Página 239
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
ANO DE 1948 4 DE FEVEREIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 131 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 3 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
Nota. - Foi publicado um implemento ao Diário das Sessões n.º 130, que inseria um acórdão da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 129 e 130 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Junta Nacional das Frutas os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Henrique de Almeida.
O Sr. Deputado Froilano de Melo referiu-se à morte de Gandhi.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo falou sobre a última nota oficiosa do Sr. Ministro da Guerra. Em referência ao assunto usou da palavra também o Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Cancela de Abreu aludiu ao 40.º aniversário do assassínio do Rei D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe.
O Sr. Deputado Henrique Galvão requereu vários elementos do Ministério das Colónias.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o problema do pão e do trigo.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarães e Rui de Andrade.
Os Srs. Deputados Nunes Mexia e Cortês Lobão apresentaram uma moção.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Página 240
240 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 131
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 129 e 130 do Diário das Sessões.
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: desejo fazer a seguinte rectificação ao Diário n.º 130, de 30 de Janeiro:
A p. 233, col. 1.ª, 1. 45, onde se diz: «37», deve dizer-se: «37,80»; na 1. 46, onde se diz: «20,00», deve dizer-se: «20,20»; na 1. 56, onde se diz: «14» (refere-se a sementes), deve dizer-se: «16».
O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: no Diário das Sessões n.º 129, de 29 de Janeiro de 1948, a p. 206, col. 2.ª, as linhas 20.ª e 21.ª, com as palavras que proferi nessa sessão, devem dizer: «alguma coisa ficaram a dever-me da sua formação profissional e moral».
O Sr. Antunes Guimarães: - No Diário das Sessões n.º 129, p. 210, col. 2.ª, onde se lê: «concorrências por vezes desleais», deverá ler-se: «concorrências por vezes desiguais».
O Sr. André Navarro: - No Diário das Sessões n.º 129, de 29 de Janeiro passado, a p. 217, onde se lê: «Groenlândia», deve ler-se: «Holanda».
O Sr. Homem de Melo: - No Diário das Sessões n.º 129, a p. 216, col. 1.ª, 1. 4, deve ler-se: «O Orador: -», visto que o aparte que eu fiz nessa altura ao discurso do Sr. Deputado Cortês Lobão termina na linha anterior.
O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre os referidos números do Diário das Sessões, considero-os aprovados, com as alterações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De apoio ao projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos para que os dias santos sejam considerados feriados nacionais: dos alunos do Liceu de Bragança; das 250 alunas católicas do Colégio Moderno de S. José de Vila Real; da quase totalidade dos estudantes do ensino oficial e particular de Castelo Branco; do Grémio do Comércio de Braga; das 250 alunas católicas do Colégio de Nossa Senhora do Rosário do Porto; dos estudantes do Liceu de Lamego; das professoras da escola masculina n.º 1 de Bragança e da direcção da Liga Operária Católica de Caldas das Taipas.
Da Marinha Grande, de apoio ao descanso dominical e subscritos por Paulo Martins, José Vaiada, Nicolau Ferreira, Sebastião da Piedade Coelho, António Silva, Dálio Fernandes, Vítor Nobre, Francisco Veríssimo Leonel Coelho, Camilo Godinho, Manuel Francisco, Manuel Lourenço, Luís Francisco, Manuel Moiteiro Santos, Telmo Baio, Manuel Lourenço Santos, Ascenso & Ferreira, Limitada, Nicolau da Cruz Ferreira, Farmácia Central, Francisco Lopes Ferreira, António de Sousa Pêssego, António Domingues, João Morais Júnior, Atlético Marinhense, Mário Cardoso Alves, Leonel Barrosa Coelho, Emídio Ferreira André, Banco Magalhães Farinha, Carlos Ferreira Elói, Manuel Pinto Nobre, Lopes & Silva, Limitada, Papelaria Sousa, António Picotilho, José Monteiro Pereira, António Fernandes, Manuel Lopes, Júlio Baio, João Francisco, Adriano Nobre, Frutuoso Lourenço Ferreira, António Sonsa Silva, Manuel A. Leal, Sapataria Odéon, Coimbrãs, Limitada, e Henrique Beltrão.
Do Grémio da Lavoura de Beja apoiando as considerações dos Srs. Deputados Nunes Mexia, Mira Galvão e Cortês Lobão quanto à defesa do preço do trigo e ao problema do pão.
Do Grémio da Lavoura do Grato apoiando as considerações do Sr. Deputado Melo Machado quanto às dificuldades que atravessam os Grémios da Lavoura.
Oficio
Da Câmara Municipal de Estarreja remetendo e apoiando uma exposição de comerciantes daquela vila para que, sendo aprovado o projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos, se respeitem casos especiais, como o do mercado de Estarreja, nos termos do artigo 2.º e seus parágrafos do parecer da Câmara Corporativa sobre o referido projecto de lei.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pela Junta Nacional das Frutas a requerimento do Sr. Deputado Henrique de Almeida, os quais vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Página 241
4 DE FEVEREIRO DE 1948 241
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Froilano de Melo.
O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: Mahatma Gandhi, o grande apóstolo da não violência, acaba de tombar sob a violência das balas que privaram a índia do maior chefe espiritual dos tempos modernos.
E nas mensagens doridas dos nossos chefes, na voz sucumbida das nossas emissoras e nas colunas emocionadas da nossa imprensa eu sinto a compunção e a mágoa que, perante essa morte, agitam o coração temo do povo português.
A índia está órfã de pai! Ele era o homem imaculado que levou o culto da renúncia ao limiar da santidade. Ele era a alma de luz que teceu nos laços do amor a grande rede da fraternidade humana.
Para o espirito indiano a morte é uma página da vida! Destrói-se a matéria nas chamas da pira; o espírito, porém, vive eterno e imortal, a guiar a vida que turbilhona nas entranhas do Mundo. É por isso que as turbas, ao saberem que se dispersarão, para sempre, nas correntes do Ganges as cinzas desse morto querido, bradam num soluço, que é ao mesmo tempo um hino de glória: Viva Gandhi!
Possa o seu sangue de santo e mártir restaurar a calma nos espíritos e fazer brilhar para sempre a doutrina do amor, da paz e da fraternidade universal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Presidentes da República e do Conselho já exprimiram aos altos representantes da índia os sentimentos do País pela morte do Mahatma Gandhi e a sua repulsa pelo criminoso atentado de que foi vítima. Mas penso que a Assembleia Nacional quererá também acrescentar àqueles sentimentos a sua inteira repulsa pelo crime e o seu pesar pela grande perda que enlutou a índia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: ao ler ontem nos jornais a nota oficiosa do Gabinete do Ministro da Guerra, pedi a V. Ex.ª, em face da alusão que nela se fazia a qualquer documento dirigido à Assembleia, o favor de me esclarecer sobre o que havia a tal respeito.
Não teve V. Ex.ª qualquer dúvida em fazê-lo e disse-me que, na verdade, tinha recebido um documento assinado por pessoa que desconhecia e redigido em termos que logo denunciavam intuitos evidentes de especulação política.
Por isso, porque o signatário do documento não juntava quaisquer provas do que afirmava, apesar de declarar que as possuía abundantes, e porque se permitia classificar a posição assumida pelo Ministro da Guerra e pelo Governo em matéria de política internacional durante a guerra, entendeu S. Ex.ª que não devia dar-lhe qualquer seguimento.
O disposto na alínea c) do § 1.º do artigo 19.º do Regimento mostra que S. Ex.ª não usou senão da faculdade que aí lhe é conferida.
Quis ainda S. Ex.ª levar a sua deferência ao ponto de me mostrar o documento em questão.
Ao lê-lo, devo confessar que o sentimento que me invadiu foi, antes do que de indignação, de dó por aquela miséria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se me coubesse decidir, teria decidido como V. Ex.ª Nem o direito de reclamação ou queixa conferido a todos os cidadãos pelo n.º 18.º do artigo 8.º da Constituição admite aqueles extravasamentos no seu exercício, nem esta Assembleia ou o Diário das Sessões são tribuna aberta a esses ou outros extravasamentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que se diz no papel? Expurgando-o do que não é publicável, diz-se fundamentalmente isto: que o Ministro da Guerra pretende eliminar o signatário, como já eliminou o general Godinho, por ambos serem detentores de segredos sobre a sua actuação na guerra que gravemente o comprometem. Como pretende eliminá-lo a ele? Impedindo-o de ir ao hospital do cancro, único local onde pode ser observado e, porventura, tratado, apesar de isso lhe haver sido por mais de uma vez solicitado.
Como eliminou o general Godinho? Impondo a sua transferência para um presídio militar, quando, pelo seu estado de saúde, devidamente verificado pela Medicina, não podia suportá-la.
A nota oficiosa esclarece: do signatário do papel não chegou nenhum pedido ao Ministério da Guerra, nem aos seus serviços, no sentido de autorizar que fosse submetido a qualquer exame especializado; a transferência do general Godinho para o presídio militar operou-se quando o Ministro estava fora de Lisboa.
É curioso notar que em carta de 22 de Dezembro, seis dias posteriores à data da transferência para o presidio militar, o general Godinho afirma estar melhor de saúde e até parece pôr hipóteses que supõem um acentuado desembaraço físico.
Isto é suficiente para desmascarar a urdidura. É, porém, só o aspecto negativo, porque apenas diz que um facto não é do conhecimento, nem oficial nem oficioso, do Ministro da Guerra e que o outro ocorreu em Lisboa quando o Ministro cá não estava. O aspecto positivo dos vários elementos de organização da cabala virá a seu tempo, como a nota oficiosa também promete. Não perturbemos com antecipações o movimento do inquérito ou a actividade da policia.
Não deixarei, porém, de referir-me a outro passo da nota oficiosa: a participação feita à polícia judiciária pela viúva do general Godinho.
O que se contém nessa participação?
Essencialmente isto: que o Ministro da Guerra, impondo a transferência do general Godinho para o presídio militar da Trafaria, contra o parecer expresso da Medicina, e vindo ele a morrer oito dias depois no hospital, praticou um homicídio voluntário. (Risos). Eu pergunto : supondo que aquilo era verdade - e já sabemos que não é -, poderia alguém qualificar o facto de homicídio voluntário?
Basta pôr a pergunta para logo saltar aos olhos que o intuito dos que levaram a pobre senhora, exaltada pelo que lhe diziam e esgotada pelo sofrimento, a assinar a participação foi muito outro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu admito que ela nem leu o que assinou, ou, se leu, não se apercebeu ao certo do que na participação se continha.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que aquilo foi escrito por indivíduo formado em Direito. É evidente, pela forma e pelo processo de dedução. Não pelo fundo, que esse denuncia que o seu autor poderá estar habituado a lidar
Página 242
242 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 131
com fórmulas, mas não decerto com o direito material, com o direito nobre. Este, só de se lidar com ele, cria exigências de comportamento moral...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois aquele indivíduo formado em Direito, por acreditar que ninguém irá arrancá-lo da sombra em que se escondeu, conscientemente injuria e conscientemente junta fotocópias de documentos de natureza evidentemente secreta, por conterem instruções dadas pelo então Subsecretário de Estado da Guerra e dirigidas, não a um particular, mas a um comandante militar, como tal, nas quais se definia qual havia de ser a posição do comando na eventualidade de um ataque.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não há militar nenhum que não saiba que documentos como esses lhe não pertencem, a título particular, apesar de do próprio facto da participação parecer resultar o contrário; não há indivíduo nenhum, formado ou não em Direito, com um mínimo de consciência do que são os seus deveres funcionais, em geral e para com a Pátria, que não saiba o mesmo e que não conheça as graves responsabilidades em que incorre quem assim infringe aqueles deveres funcionais, que são também deveres gerais do cidadão, apesar de do próprio facto da participação parecer resultar o contrário.
Não conheço as cartas de que se juntaram fotocópias, porque estas, como documentos secretos que são, foram mandadas pôr em segredo. Ignoro se o Governo alguma vez mandará que sejam publicadas.
Conheço apenas o que delas extraiu para a participação o tal indivíduo formado em Direito. É-me legítimo supor que referiu o que nelas se contém de mais grave, pois é precisamente para provar o que afirma que as junta.
Pois bem! Em tudo o que afirma como extraído delas nada se descobre que não traduza os cuidados de um governante vigilante e atento à defesa dos interesses do País e do brio nacional e militar. Descobre-se mais alguma coisa: o interesse daquele governante pela saúde do comandante encarregado de uma missão difícil e a palavra animadora que a este dirige ao afirmar que está convencido de que acertou na escolha do comando dos Açores.
Que intuitos se tiveram então com a participação e com a junção das cartas?
Só podem ter sido estes, que também saltam do papel: divulgar referências que nelas se fazem a países estrangeiros, sem reparar que essas referências são pura expressão particular de uma atitude geral: referências que dignificam um governante, em vez de o diminuir; atitude geral que, além do modo impecável como sempre apareceu, tem hoje a engrandecê-la o êxito de que foi coroada! A gente chega a não saber se há-de indignar-se com a maldade, se há-de condoer-se com a estupidez!
Sr. Presidente: eu tinha apenas o intuito de explicar a razão por que não foi dado seguimento ao papel que V. Ex.ª recebeu e anda a espalhar-se pelo País. Suponho tê-lo conseguido. Referi os elementos que tinha.
São por si suficientes para destruir a urdidura que se tece contra o Ministro da Guerra; talvez não sejam ainda completos para marcar com traço bastante fundo todos os autores da urdidura. O resto virá a seu tempo. Mas o que disse é bastante para mostrar que o homem que tem gasto a saúde e queimado a vida ao serviço da Pátria e do prestígio e honra do exército...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... era digno de que os seus inimigos tivessem outra estatura!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: não obstante a exactidão com que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo relatou as explicações que lhe dei das determinantes do meu procedimento relativo à queixa a que se refere a nota oficiosa do Ministro da Guerra ontem publicada na imprensa, eu devo, pessoalmente, à Assembleia uma explicação.
Efectivamente, recebi há dias o documento aludido, mas, como nele eram feitas acusações graves, susceptíveis de alarmar a opinião pública, e vinha desacompanhado de quaisquer elementos de convicção, entendi que não devia dar-lhe qualquer sequência regimental sem me assegurar previamente da identidade do signatário e de um mínimo de seriedade do seu conteúdo.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Entendo, e entendi, no caso sujeito que, não obstante a importância do direito de representação ou queixa como garantia das liberdades do cidadão, devo obstar a que esse direito seja usado para desprestigiar o Poder ou para sobressaltar, sem fundamento, o espírito público, e por isso adoptei como norma assegurar-me, repito, de um mínimo de seriedade quanto às queixas cujo conteúdo seja grave.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Estes os motivos por que não tinha ainda levado tal documento ao conhecimento da Câmara.
Agora, depois da nota oficiosa do Sr. Ministro da Guerra, na qual se declara estar em curso um inquérito, e depois das palavras do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, penso que a Câmara deve confiar no Governo e aguardar as conclusões do inquérito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: -Sr. Presidente: passou mais um aniversário sobre a horrorosa tragédia de 1 de Fevereiro de 1908.
Decorreram quarenta anos, mas hoje como então, ou, melhor, mais hoje de que então, a lembrança desta data tenebrosa perdura em todos os espíritos que não se deixaram conturbar por ódios, paixões e sectarismos, que endurecem os corações e aviltam os caracteres.
Apoiados.
Os assassinos de El-Rei D. Carlos e do Príncipe Real D. Luís Filipe foram armados pelas campanhas dissolventes e demolidoras dos inimigos e - o que é pior - dos falsos amigos do regime, que não soube defender-se antes, então e depois e, por isso, soçobrou mais tarde, manchado pelo sangue inocente de vítimas, que o foram também dos erros de quase um século, devidos a culpa dos homens, que não a vícios do sistema, na pureza dos seus princípios.
As mesmas campanhas dissolventes e demolidoras armaram em 14 de Dezembro de 1918 o assassino do grande português Sidónio Pais.
Vozes: - Muito bem!
Página 243
4 DE FEVEREIRO DE 1948 243
O Orador: - Foram as campanhas dissolventes e demolidoras que tornaram possível o morticínio de 19 de Outubro de 1921, em que o próprio fundador da República foi imolado em holocausto à demagogia que dominou em Portugal no primeiro quartel do presente século.
Sr. Presidente: respeitosa e comovidamente, curvo-me perante a memória do grande Hei D. Carlos e de seu filho o Príncipe Real D. Luís Filipe.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henrique Galvão: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me sejam fornecidos, para consulta, os seguintes documentos:
a) Relatórios da missão ao sul de Angola, chefiada pelo inspector superior de fomento colonial Sr. engenheiro Trigo de Morais, em 1946;
b) Processo de adjudicação das obras de barragem dos Mabubas, na mesma colónia;
e) Actas do Conselho Técnico de Fomento Colonial referentes à realização e adjudicação das referidas obras».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio dos Srs. Deputados Nunes Mexia e Cortês Lobão sobre o problema do pão e dos trigos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarães.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: nas proficientes exposições que sobre os momentosos temas do aviso prévio em discussão tivemos o prazer de ouvir aos ilustres Deputados a quem pertence a honra de, com tanta oportunidade, os trazerem à Assembleia Nacional e na sábia lição que, a seguir, foi pronunciada pelo também ilustre colega nosso Sr. engenheiro Mira Galvão muito de útil consegui aprender.
Se este último é um técnico de merecido renome que todo o País altamente considera, o Sr. Dr. João Nunes Mexia, distinto engenheiro agrónomo, e o Sr. tenente-coronel Cortês Lobão, a quem devemos a oportunidade deste debate sobre problemas tão fundamentais, são grandes lavradores alentejanos, mas lavradores inteligentes e estudiosos, que ao estudo agrário vêm dedicando, como mais uma vez o demonstraram, o melhor do seu esforço perseverante.
Muito aprendi, repito, porque é vasta e profunda a documentação que serviu de base às suas exposições, porque houve citações dos resultados de experiências originais interessantíssimas e de incontestável valor e ainda devido à circunstancia muito feliz de tudo o que nos foi dito ter resultado de tenaz e inteligente observação das realidades que caracterizam o caso nacional nos seus aspectos fundamentais da cultura do trigo e de diversos cereais que concorrem para o fabrico do nosso pão.
Sr. Presidente: os relatos dos três discursos a que venho de referir-me merecem lugar nas bibliotecas, como valiosos repositórios de conhecimentos úteis para o estado dos capítulos da nossa economia tratados no aviso prévio agora em discussão.
Muito aprendi, afirmo-o mais uma vez. Mas confesso que a afirmação feita desta tribuna sobre a impossibilidade de nos bastarmos no que respeita à produção de trigo não só me surpreendeu, mas contristou-me.
É que eu tivera a honra de fazer parte, no triénio de Julho de 1929 a igual mós de 1932, dos Governos presididos pelo falecido general Ivens Ferraz, cuja memória se enaltece pela sua patriótica atitude na Suíça, logo nos primórdios do Estado Novo, e pelo muito simpático e também ilustre general Domingos de Oliveira.
Nesses Governos sobraçou a difícil pasta da Agricultura o nosso muito distinto colega sr. coronel Linhares de Lima, cujo nome foi justamente aqui recordado, com o maior louvor, nas duas últimas sessões.
Eu tive a meu cargo numerosas direcções e administrações gerais, que constituíam o Ministério do Comércio e Comunicações, do qual já pouca gente se lembra, porque os respectivos serviços se dividiram após a minha saída e deram para formar três Ministérios - Obras Públicas, Comunicações e Economia -, com o reforço de três Subsecretários de Estado - Obras Públicas, Comunicações e Comércio e Indústria.
E não admira que poucos se lembrem daquele Ministério, porque já passaram mais de quinze anos após a sua extinção, em 1932, e também porque acontece haver quem comece a história de alguns capitulos do Estado Novo naquela data; e até se projectam certâmenes de realizações da nossa política, mas sòmente a partir da referida data:
Pois no referido triénio 1929-1932, e antes dele, algumas realizações e iniciativas se registaram que deram certo lustre à nossa Administração, julgando eu haver neste momento a mais ajustada oportunidade e ser de toda a justiça recordar uma, da iniciativa do então Ministro da Agricultura, Sr. coronel Linhares de Lima, da maior projecção na economia nacional, que tivera o condão de desfazer uma lenda, eivada de certo desalento, que vinha desde os primórdios da nacionalidade e convencera gerações de políticos, de economistas e até de lavradores da inviabilidade do nosso abastecimento no que respeita a trigos nacionais.
Então, como agora, afirmava-se estarmos fora da área geográfica do trigo e aludia-se a insuficiências do solo, agravadas por condições climáticas francamente adversas àquela cultura.
Mas o Ministro da Agricultura, que vinha de, superiormente e com raro tacto administrativo, dirigir a Manutenção Militar, onde profundamente estudara os problemas do pão e do trigo e onde promovera a instalação, além de outros melhoramentos notáveis, de um silo com todos os requisitos para a desinfecção e conservação de cereais, não desistiu perante aquelas afirmações dogmáticas e ouviu-se a sua voz de comando para a Campanha da Produção do Trigo.
Não lhe faltaram colaboradores leais, inteligentes e dinâmicos.
Técnicos do seu Ministério, lavradores distintos e até alunos do Instituto Superior de Agronomia, cada um encarregando-se de sua tarefa, espalharam-se pelo Pais e o milagre realizou-se. A lenda desfez-se.
Sr. Presidente: se V. Ex.ª permite, eu lerei números sobre áreas cultivadas e respectivas produções antes, durante e após a Campanha da Produção do Trigo. Por eles se vêem as consequências da política de fomento de Elvino de Brito, os resultados brilhantes da campanha que devemos ao coronel Linhares de Lima, o declínio a seguir registado pelo esmorecimento causado na lavoura por a terem obrigado a pagar os prejuízos do mau armazenamento e exportação do trigo e, por último, a forma patriótica como a lavoura correspondeu, durante a guerra, ao apelo do Governo a favor da produção, para que o abastecimento do público fosse o melhor possível.
Página 244
244 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 131
Dos números que me forneceram há instantes destaco o seguinte:
Médias de produção anual
(Em quilogramas)
1881-1890 ................. 144.517:580
1891-1900 .................(a) 128.092:356
1901-1910 ................. 177.628:461
1911-1920 ................. 200.703:799
1921-1930 ................. 292.200:075
1931-1940 .................(b) 413.707:150
1941-1946 .................(c) 406.490:000
(a) Política-Silva Pinto, 1899.
(b) Resultados da Campanha da Produção do Trigo.
(c) Período da guerra.
Superfície cultivada com trigo
(Em hectares)
Em 1929 - Neste ano ............................. 435:655
No quinquénio 1931-1935 (média anual) ...........(a) 556:645
No quinquénio 1936-1940 (média anual) ...........(b) 495:283
Período da guerra (1941-1946) (média anual) ..... 561:471
(a) Mais 121:590 hectares do que em 1929.
(b) Menos 61:362 hectares do que em 1931-1935. Em parte explica-se por deixarem de ser cultivados os campos arroteados para a Campanha da Produção do Trigo, que depois foram aproveitados para culturas apropriadas, e também parte pelo desânimo originado pela baixa do preço do trigo.
Sr. Presidente: como se vê pêlos números que acabo de ler, a nossa lavoura não só produziu trigo suficiente para o abastecimento nacional, mas chegou a verificar-se um excedente apreciável, que, por falta de armazenamento conveniente, começou a grelar e teve de ser vendido ao estrangeiro em condições onerosas para a lavoura, sobre a qual recaíram os prejuízos resultantes daquela má arrecadação.
Não obstante, Sr. Presidente, o coronel Linhares de Lima, com a experiência da Manutenção Militar, não omitira no seu grande plano de intensificação da cultura do trigo a construção de silos para a indispensável desinfecção e de armazéns para a conservação daquele cereal e correcção de irregularidades de colheitas.
Mas esse pormenor fundamental só parcialmente, mas sem as exigências técnicas indispensáveis, fora realizado.
A lavoura esmoreceu, críticas injustas assestaram baterias contra a política de intensificação da cultura do trigo e regressou-se às colheitas francamente deficitárias; e quando a recente guerra tornou quase impossível a importação de cereais, o povo português, que chegara a produzir pão bastante para o nutrir, teve de suportar as restrições que todos conhecem no artigo fundamental da sua alimentação.
Sr. Presidente: há quem diga que a fartura com que fôramos bafejados, no que respeita a trigo, durante a campanha da iniciativa do Sr. coronel Linhares de Lima, mais do que às providências inteligentes então ordenadas e realizadas, se deveu aos favores do clima, que naqueles anos se apresentou particularmente propicio à cultura trigueira.
Falece-me competência para discutir este aspecto técnico do magno problema.
Contudo ele é tão importante para a economia da Nação que eu julgo deveria ordenar-se um inquérito para averiguar do valor real da campanha ordenada pelo notável Ministro da Agricultura Sr. coronel Linhares de Lima, do qual tive a honra de ser colega e admirador, campanha que, conforme venho de afirmar, a Nação, duma maneira geral, e a lavoura, com firme convicção, reputam ter sido coroada de grande êxito, e que me convencera de que, de facto, se desfizera uma velha lenda, mas, segundo o que afirmaram os ilustres oradores que me precederam neste debate, a hipótese contrária deve, pelo menos, ser devidamente considerada.
Dos diversos rumos traçados, dos quais alguns já em franca execução, pêlos Governos a que aludi, um ou outro foi continuado, como o respeitante a hidráulica agrícola, mas com orientação modificada; outros, porém, não prosseguiram, que é o caso da campanha do trigo, e até se registam alguns que só agora, volvidos quinze anos, ensaiam os primeiros passos, como se verificou no capítulo da hidroelectricidade, com o concurso para o aproveitamento do Douro nacional, conjugado com a concessão do grandioso esquema do Castelo do Bode, no Zêzere, que foram suspensos, mas que teriam resolvido o problema da energia a tempo de dispormos durante a guerra que findou dos elementos necessários para a maior valorização do trabalho nacional e também para que não faltassem luz e outras vantagens inerentes à electricidade.
Sr. Presidente: as afirmações do Sr. tenente-coronel Cortês Lobão referentes ao rendimento precário da cultura do trigo, especialmente nos distritos alentejanos, logo a seguir confirmadas pelos números alarmantes citados pelo ilustre engenheiro agrónomo Sr. Mira Galvão, como demonstração das dificuldades económicas dos seareiros, as quais forçaram cerca de 90 por cento a abandonar as terras, registando-se, entre muitos outros casos, o de um proprietário que em 1943 tinha as suas searas repartidas por 330 seareiros, dos quais em 1946 apenas se conservavam 2, feriram duramente o meu espírito.
Das afirmações feitas por aqueles distintos oradores resulta que, de uma maneira geral e na lavra alentejana, a cultura do trigo, se não retribui suficientemente as grandes lavouras, revela-se economicamente inviável nas de pequeno vulto, que ó, por via de regra, o caso dos seareiros.
Desta forma estaria ameaçada a colonização de grande parte dos três grandes distritos do Alentejo, hipótese de consequências por tal forma graves que entendo dever deter-me alguns minutos no exame de problema tão inquietador.
Nos distritos nortenhos e nos das Beiras é certo registarem-se dificuldades de algum vulto e verifica-se também o abandono das terras pêlos caseiros, mercê da baixa desproporcionada dos principais géneros e do gado, tanto bovino como porcino, e ainda de outras espécies, bem como do grande retraimento, bem em evidência, nos diferentes mercados de compra.
Mas, felizmente, nada que se compare com os números aterradores citados pêlos nossos distintos colegas.
Deve contribuir para isso a circunstância de no Alentejo predominar a monocultura, enquanto nos distritos citados floresce uma economia equilibrada, na qual, ao lado de variadíssima policultura adaptada ao solo, ao clima e às necessidades do consumo, figuram pequenas oficinas complementares da lavoura e outras onde laboram várias modalidades industriais, predominantemente a tecelagem, mas também se registam cutelarias, sapatarias, tapeçarias e tantas outras que vão contribuindo para reforçar a geralmente escassa receita das actividades agrícolas.
Por outro lado, o preço do trigo produzido nas terras cultivadas pêlos seareiros não subiu na proporção da desvalorização da moeda, não acompanhando assim o de muitos artigos que aquela classe de trabalhadores rurais é forçada a comprar para viver.
Página 245
4 DE FEVEREIRO DE 1948 245
E lá está sempre a disparidade de salário das actividades industriais, por um lado, e a miragem da emigração, quantas vezes cercada de engodos, para países longínquos, a despertar-lhes a ideia do êxodo, e, desta forma, uns após outros, quantas vezes afogados em saudades, vão deixando a terra natal, que, apesar do recentemente realizado pelo Estado Novo em seu beneficio, ainda está longe de proporcionar o grau elementar de conforto que a dignidade humana exige e de garantir retribuição do trabalho conforme ao nível de vida que absolutamente é preciso manter.
Apesar de, na opinião de técnicos altamente conceituados, na terra alentejana serem lucrativamente viáveis as culturas de sequeiro, eu, talvez por ter nascido no Minho e passado a minha já longa vida a apreciar as vantagens da lavoura de regadio, continuo esperançado no milagre da água das albufeiras (umas em construção e outras projectadas) e da que a electricidade a preços módicos há-de permitir elevar dos mananciais do subsolo, nas extensas campinas do Alentejo, onde as produções, como aqui foi afirmado, são baixíssimas.
Ao atravessar, umas vezes de comboio, outras de automóvel e, quantas vezes, valendo-me das pernas, atrás das perdizes, dos coelhos e de outras espécies cinegéticas, aquelas sequiosas planuras, onde a vegetação rasteira é geralmente enfezada, mas os sobreiros e as azinheiras são por vezes ciclópicos e tocam de certa majestade a paisagem de limites distantes e confusos, acontece-me topar com uma mancha verde, a lembrar o meu lindo Minho, onde a horta cresce e frutificam admiravelmente os melhores espécimes da nossa pomicultura.
Sempre que me foi possível não deixei de examinar de perto os oásis que ia surpreendendo nas minhas excursões, e quase invariavelmente lá ia encontrar o manancial aquífero, por via de regra subterrâneo e munido de engenhos primitivos, que constituía a razão principal daquelas manchas de verdura a salpicar o torresmo alentejano.
Sr. Presidente: como alimento fundamental, há que garantir o pão nosso de cada dia a todos os portugueses.
Mas garanti-lo em quantidade, qualidade e a preço em relação com os respectivos recursos.
Não fora a guerra, com sua ameaça permanente, apesar dos esforços tenazes de todos os pacifistas, a pairar, como espada de Dâmocles, sobre os que têm de cuidar do bem-estar público, e as nossas insuficiências alimentícias poderiam ser supridas com fornecimentos vindos de longe e a preços comportáveis.
Mas a dura e repetida experiência, que nos demonstra quanto são precários todos os sistemas de transporte sempre que às leis pacíficas, que regulam as relações internacionais se substitui o imperativo arbítrio dos períodos bélicos, impõe-nos como única solução a que nos recursos nacionais encontre, pelo menos, o indispensável para não termos de baixar as rações a número de calorias incompatíveis com as exigências insofismáveis da existência humana.
Em face do exposto impõe-se o estudo de uma fórmula que permita a repetição da campanha da arroteia do trigo, pois, antes de se adoptarem definitivamente os diferentes tipos de pão de mistura propostos pelo distinto Deputado Sr. Dr. João Mexia, importa averiguar se de facto o território português dispõe de condições para nos abastecer de trigo, já não digo com regularidade perfeita, mas de maneira a, quando surgirem deficits, serem supridos com outros cereais aqui produzidos, ou até com incorporação de farinha de batata na percentagem de 20 por cento a que o Sr. engenheiro Mira Galvão aludiu, e que já há bastante tempo se fabrica no Minho, com boa aceitação dos consumidores.
É bem de ver que o recurso ao pão de mistura já o Governo o vem determinando para compensação de más colheitas de trigo, incorporando percentagens elevadas de farinha de milho.
Sòmente o preço que oficialmente tem sido atribuído ao milho é indevidamente muito mais baixo do que o do trigo, o que não está em relação com o respectivo valor alimentício.
Segundo Berthelot, o valor calorigénico de 100 gramas dos diversos ceriais é o seguinte:
Calorias
Milho ..................... 363,8
Arroz ..................... 354
Trigo ..................... 346
Centeio ................... 341
Cevada .................... 331,5
Aveia ..................... 328
O milho tem sido pago a cerca de 1$80 o quilograma, o que, para um alqueire de 20 litros, anda, conforme a densidade, à volta de 27$50.
Pois no mercado livre (que nada tem com o mercado negro, praticamente banido no que respeita ao milho com a sua oportuna e justificada libertação) aquela cotação oscila entre 35$ e 40$.
É que os consumidores não ignoram que, comprando-o por esse preço, obtêm maior número de calorias do que recorrendo a quaisquer outros tipos de pão à venda no mercado.
Além disso, o pão de milho agrada mais ao paladar de grande parte da população, sobretudo do Minho e das Beiras, além de que se alia melhor à sua alimentação corrente - o tradicional caldo de couves, feijões e azeite, o bacalhau, as sardinhas, o toucinho.
Da generalização do consumo de pão de trigo, de qualquer dos tipos oficiais, tem resultado notória perturbação nos hábitos alimentares daquelas populações, as quais sucessivamente vão substituindo o tradicional caldo, que admiràvelmente se casa com as migalhas de broa, pelo leite, quer estreme, quer misturado com café, cujo consumo se concentrava nos burgos de maior importância, onde actualmente se regista a sua falta, porque grande parte se destina agora ao consumo rural.
E acontece que o açúcar, cujo uso nos meios rurais se limitava à confecção de doces regionais para as datas festivas, agora é largamente ali empregado, sobretudo ao almoço, para adoçar o café com leite.
Em compensação, os feijões indispensáveis para o caldo regional já não têm procura. E tambm se verifica que o bacalhau (o fiel amigo de sempre), as sardinhas, o toucinho, o salpicão e outras iguarias que pediam o acompanhamento da broa e dos vinhos secos, sobretudo de vinhos verdes, vão cedendo a secular posição que ocupavam nas ementas rurais à carne de vaca e outros alimentos mais em voga nas cidades e vilas, onde agora vão rareando.
Sr. Presidente: esta grande mutação que se vai realizando, e a que acabo de referir-me, na alimentação de alguns milhões de habitantes já tem consequências apreciáveis na lavoura e na vida do povo; mas está destinada a uma- projecção de grande vulto não só no aspecto económico, mas no sanitário.
Entendo, pois, estarmos em face de um problema que exige imediato estudo, a fim de que o Governo disponha de todos os elementos para traçar o rumo a seguir em tão momentosa matéria e a Nação seja convenientemente esclarecida acerca dos resultados que para a saúde e para a agricultura e outros sectores da lavoura, bem como para a vida doméstica, poderão advir da grave e importante transformação que se está operando.
Atribuíam-se ao milho graves inconvenientes, tais como a pelagra, acusavam-no de má digestibilidade, de pesar exageradamente no estômago e até havia quem pusesse em dúvida suas altas qualidades nutrientes.
Página 246
246 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 131
O mesmo se verificou com o vinho, que, depois de ver discutidas e até negadas as suas flagrantes qualidades como bebida e alimento, foi acusado de perturbador da ordem e principal factor do alcoolismo, com seu cortejo de organismos inutilizados, descendências degeneradas e larga contribuição para u clientela dos manicómios.
Contudo, os que de perto conhecem a vida rural o têm presenciado a ânsia com que, a meio da faina esgotante da lavoura, quantas vexes sob um sol abrasador, é esporada a merenda, geralmente constituída por bom naco de broa, uma sardinha, ou algumas rodelas de chouriço e uma amostra de toucinho, com a indispensável regadela de um copo de vinho, ou alguns goles daquela saborosa bebida sorvidos de velha cabaça avinhada, ou de odre cuidadosamente curtido, devem ter opinião diversa.
Além de bem exteriorizado regalo, as calorias de um quarto de quilograma de broa, à volta de setecentas, as de um quartilho de vinho, aproximadamente trezentas, as correspondentes à sardinha assada, ou à lasca de bacalhau, ou às rodelas de chouriço e amostra de toucinho, no total cerca de um milhar, operam imediatamente uma bem manifesta restauração de forças acompanhada de evidentes mostras de «alegria, que se traduz na intensificação do trabalho rude ao ritmo de cantigas populares, o qual assim vai sendo aguentado até que o sol desaparece no horizonte.
A pelagra, determinadas dermatoses, a sua digestibilidade, por vezes o mau gosto - a bailo ou a azedo - e a insuficiência nutritiva não são culpa do cereal, mas resultado do pouco cuidado nas colheitas e do mau acondicionamento, de moenda insuficiente e pouco cautelosa, de leveduras mal seleccionadas e, por último, de má técnica de panificação e da prática de variadíssimas fraudes.
As broas, bem fabricadas, de milho, associado ao centeio ou também ao trigo (o chamado pão de mistura) e, em certas regiões, com ligeiros vestígios de ovos e as célebres bolas (muito conhecidas e apreciadas pelos caçadores) com presunto, sal picão e outros iguarias constituem alimentação de primeira ordem na opinião geral.
Afirmou o distinto Deputado Sr. Dr. Nunes Mexia que na América do Norte a produção de milho é tão larga e cuidadosamente conduzida que só por si «atinge valores que ultrapassam as produções reunidas do trigo, do algodão e da aveia, em que a lavoura daquele progressivo país atinge expoentes muito elevados».
S. Exa. aludiu às más sementes, especialmente de milho branco, utilizadas pelos nossos lavradores e a fundadas esperanças na adopção do milho híbrido, ao qual se devem no estrangeiro resultados muito compensadores, tendo sido coroadas também de êxito algumas experiências realizadas em Portugal, nas quais já se atingiram produções de 5:000 quilogramas por hectare, o que me parece, em face das cotações actuais, ser compensador dos gastos e esforços seguidos que aquela cultura demanda.
Tinha razão o meu ilustre conterrâneo e sábio agrónomo Dr. Mota Prego quando afirmava não ser utopia atingir-se na terra minhota produções daquela monta.
E para tanto não foi preciso recorrer-se ao milho híbrido, embora eu comungue na opinião do Sr. Dr. Mexia sobre a necessidade de se combinarem as experiências da sua cultura não só com sementes estrangeiras, mas também de origem nacional, que as nossas estações agrárias devem esforçar-se por obter.
Sr. Presidente: como representante do Governo, coube-me a honra, em 1929, se a memória não me atraiçoa, de visitar a Estação Agrária do Porto, quando ali se realizava o certâmen da «Maçaroca de milho», ao qual concorreram numerosos lavradores do Norte, Centro e Sul.
Ali apareceram exemplares admiráveis e registaram--se, com sementes nacionais, produções famosas.
Creio que o prémio da melhor produção do Sul coube ao falecido coronel Velhinho Correia. Do Norte foi classificado em primeiro lugar o conhecido proprietário rural Sr. Augusto Simões, que, além de lavrador, é um orador eloquente e devotado paladino da lavoura, o qual, como o grande Cincinato romano, eu fui encontrar, não com a rábica do arado na mão, mas de socos e manejando uma sachola, a guiar a água de rega que um motor eléctrico elevava do ribeirinho que atravessa o f arnoso campo de Pedrouços, no concelho da Maia, onde se registava a produção premiada de mais de 5:000 quilogramas de milho magnífico por hectare, e que no ano em que o visitei com minha família devia ter registado uma colheita tão abundante como a que fora premiada.
O torrão é ali magnífico, mas a semente é nacional e cuidadosamente seleccionada; alguma adubação química, mas sobretudo quantidade de estrume de curral bem curtido; as regas indispensáveis com água do aludido regato, para onde correm as águas residuais da fábrica de tecidos da Areosa, e ... a sombra do dono (dono inteligente, activo e sabedor), «que as plantas agradecem», como diz a velha e acertada máxima popular.
No aludido concelho da Maia, no de Vila do Conde e, de uma maneira geral, em toda a vasta região maiata, que a dois grandes apóstolos da lavoura, os falecidos Dr. Domingos Antunes de Azevedo e seu primo, o padre Agostinho Antunes de Azevedo, que o Estado Novo galardoou com o mérito agrícola, devem uma propaganda inteligente e perseverante da melhor técnica agrícola, registam-se em quase todas as freguesias grandes produções de cereais e legumes e a zootécnica é ali florescente; mas, no que respeita particularmente ao caso que agora me ocupa, o milho retribui compensadoramente o esforço tenaz dos lavradores.
Também a sul do rio Douro, e para o que muito tem contribuído outro apóstolo da lavoura, Waldemar Lôfgreen, maçagista distinto, que é também dos lavradores mais conhecedores dos múltiplos trabalhos daquela actividade, que longa e praticamente ensina a todos os que trabalham no campo, se verifica um perfeito aproveitamento do solo, expresso em altas produções de diferentes géneros, entre as quais a do milho.
De muitos técnicos distintos é de toda a justiça recordar o falecido engenheiro agrónomo, director da Estação Agrária do Porto, Ruela Ramos, que, além do outras inovações agrícolas, nos deixou um milho inteligentemente seleccionado, que muito tem contribuído para melhorar a economia regional, e úteis processos de combate à daninha «bicha» conhecida por «alfinete», que é um dos mais terríveis inimigos da cultura do milho.
Também merece uma citação especial, pelo muito que tem ensinado e defendido a lavoura e pelo cuidado tenaz e inteligente consagrado à gramínea preciosa que produz as maçarocas douradas, de milho que alimenta a população e tão largamente contribui para a criação do gado, trazida de países longínquos por nossos avoengos, a Gazeta das Aldeias e toda a plêiade de técnicos distintos que quinzenalmente enchem suas páginas com ensinamentos muito valiosos.
E já agora é-me grata uma merecida referência a tantos órgãos da imprensa que, periòdicamente e em secções especiais e sempre que as circunstâncias o indicam, vêm publicando artigos de propaganda com valiosos ensinamentos devidamente actualizados a pôr os nossos lavradores ao corrente do que de melhor se vai registando lá fora nas actividades agrárias, mas registando-se sem-
Página 247
4 DE FEVEREIRO DE 1948 247
pre um esforço de nacionalização que visa a adaptar ao caso nacional os progressos realizados nos países onde a agricultura sempre foi, ou volta a ser, alvo de particular carinho dos particulares e da maior atenção dos respectivos governos - que tudo consagram -, providências legislativas, desenvolvimento do ensino técnico, centros de investigação científica e grandes verbas orçamentais, ao fomento da lavoura, com toda a sua multiplicidade de capítulos.
O segredo das altas produções de milho a que aludi, além do cuidado perseverante na selecção de sementes e da natureza particularmente favorável do solo, está nas regas a tempo e horas e na adubação orgânica, que naquela orla do litoral, constituída pelas terras da Maia, ao norte do rio Douro, e pelas de Santa Maria, a sul do mais caudaloso rio da Península, é parcialmente fornecida pelo Atlântico sob a forma de sargaço, caranguejo (pilado) e ainda outros produtos, mas, sobretudo, por estrume de curral em grande quantidade, fermentado em boas nitreiras, onde se vai acumulando o mato (quase sempre a preciosa leguminosa conhecida por tojo), depois de ter servido de cama ao gado.
Em algumas lavouras a adubação é corrigida ou completada por ingredientes minerais.
Contudo, tenho verificado que a bons milharais corresponde sempre elevado expoente pecuário, com bons estábulos e nitreiras construídos segundo os melhores preceitos técnicos.
Por sua vez, o milho constitui boa e regular garantia das explorações zootécnicas, especialmente de gado bovino, porque, quando a erva azevém e outras, findo o ciclo vegetativo, são ceifadas para a fenação, que as conserva para forragem seca, a alimentação verde do gado quase se resume, durante os quatro meses da estiagem, ao que é fornecido pela monda, pela desbandeira e até pela desfolha do milho.
Claro está que nos bons milharais, além de sementes escolhidas, de farta adubação orgânica, por vezes completada pela mineral, e água na devida altura, não faltavam também, por via de regra, os benefícios, da intervenção de charruas modernas, de subsoladoras, de semeadores à linha e até de sachadores.
Quando os milharais se apresentam, com mau aspecto, enfezados, raquíticos, é porque faltou pelo menos um daqueles elementos indispensáveis à sua vegetação.
E, infelizmente, são em grande quantidade os que se apresentam com aquelas más características, as quais, na colheita, se traduzem em resultados que não correspondem aos esforços realizados na respectiva cultura, acontecendo até a sua palha ser desdenhada pelos animais.
São teclas do mesmo instrumento, em que da falta de uma só pode resultar sério desequilíbrio para a sinfonia admirável do trabalho rural.
Estas considerações demonstram a conveniência de não se tocar numa sem que simultaneamente se pense nas restantes, que com ela têm íntima correlação.
Ao ordenar requisições, tabelamentos, restrições, na liberdade de circulação ou a intervenção de géneros estrangeiros no mercado nacional há que ver o problema em todo o seu grandioso conjunto, porque da alteração de um dos sectores podem resultar perturbações para outros e causar-se assim o desequilíbrio geral.
Assim, importa também não perturbar a rotação de culturas com que a lavoura, orientada pela lição de muitos anos, procura, por um lado, ir restituindo à terra elementos retirados pelas culturas antecedentes, e tê-la sempre ocupada em sucessivas vegetações para auferir o preciso à remuneração do capital respectivo, à entrega na tesouraria pública do montante dos impostos e ainda à remuneração do esforço dos que dirigem a lavoura e dos que para ela concorrem com o trabalho dos seus braços.
Exemplificando: nas terras da beira-mar, na Moita e noutras localidades em que o clima e os recursos do solo o permitem é costume arrancar-se a batata muito cedo, ainda por encascar, para recorrer logo a seguir, e a tempo de frutificar, à restivada, isto é, a uma segunda cultura, que aproveitará as sobras da adubação das batatas, geralmente a de milho de restivo.
Qualquer demora na colheita da batata seria a ruína, porque tornaria impossível a referida segunda cultura.
Mas a batata assim colhida, ainda por encascar, carece de imediato consumo, por absoluta impossibilidade de armazenamento sem o risco iminente de apodrecer.
Para isso conta o Lavrador que nessa altura estejam esgotadas, ou prejudicadas por excessivo grelamento, as reservas da anterior colheita, e, portanto, o mercado em condições de imediatamente as comprar.
Uma colheita determinada pelas razões que acabo de expor nunca poderá ser taxada de especulação, desde que a esta palavra se dê o significado grave de ilícita exploração do público.
Sr. Presidente: como venho de expor, a água, que mão pode ser substituída por qualquer elemento, e os fertilizantes orgânicos, que na adubação mineral nunca encontrarão substituto bastante, mas simples complemento ou correcção, e que a lavoura tanto se interessa por adquiria: e defender, merecem do Estado uma intervenção que assegure aos diferentes sectores da lavoura o seu valiosíssimo concurso.
A política da hidráulica agrícola e dos aproveitamentos hidroeléctricos, conjugada com às vantagens da lei dos melhoramentos agrícolas, já visa, em grande parte, aqueles pontos de vista.
Mas impõe-se que no saneamento de cidades e vilas haja o cuidado de, simultaneamente com a melhoria da higiene, se aproveitar convenientemente para a lavoura o conteúdo dos esgotos.
E convém também que para o fornecimento de água àqueles povoados se utilizem de preferência os mananciais de rios e ribeiras, evitando-se, sempre que possível, o recurso a minas, que durante todo o ano iriam esgotando os lençóis aquíferos do subsolo, de forma que a lavoura os encontrava exaustos quando, na estiagem, precisasse do seu concurso insubstituível para as indispensáveis regas.
Um largo e completo fomento resultante da conjugação de esforços dos particulares e do Estado e abrangendo simultaneamente todos os factores que fundamentalmente para ele possam concorrer - os da lavoura propriamente dita e os da pecuária -, acompanhados do prosseguimento das providências para desenvolver a rede de estradas até aos pequenos povoados e garantir-lhes os indispensáveis transportes e a fundamental energia eléctrica e a instrução profissional agrícola, não deixarão de contribuir para aumentar e melhorar as produções em geral e, particularmente, as de milho, e novos arroteamentos de terras consideradas estéreis ou de rendimento insignificante irão aumentando a nossa área cultivável paralelamente com o importante crescimento demográfico que as estatísticas vêm registando.
Sr. Presidente: aludiu-se no desenvolvimento da matéria do aviso prévio à substituição da cultura do centeio pela do trigo. Em muitas regiões isso seria inviável; mas noutras, onde o trigo poderia produzir, o desaparecimento da cultura de centeio, que ultimamente tem melhorado bastante devido à selecção das sementes, emprego de fertilizantes e melhor lavoura da terra, contribuiria não só para a supressão do magnífico pão regional, fabricado sobretudo com aquele apreciável cereal, mas limitaria consideràvelmente o consumo de pão de milho, que, associado à farinha de
Página 248
248 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 131
centeio, fica mais leve e saboroso e, sobretudo, corresponde melhor ao paladar do público.
A cultura do trigo tem ainda larga margem para progredir, não só no Alentejo, considerado seu solar, mas noutras províncias.
Pelo que respeita ao Norte, não só na Maia se registam elevadas produções do magnífico trigo conhecido pela designação de «maiato». Também nas abas da serra do Montemuro - o que levou o nosso antigo colega e eminente orador, natural de Fregil, concelho de Resende, a dizer desta tribuna que «a sua terra produzia o melhor trigo de Portugal-, e não só neste concelho, mas no de Lamego, que produz o trigo admirável de Magueija, no de Castro Daire e em tantos outros se registam produções notáveis pela qualidade e número de sementes obtidas.
Quanta terra de idênticas propriedades seria susceptível daquela e de outras culturas remuneradoras, tanto nas abas como nos extensos planaltos que coroam aqueles magníficos sistemas orográficos!
Sr. Presidente: entre as fórmulas inteligentemente sugeridas pelo Sr. Dr. Nunes Mexia de pão de mistura a fim de se aproveitarem todos os recursos nacionais e evitar o frequente recurso ao trigo estrangeiro, que nos obriga a grande desembolso de divisas, de que carecemos para outras aquisições indispensáveis, figura uma em que se recorre à farinha de arroz.
Claro está que as suas qualidades nutritivas, aliadas à respectiva finura e brancura, não deixariam de contribuir para a constituição de uma massa agradável e de boas qualidades.
Afigura-se-me, porém, que do seu emprego poderia resultar certo encarecimento do pão, cujo preço carece de ser o mais baixo que economicamente se reconheça viável, o que determinaria a fixação de preços mais baixos de outros cereais, para compensação daquela carestia, hipótese que eu nunca poderia aceitar, porque entendo convir estimular, com a garantia do melhor preço possível, as outras culturas cerealíferas.
Por outro lado, recordo-me, quando frequentei a Universidade de Coimbra, das funestas consequências que da cultura orizícola resultam não só para os que nela trabalham, mas para os habitantes das regiões circunvizinhas.
Os mosquitos anofeles fazem larga sementeira de sezões, que definham e até matam a população.
E os horríveis casos de patologia óssea dos que passam dias inteiros enterrados no lodo e na água a trabalhar nos arrozais!
Não ignoro que também neste sector a Medicina tem progredido e cito com reconhecimento a útil intervenção do Instituto Rockefeller, mas declaro que preferiria, apesar das incontestáveis vantagens económicas dessa rendosa cultura, que poupássemos tanto quanto possível aos trabalhadores e à população das zonas orizícolas as graves contingências a que seriam expostos.
Sr. Presidente: tão vasto assunto apresenta tantas facetas à discussão que muito eu teria ainda que dizer, e de importante. Mas já tomei muito tempo à ilustre Assembleia e, portanto, vou terminar, tanto mais que outros oradores não deixarão de referir-se a assuntos não abordados por mim. Uma das notas aqui feridas com farta argumentação foi a da necessidade de se estimular a produção do trigo, se a memória me é fiel (pois dos três discursos aqui proferidos apenas pude ler no Diário das Sessões o do Sr. Dr. João Nunes Mexia), julgo que por determinadas garantias aos seareiros nos respectivos arrendamentos e, sobretudo, mercê de preços compensadores e antecipadamente fixados.
Em matéria de inquilinato rústico, julgo que há toda a conveniência em se manter, tanto quanto possível, o preceituado no Código Civil, pois ali são devidamente acautelados os interesses dos arrendatários, sem que o basilar direito de propriedade seja prejudicado.
Acerca do preço do trigo é bem de ver que ele deve ser sempre compensador; mas importa não deixar de ter em vista que o pão, como (principal e fundamental alimento de toda a população, não pode deixar de estar ao alcance das classes que auferem remunerações mais baixas.
E verifica-se que, se as grandes lavouras, apesar de preços do trigo em desproporção com o valor da moeda, o custo dos salários, dos adubos, das alfaias e o mais que o amanho da terra exige; ainda se vão aguentando, já o mesmo se não dá com a maioria dos seareiros, que os números citados pelo Sr. engenheiro Mira Galvão nos mostram no mais desolador dos êxodos, porque coni o trigo por eles produzido não auferem os recursos indispensáveis à modesta manutenção de suas famílias.
Estamos, portanto, perante uma situação grave, porque, tal como na indústria, onde, simultaneamente com as grandes empresas, é indispensável que as unidades fabris de menor vulto, as pequenas oficinas e até as indústrias caseio-as possam laborar economicamente; na agricultura, ao lado dos latifúndios e das explorações de certo vulto, é absolutamente recomendável que as pequenas lavouras, que é geralmente o caso dos seareiros, possam subsistir sem a ameaça da miséria ou a triste contingência da emigração para os que nelas trabalham.
No Norte predominam os pequenos casais; e até abundam minimifúndios com proveitosa exploração agrícola.
Várias circunstâncias concorrem para isso: a já referida policultura; a exploração zootécnica em variados sectores, especialmente no porcino, que abastece a salgadeira, e no bovino, que fornece leite, garante a tracção de carros de lavoura, de charruas e de outras máquinas precisas nos trabalhos agrícolas, concorre, depois da engorda, para o rendimento do casal (se tabelamentos razoáveis o permitem), e, finalmente, constitui a principal garantia da indispensável adubação orgânica dos campos.
Quando a área do casal não é suficiente para absorver durante todo o ano o esforço da família, trabalha-se a jornal nas quintas próximas.
E, sobretudo, uma pequena indústria caseira concorre para aumentar os proventos familiares. Por isso fora possível, nas zonas onde a lavoura está assim equilibradamente organizada, vender o milho, cujo amanho não é menos trabalhoso nem menos dispendioso que o do trigo, por um preço inferior ao deste cereal, cuja cultura para se manter tem precisado de protecção especial do Estado.
Sr. Presidente: convencido de que nas condições precárias em que certas culturas e em determinadas regiões se vão arrastando, não constituindo assim garantia do mínimo indispensável para a manutenção do casal, mas, por outro lado, atendendo à necessidade de colonizar todo o território, fixando nele número suficiente de famílias, eu fui sempre defensor do funcionamento de oficinas ao lado da lavoura, ou de indústrias complementares da actividade agrícola, ou de outras modalidades compatíveis à rusticidade dos habitantes e à habitual escassez de recursos, isto, é bem de ver, sem deixar de reconhecer as vantagens inerentes a determinadas empresas de maior vulto.
No Norte, e apesar da política de concentração industrial, de que tem resultado o sacrifício de muitas dessas pequenas oficinas, e das complicações e peias de que rodeiam a sua instalação e funcionamento, ainda laboram muitas dessas unidades, que vão contribuindo para o sustento do agregado familiar e de onde muitas vezes saem produtos de bom acabamento, geralmente valorizados por feições artísticas apreciadas.
Página 249
4 DE FEVEREIRO DE 1948 249
Aludi a que fora possível vender-se o milho, apesar dos pesados encargos que a sua lavoura acarreta, a preços inferiores aos do trigo.
As circunstâncias, porém, sofreram grande alteração e prejudicaram por tal forma o referido equilíbrio económico das famílias rurais que actualmente já não é aconselhável, nem seria possível, manter-se o antigo diferencial de preços entre cereais sensivelmente equivalentes no custo de produção e no respectivo poder alimentício.
Resumindo, para concluir:
Na minha opinião não pode conceber-se a cultura do trigo sem remuneração condigna dos que nela trabalham e dos capitais ali colocados.
Mas, simultâneamente com as grandes explorações, é aconselhável conseguir-se viabilidade para as pequenas lavouras.
Para defesa das nossas disponibilidades no estrangeiro e na previsão deplorável de se repetirem acontecimentos bélicos, é da maior conveniência que nos bastemos no que respeita ao pão nosso de cada dia.
Para tanto seria de aceitar o recurso a misturas que permitam o aproveitamento de todos os nossos recursos cerealíferos, sob condição, porém, de que os cereais utilizados sejam pagos na proporção das suas qualidades alimentícias e que desse pão de mistura não resultem perturbações no consumo dos tradicionais tipos de pão regional.
O alvitre da utilização da farinha de arroz para a confecção de pão de mistura, que envolveria o aumento da área destinada à respectiva cultura, deve ser considerado no duplo aspecto do encarecimento daí resultante para tão basilar alimento e das consequências daí resultantes para a saúde dos trabalhadores e das populações vizinhas.
A muitas outras conclusões se poderia chegar em face do que venho de expor, mas termino felicitando os autores de tão oportuno aviso prévio e faço votos para que do seu longo e inteligente estudo resultem benefícios para a lavoura nacional, que tão carecida deles está, e para a Nação.
Dou por concluídas as minhas considerações sobre tão obcecante problema.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma moção assinada pêlos Srs. Deputados Nunes Mexia e Cortês Lobão, que vai ser lida.
Foi lida. Ê a seguinte:
«A Assembleia Nacional, considerando a repercussão do problema do pão nas condições de vida da população portuguesa e na economia nacional, reconhece:
1.° Que o Governo se não tem poupado a esforços para abastecer de trigo o País;
2.° Que convém, por motivos económicos e de segurança nacional, restringir ao máximo as importações de trigo, e neste sentido parece impor-se a intensificação na metrópole e províncias ultramarinas da produção dos diversos cereais panificáveis;
3.° Que para a consecução dos objectivos acima mencionados se torna indispensável fazer a política dos tipos de pão regionais e completá-la com a total substituição na panificação de farinhas estremes de trigo por farinhas de mistura, se estudos técnicos acurados não vierem a desaconselhar tal solução, de modo a dotar a população portuguesa de um ou mais tipos de pão que atendam às condições de vida das diversas classes e possuam as características de qualidade indispensáveis.
Sala das Sessões, 3 de Fevereiro de 1948. - João Garcia Nunes Mexia - António Cortês Lobão».
O Sr. Presidente:- A moção fica em discussão juntamente com o aviso prévio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui de Andrade.
O Sr. Rui de Andrade: - Sr. Presidente: não fazia tenção de falar. Desadornadas são as minhas palavras e o que pensava dizer poderia ser interpretado como crítica molesta e talvez injusta.
Depois de ter ouvido os meus colegas, reflecti longamente e resolvi tomar parte no debate.
Não importuno com extensas citações e números.
Destes só direi que a lavoura cerealífera devia em 1947 às caixas de crédito agrícola e de empréstimos sobre searas, segundo os algarismos citados pelo nosso colega tenente-coronel Cortês Lobão, 170:000 contos. Quanto deverá aos bancos particulares, aos bancos hipotecários, aos grémios, às companhias de adubos e a particulares por demora no pagamento de contas de rendas atrasadas e por contribuições em atraso?
A quanto montará a venda d« arvoredos, de gados e de propriedades para vencer posições aflitivas?
O dobro? O triplo?
Como compreendem, é difícil obter elementos certos. É, porém, seguro que esta situação existe.
Se for da ordem dos 300:000 a 500:000 contos (pomos por hipótese 400:000), ela representa, grosso modo, o encargo de 1$ por cada quilograma de trigo que venha a colher-se este ano, se a sementeira for de 500.000:000 de quilogramas em 500:000 hectares e der oito sementes ou 400:000 toneladas.
Se o custo da colheita deste ano for, como a prática me diz e as minhas contas confirmam, superior à tabela (isto depende da produção que tivermos, e eu parto para esta dedução de uma média de oito sementes), a lavoura ficará na situação presente, senão pior, devendo entrar em conta com os juros de 4 por cento, em anedia, a pagar sobre a quantia que deve e que representa cerca de duas dezenas de milhares de contos.
Quer dizer que a lavoura trigueira se afunda, mas convém fazer aqui notar que na região do trigo há grandes diferenças- de lavouras para lavouras:
Umas são feitas em bons terrenos para trigo, os quais sempre foram cultivados com este cereal e em que a rotação de trigo e fava é tradicional. Nestes terrenos, em geral, as fundas em trigo rijo são elevadas, mas o custo da cultura é caro e o movimento de gados pequeno. Ë o que acontece na zona dos barros de Beja, Ferreira, Cuba, Alvito, Serpa, Moura e pouco mais nos campos de Beja; é ainda o que se observa nalguns terrenos de Elvas e de Campo Maior;
Há depois um grupo de terras menos ricas, mas ainda boas para trigos moles, como Alter, Fronteira, Estremoz, Borba, Vila Viçosa, Redondo, parte de Elvas e de Campo Maior, Arronches, Viana, Alvito, Reguengos, Portel, Vidigueira e outras que menos conheço no distrito de Beja;
Há ainda a considerar as terras da borda de água, boas, mas tão sujeitas nestes últimos tempos a sucessivas e destruidoras cheias;
Há, finalmente, o grupo dos párias cerealícolas, constituído pela maioria dos distritos de Portalegre e Évora, com as suas terras de centeio levadas a trigueiras à custa de adubações esgotantes; há as areias dos distritos de Santarém e Setúbal; há os xistos do baixo distrito de Beja.
A despeito das más condições dos agricultores das boas terras de barro, mais graves são hoje as dos culti-
Página 250
250 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 131
vadores das terras centeeiras. Para cada uma destas situações a posição deficitária representa um caso especial.
É frequente ouvir dizer: mas então porque continuam a cultivar trigo?
Várias são as razões:
O horror do lavrador em mudar de ofício;
O não saber como viver no dia de amanhã abandonando a agricultura;
A solidariedade com o próprio pessoal rural quando se é lavrador, porque o seareiro, esse, já voltou a assalariado;
A necessidade de solver encargos nas caixas de crédito e empréstimos de cultura;
A esperança, há tantos anos frustrada, de ter um ano bom;
Encargos que continuam exigidos mesmo depois de suspensa ou interrompida a exploração agrícola, visto empenharem todos os capitais móveis e fundiários;
Necessidades de pastos e palhas para a exploração pecuária;
Um imperativo moral de solidariedade nacional pela consciência da necessidade da alimentação pública;
A esperança de uma modificação favorável da tabela oficial do preço do trigo.
Estas as razões principais da situação da lavoura em geral e da trigueira em especial.
Digo em geral porque uma parte da lavoura não está nestas circunstâncias. Vamos ver qual e porquê:
Não está em crise o lavrador que se fez negociante, diminuindo concomitantemente a sua cultura cerealífera, ou fez a mercado negro»;
Não o está o que baseou a sua exploração na pecuária, porque pouco despende com pessoal e a actual baixa de preços, por recente, ainda não o afectou grandemente;
Não o está igualmente o que tem grandes montados e engorda porcos, bem como o que tem cortiça, apesar da depreciação do já atingido;
Não está ainda o que dispõe de outros rendimentos a que pode recorrer ou tem possibilidade de certas culturas, como a do arroz;
Finalmente, não o estão os de regiões onde culturas variadas, como a da oliveira, a da vinha, a do milho e 03 montados, não os obrigam a depender da cultura quase exclusiva de cereais.
Os desta última são os que devem as grandes quantias à Caixa Geral de Depósitos, ao Crédito Predial e aos outros bancos.
Sr. Presidente: há mais de cinquenta anos que cultivo trigo (desde 1895, isto é, há cinquenta e três anos).
Durante todo este tempo, das lavouras por mim dirigidas devem ter saído mais de 60 milhões de quilogramas de trigo. Nos últimos anos a sementeira tem orçado por duzentos moios só de trigo e outro tanto de segundas, isto é, de cevada, aveia e centeio, sem falar de milho e arroz.
Fui sempre conhecido como produtor de gados selectos, mas a minha maior preocupação tem sido sempre a cultura do trigo.
Não é aqui lugar para uma lição de agronomia, mas posso garantir que desde muitos decénios experimentei todas as adubações orgânicas e químicas, estrumes e siderações, chegando à conclusão de que, se tecnicamente se pode melhorar, econòmicamente se vai de encontro a graves perdas nos anos maus.
Tentei várias densidades de sementeiras e voltei às usuais.
Usei diversas armações de terreno, inclusive o método integral, e tive de voltar à forma corrente na minha região.
Empreguei quase todos os trigos nacionais e estrangeiros, precoces e não precoces, moles e rijos.
Os primeiros trigos seleccionados para semente pelo professor Strampelli vieram para Portugal por minha intervenção, antes mesmo de entrarem primeiramente no comércio.
Adiantei e atrasei sementeiras e colheitas, adubei em cobertura, despontei, mondei à mão e quimicamente.
Empreguei charruas, maquinismos modernos (semeadores, distribuidores de adubos, ceifeiras e ceifeiras--debulhadoras), e cheguei à conclusão de que o clima é o principal causador das boas ou más produções, portanto das boas ou más colheitas.
Em condições idênticas, um ano dá 1:800 quilogramas e outro 350 quilogramas por hectare. E não fui só eu a ter esta opinião; os meus empregados Filipe de Jesus, Manuel Ganhão, Francisco de Sousa, Luís Ramos, Alfredo Farinha e Jacinto Silvério, todos pessoas que deram boa conta de si na vida, têm, ou tiveram, a mesma opinião.
Cheguei, por conseguinte, à conclusão de que o único sistema para ser cultivador de trigo não é forçar a cultura, mas saber não ser colhido, sendo muito económico. O melhor de tudo é não descer à arena.
Estes três últimos anos foram para mim como para Guerrita a colhida no pescoço: «Este es el aviso», já não se sentia em plenas forças. Eu farei o mesmo; já estou avisado pêlos desastrosos resultados de 1946-1947. Vamos a ver se, ao menos, 1948 será, como dizem os franceses - mourir en beauté - com um ano bom.
Sr. Presidente: porquê, como e desde quando se chegou a esta situação aflitiva?
Peço às pessoas que se sentirem atingidas pelo que vou dizer me perdoem.
Sei que todas procuraram acertar, mas errare humanum est - e nisto houve erros.
Não mencionarei nomes; só apontarei factos, mas antes uma premissa aclarativa.
A lavoura é uma indústria de movimentos lentos, mas que sofre de variações bruscas e de desequilíbrios:
Há bosques que para darem seus frutos e amortização levam trinta anos;
Os olivais levam também muitos anos;
Uma vinha, cinco ou seis anos;
Uma seara ide trigo, dois anos.
A montagem de uma lavoura até à sua primeira produção e até à amortização da montagem da empresa leva, pelo menos, cinco ou seis anos. Quer dizer que qualquer variação de preços, durante estes períodos, pode beneficiar ou prejudicar gravemente qualquer destes empreendimentos.
Ora a cultura frumentária tem visto no espaço de vinte e cinco anos - não vou mais longe porque o julgo inútil - mudar constantemente os níveis em que tem navegado:
Mudou o valor do dinheiro;
Mudaram as tabelas do preço oficial do trigo;
Mudou o preço relativo dos adubos e dos petrechos de cultura;
Surgiu a guerra;
Apareceu a concorrência do «mercado negro* e desonesto a desordenar todos os preços de pessoal e de produtos para os agricultores honestos;
Apareceu a organização de moageiros, de salsicheiros, de industriais de lanifícios e de tantos outros ramos a pesar sobre o preço e escoamento de produtos da desorganizada terra, que pelo seu fraccionamento e diferenciação não pode defender-se com as organizações feitas com boa vontade para a proteger.
Mas, dizia eu, desde quando vem esta situação da lavoura cerealífera?
Respondo: desde 1932! E porquê?
Página 251
4 DE FEVEREIRO DE 1948 251
Porque nesse ano a importação maciça de aveia, centeio, cevada e fava desequilibrou de tal ânodo esta lavoura, que conheço, que só no concelho de Eivas levou à quebra, ou à liquidação e venda de propriedades para não quebrarem, mais de vinte lavradores, entre grandes e pequenos.
Há desde então situações periclitantes, que vão arrastando-se à custa de juros de mora, pagos com vários artifícios.
Mas vieram as colheitas de 1932, 1933 e 1934. Assustou-se muita gente com a crise da superabundância; os trigos estagnaram nos celeiros; avariou-se grande porção deles; exportou-se outra com prejuízo para o produtor, e para diminuir a área de cultura deste cereal, portanto as colheitas futuras, baixou-se o preço da tabela oficial.
Liquidações tardias e baixa de preço deram o resultado que trigos cultivados à tabela de 1$50 foram liquidados a menos de 1$!
Perda de um terço do valor da colheita e atrasos de liquidação levaram a lavoura trigueira a recorrer ao crédito.
Eu previ naquele tempo as consequências de semelhante política e até sustentei uma longa e acérrima campanha no Jornal do Meio-Dia, mas a minha voz foi voa clamans in deserto.
Ninguém me quis então ouvir, mas o tempo dá-me razão.
Aqui inicia a lavoura a sua via crucis; são as caixas de crédito a corda para nos enforcar.
E desde então a dívida da lavoura cresce e aumenta, segundo os números relatados.
Os anos seguintes foram todos maus, menos 1937, 1939 e 1943, em que o número de sementes chegou a dez, mas 1936, 1938, 1940, 1941, 1945 e 1947 foram tão maus que a média deste período é inferior à de toda a nossa produção trigueira nos últimos trinta anos! A média da nossa produção neste período é inferior à da Idade Média, a qual, pelo que sabemos, era de oito sementes sem adubo (e verdade que só em terras próprias para trigo).
Esta é a situação da cultura trigueira, actualmente cheia de dívidas e em ruína.
O Sr. Ministro da Economia disse que não podia, com a sua política de baixa, aumentar o preço da tabela oficial!
Mas convirá que a lavoura trigueira diminua num momento tão crítico como este por que está agora passando todo o Mundo?
Poderá ela manter-se na situação em que se encontra?
Eu afirmo que não.
Qual a solução? E isso o que o Governo deve estudar e resolver sem demora.
Todos queremos colaborar com o Governo; é nosso dever e nosso interesse, mas está chegado o momento em que isto para muitos deve ser já impossível.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã, antes da ordem do dia, será submetida à apreciação da Assembleia a situação parlamentar do Sr. Deputado Sá Viana Rebelo, sobre a qual já incidia parecer da Comissão de Legislação e Redacção, parecer que conclui por considerar que este Sr. Deputado não teria perdido o seu mandato. O parecer já foi publicado no Diário das Sessões.
Na ordem do dia continuará o debate sobre o aviso prévio em discussão e também será submetido à apreciação da Assembleia o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção para o projecto de lei do Sr. Deputado Melo Machado sobre reclamações em matéria de hidráulica agrícola.
Peço aos Srs. Deputados o favor de virem amanhã um pouco mais cedo, para que haja número à hora regimental, visto que é minha tenção que nessa sessão se conclua o debate acerca do pão e do trigo. Terei de prorrogar um pouco a sessão se isso for necessário.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Cunha Gonçalves.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Querubim do Vale Guimarães.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Júdice Bustorff da Silva.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Xavier Camarate de Campos.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Penalva Franco Frazão.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA