O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 313

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 135

ANO DE 1948 12 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º135 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 11 DE MARÇO

Presidente: Exmos. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luís da Silva Dias

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado José Nosolini ocupou-se das deficiências do serviço telefónico dos CTT e da Companhia dos Telefones.
O Sr. Deputado Braga da Cruz sugeriu que seja concedido pelo Governo o necessário auxilio financeiro à Administração Geral dos CTT.
O Sr. Presidente comunicou que recebera o parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1946.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do projecto de lei relativo aos feriados e descanso semanal. Usaram da palavra os Srs, Deputados Albano de Magalhães e Pinheiro Torres.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.

Página 314

314 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 135

Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Numerosos, de câmaras municipais, juntas de freguesia, Misericórdias, grémios, sindicatos, associações e colégios, além de muitos particulares, aplaudindo o projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos sobre feriados e dia de descanso semanal.

Do presidente da Câmara Municipal da Batalha, para que, sendo aprovado o projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos, se torne obrigatório o dia do mercado único em todo o Pais, ou, pelo menos, que cada distrito possa salvaguardar os seus legítimos interesses.

De apoio ao discurso do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes e à sua iniciativa de ser criado o dia de Portugal.

«Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Lisboa. - Neste momento em que o Governo Central acaba de promulgar medidas do mais vasto alcance para o futuro desta colónia povo capital Cabo Verde agradece V. Ex.ª ilustres representantes Nação patriótico interesse Assembleia Nacional tem dispensado problemas respeitantes este arquipélago cada vez mais orgulhosamente português. - Câmara».

Exposições

«Sr. Presidente da Assembleia Nacional.-Excelência.- A Associação Lisbonense de Proprietários, tendo examinado cuidadosamente a proposta de lei n.º 202, acerca das questões conexas com o problema da habitação, tem a honra de vir expor a V. Ex.ª o que se lhe oferece dizer sobre o alcance de tal medida, que tanto interessa os proprietários urbanos.
E, antes de mais, é dever não se regatearem louvores aos altos intuitos do Governo ao apresentar esta proposta de lei.
Na sua orientação ela procura resolver o problema da habitação nos seus vários aspectos: político, económico e jurídico; mas afigura-se-nos que se devia aproveitar esta oportunidade para completar tal proposta nalguns pontos, resolvendo anomalias e omissões há muito reconhecidas, aproveitando-se para tal o estudo já feito pela Câmara Corporativa.
De resto, isso parece estar no ânimo do autor da proposta n.º 202, em cujo relatório se diz, in fine:

O parecer da Câmara Corporativa facilitará assim o trabalho da Assembleia Nacional, como facilitou o do Governo.

Para esse efeito se apresentarão respeitosamente as sugestões que nos parecem mais úteis.
Antes, porém, seja-nos lícito fazer alguns reparos a certas bases desta proposta n.º 202, que a sua análise nos sugeriu:

A) Expropriações

Quanto a este capítulo, apenas três observações:
BASE X - Proposto, e muito bem, na base X que ao expropriado se pague a justa indemnização com base no «valor real» dos bens expropriados, mas não gê definindo em que consiste este valor, parece de considerar que para a sua determinação se atenda à localização do imóvel, à qualidade de construção e ao seu rendimento efectivo, quando este seja superior ao matricial.
No caso de expropriação parcial não ficarão suficientemente assegurados os legítimos direitos do expropriado se a indemnização, calculada o valor total do prédio, for fixada apenas em proporção da parte a expropriar, como se propõe no n.º 5.º da base x; importa que àquela indemnização acresça o montante da desvalorização sofrida pela parte não expropriada.
BASE XIII - No caso da avaliação prevista na base XIII deve o perito que for nomeado pelo juiz ser de livre escolha deste, sem sujeição a qualquer lista oficial, para maior garantia de imparcialidade.
E no caso de segunda avaliação, uma vez que os três peritos são de nomeação do juiz, devia deixar-se àqueles o direito de estabelecerem livremente o seu laudo e a este o direito de escolher o valor que se lhe afigurasse, em consciência, mais justo, de harmonia com os fundamentos do laudo proferido e. o merecimento dos autos.

B) Da fixação e actualização de rendas

BASE XXIX. - No relatório que precede esta proposta, na col. 2, p. 3, advoga-se o princípio de que, regulamentando as rendas muito antigas e as recentes, no sentido de uma possível convergência, se tenderá para sã encontrar o caminho do equilíbrio.

Página 315

12 DE MARÇO DE 1948 315

Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que os resultados que assim se procuram obter não se atingirão por tais métodos, que pecam, por um lado, por demasiado teóricos e, por outro, porque se afastam das regras clássicas da economia.
E certo «que as condições económicas do Mundo ainda não permitem prever com segurança o nível definitivo de preços ... Mas isso só por si não deve ser motivo para se não procurar uma gradual actualização de rendas além das fixadas pela» avaliações feitas em época de normalidade económica, pois, procurando fugir do fosso que se deixou alargar desde 1928 a 1936, iríamos abrir outro entre os números-índices referentes a 1936 e 1948. E dentro de pouco tempo estaríamos noutra situação difícil.
Parece, portanto, que assim se criaria uma ilusão sobre o ponto de vista económico, que só pode ser evitada por meio de uma correcção das matrizes por um factor que for julgado justo, ou então por meio de avaliação requerida pelo senhorio ao atingir a renda o valor locativo actualmente fixado nas matrizes, para se obter a sua correcção, com direito de o inquilino requerer segunda avaliação, se não se conformar com aquela. Com tais cautelas deve realmente obter-se uma solução equitativa, caminhando-se para a justa actualização das rendas. De res-to, era também este critério de avaliação defendido no relatório que precede o mencionado parecer da Câmara Corporativa - vide n.º 23, p. 470-(21), e texto sugerido pela mesma Câmara, artigo 18.º, n.ºs 3.º e 4.º, p. 470-(51).
Resta dizer, em abono da nossa tese, aquilo que de facto é notório: sobre a época em que foram reorganizadas as matrizes passaram doze anos. O País sofreu 03 choques e reflexos da segunda guerra mundial. A moeda ressentiu-se enormemente, a vida encareceu e com ela os encargos da propriedade urbana respeitantes a obras, impostos, vistorias sanitárias, etc. Consequentemente, só pela avaliação conscienciosa se poderá encontrar o caminho seguro paia um gradual equilíbrio de rendas quanto aos contratos celebrados, até 31 de Dezembro de 1942.
Não se justifica também que a forma de actualização das rendas referentes a casas de habitação seja a mesma que para o comércio, indústria, ou profissões liberais, que impropriamente se equiparam, no n.º 2 desta base, aos arrendamentos feitos a pessoas morais com fins humanitários ou de beneficência.
Nenhuma, razão de ordem social ou económica pode, na verdade, alegar-se para que os arrendamentos comerciais, industriais ou de profissões liberais não fi-. quem sujeitos ao mesmo ritmo prescrito no n.º 4 para os arrendamentos feitos ao Estado; pois é preciso não esquecer que felizmente o comércio e a indústria acompanham normalmente, na sua margem de lucros, a flutuação da moeda, pelo que estão em condições económicas muito diferentes.
É está nesta diferença de condições a razão da nossa sugestão.

BASE XXXII. - Não é possível, salvo sempre o devido respeito, aceitar-se o que se preconiza nesta base. Os contratos de arrendamentos celebrados depois de 31 de Dezembro de 1942 foram-no à sombra da lei (artigo 29.º, alínea a), do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928) e livremente aceites pelo inquilino. O permitir-se agora que os inquilinos tenham o direito de requerer a avaliação para conseguirem a diminuição de renda não só não resolve o problema como sacrifica os senhorios. E é de ponderar a circunstância de que tal disposição se mantém há vinte anos e sempre se respeitou a liberdade de fixação de rendas para as casas vagas, até durante o período mais agudo da guerra que findou.
Esta concessão representa para muitos pequenos proprietários a única forma que têm tido de se compensarem de tantos prejuízos sofridos com as restrições que lhes têm sido impostas, por um lado, e, por outro, dos encargos sempre crescentes que oneram a propriedade urbana, e que são de tal ordem que ainda há poucos dias o Diário de Lisboa noticiava que só na cidade de Lisboa o montante dos empréstimos com garantia hipotecária sobre prédios urbanos é de 400:000 contos.
E quantas vezes não teve o senhorio de indemnizar um inquilino dum simples andar dum prédio pela respectiva desistência de direitos, a fim de o libertar para o arrendar de novo por uma renda mais compensadora!
De resto, já o artigo 8.º do Código Civil determina que a ]ei civil não tem efeito retroactivo. E neste caso o dizer-se que tal diminuição só se aplicaria na renovação do contrato não evita de facto a ofensa daquele princípio, pois a renovação é automática e obrigatória.
E que prejuízo viria a sofrer o próprio Estado na contribuição predial, imposto complementar, sisa e imposto sucessório!
Como seria, portanto, injusto que esta base se transformasse em disposição de lei!
Acresce que muitas das rendas modernas se referem a verdadeiras moradias, ou mesmo andares, que se podem considerar de luxo, e, como diz o ilustre Deputado Prof. Dr. Cunha Gonçalves, não seria justo querer tabelá-las, como se se tratasse de casas económicas ou de renda limitada (Diário de Lisboa de 9 de Fevereiro de 1948).
E nós acrescentaremos que, dum modo «geral, as casas construídas nos últimos cinco anos, nos grandes centros sobretudo, ou nas termas ou praias, têm, em geral, um conforto e condições de higiene e de estética que as antigas não possuíam. É portanto lógico que as respectivas rendas sejam mais elevadas. É, ainda mesmo que se admitisse que o senhorio tivesse o direito de requerer segunda avaliação, isso não sanava o que há de violento e de injusto na medida, razão pela qual pedimos a sua eliminação.
E é tão justificado o nosso reparo e a nossa sugestão que já o referido parecer da Câmara Corporativa, no n.º 26 do citado relatório, dizia, na- p. 47a-(27), sobre a limitação de rendas excessivas»:

Melhor parece, pois, à Câmara Corporativa que se resolva a crise de habitação pelo seu meio natural e único eficiente: fomentar a construção de novas casas, sobretudo de casas de renda média e de renda módica. O próprio aspecto mais agudo daquela crise -serem excessivas as novas rendas pedidas pelos senhorios- só por aquele meio pode de facto ser resolvido.
Providências restritivas, insertas no regime jurídico do arrendamento, não seriam eficazes (pois nestes domínios é inevitável a fraude) e revelar-se-iam contraproducentes: iriam provocar o contrário do que é necessário - o retraimento de capitais destinados à construção de casas.
Do que há mister é de atrair e fixar capitais na edificação de casas que estejam, pela sua quantidade, pelo seu tamanho e compensação e pelo seu preço, em harmonia com as verdadeiras necessidades da população. Ora, para este efeito, o que pode e deve fazer-se juridicamente numa lei sobre regime de inquilinato não está descurado no projecto nem nas considerações deste parecer.
Entre resolver o problema pelo permanente (fomento de novas construções) e resolvê-lo, só na aparência, pelo transitório (ilusórias limitações de novas rendas), a escolha consciente deve recair no primeiro termo.

Página 316

316 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 186

Esta, Exmo. Senhor, afigura-se-nos ser a boa e sã doutrina. E para alcançar o verdadeiro fim em vista é, não só mister respeitar os contratos legalmente celebrados e aceites, mas ainda assegurar ao proprietário que a liberdade de fixação de rendas se manterá nos contratos de futuro. E para corrigir os possíveis excessos desta liberdade lá estará paralelamente a legislação que protege e incita a construção de casas económicas e de renda limitada, agora fortalecida pela regulamentação do novo direito de superfície, a que se referem as bases VII e XVII a XXV, e a criação de sociedades anónimas para a construção de tais casas (bases VII e XXVI a XXVIII).
Logo, a previdência não aconselha a que se tente reduzir as rendas livremente fixadas nos últimos anos ou nas de futuro, pois, ao contrário, o manter-se a liberdade que defendemos irá indirectamente contribuir para o fim económico em vista, através do número de (rasas novas que se irão construindo-e não há melhor estímulo que a garantia dessa liberdade.

BASE XXXIII. - Por maioria de razão e pelas razões que acima. deixamos enunciadas, não podemos aceitar o que se preconiza nesta base. Estamos convencidos de que o alto critério que domina sempre, quer na Assembleia Nacional, quer na Câmara Corporativa, reconhecerá quanta razão nos assiste.
As considerações que atrás transcrevemos do citado parecer reforçam, com grande autoridade, o nosso ponto de vista. Se esta base fosse mantida, imediatamente se daria o inevitável retraimento de capitais, quando o que se torna indispensável é atraí-los, para que aumente o ritmo de novas construções. Por isso se espera a sua eliminação.

C) Outras sugestões

BASE XXXIV. - O seu n.º 1 deve abranger também os arrendamentos de prédios ou parte de prédios destinados ao exercício de profissões liberais, assim como o direito de o senhorio requerer a avaliação no caso de traspasse se deve tornar extensivo à simples transmissão do direito ao arrendamento, qualquer que seja o meio dessa transferência, incluindo o caso de cessão de quotas que representem a maioria do capital das sociedades por quotas arrendatárias de casas alheias (pois é sabido como essas cessões são em geral, na prática, uma forma de iludir verdadeiros traspasses), e hoje até já estão sujeitas ao pagamento do mesmo imposto do selo que aqueles (artigo 4.º e seu § único do decreto n.º 36:608, de 24 de Novembro de 1947).
BASES XXXVII a XLII.- Nelas se definem as providências a adoptar nos casos de sublocação ilegal, e só merece aplausos esta parte da proposta, pois são bem conhecidos os abusos praticados em inúmeros casos por inquilinos que exploram as casas alheias, cobrando rendas exageradas àqueles que, não podendo ter casa própria, têm de ir alugar partes de casa ou quartos e que são vítimas tantas vezes de exigências incomportáveis daqueles.
BASE XLIII. - A matéria contida nesta base, que se refere a fundamentos novos para acções de despejo, e a necessidade instante de rever muitas das disposições dispersas e complexas que regem o inquilinato levam-nos a admitir e a desejar, como acima frisamos, que fosse aproveitado o ensejo para se completar esta proposta de lei com outras disposições propostas pela douta Câmara Corporativa no seu parecer n.º 16, que recaiu sobre a proposta n.º 104, do Sr. Dr. Sá Carneiro, embora com ligeiras alterações nalguns dos artigos que citamos, a saber:
a) Caducidade do arrendamento. - Seria útil transformar em lei o texto dos artigos 7.º, 8.º e 9.º do texto sugerido, esclarecendo-se que o prazo de seis meses a que se refere o n.º 4.º do artigo 9.º se conta a partir do conhecimento do facto que operou a (resolução do arrendamento, e não desta.
b) Transmissão do arrendamento. -Que no caso de morte do inquilino a transmissão do contrato se opere uma só vez a favor da viúva do inquilino que nos últimos seis meses não estivesse separada do marido; e só na sua falta se defira para os herdeiros legitimários que com ele habitassem. Não existindo aquela ou estes, caducaria o contrato.
No caso de inquilinato comercial, se não houvesse viúva ou filhos, o contrato caducaria igualmente, recebendo o inquilino a indemnização prevista no § 2.º do artigo 1.º da lei n.º 1:662. Ficaria assim interpretado o disposto no n.º 3.º do § 1.º e § 2.º do artigo 1.º daquela lei.
No caso de separação ou divórcio do inquilino observar-se-ia o que se propõe no artigo 11.º daquele texto.
Finalmente, ficaria mais completo o novo diploma a promulgar se em matéria de acções de despejo, depósitos, alçadas, e te., se adoptasse o que consta daquele enunciado parecer n.º 16 (artigos 27.º, 38.º e 30.º a 46.º), acabando-se com as iníquas desigualdades nos recursos. O processo só checará até ao Supremo Tribunal quando a alçada o permitir. Mas haverá sempre recurso para a Relação.
Providencia-se finalmente mesta base XLIII quanto a novos fundamentos de despejo, como já se aludia no artigo 29.º do citado texto. Mas preferimos o desta base, apenas modificando a redacção do seu n.º 3, que sugerimos passe a ser a seguinte:
Ultimadas as obras, os arrendatários poderão reocupar a parte do prédio que anteriormente ocupavam ou, não sendo isso possível, cabe-lhes a escolha da que pretendam habitar na parte ampliada, desde que se respeite a nova renda, decidindo, na falta de acordo, o juiz ex aequo et bono e sem recurso, devendo aquele tomar em consideração, ao fixá-la, além da despesa feita pelo senhorio, as vantagens gerais e ainda as melhorias realizadas em cada andar, isto porque o juiz deverá tomar em consideração, ao fixar a nova renda do mesmo andar transformado ou do andar novo, e ter em atenção vantagens novas para o prédio, tais como montagem de escadas de salvação, transformação dos átrios, montagem de instalações de chauftage ou ascensor, como ainda melhorias especiais em cada andar.

Eis, Sr. Presidente, as sugestões que esta velha colectividade, depositária dos legítimos direitos e interesses de alguns milhares de pequenos e grandes proprietários urbanos, entende pedir vénia para apresentar confiadamente à Assembleia Nacional e Câmara Corporativa, animada do intuito de assim contribuir o melhor que pode para que o novo diploma a promulgar consiga encontrar o desejado equilíbrio de interesses e melhorar o actual regime jurídico de inquilinato, concorrendo assim para que a todos seja feita justiça.
A bem da Nação.

Pela Associação Lisbonense de Proprietários, o Presidente da Direcção, Visconde de Santarém.

«Exmos. Srs. Presidente e Deputados da Assembleia Nacional. - Excelências. - 1. Quando jaziam quase no esquecimento a justificada inquietação, os fundamentados receios e ias perturbadoras dúvidas que a grande massa populacional da Nação, constituída por aqueles que têm o(r) seus lares em casas, arrendadas, sofreu durante longos meses do ano passado com a notícia de que ia ser submetido à apreciação da Assembleia Nacional um projecto de lei sobre matéria, de inquilinato, elaborado pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Sá Car-

Página 317

12 DE MARÇO DE 1948 317

neiro e sobre o qual a Câmara Corporativa chegou a emitir o seu parecer; quando as palavras tranquilizadoras de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho haviam já reforçado o clamoroso coro dos que proclamavam não ser ainda oportuno alterar a legislação em vigor sobre arrendamentos de prédios urbanos, surge inopinadamente, com grande espanto da quase totalidade da população portuguesa a quem o facto interessa, a publicação da proposta de lei 11.º 202, acerca de questões conexas com o problema da habitação.
A Associação dos Inquilinos Lisbonenses, sociedade cooperativa de responsabilidade limitada, prestou-lhe imediatamente a sua atenção mais viva, estudando-a com verdadeiro espírito de imparcialidade. Interpretando o sentir, não apenas dos seus associados, mas também, pode dizê-lo, dos inquilinos portugueses em geral, lamentou a inesperada ressurreição das inquietações, dúvidas e receios que já no ano passado lhe ditaram o apelo que dirigiu aos Exmos. Srs. Presidente e Deputados da Assembleia Nacional, dispondo-se a encarar os graves problemas mais uma vez suscitados e sobre os quais, com a devida vénia, não pode dispensar-se de trazer, perante VV. Ex.ªs, as considerações que entende serem úteis, como contributo para a sua mais conveniente solução, convencida de que deste modo cumpre um dever que lhe é imposto pela legitimidade dos interesses cuja defesa constitui a razão fundamental da sua vida.
Assim, pois, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 18.º, da Constituição Política da República Portuguesa, a Associação dos Inquilinos Lisbonenses tem a honra de formular perante VV. Ex.ªs a representação que lhe parece justa, necessária e própria sobre a proposta de lei n.º 202, cujo conteúdo sobremaneira interesssa aos seus associados.
2. Pela leitura do relatório que a precede fica-se com a animadora impressão de que a reforma projectada reflectirá o alto escopo ai claramente manifestado, de que a sua função será principalmente a de

... opor um dique, em nome das necessidades sociais de habitação, aos interesses individuais dos proprietários.

Surpreende-se no mesmo relatório o conceito de que importa tanto elevar até ao quantitativo justo as rendas antigas como reduzir ao razoável, de acordo com as condições económicas da maior parte da população, as elevadas rendas dos arrendamentos recentes, «sempre que o interesse geral da habitação o consinta».
E, quanto à oportunidade duma reforma da regulamentação jurídica do contrato de arrendamento, depreende-se a tese de que ela só deve verificar-se quando houver estabilidade relativa dos factores que condicionam o problema da habitação, uma vez que aã estruturação definitiva do instituto do inquilinato menos cria do que supõe essa relativa estabilidade D, sendo, por isso, igualmente verdadeiro que a simples alteração das principais normas reguladoras de tal instituto supõe, ao menos, a existência de condições mínimas para que o problema da habitação não se torne ainda mais complicado e angustioso.
3. Entrando, porém, na apreciação das respectivas bases, pode concluir-se que algumas delas, sobretudo as que especificadamente se referem â fixação e actualização das rendas, nem sempre reflectem, e até por vezes negam, os intuitos que se traduzem naqueles justos e salutares conceitos.
Mais de uma vez o Governo da Nação tem reconhecido que a retribuição do trabalho, designadamente quanto u numerosa classe dos servidores do Estado, ainda não atingiu o limite necessário para que um justo equilíbrio se estabeleça entre ela e o custo da vida, agravado por fenómenos a cujas repercussões inelutàvelmente tivemos de nos submeter.
A declarada impossibilidade da criação imediata desse almejado equilíbrio tem sido reconhecida, com verdadeiro espírito de sacrifício, pelos que vêm suportando, amparados apenas, ou principalmente, nos proventos do trabalho, o peso dos factores que condicionam o seu nível económico.
Justo é que também continuem dispostos a idêntico ou até maior espírito de abnegação os que, no todo ou em parte, contam com rendimentos da propriedade privada como meios de vida de fácil aquisição, mormente quando constituídos pelas rendas de prédios urbanos.
Ora a elevação de rendas prevista na proposta de lei n.º 202 corresponderá à supressão das razões de sacrifício que os senhorios podem invocar, com agravamento das que já são suportadas pelos inquilinos.
Com efeito, a determinação do rendimento colectável ilíquido dos prédios depende do valor absoluto destes, visto que as respectivas avaliações assentam em elementos e factores que constituem as bases reais desse valor e que na base XXXVI da proposta são enumerados.
A actualização das rendas de contratos anteriores a 1 de Janeiro de 1943 corresponderá ao duodécimo do referido rendimento colectável.
O senhorio obterá, pois, à custa de um acréscimo dos encargos sofridos pelo inquilino o rendimento a que normalmente poderia aspirar, e que muitas vezes corresponde a uma elevada taxa de juro sobre o capital investido na propriedade.
Assim, a protecção dos interesses individuais daqueles sobrelevará a que deve ser dispensada a estes em nome das necessidades sociais da habitação.
E há-de verificar-se, na grande maioria dos casos, que a elevação das rendas imporá aos inquilinos um encargo superior à verba que nos orçamentos privados pode ser destinada a essa despesa inevitável.
Considera-se geralmente que ela não deve ultrapassai a sexta parte da receita - o próprio Estado tem adoptado esse critério, por exemplo quando no § único do artigo 87.º do Estatuto Judiciário (decreto-lei n.º 33:547) determina que as rendas a pagar pelos magistrados relativamente às casas que os municípios são obrigados a fornecer-lhes nunca poderão exceder um sexto dos, vencimentos orçamentais daqueles.
No entanto, se vier a ser decretado o limite de elevação de renda previsto na base XXIX, poucos serão os inquilinos de classes modestas - as mais numerosas - que não tenham de dispor de muito mais de um sexto dos seus proventos para o pagamento dessa despesa de primeira necessidade. E, por exemplo, o caso de um funcionário público, primeiro-oficial, que paga actualmente 333$ de renda mensal pelo rés-do-chão onde habita, cujo duodécimo do rendimento colectável é de
As condições económicas da maior parte da população estarão, pois, em desacordo com o aumento estabelecido, o que importa negação do critério a tal respeito preconizado no relatório da proposta.
Já o reconheceu o Deputado Sr. Dr. Sá Carneiro, prevendo no seu aludido projecto de lei a criação de um fundo especial destinado a custear os excessos da renda com que fossem onerados os inquilinos carecidos de meios.
Este cruciante aspecto da realidade não foi, porém, encarado na actual proposta de lei, na qual também se não atendeu a que muitos milhares de inquilinos vivem em casas desprovidas das mais rudimentares condições de higiene, por não poderem suportar as rendas mais caras de melhores habitações.

Página 318

318 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 135

Contudo, aquelas em que vivem estão já colectadas com valores que vão muito além das suas possibilidades financeiras.
A estas circunstâncias de natureza absoluta outra acresce que, de forma relativa, sugere objecção ao processo de elevação de rendas.
É que, se na determinação do rendimento colectável se atender, como é natural, ao estado de conservação do prédio, muitas vezes hão-de contribuir para a valorização deste - e consequentemente para maior elevação da respectiva renda - as reparações, pinturas e arranjos de várias ordens com que o inquilino foi melhorando o seu lar, não suspeitando que assim contribuía para o agravamento futuro das próprias condições económicas.
4. Além deste, que é fundamental, outros aspectos oferece a proposta de lei dignos de reparo.
Um dos problemas do inquilinato que maior projecção tem tido na crise de habitação que atravessamos é o da distinção entre subarrendamento e contrato de albergaria ou pousada.
Tinha-se orientado a jurisprudência no sentido tolerante e altamente generoso de não considerar aplicação a fim diverso, por não constituir indústria de hospedaria, o recebimento de hóspedes, até ao limite de três, na casa arrendada para habitação, reconhecendo que assim, embora com privação de comodidades próprias, muitas famílias supriam as deficiências dos seus minguados orçamentos. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 1933, interpretando o assento de 22 de Janeiro de 1929, consagrou esta doutrina em termos tão doutos e com tão sábias razões que daí em diante ela se considerou pacífica.
Vem agora a proposta de lei em referência contrariar abertamente aquela magnânima orientação, enquadrando no tipo de subarrendamento o que até aqui -mesmo que não houvesse prestação normal de alimentos por parte do arrendatário - era indiscutivelmente contrato de albergaria ou pousada.
Não se vislumbra razão justificativa desta radical mutação de conceitos, tanto mais que, além das que inspiraram o citado acórdão, ainda o inquilino tinha por si as próprias características deste contrato, entre as quais a da prestação de serviços ao hóspede, quase sempre acrescida de fornecimento de mobiliário, que se traduziam em sacrifícios suficientes para desmentir a afirmação, tantas vezes reproduzida, de que desse modo o arrendatário fazia negócio com a casa arrendada, à custa do senhorio.
A proposta de lei n.º 202, equiparando aquela situação à de subarrendamento sempre que não haja prestação normal de alimentos, contribuirá, se vier a ser convertida em lei mantendo esta disposição - e só por via desta particularidade, sem falar doutras -, para o acréscimo das dificuldades de habitação, pois há-de fatalmente provocar a redução da cedência de quartos mobilados, em que hoje se albergam milhares de indivíduos que, mercê de várias circunstâncias, não podem ter casa própria ou hospedar-se em hotéis ou pensões. E, simultaneamente, impedirá numerosas famílias pobres de aumentar os seus parcos meios de vida, mediante esta honesta, mas tantas vezes dolorosa, restrição das próprias comodidades do seu lar.
Este aspecto do problema será ainda mais agravado com a exigência da notificação ao senhorio, estabelecida na base XXXVIII, visto que em tal caso o consentimento prévio só poderá ser dado em termos genéricos; e então, sempre que um quarto mobilado seja arrendado de novo, verificar-se-á a obrigatoriedade da notificação, sob pena de se incorrer em sublocação ilegal.
É certo que a proibição, consignada na base XXXIII, de se exigir renda superior ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido nos arrendamentos celebrados depois de entrar em vigor a lei proposta obviará a muitos dos inconvenientes a que o rigor das normas relativas à sublocação poderia dar causa, visto que o senhorio nem sempre será tentado a promover o despejo do inquilino que tenha sublocado mas que lhe pague pontualmente a renda, dada a impossibilidade legal de a obter superior, mediante novo contrato.
Mas a ameaça existirá permanentemente - e o inquilino nem sempre conhece as razões ocultas que estimulam certas atitudes hostis ou interesseiras dos senhorios.
5. Por outro lado, restringir a possibilidade de sublocar é esquecer que a crise de habitação -ainda no auge da sua curva ascendente - tem sido consideràvelmente debelada à custa daqueles que repartiram com outrem os cómodos das suas casas, sacrificando sempre a independência do lar e sujeitando-se muitas vezes aos incómodos e conflitos suscitados pelo obrigatório convívio com pessoas de temperamento ou de educação diferentes.
Não é, portanto, ambição desmedida dos inquilinos a de uma regulamentação mais benévola do subarrendamento, reconhecendo embora que desse modo se reduziriam as faculdades legítimas dos proprietários; mas estas apenas teriam de ceder perante a função social da propriedade, que, na judiciosa expressão do relatório, como que as oprime e sacrifica ao interesse geral da habitação.
Numa regulamentação dessa índole impor-se-ia a revogação do § 6.º do artigo 5.º e do artigo 7.º e seu § 1.º da lei n.º 1:662, que permitem o despejo imediato com fundamento na sublocação não consentida, mantendo-se contudo o direito, consignado na base XLIII, de requerer o despejo para o fim do prazo do arrendamento ou da sua renovação quando o arrendatário recebesse pela parte sublocada quantia superior à que lhe fosse proporcional no total da renda e mais 50 por cento, doutrina que aliás pode inferir-se do disposto nesta base e sua alínea c).
Assim, dar-se-ia ao locatário um direito de cujo exercício normalmente não adviria prejuízo material para o senhorio.
Impõe-se também acautelar as situações que ao abrigo da lei até agora vigente se estabeleceram e que, se for mantida a retroactividade prevista na base XXXIX, ficarão gravemente ameaçadas.
Na verdade, será justo e consentâneo com o respeito pelos direitos adquiridos impedir que o proprietário use da faculdade que lhe é concedida nesta base quando a sublocação já existir à data da entrada da lei em vigor e deva considerar-se tácita ou expressamente consentida.
E ainda se atenderia ao mesmo alto interesse público e à mesma assinalada função social da propriedade concedendo ao sublocatário garantias que não fossem de todo incompatíveis com os interesses do senhorio, como a de lhe dar preferência no novo contrato quando, em relação ao arrendatário sublocador, terminasse o arrendamento e o senhorio quisesse arrendar outra vez a casa.
6. A Associação dos Inquilinos Lisbonenses não pode deixar de manifestar o seu apreço pelas bases da proposta em que mais nitidamente se revela o espírito de protecção ao lar, reduto sagrado da família como célula social, destacando de entre elas a base XLII, que classifica como crime de especulação as infracções, referidas nas suas alíneas; mas estranha que não figure entre estas uma que diga respeito à violação do disposto na base XXXIII, segundo a qual nos futuros arrendamentos a renda não poderá ser inferior ao duodécimo do rendimento colectável.

Página 319

12 DE MARÇO DE 1948 319

E, a propósito desta base, tem a honra de sugerir uma disposição que obrigue os senhorios a afixar em lugar bem visível do prédio uma relação dos rendimentos colectáveis dos respectivos andares, autenticada pela respectiva secção de finanças ou da sua própria responsabilidade, traduzida em sanções penais aplicáveis em caso de inexactidão.
E, para o caso de ser possível aprovar as disposições tendentes a regular a elevação das rendas dos contratos em vigor - o que certamente só acontecerá quando se encontrar maneira de prevenir as desastrosas consequências que daí adviriam para uma grande parte da população -, sugere ainda que os senhorios sejam obrigados a afixar no prédio a discriminação das parcelas semestrais do acréscimo permitido relativamente a cada andar, sem o que não terão o direito de exigir qualquer aumento de renda.
Ambas estas sugestões tendem a poupar às secções de finanças o trabalho das informações a que serão obrigadas, nos termos da base XXXV, e aos inquilinos a perda de tempo indispensável para as obter, isto sem inconveniente atendível para os senhorios, que, além de serem os principais interessados, apenas terão de consultar a caderneta predial.
7. Quanto à redução das rendas excessivas, a proposta de lei apenas providencia dando ao inquilino a faculdade de requerer a avaliação do prédio para correcção do rendimento colectável.
Compreende-se a adopção de semelhante processo relativamente aos prédios ainda não avaliados, se bem que, mesmo quanto a estes, a iniciativa do inquilino devesse ser substituída pela do senhorio ou pela avaliação oficiosa, desde já destinada à fixação daquele rendimento.
Mas, quanto aos que estão avaliados, devia adoptar-se a redução automática até ao rendimento já fixado.
Se a medida se impõe, e por isso é contemplada na proposta de lei, facilitar a sua execução será contribuir mais eficientemente para os salutares efeitos a que se destina.
8. É também de reconhecer a louvável intenção, expressa na alínea a) da base XLIII, de poupar às consequências da falta de residência permanente na casa arrendada para habitação os funcionários públicos ou os militares que se ausentarem transitoriamente em cumprimento de deveres dos respectivos cargos.
Seria, porém, igualmente justo inscrever na lei disposição idêntica que contemplasse a ausência, também transitória, por esses e outros motivos atendíveis, como a hospitalização, tratamento de doença, detenção em presídio, etc., de todos os inquilinos, independentemente das suas profissões.
Na verdade, a razão do preceito não deve filiar-se na classe dos indivíduos a que respeita, mas nas situações que se mostram carecidas de especial providência, de modo a não poderem ser confundidas com a que é visada e cominada como falta de residência permanente.
9. São múltiplas as questões que ocorrem ao espírito de quem reflecte sobre os vários aspectos do problema do inquilinato. Numerosas as que são sugeridas pela proposta de lei agora publicada.
Parece, porém, à Associação dos Inquilinos Lisbonenses serem as que respeitosamente foram abordadas nesta representação as de projecção mais acentuada nas actuais condições de vida dos inquilinos e as que mais directamente podem ser influenciadas pelo critério exposto no relatório que precede a proposta, revelador dos elevados intuitos de quem a concebeu.
É, portanto, de esperar que também nos espíritos de VV. Ex.ªs, durante a apreciação e votação da proposta de lei, esteja presente o conceito basilar da projectada reforma, lapidarmente expresso no mesmo relatório:

A função social da propriedade como que oprime o sacrifica ao interesse geral da habitação as faculdades legítimas dos proprietários.

A bem da Nação.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 1948. - A Direcção da Associação dos Inquilinos Lisbonenses».

«Sr. Presidente da Assembleia Nacional - Excelência.- A proposta de lei que o Governo submeteu à apreciação da Assembleia Nacional, abrangendo problemas de inquilinato e de propriedade de imóveis, foi detidamente ponderada por esta União, que verificou o cuidado com que se procurou prover ao remédio das difíceis circunstâncias resultantes da tão conhecida luta entre os interesses, confessáveis ou não, de proprietários e de arrendatários.
O diploma que ora apreciamos é, sem dúvida, um dos mais importantes destas ultimas décadas, pela longínqua e profunda repercussão das suas disposições, constatando-se nas soluções previstas para diferentes casos o sentimento de justiça que dimana sempre dos diplomas em cuja leitura intervém o Chefe do Governo, assim como a larga visão na escolha dos meios utilizados para solucionar problemas de que é escusado encarecer a transcendência, tanto a temos todos sentido e tanto ela tem contribuído para o adiamento das respectivas soluções.
No que se refere à actualização das rendas, parece ter-se encontrado uma forma que, sem produzir abalos profundos nas economias privadas, permitirá corrigir as desigualdades e injustiças existentes, inclusivamente talvez achado o caminho para aplicação futura, caso a desvalorização do dinheiro se continue verificando.
É fora de dúvida que o sistema contraria princípios que, por outro sector, se têm procurado fazer vingar, de regresso a factores de equilíbrio abaixo da realidade.
Quanto a nós, a doutrina em que assentou a actualização das rendas prevista neste diploma está muito mais próxima dessa realidade, que a experiência e o conhecimento que temos das coisas práticas nos levam a reconhecer, e mesmo a considerar os riscos que podem resultar de se trabalhar com factores de falso equilíbrio que a evidência dos números contraria.
E os nossos anseios de que a vida portuguesa melhore para todos fazem com que sintamos que, em lugar de se defender o regresso a um padrão de vida insuficiente e mesquinho em que o conceito da economia individual corresponde, afinal, à privação de tudo o que o progresso pode proporcionar em beneficio das gentes, antes são de apoiar os esforços para- se abandonar o conceito da tradicional pequenez e se fixar um padrão de vida que permita a generalização daquele bem-estar que o sector social do Governo procura conseguir para os trabalhadores portugueses e todos devemos procurar para a população em geral.
Portugal possui hoje condições que permitem, com justeza, melhorar-se o nível de vida da população, e neste sentido estaremos prontos a apoiar todas as diligências que se façam.
Estas considerações só por julgada oportunidade se fazem, não havendo por isso motivo para mais se espraiarem a propósito deste diploma, em que nos cabe, pela nossa missão, defender outros pontos de vista, que nos parece estarem pouco definidos nas bases que à Assembleia Nacional cumpre apreciar, ou nelas ficaram omissos.

Página 320

320 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 135

É, pois, no cumprimento desse dever que, neste momento, trazemos a essa apreciação a nossa contribuição, constituída pelas razões que cabem ao comércio lojista para que os seus legítimos interesses e direitos fiquem justamente acautelados.

Faremos em primeiro lugar referência à situação do comércio lojista perante os casos de expropriação, que o diploma trata muito superficialmente.
Desde há muito que os diplomas legais relativos aos casos de expropriação estabelecem situação de similitude entre os arrendamentos comerciais e os industriais, como se pudesse haver entre as duas espécies outra semelhança do que a do direito a indemnização.
O estabelecimento industrial, como inclusivamente o estabelecimento comercial armazenista, não sofrem normalmente com a sua deslocação outro prejuízo além da mudança de local e dos encargos de reinstalação, continuando a sua laboração a fazer-se sem alteração, neste como naquele local, porque, tanto num como noutro caso, a venda das respectivas mercadorias só se faz a compradores que se conhecem e que se vão procurar. Para o estabelecimento comercial de retalho a situação é absolutamente diferente, pois o seu negócio - a razão da sua existência - está inteiramente dependente, não só da sua localização, como, e muito principalmente, da assiduidade de uma clientela que uma larga preparação comercial conquistou, mas que imediatamente trocará a sua preferência se o estabelecimento desaparecer do sitio onde se habituou a encontrá-lo. Estabelecimento de retalho que quaisquer circunstâncias forcem a mudar-se é como se passasse a ser um novo estabelecimento, que necessita refazer a sua clientela e a sua posição comercial.
Como se esta circunstância não bastasse, ainda há a contar com a de lhe ser interdita a sua instalação em qualquer local apropriado, sem o pagamento do chamado traspasse, que na maioria dos casos representa uma avultada quantia.
Tanto neste diploma como nos anteriores verifica-se portanto essa injustiça de tratamento, considerando-se o valor dos estabelecimentos comerciais retalhistas igual ao dos industriais, apenas dependendo a diferenciação do quantitativo das respectivas rendas.
Neste ponto há que chamar a atenção de V. Ex.ª e da Assembleia Nacional, fazendo notar quanto este critério tem determinado profundas injustiças nos casos de despejo por expropriação.
Enquanto o estabelecimento antigo e cujo valor representa o esforço e trabalho de muitos anos, por ter uma renda mais baixa, recebe menor compensação, a outro muito mais recente, por ter renda mais alta, cabe maior indemnização.
Nas transacções realizadas ultimamente entre a Câmara Municipal de Lisboa e os proprietários de alguns prédios existentes na zona da Rua Silva e Albuquerque, em que, mal ou bem, legal ou ilegalmente, se aplicou o mesmo princípio para a atribuição de indemnizações a inquilinos com arrendamentos comerciais ou industriais, houve casos em que se concederam a estabelecimentos de retalho com muitos anos de existência indemnizações real ou proporcionalmente inferiores às que foram atribuídas a oficinas de alfaiates, de sapateiros ou de costura, ou a pequenos armazéns de retém, por vezes sempre encerrados, existentes em vários andares dos mesmos prédios.
Uma tal atribuição representa a maior das injustiças. Deve estabelecer-se uma justificada diferença entre as indemnizações a conceder aos estabelecimentos comerciais de retalho e às outras espécies de estabelecimentos industriais ou mesmo comerciais de outros graus de actividade.

Vejamos agora a situação criada pelo diploma em apreciação aos inquilinos com comércio retalhista nu mesmo caso de expropriação.
Diz a base X que «o arrendamento comercial ou industrial deve ser considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado, não podendo essa indemnização exceder 20 por cento do valor que for dado ao respectivo prédio. E, havendo mais de um estabelecimento comercial ou industrial - diz ainda a referida base-, a indemnização será rateada na proporção em que cada um dos arrendatários contribuir para o aumento do valor locativo do prédio».
Na prática, é de supor que esta última parte dessa base se deva referir ao volume de renda que cada um paga.
Como já tivemos ocasião de demonstrar quanto este critério pode induzir em erro em certos casos, não nos demoraremos agora a analisá-lo, bastando acrescentar que, por essa orientação, melhor indemnização caberia a um armazém fechado, com renda alta por ser de arrendamento mais recente, do que a uma loja afreguesada, antiga, e por isso de renda mais baixa. Mas temos de o apreciar com largueza na crítica da percentagem fixada para limite destas indemnizações.
Dois erros graves se verificam nessa fixação:
Quando essa fixação se faz em relação ao valor total do prédio;
Quando se estabelece o limite.
Nunca o valor de um estabelecimento comercial pode depender do do prédio, que pode ser de boa ou de má construção, ter tratamento cuidado ou descuidado do seu proprietário, ter um valor colectável maior ou menor, conforme o interesse manifestado pelo proprietário na melhoria do respectivo rendimento, possuir maior ou menor volume de construção, etc.
Tudo factores independentes do valor comercial do estabelecimento.
Exemplifiquemos:
Dois estabelecimentos do mesmo ramo, de características semelhantes, instalados em prédios contíguos, no mesmo arruamento; um dos prédios tem cinco andares e o outro apenas um.
A seguir-se o critério da base X, que diferentes indemnizações seriam atribuídas a estes dois estabelecimentos de valor sensivelmente igual, por estarem instalados em prédios de valor muito diverso!
Admita-se ainda a existência de prédios de construção semelhante, tendo um quase totalmente ocupados os seus andares por inquilinos comerciais e industriais, e o outro apenas por inquilinos de habitação e um único estabelecimento.
Os proprietários das respectivas lojas seriam indemnizados em condições inteiramente diferentes, pois, enquanto uns pouco viriam a receber, o outro seria muito mais beneficiado; e tudo isto sem que para tal contribuiu o valor comercial dos estabelecimentos. [...] casos, bem mais frequentes do que se julga, em que o valor comercial de um ou mais estabelecimentos é bastante superior ao do prédio em que estão instalados.
A quem duvide podemos apontar casos concretos, verificados agora na projectada remodelação da zona da Rua da Palma e arruamentos vizinhos.
Estamos evidentemente a uma enorme distância da doutrina expendida no relatório que antecede o diploma, e em que, no capitulo B), se diz que: «O principio da igualdade dos cidadãos perante os encargos que à sociedade incumbem exige a reparação integral dos prejuízos suportados pelo expropriado».

Página 321

12 DE MARÇO DE 1948 321

Há que transplantar estes princípios para o campo da realidade, estabelecendo sistemas ou processos de compensação que correspondam ao espírito da lei, condensado no seu relatório, porque os comerciantes despejados nestes casos também são afinal expropriados.

Nos estudos em que nos temos debruçado para encontrar soluções adequadas aos casos que a citada remodelação de parte da chamada Baixa (Rua da Palma, Marquês do Alegrete, etc.) trouxe ao conhecimento da direcção desta União julgamos ter entrevisto formas que podem ser utilizadas.
Em primeiro lugar, cumpre averiguar se a expropriação tem por fim o aproveitamento total da área expropriada e das construções que lá venham a fazer-se, ou se, por motivo de transformação, nos novos edifícios não ficarão lojas aproveitáveis em que possam instalar-se estabelecimentos comerciais.
No caso de ficarem, julgamos de defender o princípio da reocupação dessas lojas pelos comerciantes desalojados e cujos comércios ou valor dos estabelecimentos o justifiquem, e que para lá transfeririam oportunamente os seus estabelecimentos, em condições de renda evidentemente compatíveis com o novo valor dos edifícios e dos locais modernizados. Para estabelecer essas rendas teríamos as avaliações oficiais que o decreto preconiza.
Este princípio não constitui inovação, porquanto consta da legislação especial promulgada aquando da reedificação de Lisboa após o terramoto de 1705, e está previsto nas negociações estabelecidas entre esta União de Grémios de Lojistas e a Câmara Municipal de Lisboa, que, no seu louvável desejo de respeitar, tanto quanto possível, os direitos dos seus munícipes, o admitiu, para prover à situação dos comerciantes a desalojar proximamente, na já referida zona, e cujos comércios e valor dos estabelecimentos o justifiquem.
Quando por efeito de expropriação se verifique, pois, a circunstância que vimos de apontar, isto é, de nos novos edifícios ficarem existindo lojas que possam ser utilizadas para fins comerciais, se não ficar previsto o direito de reocupação, terá lugar uma flagrante espoliação, pois ter-se-ão despejado forçadamente comerciantes a quem se indemnizou deficientemente, para que a entidade expropriante, ou os adquirentes dos terrenos libertados, possam receber pela ocupação dos novos estabelecimentos, a qualquer título, verbas que, em caso algum, lhes podiam com justiça competir.
Prevista a reocupação, restaria determinar a obrigação para a entidade expropriante de estabelecer com os comerciantes desalojados a forma de serem compensados do prejuízo causado pela cessação temporária do seu negócio - até que possam reinstalar-se-, o que pode ser feito por meio de alojamento temporário, mesmo em instalação de carácter provisório - como está em princípio assente coma Câmara Municipal de Lisboa - ou por meio de indemnização, que, na falta de acordo poderá ser fixada por decisão judicial.
É fora de dúvida que a solução defendida não compensará inteiramente os comerciantes desalojados dos transtornos e prejuízos que a suspensão parcial dos seus negócios lhes proporcionará nesse interregno, mas, de dois males, é de escolher o menor.
Passemos agora à apreciação do caso de expropriação quando nas novas construções não haja lugar para estabelecimentos com características adequadas ou adequáveis aos desalojados, circunstância em que, evidentemente, a compensação só poderá vir por indemnização.
Neste caso, essa indemnização deverá ser fixada independentemente da apreciação de qualquer outro valor.
Quando se indemniza o proprietário do prédio entrega-se-lhe a importância necessária para que ele possa, com a mesma aplicação, obter um rendimento não inferior ao que usufruía pela propriedade expropriada.
É, portanto, de defender o mesmo princípio para os proprietários dos estabelecimentos despejados, atribuindo-lhes indemnizações que lhes permitam ocupar estabelecimentos semelhantes, onde possam continuar u exercer o seu comércio, em lugar de os atirar para a miséria, porque entregar a um comerciante lojista, em troca de um estabelecimento afreguesado e com os lucros de cuja laboração aquele se mantém e aos seus, umas dezenas de milhares de escudos com que não lhe é possível obter o traspasse dam outro estabelecimento, isto é, reinstalar o estabelecimento expropriado, o mesmo é que reduzi-lo à situação de ir gastando na sua manutenção, a pouco e pouco, o que tão parcamente lhe entregaram como sendo valor da sua casa comercial, ou obrigando-o a procurar empregar-se, se o puder fazer, transformando fundamentalmente as condições da sua vida profissional e familiar. Quase o mesmo se poderia dizer de qualquer indivíduo de profissão liberal, a quem, quando tivesse a sua clientela criada e o seu nome feito numa terra, o obrigassem a deixá-la para se transferir para outra, onde, quase desconhecido, teria de refazer a sua vida, apenas com a bagagem da sua carta de curso e da experiência adquirida, não esquecendo que até a idade tem poderosa influência para que o indivíduo sinta ou tenha as condições necessárias para essa dura prova a que o submetem. A justa indemnização é possível mediante avaliação feita por comissões de que faria parte um delegado do organismo corporativo representativo da actividade do comerciante a desalojar, comissões que teriam em atenção, entre outros elementos, o valor dos traspasses dados nos últimos anos por estabelecimentos semelhantes, instalados no mesmo arruamento ou em artéria da mesma categoria, e até as verbas de lucro tributável atribuídas para efeito da contribuição industrial.
Assim, Excelentíssimo Senhor, será possível corresponder ao princípio afirmado no relatório, e cujos dizeres já reproduzimos; de outra forma, aos comerciantes desalojados ter-se-á apenas feito uma espoliação que nem o mais elevado fim de bem público poderá desculpar, pois, enquanto a uns, aos proprietários dos prédios, se compensará justamente, a outros, aos comerciantes lojistas, inutilizar-se-lhes-á a vida, empurrando-os para a miséria.
Outro ponto que mereceu as nossas atenções foi o que se refere aos traspasses dos estabelecimentos comerciais.
Na base XXXIV diz-se que «é permitido sem autorização do senhorio o traspasse do estabelecimento comercial para o mesmo ramo de negócio; e que são considerados como sublocações ilegais o traspasse do local de um estabelecimento comercial ou industrial, independentemente das mercadorias ou utensílios que constituem a existência do estabelecimento, e o traspasse do estabelecimento comercial sem autorização do senhorio para diferente ramo de negócio».
Como deve entender-se a designação «traspasse» num caso ou noutro?
É fora de dúvida que nos casos em que não possa ter lugar legal o traspasse será o valor das mercadorias e utensílios que suportará a diferença cuja exigência é mais que justificada. De resto, o que se torna preciso acautelar são os direitos do Estado fiscal pela transacção efectuada e o direito do senhorio de beneficiar nessa transacção por melhoria da renda.
Parece depreender-se a intenção de vincar que o valor transaccionável é o do negócio, e não o do local, o que não está bem para o caso de estabelecimentos comerciais

Página 322

322 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 135

lojistas, pois o valor do negócio e o da sua localização não podem nem devem, em qualquer caso, considerar-se isoladamente.
Admitido o princípio definido no projecto, o que se verificaria era passar a haver apenas mudança das entidades a quem compete fazer tais exigências.
Vejamos ainda:
O comerciante que se vir na necessidade de passar o seu estabelecimento por dificuldades financeiras ou mau andamento dos seus negócios é de prever que não encontre quem vá tomar a sua casa para continuar um negócio em declive.
Contudo, o estabelecimento tem um outro valor, que resulta da sua localização, e que o comerciante pagou quando o tomou, constituindo património. Se lhe é interdito traspassá-lo para outro negócio, só terá como solução entregá-lo livre ao senhorio, que, ou por meio de uma renda mais elevada ou por qualquer outra forma, o irá transaccionar, o que ao verdadeiro detentor foi interdito.
Certamente ninguém irá supor que, pelo facto de a lei proibir a efectivação dum traspasse, ele deixe de se fazer quando exista de facto um valor real que tem de mudar de dono.
Se a intenção é apenas a de fazer distinguir a diferença entre um traspasse simples de um estabelecimento vazio e o de um estabelecimento com mercadorias e um negócio, aceita-se com as naturais reservas.
Se, porém, o intuito é de estabelecer determinações que tenham por fim exercerem-se funções repressivas de um direito incontestável, cumpre-nos lembrar a inconveniência de tais determinações, que irão ser fonte de questões e habilidades, sem qualquer espécie de vantagem moral ou material.
O traspasse do estabelecimento para o mesmo ramo está amplamente justificado, e o próprio diploma o reconhece, considerando-o isento da intervenção do senhorio, embora dê a este o direito de requerer nova avaliação para efeito de actualizarão de rendas.
Porém, não se deve deixar de reconhecer o direito de traspasse do estabelecimento comercial para outro ramo, embora em condições diversas, dando aos senhorios a faculdade de opção ou, inclusivamente, de participarem numa percentagem da importância do traspasse, além da avaliação para efeito de actualização de renda.
E isso, porque não pode estabelecer-se qualquer analogia com o arrendamento de casas para habitação, em que muito justamente deve ser inteiramente proibido o traspasse ou indemnização, mesmo quando simulados com a venda de mobiliário.
O traspasse do estabelecimento comercial é e deve ser considerado sempre uma transacção legal para efeito ou com sentido lucrativo, e a que, portanto, não devem ser criadas outras peias do que as que se julgarem necessárias para defesa dos interesses do Estado e dos respectivos senhorios, quando tiver lugar.
Reconhecida a legalidade total do traspasse, deverá eliminar-se a sua citação na base XLII.
Ainda outro ponto para o qual chamamos a atenção de V. Ex.ª, tão necessário julgamos que a sua essência passe a constar de textos legais.
Tendo este diploma em vista regularizar a difícil situação que a desactualização das condições dos arrendamentos tinha criado e consequentemente fazer desaparecer das relações entre senhorios e inquilinos as situações de abuso e os sentimentos de retaliação, justo é que também faça terminar uma circunstância que nada justifica agora, e de que uma parte importante do comércio lojista fundadamente se queixa.
Praticamente, estes comerciantes pagam renda apenas pelas paredes nuas e pelos vãos de portas dos estabelecimentos, única pertença dos respectivos senhorios, pois tudo o mais, incluindo portas, montras, vitrinas, pinturas, decorações, armação, etc., são beneficiações feitas à custa dos arrendatários, que nelas inverteram somas importantes. E até inclusivamente o regulamento da construção urbana da Câmara Municipal de Lisboa determina que, quando das periódicas obras de limpeza dos prédios, estas sejam à custa dos arrendatários comerciais no caso, quase generalizado, de as frentes dos seus estabelecimentos diferirem do aspecto geral das fachadas dos prédios. O mesmo é dizer que os senhorios de inquilinos comerciais, em relação às lojas ocupadas por estes inquilinos, não suportam qualquer encargo de conservação, no caso quase geral.
Porém, independentemente dessas obras, outras há que os estabelecimentos necessitam por vezes, tais como pinturas interiores, arranjos de pavimentos ou tectos, aformoseamentos de fachadas, etc., e que, na maioria dos casos, os respectivos comerciantes são impedidos de fazer porque alguns senhorios, à míngua de outras compensações, aproveitam essa oportunidade para exigirem, a troco das respectivas autorizações, volumosas indemnizações ou pesados aumentos de renda, apesar de as respectivas despesas serem de conta dos arrendatários.
Não é de admitir, agora, que tais exigências continuem a ter lugar, e, assim, vem esta União solicitar que neste diploma fique explícito que os proprietários de prédios com estabelecimentos comerciais se não poderão opor às obras, de melhoramento que, sem alteração da estrutura dos prédios, esses inquilinos queiram fazer nos seus estabelecimentos, embora fiquem os senhorios com a faculdade de fazer fiscalizar essas obras por técnicos da sua confiança, mas de conta dos arrendatários.
Encarece-se a necessidade de estabelecer neste sentido disposições que tendam a fazer extinguir a possibilidade dessas exigências, injustificadas agora que as rendas se actualizam, mas não deixando naturalmente de se reconhecer o direito de fiscalização, e de intervenção, quando justificada, por parte dos senhorios.
Finalmente, neste diploma, notamos a omissão duma disposição legal, já bastante antiga, que deve manter-se, e que, consequentemente, nos parece dever ficar incluída nas suas disposições. Referimo-nos ao direito de opção para o estabelecimento ou estabelecimentos comerciais no caso da venda do prédio onde estejam instalados, direito que em nada prejudica o senhorio, como os casos ocorridos têm demonstrado, e constitui modo de acautelamento dos interesses do Estado.

São, como se vê, limitadas as reclamações da União de Grémios de Lojistas de Lisboa às disposições do novo diploma sobre inquilinato e propriedade de imóveis que à Assembleia Nacional compete apreciar.
Reduzidas ao mínimo as nossas considerações, V. Ex.ª terá ocasião de verificar os princípios que as caracterizam e em que ocupa posição de relevo o respeito pelos justos direitos alheios.
Não pedimos senão o que é de inteira justiça, afirmando a nossa esperança de que os pontos focados sejam considerados.
E se todos - poucos são - merecem, em nossa opinião, ser tomados na devida conta, um há que, pela sua importância, sobreleva os outros: a situação dos estabelecimentos comerciais nos casos de expropriação.
Todos os que labutam atrás de um balcão, em casas que durante longos anos levaram a fazer acreditar e

Página 323

12 DE MARÇO DE 1948 323

tornar conhecidas, em face da época de renovação e melhoramentos locais que se atravessa, estão na iminência de de um dia para o outro, passar à situação de despejados.
Revistas estas disposições e aceites as sugestões que temos a honra de apresentar, ficará a cúpula da obra legislativa, que em boa verdade este diploma constitui, assente em bases de absoluta justiça, não contrariando, e antes confirmando plenamente, a doutrina a tal respeito expendida no relatório justificativo quando diz que «o principio da igualdade do cidadão perante os encargos que à sociedade incumbem exige a reparação integral dos prejuízos suportados pelo expropriado».
Mais uma vez o Estado Novo se nobilitará legislando para bem da Nação e dos que por bem dela tenham de suportar prejuízos, que, sem agravos para ninguém, podem ser desse modo justamente reparados.
Os outros pontos para que chamamos a atenção dessa Assembleia definem princípios e constituem circunstâncias em que a defesa que fazemos de interesses legítimos do comércio que representamos tem fundada justificação.
Afirmamos a nossa esperança de que sejam devidamente ponderados pela Assembleia Nacional e que, em virtude desse facto, a sua doutrina passe a constar do diploma final, constituindo dignificante corolário das suas disposições gerais relativas ao inquilinato comercial.
A bem da Nação.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 1948. - Ano XXII da Revolução Nacional. - A Direcção.

«Exmo Sr. Presidente e Deputados da comissão eventual para o estudo da nova proposta de lei sobre o inquilinato. - Porque a comissão para o estudo da nova proposta de lei sobre o inquilinato para que VV. Ex.ªs foram nomeados pela douta Assembleia Nacional tem o fim de estudar elementos concretos e elucidativos e porque a nova proposta de lei traz matéria nova para a indústria da construção civil, os signatários tomam a liberdade de expor a VV. Ex.ªs alguns dados que é indispensável levar em linha de conta, não só pelo seu valor demonstrado na prática, como pelo seu reflexo futuro.
Tem sido a indústria da construção civil acusada de causadora do alto custo das rendas das casas, dizendo-se auferir lucros exorbitantes. É certo que houve há tempos atrás um ou outro construtor que aproveitou a alta brusca e ultrapassou o lucro coerente - o que não foi regra geral, muito menos o sendo presentemente, visto a construção civil estar lutando com grandes dificuldades para encontrar capitais, tanto para a compra dos prédios acabados, como para o financiamento daqueles que estão em curso, o que advém mais do alarme feito à volta deste problema do que por falta de pretendentes ou capital disponível, sobretudo desde que foi levantada pela primeira vez na Assembleia a questão do inquilinato, pois não só alguns capitalistas desistiram da compra de imóveis com que estavam em negociações, o que se manifesta numa diminuição da construção e, consequentemente, numa maior falta de casas, como outros passaram a exigir mais elevados juros ao capital para financiamento. Alguns organismos que compravam imóveis a razão de 5,5 por cento subiram recentemente essa taxa para 6 por cento, o que vem alarmar ainda mais e justificadamente o construtor, resultando numa acção absolutamente contrária àquela que se depreende ter norteado o legislador: baixar as rendas e não subir o juro ao capital.
Se se planifica sobre alguns aspectos a indústria da construção civil, essa planificação, mesmo sem ser completa, tem de ter princípio e fim para se bastar; daí a necessidade de obtenção de terrenos e materiais em boas condições, assim como a colocação assegurada da obra concluída.
Se se quiserem construções relativamente baratas, têm de se obter também baratos, não só os elementos de construção, como facilidades burocráticas que certos regulamentos antiquados não facultam, e ainda o cumprimento rigoroso das medidas de sanidade e urbanismo que os municípios raramente observam no tocante às suas obrigações, para o que se torna indispensável a criação de uma comissão de recurso, de nomeação ministerial, para arbitrar em processo sumário o rápido os pleitos com as câmaras ou outras entidades no tocante a construção, urbanismo e salubridade, na qual esteja representada a construção civil, de modo a provocar uma intensificação mais profunda da construção, eliminando o receio de certos entraves que frequentemente lhe são postos, mesmo sem razão de ser, e que, embora ciente da razão que lhe assiste, o construtor não recorre dos prejuízos sofridos por saber que um pleito com um município se arrastaria longo tempo, sendo preferível sujeitar-se à pura imposição de um ascal ou chefe de serviço do que sofrer os prejuízos de toda a ordem na paralisação de uma obra, sucedendo o contrário presentemente, tendo muitos, construtores suspendido a sua actividade e estando outros na expectativa de o fazer, duelo os novos moldes de construção não trazerem asseguradas determinadas garantias fundamentais para o seu aumento progressivo, trazendo, pela retracção dos capitalistas na compra de imóveis, impossibilidade ou grande dificuldade em iniciar novos trabalhos, pela imobilização dos seus capitais nas obras concluídas sem colocação, aumento de construção que se conseguiria nas seguintes condições:
a) Terrenos postos em praça pelas câmaras a preços menos elevados;
b) Eliminando determinadas exigências fixadas em regulamentos desactualizados;
c) Barateando o capital 4e financiamento, que hoje chega a atingir altos juros. A Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, que é quem empresta em melhores condições, só muito raramente empresta mais rio que 40 por cento do valor da sua avaliação à construção efectuada, o que de modo algum é eficiente, principalmente para as empresas que pretendem iniciar novas construções;
d) Garantindo que um imóvel concluído com as necessárias condições de perfeição e solidez tenha assegurada a sua transacção ou um empréstimo caucionado a juro barato, numa percentagem mínima de 80 por cento da avaliação, de modo a facultar à empresa ou construtor novos empreendimentos;
e) Criando uma comissão de avaliação, com representação da construção civil, para arbitragem nas transacções com as caixas de previdência e outras entidades, sempre que se verificasse erro ou parcialidade do avaliador;
f) Assegurando eficientemente o financiamento, por estabelecimentos de crédito, à construção, ao juro da lei, e levantamento das restrições de descontos bancários à construção quando as firmas forem idóneas;
g) Que seja feito um inquérito urgente à construção quanto à capacidade de trabalho de cada empresa, métodos, planos futuros e dificuldades na colocação dos seus imóveis, promovendo a aquisição dos mesmos para os organismos corporativos quando ofereçam as devidas condições, sobretudo quando for para dar início a novas obras de carácter social;
h) Criação dum fundo de financiamento pelas caixas de previdência ou outros organismos, com o fim de financiar - controlando os progressos e andamento das obras por uma fiscalização inteligente, como fazem os capita-

Página 324

324 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 130

listas particulares - todos os planos de construção apresentados em bases sérias, sobretudo quando se destinem a uma melhor solução do problema habitacional, sob o ponto de vista económico-social, promovendo após a sua conclusão a aquisição desses imóveis para os diversos organismos federados.
Em conclusão:
Venda de terrenos a preços menos exorbitantes, com mais amplas facilidades de pagamento, eliminação burocrática de certos entraves ao andamento, aprovação e execução dos projectos, sobretudo pela sua análise mais em conjunto do que em detalhe e em função do seu objectivo económico-social, garantia de materiais e capital de financiamento a preços baixos, com abonos proporcionais ao andamento das obras, garantia de colocação dos imóveis a um rendimento ao capital entre 5 e 5,5 por cento, são a melhor maneira de intensificar a construção civil nas obras sociais e garantir o êxito das construções de renda limitada e de direito de superfície agora em estudo e os maiores factores para a solução do problema habitacional, sob o ponto de vista estritamente da construção, encarada independentemente do fulcro do problema: não acompanhamento do nosso nível de vida, paralelamente à evolução geral do seu custo.
A bem da Nação.

Lisboa, Março de 1948. - Assinaturas de construtores».

«Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - A Cooperativa Portuguesa dos Proprietários, com sede em Lisboa, na Bua da Vitória, 38, 3.º, regista com satisfação o aparecimento da proposta governamental para alteração de algumas disposições relativas ao inquilinato e declara que compreende não ser possível resolveu de súbito todas as justas reivindicações, dos proprietários urbanos.
Contém a proposta, na opinião da administração desta Cooperativa, quase iodas as condições que servirão de base a novas alterações, que por certo em futuro próximo não deixarão de ser efectuadas, pois que os efeitos da nova legislação hão-de permitir que a opinião geral receba então outras modificações com absoluta compreensão do que pertence a cada um. Todavia, um ou outro caso podia ser resolvido desde já, por representar justa satisfação, e outros casos», aliás de simples pormenor, convém que fiquem acentuados, para se evitar a menor dúvida de interpretação.
Vejamos:
BASE XXIX. - N.º 1. - Os rendimentos das actuais matrizes podiam ser aumentados com 20 por cento, para 1 assim haver alguma compensação aos proprietários dos prédios construídos desde 1930 até 1942, os quais de outro modo nada obterão, visto que as rendas dessa época são, em regra, as que constam nas matrizes.
As frendas muito antigas não seriam grandemente elevadas com essa actualização (actualmente há duas categorias de rendas: as muito antigas e as antigas ...), e assim os proprietários desses prédios também teriam uma ligeira compensação para o agravamento dos seus encargos de obras, taxa de compensação da contribuição predial, etc. Por outro lado, o actual agravamento de 20 por cento, que serve de actualização dos valores matriciais para os casos de liquidação de sisa e imposto sobre as sucessões e doações, poderia desaparecer, porque passaria a assentar em valores reais; e, além disso, o Estado também beneficiava, porque a contribuição predial também incidiria sobre esses, novos rendimentos matriciais, isto é, mais 20 por cento.
Resta, quanto a este número, aclarar um aspecto que pode originar controvérsias.
Há arrendatários que têm contratos celebrados posteriormente a 31 de Dezembro de 1942, mais já eram anteriormente arrendatários da mesma casa. Parece, pois, conveniente fixar-se que, nesta hipótese, se deve ter em consideração a data, do primitivo contrato para efeito de esses arrendatários serem abrangidos pela actualização até à renda da matriz, porque pode muito bem suceder, e sucede em muitíssimos casos, que a renda do actual contrato ainda a (não atinja.
É o caso de muitos arrendatários que depois de 1 de Janeiro de 1943, por alguma concessão feita pelos proprietários ou por simples condescendência, hajam acedido a aumento de renda, quase sempre muito pequeno. Aqui a celebração de novo contrato não corresponde a novo arrendatário, mas sómente a redução a escrito de nova renda.
A intenção é por certo quanto a novos arrendatários (em que a renda foi livremente fixada), e não quanto a novos arrendamentos, o que à primeira vista parece ser o mesmo, mas não é. Por isso, importa esclarecer este caso, para que não fiquem dúvidas na sua interpretação. N.º 2. - A actualização das rendas dos locais onde estejam a exercer-se comércio, indústria ou profissões liberais deve fazer-se conforme o n.º 4 da mesma base (Estado, etc.), porque esses arrendatários efectuam as suas transacções ou serviços por preços inteiramente actualizados.
BASE XXXII. - Sem que haja necessidade de buscar novas considerações além das que a Câmara Corporativa fez no seu douto parecer de 1947, parece-nos inteiramente justa a concessão de reciprocidade do direito de avaliação, com sujeição à renda fixada pela comissão avaliadora, porque, se há locais que foram desvalorizados após as avaliações gerais, outros estão valorizados; como, se há rendas exageradas que justifiquem a avaliação, outras estão muito baixas, e por isso também a justificam, para que se encontre, em qualquer das hipóteses, a justa renda.
BASE XXXIII. - Confessamos que o n.º 1 desta base nos deixou perplexos, por não atingirmos o objectivo que deseja alcançar.
Quer-se dizer que nenhuma casa poderá produzir renda superior à que constar na matriz, quando arrendada pura habitação? Se é rigidamente assim, não nos parece bem.
Vejamos uma hipótese que, parece-nos, não está prevista nesta nem noutra base. Exemplo:
Uma vez atingida a renda- da matriz, o proprietário efectua beneficiações numa casa (casa de banho, instalação eléctrica, etc.), com a anuência do inquilino e de mútuo acordo pretendem fixar maior renda. Não o podem fazer?
Pela redacção desta base parece que não. Mas a ideia não é certamente essa.
Julgamos, portanto, que poderá acrescentar-se pouco mais ou menos isto: «salvo se o proprietário efectuar beneficiações no prédio e obtiver a anuência do arrendatário para maior renda ou, mesmo que não faça beneficiações, desde que haja mútuo acordo; mas é indispensável que a nova renda conste da relação de inquilinos que o proprietário deverá apresentar na secção de finanças no prazo legal».
Se os números desta base XXXIII estivessem dispostos ao contrário, concluir-se-ia apenas que, uma vez avaliado o prédio, não se poderá arrendar por quantia superior à que for atribuída, mas como se encontram pode vir a entender-se - salvo melhor interpretação - que igual conceito é aplicável, inclusive, para os casos do exemplo apresentado.
Mas, quer se interprete assim quer não, parece-nos de toda a vantagem se ressalve a hipótese de que proprietário e arrendatário que já anteriormente ocupasse

Página 325

12 DE MARÇO DE 1948 325

a casa possam por acordo contratar com renda superior à da matriz.
BASE XXXIV.- No n.º 1 não se diz o fim a que visa a avaliação. Será o da sujeição de ambas as partes à renda que for fixada, como é de justiça?
Será bom que assim seja; mesmo porque não será mais do que manter a legislação já em vigor. Mas convirá acentuar que é assim.
Às alíneas a) e b) do n.º 3 ou, melhor talvez, ao n.º 2 desta base convém determinar que o ramo para o qual o arrendatário pode traspassar é o que estiver exercendo à data do traspasse.
Há, como se sabe, muitos arrendatários comerciais ou industriais cujos contratos permitem o exercício de vários ramos, quer de comércio, quer de indústria, quando não para as duas coisas, ainda que o arrendatário utilize apenas um.
Parece, pois, conveniente fixar com clareza a intenção da lei, para o que bastaria acrescentar-se ao n.º 2 estas palavras: «que o arrendatário estiver exercendo na data do traspasse».
O que diz a alínea a) do n.º 3 não ressalva este caso, porque o arrendatário pode incluir no traspasse as mercadorias, mas o novo arrendatário, ao abrigo do contrato, passar a usar a casa para outro ramo que seja permitido pelo contrato.
Certo é que o arrendatário que pretenda traspassar pode substituir o ramo que estiver a exercer, para só depois efectuar o traspasse. «Mas já o arrendatário que o substitua não poderá mais tarde usar idêntico estratagema, porque, quando tomou o estabelecimento, ficou definido o ramo.
O ideal seria proibir que os actuais arrendatários mudassem a actividade que estivessem exercendo sem consentimento do proprietário, ainda que o contrato permita diversos ramos; mas isto seria restringir o que livremente fora contratado e a esta Cooperativa repugna pedir quaisquer restrições ao que se encontre estipulado nos contratos, para que se não pense ou diga que os proprietários urbanos querem que se imponha aos outros o que não querem para eles: redução de regalias livremente estabelecidas ...
BASE XXXVIII. - Deve substituir-se no n.º 2 a palavra «especialmente» por estas: «por escrito».
Ficará assim com expressão mais nítida.
BASE XL. - Deve dizer-se: «No caso de sublocação parcial do prédio arrendado ...», tal como parece ser intenção da proposta, segundo se depreende do período a seguir.
Isto é, no caso de sublocação de parte da casa sem mobiliário, o arrendatário pode cobrar até 50 por cento; quando fornecer mobiliário, pode cobrar até 100 por cento.
BASE XLI. - Na nova lei pode atribuir-se às juntas de freguesia a obrigatoriedade de certificarem, a pedido das proprietários, quem são .as pessoas que habitam em determinada casa, e esse certificado deve constituir prova bastante da sublocação, dispensando a prova testemunhal.
É desnecessário formular considerações que justifiquem a inclusão do que propomos.
BASE XLIII. - Para os casos da alínea a) do n.º 1 seria também suficiente o documento acima referido.
Sabe-se que em qualquer das hipóteses é geralmente difícil aos proprietários obterem esses certificados e ainda mais difícil obter prova testemunhal. Ora, determinando-se que as juntas de freguesia os passem e limitando-se a prova a esses documentos, ficarão acautelados os arrendatários, mas não lhes será possível, como até agora, evitar as sanções da lei, que, como se sabe, tem constituído letra morta, pelas dificuldades de os proprietários efectuarem a prova.
Exmo. Sr. Presidente: aqui ficam as considerações que esta Cooperativa entende fazer à nova legislação do inquilinato apresentada pelo Governo. Quase nos limitamos a pedir que sejam aclaradas algumas passagens, parecendo-nos que nos integrámos no espírito da proposta, que, como dissemos, será certamente o primeiro passo no caminho desejado.
A bem da Nação.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 1948. - Pela Cooperativa Portuguesa dos Proprietários, os Administradores: Jaime Silva - Emídio Macedo da Fonseca».

«Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - A Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, com sede na cidade do Porto, Praça da Batalha, 122, vem muito respeitosamente apresentar à douta apreciação de V. Ex.ª algumas considerações sobre a proposta governamental relativa a expropriações e rendas de casas e problemas conexos.
Muito gratos ficaríamos a V. Ex.ª se nos distinguisse com o envio da presente exposição à digníssima comissão parlamentar que aprecia neste momento estas complexas e importantes questões.
Nesta conformidade, abordamos a primeira parte:

Expropriações

Contém a proposta, neste capítulo, algumas modificações a toda a legislação actualmente em vigor, que reputamos da maior importância, já no que respeita à forma processual, já no que respeita à superfície a expropriar destinada à utilidade pública, e vem causar graves perturbações dos legítimos direitos dos proprietários.
É assim que, embora se consigne no preâmbulo da proposta que os direitos dos particulares não podem constituir obstáculo insuperável à realização dos fins de utilidade pública, a verdade é que se afigura que esses direitos podem ser ultrapassados, dados os termos, por vezes vagos, por outros imprecisos e por outros demasiadamente amplos, susceptíveis de conduzirem a verdadeiros abusos, com prejuízo manifesto dos legítimos direitos dos proprietários.
Desta maneira, nada temos a objectar aos princípios estabelecidos nas bases I a IV da proposta. Porém, quanto à base V há algumas restrições a fazer no sentido de quando a expropriação abranger, não só os prédios ou terrenos indispensáveis à abertura, alargamento ou regularização das ruas, praças, jardins ou outros lugares públicos, mas também os que sejam contíguos para efeito de urbanização e de construção, este direito dever ser ressalvado para o proprietário quando ele queira construir.
É que aquela expressão contida na proposta pode conduzir-nos ao uso e abuso que já temos visto praticar pela entidade expropriante, que, alegando e justificando a expropriação nos altos interesses de utilidade pública, adquire os tais terrenos contíguos para efeito de urbanização e construção por preço inferior, vendendo-os depois por preço muito mais elevado, podendo até fazer funcionar a mais valia, fazendo assim negócio e lesando os legítimos direitos dos proprietários, ou seja dos expropriados.
Portanto, para se obviar a esse inconveniente e se evitar tão flagrante prejuízo, essa base V deve conter in fine uma expressão equivalente a «salvo se o proprietário, o expropriado, tomar a iniciativa de construir ou edificar».
Quanto à base VI entendemos que ela é ampla demais, porque consigna a possibilidade de a expropriação ser feita por zonas, o que traz consigo perturbação ao proprietário, por insegurança dos seus direitos aos prédios

Página 326

326 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 185

ou propriedades, onde quer que eles se encontrem, e se destinem a expropriação.
A base VII também nos merece alguns reparos.
Nela se consigna propriedade ou direito de superfície em terrenos a expropriar para construção que não devem ser reservados para edifícios públicos ou de utilidade pública ou para construção, pelo Estado, de casas económicas, que será posta à venda em hasta pública, em lotes de dimensões e confinações acomodadas às obras previstas.
Ora, como do próprio texto se vê, essas expropriações não são destinadas a construção de edifícios públicos ou de qualquer coisa que se destine a utilidade pública, e portanto podemos admitir a possibilidade de qualquer particular se apoderar da propriedade do vizinho por meio de expropriação. E tanto assim que logo a seguir, no n.º 2 dessa base, se estabelece o princípio de que, se a hasta pública, isto é, a venda pública em concorrência de licitantes, ficar deserta, pode ser dispensada ou cedida a propriedade, de entre outras entidades, a sociedades cooperativas ou anónimas.
E a situação do expropriado ainda se torna de mais evidente inferioridade em relação à entidade expropriante, que só pode usar o direito de preferência em concorrência com os adquirentes da propriedade no caso em que haja hasta pública.
Ora, isto não é de conceder, e por consequência o direito de preferência estabelecido no n.º 3 desta base deve tornar-se extensivo ao estabelecido nos n.ºs 1 e 2 da mesma base.
Quanto à base IX, observamos que, estabelecendo-se determinado prazo para a consecussão das obras a realizar do prédio expropriado, estabelece porém prorrogações ao prazo estabelecido, a caducidade, em consequência da declaração de utilidade pública, e a retrocessão dos bens expropriados, e, se se tratar da expropriação parcial, a retrocessão da parte residual adquirida.
Sugerimos a necessidade de serem especificados os prazos da prorrogação.
Quanto à base XVI, ainda nos permitimos sugerir uma alteração que contenha o seguinte principio:

No caso de expropriação de bens é concedida ao expropriado isenção do imposto de sisa nas aquisições de novos bens que venha a fazer, por si ou seus descendentes, até ao montante da indemnização que em dinheiro lhe haja sido paga.

(Aditamento dum associado feito na assembleia geral realizada).

Bases de indemnização

A proposta estabelece vários critérios para o cálculo da indemnização a arbitrar à entidade expropriada. É assim que se vê através da proposta:
1.º O critério de a justa indemnização ser arbitrada com base no valor real dos prédios expropriados;
2.º O valor matricial;
3.º O valor pericial.
Estes cálculos encontram-se consignados na base X, n.º 1, na alínea a) da mesma base e nos n.ºs 2 e 3 da base XIII.
A aplicação destes diferentes critérios não é muito clara nas bases citadas. Mas parece depreender-se que a aplicação do primeiro critério se refere a prédios, isto é, edifícios, e até edifícios onde estejam instalados estabelecimentos industriais ou comerciais.
A aplicação do segundo parece ser aos terrenos destinados a edificações, atravessados por vias, ou para a construção de grandes vias de comunicação. Mas neste caso, como. se verifica a mais valia dos terrenos, resultante da sua transformação em terrenos de construção, a avaliação incidirá sobre a mais valia desses terrenos.
Além disso, se a expropriação tiver por objecto apenas direitos sobre imóveis, a indemnização será calculada com base na justa valorização dos seus cómodos (n.º 4 da base X).
Não se compreende bem o alcance nem o significado desta disposição, o que torna necessário esclarecê-la, sendo certo que nunca é de aceitar o simples valor matricial como justa indemnização.
Na realidade o valor matricial é calculado pelo rendimento colectável, que pode ser muito baixo, apesar de o valor intrínseco do prédio ser muito alto.
Haja em vista as construções na província, cujo rendimento é sempre muito pequeno e o custo da construção tão caro como na cidade (à parte o terreno).
A aplicar o valor matricial nestes casos cairíamos em indemnizações completamente ridículas, antagónicas com o espírito do legislador, que deseja, e muito bem, pagar o valor real e perfeito do prédio a expropriar.
A aplicação do terceiro critério, ou seja o pericial, parece ser sómente nos casos de expropriação contenciosa. Quer dizer: quando não haja concordância entre a entidade expropriante e o expropriado, é instaurado o competente processo, que seguirá os tramites no tribunal competente. E, nessas condições, teremos a avaliação do prédio a expropriar feita por peritos. Aqui temos portanto os três critérios que a proposta nos apresenta para cálculo da justa indemnização a pagar pela entidade expropriante ao expropriado.
Todavia, entendemos - que o melhor critério e o mais justo é, efectivamente, o critério fundamental estabelecido na base X da proposta, que se traduz no valor real dos bens expropriados, devendo sempre calcular-se o valor da propriedade perfeita.
Este critério é que não deve dar margem nem a erros, nem a abusos, nem a prejuízos para o expropriado e para a entidade expropriante. Aliás, devem ter-se sempre em conta todos aqueles elementos de correcção para mais.
Por isso perfilhamos o critério do valor real dos bens como base fundamental da justa indemnização.
Mas ainda no capítulo de expropriações teremos de fazer referência a outros aspectos.
É assim que, como já afirmámos, pode suceder que se verifique a mais valia dos terrenos destinados a construção, e neste caso também na proposta se estabelece que os proprietários de prédios rústicos que, por virtude de trabalhos de urbanização ou construção de grandes vias de comunicação, com elas beneficiem terão de pagar à entidade expropriante 50 por cento dessa mais valia, ou seja da valorização que esse proprietário adquiriu pela passagem pelo seu prédio de uma via de comunicação ouconstrução de edifícios.
E se a não pagar sofrerá as seguintes sanções:
1.º Não pode transmitir inter vivos esses terrenos, quer dizer, vender, doar, etc.;
2.º Quando queira construir, a licença para a construção não lhe pode ser passada sem que prove ter pago os 50 por cento da mais valia, ou seja metade do valor por que foi calculado o benefício adquirido pela passagem da grande via de comunicação ou pela construção de edifícios.
Evidentemente que esta situação não é de conceber, pela violência que concretiza, por ser manifestamente injusta e até contrária à política de construções, que tanto interessa acarinhar.
Na fase contenciosa, isto é, judicial, da expropriação o juiz investe logo a entidade expropriante na propriedade, isto é, nos bens expropriados, desde que se encontre depositada a quantia arbitrada, provisória ou definitivamente, como justa indemnização. Porém deve ser fa-

Página 327

12 DE MARÇO DE 1948 327

cultado o direito à entidade expropriada de poder levantar em qualquer caso metade do valor da importância depositada, pois pode suceder que, não obstante a proposta exigir que o processo de expropriação deve ultimar-se no prazo de três meses, a não ser em caso de força maior, o processo se arraste por muito mais tempo e o expropriado sofra com essa demora ainda maiores prejuízos.
Há, finalmente, a parte processual da expropriação no que respeita ao seu julgamento.
Diz a proposta que ele será efectuado em tribunal colectivo, de cuja decisão não há recurso (alínea d) da base XIV).
Todavia, logo na base XV se fala em recursos interpostos pelo expropriado, coisa que se não compreende muito bem, visto que, se não há recurso da decisão final, isto é, da sentença, não vemos a que recursos o legislador reformista se quer referir.

Direito de superfície

Também não compreendemos o alcance deste capítulo - direito de superfície - inserto pelo legislador reformista na proposta. E não compreendemos porque, verificando-se, como se verifica,, dês de há anos a orientação bem clara de acabar com as propriedades imperfeitas, isto é, a enfiteuse e subenfiteuse, este direito de superfície não é mais, em nossa modesta opinião, do que uma nova forma de enfiteuse.

Rendas e sua actualização

Base XXIX. - Antes de mais, nesta base XXIX deve ser eliminada a expressão «1 de Janeiro de 1948» e ser substituída por «cada ano».

A proposta estabelece dois períodos para efeito de actualização de rendas.
O primeiro abrange todos os arrendamentos celebrados até 31 de Dezembro de 1942.
O segundo abrange todos os arrendamentos celebrados de 1 de Janeiro de 1943 até ao presente.
Quanto ao primeiro período diz o proponente:

As rendas serão actualizadas tomando como base o rendimento colectável ilíquido constante da matriz.

Quer dizer, se a renda paga pelo inquilino for inferior ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido, a renda tem de subir até atingir esse duodécimo.
Por exemplo: um rendimento colectável ilíquido constante da matriz de um prédio urbano destinado a habitação é de 4.800$.
O inquilino paga uma renda de 250$.
O duodécimo correspondente ao rendimento colectável será de 400$.
Logo o inquilino passa a pagar mais 150$ de renda, ou seja um total de 400$, em vez de 250$.
Podemos desde já afirmar que poucos senhorios serão abrangidos por esse benefício visto que os rendimentos colectáveis ilíquidos dos seus prédios constantes da matriz devem corresponder no seu duodécimo à renda paga pelo inquilino.
E nestas condições o problema permanece infelizmente inalterável e com a mesma actualidade.
Quer dizer: o desnível económico existente entre o rendimento do senhorio e os encargos dos prédios de que é proprietário é evidente. Porque, sendo a renda correspondente ao duodécimo do rendimento colectável, essa renda não se encontra actualizada, nem como tal pode ser considerada, por virtude de os inúmeros encargos que oneram os prédios absorverem, por muitas vezes, o valor dessas rendas, e o desequilíbrio por esta forma se manter.
É que, ao passo que a proposta considera essas rendas como actualizadas, por outro lado, tendo em atenção as obras de que os prédios carecem, a reparação e conservação, o preço dos materiais, a mão-de-obra, as contribuições e o sem número de encargos que incidem sobre os prédios, tais rendas são manifestamente insuficientes para prover à satisfação destes encargos.
Quer dizer: enquanto que as rendas são verdadeiramente as mesmas -desactualizadas, dizemos nós -, todas as despesas concernentes à satisfação de todos aqueles encargos subiram desmedidamente, e o proprietário não vê forma de as prover.
Este é que é o verdadeiro problema, e que a nosso ver a proposta não resolve.
Queremos crer que o espírito que informou o autor da proposta foi, para efeitos de actualização de rendas, o de tomar como base o rendimento colectável ilíquido inscrito na matriz, tanto para os arrendamentos anteriores a 31 de Dezembro de 1942 como para os posteriores.
E, se assim é, não compreendemos como possa ser concedido ao inquilino de arrendamento celebrado posteriormente a 1 de Janeiro de 1943 o direito de requerer a avaliação ao prédio, para, obedecendo ao princípio de não especulação, reduzir ou manter a sua renda conforme esta ultrapasse ou não o duodécimo correspondente ao rendimento colectável.
Se esse direito é conferido ao inquilino, porque não é também concedido ao senhorio, ficando assim ambos no mesmo pé de igualdade?
E, quando não seja mesmo concedido esse direito ao senhorio, porque lhe não é concedido então o direito de recorrer dessa avaliação?
Pois a proposta não fala (base XXXII) que para efeitos de fixação de renda se deve tomar como base o rendimento colectável?
É que, se por essa avaliação se verificar que a renda paga pelo inquilino é superior ao duodécimo do rendimento colectável, ela é reduzida a esse duodécimo; mas em qualquer caso não poderá ser superior àquela que por contrato foi estipulada.
Diz-se no n.º 2 da base XXXIII que não se pode passar licença para habitação nem efectuar contratos de compra e venda de prédios devolutos enquanto se não proceder à avaliação, para determinar o rendimento colectável e assim se estabelecer a respectiva renda.
Esta disposição pode causar, e causa com certeza, grandes transtornos e prejuízos ao seu proprietário, porque estas diligências são feitas, por via de regra, tardia e morosamente, permanecendo os prédios sem ser arrendados, com prejuízo e com transtorno para os seus proprietários.
Actualizada a renda, o inquilino deixa de pagar o excesso ou diferença da contribuição, como até aqui.
Portanto, para os contratos celebrados posteriormente a 1 de Janeiro de 1943 o autor da proposta entende que as rendas estão actualizadas, e, mais, pressupõe até que são exageradas; e daí o direito que concede ao inquilino de requerer a avaliação a que fizemos referência, com vista à redução da renda.

Sublocação

Há manifesta tendência na proposta em acabar com a sublocação, e tal facto é digno de aplauso.
Assim, mesmo que no contrato de arrendamento se autorize a sublocação, o inquilino é sempre obrigado a

Página 328

328 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 185

notificar o senhorio dentro do prazo de quinze dias, sob pena de ser considerada ilegal e, portanto, motivo para despejo. É uma inovação. O lacto de o senhorio ter conhecimento indirecto da sublocação não quer dizer, desde que não seja notificado dentro daquele prazo, que o senhorio a reconheça ou consinta, podendo intentar a acção a todo o tempo.
Parece, portanto, desaparecer o prazo da prescrição actualmente estabelecido, que tornava tacitamente consentida a sublocação por parte do senhorio.
Todavia esta notificação é dispensável desde que no contrato de arrendamento se especifique a sublocação.
Por outro lado, o senhorio pode sobrepor-se ao arrendatário em todos os casos de sublocação total, e só neste caso, anterior ou posterior à entrada em vigor desta lei, desde que o senhorio notifique judicialmente o arrendatário, considerando rescindido o arrendamento e os sublocatários à situação de arrendatários directos.
Mas, note-se bem, só nos casos de sublocação total dos prédios.
Não há sublocação parcial.
Há porém uma anomalia, que reputamos grave, na proposta, segundo a qual quando o arrendatário realiza a sublocação pode levar ou receber uma renda proporcional à que paga ao senhorio aumentada de 60 por cento, e, se porventura o prédio incluir a mobília de que estiver mobilado, essa renda que o arrendatário cobra do sublocatário pode elevar-se a 100 por cento!
Quer dizer: o inquilino a fazer negócio com o prédio do senhorio.
O inquilino com o direito de aumentar a renda em 100 por cento.
Como se compreende que o arrendatário tenha o direito de elevar de tal modo essa renda, e num prédio que não lhe pertence, sem encargos de contribuições, de obras e outros, e se negue ao proprietário o direito legítimo e humano de poder aumentar as rendas aos seus inquilinos às justas e devidas proporções, tanto mais que é sobre os ombros do senhorio proprietário, ou, melhor, da sua economia, que pesam todas as inúmeras despesas que tem com os encargos, e tantos são, dos seus prédios?
Evidentemente que esta disposição não pode deixar de merecer reprovação e repulsa veementes.
São as bases XXXVII, XXXIX e XL.

Traspasses

Base XXXIV. - Estabelece esta base que nos arrendamentos de prédios para uso comercial ou industrial poderá, para efeitos de traspasse, proceder-se a nova avaliação.
O direito de requerer essa avaliação pertence tanto ao senhorio como ao inquilino.
E parece-nos que é o único momento na proposta em que os direitos de senhorios e inquilinos são iguais.
A autorização do senhorio para o inquilino efectuar o traspasse do seu estabelecimento é necessária quando ele se destine a comércio ou indústria diferentes (base XXXIV é seu n.º 2).
Porém, considera como «sublocação ilegal» (a expressão é defeituosa, porque ou se trata dum traspasse ou se trata duma sublocação) quando o traspasse seja feito independentemente das mercadorias ou utensílios existentes no estabelecimento, o que nos parece pura fantasia pela sua inaplicabilidade prática.

Excelência: a classe dos proprietários do Norte do País, que, com o seu esforço e sacrifício, tem levantado e engrandecido as urbes nortenhas, vive numa situação por todos reconhecida injusta (até pelo Governo) quando as suas rendas são antigas.
Deseja continuar a inverter suas economias em novas construções, concorrer com a sua poderosa iniciativa para a solução difícil do problema português de habitação.
Para isso necessário se torna que as entidades responsáveis a ajudem, melhorando e embaratecendo os transportes para as zonas suburbanas, e é indispensável abandonar o erro fundamental de diminuir por legislação coercitiva inadequada a confiança na justa remuneração do capital empregado.
Queremos crer que foi neste louvável propósito que a douta Câmara Corporativa definiu como imprescindível a faculdade de ser concedido ao proprietário o direito de requerer a avaliação do prédio para- actualizar as matrizes e com elas, num crescendo suave, as respectivas rendas.
Eis o princípio justo, eis o que reclamamos e impetramos.
A proposta governamental, em que reconhecemos existirem disposições dignas do maior apreço e aplauso, não acautela com a equidade devida os nossos já torturados direitos, e isso chocou profundamente as nossas esperanças e sensibilidades.
As contribuições foram até aumentadas, sem uma compensação correspondente, o que veio agravar ainda mais a situação já difícil em que nos encontrávamos.
A classe, porém, que representamos teve sempre a ambição de cooperar com o Governo da Nação em tudo que represente esforços para um Portugal maior. Compreendemos as suas dificuldades, a gravidade da hora que passa e por isso, na Ordem, Progresso e Justiça, encontramo-nos sempre presentes na primeira fila, para o ajudar.
Eis porque à luz desta última ficamos confiados na Assembleia Nacional, que, ao ponderar as razões que nos assistem, não deixará de atender os clamores expostos na presente exposição.

Porto, 21 de Fevereiro de 1948. -Em nome da Associação, o Presidente da Direcção, Alcino Pinto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado José Nosolini.

O Sr. José Nosolini: - Sr. Presidente: gerindo o Ministério das Comunicações encontra-se um ilustre oficial que, pelas suas qualidades pessoais, pela sua orientação e pelos princípios a que ele próprio se impõe, dá garantia ao País de uma acção eficaz. Isso me basta, Sr. Presidente, para que, com especial confiança, me refira nesta Câmara a um sector de serviços sob a sua jurisdição e competência, pedindo providências.
Retiro-me a alguns serviços dos CTT.
À antiga desordem, ao desequilíbrio das contas e à imperfeição antiga sucedeu, pouco depois do 28 de Maio, um período de verdadeiro esplendor, de bom serviço, de boa administração. Mas entrou-se novamente numa época má.
Venho referir-me, especialmente, aos serviços dos telefones.
Sob a acção dos CTT estão os serviços telefónicos do Estado, que eles próprios executam, e os serviços da Companhia, que eles fiscalizam. Pois, quer em relação aos primeiros, quer em relação aos segundos, as deficiências são enormes!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu tenho ouvido, e VV. Ex.ªs todos, com certeza, têm ouvido, atribuir a efeitos da guerra essas deficiências. Ora eu não sei bem até que ponto a afirmação constitui uma resposta e até que ponto constitui, na verdade, uma razão.

Página 329

12 DE MARÇO DE 1948 329

As deficiências dos serviços telefónicos são, duma maneira geral: demora das comunicações; demora entre o momento em que se é avisado para falar e aquele em que realmente se faz a ligação; as interrupções permanentes pelos mais diversos motivos - porque a linha cai, porque se pergunta novo número, porque se desliga pura e simplesmente ou porque se pergunta se se está a falar...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... além disso, as interferências de conversas; a consequente falta de sigilo que o serviço deve garantir; interrupções nos períodos, o que impede a sua utilização completa, e até a imperfeita verificação da sua contagem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Será isto devido à guerra? Alguns destes factos compreendo que sejam determinados até por deficiência de material, mas outros não. E então pergunto a mim próprio: será devido à insuficiência dos quadros perante a aglomeração de serviço? Estará o pessoal sujeito a um serviço esgotante?
Por vezes apetece dizer que o pessoal é demais, porque se ouvem diversas telefonistas interrompendo, solícitas, a comunicação, perguntando por outros números, querendo fazer outras ligações.
Contudo, na realidade, tudo parece indicar que há aglomeração de serviço e que o pessoal dos CTT, sobretudo nas províncias e nas estações onde não há diferenciação completa de serviço, está sujeito a um trabalho aturado e exaustivo, e de tal sorte que, chegando a hora de encerramento, ou terá de deixar o serviço por fazer ou terá de trabalhar além da hora suplementar que lhe está garantida.
Os serviços telefónicos do Estado, em si, não tiveram aumento a partir de 1938.
De facto, se as chamadas interurbanas subiram de 6 milhões em 1938 para 9 milhões em 1946, as chamadas urbanas dos serviços do Estado desceram de 53 para 23 milhões, de sorte que o próprio aumento do serviço internacional, que é pequeno, de nenhuma maneira compensa esta baixa.
Mas naquelas estações, onde não há pessoal especialmente afecto ao serviço telefónico, o aumento de trabalho, sem contar com a transmissão telefónica de telegramas, foi grande. Assim a emissão de vales passou de 2 milhões em 1938 para 4 milhões em 1946 e as encomendas postais de 1 milhão em 1938 para 4 milhões em 1946.
E a par deste desenvolvimento de trabalho melhoraram os quadros ou elevou-se o coeficiente das horas suplementares? Reside aí o mal? Exige-se-lhe um esforço exagerado ?
Com efeito, se verificarmos qual é o coeficiente da perda de tempo por doença do pessoal dos CTT, vemos que ele aumentou desde 1944 do modo seguinte:
Leu.
Pelo que respeita aos serviços da Companhia dos Telefones, parece-me que o problema é o mesmo, sobretudo nas áreas não automatizadas.

Vozes: - Pior! É pior!

O Orador: - Eu já lá vou... Nas chamadas interurbanas tem-se atribuído as deficiências à interligação desses serviços com os serviços do Estado. E, na verdade, muitas vezes sucede que os telefonistas de uns e de outros se atribuem mutuamente a responsabilidade das interrupções e das interferências.
Esta interligação há-de ser evidentemente sempre prejudicial aos serviços.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com as chamadas urbanas nas zonas não automatizadas as causas, como disse, devem ser as mesmas. As chamadas urbanas tiveram, segundo os números impressos, um aumento de mais de 40 por cento e atingiram em 1946 o número de 91 milhões.
E devemos até dizer que não sabemos explicar, ao ver o relatório dos CTT, a extraordinária grandeza deste aumento, quando o Estado atribui a queda vertical nas suas chamadas urbanas ao regime de pagamento por chamadas.
Parece, Sr. Presidente, que a mesma causa devia produzir o mesmo efeito. E então pergunto: como é que o pagamento por chamadas produziu uma quebra de 53 milhões para 23 milhões nos serviços do Estado e produziu um aumento de 40 por cento nos serviços da Companhia?
Não compreendo.
É, pois, de temer que o número de 91 milhões resulte em parte de chamadas contadas em duplicado, em consequência das interrupções provocadas pelos próprios serviços, em resultado, em suma, da indiscutível desordem, verificada por todo o público, porque neste serviço público a contagem é inverificável!
E ai fica outro problema, que respeita também em parte aos serviços dos CTT.
Sr. Presidente: eu não tive a pretensão de explicar deficiências, nem me competia fazê-lo. Apenas quis indicá-las e pôr hipóteses, pedindo providências ao Sr. Ministro das Comunicações.
Estou certo de que o ilustre Ministro não deixará de considerar este problema, quer na parte explorada pelos serviços do Estado, quer na parte entregue à Companhia - quanto aos primeiros, por fácil intervenção directa, com a dedicada cooperação da Administração; quanto à segunda, pela fiscalização, com a boa vontade da Companhia e, se preciso for, usando das faculdades que as bases aprovadas pelo decreto de 10 de Janeiro de 1928 justamente garantem ao Governo. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: apenas breves palavras, que entendo do meu dever pronunciar depois daquelas que acaba de tão brilhantemente proferir o ilustre Deputado Sr. José Nosolini, muito gostosamente me associando às saudações ao ilustre Ministro das Comunicações, cuja personalidade é, com efeito, deveras notável.
Pelo Diário do Governo tomei conhecimento das últimas contas da Administração Geral dos CTT e notei que delas ressaltava a necessidade de maior auxílio financeiro por parte do Governo a este importante departamento da administração pública, para que ele possa cumprir a alta missão que lhe está confiada e dar satisfação às inúmeras reclamações que lhe são apresentadas.
Pela análise das suas receitas verifica-se que tal auxílio hoje pode e deve ser dado, pois, até mesmo a uma simples empresa particular que se achasse nas condições financeiras em que se encontra a Administração Geral dos CTT, qualquer entidade bancária, com certeza, não hesitaria em conceder tal auxílio financeiro.
E se essa convicção me adveio da leitura que fiz das contas da Administração Geral publicadas no Diário do Governo, ela mais se arraigou ainda quando, ao partir, há dias, para as reuniões desta Assembleia, encontrei na gare da estação de Braga uma enorme quantidade de

Página 330

330 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 136

material paira os telefones, ou seja para as redes subterrâneas de Braga a Barcelos, de Braga a Póvoa de Lanhoso e de Braga a Guimarães, o qual foi adquirido há já bastante tempo e de que já se fez a distribuição, mas de que não poderá ser tirada a utilização necessária se acaso o Governo não conceder à Administração Geral dos CTT, esse auxílio financeiro, que eu reputo absolutamente urgente.
Nestas condições, peço ao Governo para não demorar esse auxílio financeiro, tão necessário, à Administração Geral dos CTT, e certo estou de que o Governo, na bem costumada defesa do interesse nacional, assim o fará.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Chegou hoje da Imprensa Nacional à Assembleia o parecer sobre as Contas Gerais do Estado relativo a 1946.
É o primeiro volume. Seguir-se-á um outro volume, que ainda está na Imprensa Nacional, o qual contém o apêndice sobre o comércio externo de 1947.
Entretanto, este primeiro volume contém o parecer sobre as Contas Gerais do Estado, com as suas respectivas conclusões, e traz em apêndice o comércio externo relativo a 1940. A Comissão de Contas julgou, porém, conveniente, para elucidação da Assembleia, acrescentar-lhe um apêndice sobre o comércio externo, para a Assembleia poder fazer o confronto.
Chamo a atenção da Câmara para este assunto, visto que, logo que eu julgue a Câmara habilitada para entrar na discussão do parecer sobre as Contas Gerais do Estado, marcarei essa discussão para ordem do dia.
Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, o projecto de lei relativo a feriados e dia de descanso semanal, da autoria do Sr. Deputado Mendes de Matos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Albano de Magalhães.

O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: nada pode agradar mais ao meu espírito do que falar, embora em brevíssimas palavras, sobre a formação de Portugal, a razão da sua independência, a segurança do seu destino.
E proporciona-me essa possibilidade o projecto de lei que, em hora feliz, o Sr. Deputado cónego Mendes de Matos apresentou à Assembleia. Nacional sobre os dias festivos da Igreja e revisão dos feriados nacionais.
Entendeu S. Ex.ª reunir no mesmo projecto de lei estes dois factos, tão interpenetrada é a sua razão de ser, tal a unidade que constitui a vertebração espiritual da nossa nacionalidade no mais puro sentido religioso e político.
Dias festivos da Igreja são dias festivos da Nação Portuguesa!
E eu remonto aos primeiros momentos em que a espada de D. Afonso Henriques se ergueu na defesa da cristandade contra a mourama infiel, evoco a vassalagem prestada à Santa Sé pelo nosso primeiro Rei, que, em defesa da independência do seu reino e da sua própria soberania, presta o tributo de 4 onças de ouro. E é tal a transcendência deste acto perante o poder espiritual de Roma que António Sardinha, analisando-o à luz do seu magnífico espírito, do mais são e incontestado nacionalismo, confessa que «não sabe se D. Afonso Henriques é mais credor do nosso reconhecimento quando conquista Lisboa e dilata o seu supremo reino até ao Tejo ou se quando ajoelha aos pés do legado e oferece Portugal em vassalagem à Santa Sé».
Assim começou a Nação Portuguesa!
Os primeiros passos foram dados ao sopro religioso da Fé, em cruzadas de alma.
Assim começou e sempre pela vida adiante foi crescendo e aumentando, e de tal sorte que, maravilhados, a vemos cada vez maior quando os portugueses, abraçados na Cruz, afirmam a sua presença em terras da mourama ou «por mares nunca dantes navegados, vão dilatando a Fé e o Império».
Na história portuguesa, como em todas as histórias de qualquer nação do Mundo, há momentos de vida feliz e de vida infeliz.
Mas sempre que os portugueses lutaram e viveram à sombra da Cruz de Cristo, Portugal afirmou a sua presença. Bem ao contrário, quando lutaram contra ela, num prurido de independência e de mal compreendida liberdade, que é antes de tudo ignorância, inconsciência ou mal contido atrevimento, esta grande Nação fez-se pequena, tão insignificante que até com o seu próprio nome se permitiram formar um verbo - portugalizar - de sentido tão despiciente e pejorativo que os próprios portugueses por tais erros culpados, de combalidos que estavam, nem tinham forças para o repudiar.
Dias festivos da Igreja, dias festivos da Nação Portuguesa.
Não vale a pena, Sr. Presidente, numa Assembleia tão esclarecida e tão portuguesa como esta é, recordar certos passos da história - da nossa História Sagrada -, que constantemente comprovam e ilustram esta afirmativa, pois só os não sente quem não tiver sensibilidade, por a ter deixado queimar nas lutas inglórias e megalómanas da vaidade, ou na intemperança da falsa liberdade, e só os não vê quem quiser ser cego e se deleitar na escuridão, onde nem sequer descortina a sua superior inferioridade.
Não resisto a reproduzir as palavras que o Dr. Luís de Almeida Braga, no seu livro O Culto da Tradição, escreveu com o mais puro sentido do seu vibrante nacionalismo, que é bem igual ao nosso no entusiasmo com que pretende que Portugal seja igual ao mesmo que foi à nascença, nacionalismo que está sempre aceso na mesma chama votiva da herança espiritual, elo inquebrável de fé nas virtudes da raça:

Um português pode não ser católico, mas tem obrigação de se interessar pelo desenvolvimento e engrandecimento do catolicismo como de um elemento político da Pátria.
A causa da Igreja e a causa de Portugal confundem-se. Um inimigo da Igreja é um inimigo de Portugal. Cada golpe dirigido contra Roma afecta e fere a tradição histórica de Portugal. Se os reis fizeram a Pátria, os bispos e o clero foram os seus primeiros cooperadores.

Dias festivos da Igreja, dias festivos da Nação Portuguesa!
Se todas as nações devem reconhecer a Deus como seu fim último, diz o antigo Deputado, notável escritor e brilhante orador Dr. Alberto Pinheiro Torres, a portuguesa, porém, não recebeu do cristianismo apenas a sua razão final e o fundamento da sua vida colectiva, antes hauriu nele um dos traços essenciais da sua personalidade: a missão de cruzada e evangelização.
Não vale a pena insistir na reafirmação desta verdade, assim reconhecida por todos os portugueses de boa fé e de boa têmpera, posta em relevo com singular compreensão do carácter nacional no magistral parecer da Câmara Corporativa. É tão grande o manancial que desta

Página 331

12 DE MARÇO DE 1948 331

verdade exume que eu veria esgotado o tempo e esgotada a generosidade de VV. Ex.ªs se continuasse a pretender provar o que provado à saciedade está.
Dias festivos da Igreja, dias festivos da Nação Portuguesa!
Quando assim pensamos e o proclamamos não fazemos mais do que, sem quebra do poder de soberania que nos pertence zelosamente defender, reconhecer o sentido da formação espiritual que deu base e sempre tem acompanhado á nossa grei, até nos momentos sombrios em que os falsos intérpretes do sentimento do povo ousaram, abusando da sua prostração doentia e acidental, impor-lhe, em seu próprio nome, leis e costumes que, por não traduzirem os anseios da sua alma, esse mesmo povo obstinadamente se recusa a aceitar.
Portugal não é só Lisboa, nem é só o Porto nem apenas as outras cidades portuguesas. De norte a sul, de lês a lês, aquém e além-mar vive e trabalha, ensopando o seu suor na terra portuguesa, boa gente, tão boa como a melhor que foi criada neste torrão bendito, que se descobre de manhã cedo, ao toque das ave-marias, e, numa oração constante de amor ao trabalho, todo o santo dia transforma e enriquece a terra para servir o seu Deus e servir a família, a quem de novo se junta, depois do sol-pôr, ao toque das trindades.
E é esta boa gente das aldeias e das cidades portuguesas, sempre pronta ao sacrifício quando lhe é pedido - essência da vida portuguesa-, que proclama e quer que seja respeitado o poder espiritual da Igreja, da mesma Igreja que lhe abriu a alma para o cristianismo, lhe ensina a sofrer, amando, e na derradadeira hora lhe fecha os olhos, dando-lhe o viático para a eternidade.
E foi contra esta boa gente de Portugal, contra a quase totalidade do povo português, que se afirma católico numa permanência de continuidade virtuosamente criadora, que uns pseudo governantes de via reduzida, em 1910, com a omnipotência tia audácia, da via larga do falso voto, instituíram dias festivos da Nação Portuguesa dias trágicos da história e eliminaram aqueles que, sendo da Igreja, também são nossos, porque é nossa «a constante católica da história de Portugal».
A estes pseudogovernantes bastou-lhes pouco mais de um mês para, em obediência à sua sanguinária revolução, alterarem o calendário dos feriados nacionais, deixando apenas laicizados dois dias festivos da Igreja por sentirem a impotência da sua soberana omnipotência em ordem ao seu extermínio.
Para se desviar o sentido do rumo da vida portuguesa bastou meia dúzia de dias. A liberdade do poder de tal maneira amarfanhava a liberdade do espírito do homem que este nem ousava erguer a sua voz, tão depressa era abafada pela força tonitruante do cidadão, que em nome da liberdade tudo podia praticar.
De 1910 a 1926 Portugal não esteve em sossego. Ninguém se entendia. Ato os melhores portugueses soçobravam ante a tragédia que nos afligia. A Revolução de Maio, que é a nossa Revolução, veio reintegrar Portugal no rumo da sua história. Desde logo proclamámos a política do espírito. Mas, preocupados com a restauração de muitas coisas materiais que jaziam em ruínas, desfalcando o Tesouro português, íamos esquecendo a formação espiritual da nossa Revolução, a alta política do espírito a que devíamos subordinar os actos da nossa vida.
Muito já se tem feito pelo regresso à lareira da cristandade portuguesa.
Mas também já é tempo de nos sentirmos em casa nossa.
Vinte e dois anos são passados sobre a libertação de Portugal. A princípio éramos de tão variada procedência que, por mal nos conhecermos, a custo esboçávamos um passo em frente. Hoje não temos receio uns dos outros.
Temos uma política e temos uma obra dessa política.
Confessamos o Verbo como princípio de todas as coisas, proclamamos o espírito como base da nossa vida e da vida nacional. É uma atitude positiva de franca liberdade. E a nossa obra vive por si, como o mais fiel intérprete da alma da Nação. Marca a sua presença em todo o Mundo com a mesma dignidade que dantes se projectava, firme e heroicamente, o Portugal da Cruz de Cristo.
E que contraste! Enquanto esses governantes de 1910, após uma revolução firmada no sacrifício de muitas vidas, renegaram a formação espiritual do carácter nacional e corajosamente, porque não dizê-lo, corajosamente, contra o sentimento da quase totalidade do povo português, abjuraram da fé dos seus maiores, extinguindo e laicizando as festas religiosas que a Nação consagrava, nós, ao fim de vinte e dois anos, ainda não restituímos ao povo de Portugal aquela herança espiritual que a sua alma religiosa reivindica como seu mais sagrado património.
E para tanto nem é preciso ter coragem. Basta apenas fazer justiça e até, se quiserem, para agradar a todos, justiça democrática, concedendo à quase totalidade dos portugueses aquela mercê que a democracia sem justiça lhe roubara.
E que contraste entre o proceder dos governantes de uma nação fidelíssima que mantém os serviços do Estado em apostasia religiosa, se bem que mais de 90 por cento dos seus naturais confesse a fé católica, e o proceder dos governantes de outras nações, que, não tendo a tradição da fé católica como base da alma e fundamento do carácter do seu povo, respeitam os direitos do Espírito e da Fé, reconhecendo como feriados nacionais dias festivos da Igreja.
Um professor de um estabelecimento de ensino do Porto, que também era professor do extinto Colégio Alemão, confessou-me há dias a dor que afectava o seu sentimento pátrio quando dava aulas no Instituto Português no dia da Ascensão do Senhor, que era guardado, à semelhança de outros dias santos, como feriado nacional no Colégio Alemão.
Porventura nações como a Argentina, a Suíça, a França, a Espanha, a Bélgica, a Itália e tantas outras sentem diminuído o seu poder de soberania por aceitarem como feriados nacionais dias festivos da Igreja Católica?
Quer-me parecer que quando se proclama livremente, no uso dum poder soberano, a adopção como festa nacional de festa consagrada por entidade estranha, melhor direi, com poder diferente, mas sempre presente na alma da Nação, como sua inspiradora e mais seguro guia, obedece-se a um imperativo nacional, confessa-se o primado do espírito, afirmam-se os direitos de Deus, que dão a César o que é de César.
A Câmara Corporativa justifica em parte o seu douto parecer na obrigação que o Estado Português contraiu, no artigo XIX da Concordata, de providenciar no sentido de tornar possível a todos os católicos o cumprimento regular dos deveres religiosos nos domingos e dias festivos.
Eu não quero de maneira alguma que se suponha que pretendo rebater a argumentação aduzida pelo espirito brilhante e honestíssimo do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que desde sempre me habituei a admirar.
Pretendo apenas fundamentar a minha atitude de espírito como político que não procura no texto da Concordata senão um esclarecimento para a posição que livremente assume nesta Assembleia.
Parece-me que ninguém contesta que no texto da Concordata esteja expressamente disposto eme os domingos

Página 332

332 DIÁRIO DAS SESSÕES - N. 135

e dias festivos da Igreja seriam decretados pelo Estado Português como feriados nacionais.
O que se diz no parecer da Câmara Corporativa e está escrito no artigo XII da Concordata com a Santa Sé é que:

... o Estado providenciará no sentido de tornar possível a todos os católicos que estão ao seu serviço ou são membros das suas organizações o cumprimento dos deveres religiosos nos domingos e dias festivos.

Ora, estabelecendo o dever religioso a santificação dos dias festivos e a abstenção de todo o trabalho servil, como é que o Estado pode providenciar no sentido do cumprimento dos deveres religiosos mantendo nesses dias os trabalhos servis nos seus organismos e impedindo a santificação dos dias festivos com trabalhos obrigatórios doutra natureza?
Parece-me que no texto da Concordata está contida implicitamente a necessidade do reconhecimento do feriado.
E nem o argumento, aparentemente triunfante, da falta de reclamação por parte da Igreja do não reconhecimento de feriados nacionais nos dias festivos pode ser aduzido para comprovar a não existência dum direito.
Os deveres importam exercício.
Quem assume obrigações tem de as cumprir se não quiser sofrer penalidades, pelo menos de ordem moral. Os direitos subsistem integralmente com a mesma força originária, mesmo que se não usem, a não ser que sejam extintos, por prescrição, que, na ordem moral, não é de invocar.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
Era só para o esclarecer sobre isto.
Se o texto que impõe ao Estado Português a obrigação de tornar possível que os seus funcionários e pessoas de si dependentes cumpram os seus deveres religiosos nos domingos e dias festivos, impõe-lhe também a de admitir como feriados nacionais os dias festivos da Igreja?
Eu esclareço. Desde que o Estado assume uma obrigação que o coloca na posição de permitir às pessoas suas dependentes que cumpram os deveres religiosos nos dias festivos, nesta obrigação está implícito que o Estado não é obrigado a decretar como dias feriados os dias festivos, porque, se o fosse, com isso a obrigação do Estado estava completamente esgotada.

O Orador: - Compreendi o raciocínio de V. Ex.ª, que foi mais uma vez fundamentado, mas não me impressionou grandemente.
Eu sei perfeitamente que a conclusão a que V. Ex.ª chegou tem certa razão de ser, mas desejo perguntar ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que melhor do que ninguém me pode esclarecer em assuntos desta ordem, qual é a posição que o Estado então tem de tomar em relação aos seus subordinados para que possam cumprir os deveres religiosos?

O Sr. Mário de Figueiredo: - Nas instituições que .funcionam em regime de internato deve-se tornar possível aos internados que, ou lá dentro, com uma capela, ou acompanhados, cá fora, aos lugares próprios, possam cumprir os deveres religiosos aos domingos e dias festivos. Não pode tomar qualquer disposição para os seus serviços no sentido de impedir que realmente os deveres religiosos- se cumpram nesses dias.

O Orador: - V. Ex.ª interrompeu-me quando eu estava a desenvolver o meu raciocínio.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Se eu agora interrompi V. Ex.ª, foi para satisfazer um pedido seu.

O Orador: - Estou a remontar à primitiva intervenção de V. Ex.ª e não ao esclarecimento que me deu agora, para poder continuar.
Se V. Ex.ª acompanhar o desenvolvimento do meu raciocínio, pode verificar que penso exactamente como V. Ex.ª, isto é, que o Estado não tem a obrigação expressa na Concordata de decretar feriados os dias santos.

as para pôr em execução o cumprimento do dever que assumiu parece-me que só o pode conseguir com a suspensão dos trabalhos nos dias santos e, consequentemente, a definição dos dias festivos como feriados nacionais.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Quer dizer: nós entendemos, como católicos, mais do que entendeu o Pontífice Romano nas exigências que fez a Portugal; isto é, que nós «somos mais papistas do que o Papa». E esta é uma atitude muito frequente nos católicos portugueses.

O Orador: - Bem, não tenho nada que observar a essas considerações e vou continuar o meu raciocínio para se verificar que aceito a interpretação do texto da Concordata feita por V. Ex.ª; simplesmente, desejava ser esclarecido, como já fui, sobre a forma como V. Ex.ª entende que ao Estado Português compete, em face da Concordata, defender a sua posição.
A Igreja não reclamou do Estado Português o reconhecimento dos dias festivos como feriados nacionais porque, não existindo no texto da Concordata o reconhecimento expresso desse dever para o Estado, não tinha o direito de reclamar tal obrigação. Mas a Igreja também não reclamou o cumprimento do dever que expressamente, pelo artigo XIX da Concordata, cabe ao Estado Português de providenciar para que aos católicos portugueses, a quase unanimidade da sua população, seja possível o cumprimento dos seus deveres religiosos nos domingos e dias festivos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Nisso V. Ex.ª está equivocado. A Igreja não reclamou porque isso tem-se estado permanentemente a executar, isto é, tem-se estado a estabelecer capelas nos quartéis, nos hospitais, nas Misericórdias e nos asilos. Tem-se estado permanentemente, e ao ritmo a que estas coisas podem executar-se, a cumprir a obrigação que resulta do artigo XIX da Concordata.

O Orador: - Eu lamento neste momento não poder aceitar o esclarecimento de V. Ex.ª inteiramente, porque, se V. Ex.ª me diz que o Estado está permanentemente a executar essa obrigação, devo dizer que me parece que está a executá-la muito deficientemente, porque a obrigação do cumprimento do dever religioso não é, simplesmente, fazer capelas, mas é ainda permitir que naqueles departamentos em que se exerçam trabalhos de natureza servil estes sejam suspensos para que os seus trabalhadores e operários cumpram ou possam cumprir os seus deveres de católicos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Também conheço isso e posso informar V. Ex.ª do seguinte: é que a inércia tem muito mais poder do que o poder, e o que acontece é que, apesar das indicações constantes, para os diferentes serviços do Estado, dos responsáveis, do verdadeiro responsável, no sentido de que se proceda como V. Ex.ª desejaria, há obras que são executadas por empreitada e a inércia faz com que nem sempre se leve a bom termo aquilo que está no espírito de poder fazer e realizar.

O Orador: - Eu penso exactamente como V. Ex.ª Como me sinto feliz por verificar que V. Ex.ª reconhece

Página 333

12 DE MARÇO DE 1948 333

que os deveres religiosos impostos pela Concordata não se tom realizado devido à inércia do Estado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas isso não é por falta de direito, por falta de intervenção do Estado. Isso é por outras razões, de que é tão responsável o Estado como... esta circunstância deplorável de nós, Estado e Igreja, não termos conseguido apostolizar e catequizar suficientemente a gente portuguesa.

O Orador: - Há portanto entre nós uma identidade de pensamento sobre a falta de possibilidade no cumprimento dos deveres religiosos nas circunstâncias actuais e eu sinto-me satisfeito por verificar que V. Ex.ª o reconhece e que, esclarecendo essa posição, também esclareceu muitos dos Sr. Deputados aqui presentes.
Mas, continuando, gostava, todavia, que me dissessem qual era o processo de pôr em execução essa obrigação assumida pelo Estado Português, pois se não forem suspensos os trabalhos em todos os organismos do Estado, ou que dele dependam, por meio de feriados, terão de se decretar dias de repouso cristão.
A Igreja, que ainda não teve a alegria de verificar que os católicos portugueses podem cumprir os seus deveres religiosos nos dias festivos sem faltar ao cumprimento dos seus deveres para com o Estado, mantém íntegro, mesmo sem reclamar, o direito que lhe foi atribuído de exigir o cumprimento desses deveres por expresso reconhecimento do Estado Português, num texto de natureza internacional. Mas não é a interpretação de um artigo da Concordata com a Santa Sé que está em discussão.
Livres somos e livres estamos para resolver o que melhor entendermos sobre a proclamação de feriados nacionais, dos princípios e dos fins que se devem ter em vista na determinação da sua escolha.
E volto a insistir, num hosana de fervor nacionalista. Dias festivos da Igreja são dias festivos da Nação Portuguesa.
Foi ao serviço de Deus, com ,a Cruz de Cristo a sangrar nas velas, que & alma portuguesa em luta contra o mar galgou as ondas temerosas e foi pelo Mundo além, santos e heróis, heróis e santos, evangelizar os povos e criar nações. E foi por realizarmos essa empresa arriscada de missionários, iguais aos que ainda hoje lutam como portugueses da melhor têmpera na criação do génio nacional em terras de ignorância de Cristo,, que nós somos uma das maiores nações do Mundo.
E é com este passado e com este presente de inconfundível superioridade que o génio de Sal azar mantém firme que podemos proclamar, sem a mais ligeira quebra de soberania, o dever de dar a Deus o que a Deus pertence. Porventura a nossa Constituição não reconhece como limites do poder a moral e o direito? E não será a moral cristã, melhor direi católica, aquela fronteira de vida salutar a que livremente e soberanamente nos subordinamos ? Se é como penso, não há quebra de soberania, há o exercício do poder de César,- que dá a Deus o que é de Deus.
O povo português, de lês a lês, já guarda os dias santos da Igreja e fica surpreso de incompreensão ao verificar como um Estado que se diz respeitador da sua crença vive em apostasia de fé, obrigando a trabalhar nesses dias os seus serventuários e persistindo que nas obras do Estado a mesma rebeldia se manifeste contra a consciência católica do País.
A diminuição de trabalho que o aumento de feriados implicaria representa prejuízo de tal monta que pudesse explicar esta apostasia pública de fé católica? Quero crer que não. Em Portugal, principalmente nas aldeias, nos dias santos não se trabalha, são dias do Senhor. Nas cidades e em toda a parte onde se cumpre o horário de trabalho estou certo de que todos os portugueses de boa vontade compensariam pela semana adiante o tempo porventura perdido em prejuízo da economia nacional.
Além de que se podia e devia limitar o número dos feriados nacionais que actualmente existem concentrando a comemoração de certos factos - expressão do sentimento e das virtudes da raça num dia que podia ser, como muito bem disse o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes, o de Nun'Alvares, consagrado a Portugal, e também se podia acabar com feriados municipais, que causam contratempos e prejuízos a muitos portugueses, até da própria terra, que os ignoram.
Em questões de espírito, as dificuldades de ordem material não se devem pôr, mormente quando elas só existem se nós quisermos.
Levado por estas e pelas considerações brilhantemente .expostas no magnífico parecer da Câmara Corporativa, que foi aprovado por unanimidade, eu também concluo «que não pode restar dúvidas de que não é necessário criar oito novos feriados; demais o Governo pode em qualquer momento negociar um acordo com a Santa Sé para obter a dispensa de alguns deles». Mas a Câmara Corporativa entendeu não se manifestar sobre a revisão dos feriados civis, porque essa revisão afeita na mesma lei, iria, na aparência, diminuir moralmente o significado da consagração dos dias santificados como feriados». E por isso entendo dever ser adiada apara outra oportunidade a resolução do problema em causa».
No parecer da Câmara Corporativa vêm escritas estas palavras:

Se pensarmos agora nos dias festivos meramente civis, diremos que devem inspirar-se nos mesmos princípios que enformam o repouso cristão. Feriados que recordem factos indiferentes à maioria dos cidadãos ou de carácter sectário serão ineficazes ou nocivos; só os que fizerem vibrar os cidadãos num sentimento unânime, profundo e elevado poderão afervorá-los no ideal patriótico e no serviço nacional.

Ora se são os mesmos princípios que enformam o repouso cristão aqueles que devem determinar a escolha dos dias festivos nacionais, não compreendo como se possa afectar moralmente o significado da consagração dos dias santificados adiando para outra lei a revisão de feriados nacionais.
Parece-me até que há incoerência nesta atitude.
Eu entendo que os dias festivos da Igreja devem ser feriados nacionais, não por homenagem à Igreja, que lhe podia ser prestada por uma nação de confissão religiosa diferente, mas para permitir à quase totalidade dos portugueses o cumprimento dos seus deveres religiosos, da religião católica, que desde os primeiros momentos, através da sua história, trespassou a sua alma e nos impeliu à criação e manutenção de um mundo de fé cristã. Os dias que a Igreja considera festivos devem por isso ser considerados oficialmente festivos pela Nação Portuguesa sómente porque a sua consciência católica assim os considera.
E se os princípios que inspiram os feriados civis devem ser os mesmos que enformam os dias festivos da Igreja, a determinar a sua escolha deve existir necessariamente um fundo de penetração religiosa, que foi e é a essência da Pátria Portuguesa.
De estranhar é pois que a Câmara Corporativa, que, com um sentido tão justo da realidade nacional, enunciou os princípios que devem enformar a instituição dos feriados civis, entendesse que a sua revisão iria diminuir moralmente o significado da consagração oficial dos dias santificados.
Bem ao contrário, supomos nós que esta distinção, que os princípios não comportam, é que vem diminuir o

Página 334

334 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 136

significado patriótico da consagração oficial como feriados dos dias festivos da Igreja.
Os princípios levam-nos a certas conclusões que nós devemos aceitar integralmente, não vá a contradição dos factos com as ideias criar situações anómalas, que reprovamos naqueles que são pouco escrupulosos em realizarem na acção o seu pensamento, não vá a pusilanimidade da nossa atitude proporcionar ao adversário a utilização de um feriado que só tem a recomendá-lo tragédias acidentais de lutas fratricidas para comemorações de ideias que afectaram a saúde da Pátria e fazem sangrar a vida da Nação.
Em 14 de Novembro de 1940, como vereador da Câmara do Porto, tive a honra de apresentar uma proposta para restituir à rua que então se chamava de 31 de Janeiro o seu primitivo nome, de um grande santo português, que anda no pensamento de toda a boa gente portuguesa - Santo António de Lisboa.
Esta proposta foi aprovada, por unanimidade, na cidade em que eclodiu a revolta do 31 de Janeiro.
Disse eu então:

As datas de lutas fratricidas, de portugueses contra portugueses, e que sejam meros acidentes na história da vida nacional, não devem ser comemoradas, nem servir de alento à natural exacerbação do nosso povo.
.............................................................................
Está quase no a III o ano áureo dos Centenários. Nessa magnífica Exposição do Mundo Português, que representa tão expressivamente o sentido da vida portuguesa e foi realizada com tal esmero que nenhuma voz se ergue a quebrar a harmonia dum coro de louvores, evoca-se Portugal em todos os tempos e sente-se orgulhosamente a renascer nas gestas dos seus heróis, nas virtudes dos seus santos, no sacrifício dos seus mártires. Recordam-se datas, marcam-se feitos realizados com indómita bravura, apontam-se glórias de inultrapassável sublimidade, mas não se descortina, e honra seja feita a quem assim pensou e realizou, a sombra duma quezília da família portuguesa, não se pressente a espuma enraivecida dum choque de sentimentos pátrios. Ali todos os portugueses dão as mãos contra o inimigo comum, para honra e glória de Portugal engrandecido.
Estamos a festejar oito séculos de vida, da vida dos nossos mortos. Nas festas comemora-se o que une e não o que separa e fazem-se votos por que sejam cada vez mais fortes os laços dessa união. Na Exposição do Mundo Português aprende-se, pois, a viver a alma nacional e a sentir o dever de a transmitir às coisas que se forem realizando ou a restituí-la àquelas donde tiver sido banida.
Santo António de Lisboa é uma das figuras portuguesas que mais arraigadas estão no sentimento e tradições populares, quedais representativas são da vida cristã portuguesa. E uma figura de tão extraordinária soma de virtudes - e só não as aprecia quem nenhumas possui - que se projecta cheia de grandeza nas outras nações.
É nosso, é português e dos maiores. Acompanha o rico e o pobre por todas as aldeias de Portugal, nas suas angústias e nas suas alegrias. Acompanha o próprio incrédulo na estilização de uma obra de arte.
Pois numa época sombria da nossa história lavraram uma sentença,- cujos termos felizmente desconheço, em que a este Santo foi dada ordem de despejo da sua morada no Porto. O pobre Santo, por humildade, pretendeu retirar-se, mas o nosso povo é que, transformado em tribunal de última instância, revogou a sentença, reconhecendo ao bom do Santo definitivamente pleno direito de proprietário da sua morada. Bastantes anos já decorreram e, não obstante ainda não ter sido posto em execução esse douto acórdão, o povo continua a reconhecê-lo e só a ele como legítimo dono da sua casa.
Parece-me que não abuso dos fragilíssimos poderes que me foram confiados se invocar a minha qualidade de advogado do povo desta cidade e nessa qualidade pedir à solicitude de V. Ex.ª ajusta mercê de dar execução ao acórdão proferido.
Fica assim sem residência a data de 31 de Janeiro.
Sobre esta data direi apenas, na sequência das considerações expostas, que o idealismo que impeliu os homens para a revolta de 31 de Janeiro encontrou naqueles que sofreram esse embate e conseguiram dominá-lo servidores igualmente sinceros do espírito nacional.
Foi por amor à terra portuguesa que lutaram, foi por amor à sua terra que morreram. Louvemos os heróis de ambos os campos.
Alguns dos vencidos, à frente dos quais eu quero, colocar Basílio Teles, são bem dignos, como portugueses de lei, de ter os seus nomes gravados nas ruas desta cidade. Alguns dos vencidos e alguns dos vencedores.
Quanto à data, parece-me que a maior homenagem a prestar-lhe é retirá-la das paredes, que podiam ter sido salpicadas com sangue de bons portugueses.
Não ofereçamos a luta fratricida, simples episódio de uma revolução, como padrão da nossa história aos portugueses de hoje e de amanhã. Eles têm muito que aprender na conquista e ascese de Portugal.

Sr. Presidente: fui demasiado extenso na transcrição das palavras que proferi na Câmara do Porto, vai para oito anos. Mas se as reproduzi foi porque julguei que melhor não as saberia dizer para pôr bem em evidência o contraste das éticas de duas revoluções - do 5 de Outubro e do 28 de Maio.
Enquanto os homens do 5 de Outubro satisfaziam o seu ideal procurando separai das comemorações patrióticas os factos nacionais ligados à fé católica dos seus maiores e jubilosamente aceitavam para festas nacionais datas de significado moral restrito a certo número de portugueses, nós, os homens do 28 de Maio, queremos que a Nação seja de todos e que todos nos possamos juntar nas festas consagradas ao sentimento e às virtudes nacionais.
Com a nossa revolução. Portugal reencontrou-se em paz, acorrendo de norte a sul, sem deixar cair uma gota de sangue, ao apelo vibrante de amor pátrio dum general português.
Lutas fratricidas? Não podem, não devem ser festejadas.
Sobre os túmulos dos mortos os vivos especulam sentimentos mal contidos de aspirações insatisfeitas.
Aos mortos é devida homenagem em silêncio, em oração.
A Pátria também é deles, mas de todos os que lutaram por Portugal em campos adversos de ideias, nascidas e criadas neste torrão bendito.
E os seus sentimentos, porque da Pátria são, merecem-nos tanto respeito como a própria Pátria.
Sr. Presidente: a Câmara Corporativa concluiu o seu notável parecer relegando, por mera homenagem ao sentimento católico, para outra oportunidade a revisão dos feriados nacionais, que, todavia, entende necessária.
A Câmara Corporativa também entende que o Governo pode negociar um acordo com a Santa Sé para obter a dispensa do alguns dias santificados.

Página 335

12 DE MARÇO DE 1948 335

Porque não posso acompanhar a Câmara Corporativa na conclusão que mç parece inconsequente com os princípios que expõe sobre a revisão dos feriados nacionais e porque confio no Governo, a que preside uma extraordinária, direi mesmo, providencial figura de português cristão, que melhor do que ninguém tem sido o intérprete da- alma nacional, criando uma obra de pacificação nas almas e de resurreição da vida de Portugal, toda baseada no sentimento de unidade que os ódios de lutas fratricidas jamais consentiram, tenho a certeza de que, adoptando como base de discussão o projecto de lei do Sr. Deputado cónego Mendes de Matos, serão satisfeitos em curto prazo os direitos da consciência portuguesa, que, sendo estruturalmente nacionalista, é arraigadamente católica.
E se houver alguém que ainda pense que, ao fim de vinte e dois anos de reinvidicação dum ideal de paz, é inoportuno extirpar do calendário nacional datas que fazem reviver momentos trágicos de lutas sanguinárias entre portugueses, alguns dos melhores e dos melhores sentimentos, então, Sr. Presidente e Srs. Deputados, iniciemos a Revolução Nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pinheiro Torres: - Sr. Presidente: o projecto de lei em debate, da autoria do nosso ilustre colega cónego Dr. Mendes de Matos, merece inteira e entusiástica aprovação, ainda que mais não seja por representar uma homenagem à Mãe de Deus, a Nossa Senhora da Conceição, Aquela que foi, há três séculos, proclamada, em Cortes, Padroeira de Portugal e tem continuado a ser a sua desvelada protectora.
O parecer que a Câmara Corporativa elaborou sobre o projecto é igualmente digno de todos os elogios.
Num país em que, em matéria religiosa, há tanto respeito humano o desassombro e a coragem com que o problema é posto e defendido devem salientar-se por forma a encarecer-se a atitude dos ilustres Procuradores que nele intervieram, onde figuram nomes da maior categoria moral e intelectual.
Ele honra a inteligência e a cultura portuguesas e prova, mais uma vez, não haver incompatibilidade entre o intelectual e a fé, antes perfeita e lógica harmonia.
Sr. Presidente: Portugal é um País católico, mas por vezes procede-se, ou deixa-se de proceder, como se se ignorasse esta verdade.
Um dos casos mais flagrantes é precisamente o dos dias santos e do descanso dominical, que constituem objecto do presente projecto de lei.
É, com efeito, injustificável que se não tenha providenciado há muito sobre a matéria, decretando-se os feriados religiosos, e bem assim se não faça cumprir a lei do descanso ao domingo, dando-se satisfação, por uma forma e outra, à consciência católica da Nação.
O projecto de lei vem, pois, de encontro a justos imperativos e velhas reinvindicações.
Impõe-no, em primeiro lugar, a consciência religiosa do povo Português, que vem desde os alvores da nacionalidade.
A nossa Pátria nasceu, desenvolveu-se, expandiu-se pelo Mundo à sombra protectora da Igreja. O acto de sujeição voluntária do nosso primeiro rei ao Papa e as lutas que travou contra os infiéis marcaram para sempre o nosso destino moral, fixaram pelos séculos a directriz espiritual a esta velha e honrada Nação, que se não tem cansado de cumprir a sua nobilíssima missão, «dilatando a fé e o Império», fazendo «Serviço de Deus», conduzindo-se como «Nação Fidelíssima».
Ontem, como hoje, a nossa última palavra é um acto de fé. Quando a abandonamos por momentos, a nossa história é escrita na decadência...
As raízes católicas dos Portugueses são, pois, profundas, e por isso é que a grande maioria do País professa essa religião. As declarações feitas no último censo da população, levado a efeito em 1940, dizem-nos, esclarecem-nos, que a percentagem de católicos é superior a 93 por cento.
Outro facto o comprova por forma eloquente, esmagadora: a maioria dos casamentos celebrados após a Concordata perante a Igreja. Os nubentes renunciam ao divórcio por essa forma.
Calcula-se em 80 por cento os casamentos contraídos conforme as leis canónicas.
Este facto, que confirma o outro, que é a sua contraprova, é de uma eloquência esmagadora.
A preponderância dos católicos na população e na vida portuguesa é tão grande que é absolutamente legítimo que em nome dela se exijam providências no sentido de se lhes dar satisfação às justas reivindicações da sua consciência religiosa.
Uma dessas reivindicações é a de que se legisle por forma a permitir que possam ser guardados integralmente os dias santos que a Igreja determine.
Pelo artigo XIX da Concordata o Estado obrigou-se u providenciar «no sentido de tornar possível a todos os católicos que estão ao seu serviço ou que são membros das suas organizações o cumprimento regular dos deveres religiosos aos domingos e dias festivos».
O Estado comprometeu-se por esta disposição, implicitamente, a regular o assunto.
O que sucede, praticamente, por esse País fora?
Quanto aos dias santos, não pode muita gente cumprir o preceito do decálogo, com graves inconvenientes, não só para a consciência de cada um, como para á educação da mocidade, que vê no próprio Estado o desinteresse por uma matéria" que lhe ensinaram essencial, podendo levá-la a conclusões e raciocínios de funestas consequências.
Quanto ao descanso dominical, vemos, nas grandes cidades principalmente, operários a trabalharem nesse dia nas obras do Estado ou dos municípios, escandalizando a consciência católica da maioria dos Portugueses e dando mau exemplo aos particulares. Eu sei que se atribui o caso aos empreiteiros, mas não pode o Estado pôr termo a esse sistema?
Procede-se neste capítulo como se estivéssemos num país indiferente em matéria religiosa.
A única forma de remediar o mal é encararmos o problema de frente, sem tibiezas nem condescendências, com tanta coragem e desassombro como o fez a Câmara Corporativa, transformar os dias santos também em feriados nacionais e fazer cumprir a lei geral quanto ao descanso dominical.
A solução deve ser integral, como sucede noutros países, como a Hespanha, a Itália, a Argentina, a Bélgica e a Suíça.
De resto, e nisto está um dos outros imperativos, proceder desta forma é agir de harmonia com as tradições portuguesas, que não perderam nunca nem o seu sentido nem a sua prática. Apesar de abolidos, continuam a manter-se e a praticar-se cada vez com mais vida e fervor.
Com efeito, a sanha demagógica, na Ânsia de acabar em Portugal com o catolicismo - profetizando Afonso Costa que seria em duas gerações, como o declarou na tristemente célebre sessão da Maçonaria em que anunciou a publicação da lei da separação, cuja acta foi publicada no jornal O Tempo, do irmão António Macieira -, feriu por todos os meios a consciência católica do País.

Página 336

336 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 135

Um dos primeiros decretos foi abolir os dias santos, substituindo os por feriados civis.
Esse diploma é tão baixo, destila tal veneno, que até conservando o dia 1 de Janeiro e o dia 25 de Dezembro, que fora instituído em lembrança do nascimento do Redentor da Humanidade, laicizaram-nos, baptizando-os democraticamente, para ferir a maioria com palavrões bombásticos, de que nunca conheceram o sentido, como «uma fraternidade universal», que negaram sempre, e «um dia da Família», que nem um só dia deixaram de espatifar!
Acabaram-se com os feriados que atestavam o respeito e a veneração por Deus, por Sua Mãe, em que se lembravam actos de paz e de amor pela Humanidade, actos de dedicação pela Pátria, mas deixou-se ficar a Terça-Feira de Carnaval, como com delicioso sarcasmo sublinha a Câmara Corporativa; criaram-se outros que lembravam lutas civis, desentendimentos internos, que nem ao menos grandeza, tiveram e foram a desgraça do Pais, só para magoar, para dividir.
Apesar de tudo quanto a Maçonaria fez em Portugal para arrancar da alma dos portugueses o culto religioso, não o conseguiu.
Continuaram a respeitar-se os dias santos, persistindo a sua prática e a sua devoção.
Alguns desses dias, como o 8 de Dezembro, dedicado à Imaculada Conceição, Padroeira de Portugal, vêm de séculos, confundem-se com a própria História, como se confunde, o culto do povo português à Mãe de Deus, com a própria nacionalidade, que tomou o seu nome, Terra de Santa Maria, que o confirmou, em nossos dias, em Terra de Fátima, de quem continua a ser a protectora, andando peregrina por terras estranhas a invocar o nome de Portugal, a. lembrar aos bons sem memória o seu exemplo, no passado, nas descobertas, na civilização e cristianização do Mundo; no presente, na coerência, na dignidade, na honradez, na seriedade, na verticalidade da nossa, doutrina e da nossa acção, que um chefe bafejado pelo génio, que reúne em si todas as qualidades da Baça, num equilíbrio de iluminado, nos deu e mantém!
Sr. Presidente: pelo que deixei exposto se conclui que o meu voto quanto aos dias- santos é que se devem considerar feriados nacionais todos os que a Igreja considera como tais.
Que se devem restituir à sua intenção primitiva de os festejar o 1.º de Janeiro e o 25 de Dezembro, ridiculamente e maçònicamente apelidados, dando-se-lhes o sentido cristão que os criou.
Quanto aos feriados civis, deve abolir-se o 31 de Janeiro e criar-se o 28 de Maio, bem como o dia de Portugal,, na linda e comovente sugestão do nosso colega Ribeiro Cazaes.
O 31 de Janeiro, além de ter sido um episódio, como com todo o brilho recordou o Dr. Cancela de Abreu, circunscrito a uma cidade e a uma rua, que até já nem tem o seu nome, lembra lutas entre irmãos, lembra divisões e partidos.
O 28 de Maio, pelo contrário, foi o levante da Nação, na sua maioria, contra os partidos, que constituíam uma insignificante minoria atrevida; lembra o combate a todas as forças corrosivas das energias da Nação; lembra o inicio de um ressurgimento; lembra a maior política internacional de todos os tempos, que nos colocou numa posição mundial até então nunca atingida.
Quanto ao descanso semanal, que deve ser ao domingo, e a sua generalização a todo o País, justifica-o a essência da nossa política, que é fundamentalmente espiritualista, que coloca o moral acima do material.
Compreendia-se o desprezo pelo repouso ao domingo quando dominava e- imperava a economia liberal, em que o trabalho era considerado mera mercadoria e o único objectivo social o desenvolvimento da riqueza.
Hoje, que o conceito do trabalho e o do fim social são outros, são informados pelos princípios cristãos, não se justifica, por incompreensível e ilógico, o trabalho ao domingo, senão em casos excepcionais.
De resto, o Estatuto do Trabalho Nacional é claro a esse respeito: ele impõe esse princípio. Assim, é fazer cumprir, por toda a parte, esse preceito.
Sr. Presidente: o Mundo atravessa uma crise decisiva. Está a chegar o momento culminante em que as forças se encontrarão. Proclama se, por toda a parte, claramente, que a luta já não é entre concepções políticas, mas entre concepções de vida.
Está em jogo a própria civilização - afirma-se. Contra ela levanta-se, selvàticamente, o comunismo, materialista e ateu.
A luta é, no fundo, religiosa. Os campos estremam-se: o Ocidente proclamando o cristianismo como ideal de vida, e o Oriente impondo o materialismo como fim a atingir.
Salazar, no seu último discurso, definiu luminosamente a causa da inquietação da nossa época - medo ao comunismo.
O Mundo inteiro, ao ouvir Salazar, como que acordou, como se pela primeira vez se apercebesse da realidade. As palavras do Presidente do Conselho português tiveram o condão de despertar os povos e começou então o Mundo a falar claro, a apontar, a indicar o inimigo.
Esse discurso do Chefe do Governo Português foi um aviso e um programa.
Apontou o mal e indicou o remédio.
Então vozes autorizadas do estrangeiro admiram e seguem nossos conselhos e afirmam que Portugal e Espanha são as duas únicas fortalezas inexpugnáveis ao comunismo no continente europeu e dão graças a Deus para que os dois chefes, Salazar e Franco, se mantenham no Poder.
Voltemos assim a ser os arautos de nova reconquista, de nova cruzada que se aproxima.
Há que cerrar fileiras com firmeza de animo e propósito de vitória.
Venceremos se a unidade nacional se mantiver, se a juntarmos às dos diversos países numa forte coesão ocidental.
Cabe ao Governo, por todos os meios, afastar tudo que a possa destruir ou até, somente, diminuir ou enfraquecer.
O que sempre nos deu força, o que sempre nos animou, foi o espírito cristão, que é preciso aquecer e afervorar, restaurando tudo que leve a esse fim, que contribua para esse objectivo. Ainda por este motivo se impõe encarar de frente o problema que se debate, problema de alta importância para a consciência e para a educação dos portugueses, razões decisivas para uma perfeita unidade nacional!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entoaram durante a sessão:

Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
José Alçada Guimarães.
Manuel França Vigon.

Página 337

12 DE MARÇO DE 1948 337

Querubim do Vale Guimarães.
Teotónio Machado Pires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Fernão Couceiro da Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 338

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×