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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 133

ANO DE 1948 10 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º133 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 9 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luís da Silva Dias

Nota. - Foram publicados três suplementos ao Diário das Sessões n.º 132, inserindo o 1.º e o 2.º avisos convocatórios da Câmara Corporativa e o 3.º um aviso convocatório da Assembleia Nacional.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 131 e 132 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera vários elementos pedidos pelos Srs. Deputados Henrique Galvão e Pacheco de Amorim.
Foi autorizado o Sr. Deputado Sá Carneiro a depor como testemunha num tribunal do Porto.
O Sr. Presidente manifestou o [pesar da Assembleia pela morte da mãe do Sr. Deputado Bustorff da Silva e do pai do Sr. Deputado Marques Teixeira.
O Sr. Deputado Antunes Guimarães falou sobre a situação da lavoura, em especial da viticultura.
O Sr. Deputado Pinto Basto considerou a situação portuguesa perante o ambiente internacional.
O Sr. Deputado Duarte Silva congratulou-se com o empréstimo concedido á colónia de Cabo Verde.
O Sr. Deputado Rui de Andrade apresentou um requerimento.

Ordem do dia. - Começou o debate sobre o projecto de lei relativo aos feriados e descanso semanal, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Mendes de Matos, Mário de Figueiredo e Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.

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Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Finto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 131 e 132 do Diário das Sessões.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: desejo apenas fazer uma alteração a um quadro a que aludi e que consta do Diário n.º 131. Onde, a p. 244, col. 1.ª
1. 12, se lê o nome de: «Silva Pinto», deve ler-se: «Elvino de Brito.

O Sr. Belchior da Gosta: - Sr. Presidente: desejo igualmente fazer uma pequena correcção ao Diário n.º 132. A p. 276, col. 1.º, 1. 39, onde se lê: «35 por cento», deve ler-se: «25 por cento».

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre estes números do Diário, considero-os aprovados com as alterações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Foram recebidas na Mesa centenas de telegramas, várias cartas e representações de apoio ao projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos relativo a feriados e dia de descanso semanal.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Henrique Galvão à Direcção Geral de Fomento Colonial, que vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Igualmente estão na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Pacheco de Amorim à Junta Nacional dos Produtos Pecuários, que também serão entregues a este Sr. Deputado.
Está na Mesa um pedido do juiz do 2.º juízo correccional da comarca do Porto para que o Sr. Deputado Sá Carneiro seja autorizado a depor no dia 17 do Maio próximo, pelas 17 horas. O Sr. Deputado Sá Carneiro não Vê inconveniente em que a Câmara conceda essa autorização.

Consultada a Assembleia, foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Durante a interrupção dos nossos trabalhos faleceu a mãe do digno Deputado Sr. Dr. Bustorff da Silva. Creio interpretar os sentimentos da Câmara apresentando àquele ilustre Deputado o nosso profundo pesar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Acabo também de ser informado de que faleceu ultimamente o pai do digno Deputado Sr. Dr. Marques Teixeira. Julgo igualmente interpretar os sentimentos da Assembleia exprimindo àquele ilustre Deputado os pêsames da mesma Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Bustorff da Silva: -Sr. Presidente: desejo apenas agradecer a V. Ex.ª e à Assembleia o voto do sentimento que acaba de ser expresso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: durante o mês e alguns dias de intervalo dos nossos trabalhos parlamentares registaram-se acontecimentos de vulto, alguns dos quais, pela sua notória projecção na vida nacional, justificariam que na respectiva apreciação se empregasse algum tempo precioso das nossas sessões.
Um deles, o da inauguração da fiação de linho anexa à Fábrica de Fiação e Tecidos da Senhora da Hora, no concelho de Matosinhos e a dois passos da Circunvalação do Porto, dirigida superiormente pelo grande e inteligente empreendedor Sr. Manuel Pinto de Azevedo,

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que tem naquele ramo industrial como colaboradores principais o distinto engenheiro Sr. Delgado dos Santos e o Sr. Mendonça, todos eles galardoados com o Mérito Industrial, cujas insígnias lhes foram entregues pelo Sr. Ministro da Economia, merece relevo especial, não só pelo valor das instalações, mas pelas afirmações ali feitas por aquele ilustre titular sobre a fórmula equilibrada e justa que naquela actividade se afirma ter encontrado para colaboração da agricultura e da indústria, cujos interesses nem sempre se combinam harmònicamente, pois que, deploràvelmente, acontece de tais encontros sair consideràvelmente prejudicada a lavoura. Erro que é de esperar se não repita neste caso, não só pelo critério superior que orienta os organizadores da nova indústria, melhor dizendo, do renascimento da tradicional indústria do linho, que a concorrência de outras fibras têxteis e de modernas substâncias plásticas foi pouco a pouco destronando e reduziu a muito pouco, mas também pelas afirmações do ilustre Ministro, na referida festa inaugural, sobre o empenho que o orientou de assim criar para a lavoura, mercê da intensificação da cultura do linho, com sementes seleccionadas, adequadas adubações e conveniente técnica agrícola, não só importante aplicação de trabalho e de capitais, mas uma fonte regalar de rendimentos condignamente remuneradores de todo o esforço assim despendido.
Sr. Presidente: a verificar-se o que o Ministro disse, aquelas palavras cairão como feixe de luz acalentadora, que logrará atravessar o negrume denso e persistente que há bastante tempo pesa nefastamente sobre a lavoura, contrariando-a no seu esforço tenaz e perseverante com restrições que, apesar de atenuadas, ainda se mantêm teimosamente, tabelamentos aquém do valor real e concorrências que as condições do nosso solo, clima e preço elevado de tudo o que a lavoura precisa de adquirir não permitem comportar.
Ao meãos, que eu saiba, esta indústria da fiação de linho não se levanta sobre as ruínas de unidades económicas similares que, pela fórmula, que eu tenho combatido, das concentrações industriais, tivessem sido sacrificadas, como se verificou nas cortadorias de pêlo e nos lacticínios, em que não se trepidou perante o encerramento de numerosas unidades modestas, mas que, devidamente actualizadas, poderiam atingir grandes funções económicas e sociais.
Oxalá que deste empreendimento resulte a equilibrada conjugação prevista, para que industriais e lavradores aufiram o preciso para compensação do risco, empate de capital e trabalho despendido, tudo concorrendo para engrandecimento da Nação.
Sr. Presidente: nos últimos dias da semana passada tive a honra de acompanhar o ilustre governador civil do distrito do Porto na sua visita a cerca de metade dos respectivos concelhos.
Assim, tive ensejo de trocar impressões com numerosas pessoas de todas as categorias dos concelhos de Gaia, Gondomar, Maia e Valongo, situados nos arredores da cidade do Porto, bem como dos concelhos de Amarante e Marca de Canaveses, do vale do Tâmega, e de Paredes, da Terra do Sousa.
Com a gente do Porto converso eu diariamente e também com numerosas pessoas, não só do distrito, mas de todo o Norte e Centro, que ali afluem constantemente.
Claro está que não faltaram as alusões à situação crítica da lavoura: o gado sem mercado compensador; os feijões sem darem para o amanho da terra; das batatas nem vale a pena falar, porque já se perdeu a esperança de reaver, do muito que a sua cultura custou, coisa que se veja.
Mas o que mais seriamente preocupava a gente dos campos era a situação cada vez mais embaraçosa do mercado de vinhos, com que todos contavam para se ressarcirem em parte dos prejuízos registados noutros sectores da lavoura.
Sr. Presidente: quando, poucos dias após a minha intervenção nesta Assembleia sobre os inconvenientes da elevação de 30 para 40 por cento do contingente de vinhos do Douro na cidade do Porto, li no Diário do Governo de 2 do Fevereiro último não sómente a promulgação daquela providência, mas a sua extensão a toda a área da delegação do Grémio dos Armazenistas de Vinhos da cidade do Porto, eu convencera-me de que o Governo não deixaria de logo a seguir, ordenar providências protectoras dos vinhos de outras regiões, para evitar a gravíssima perturbação que poderia verificar-se no respectivo mercado se remédios eficazes não surgissem imediatamente. Mas, como aliás era inevitável, desde que não foram tomadas aquelas precauções, os preços, que já eram baixos, agravaram-se perturbadoramente e a procura, que se mantinha tímida, retraiu-se ainda mais.
É certo que recentemente foi anunciada a intervenção oficial no mercado para a compra de vinhos, cujos preços seriam função do grau alcoólico e da acidez volátil.
Ora se um tal recurso é admissível para os vinhos de elevada graduação alcoólica, notoriamente os do Sul e para os que estão na iminência de se inutilizarem, será de influência muito precária nos vinhos do Norte, sobretudo nos da região dos. vinhos verdes, geralmente de graduação bastante baixa, do que resultariam preços de ruína, mas possuindo qualidades excelentes, que não são devidamente consideradas na fórmula adoptada.
Por isso se verifica a derrocada de cotações, que tanto preocupa a lavoura dos vinhos verdes.
Sr. Presidente: esclareço que do contingente de 40 por cento de que agora beneficiam os vinhos de consumo da região duriense resulta o encargo da aquisição de 200 litros de vinho do Douro por cada pipa de 500 litros de vinho doutras regiões que entra no Porto.
Na prática essa obrigação traduz-se na compra de uma guia a determinadas entidades, que por ela exigem uma importância que, segundo me informam, anda à volta de 250$, mas com franca tendência para agravamento. Segundo a letra do decreto-lei n.º 36:742, de 2 de Fevereiro último, aquela percentagem, que apenas incidia sobre o concelho do Porto, agora é extensiva a toda a área da delegação do Grémio dos Armazenistas de Vinhos da cidade do Porto.
Isto quer dizer que, além da cidade e concelhos do Porto, abrange também, ao sul do rio Douro, os concelhos de Gaia e de Espinho e, ao norte, os de Matosinhos, Maia, Gondomar e Valongo.
E quer dizer também que ficam abrangidos vários concelhos da zona demarcada dos vinhos verdes.
Duma maneira geral, nos seis concelhos agora abrangidos, e até na parte rústica do concelho do Porto, produz-se bastante vinho verde e de boa qualidade, tendo eu ouvido afirmar que se pretende aplicar o encargo do contingente de aquisição de 40 por cento de vinho do Douro, não sómente sobre os vinhos ali entrados, mas até nos produzidos nas respectivas áreas, o que, além de injusto, constituiria ónus pesadíssimo e dificultaria a sua colocação.
Não disponho de números estatísticos referentes à produção vinícola de todos os citados concelhos; mas sei que na última colheita se registaram em Matosinhos 637:590 litros, em Valongo 2.153:894, na Maia 3.101:879 e em Gondomar 5.171:330, o que autoriza a classifica-los, não como zonas exclusivamente de consumo, mas nitidamente produtoras, circunstância ponderosa que não pode deixar do ser tida em consideração ao legislar sobre tão importante problema, que afecta fundamentalmente a lavoura.
Sr. Presidente: na aludida ronda feita aos diferentes concelhos do distrito do Porto, autênticos baluartes da

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política do Estado Novo, pelo governador civil, em cuja companhia eu tivera também a satisfação de percorrer as regiões que já enumerei, ouvi, a propósito dos preços de ruína dos vinhos verdes e quando alguém atribuía aquela gravíssima derrocada a excessos de produção e pugnava por rigorosas restrições de plantio de videiras, uma resposta mais ou menos como do teor seguinte:
Não se trata de excesso de produção, mas de unia deplorável e injustificada insuficiência de preços.
A última colheita de vinho verde, se foi superior à penúltima (das mais baixas registadas), ficou muito aquém das maiores, pois, tendo atingido a de 1943 cerca de 601:000 pipas e 622:000 pipas a de 1944, em 1947 registaram-se 471:000 pipas, isto é, menos cerca de 101:000.
Ora as 622:000 pipas de vinho verde colhidas em 1944, salvo pequenos lotes exportados e destilados, foram quase totalmente absorvidas pelo consumo nacional.
Não estamos, portanto, em face de produção exagerada, nem de baixa apreciável no consumo. Repito: apenas se verifica uma baixa insuportável de preços pagos ao produtor.
O vinho verde continua a ter, por assim dizer, intacta a sua clientela, sendo até certo que na sua maioria, constituída por operários fabris, não se verificou diminuição, antes tem aumentado o respectivo poder de compra e, portanto, bem poderia pagar o vinho por um preço compensador para o produtor, a fim de que este possa, sem desequilibrar gravemente a economia dos respectivos casais, continuar a pagar as jornas do seu pessoal, contribuindo assim para que a classe mais numerosa dos trabalhadores portugueses não tenha de descer do nível modesto a que subira e deixe de ser a grande consumidora da produção de outras actividades.
No que respeita a consumo de vinho, ainda estamos longe de atingir a capitação registada (segundo se verifica pelos números do Office International du Vin, em 1936) na Itália (122 litros) e na França (163), quando em Portugal, país por excelência dos bons vinhos, não passamos de 93 litros anuais por habitante.
Ora, actualmente é por todos sabido que o vinho, sendo a melhor das bebidas, dispõe também de apreciáveis qualidades alimentícias, sendo assim recomendável toda a propaganda para a elevação do respectivo consumo.
O povo francês bebe em média e por habitante mais 50 litros de vinho anualmente do que o português.
Estamos, portanto, ainda muito longe dos tais exageros de produção.
O que se impõe na presente conjuntura é evitar a derrocada dos preços, porque os prejuízos consideráveis dai resultantes, somados a outros também de grande vulto geralmente conhecidos, traduzir-se-iam na ruína da nossa principal fonte de trabalho e maior riqueza: a lavoura.
Bem sei: fica a terra onde os lavradores trabalham... mas esmagada sob o peso incomportável das dívidas e de outros encargos.
As vinhas -a não ser as que as brigadas insistem em arrancar ou cortar (a gente pasma!)- também ficarão, porque, apesar dos prejuízos registados, o lavrador quer-lhes muito.
Mas podem falhar os recursos para comprar ferro e arame para as ramadas e bardos, fertilizantes que as robusteçam, sulfato e enxofre para defesa contra certos agentes morbígenos e variados parasitas; mas, infelizmente, ficam outros, e para os quais ainda não se descobriu remédio eficaz...
Segundo me consta, e apesar de activa fiscalização, as fraudes continuam a envenenar os consumidores e a concorrer para a ruína da lavoura.
Para terminar as minhas considerações, repito que a protecção aos vinhos do Douro é de toda a justiça, mas deveria acautelar-se também a defesa das outras regiões, mercê de imediata intervenção eficaz nas compras, já que o recurso a armazéns reguladores e compensadores da desigualdade de colheitas é de execução morosa.
A intervenção, a que já aludi, baseada na graduação alcoólica, se é remédio para os vinhos doentes, e mercê dela pode atingir-se certa compensação para os vinhos muito alcoólicos, não aproveita aos bons vinhos verdes, os quais, como fica dito, não se caracterizam pelo álcool que contêm, mas por outras propriedades brilhantes que lhes asseguram consumo certo, mesmo nas grandes colheitas, como as de 1942 e 1943, a que já me referi.
O tema é importantíssimo, porque se liga ao produto n.º 1 da nossa lavoura, e da maior oportunidade, porque mal irá a nossa economia se não valermos à derrocada que se verifica no sector vinícola.
Mas dou por findas, por agora, as minhas considerações, mas na expectativa de muito brevemente as continuar.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Pinto Basto: - Sr. Presidente: durante as recentes semanas em que estiveram interrompidos os trabalhos da Assembleia passaram-se no Mundo graves .acontecimentos, que são demais conhecidos para que seja necessário referi-los. Não sabemos, ninguém sabe, qual será o último reflexo de tal evolução nas condições políticas internacionais, mas julgo que ninguém discordará que deles resultou o adensar e agravar de um ambiente já carregado de justas apreensões e que a preocupação dos homens públicos amantes da paz encontrará neles, infelizmente, sobejo motivo de novas ansiedades.
Dir-se-ia que o sol brilhante e quente deste princípio de Primavera é símbolo da luz que a Providência faz irradiar sobre a nossa terra e que a Nação Portuguesa, tendo dado novos mundos ao Mundo, parece agora destinada, na modéstia da sua simplicidade, a iluminar, ainda pelo seu exemplo, o caminho da cristã e humana vida. Não que sejam perfeitas as nossas circunstâncias, a nossa organização e a sua mecânica, obra de homens, e não de Deus. Todos nós temos e exteriorizamos -felizmente! - motivos de descontentamento, de crítica, até de aborrecimento com o que se passa pelo País e o Império além, pela insuficiência das soluções que todos desejaríamos mais perfeitas, mas não esquecemos que de todos o maior insatisfeito é S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho.
As nossas críticas são portanto o privilégio dos homens de boa fé. Mas eu creio que no quadro angustioso e triste que nos rodeia, no ambiente de preocupação e dúvida em que respira o Mundo, a Assembleia Nacional, certa de interpretar o sentir da Nação que a elegeu livremente, deseja manifestar ao Sr. Presidente da República e ao Sr. Presidente do Conselho, mais uma vez, o seu caloroso e leal apoio e a certeza da sua total confiança.
Povo livre há oito séculos, livre quer continuar, alheio a influências que se não conciliam com a sua História e a sua Fé e com a noção perfeita que tem dos imperativos do seu destino de nação independente. Parece-me oportuno que se faça nesta Assembleia Nacional esta afirmação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: foi com verdadeira satisfação que vi hoje publicado o decreto que concede à colónia de Cabo Verde um importante empréstimo para fazer face à crise em que ela se debate.
Na sessão de 13 de Dezembro aludi aqui à trágica situação daquela província ultramarina e afirmei ser im-

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prescindível um empréstimo ou subsidio de cerca de 60:000 contos para pôr termo à insustentável situação em que ela se encontrava.
Verifico, com prazer, que o meu apelo foi ouvido. E, assim, não posso deixar de manifestar o meu regozijo e de expressar a todo o Governo, e em particular a SS. Exa. o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Ministro das Colónias, o reconhecimento dos cabo-verdianos, fazendo sinceros votos por que da criteriosa aplicação dos créditos concedidos resulte de facto a melhoria das condições de vida, tão instáveis naquela parcela do território nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Rui de Andrade: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:

«Peço me seja fornecido pelo Ministério da Educação Nacional cópia do despacho de S. Ex.ª o Ministro acerca da interpretação a dar ao disposto no § único do artigo 9.º do decreto n.º 32:241, de õ de Setembro de 1942. e bem assim a cópia do ofício do Comité Olímpico Português sobre o qual foi exarado aquele despacho.
As datas dos referidos documentos devem ser de fim de Fevereiro ou primeiros dias de Março de 1945».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão o projecto do lei n.º 170, relativo a feriados e dia de descanso semanal, da autoria do Sr. Deputado Mendes de Matos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes de Matos.

O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: vai a Assembleia Nacional discutir o problema do descanso dominical, dos dias santos e dos feriados nacionais.
Em face dele encontram-se tomadas duas posições nítidas e diferenciadas: a que consta do meu projecto e a que contém o doutíssimo parecer da Câmara Corporativa.
As duas posições coincidem inteiramente na sua essência e nos seus objectivos unais: ambas preconizam como indispensável e urgente a generalização do descanso dominical; ambas consideram, em certo modo privilegiado, o dia 8 de Dezembro como data ao mesmo tempo cristã e patriótica; ambas julgam necessário fazer respeitar o descanso imposto pela Igreja nos dias festivos e o determinado pela lei quanto aos feriados de gala nacional.
Em que divergem as duas posições?
Nos meios a adoptar para se conseguirem os objectivos que lhes são comuns.
O meu projecto propõe que a Assembleia decrete a uniformidade do descanso dominical e reconheça feriado nacional a festa religiosa e patriótica de 8 de Dezembro e confia ao Governo o encargo de em sequência de negociações a efectuar dentro do espírito da Concordata com a Santa Sé, rever os feriados nacionais, ajustando-os com os dias santos e com as grandes datas nacionais; a Câmara Corporativa entende que deve esta Assembleia por si mesma reconhecer feriados todos os dias festivos da Igreja, deixando que esta, por sua espontânea determinação ou por sugestão do Governo, os reduza, nos termos que se reputem mais ajustados à segurança de interesses que porventura venham a ser julgados em causa.
As considerações aduzidas pela Câmara Corporativa para fundamentar o seu parecer afiguram-se-me lógicas e concludentes.
Por outro lado, as conclusões a que chegaram o seu ilustre Presidente e os dignos representantes das actividades e interesses nacionais, que as subscreveram por unanimidade, em nada colidem com a essência do meu projecto.
Nestas condições, não tenho dúvida nenhuma em aceitar a sugestão da Câmara Corporativa, deixando a Assembleia inteiramente à vontade para se decidir pela forma que julgar mais perfeita.
Nesse sentido e com este intuito vou enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Ao abrigo do artigo 37.º do Regimento, adopto o texto sugerido -pela Câmara Corporativa e requeiro que seja discutido em conjunto com o meu projecto».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: cabe-me informar a Câmara a respeito da posição tomada por unanimidade tanto na Comissão de Educação Nacional como, ao que me foi comunicado, pela Comissão de Administração Política e Civil. Cabe-me, dizia eu, informar a Assembleia da posição tomada por estas Comissões.
Essa posição foi a seguinte:
1.º Deverá, como base de discussão, ser adoptado o texto do projecto antes do texto sugerido pela Câmara Corporativa;
2.º No texto do projecto deverão ser introduzidas certas modificações não substanciais, modificações que serão trazidas à consideração da Câmara na sua devida altura, isto é, a propósito da discussão na especialidade.
Estas as soluções a que se foi conduzido nas Comissões desta Câmara a que acabo de fazer referência.
Agora procurarei desenvolver as razões que, porventura, terão conduzido as Comissões a tomar aquela posição.
Quero eu dizer que nesta matéria, em que já não há propriamente decisão, a responsabilidade do que disser é exclusivamente minha e não das ditas Comissões.
Porque admitir a solução do projecto antes da solução da Câmara Corporativa? Para responder a esta pergunta devo esclarecer que a solução da Câmara Corporativa se baseia, entre outras, na seguinte ordem de considerações.
Há uma Concordata entre o Estado Português e a Santa Sé. Nessa Concordata o Estado Português compromete-se a tomar as disposições convenientes para que aos portugueses católicos se torne possível cumprir os seus deveres religiosos.
Sucede que um dos aspectos em que o cumprimento desses deveres religiosos aparece é este: aos católicos manda a Igreja guardar domingos e festas de guarda. Se aos católicos determina a Igreja guardar domingos e festas de guarda, se o Estado Português, por uma disposição de ordem concordatária, por uma disposição de ordem internacional, se compromete com a Santa Sé a tornar possível aos católicos o cumprimento dos seus deveres religiosos, pela Concordata o Estado Português obriga-se a decretar como dias feriados os dias santos.
Ora bem: eu não vou agora desenvolver diante dos olhos de VV. Ex.ªs uma demonstração de carácter jurídico.
Quer dizer: não vou tomar o texto da Concordata e demonstrar, com base nesse texto, que a solução a que acabo de aludir não está, na verdade, contida no texto; não vou demonstrar que, pelo texto concordatário, é inadmissível admitir que o Estado Português é obrigado a instituir como feriados nacionais os dias santificados.
Quero apenas atrair a atenção de VV. Ex.ªs para a questão olhada a uma certa luz, que é esta: se, em consequência de um texto de direito internacional, o Estado

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Português fosse obrigado a instituir como feriados nacionais os dias santos, o processo de solução do problema em debate não era directamente este.
Eu não quero dizer que não pudesse esse momento ulterior vir a ser este, mas não era directamente este.
Se há um texto de direito internacional que obriga o Estado Português a tomar uma determinada posição no ponto de vista do direito interno, e se a não tomou, isto quer dizer que não cumpriu, que não executou, o texto de direito internacional.
E quer ao mesmo tempo dizer que à outra parte contratante, à outra parte emanadora do texto, cabia reclamar contra o não cumprimento de uma obrigarão internacional por parte do Estado.
E então se verificaria se realmente do texto resultava para o Estado Português a obrigação de fazer feriados nacionais os dias santos ou só não resultava. Se resultasse, seguir-se-iam então as consequências normais, uma das quais podia sor uma proposta ou projecto de lei que conduzisse a executar-se através do direito interno aquilo que constituía uma obrigação assumida através do direito internacional.
Mas, efectivamente, a outra parte contratante nunca reclamou porque, sejam quais forem as soluções possíveis em face do texto, sabia que no problema em discussão não podia reclamar.
E, como não podia, não reclamou.
Isto é assim mesmo como acabo de referir a VV. Ex.ªs
Espero que não me peçam outras contas. Isto é assim mesmo, como acabo de referi-lo a VV. Ex.ªs
Isto logo conduz a que, realmente, o sistema sugerido pela Câmara Corporativa não é, afinal, um sistema que seja imposto pelo nosso regime concordatário. É claro que me dispenso de estar a demonstrar a VV. Ex.ªs que, na hipótese, o que importa não é o que objectivamente pode arrancar-se dos textos, mas o que subjectivamente se quis pôr nos textos.
É ao Estado Português que cabe decretar o que é feriado nacional.
Não pode portanto fundar-se a solução sugerida pela Câmara Corporativa em certa interpretação dum determinado texto da Concordata. E se não pode fundar-se no texto, creio que não deve também adoptar-se a sugestão da Câmara Corporativa, porque ela conduziria, por um lado, a que se deixava a uma soberania estranha a determinação dos feriados nacionais, pelo menos enquanto se declara que deixam de considerar-se tais os dias santos que a Igreja dispensar; e, por outro lado, a não respeitar a consciência católica na medida em que se admite a possibilidade de não ser feriado um novo dia santo criado pela Igreja, já que a sugestão da Câmara Corporativa só aos dias santos actuais se refere.
Por esta ordem de considerações me parece não ser de adoptar a sugestão da Câmara Corporativa e me parece ser de adoptar, de um modo geral, a solução do projecto do Sr. cónego Mendes de Matos.
A quem cabe decretar o que é feriado nacional é ao Estado Português.
Mas, não se desconhecendo os melindres da consciência católica, alude-se no projecto, numa passagem suficientemente expressiva, a negociações entre o Estado Português e a Igreja Católica, por maneira a que o número de dias santos seja reduzido por forma razoável, de modo a que não possa perturbar a economia nacional.
Isto é o que está contido na última parte do artigo 3.º do projecto, ao dizer que o Governo promoverá a revisão dos feriados nacionais e o seu possível ajustamento aos dias santos, etc.
«O seu possível ajustamento»: é aqui que está a alusão a naturais conversas entre o Governo e a Santa Sé, por maneira a que do acordo dos dois poderes resulte satisfação à consciência católica e da decisão de um apenas não resultem eventuais perturbações à economia nacional.
Eu digo mesmo: dentro da mais estrita ortodoxia e dos mais rigorosos princípios da teologia católica - e o Sr. Deputado Mendes de Matos que me desculpe-, julgo mais perfeita a solução do projecto do que a solução da Câmara Corporativa, porque aquela não admite dias santos que não sejam feriados, a não ser - e isso não é de prever - que o acordo só torne impossível, enquanto que por esta só torna possível a existência de dias santos que não sejam feriados.
O dia 8 de Dezembro é feriado, não por ser dia santo, mas por ser uma data nacional.
E por isso que digo que se harmoniza melhor com a teologia católica a solução do projecto do que a solução, que parece mais radical, da Câmara Corporativa, excepto numa coisa: na instituição expressa do dia 8 de Dezembro como feriado nacional, com os fundamentos do relatório.
Esse feriado é instituído no artigo 1.º, não por ser dia santo, mas por ser uma data nacional.
Nisso se pode ver uma certa inflexão aos puros princípios da teologia católica.
Mas nada tenho a observar. Não serei eu, português e filho espiritual da nossa velha Universidade, daquela instituição que aparece adiante sempre que se estuda qualquer passo da História de Portugal, não serei eu quem vá fazer oposição a essa solução. Teria muito empenho em a adoptar como católico, mas, já que o problema é posto nos termos em que o está, tenho muito empenho em a adoptar como português, como coimbrão.
E são estas, Sr. Presidente, as considerações que se me oferece fazer relativamente à posição da questão no projecto e no parecer.
E é com base nestas considerações que eu não posso aceitar a proposta do Sr. Deputado Mendes de Matos no sentido de se adoptar como solução ou base de discussão, antes do que o seu próprio projecto, a sugestão do parecer da Câmara Corporativa.
Tenho dito.

Vozes! - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: sobre o projecto do ilustre Deputado Mendes de Matos incidiu um douto parecer da Câmara Corporativa, que mais uma vez revelou a sua competência, o brilho dos seus trabalhos e a grande utilidade da sua acção. A Câmara Corporativa é uma das mais notáveis realizações do Estado Novo. Se o demonstram a própria natureza e a estrutura do sistema, assim o demonstram também os resultados, por demais evidentes para que seja necessário revelá-los.
Os pareceres da Camará Corporativa têm sido verdadeiros tratados, lições teóricas e práticas sobre os problemas sujeitos à sua judiciosa apreciação. Esgotam o assunto, e por vezes exaustivamente.
São-lhe devidas estas palavras de homenagem, que muito gostosamente lhe presto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O projecto do ilustre Deputado Mendes de Matos ocupa-se de três problemas fundamentais. O primeiro refere-se à criação de um feriado nacional em dia santo da Igreja, o segundo consiste no descanso semanal e o terceiro diz respeito à revisão dos feriados oficiais.
Sobre os dois primeiros problemas e mesmo sobre o último já a Assembleia conhece, pela palavra autorizada

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do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, o que pensam a Comissão de Educação Nacional e ainda a de Política e Administração Geral e Local, a que tenho a honra de presidir.
Sobre os dois primeiros problemas nada desejo acrescentar. Outros vão fazê-lo. O mesmo não sucede, porém, quanto ao terceiro. É que se projecta delegar no Governo a revisão dos feriados oficiais, e, portanto, é natural, é legitimo, que, antes de emitirmos o nosso voto, exponhamos o modo como interpretamos a disposição, ou, melhor, manifestemos o nosso pensamento, as nossas aspirações sobre um problema cuja solução, especialmente por motivos de ordem objectiva, delegamos no Governo.
Por isso, vou manifestar-me em meu nome pessoal, sem a pretensão do hipotecar à minha a opinião alheia, mas na certeza de interpretar a de muitos.
E são as minhas palavras inoportunas?
Entendo que a resposta pode e deve ser negativa.
Estou dentro do objecto da discussão, e o assunto tem oportunidade, especialmente porque os Governos ainda não quiseram resolvê-lo. E note a Assembleia que separei propositadamente os dois problemas, que em primeiro lugar enunciei, do terceiro, para que não possa haver quem julgue que eu pretendo envolver aqueles em qualquer preocupação de ordem política.
É claro que um feriado a mais ou um feriado a menos não é coisa de tal monta que demande larga e apaixonada apreciação, embora seja certo que, mesmo sob o ponto de vista objectivo, há quem entenda que o facto tem, até certo ponto, reflexo na economia nacional, por os feriados provocarem paralisação dos serviços industriais e burocráticos do Estado, sem a compensação de suspensão - dos encargos correspondentes.
Mas é principalmente sob o ponto de vista subjectivo que o problema reveste aspectos transcendentes, de ordem moral e política, quando vistos pelo prisma do significado e dos fins dos feriados nacionais, dos dias de grande gala, como eram designados antigamente e como o foi o da Imaculada Conceição, proclamada por D. João IV Padroeira de Portugal.
Vejamos pois:
Há actualmente sete feriados oficiais. Dois coincidem com dias santos de guarda: os de Natal e Ano Bom.
Os homens que tiveram o arrojo de proclamar que haviam de extinguir a religião em duas gerações, os senhores que se indignavam quando nesta sala exclamávamos que a lei da separação do Estado das Igrejas era uma monstruosidade, não tiveram, afinal, a coragem de suprimir estas duas solenidades, porque sabiam que estavam enraizadas na alma do povo. Camuflaram-nas apenas, dando-lhes designações laicas, que é mister substituir pelas que legitimamente lhes pertencem.
Os outros feriados são: 31 de Janeiro, 3 de Maio, 10 de Junho, 5 de Outubro e 1 de Dezembro.
O último impõe-se; e devia mesmo existir o de 14 de Agosto, consagrado à «Independência Nacional».
O 3 de Maio é de homenagem a uma nação amiga, que descobrimos e colonizámos.
10 de Junho é dedicado a Camões; mas note a Assembleia que este feriado foi instituído para, com luminárias e mangericos, «caçar» no terreno dos dias santos de Junho.
Dentro do espírito dominante de se não aumentar excessivamente o número de feriados, seria justificável substituir o 10 de Junho pelo do nascimento do Infante D. Henrique, para sob a sua égide se consagrar a «Epopeia Nacional» ou a «Expansão Nacional».
Não há um dia dedicado à grande epopeia marítima! Como também não está ainda assinalado nas efemérides da nossa história o dia da fundação da nacionalidade; seja ele o da batalha de S. Mamede, em 1128, que coincide com o dia de S. João, seja em 23 de Maio, data da bula do Papado que, em 1179, reconheceu como reino independente os territórios ocupados por D. Afonso Henriques, seja ainda, se quiserem, a data de 10 de Abril, por ser dela o primeiro documento assinado pelo nosso Rei como tal. Teríamos assim o dia da «Fundação de Portugal».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E o 5 de Outubro?

As instituições, como os homens, enquanto vivem têm os seus direitos. Mas festeja-se o 5 de Outubro e não se festeja o 28 de Maio! Porquê? Não seria de estranhar que logo no início aquele feriado tivesse sido substituído por este.
Em 5 de Outubro houve uma revolução sangrenta de que resultou a proclamação do regime em que vivemos. É certo; e será essa a razão por que perdura.
Mas o 28 de Maio foi uma revolução ou, melhor, uma jornada triunfal, sem derramamento de sangue, sem um tiro. E, à parte a questão de regime, o resultado do 28 de Maio foi mais completo nos homens e nas coisas, mais absoluto nos princípios, nas ideias e nas realidades. Foi uma viragem profunda na história. E salvou Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas há mais. E mais estranho.
No rescaldo, como completa aberração, existe ainda o 31 de Janeiro. É o 31 de Janeiro de 1891.
Eu não faço à gloriosa cidade do Porto a injúria de supor que ela se ofende com a supressão deste feriado. É mesmo mais natural que a prefira, para se esquecer de uma luta entre portugueses em que houve derramamento de sangue, em que foram ceifadas vidas.
A sua nobreza, o patriotismo, o seu simpático bairrismo estão muito acima, para muito além das preocupações de uma data sangrenta e política, que nada traduziu e nada representa de prático e de positivo para o velho burgo, tanto mais que o Porto ainda não vê consagrado sequer o dia do nascimento nela do Infante Navegador.
O 31 de Janeiro é dedicado aos «precursores da República». Mais outra forma de camuflagem!
Mas também os houve do Estado Novo, nomeadamente em 5 de Dezembro e em 18 de Abril, e vivem apenas na gratidão e na saudade de todos os bons portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E o que foi o 31 de Janeiro?
No espólio de José Luciano de Castro encontrei uma carta datada de Paris, de Novembro de 1889. Nela Mariano de Carvalho dizia-lhe:

A revolução no Brasil, de que só há aqui notícias imperfeitas, parece contudo facto consumado. Económica e financeiramente creio que não nos pode fazer mal nenhum, antes pelo contrário. Mas politicamente não é a mesma coisa. Decerto animará o republicanismo, que ficara fortemente abatido nas últimas eleições de Lisboa. Assim, não me espantará nada que procure promover certa agitação e que algum terreno ganhe.

A primeira suposição do afamado jornalista não teve realidade, porquanto a depreciação da moeda brasileira afectou a nossa economia; mas acertou na sua profecia política, embora Basílio Teles dissesse que era dificílimo

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avaliar com justeza o reflexo deste facto, em presença dos importantes factores directos que se seguiram.
A proclamação da República federal no Brasil, a que não foi estranha a abolição da escravatura pelo Império, excitou os ânimos de alguns idealistas de há sessenta anos e nimbou de esperanças os espíritos mais sugestionáveis ou optimistas. Luís de Magalhães acentua-o nas suas crónicas da Revista de Portugal.
Mas veio logo a seguir, em 11 de Janeiro de 1890, o brutal ultimatum da Inglaterra para que Serpa Finto retirasse as tropas portuguesas das regiões do Chire, dos Makololos e Machonas; e este foi o rastilho do grande incêndio que lavrou, ateado pela sensibilidade patriótica da Nação, profundamente abalada.
E então, em vez de todos os portugueses cerrarem fileiras à volta do seu Rei, para, como um só homem, imporem ao invasor a vontade da Nação, a batalha desencadeou-se viva, agressiva, insultuosa e violenta, mas dispersa e desordenada. A anarquia política, enfim, e com ela a especulação dissolvente, demolidora.
Barros Gomes, que andara embevecido na utopia do «mapa cor de rosa», pelo qual, na expressão de Oliveira Martins, pretendíamos abraçar a África com as mãos ambas, sem termos em conta a noção das realidades e as nossas possibilidades, Barros Gomes - dizia eu - foi o primeiro alvo, não obstante se ter esforçado por conjurar o perigo e salvar a honra da Nação, levando a Inglaterra a cumprir o Acto Geral da Conferência de Berlim, que impunha a arbitragem. É certo que, depois, o Conselho de Estado teve de ser mais cauteloso e prudente do que o Ministro dos Estrangeiros; mas era o único remédio, porventura a única salvação possível, perante a ameaça cruel, em vias de realização. Salientou-o, com a sua pena brilhante, António Enes, que viu os factos consumados, com competência, autoridade e patriotismo de que ninguém pode duvidar.
Mas isto não era o que importava aos adversários do regime; e foi portanto sobre a Coroa, há pouco cingida por um rei sem culpas, que passou a incidir a violência das campanhas, a que não foram infelizmente estranhos muitos dos monárquicos, como sucedeu noutros passos lúgubres da nossa história política.
O facto em si do ultimatum e mais tarde o tratado de 20 de Agosto e aquela liberdade de critica - que era licença - foram de feição para a propaganda republicana. Depois, a revolta, localizando-se no Porto, eclodiu precipitadamente em 31 de Janeiro, contra o conselho dos do Directório e dos idealistas, que perderam o seu controle.
Sim: além de antinacional e antipatriótica, a rebelião de 31 de Janeiro foi precipitada e contrária a ordens e prevenções dos dirigentes da causa e aos desejos e prudentes conselhos dos mais assisados. Basílio Teles atribui ao Directório o propósito de alhear de si, no caso de o não poder impedir, as responsabilidades de um acto que se lhe afigurava nina loucura.
«Desacerto palpável» lho chamou depois o próprio alferes Malheiro. E o tenente Manuel Maria Coelho, conhecedor da precipitação e da incrível leviandade que presidiram às últimas deliberações, já previa em que vinha a liquidar o movimento.
E - é também mister acentuá-lo - o movimento não passou de uma conjura de sargentos, levada pelos acontecimentos. Basílio Teles, no livro Do ultimatum ao 31 de Janeiro, confessa que o incidente decisivo foi a ameaça de transferência de alguns sargentos, por terem assistido a determinada reunião na Bua das Flores. E acrescenta que os ameaçados, vendo-se ou presumindo-se descobertos, «consultaram-se» e resolveram «defender-se»; expressão sua, que, afinal, mostra que a revolução não foi um ataque; foi uma defesa!...
E defesa de quê? Defesa da Pátria? Defesa da honra da Nação ultrajada? Defesa de um ideal?
Não!
Foi defesa contra uma ameaça! E foi defesa de galões!
É que Basílio Teles esqueceu-se de acrescentar que a motivo da reunião da Bua das Flores, e portanto a causa directa da eclosão desordenada da revolta, foi a promoção de três aspirantes ao posto imediato, com preterição dos sargentos, que se julgavam com direito a um dos acessos!
Esta é a verdade histórica.
Planeava-se na verdade uma revolução; mas o ambiente não lhe era propício, especialmente depois de o exército ter satisfeito a sua aspiração de ver colocado à frente do Governo o general João Crisóstomo.
O que fica exposto, acrescido da conhecida promessa de novas divisas, veio aumentar o número dos aliciados, e dos revoltosos.
Tanto é verdade o exposto que o batalhão de caçadores n.º 9 saiu para a rua comandado apenas por sargentos; e foram estes que, a caminho de Santo Ovídio, convidaram para o seu comando o alferes Malheiro, quando, ignorante do que se passava, fazia, com os seus soldados, quarto de sentinela à cadeia da Relação, onde, por sinal, o panfletário João Chagas estava detido. Malheiro sentiu por aquela gente «uma imensa piedade» (expressão sua), e acompanhou-os sem fé no resultado. Não quisera que o julgassem medroso ou desleal.
Infantaria n.º 10 amotinou-se e saiu, também comandada por sargentos, e só depois, na Bua do Triunfo,, assumiram o seu comando o capitão Leitão e o tenente Manuel Maria Coelho, embora descrentes, como aquele, do sucesso da aventura. Nenhum oficial nas sublevações e, posteriormente, apenas três no comando. Só um capitão e dois subalternos quiseram seguir a sorte dos amotinados.
A chefia esteve apenas nas mãos do civil Dr. Alves da Veiga, que, sem qualquer vislumbre de vitória, proclamava das janelas dos Paços do Concelho uma república que pouco tempo depois ele e as outros haviam de abandonar, entregue nas mãos de pobres soldados inconscientes e de alguns civis, encurralados e irremediavelmente perdidos no último reduto.
O capitão Leitão, simples, ingénuo, crédulo, mas valente, absolutamente refractário à, evidência das razões mais singelas e dos factos, mais contribuiu para os desacertos que precipitaram a derrota, por ter exposto os revoltosos, na íngreme Bua de Santo António, à tropa fiel, postada em Santo Ildefonso. Perante o ataque das forças, fiéis, a debandada dos civis foi logo completa.

A confusão foi pavorosa - diz Basílio Teles. Num remoinhar tumultuário, desesperado, vertiginoso, a turba oscila, corre, atropela-se, precipita-se nos portais, rola em vaga pela escadaria do Príncipe Real, resvala em torrente mugidora pelo declive rápido da rua.

E o caudilho verbera os erros cometidos pelos chefes militares e civis: «Tantos erros, tantas loucuras e tantos pavores prematuros!», exclama.
Actos de heroísmo? Houve-os isolados, sem dúvida; mas o testemunho insuspeito de Heliodoro Salgado, citado pelo Sr. Rocha Martins, disse, na Insurreição de Janeiro:

A defecção foi geral e, apesar de todas as lendas que à inventiva dos noveleiros aprouve criar, o que é facto é que na Bua de Santo António não houve heróis; houve mártires, que foram os que morreram à primeira descarga.

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E Heliodoro Salgado teve na revolta, como elemento preponderante, um seu irmão.
E isto afoita-me a, sem agravo, reproduzir o que Ramalho Ortigão escreveu, pouco depois, na Gazeta de Noticias, do Rio de Janeiro:

À passagem do motim abriam-se sucessivamente para a rua as janelas dos prédios, a que assomavam, estremunhadas, as cabeças dos moradores, surpresos e atónitos, e lenços brancos acenados por entre as persianas davam os bons dias aos guerrilheiros madrugadores, os quais, em sábado magro, recordavam, pelo pitoresco da aventura, as luzidas cavalhadas que tão afamado tornaram outrora o Carnaval portuense.

Mas o tempo escasseia. Vejamos rapidamente o que seriam os resultados do. triunfo do episódio de 31 de Janeiro de 1891. O meio mais seguro e valioso está nos testemunhos da época. Testemunhos importantes e insuspeitos a demonstrar que a da ta indevidamente comemorada deve ser esquecida.
Na Revista de Portugal, que Eça de Queirós dirigiu, Oliveira Martins, sob o pseudónimo de «Spectator», escreveu:

Pensa alguém, com dois dedos de juízo no cérebro, que a supressão do trono suprisse os homens e os seus vícios, fazendo brotar do chão outros portugueses diferentes do que somos? É insensato.
Na hora em que uma república se proclamasse em Portugal, nesse próprio instante transporiam a fronteira os exércitos hespanhóis. Ninguém contesta este facto.
................................................................................
Contra estes argumentos pode haver declamações, invectivas, injurias; argumentos não há.
Força é reconhecer, portanto, que só há momento em que a implantação da República seja a consumação da catástrofe, esse momento é o de agora. Perderíamos ao mesmo tempo as colónias e a metrópole, resvalando de chofre na agitação da anarquia em que morreram miseravelmente as nações apodrecidas.

E em local citado por seu sobrinho, o ilustre escritor Dr. Francisco de Oliveira Martins, o historiador afirmou que a mudança de regime implicaria em Portugal conflitos de natureza externa que afundariam a ordem pública e com ela a independência política e a liberdade pessoal.
É insuspeita a opinião deste homem ilustre, que, como poucos, se indignou com a tirania do ultimatum e do tratado de 20 de Agosto.
Luís de Magalhães - que, levado pelos seus sentimentos patrióticos justamente alarmados, acreditara ingenuamente no sucesso da Liga Patriótica do Norte, de que fora um dos fundadores-, disse que o triunfo da revolução originaria inevitavelmente a violência de uma invasão espanhola, porque Canovas não a toleraria ao pé da porta.
Aqui, no Parlamento, em sessão de 3 do Março de 1891, o Deputado republicano Latino Coelho, embora se manifestasse contra a proposta de felicitações a El-Rei pela jugulação da insurreição, chamou calamidades às revoltas ou guerras civis.
E na sessão de 14 de Março de 1891, portanto mês e meio depois do acontecimento, Augusto Fuschini, político inteligente e arguto, e notável financeiro, depois de dizer que não lhe repugnava a transformação das instituições da forma monárquica em republicana, afirmou:

A questão está em saber o que melhor corresponde, num dado momento, aos interesses morais e materiais. Hoje, porém, no grave momento histórico que atravessamos, a menor comoção política seria perigosíssima. Se a transformação política era. um erro sob o ponto de vista nacional, neste momento seria, a meu ver, ainda mais grave erro sob o ponto de vista internacional. Pequeno país encravado numa nação regida pela Monarquia, a República em Portugal podia ser também seguida da ameaça de 40:000 espanhóis na fronteira, se não sofrêssemos também ainda a vergonha de uma manifestação naval nas águas do Tejo.

Por isso, a Câmara Municipal do Porto, numa mensagem dirigida a El-Rei, disse: «Uma parte da guarnição praticou o maior dos atentados contra a Pátria».
Muito e muito mais podia referir; mas, para finalizar, basta dizer que António Cândido, a Águia do Marão - cujo busto ainda não vemos no átrio desta Assembleia, no lugar que parece destinado aos grandes oradores e já não está deserto - António Cândido declarou, na sessão de 6 do referido mês de Março, - que a rebelião «ficaria assinalada para sempre como uma data fúnebre na história do nosso País».
Pois, Sr. Presidente: é esta data fúnebre que ainda se celebra em Portugal cinquenta e sete anos depois! Uma derrota; passo triste de uma história tão recheada, de grandes feitos, que ilustram oito séculos de nacionalidade.
Celebra-se o dia 31 de Janeiro e estão excluídos das nossas galas o da fundação de Portugal, o da independência, os da nossa grande epopeia marítima, o de 28 de Maio e outros!
Não, não deve ser.
Dir-se-há - há sempre que dizer: «O 31 de Janeiro consagra os precursores da República». Mas nem assim se presta louvor e justiça aos que o foram na propaganda e nas ideias, porque estes, na sua maioria, não se envolveram na aventura que liquidou em poucas horas; e antes foram discordantes, ostensivamente discordantes. Os seus nomes não foram incluídos no Governo provisório que Alves da Veiga proclamou das janelas da Câmara Municipal. E dos indicados, os mais marcantes, como Rodrigues de Freitas, apressaram-se a declarar no julgamento que não tinham autorizado a inclusão do seu nome. E José Falcão disse um dia a Oliveira Martins: «Se a Monarquia nos pode salvar, faça-o».
É que este homem de bem e alguns outros eram, antes e acima do tudo, portugueses.

O Sr. Homem de Melo: - Muito bem!

O Orador: - Sem embargo, pelo facto de ser abolido o feriado os precursores da República, como as vitimas, não deixam de ter a consagração merecida. Dos primeiros, os que foram sinceros têm-na na gratidão dos republicanos e no respeito dos adversários, e os seus nomes andam pelas praças, ruas- e avenidas; as segundas, além da misericórdia de Deus e dos homens, têm a sua memória consagrada no monumento votivo do Prado do Repouso. Se lá passar, descubro-me.
Querer hoje mais não é homenageá-los. É exploração dos vivos, especulação demo-liberal, como pretexto para a apologética de uma República velha, já morta também. E morta por eles.
Sr. Presidente: a rebelião de 31 de Janeiro de 1891 foi antinacional, antipatriótica. Disseram-no os da geração do tempo; por maioria de razão podem dizê-lo os da geração de hoje, com o saber de desastrosa experiência feito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que mais é preciso, além do exposto e do que, por brevidade, omito? Querem outra prova?
Pois bem: tenho-a presente.

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298 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 133

São dois preciosos documentos encontrados nos arquivos de Rui Barbosa, que o Correio da Manhã do Rio do Janeiro publicou e em Portugal foram reproduzidos na Acção e na Voz: uma carta de Latino Coelho para Rui Barbosa, datada de 20 de Fevereiro de 1890, e um memorandum do Directório do Partido Republicano, dirigido ao Governo da incipiente República Brasileira, com a data de 23 do mencionado mês.
Neste memorandum aquele Directório, depois de vários argumentos e «conhecendo enfim que se aproximava a conjuntura política em que não só será possível mas até indispensável a Portugal proclamar a República, e carecendo de meios para com segurança e mais breve e facilmente alcançar esse glorioso fim» - o Directório, dizia, pediu ao Governo Provisório do Brasil um empréstimo de 1:000 contos de réis fortes, postos em Lisboa o mais breve possível.
Garantias? O Governo que se constituísse depois de proclamada a República entregava dentro de oito dias letras do Tesouro da dívida flutuante do Estado, a três meses e ao juro anual de 4,5 por cento!...
Um crédito? Um descrédito, afinal, para a tal República a crédito!
E o empenho era tanto que. na sua carta, Latino Coelho pedia o «bom despacho deste negócio», que lhe interessava tão vivamente a que não podia encarar assaz o seu empenho».
Mau negócio, se o Brasil lhe desse o tal «bom despacho» porque as letras só eram emitidas depois da vitória, e, se esta não viesse, a divida nunca seria titulada, nem exigível. E como a República não veio no 31 de Janeiro, mas só mais de vinte anos depois, a dívida estaria então já prescrita ...
O que há a condenar aqui, e muito energicamente, são a intenção e o gesto dos portugueses responsáveis, que assim mais uma vez vincaram a feição antipatriótica do 31 de Janeiro e das actividades que o precederam.
Terminando:
Com 5 de Outubro ou sem õ de Outubro, com 28 de Maio ou sem 28 de Maio, a permanência do feriado de Janeiro é inadmissível. Inadmissível em razão de todos os factos que a história pregressa nos revela; inadmissível, injustificável também, porque devem ser esquecidas todas as lutas sangrentas de portugueses contra portugueses.
É este o voto que formulo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Augusto Esteves Mendes Correia.
Artur Proença Duarte.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
Manuel Colares Pereira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro. Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Penalva Franco Frazão.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Teotónio Machado Pires.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

CÂMARA CORPORATIVA

Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes

A Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, no uso das atribuições conferidas pelo artigo 106.º da Constituição Política e tendo em vista o disposto nos decretos-leis n.ºs 29:111 e 29:112, de 12 de Novembro de 1938, e no decreto-lei n.º 32:416, de 23 de Novembro de 1942, bem como a relação a que se refere o artigo 8.º do mencionado decreto-lei n.º 29:111, publicada no Diário do Governo n.º 262, 1.ª série, de 24 de Novembro de 1945, reconhece e valida os poderes dos seguintes dignos Procuradores:
Dr. Adolfo Alves Pereira de Andrade, presidente da direcção do Grémio Nacional da Imprensa Diária, lugar em que foi reconduzido em 25 de Janeiro de 1948, tendo tomado posse em 26 de Fevereiro do mesmo ano, confirmado por despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, transmitido em ofício de 17 do mesmo mês do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência;
Engenheiro agrónomo Camilo Lemos de Mendonça, nomeado presidente da comissão administrativa do Grémio dos Armazenistas e Exportadores de Azeite, por portaria, de 24 de Setembro de 1947, cargo de que tomou posse em 10 de Outubro do mesmo ano. Em consequência, perdeu o seu mandato o procurador António de Carvalho Guerra.
A documentação relativa a estas validações de poderes fica arquivada com os n.ºs 1 e 2.

Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 9 de Março de 1948.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Paulo Arsénio Viríssimo Cunha.
Francisco José Vieira Machado.
João Ubach Chaves.
José Angelo Cottinelli Telmo.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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