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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 138

ANO DE 1948 19 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 138 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 18 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 137, que inseria o parecer da Comissão de Contas da Assembleia Nacional acerca das contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano económico de 1946.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Aprovou-se o Diário das Sessões n.º 134.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa o projecto de lei n.º 169, da autoria do Sr. Deputado Antunes Guimarães, sobre o fomento de caça e pesca desportivas. Baixará às Comissões de Economia e Administração Geral.
Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Albano Magalhães, que apresentou um requerimento dirigido ao Ministério das Finanças, e Marques Teixeira, para agradecer as condolências apresentadas pela Assembleia aquando da morte de seu pai.

Ordem do dia. - Início da discussão, na generalidade, das Contas Gerais do Estado referentes ao ano de 1946.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Maria Luísa van Zeller, Antunes Guimarães e Alexandre Pinto Basto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Antunes Guimarães.
João Garcia Nunes Mexia.

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João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 134, que não tinha ainda sido posto em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre o referido Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De diferentes pontos do País felicitando a Assembleia Nacional pela aprovação do projecto de lei sobre feriados e dia de descanso semanal.
Do Sindicato Nacional dos Caixeiros e Empregados de Escritório do Distrito de Portalegre, de aplauso às considerações do Sr. Deputado Manuel Lourinho sobre o caminho de ferro de Portalegre, na sua ligação do Leste com a Beira Baixa.

Ofícios

Do Grémio da Lavoura do Crato pedindo a aprovação da proposta de lei n.º 146, sobre a Carta dos solos de Portugal.

Petições

Diversas acerca da proposta de lei sobre questões conexas com o problema da habitação. Fez-se menção da que é subscrita pelo Sr. engenheiro agrónomo João Filipe Trigueiros de Martel.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa relativo ao projecto de lei n.º 169, da autoria do Sr. Deputado Antunes Guimarães, sobre o fomento de caça e pesca desportivas. Vai baixar às Comissões de Economia e de Administração Geral.
Estão também na Mesa os elementos enviados pela Direcção Geral de Fomento Colonial, a requerimento do Sr. Deputado Henrique Galvão. Esses elementos são fornecidos àquele Sr. Deputado a título devolutivo.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Albano de Magalhães.

O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: na sessão de 26 de Fevereiro de 1947, há mais de um ano, enviei para a Mesa dois requerimentos.
Tanto um como o outro ficaram sem resposta, não obstante ter instado em sessão ulterior que me fosse dada.
O decreto-lei n.º 36:742, sobre o aumento da percentagem de consumo dos vinhos do Douro no Porto e sua ampliação à própria região dos vinhos verdes, que se vai discutir na Assembleia Nacional, faz com que tenha particular interesse a resposta ao primeiro requerimento, que reproduzo:

«Requeiro que com urgência, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Total dos pedidos feitos para plantações de bacelos e videira na região dos vinhos verdes, ao abrigo do artigo 2.º do decreto-lei n.º 27:285, por concelhos e quantidades de cada pedido;
b) Total dos deferimentos aos pedidos feitos nas condições anteriores, por concelhos, com a indicação do beneficiário e quantidade concedida;
c) Total dos requerimentos na região dos vinhos verdes pedindo legalização de plantações feitas ao abrigo do decreto-lei n.º 34:045;
d) Nota quantitativa dos deferimentos aos pedidos feitos nas condições da alínea anterior e dos indeferimentos, com indicação sumária das razões».

A este requerimento acrescento o pedido dos seguintes elementos:
I) Cópia dos pareceres ou respostas de todas as entidades ouvidas para a elaboração do decreto-lei n.º 36:742.
II) Nota de todos os deferimentos e indeferimentos aos pedidos para novas plantações de bacelos ou vides nas restantes áreas das regiões demarcadas e na da Junta Nacional do Vinho, com indicação do local e quantidades.
No caso de não poder ser dada resposta com brevidade, peço que, sem prejuízo do requerido, me sejam postos à disposição os documentos que entender consultar.

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Também requeiro que, pelos Ministérios da Educação Nacional e das Finanças, me sejam fornecidos, com urgência, os seguintes elementos:
I) Cópia do parecer da Junta Nacional da Educação sobre o valor e aquisição das obras de arte que constituem o espólio de Mestre Teixeira Lopes e cópia do despacho ministerial.
II) Cópia do despacho do Ministro das Finanças sobre o pedido feito para a sua aquisição pela Camará Municipal de Vila Nova de Gaia e dos pareceres que o informam.

O Sr. Marques Teixeira; -Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para agradecer sentidamente a V. Ex.ª e aos Srs. Deputados os votos de pesar expressos amàvelmente nesta Assembleia por motivo da morte do meu saudoso pai.

O Sr. Presidente»: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:- Estão em discussão as Contas Gerais do Estado referentes ao ano de 1946.
Tem a palavra a Deputada Sr.ª D. Maria van Zeller.

A Sr.ª D. Maria van Zeller: - Sr. Presidente: dentro das atribuições que a Constituição lhe confere, mais uma vez são trazidas à apreciação desta Assembleia as Contas Gerais do Estado, a fim de que nos pronunciemos sobre a aplicação que os vários departamentos da administração pública fizeram das verbas concedidas pelo Tesouro para as despesas dos diferentes serviços no ano de 1946.
Acompanha esse diploma um circunstanciado parecer, a cujo relator me é grato poder expressar desta tribuna o apreço em que tenho tido o seu trabalho, não só pelo precioso material coligido, do mais alto proveito para quem deseje estudar a gerência das receitas públicas, mas ainda pelo panorama da vida política e financeira do País, que esse parecer se propôs desenrolar aos nossos olhos, através da crua realidade dos números e das considerações e comentários que os acompanham.
Das somas e diferenças registadas no exame de quaisquer contas, sejam elas as da nossa própria casa ou as do lar comum a todos nós - que é a Nação -, depreende-se sempre o que foi a vida da família ou da grei, as suas lutas e aspirações, a sua economia ou desbarato, o seu ritmo de vida sério e honesto ou perturbado por todas as fantasias ou desvarios.
Mas a abstracção dos números, que em si concretiza profundas realidades, pode prestar-se também a erradas interpretações; por isso sinto, Sr. Presidente, que o parecer sobre as contas públicas nos seja sempre entregue a curto prazo da data em que se apreciam as mesmas contas.
Diploma tão importante deveria ser todos os anos larga e cuidadosamente examinado e estudado por esta Câmara.
Parece-me que esse estudo, além do interesse individual que poderia ter para cada um de nós, teria também grande interesse político, por dele se poderem colher valiosos ensinamentos sobre actividades da vida nacional e alguns importantes actos governamentais, que passam desapercebidos ao público, ou que este apenas conhece à luz do sentido deturpado com que, não poucas vezes, os mascaram ou desvirtualizam aos seus olhos.
Se tomo parte neste debate não é porque me julgue com competência e devidamente habilitada a poder emitir juízo sobre assunto tão sério e de tão alta importância.
Espero porém que o meu interesse em ver resolvidos alguns graves problemas que a leitura das contas de 1946 e o seu parecer continuam a pôr em equação supra, pelo seu bom intento, a preparação que me falta para os abordar desta tribuna.
A propósito das Contas Gerais do Estado, e até directamente, já aqui se tem falado - e não poucas vezes - em agudas, em complexas e actuais questões de saúde e assistência pública, e bem assim na necessidade de pela melhoria dos serviços que lhe dizem respeito, aumentar a riqueza potencial do capital humano da nossa terra.
A valorização do capital humano e o seu aproveitamento preocupam hoje os sociólogos de todo o Mundo, e, para o assegurar nas melhores condições, delineiam-se programas de saúde nacional e leis de protecção cada vez mais perfeitas.
Nos Estados Unidos da América do Norte calculam-se em 500 milhões os dias anualmente perdidos por doença, e é curioso notar que entre esses figuram, por ordem decrescente, o reumatismo, as cardiopatias e só depois a tuberculose.
Por falta de elementos estatísticos, é difícil em Portugal calcular exactamente o número de dias perdidos por doença. Tentei conseguir que, através de uma estimativa tanto quanto possível aproximada, me fossem fornecidos elementos capazes de os avaliar, e deles se conclui, fazendo o cálculo pelos números mais baixos, que o número de dias perdidos por doença se eleva a uns 90 milhões por ano, o que, para um salário médio de 15$ diários, dá mais de 1 milhão de contos anual.
Sr. Presidente: ainda não há muito tempo que, no decurso de uma conferência internacional sobre serviço social, Homer Folks provou que a doença custa ao Estado e aos particulares 15 por cento dos seus rendimentos e que um terço das doenças poderá actualmente ser evitado graças à organização de bons serviços médico-sociais e à competência dos seus técnicos.
Em todos os países, e muito em especial após a última guerra, os serviços de higiene e de medicina preventiva têm tomado grande incremento e são dotados com avultadas quantias.
Entre nós alguns progressos já se registam nesse sentido, mas por enquanto os recursos internos continuam ainda a não permitir que se atinja o ideal desiderato de possuirmos também modelares e suficientes serviços de saúde e assistência pública.
É incontestável que as verbas que sé destinam a estes serviços aumentam em cada ano por forma digna de apreço; entretanto, aqueles que, como eu, por profissão e por devoção, se debruçam a cada passo sobre as mais hediondas misérias físicas e morais sentem-se confrangidos perante a impotência dos meios de acção de que normalmente deveriam usar para lhes dar remédio.
A p. 77 do parecer sobre as Contas Gerais do Estado que neste momento analisamos lê-se:

Parece ter sido atendido, pelo menos em parte, o requerimento, tantas vezes formulado, sobre a necessidade de reforçar corajosamente as verbas dos serviços de saúde e assistência pública.

De facto, no capitulo referente ao Ministério do Interior vemos que as verbas destinadas à saúde pública têm crescido sucessivamente e que dos 5:139 contos gastos em 1930-1931 se passou a 8:937 contos em 1945 e a 15:935 contos em 1946, ou seja mais 6:998 contos que no ano anterior.
As dotações de assistência também sofreram um apreciável acréscimo: 61:848 contos em 1930-1931; 75:997 contos em 1938; 143:851 contos em 1945, e 168:857 contos em 1946.
Como vemos, há um aumento de 92:860 contos em relação a 1938 e de 25:006 contos em relação a 1945.

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No ano de 1946 a dotação global dos serviços de saúde e assistência excedeu em cerca de 18:000 contos o dobro da que lhes fora atribuída em 1938 (83:017 contos em 1938 e 184:792 contos em 1946), o que, parece, devia ter permitido um correlativo progresso desses serviços.
Não sucedeu porém assim.
Se entrássemos apenas em linha de conta com as dotações orçamentais, o facto seria justificado, pelo menos em grande parte, pois a a dês valorização da moeda em relação aos preços durante o mesmo período de tempo» fez subir o custo de vida e o acréscimo das dotações registadas em 1946 tornar-se-ia, por essa mesma circunstância, mais aparente que real; mas as receitas provenientes do socorro social, num total que em 1946 excedeu 36:000 contos, também foram utilizadas em serviços de assistência pública e de certo modo contrabalançaram essas circunstâncias anormais.
Não é porém tudo: o Subsecretariado das Corporações e Previdência Social, o Fundo de Desemprego, as Misericórdias, as câmaras municipais e outras autarquias gastam também avultadas verbas em serviços de saúde e assistência.
E que dizer ainda da generosidade particular, cuja contribuição visível nos cortejos de oferendas representa milhares de contos, fora todas as valiosas esmolas que apenas ficam registadas no coração de quem as recebe?
A boa vontade dos nossos governantes em valer às necessidades do País em matéria de saúde e assistência foi, como se depreende, grandemente neutralizada pelas circunstâncias internacionais, de que também sofremos o reflexo, e o sacrifício que o País se impôs para lhes acudir tem-se mantido: ao entrarmos na economia de paz não se restringiram, antes acresceram, as dotações consignadas a estes serviços, e o mesmo sucedeu com as receitas de natureza particular e voluntária.
No ano de 1946, só em instituições oficiais e particulares do conhecimento do Subsecretariado da Assistência, por obras a ele mais ou menos ligadas, gastou-se mais de meio milhão de contos.
É, no entanto, pena que, dando-se e gastando-se centenas de milhares de contos nos serviços de saúde e assistência em Portugal, estes se encontrem bem longe de satisfazer às imperiosas necessidades do País que ainda carece de muitos mais.
Não ignoro que em todo o Mundo os encargos sociais se tornaram muito pesados após a última guerra mesmo nos países não beligerantes.
Por falta de dados estatísticos, não sei mesmo até que ponto eles hoje pesam na balança da economia social de países que antes da guerra já consignavam grande parte das receitas ordinárias dos seus orçamentos aos serviços de saúde e assistência e que hoje se encontram em plena remodelação dos mesmos - como sucede na Inglaterra -, para que estes, uma vez actualizados e amplificados, possam garantir a cada indivíduo os meios profilácticos, preventivos e curativos de que porventura venha a necessitar.
Apesar de as dotações consignadas à saúde e assistência do nosso País ocuparem no Orçamento Geral do Estado uma posição de relatividade bastante inferior à das verbas que para esse objectivo são desviadas noutras nações, o que se tem feito nos diferentes serviços dessa especialidade mostra que não tem sido mal aproveitadas.
Tenho, porém, a convicção de que, dentro de uma orgânica diferente, ainda essas verbas poderiam produzir melhor fruto.
Sr. Presidente: a distribuição topográfica dos serviços de saúde e assistência continua a ser má e a não obedecer a um plano de conjunto decalcado sobre as necessidades do País, e não sob a conveniência dos organismos
onde estão integrados, ou, o que é pior, das pessoas que os hão-de servir.
Os serviços de saúde e assistência, apesar de haver um Subsecretariado exclusivamente criado para a sua» superintendência, continuam a andar dispersos por todos os departamentos do Estado, numa anarquia confrangedora e que tende a manter-se e a agravar-se dia a dia, muito especialmente desde que serviços de finalidade exclusivamente política, educativa ou propriamente preventiva passaram também a exercer funções assistenciais, como se fosse essa a sua missão.
Cito apenas um exemplo bastante elucidativo: em Lisboa a assistência materno-infantil é prestada pelo Instituto Maternal e rede de serviços que dele dependem, pela Junta de Província da Estremadura, pelas juntas de freguesia, pela Misericórdia, pela Obra das Mães pela Educação Nacional, pela Federação das Caixas de Previdência, pela Legião Portuguesa, pelos serviços sociais dos correios, telégrafos e telefones, por diferentes associações e centros materno-infantis de vida autónoma, pelas organizações particulares, etc...., e deixem-me dizer etc...., pois é possível não ter enumerado todas as entidades que solicitamente trabalham nesse campo!
Este exemplo repete-se em todas as outras modalidades de assistência.
Urge cada vez mais a criação de um Ministério único para coordenar o trabalho de saúde, de previdência e de todos os meios curativos e recuperadores.
O nome que derem a esse órgão superior pouco interessa; o que se deseja, como já aqui o disse o ano passado e hoje repito, é que uma centralização de comando, uma visão uniforme e orientação técnica idênticas em todos os problemas congéneres permitam resolvê-los prontamente, mercê de uma boa acção executiva - descentralizada -, sem duplicações de serviços, de esforços, de pessoal e de gastos praticamente inúteis; com maior economia e melhor rendimento social.
De que serve o Estado ter criado - pelas últimas reformas dos seus serviços assistenciais - organismos coordenadores de determinadas modalidades de assistência, se grande parte dela passa à sua margem, se não lhe está sujeita, se não a orientam nem fiscalizam?
Quase todos os países da Europa integraram os serviços dessa natureza num Ministério próprio; porque não havemos de seguir-lhes o exemplo, já que a sua experiência tem provado bem e a nossa, a avaliar pelo que observamos e pelas críticas que a cada passo ouvimos fazer aos serviços de saúde e assistência, demonstra o contrário?
Sr. Presidente: na Natureza a vida fisiológica de um ser é mantida graças ao regular funcionamento dos seus órgãos e aparelhos e ao equilíbrio das inter-relações existentes entre eles.
Como poderá manter-se a vida fisiológica de uma sociedade - sempre a mais útil, a mais económica e perfeita - quando os organismos que mais directamente interferem nela e têm o dever de a conservar trabalham sem sincronismo, às vezes até atropelando-se ou desconhecendo-se intencionalmente?
A centralização desejada também seria vantajosa para enquadrar na justa medida o critério a que deve obedecer a instalação e apetrechamento dos serviços, nos seus diferentes graus hierárquicos, a fim de evitar fantasias, desperdícios e gastos injustificados.
Contràriamente ao que muitos pensam e conforme já tenho observado lá fora, é possível realizar trabalho modelar e socialmente útil em instalações modestas (oxalá tivéssemos muitas!), contanto que possuam as condições higiénicas requeridas, o material indispensável ë estejam servidas por pessoal devotado e idóneo.
O pessoal, seja qual for a sua categoria, é a alma das obras ou o seu maior fracasso, e digo seja qual for o

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seu grau porque de nada serve escolher escrupulosamente os dirigentes, como tantas vezes vemos fazer, se as suas ordens e o seu pulso firme não forem secundados na engrenagem executiva por funcionários conscienciosos e devidamente habilitados.
Em última análise, conclui-se sempre que o rendimento social das obras e até os seus recursos financeiros dependerão, em grande parte, do pessoal que as servir.
Nos serviços de saúde e assistência, apesar de frequentemente se abrirem concursos para o preenchimento das vagas do seu quadro de funcionários, apesar de o Estado conceder bolsas e subsídios de estudo em número cada vez maior, apesar de ultimamente se terem aberto novas escolas e cursos de aperfeiçoamento para a formação do pessoal técnico especializado -um esforço digno de louvor e para o qual muito tem concorrido também a iniciativa particular -, a falta de pessoal com os conhecimentos indispensáveis a trabalhos dessa índole agrava-se dia a dia.
Os cursos de aperfeiçoamento para médicos tisiologistas e subdelegados de saúde, os estágios clínicos de assistência materno-infantil, os cursos de enfermagem geral da Escola Artur Ravara, os da escola técnica de enfermeiras do Instituto Português de Oncologia, os cursos de enfermagem especializada do Hospital Júlio de Matos (enfermagem psiquiátrica) e os do Instituto Maternal (enfermagem puericultora), além dos demais criados ao abrigo do decreto-lei n.º 36:219 de 10 de Abril de 1947, que reorganizou o ensino de enfermagem, as diplomadas pela escola de enfermagem do Instituto de S. Vicente de Paulo, as diplomadas pelo Instituto do Serviço Social de Lisboa e pela Escola Normal Social de Coimbra, as dos cursos de auxiliares sociais da Misericórdia de Lisboa, as visitadoras preparadas pelo Instituto Central de Higiene Dr. Ricardo Jorge, etc., contrariamente ao que parece por esta longa enumeração, não resolvem a falta de pessoal técnico que já se faz sentir nos serviços de saúde e assistência actualmente a funcionar.
Porquê?
Porque as condições de trabalho oferecidas às futuras diplomadas são deficientes, quer em vencimentos, quer nas instalações onde mais tarde hão-de ficar alojadas, porque têm a certeza de que, por falta de pessoal e com os horários e remunerações actualmente em vigor, há-de fatalmente ser-lhes exigido um trabalho extenuante e sem a devida compensação.
Às candidatas a enfermeiras assusta ainda a ideia de serem obrigadas a deixar os serviços hospitalares se vierem a casar e então preferem fazer um curso que de futuro e em qualquer estado e local lhes permita o exercício dessa profissão.
Alguns bons entusiasmos esfriam perante as exigências da admissão e até se perdem as melhores vocações por essas pessoas se desviarem para campos mais remuneradores.
Se não acudimos aos nossos serviços de saúde e assistência, e quem diz a estes diz também aos demais serviços públicos, remodelando as condições de prestação de trabalho e dando a cada um o salário justo e razoável, não tardará que se tenham de encerrar alguns por falta de quem os deseje servir!
Se o facto ainda não se verificou deve-se ao zelo e excepcional dedicação dos bons funcionários que ainda nos restam.
Diz o Sr. Deputado Araújo Correia a p. 79 do seu parecer:

A saúde num país é uma coisa séria, tanto no ponto de vista moral como económico. Não pode estar à mercê de contingências ou do acaso. Há possibilidades de com os recursos ao dispor dos organismos oficiais, produzir resultados bastante mais valiosos do que os actuais, e o Governo deve fazer todo o possível por extrair das verbas despendidas maior rendimento do que o que agora delas se extrai.
A questão está posta há muitos anos e necessita de ser resolvida. Não vale a pena reclamar mais dotações se elas não forem convenientemente aproveitadas. Fornecer mais camas aos hospitais sem melhorar o seu rendimento, alargar as dotações de outros serviços e correspondentes melhorias é aumentar a despesa pública, com pouco proveito para o Estado e para a comunidade se elas não forem convenientemente aproveitadas.
Concordo, mas devo dizer ao Sr. Deputado Araújo Correia e à Câmara que as dotações nunca poderão ser convenientemente aproveitadas, mesmo com a mais perfeita organização de serviços, enquanto praticamente não sairmos do círculo vicioso em que, de há anos para cá, se debate o problema do pessoal, problema grave sob dois aspectos intimamente encadeados, e que, de per si, também o não são menos: o aspecto técnico, que o Estado, como já disse, tem tentado resolver, e o aspecto de remuneração, para o qual chamo a atenção do Governo, por ainda sobre ele não se ter tomado qualquer deliberação.
Se estou em erro peço à Câmara, entre cujos membros se encontram distintos economistas, que me esclareça e que me diga quais são os valores positivos que na economia governamental podem contrabalançar os prejuízos de ordem clínica, material e até moral que sempre resultam de serviços mal equipados em pessoal.
Embora com subsídios eventuais, os quadros dos funcionários de saúde e de assistência ainda não têm os seus vencimentos actualizados e estes ficam muito aquém não digo dos vencimentos concedidos pelos particulares, mas dos que actualmente pagam, e muito bem, por exemplo, os correios o os organismos corporativos, o que continuamente gera uma corrente centrífuga dos quadros oficiais para os dessas entidades.
Evidentemente que se vão perdendo os melhores valores, pois são esses precisamente, como aliás é lógico, que ali encontram mais facilidade de colocação.
Pelos serviços vão ficando os mais idosos, os de medíocre saúde e habilitações, ou seja os de menor capacidade potencial, e esses mesmo e os bons que ainda por lá restam esgotam-se em trabalhos suplementares extra-oficiais, feitos depois do serviço que lhes incumbe, como que num segundo dia de trabalho, para alívio do qual alguns utilizam todas as faltas e licenças e outros comprometem para sempre a saúde.
A breve trecho surge a doença, segue-se a junta médica e a reforma, e o Estado perde mais um funcionário, perde mais um elemento útil, talvez até um valor, para assumir novos e pesados encargos.
Não pensem, porém, VV. Ex.ªs que este negro quadro é exclusivo de Portugal. Este ano, por ocasião de um congresso de assistência materno-infantil a que assisti em Inglaterra, tive a oportunidade de apreciar que, tanto nas discussões do congresso, como nas conversas havidas entre os vinte e seis delegados de países estrangeiros que então ali se encontravam, houve sempre um ponto para o qual convergiram a atenção e o maior interesse dos congressistas: a falta de pessoal, as dificuldades em o recrutar, a necessidade de o instruir e, sobretudo, de o pagar melhor - primeiro para o obter e depois para o conservar!
Talvez por uma questão de educação, as raparigas de hoje -em tudo equiparadas aos rapazes- preferem ter como eles uma vida mais livre e desertam das profissões

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que obrigam a um sacrifício constante, à abnegação da vontade, em suma, ao dom total de si próprias.
Em Inglaterra o problema do recrutamento de pessoal é angustioso, segundo aí me disseram, e até na própria Suíça já se faz sentir.
Entre nós, no que respeita a pessoal técnico de enfermagem, e até a pessoal médico especializado e a assistentes sociais, urge tomar rápidas e enérgicas providências, se queremos que nos serviços existentes deixe de haver o indispensável e que, por falta de pessoal, não sejam uns nado-mortos os serviços em construção.
Vou mostrar à Câmara o que se passou, por exemplo, com a enfermagem obstétrica, e isso para lhe referir um caso que se liga não propriamente à doença e cuja necessidade, poderão dizer, há-de depender da melhor ou pior organização sanitária do País, mas sim o que se passa com aquela enfermagem que nas melhores condições fisiológicas dum povo deverá sempre existir, no interesse da vida da Nação.
Mantêm-se em Lisboa e no Porto escolas de enfermeiras puericultoras, do Instituto Maternal, cujas diplomadas substituem as da antiga escola de parteiras da Faculdade de Medicina de Lisboa, há anos encerrada quando da criação daquele Instituto, e onde (salvo algumas, muito raras, alunas que ainda frequentam os cursos similares do Porto e Coimbra) se estão a formar - e só aí - as futuras técnicas dessa especialidade.
O curso tem a duração de três anos, e no primeiro ano da sua abertura, precisamente para obviar à falta de pessoal que já então se fazia sentir, foram concedidas todas as facilidades de inscrição julgadas compatíveis com o nível intelectual e morai que o mesmo curso deveria ter.
Pois bem!
Em 1949 concluirão este curso as primeiras alunas matriculadas nele e cujo número, na melhor das hipóteses, em Lisboa e Porto conjuntamente, não excederá 25!
As diplomadas do curso seguinte ainda deverão contar-se em número mais reduzido, por terem sido menos as inscrições.
Nesta data já não se encontram enfermeiras-parteiras em condições legais de poderem reabastecer os lugares em aberto nos quadros das maternidades, mesmo para taxas de pessoal consideradas insuficientes para as exigências de serviços dessa categoria, e que ficam muito aquém das que se registam nos diferentes países civilizados.
Até 1949 quantas vagas ficarão ainda em aberto?
Quem irá preenchê-las?
Quem prestará assistência às mulheres que desejam ter os seus filhos em casa quando as parteiras que hoje se dedicam a este serviço deixarem de trabalhar?
A quem confiaremos por esse Portugal a assistência das pobres mulheres que, no doloroso transe de dar à luz um filho e à Pátria um homem, se encontram sós ou à mercê de socorro urgente prestado por vizinhas caritativas, mas ignorantes, ou pelas mãos inaptas e conspurcadas de «curiosas». Que triste retrocesso!
E nas ilhas? E no vasto Império de além-mar?
Precisamente no ano de 1946, cujas Contas Gerais do Estado estamos a apreciar, houve 212:609 nascimentos em Portugal e, desses, 135:972 (63 por cento!) não tiveram qualquer espécie de assistência técnica, de médico ou parteira.
Diz-nos o Anuário Demográfico, onde colhi os números acabados de referir, que nesse ano se registaram 9:101 nado-mortos.
Até que ponto essa cifra seria devida à falta de assistência técnica não sei, mas é provável que tal lacuna tivesse tido nela uma apreciável e deplorável responsabilidade.
O que se passa no sector obstétrico regista-se em todos os outros. Como havemos então de tratar da saúde da população e fazer-lhe boa assistência se não há quem coadjuve e possa tornar eficiente esse trabalho?
Lê-se no parecer que 53 por cento do total dos médicos existentes no País exercem clínica em Lisboa e Porto e que, desses, 35 por cento correspondem à capital.
Evidentemente que estão mal distribuídos, mas enquanto na província não lhes forem criadas condições de subsistência compatíveis com as suas necessidades e posição social hão-de sempre afluir às cidades, onde, à falta de clínica livre remunerada, sempre há mais defesas e a possibilidade de exercer outras ocupações.
Sr. Presidente: assim, é difícil que os serviços de saúde e assistência progridam e tenham cada vez maior projecção na vida nacional, pois, embora isso se afigure um paradoxo, encerram em si próprios a causa dos males de que enfermam e à qual ainda não se deu remédio.
Com pessoas descontentes, com duplicação de serviços, com má distribuição e diferente orientação dos mesmos, por maiores que sejam as dotações que o Estado lhes atribua, nunca será possível um fruto 100 por cento produtivo dessas riquezas.
Portugal, pelo seu vasto império, não é país pequeno, mas sim país de recursos financeiros limitados, onde, mercê de uma sábia e prudente administração, a balança das contas públicas adquiriu, nas mãos de Salazar, um equilíbrio estável, que nos tem reabilitado e elevado aos olhos de todo o Mundo.
Confiemos que das suas mãos nos venha também o remédio para a cura eficaz de todas as moléstias de que enfermam os serviços de saúde e assistência portugueses.
Apesar das condições imperfeitas em que se trabalha, é justo reconhecer que desse labor já resultou uma apreciável influência na vida física e moral da Nação, o que prova que as dotações concedidas «com vista à prevenção da doença, da miséria e ao prolongamento da vida humana» não têm sido desaproveitadas, muito embora pudessem ser melhor utilizadas.
Em abono desta afirmação vou mostrar apenas a VV. Ex.ªs alguns factos, respigados ao acaso entre as ideias que me ocorreram ao ler o parecer sobre as contas em discussão.
Assim, a taxa de mortalidade por 1:000 habitantes, que «no quinquénio de 1931-1935 foi de 16,9, baixou para 15,67 no quinquénio de 1936-1940 e, finalmente, para 15,56 no quinquénio de 1941-1945, não obstante as deficiências de alimentação e a falta ou agravamento de preço de alguns medicamentos, em consequência da guerra».
Os óbitos passaram do total de 134:937 em 1941 para 126:531 em 1942, 121:887 em 1943, 119:275 em 1944 e 115:596 em 1945, apesar de a população neste ano ser superior em cerca de meio milhão à de 1941.
Excepção feita da taxa relativa à mortalidade pela tuberculose, que se mantém estacionária ou aumentou, a estatística das causas da mortalidade mostra-nos que, apesar das deficiências dos serviços, já apontadas, algo se tem feito pela profilaxia das doenças infecto-contagiosas, febre tifóide, varíola, sarampo, escarlatina, difteria, tosse convulsa, gripe, etc., mas é ainda preciso fazer mais e promulgar todas as medidas profilácticas susceptíveis de dominar melhor essas doenças. O que se passa com a varíola é um exemplo frisante.
Nos países com serviços assistenciais bem montados, como a França, Inglaterra, Bélgica, Suíça, Dinamarca, etc., a varíola desapareceu em absoluto, pode dizer-se.
Números já editados mostram-nos que há poucos anos, e só em Lisboa e Porto, a diferença dos indivíduos que deveriam ter sido vacinados em relação aos que receberam a vacina foi de 10:361 e que cerca de 500:000

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não se encontravam convenientemente imunizados contra o terrível flagelo.
De nada admira, pois, que no decénio de 1918-1927 o número de óbitos por varíola tivesse sido de 17:451. o que corresponde à média de 1:745 óbitos por ano.
No decénio de 1928-1937 baixaram respectivamente para 2:996 e 299 e em 1946 já não são tão assustadores, pois no período de 1938 a 1946 o total de óbitos foi de 999, o que dá uma média de 111 por ano.
Em 1947 não houve uma epidemia de varíola, «que se poderia ter evitado», conforme diz o Sr. Deputado Araújo Correia, mas sim alguns surtos de varíola, que poderiam, é certo, ter ocasionado uma grave epidemia se os serviços competentes não tivessem tomado providências imediatas e se a imprensa os não secundasse na campanha em prol da vacinação.
Bem lhes poderemos chamar abençoados surtos, pois só à conta dos serviços de saúde se fizeram cerca de 800:000 vacinações!
Entre nós é obrigatória a vacinação antivariólica, mas é frequente adormecermos sobre as leis de profilaxia e esquecermos os seus regulamentos, e não são só as «populações atrasadas e descrentes ou ignorantes das vantagens da vacina» que os não cumprem.
O tempo de que disponho não me permite apresentar a VV. Ex.ªs dados estatísticos referentes às diferentes doenças infecciosas, ao tracoma, às doenças venéreas, à malária, etc. Posso no entanto afirmar-lhes que ainda nesses campos se tem conseguido apurar resultados satisfatórios e que, em relação ao paludismo, deve andar por 1 milhão os dias de trabalho que se têm recuperado, graças à actividade dos serviços anti-sezonáticos.
Sr. Presidente: não é porém possível tentar baixar a curva de mortalidade e de morbilidade em Portugal exclusivamente por um acréscimo e melhor organização dos serviços de saúde e assistência se outras entidades os não auxiliarem nessa dura tarefa e se não forem promulgadas medidas complementares e atinentes à morigeração dos costumes e ao melhor bem-estar físico da população.
Enquanto isso não suceder e para esse fim não houver unidade de esforços em todos os sectores da vida portuguesa, continuaremos ingloriamente a queimar verbas ou a gastá-las sem colher um rendimento compensador.
É o que sucede com o caso, especialmente triste e desprestigioso para nós, da tuberculose.
Qual tem sido o rendimento social (em vidas e dias de salários) dos milhares de contos consumidos cada ano na luta antituberculosa, para a qual o nosso Estado tem concorrido com dotações sempre crescentes (12:915 contos em 1938; 18:057 em 1945; 23:299 em 1946), se a tuberculose ainda ceifa todos os anos em Portugal milhares de vítimas e se ultimamente até se regista um acréscimo no número de óbitos por tuberculose: 11:467 óbitos em 1938, 12:366 em 1945 e 12:905 em 1946?!
Esta terrível doença e as suas tristes sequências são sobejamente conhecidas para dispensar comentários. Direi sómente que uma décima parte do total dos óbitos registados em Portugal se devem à tuberculose.

Os doentes são atingidos no período mais activo da vida. Dos 15 aos 40 anos, em cada 10 portugueses que morrem, 4 são vitimas da tuberculose.

O Prof. Lopo de Carvalho calcula em mais de 500:000 contos anuais a importância correspondente unicamente aos salários perdidos pelos indivíduos mortos por tuberculose, e diz:

Acrescentando a esta cifra a parcela correspondente ao valor económico dos indivíduos tuberculosos ainda vivos, mas que se encontram em fase
avançada da enfermidade, incapazes, portanto, de produzirem qualquer rendimento social, avalie-se que prejuízo anual representa entre nós a tuberculose!

Como entre nós a tuberculose não é uma doença de notificação obrigatória, é difícil calcular o número de doentes atingidos.
Pelas informações colhidas junto de entidades idóneas calcula-se no entanto em 100:000 o número de vítimas do bacilo de Koch e, dessas, que 50 por cento não possam trabalhar, o que leva o Pais à perda de uns 14.000:000 de dias de trabalho anual.
Se os avaliarmos mesmo a um baixo salário, ainda perfazem algumas dezenas de milhares de contos. Isto quanto a capital não aproveitado; somem-lhe agora VV. Ex.ªs as quantias gastas para tratar e manter os tuberculosos em regime ambulatório ou de internamento, e digam-me se poderemos cruzar os braços e olhar com indiferença um problema tão grave para a saúde da população e para a economia nacional.
Em todos os países onde se tem iniciado a sério a luta antituberculosa registam-se animadoras baixas na morbilidade e na mortalidade por essa doença, que, felizmente para eles, já não caminha na vanguarda de todas as outras.
Tenho em meu poder elementos demonstrativos do muito que essas nações tem feito para conseguir debelar a tuberculose, e só desejo que em breve possamos colher resultados idênticos aos delas.
E porque não?
Já não é a primeira vez que em Portugal se põem em equação problemas graves e que o Governo lhes encontra as melhores resultantes, e senão vejamos:
Em execução da lei n.º 2:006, de 11 de Abril de 1945, organizou-se a assistência psiquiátrica, e o problema dos doentes mentais melhorou.
Não só a capacidade dos estabelecimentos oficiais e particulares passou de 3:889 em 1938 para 5:519 em 1945, como aumentou o número de assistidos.
Em 1946 passaram pelos estabelecimentos psiquiátricos 6:881 doentes em regime de internamento, fora os doentes tratados nos Dispensários de Higiene Mental de Lisboa, Porto e Coimbra, e que foram 2:995 no primeiro destes Dispensários e 4:500 nos dois últimos.
O decreto-lei n.º 36:450, de 2 de Agosto de 1947, estabeleceu as condições da prestação de assistência aos leprosos, e para a assegurar abriu-se e entrou em funcionamento a grande e modelar Leprosaria Rovisco Pais.
Começaram a organizar-se os serviços de assistência social materno-infantil e a natalidade aumentou, sendo hoje uma das maiores da Europa (24,7), onde apenas a Bulgária, a Finlândia e a Holanda apresentam números superiores aos nossos (25,7, 27 e 30,2, respectivamente).
Os postos de consulta pré e pós-natal, os dispensários, os abrigos dos pequeninos, as creches, os parques e jardins infantis hoje existentes e de recente data beneficiam muitos milhares de crianças da nossa terra e exercem uma interessante profilaxia social, não só pelas melhores condições em que podem nascer como pelos cuidados de puericultura que aí lhes são prestados e pelas vacinações e tratamentos a que as sujeitam.
Além destas modalidades de assistência, que em parte lhe são devidas, o Instituto Maternal está a manter com êxito, nas suas delegações e subdelegações, serviços de socorro e assistência domiciliária às parturientes, e só em Setúbal, no ano de 1947, dois terços dos partos foram assistidos através deles.
Sr. Presidente: se, em ramos onde a assistência era deficiente, graças aos esforços da actual situação e com a dedicação de muitos, estão a colher-se resultados franca» mente animadores, não devemos desesperar de com o apoio de todos e com o patrocínio cada vez maior do

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Estado, vencer as dificuldades que obstam ao aperfeiçoamento dos nossos serviços de saúde e assistência, para que os resultados da actividade aí desenvolvida possam ser cada vez mais satisfatórios nos sectores onde já se começou a trabalhar bem e naqueles onde, como na luta antituberculosa, muito há ainda por fazer.
O número de camas para tuberculosos, que em 1938 era de 2:468, passou para 4:126, e o de doentes sanatorizados, que em 1938 foi de 2:173, era em 1946 de 6:653.
Recentemente abriu-se o Sanatório D. Manuel II, para 250 leitos, mas que, ultimadas as suas obras, poderá comportar outro tanto, ampliaram-se as instalações do Sanatório do Lumiar, para que possa vir a receber perto de 500 doentes, e abriu-se o Sanatório de Abraveses, para 96 leitos.
Oxalá estes passos sejam rapidamente seguidos por outros que nos conduzam a mais um triunfo do Governo - a reorganização eficaz dos serviços de assistência aos tuberculosos.
Para terminar as minhas considerações, permita-me, Sr. Presidente, que dê à Câmara apenas um pequeno esclarecimento sobre o parecer do Sr. Deputado Araújo Correia.
Lê-se na designação das despesas com a assistência em 1946 que ao Instituto Maternal couberam nesse ano 19:647 contos, quando na verdade esse Instituto foi dotado inicialmente com 6:000 contos e só mais tarde recebeu reforços num total de 1:848 contos.
É que nessa designação estão englobadas as despesas de toda a assistência materno-infantil, exercida ou não através desse Instituto.

O Sr. Araújo Correia: -V. Ex.ª dá-me licença?
Trata-se de uma gralha nas contas. A verba de 19:000 contos inclui toda a assistência infantil e o Instituto Maternal.

A Oradora: - Agradeço a V. Ex.ª a explicação. Só é pena que gralhas dessa natureza não tenham aparecido, convertidas em realidade, nas dotações já recebidas, e oxalá venham a aparecer de futuro!...
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Antunes Guimarães: -Sr. Presidente: sobre as Contas Gerais do Estado de 1946 a nossa muito ilustre Comissão das Contas Públicas, da qual continua com a maior proficiência a desempenhar as difíceis funções de relator o muito distinto Deputado Sr. engenheiro Araújo Correia, enviou-nos um parecer que, sem favor, podemos classificar de notável.
Logo no primeiro periodo da introdução se esclarece que, após a publicação de dois volumes sobre a nossa vida financeira até fins de 1936, este é o décimo parecer apresentado à Assembleia Nacional sobre Contas Gerais do Estado.
Todos são devidos à pena do mesmo inteligente e perseverante relator.
E, se o primeiro a todos satisfizera, a ponto de ser geralmente classificado de perfeito, venho verificando, com prazer e proveito, pelo estudo que da já longa série me tem sido permitido fazer, que de ano para ano, além de profundo exame das contas, acompanhado de proveitosa crítica, vai aumentando o valioso repositório de estudos originais sobre variados e oportunos problemas, com sugestões reveladoras de grande conhecimento dos assuntos, inteligência apurada e comprovado tacto das realidades.
Saliento esta última faceta, porque é nítido e bem oportuno o empenho com que no notável diploma se chama a Nação à realidade, para que se não deixe fascinar por
exageradas esperanças no Eldorado da abundância que, há já alguns anos e cada vez com maior insistência, lhe anunciam com grandiosos planos fabris, uns mercê da concentração de actividades tradicionais, não se trepidando em sacrificar unidades que, remodeladas, poderiam resultar utilíssimas económica e socialmente, para as substituir pelo aparato grandioso de instalações de vulto, que deslocariam do seu meio numerosas famílias de operários e proletarizariam quantidade de patrões modestos e de artífices independentes; outros que visam à instalação de indústrias totalmente novas para valorização de recursos naturais em potencial na atmosfera, no solo e subsolo, bem como no mar, mas para o que, como se diz no relatório substancioso do parecer, haverá sempre que ter em conta a competição estrangeira e o poder de compra e capacidade de consumo nacionais.
Noção exacta das realidades, porque, a fim de se não repetir o que noutras nações se verificou, onde a miragem industrial relegara para segundo plano as actividades agrícolas, que agora, e após vicissitudes duríssimas, expressas em crises alimentares e insuficiência de matérias-primas, voltam a ser valorizadas, mercê de intensa propaganda e do estímulo de subsídios e outros meios de protecção. No valioso parecer dispensa-se a maior atenção ao aproveitamento da terra, recomenda-se o reforço da política dos melhoramentos rurais, aliás carinhosamente defendida nos anteriores pareceres sobre as contas públicas, e salientam-se os inconvenientes do desproporcionado desenvolvimento dos aglomerados urbanos, sobretudo das duas cidades que ao sul e norte do País, sobretudo a última, nas quais se verifica o afluxo nocivo e constante da população, da riqueza e de algumas actividades, correndo-se o risco de pletora, de que poderiam resultar consequências gravíssimas, entre muitas outras as que se verificam no fundamental sector da habitação, no qual ainda se mantém a falta de moradias, sobretudo para a classe média; mas não surpreenderá que, à medida que melhorarem os transportes e se vão fixando as actividades industriais na província, venha a suceder a correspondente crise de superabundância, com a inevitável repercussão em muitas economias ...
E ainda, e mais uma vez, se regista no parecer o contacto com as realidades, ao notar que, apesar do elevado montante dos depósitos bancários e das variadas disponibilidades, em que avultam valores representativos de ouro, e até uma importante existência de reluzente ouro metálico, que tem feito ourar muitas cabeças, fazendo-as girar à volta de fantasias mirabolantes e de gastos desnecessários, importa impedir, tanto quanto possível, despesas de carácter sumptuário e obras não reconhecidamente urgentes, para que se concentre o potencial financeiro do Estado e dos particulares, tanto em moeda nacional como em divisas estrangeiras, no reapetrechamento do País, no fomento rural, na adaptação de todos os graus e modalidades de ensino às múltiplas exigências do trabalho e da vida nacional e, finalmente, em obras iniludìvelmente reprodutivas.
Sr. Presidente: algumas das fontes que carrearam para o Pais grande parte dos recursos que agora se acumulam nos cofres públicos, bancários e nos mealheiros domésticos diminuíram seus caudais ou secaram, por assim dizer, totalmente.
No capitulo das principais exportações normais -vinho, cortiça, madeira para esteios, resinosos e frutas, por um lado, as conservas de peixe, determinados minérios e ainda outros produtos de menor relevo sob este aspecto, por outro lado- verifica-se que, embora ressentindo-se das dificuldades dos mercados externos, as respectivas operações vão-se mantendo e contribuindo para a nossa economia com apreciáveis recursos.
Mas não pode dizer-se o mesmo no que respeita a rendimentos de fundos estrangeiros doutros títulos repre-

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sentativos de capital cobrado pelos portugueses por esse Mundo fora, que noutros tempos nos garantiram fartura de divisas, mas hoje estão consideràvelmente reduzidos e a respectiva cobrança dificultada por série inconcebível de peias e dificuldades.
E o mesmo se verifica relativamente aos nossos emigrantes, cujas remessas para a Pátria são dificultadas ao máximo, acontecendo verificarem-se em alguns países elementos de atracção para que os emigrantes que lá trabalham neles coloquem as suas economias.
Desta forma, com algumas fontes esgotadas, outras diminuídas e as restantes na contingência gravíssima das incertezas em que o Mundo se debate, não basta defender o saldo em moeda nacional e estrangeira com que encerrámos o longo e difícil ciclo da guerra.
Importa, sim, melhorar as fontes existentes e tentar a exploração de novos recursos.
Numa palavra: temos de olhar a valer pela produção nacional, evitando tudo o que possa perturbá-la e estimulando-a por todas as formas.
Ora, tão fundamental desiderato não se atinge com severas restrições, entraves à circulação, tabelamentos exíguos, intervenção, por vezes perturbadora, de agentes de fiscalização, e outras formalidades e determinações que podem, sim, fazer baixar os preços incomportàvelmente (o que o consumidor aceita sempre com agrado), atingindo desta forma os que trabalham, porque os priva de fundos suficientes ao funcionamento da empresa, do que resulta o esmorecimento do espírito de iniciativa e a quebra de alento para se arrostar com trabalhos que não retribuem capital, esforço e sacrifícios neles aplicados.
Da mesma forma, o grande desiderato do fomento da produção não se consegue com o desbarato de terras produtivas para a execução de planos urbanísticos riscados apenas com a preocupação do xadrezado e orientados por conceitos de estranha estética, muitas vezes destinados a não serem habitados por falta de edificações e a virem constituir pastagens para animais vadios.
Desbarato que se verifica também na escolha de boas e extensas terras de lavoura para a construção de grandes estabelecimentos fabris, como recentemente, e em conferência notável, foi dito pelo ilustre Deputado Sr. Dr. André Navarro.
Citarei também o risco de inundação de grandes áreas de terras utilizadas pela agricultura para a constituição de albufeiras alimentadoras de centrais cuja energia não estaria na proporção dos prejuízos causados.
E já se fala, como se refere no próprio parecer das contas que estou a discutir, em desviar as águas de umas para outras bacias hidrográficas (cita-se o desvio das águas da serra da Estrela, que são justamente as mais caudalosas e regulares, da bacia do Mondego para a do Zêzere), como se no futuro as extensas terras do vale do primeiro daqueles rios não viessem a carecer, para serem convenientemente regadas, de toda a água da respectiva bacia hidrográfica, após a sua regularização.
E, segundo me consta, outros desvios congéneres estão em estudo, sem se atender a que a intervenção das regas é decisiva em muitas regiões e que ainda há em todos os vales grandes áreas por aproveitar convenientemente.
Sr. Presidente: se, em relação ao presente, se impõe o fomento da produção nacional em quantidade e qualidade, essa necessidade torna-se muito mais premente se considerarmos que à população se adicionam anualmente entre 70:000 e 80:000 habitantes, com as correspondentes exigências de toda a ordem.
Assim, à vigilância recomendada no parecer sobre as contas públicas no que respeita às nossas disponibilidades em dinheiro (escudos ou divisas), para que não se dissipem em sumptuosidades ou realizações improdutivas, é absolutamente necessário que se ordene também a maior cautela no desvio de terras agrícolas para outros fins, no aproveitamento dos rios, de molde a, paralelamente com as grandes centrais, se promover a construção de pequenos açudes susceptíveis de produzir energia e utilizando a água, tanto das correntes como do subsolo, com a maior parcimónia, para obter todo o proveito nas regas e noutros fins de indiscutível utilidade.
Sr. Presidente: no diploma que estamos a apreciar foca-se com oportunidade a penúria de algumas das produções nacionais, aconselhando os estudos necessários para a sua indispensável melhoria, mas concluindo por afirmar que, se os resultados não forem insofismavelmente bons, teremos de pensar na sua substituição por forma a valorizar o solo e o esforço dos trabalhadores portugueses.
Confirma o que alguns oradores disseram nos debates sobre o aviso prévio que teve por temas o trigo e o pão relativamente aos resultados precários da cultura daquele cereal, alude mais animadoramente à cultura do milho, que deve melhorar com a utilização das sementes híbridas, e, de uma maneira geral, afirma muitas esperanças na extensão do regadio, no aperfeiçoamento dos métodos de cultura, terminando pela afirmação indiscutível de que na base de todo este esforço tem de estar o ensino técnico actualizado para instruir e educar praticamente toda a vasta gama dos nossos trabalhadores.
É bem de ver que, paralelamente ao fomento da produção agrícola, há que pensar nas actividades industriais, mas adoptando-se o critério de deixar à lavoura as modalidades complementares das respectivas culturas, sempre que económicamente viáveis, em oficinas individuais ou organizações cooperativas e ainda em pequenas unidades de outras indústrias que absorvam a actividade dos elementos familiares não aplicada na agricultura para reforço da economia dos casais.
Por diversas vezes tem constituído tema dos nossos trabalhos o antagonismo, danoso para a lavoura, que se tem verificado entre moinhos e azenhas e as grandes moagens: dum lado, postos caseiros de desnatação e de lacticínios, e as fábricas dessa especialidade, quase todas de recente criação, do lado oposto; a luta de interesses que se tem verificado entre fábricas de lanifícios e a produção lanígera do armentio nacional, conforme longamente foi exposto no aviso prévio do nosso distinto colega Sr. Dr. Figueiroa Rego; e, de uma maneira geral, sempre que a indústria se propõe invadir a esfera de acção da lavoura, conseguindo o encerramento das respectivas instalações, mas não a compensando remuneradoramente.
Sr. Presidente: registo com satisfação a inauguração de duas fábricas, que constituem manifestações de rumo novo, recentemente instaladas, e nas quais numa se visa o aproveitamento do linho e noutra o dos variados sumos de frutos.
Segundo afirmações então feitas, ambas utilizarão ao máximo a produção respectiva da nossa lavoura, mas compensando-a iniludìvelmente.
À primeira, a indústria do linho, tive a honra de assistir e de registar as afirmações então feitas pelo seu ilustre fundador, Sr. Manuel Pinto de Azevedo, e pelo também ilustre Ministro da Economia, Sr. engenheiro Daniel Barbosa.
A cultura do linho será estimulada e actualizada, garantindo-se à lavoura a sua aquisição a preços remuneradores.
À segunda -a das conservas de sumo de frutas- não tive a satisfação de assistir, mas pelo relato da imprensa vi que é orientada aproximadamente por idêntico critério.
Com ela se visa a estimular a cultura frutícola, que encontra em Portugal um conjunto mesológico favorável, aproveitando o sumo de frutos variados em ocasiões de difícil colocação no mercado e indo ao encontro da aceitação, que desde há anos se vinha generalizando, da

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parte do público pelas bebidas não fermentadas tendo por base o sumo de frutas.
Já era tradicional a avidez do povo pelo vinho doce, do qual se consomem muitas pipas por ocasião das pisadas, havendo toda a vantagem em não contrariar este uso, porque, não perturbando a saúde, constitui fonte de escoamento de grande parte das uvas das nossas vinhas.
No parecer sobre as contas públicas salienta-se a importância futura da cultura frutícola, sobretudo como elemento de exportação e, portanto, fonte apreciável de divisas para fazermos face aos elevados encargos da importação.
Estas tentativas de equilibrada cooperação da lavoura e indústria são de louvar e poderão ser coroadas de êxito desde que a matéria-prima de origem agrícola seja paga a preços compensadores e não se proponham aniquilar as instalações de menor vulto que a lavoura legitimamente já explore, ou pretenda explorar, para operações complementares do seu trabalho agrícola.
Sr. Presidente: de princípio ao fim, no parecer em questão salienta-se, como base essencial de continuação do nosso ressurgimento, o fomento de todas as fontes de produção.
Para isso, ao lado das considerações propriamente de ordem agrícola e industrial, salienta-se a indispensabilidade, não sómente de se acelerarem os grandes aproveitamentos hidroeléctricos em construção, mas fazem-se oportunas considerações sobre o potencial do rio Douro, que, mercê das notáveis características do seu grande caudal, em parte já regularizado, e da possibilidade da sua utilização para transportes fluviais, atendendo-se sobretudo à sua situação junto dos principais jazigos de ferro, deveria ter constituído a l.ª fase da política das grandes centrais hidroeléctricas.
A este respeito recordo que quando deixou o Poder o Governo de que eu fizera parte, em Julho de 1932, isto é, há quase dezasseis anos, tinha sido dada a concessão do Castelo de Bode, no Zêzere, e efectuara-se o concurso, que fora largamente concorrido, para o l.º troço do Douro nacional.
Tudo parou, para, finalmente, volvidos cerca de quinze anos, se iniciarem os trabalhos do Zêzere; e só agora se anuncia que o Douro, fulcro da nossa política hidroeléctrica, está a ser considerado pelos Poderes Públicos.
Mais vale tarde do que nunca...
Sr. Presidente: quanto haveria ainda a dizer sobre a extensa e fundamental matéria do parecer das contas públicas !
Mas vou concluir as minhas considerações abordando um tema sugerido por aquele diploma, quando, com muito fundamento, se alude à importância que para nós pode vir a ter o turismo.
De entre tantos aspectos desta fonte de recursos e de prestígio para o nosso País, eu, muito rapidamente, vou citar a caça e a pesca, que, podendo vir a contribuir de forma apreciável para a alimentação do nosso povo, proporciona a prática de desportos venatórios e piscatórios, actualmente muito em voga por todo o Mundo e, assim, capazes de atrair numerosos turistas.
No que respeita às espécies piscícolas, além do conveniente repovoamento dos nossos ribeiros, não sómente por espécies indígenas, mas por outras susceptíveis de aclimação, e ainda pelo regresso periódico das que, vivendo no mar, deixaram de visitar as nossas águas continentais porque as encontravam inquinadas ou repletas de obras que impediam a sua subida até às cabeceiras dos rios, para aí desovarem; no que respeita à fauna dos rios, vinha eu dizendo, já dispomos de albufeiras que podem vir a constituir zonas particularmente favoráveis ao seu desenvolvimento e à prática da pesca desportiva, como já sucede na Lagoa Comprida, da serra da Estrela.
A regularização dos caudais para produção de energia ou irrigação dos campos irá sucessivamente aumentando o número de albufeiras, que não deixarão de constituir elementos valiosos para a piscicultura, compensando desta forma e até certo ponto os prejuízos para a lavoura resultantes das inundações de vastas áreas de terras, muitas delas produtivas.
É bem de ver que todos aqueles esforços resultariam vãos se continuasse a praticar-se quase em liberdade, e geralmente com deplorável impunidade, a destruição das espécies cinegéticas, o envenenamento dos rios e, duma maneira geral, os assaltos às propriedades, as razias nas culturas e tantos outros desacatos que sobressaltam as populações rurais e tornam muito precários os resultados das culturas.
O ideal seria que tão deplorável sudário fosse desaparecendo mercê da educação do povo.
Mas, embora confiados em que a política da ordem, já afirmada em vários sectores da actividade nacional, não deixará de levar seus benefícios às zonas rurais onde ainda se praticam as depredações a que venho de aludir, a solução urgente e desde há muito solicitada é de eficaz policiamento rural.
Seria tema para largas considerações. Mas como não deve tardar a apreciação do meu projecto de lei, que visa a constituição de uma guarda rural, sem a exigência de pesado contributo à lavoura, ou verba orçamental, porque os fundos precisos devem sair do exercício da caça e da pesca e desportos conexos, bem como dos respectivos petrechos e munições, projecto que já foi apreciado pela Câmara Corporativa, que sobre ele elaborou o respectivo parecer, aguardo para essa oportunidade o desenvolvimento desta matéria importantíssima, sem a qual toda a exploração dos valores rurais seria precária e não encontraria a fé e entusiasmo indispensáveis à vitória em que todos os portugueses estão patrioticamente empenhados.
Disse.

Vozes:-Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Basto: -Sr. Presidente: a nossa ilustre colega que hoje usou em primeiro lugar a palavra na discussão do parecer das contas apresentadas à Câmara, tirou-me de certo modo da boca, como sói dizer-se, as palavras com que eu queria começar umas breves e rápidas considerações que me dispunha fazer, quando se referiu, como aliás acaba de fazer o Sr. Dr. Antunes Guimarães, à forma como é apresentado à Câmara este trabalho.
De facto, mais uma vez a Assembleia Nacional tem diante de si o parecer das contas públicas, agora relativo ao ano de 1946, elaborado, como os anteriores, com a calma objectividade e sereno, ponderado espírito crítico que tornam este documento um dos mais interessantes repositórios ida vida política do País. Por isso, antes de tocar em dois ou três pontos que num inevitavelmente rápido estudo deste trabalho me sugeriram, quero prestar justa homenagem à Comissão responsável pela sua preparação, e em especial ao seu relator.
Creio, de facto, não exagerar dizendo que de certo ânodo estes pareceres são expoente indicador da nova vida portuguesa dos últimos vinte anos. E que em breve mas criterioso exame, que traduz um esforço imenso, eles põem diante de todos e ao alcance de qualquer -pela sua clareza - o principal do que se vai passando

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na administração pública, realçando as vantagens ou inconvenientes duma ou outra orientação e fazendo que, facilmente, o «homem da rua» se dê conta do destino e utilização do que pagou ao Estado e da forma como as suas necessidades vão sendo satisfeitas em todos os campos.
Mas, porque assim é, estes relatórios deviam ser entregues com certa antecedência, direi com bastante tempo, de forma a permitir o seu merecido e cuidadoso estudo pela Assembleia, que assim melhor contribuiria para o estudo de todos os problemas neles versados. O atraso não é da culpa de V. Ex.ª, Sr. Presidente, nem da Comissão. Mas o inconveniente é manifesto, pois não é em três ou quatro dias que se pode, conscienciosamente e utilmente, estudar um documento desta natureza.
O primeiro comentário que eu desejava fazer refere-se à cobrança das receitas dos impostos. Li há dias num jornal, em grandes letras, que neste parecer se indicava que ainda neste ano de 1946 os lucros excepcionais de guerra haviam rendido 93:921 contos, o que fazia um total de 1.026:526 contos. Portanto dizia-se, com verdade, que este imposto rendera ao Estado mais de 1 milhão de contos. Mas o que se não dizia, mas diz o Anuário de Contribuições e Impostos relativo a 1946, é que o número médio de colectas de 1942 a 1945 foi inferior a 4:000. Os números exactos foram os seguintes:
1942.................. 4:243
1943.................. 3:272
1944.................. 3:982
1945.................. 3:873

Destes números parece poder tirar-se certas conclusões, oportunas de apontar, numa ocasião em que há justo motivo para se dizer, como se diz no parecer, que a carga tributária é já grande em certos casos, e se não pode, sem (prejuízo dos superiores interesses da economia -que é o nervo da Nação-, aumentar ainda a receita de certos impostos directos enquanto os indirectos devem ser olhados com certa desconfiança.
De facto, este número de menos de 4:000 colectas anuais foi absurdo: é evidente, a quem recorde com atenção os factos incontroversos de certa euforia que a guerra criou, que muito superior foi, decerto, o número de contribuintes cujo volume de transacções ultrapassou 20 por cento a média de 1937-1939, visto ser esta a definição, digamos, de um lucro de guerra.
Não foi, decerto, culpa do fisco nem daqueles que se prezam de cumprir os seus deveres para com o País. Mas os meios eram insuficientes e a fuga deu-se escandalosamente. Este imposto, na opinião de alguns, devia ter subido no total talvez ao dobro da cifra atingida. E, no entanto, muitos houve, provavelmente, gravosamente tributados.
Eu conheço casos de contribuintes que tiveram prejuízos de exploração e no entanto pagaram este imposto, o que foi outro absurdo. Que prova isto? Que houve, e há, má distribuição do imposto, e é para este grave mal que pretendo agora chamar aqui a atenção do Governo.
Longe de mim, quero dizê-lo bem alto, sugerir que há menos zelo ou insuficiente competência nos serviços a que cumpre esta ingrata missão. Bem ao contrário: eu sei o escrúpulo e preocupação que os anima, mas, por quaisquer motivos, alguns da responsabilidade dos próprios contribuintes, o serviço é imperfeito. Um dos males, por exemplo, é o que resulta do funcionamento das comissões no caso da contribuição industrial. Muitas vezes nem são nomeados os representantes das classes, outras vezes não aparecem quando convocados.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença para uma interrupção? Às vezes o que sucede é que vão lá mas ninguém faz caso do que eles dizem.

O Orador: - Já previa essa observação. Mas eu sei que têm sido tomadas medidas para que isso não aconteça. Mas, admitindo que acontece, é preciso pedir ao Sr. Ministro das Finanças que tome medidas para que a colaboração do contribuinte seja apreciada, útil, valiosa. O sistema não é perfeito, mas devemos fazer por melhorar a sua eficiência no interesse do Estado e do contribuinte.
Se há ainda qualquer motivo que justifique que a sua intervenção seja inútil deve esclarecer-se para que, pelo contrário, seja profícua e construtiva a sua colaboração. Se houver melhor e mais justa repartição talvez que as 368:000 colectas de 1946 -que hoje devem ser mais- rendam mais ao Estado, mas em qualquer caso haverá mais equidade na distribuição, e este, afinal, deve ser, e é, decerto, o desejo de todos.
Mas tal fim não se obtém sem uma mais íntima colaboração entre o fisco e o contribuinte, difícil de obter, mas não impossível de tentar. E, além desta, uma mais perfeita e atenta fiscalização e um melhor regime e sistema de informações.
Não fala o parecer nos encargos de previdência, o que é pena. Já há anos o fez, mas, por qualquer motivo, não voltou a encontrar-se neste documento esses elementos, hoje fundamentais, para apreciar o que afinal é ainda carga tributária do País. As receitas das caixas de previdência são hoje enormes, os fundos - dizem-me - excedem 1 milhão de contos, mas os benefícios em nada correspondem a este número. Não posso, nem pretendo, discutir nem o critério nem a orientação seguida nesta matéria. Mas julgo interpretar uma justa e generalizada preocupação ao exprimir o voto que, ou compreendido nestes pareceres ou em documento semelhante e detalhado, se diga anualmente ao País o como e o porquê. Repito: não discuto nem o princípio nem o propósito: a previdência e assistência impõem-se por si e não carecem, julgo eu, de defensores. Mas porque ao bastante- ou muito que paga ao Estado o contribuinte vê que se juntam estes encargos de que ainda não colhe benefícios correspondentes, é preciso, é necessário, é indispensável mesmo que à Assembleia se diga regularmente aquilo que o público deve saber. São já encargos pesados os que se pedem hoje aos contribuintes, sobretudo se atendermos aos condicionamentos e restrições que limitam muitas actividades e os custos de exploração. A todos acresce hoje importante tributo de previdência, que não exclui. nem desonera quem os paga da necessidade de remediar ou ajudar gente doente em vários graus. Não está certo que esta situação se não explique.
Desejaria agora referir-me, mais uma vez, ao assunto do ensino primário. O parecer é bastante explícito: houve reduzida frequência de alunos inscritos e é preciso tomar providências para remediar este mal. O gradual mas progressivo desenvolvimento do País, inspirado pela sua missão histórica, a que se não furta, não se compadece com a ainda terrível percentagem de analfabetos. A todo o custo há que levar os alunos às escolas, tornando estas higiénicas e acolhedoras. São esplêndidas as modernas, mas levará inevitavelmente muitas anos a concluir as planeadas, e no entanto o ensino faz-se muitas vezes em locais impróprios e que deviam melhorar-se sem prejuízo do plano. Os professores primários continuam com insuficiente preparação, sem vencimento suficiente, e a sugestão de um pequeno aumento de 3.000$ anuais merece carinhoso estudo. Estas, sim, são

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despesas reprodutivas por excelência e em prejuízo de outras devem ser consideradas.
A própria necessidade de aumentar o que se chama, no parecer, os recursos potenciais latentes, indica a urgente necessidade de olhar de perto o problema da instrução primária e para ele chamo pois, mais uma vez, a atenção do Governo.
Finalmente desejo endossar, calorosamente, as considerações gerais do parecer quando trata das receitas e despesas extraordinárias. Julgo que está praticamente tomado o compromisso de estudar a coordenação da legislação fiscal conforme aqui se disse e votou por ocasião da discussão da lei de meios em Dezembro passado. Posta em vigor tal reforma, talvez se torne mais fácil a tarefa de medir com justeza as possibilidades tributárias. Se o Estado tem hoje vastíssima missão na qual esta Assembleia, decerto, ao deseja auxiliar construtivamente o Governo, não queremos nem devemos sangrar até à anemia as possibilidades do País, desanimar o espírito de iniciativa nem diminuir o entusiasmo dos que, cheios de Fé, crêem no destino da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia que estava marcada para hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Maria Pinheiro Torres.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Teotónio Machado Pires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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