?
Este estudo foi aqui posto ontem, de forma brilhante, pelo nosso colega Nunes Mexia.
Estou de acordo em absoluto com a solução apresentada. Julgo ser essa a solução que convém ao País. Devemos ir para o pão mistura, salvaguardando os meios rurais.
Valorizamos os cereais panificáveis e ao mesmo tempo colocamos o trigo numa posição diferente da que hoje tem.
Vejamos o quadro com as sementeiras e produção de cereais panificáveis nos períodos 1926-1929 e 1942-1945:

[Ver Quadro na Imagem]

Não ponho neste quadro o arroz, por este cereal estai numa situação especial.
Por ele vemos que os quatro cereais deram em 1926-1939 775:144 toneladas e no período de 1942-1945 902:319 toneladas, isto é, um aumento de 127:000 toneladas, produção bastante baixa para a área cultivada, tendo o trigo de suprir essa diminuição.
Desde que temos de contar, além de outros, com dois factores na fixação do preço do trigo e, portanto, da farinha, e que são: a necessidade de manter pão a preço acessível e evitar a grande convulsão que pode provocar uma descida brusca no preço do trigo, na hipótese, infelizmente muito pouco provável, de se normalizar m situação internacional, devemos ir francamente para a solução de pão mistura, como aqui já foi apresentado, e que nos permite ao mesmo tempo subir o preço do trigo.
Deixemos a farinha de trigo estreme para os países que têm este cereal em grande abundância ou para aqueles que têm de importar na totalidade o cereal panificável.
Limitemos ao mínimo as importações de trigo, que tanto ouro nos têm custado.

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29 DE JANEIRO DE 1948 219

Transcrevo do relatório do decreto-lei n.º 27:902, de 14 de Agosto de 1937, sobre o regime cerealífero, uma passagem, que parece escrita para o momento presente:

Convém agora saber como há-de suprir-se o déficit que se prevê. A importação de trigo exótico foi causa de atraso e depauperamento do organismo nacional. Durante longas dezenas de anos, para não dizer séculos, levou-nos o que era indispensável para a compra de matérias-primas e utensilagem.
Só o que se despendeu de 1914 a 1932 foi avaliado em cerca de 25 milhões de libras.
Há-de voltar-se à importação?
A regra que os factores tornam evidente é esta: a população portuguesa deve alimentar-se dos cereais extraídos da própria terra, do continente ou do ultramar.

Que grande verdade!
Pensava assim o Governo em 1937, deve pensar hoje com mais razão, em face da situação presente no Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não quero referir-me ao preço do trigo exótico posto aqui presentemente, porque não devemos ligar os dois preços; hoje muito mais caro o exótico, ontem muito mais barato.
Importou-se trigo porque nos faltou para alimentar a população, pagou-se pelo preço que foi possível pagar.
Devemos sim fazer o possível por nos alimentarmos com o que temos da nossa produção.
Da incorporação de farinha de milho, de cevada, de centeio e até de arroz podia resultar:
1.º Substituir as importações de trigo, quando as houvesse, por milho, de preço muito mais baixo;
2.º Pagar o trigo nacional mais caro, sem aumentar correspondentemente o preço do pão;
3.º Dar saída ao milho colonial;
4.º Dar saída aos excedentes de milho continental nos anos em que as disponibilidades são grandes;
5).º Estimular a cultura do centeio e da cevada nas regiões onde estes cereais se desenvolvem.
Transcrevo aqui do relatório do decreto-lei n.º 28:906, de 11 de Agosto de 1938, sobre o regime cerealífero desse ano, algumas afirmações cheias de verdade, que igualmente se adaptam ao momento presente:

É quase supérfluo dizer ao País que a colheita do ano corrente, devido às condições climatéricas, é também deficitária, porque o sentem quantos labutam na vida do campo.
Por isso se mantém o regime de fabrico do pão com mistura de milho ou centeio.
Não é só pela economia que daí resulta ..., mas por se prever que tenha de continuar em anos futuros.

E mais adiante diz:

Além do exposto, é preciso não esquecer que a Nação é constituída por uma comunidade de interesses interdependentes e solidários e que em caso de conflito ou oposição tem de escolher-se pelo que for dominante, segundo a fórmula do máximo bem comum.
É costume destacar no conjunto dos interesses a situação particular dos que se designam por "consumidores", como se não estivessem integrados nos agrupamentos profissionais e a sua segurança e prosperidade não estivessem ligadas às dos outros.
Sr. Presidente: escreveu estas palavras quem tinha um conhecimento exacto do problema.
Desejo ainda focar, se bem que muito superficialmente, outro aspecto deste problema, mas que julgo dever ser encarado no conjunto da exploração. Refiro-me aos gados.
Tivemos sempre no gado um elemento compensador para diminuir os prejuízos dos maus anos de trigo.
Era ali que o lavrador ia compensar os déficits de exploração no período anterior à guerra.
Os gados cobriam o déficit do trigo, e assim se mantinha o equilíbrio na exploração.
Durante a guerra o déficit do trigo foi maior, mas os gados subiram, mantendo-se esse equilíbrio.
A área de cultura aumentou e com ela aumentaram os gados, pois, ao contrário da opinião, que tenho lido, de que o aumento da cultura dos cereais é a ruína dos gados, a prática ensinou-nos que o aumento da cultura traz maior sementeira de favas, aveias, cevadas, maior área de pastos, de restolhos, etc., e portanto mais comida para o gado. Que isto é assim mostra-nos o quadro seguinte, tirado da estatística oficial.
Vejamos o gado existente no País - bois, ovelhas, cabras e porcos:

[Ver Quadro na Imagem]

Por aqui vemos que:

Os bois aumentaram em 54:171 cabeças.
As ovelhas aumentaram em 666:190 cabeças.
Os porcos aumentaram em 38:240 cabeças.
As cabras diminuiram em 60:649 cabeças.

A diminuição das cabras pode explicar-se por as terras de matos, próprias para elas, irem desaparecendo.
Tenho pena de não ter encontrado elementos que dêem a existência para o período seguinte de 1941-1947.
Posso, porém, afirmar que os aumentos neste período de 1941-1947 devem ser muito maiores, especialmente nas ovelhas e porcos. Foi no período da guerra que o aumento mais se fez sentir.

O Sr. Figueiroa Rego: - V. Ex.ª dá-me licença?
É manifesto o aumento dos efectivos dos ovinos e porcinos, mas, reduzido a cabeças normais, não compensa o declínio verificado nos bovinos.

O Orador: - Devemos olhar com muito interesse para esta fonte de receita, que é um grande apoio da lavoura.
Julgo que nos anos mais próximos não conseguiremos ter gado bovino no continente que nos garanta o abastecimento. Teremos, como hoje, de importar em larga escala uma grande parte desse gado. Devemos continuar a desenvolver, na região própria, a exploração deste gado bovino.
Por outro lado, temos condições excepcionais para desenvolver a exploração do gado suíno e ovino.
Porque não havemos de preparar o mercado interno para se consumir mais carne de porco e de ovelha?
Entregue-se uma grande parte do milho continental ao consumo do pão e reserve-se o milho colonial e muitos outros produtos, alimentares da mesma origem para alimento dos porcos e ovelhas.
Durante a guerra muitos lavradores mantiveram duas manadas de porcas.

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220 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 129

Como aqueles animais podem ter duas criações por ano, com uma média de seis leitões em cada criação, com o milho e farinhas coloniais criaram-se e mantiveram-se grandes rebanhos.
O país vizinho sentiu os seus efeitos.
Terminada a guerra veio a baixa, deixou de ser compensadora essa criação e muitas centenas de porcas por esse País deixaram de criar. Voltaram a uma manada.
Quanto ao gado ovino, que tem ultimamente melhorado muito, estamos em óptimas condições para o seu desenvolvimento.
A este gado se tem recorrido nas ocasiões de falta de carne.
Com as sementeiras de aveias para ensilagem e para dar em grão e com outras forragens podemos alargar muito a criação deste gado.
Outra receita que pràticamente desapareceu, e esta dos barros, foi a da colheita do grão.
Essa colheita pagava em geral os alqueives fundos feitos à máquina no verão; hoje ninguém procura esse cereal.
Tinha o distrito de Beja duas colheitas nos celeiros dos lavradores; aproximadamente 9.000:000 de litros foram no verão passado manifestados neste distrito.
A penúltima colheita exige já grandes cuidados para não se deixar perder.
Muito grata ficaria a lavoura ao Governo se conseguisse o seu escoamento.
Sr. Presidente: chego ao fim das minhas considerações sobre este problema mantendo, como sempre tenho mantido, grande confiança no Governo do Estado Novo.
Vimos a crise que a lavoura do trigo deste País atravessa. Vimos que o Governo do Estado Novo tem tentado por todas as formas ampará-la.
Aceitamos que a população não pode ser muito sacrificada com pão caro, mas não acreditamos que o problema seja insolúvel dentro do interesse nacional.
Estude-se, pois, a forma de, mantendo o equilíbrio conveniente, se poder salvar da ruína certa uma parte da nossa economia tão necessária ao País.
E, assim, termino pedindo ao Governo do meu País que, independentemente de uma medida de emergência, na futura tabela do ano cerealífero agora iniciado, que possa evitar o agravamento desta crise de lavoura do trigo, a maior dos últimos tempos, inicie e leve ao fim com a maior urgência possível o estudo deste grande problema do preço do trigo continental.
Desejo comunicar que recebi há pouco a agradável notícia de que foram pelo Governo dadas instruções à Federação Nacional dos Produtores de Trigo para iniciar desde já os trabalhos de elaboração dos custos da cultura do trigo.
Foi com grande alegria que recebi esta notícia e é com grande alegria que a, lavoura do trigo a recebe. Muito reconhecida lhe fica por esta medida tomada.
Daqui faço o apelo ao Governo para que acompanhe e facilite por todos os meios a resolução, agora tomada, de mandar averiguar o custo da cultura do trigo.
A obra é de tal vulto que todos os recursos necessários devem ser postos à disposição da Federação Nacional dos Produtores de Trigo para esse inquérito.
Estou certo de que toda a lavoura trigueira está pronta a colaborar na solução deste problema, que é o seu problema.
Só depois deste trabalho feito poderemos trilhar caminho seguro.
A lavoura continuará, como até aqui, a confiar no Governo do Estado Novo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: dada a importância do aviso prévio que acaba de ser posto, roqueiro a V. Ex.ª a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Declaro generalizado o debate, que continuará na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

João Ameal.
José Esquivel.
José Luís da Silva Dias.
José Nunes de Figueiredo.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Paulo Cancela de Abreu.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Fernão Couceiro da Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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