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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
SUPLEMENTO AO N.º 140
ANO DE 1948 1 DE ABRIL
CÂMARA CORPORATIVA
IV LEGISLATURA
PARECER N.º 29
Proposta de lei n.º 202
Questões conexas com o problema da habitação
A Câmara Corporativa, chamada a pronunciar-se sobre a proposta de lei n.º 202, apresentada pelo Governo à Assembleia Nacional, emite o seguinte parecer, por intermédio das secções de Política e administração geral, de Justiça, de Finanças e economia geral e de Autarquias locais, tendo agregados os dignos Procuradores António Vicente Ferreira e Joaquim Roque da Fonseca, e ouvida a secção de Construção e materiais de construção:
Introdução
I
Considerações gerais
1. Não poderá certamente negar-se ao problema da habitação a maior actualidade. O conflito de 1914 criou um estado de coisas cujos efeitos os subsequentes vinte anos de paz - melhor se diria de «entre-guerras» - não souberam eliminar.
Dum modo geral, mesmo aqueles países que tiveram de enfrentar a grande tarefa da reconstituição de núcleos urbanos derrubados pelos bombardeamentos não se mostraram fecundos nem no estudo aprofundado dos imperativos de ordem económica que informavam o problema, nem na adopção de normas jurídicas que dessem realização prática às concepções doutrinais.
Assim é que, em França, como salienta Maurice Langlet, a intervenção do Estado, chamado a suprir a abstenção da iniciativa privada, em grande parte paralisada pela política de limitação de rendas, se mostrou pouco eficiente e quase exclusivamente orientada no sentido do alojamento das classes trabalhadoras. O Tratado de Versalhes foi acompanhado dum largo impulso no sentido da valorização do «trabalho», e foi dentro do espírito desse grande movimento de renovação que se procurou desenvolver a construção de casas destinadas a ser ocupadas por aqueles que auferiam rendimentos limitados, encontrando-se na fórmula do chamado programa Loucheur solução satisfatória.
Em Portugal, a guerra de 1914 trouxe ao problema da habitação consequências de acentuada relevância, tendo-se adoptado, como meio de evitar as dificuldades de alojamento criadas pela suspensão da actividade cons-
1 Maurice Langlet, «Le problema de l'habitation», a p. 99 do ano 48.º da Revue Polítique et Parlementaire.
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trutora, a solução simplista da renovação obrigatória dos arrendamentos urbanos.
Se a falta de casas constituía, por si, factor determinativo da elevação geral das rendas, a curva da desvalorização da nossa moeda, que se foi acentuando até 1924, veio dar a essa, solução, dentro do plano das medidas de emergência, fundamento mais duradouro, a despeito de com frequência se marear o &eu carácter transitório e até se designar dia para o restabelecimento pleno do regime de liberdade contratual (lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924, artigo 13.º), data timidamente dilatada de um ano e, por fim, prorrogada sine die (decreto n.º 14:630, de 28 de Novembro do 1927).
Criado aquele círculo vicioso, a que, em regra, conduzem as soluções de expediente ocasional - supressão do regime de liberdade contratual em matéria de arrendamento, porque era insuficiente o número de habitações, paralisação da construção, porque as restrições do inquilinato urbano afastavam as iniciativas, propôs-se o decreto n.º 15:289, de 29 de Março de 1928, vencer o ponto morto, por via directa, criando um fundo nacional destinado a subsidiar a construção de casas para as classes médias e operárias, e, por via indirecta, restabelecendo o regime de liberdade para os prédios construídos posteriormente à sua publicação.
A nossa reconstituição financeira, a breve trecho iniciada e tão corajosamente realizada, e o consequente revigoramento da nossa moeda, que veio a ter na publicação do decreto n.º 19:989, de 9 de Junho dê 1931, a sua consagração, bem poderiam ter constituído em parte estímulo para a actividade construtora, sempre ávida de índices de estabilidade que afastem o natural receio do capital em relação a imobilizações que possam desactualizar-se. É certo que a crise da moeda inglesa veio, a curto prazo, prejudicar esta expectativa optimista, criando novos factores, de intranquilidade económica; e, cedo também, começaram a tomar corpo certas preocupações acerca da segurança da paz.
No entanto há que reconhecer que,- nos anos que precederam a conflagração mundial de 1939, e até nos primeiros tempos desta, o problema da habitação ia encontrando nítido sentido de solução, com uma marcada tendência para a baixa das rendas, sendo facto vulgar o senhorio consentir em receber efectivamente rendas inferiores às que constavam dos respectivos contratos. Para essa vantajosa situação contribuiu, em larga escala, o Governo da Nação, que, retomando através de várias fórmulas o tema delineado no já aludido diploma, promoveu, através de legislação adequada, a construção de casas de renda baixa. Por esta forma, Portugal acompanhava a orientação seguida em países estrangeiros, e a que já fizemos referência, sendo de salientar que o decreto n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933 - o primeiro diploma orgânico de «casas económicas» - faz parte do sistema que teve como fulcro o Estatuto do Trabalho Nacional.
A Câmara Corporativa, no parecer sobre a proposta de lei n.º 45 , relativa às casas de renda económica, e que veio a converter-se na lei n.º 2:000, de 7 de Maio de 1945, teve já oportunidade para afirmar o seu aplauso à política seguida nesta matéria, e na qual .veio, ulteriormente, integrar-se o regime de casas de renda limitada criado pelo decreto n.º 36:212, de 7 de Abril de 1947.
2. A despeito das condições favoráveis do período que atrás deixamos assinalado, não foi encarado de frente o problema do inquilinato urbano e a dupla necessidade
1 Vide Diário das Sessões n.º 78, p. 422, ano de 1944.
de atenuar - até onde o pudesse consentir o próprio peso de situações com já largo prazo de permanência - desigualdades flagrantes e pôr termo à fragmentação legislativa que tão nitidamente contribuiu para a incerteza dos direitos de cada um e para as hesitações que, a cada passo, se verificam na nossa jurisprudência.
Não compete à Câmara Corporativa investigar ou apreciar as razões que possam ter levado qualquer dos órgãos em que constitucionalmente reside a iniciativa legislativa a não considerar o problema há tanto tempo pendente de solução. Contudo, não será justo deixar de salientar, até para que de- tal abstenção não fique lástima exagerada, que, quaisquer que tivessem sido as linhas gerais da remodelação do instituto, a execução integral do plano não teria chegado a consumar-se, pois na sequência dos períodos de escalonamento, que teria sido mister prever, viria a guerra fazer sentir a sua influência perturbadora.
Para pôr em evidência a verdade desta última afirmação basta lembrar que em 12 de Janeiro de 1943 foi publicado q decreto-lei n.º 32:638, que, embora procurando alicerce num imputado vício de interpretação do artigo 54.º do decreto n.º 15:289, teve um único objectivo: a reafirmação do princípio da renovação obrigatória, eliminando aqueles raros casos em que pudesse funcionar o velho princípio de que pacta sunt servanda.
A tal respeito apenas, é de estranhar que o legislador não tivesse exteriorizado, pura e simplesmente, o fim que pretendia atingir, pois efectivamente aquela posição de desafogo, que em matéria de habitação chegou a existir, foi-se comprometendo, dia a dia, à medida que se iam iludindo as esperanças dos que assinalavam à guerra um termo rápido.
Se a crise da construção representava para tal circunstância razão fundamental,- a tendência para uma maior afluência nos centros urbanos, em período de guerra ou de após-guerra, é, sem dúvida, fenómeno de observação geral.
3. E neste momento, que em breves traços procuramos caracterizar, que o Governo resolve submeter à apreciação da Assembleia Nacional uma proposta de lei que, contendo matérias diversas - expropriações, direito de superfície, sociedades de construção, e actualização de rendas de casas -, é, no entanto, dominada pela preocupação unitária de resolver alguns dos aspectos fundamentais do problema da habitação.
As considerações que acabam de fazer-se sobre o problema da habitação são certamente suficientes para justificar o interesse manifestado pelo Governo em prestar um contributo eficiente para atenuar um premente estado de insatisfação.
Dadas as características da proposta, pouco mais se poderá dizer, numa primeira apreciação de e generalidade», uma vez que a natural tendência para uma classificação orgânica dos assuntos nos levará antes a encarar generalidades mais restritas, mas, por isso mesmo, com melhores dados de comparação.
II
Amplitude da proposta
4. Na seriação das matérias versadas na proposta teve-se naturalmente em atenção a ordem das realizações materiais e actos jurídicos a levar a efeito para melhor aproveitamento dos locais escolhidos para edificações urbanas.
E, assim, importava dotar, em primeiro lugar, a administração pública, central ou local, dos meios de constrangimento indispensáveis para que se possa transfor-
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mar o existente num dispositivo homogéneo, sobre o qual virá a assentar o desenvolvimento da construção: esta a função das expropriações, directamente ligadas à actividade da urbanização. Em seguida a esta operação, que poderá chamar-se de redução a um mesmo denominador comum, era mister fomentar, através de um sistema jurídico adequado, a plena potencialidade económica das áreas urbanizáveis, e, nesse aspecto, considerou-se de vantagem instituir uma nova modalidade de propriedade que nitidamente traz a marca do moderno conceito da função social da propriedade privada. Se o desiderato correspondente à criação do direito de superfície no aspecto do desenvolvimento da construção vai ou não na prática converter-se em realizações plenamente satisfatórias, é, sem dúvida, prematuro qualquer vaticínio. No entanto, esta Câmara não tem qualquer objecção a levantar à iniciativa lio Governo, e antes se lhe afigura digno de louvor que tenha sido aproveitada a oportunidade de um importantíssimo objectivo de ordem prática para fazer inserir no nosso direito positivo este novo tipo de propriedade imperfeita.
Facilitadas assim as possibilidades jurídicas de um sistema em que se conciliem as vantagens da propriedade privada e as necessidades do interesse geral da colectividade, era indispensável estimular a construção através de isenções fiscais e de garantias para os preços de materiais, reservando-se ainda o Estado, sempre dentro da orientação de prudência marcada no artigo 6.º do Estatuto do Trabalho Nacional, a função supletiva de vir propulsionar com a sua própria comparticipação a iniciativa particular.
A este respeito é oportuna a transcrição da seguinte passagem do parecer subsidiário da secção de Construção e materiais de construção:
Estimular a construção civil é - segundo a própria actuação do Governo até hoje - tornar sedutora a aplicação de capitais em casas de habitação por
isenções-fiscais e outros benefícios; é provocar a reunião de capitais avultados (sem mira de grandes rendimentos) em sociedades que tornem possível construir-se muito; é recomendar a inversão das reservas das caixas de previdência em prédios, com o cuidado de lhes assegurar um juro mínimo. Em tudo a preocupação de interessar o capital.
Em natural sequência surge então o delicado problema do inquilinato, que, como é sabido, encerra hoje múltiplos aspectos. Neste capítulo o Governo julgou de vantagem limitar a proposta a alguns pontos que considerou mais directamente ligados à habitação.
III
Posição da Câmara Corporativa perante o objectivo da proposta-Sistematização adoptada
5. Comparando, na sua contextura, as matérias de que se ocupa a proposta, imediatamente se chega à conclusão de que, enquanto em relação às expropriações se deu às bases um desenvolvimento que permite dizer-se nelas compreendida a estruturação de quase todo o instituto, com referência ao inquilinato apenas se pretendeu abranger alguns dos seus aspectos, aliás certamente os mais interessantes.
Quanto a este último ponto, não deve esquecer-se que a proposta tem por antecedente directo um projecto do ilustre Deputado Dr. Sá Carneiro, que deu lugar a um desenvolvido parecer desta Câmara.
1 Ver Diário das Sessões n.º 68, pp. 210 e seg., do ano de 1946, e suplemento ao n.º 83-(1 a 53), do ano de 1947.
No referido projecto e, consequentemente, no texto do parecer versaram-se numerosos problemas do inquilinato, tais como a forma do contrato, a sua rescisão e caducidade, a sublocação, o aumento de rendas, o despejo por não convir a continuação do arrendamento, o despejo imediato e o depósito de rendas. De todos estes pontos o Governo apenas fez inserir na sua proposta matéria referente a actualização de rendas, sublocação e despejo por não convir a continuação do arrendamento, consagrando ainda uma base aos traspasses de estabelecimentos comerciais, nela se ocupando de objecto não focado nos aludidos projecto e parecer.
Nestas circunstâncias colocou-se perante a Câmara Corporativa a seguinte questão prévia: deveria retirar-se da proposta tudo quanto directamente não respeitasse à habitação?
Esta observação preliminar reporta-se principalmente à parte das expropriações em que, talvez por na proposta se aproveitarem matérias dalgum estudo de objectivo diverso, se incluem normas (basta apontar para exemplo a base II e parte final do n.º 2 da base XV) que nada têm com o problema da habitação.
Ponderado detidamente o assunto, resolveu-se que, dado o grande desenvolvimento com que era tratada a complexa matéria de expropriações, e sendo de há muito reclamada a concentração em um só diploma de regras tão fragmentàriamente espalhadas, não deveria perder-se esta oportunidade para fixar, nas linhas gerais, os pontos típicos do instituto, convidando-se o Governo, numa base especial, a dar realização a tal desiderato.
Entendeu-se - e presume-se que dentro do pensamento do Governo - que, embora o problema da habitação fosse o centro de gravidade da proposta, os elementos componentes mantinham unidade e independência como categorias jurídicas diferenciadas que efectivamente são.
A mesma ordem de ideias que levou a Câmara Corporativa a não propor eliminações no capítulo relativo à expropriação por utilidade pública determinou que, na parte referente ao direito de superfície, se procurasse acentuar mais, nos textos sugeridos, as características gerais da nova figura jurídica.
Porém, em relação ao inquilinato, mais delicada se mostrou a posição da Câmara Corporativa em presença da proposta do Governo. Na verdade, tendo já definido, quanto à quase totalidade dos pontos focados na proposta, o seu modo de ver, era mister considerar se, neste ou naquele passo, o Governo aderiu à tese defendida pela Câmara, se, pelo contrário, expressa ou implicitamente a contrariou, ou se, ainda, pretendeu a ela conservar-se indiferente. Às dificuldades geradas por esta situação acresceu a circunstância de a escolha do relator do presente parecer haver recaído em quem não tomara parte nos trabalhos de 1947, por a esse tempo não fazer parte da Câmara Corporativa:
6. Para que não possam levantar-se equívocos acerca da opinião dos Procuradores que subscrevem o presente parecer, deixa-se esclarecido, como linha geral de orientação, o seguinte:
a) Naquilo em que o Governo adoptou a doutrina do parecer de 1947 a Câmara Corporativa absteve-se de considerar novamente o assunto;
b) Em relação às questões em que o Governo tomou posição em sentido diferente do das soluções propostas no referido parecer, esta Câmara reviu, com toda a latitude, os problemas em causa;
c) Quanto às sugestões do referido parecer que, embora não expressamente adoptadas pelo Governo, estão de harmonia com as directrizes da proposta de lei, resolveu-se incluí-las no texto elaborado como conclusão
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deste parecer, para que ficasse melhor definido o respectivo regime jurídico;
d) Quanto aos pontos versados no parecer de 1947 que não têm correspondência na proposta de lei, evitou esta Câmara, tanto quanto possível, voltar a examinados, não porque os julgue prejudicados, mas porque pertencem ao âmbito do outro projecto de lei e1 são estranhos portanto ao objecto do trabalho de agora.
7. Ao traçar o plano de estudo da proposta, dentro do critério de autonomia dos institutos que comporta, não perdeu de vista esta Câmara a identidade
teleológica que a informa, e a esse pensamento correspondem duas bases cuja inclusão adiante se propõe e que justamente assinalam o relacionamento das diversas matérias. Referimo-nos à base em que, a propósito de expropriações, se curou do alojamento dos ocupantes de prédios a demolir; àquela em que se suscita a importância do instituto da propriedade horizontal, incumbindo-se o Governo de preparar em breve prazo o respectivo regime jurídico; e ainda à base em que, em matéria de inquilinato, se considerou a necessidade do estímulo à construção, declarando-se que os arrendamentos de prédios construídos posteriormente à vigência da lei ficam subtraídos às limitações da liberdade contratual.
8. Quanto à arrumação das matérias, não esqueceu a Câmara Corporativa que a alteração substancial da estrutura da proposta dificultaria o trabalho da Assembleia Nacional, à qual compete constitucionalmente a elaboração do texto definitivo. Por esse motivo teve a preocupação de tanto quanto possível, não alterar o objecto próprio de cada base, e bem assim a respectiva ordem.
Não se mostrou a satisfação deste desiderato isenta de dificuldades, mormente porque a proposta não mantém, em relação aos seus três principais capítulos, o mesmo grau de pormenorização. Efectivamente, se, quanto a expropriações, as bases se acham, em regra, redigidas em termos de franca generalidade, em matéria de inquilinato as bases têm um conteúdo mais concreto, o que, de resto, se explica se se atender a que, nessa parte, a proposta teve por fonte um projecto de lei e um parecer em que se considerou - e bem - que o artigo 92.º da Constituição não constitui obstáculo a que os preceitos de uma lei possam, em si mesmos, reunir as condições necessárias para a sua imediata aplicação.
Marcados, assim, os traços esquemáticos deste trabalho; vai a Câmara proceder ao estudo separado de cada capítulo da proposta.
PARTE I
Expropriações
CAPITULO I
Considerações gerais
9. Afirma-se no relatório da proposta que «os princípios expressos nas diferentes bases são dominados pela ideia de que os direitos dos particulares não podem constituir obstáculo insuperável à realização dos fins de utilidade pública que o Estado tenha de atingir em obediência à satisfação de interesses gerais, desde que a privação por parte dos particulares dos seus bens ou direitos em benefício da utilidade pública seja compensada pelo pagamento de uma justa indemnização ».
Eis o que, através duma larga evolução, pode considerar-se uma verdadeira
ideia-força de todo o progresso social.
Já no § 21.º do artigo 145.º da Carta Constitucional se afirmava que, ase o bem público, legalmente verificado, exigir o uso da propriedade do cidadão, será ele previamente indemnizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única excepção e dará as regras para se determinar a indemnização».
É naturalmente dentro desta orientação prudente, mas já de si expressiva num diploma que traduzia o pensamento individualista da época, que a lei de 23 de Julho de 1850 veio regular a expropriação por utilidade pública, avultando o carácter excepcional da medida na circunstância de ter de constar de lei ou decreto a identificação das propriedades a expropriar.
Conforme se acentua na proposta, este sistema veio sofrendo simplificações no que se refere à declaração de utilidade pública, adoptando a lei de 26 de Julho de 1912 o critério de designar os fins de utilidade pública justificativos da expropriação.
A esse tempo vigorava, como lei fundamental, a Constituição Política da República Portuguesa de 1911, que em matéria de propriedade privada se limitava a garantir o respectivo direito, com as limitações estabelecidas na lei (artigo 25.º). Desta sorte, desapareceu, como disposição constitucional, o princípio da prévia indemnização, e assim é que em diversos textos legais se veio consignando o princípio do empolamento imediato com compensação a posteriori 1, que teve foros de cidade com a publicação do decreto n.º 17:508, de 22 de Outubro de 19.29, chamado das expropriações urgentes.
A Constituição Política da República Portuguesa de 1933, no § 1.º do artigo 49.º, referiu, a propósito do domínio público do Estado, o princípio da expropriação dos bens particulares determinada pelo interesse público e mediante justa - não diz prévia - indemnização. Porém, alguns meses decorridos, o Estatuto do Trabalho Nacional, ao mesmo passo que afirmava a utilidade social como um dos fundamentos da propriedade privada, retomava a tese de que a indemnização, em caso de expropriação, deveria ser justa e prévia (artigo 13.º, parte final).
O decreto-lei n.º 24:424, de 27 de Agosto de 1934, veio dar nova redacção ao referido preceito do Estatuto do Trabalho Nacional, eliminando precisamente a palavra prévia. A intenção que determinou a alteração foi certamente a de harmonizar o texto do Estatuto com a disposição constitucional em referencia, o que aliás se não mostrava necessário, pois, não tendo o Estatuto senão o valor de uma lei ordinária, nada impedia que qualquer lei ou decreto-lei admitisse o regime da expropriação sem o prévio pagamento da indemnização.
Seja como for, a Câmara Corporativa adere, sem hesitação, ao ponto de vista da proposta de mesmo nas expropriações de carácter urgente, a expropriação pelo
expropriante só se tornar efectiva depois de sem prejuízo de correcções futuras, se mostrar paga a indemnização provisoriamente fixada.
10. Diplomas em abundância vieram estabelecer, em aditamento ao artigo 2.º da lei de 26 de Julho de 1912, novos casos de utilidade pública.
A título meramente exemplificativo cita-se a lei n.º 1:728, de 5 de Janeiro de 1925 (fins desportivos), o decreto n.º 13:564, de 6 de Maio de 1927, artigo 46.º, § l.º (ampliação de teatros), o decreto-lei n.º 33:502, de 21 de Janeiro de 1944 (expropriação a favor de em-
1 V. g. decreto n.º 5:786, de 10 de Maio de 1919, artigos 124.º, n.º 2.º, 126.º e 128.º, reproduzidos, com ligeiras alterações, nos artigos 55.º e 56.º e parágrafos do regulamento de licenças para instalações eléctricas, aprovado pelo decreto-lei n.º 26:852, de 30 de Julho de 1936.
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presas que exploram indústrias de alto interesse nacional), o decreto n.º 17:508, de 22 de Outubro de 1929, que na parte final do artigo 1.º menciona como fim autónomo de utilidade pública a construção de estabelecimentos indispensáveis ao desenvolvimento do turismo, até esse momento só de considerar quando complementar da exploração de águas mínero-medicinais (lei de 1912, artigo 2.º, n.º 4.º).
Porém, mesmo dentro dos fins enumerados no referido artigo 2.º, numerosa, legislação fragmentária e extravagante tem sido publicada em matéria de expropriações.
A actividade legislativa neste sector foi-se tornando apanágio de departamentos do Estado de carácter técnico, perdendo aquele sentido de unidade e estruturação jurídica tanto mais necessários quanto é certo que o instituto das expropriações se situa num ponto nevrálgico de tangência dos direitos civil e administrativo.
Assim é que, com referência ao n.º 8.º do referido artigo 2.º, é toda unia complicada rede de diplomas , sobre urbanização, de carácter geral uns - planos gerais de urbanização e expansão 1, construção de casas económicas 2, etc.-, de carácter local outros-urbanização da Costa do Sol 3, obras dos centenários 4, etc.
Em relação ao n.º 10 também tem sido publicada legislação própria sobre guarda e protecção de obras de arte, com providências especiais sobre expropriações 5.
Quanto a estradas e caminhos rurais e escolas primárias, e portanto abrangendo casos dos n.ºs 5.º e 6.º do referido artigo 2.º, deve apontar-se a legislação sobre melhoramentos rurais, que bem merece um louvor especial como felicíssima fórmula de coordenação da inicial local e do apoio financeiro e acção fiscalizadora da Administração Central 6.
Numa proliferação legislativa tão dispersiva surgem com frequência normas dimanadas de Ministérios diversos, que parecem ignorar-se mutuamente ou revelar uma doentia preocupação de inovar.
11. Nas circunstâncias apontadas, a unificação do regime da expropriação, através de uma proposta vinda do Ministério da Justiça, constitui iniciativa digna de todo o aplauso. Até pelo que significa como reintegração de tão importante matéria na categorização que lhe compete no domínio do direito.
Uma análise do conjunto das bases mostra-nos que realmente foram focados os pontos fundamentais. Poderia talvez ter-se obtido uma mais rigorosa delimitação do conceito de expropriação, fazendo inserir preceitos respeitantes àquelas figuras jurídicas (requisição, expropriação indirecta, etc.) que, por assentarem também num acto de autoridade, têm pontos de contacto com a expropriação; e não seria deslocada tal inclusão, uma vez que na proposta se versa, por exemplo, a constituição de servidões (base III), que é problema diverso da expropriação propriamente dita.
A requisição de imóveis para instalação temporária de serviços públicos foi recentemente introduzida no
1 V. g. decreto-lei n.º 24:802, de 21 de Dezembro de 1984, e decreto-lei n.º 33:921, de 5 de Dezembro de 1944.
2 V. g. decreto-lei n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933, artigo 18.º, § 3.º, e decreto-lei n.º 23:860, de 16 de Maio de 1934.
3 Lei n.º 1:909, de 22 de Maio de 1935. Decreto-lei n.º 28:797, de 1 de Julho de 1938, cuja esfera de acção foi sucessivamente alargada por legislação posterior.
5 Decreto n.º 20:985, de 7 de Março de 1932, maxime artigos 25.º e parágrafos e 27.º
6 Decreto n.º 19:502, de 20 de Março de 1931 (maxime artigos 8.º a 10.º); decreto n.º 19:666, de 30 de Abril de 1931, artigo 6.º; decreto n.º 24:781, de 15 de Dezembro de 1934, e decreto n.º 24:888, de 9 de Janeiro de 1935.
nosso direito positivo pelo decreto n.º 36:284, de 17 de Maio de 1947.
Como, porém, as bases de uma lei, mantendo-se dentro da esfera dos princípios gerais, não são campo próprio paru o desenvolvimento completo de teses doutrinais, entende a Câmara Corporativa desnecessário alargar, nesse aspecto, o objecto da proposta.
O ordenamento das matérias poderia talvez obedecer u um critério mais lógico, mas a esse respeito qualquer alteração só serviria para complicar o estudo por parte da Assembleia Nacional, desvirtuando-se assim a função própria da Câmara.
Mantendo, assim, a cada base o objecto que a proposta lhe atribuiu, salvo em pequenos aspectos de pormenor, agruparam-se, para facilidade de estudo, algumas bases sob as seguintes epígrafes:
A) Noções fundamentais (bases I a III);
B) Extensão da expropriação (bases IV a- VI);
C) Destino dos bens expropriados (bases VII a XIX);
D) Valor da indemnização (bases X e X-A) ;
E) Entidade competente para o acto declamatório de utilidade pública (base XI);
F) Meios financeiros (base XII);
G) Linhas gerais do processo (base XIII);
H) Época da transferência da posse (bases XIV e XV);
7) Encargo de maior valia sobre prédios não expropriados (base XVI);
/) Novas bases sugeridas pela Câmara Corporativa (bases XVI-A, XVI-B e XVI-c).
E porque em propostas com a amplitude desta a apreciação de cada base suscita novos aspectos de generalidade, a Câmara Corporativa entre desde já no
CAPITULO II
Análise das bases
A) Noções fundamentais
(Bases I a III)
12. Em cada unia destas três bases focam-se problemas distintos, embora com real afinidade: expropriação, resgate de concessões (e subsequente expropriação de bens acessórios) e constituição de servidões por motivo de interesse público.
BASE I
13. No n.º 1 desta base a proposta apresenta como objecto da expropriação os bens e direitos a ele relativos. Embora nas nossas leis gerais de expropriação não figure, em regra, uma referência à expropriação de direitos relativos a bens, é facto que em disposições isoladas aparecem nítidos exemplos dessa figura jurídica. Assim é que em relação a obras necessárias para a construção de caminhos de ferro, o § 2.º do artigo 1.º do decreto n.º 22:262, de 23 de Maio de 1933, declara que se poderá expropriar, independentemente do direito de propriedade, o direito de fruição do subsolo ou dos espaços aéreos, aquele naturalmente para os túneis e estes paxá os viadutos.
Por outro lado, o artigo 90.º do Estatuto Judiciário (decreto n.º 33:547, de 23 de Fevereiro de 1944), tendo disposto aio corpo do artigo que os municípios ficam autorizados a expropriar os prédios necessários para instalação dos magistrados judiciais e do Ministério Público, acrescenta no § 1.º que, enquanto não tiverem casas próprias para esse fim, os municípios tomarão de arrendamento as necessárias, expropriando, se tanto for preciso, o direito de habitação. Nos seus efeitos, esta
1 Prof. Marcelo Caetano, Manual do Direito Administrativo, 2.ª ed., p. 360.
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expropriação do direito de habitação - designação que não corresponde manifestamente ao conceito fixado no artigo 2254.º e § único do Código Civil - não se afasta da «requisição» prevista no decreto n.º 36:284, de 17 de Maio de 1947, pois aquela expropriação conduziria certamente, como esta, a uma situação de arrendamento forçado, em que a indemnização era representada por uma justa renda.
Nada tem, portanto, a Câmara Corporativa a opor à inclusão, como possível objecto de expropriação, dos direitos relativos a bens.
14. Mais delicado é o problema de saber se a expropriação deve ter apenas como objecto os bens imóveis ou pode também ser extensiva aos móveis. O Prof. Marcelo Caetano define a expropriação por utilidade pública como:
A translação forçada, completa e definitiva da propriedade de bens imóveis do património de um particular para o de uma pessoa colectiva de direito público, mediante justa indemnização 1.
E acrescenta: e Assim, a expropriação não pode confundir-se com a requisição, que diz respeito a bens móveis e serviços».
A contraposição de requisição e expropriação não oferece critério seguro para a resolução do problema colocado, pois o mesmo professor admitia como compreendida na requisição a utilização temporária de imóveis 2, o que veio a ser expressamente sancionado no decreto n.º 36:284, a que já se fez referência.
Fascuale Carugno 3 salienta que, não constando a tal respeito distinção entre imóveis e móveis na Constituição e no Código Civil italianos, todavia a lei de expropriações de 1865 apenas aos imóveis diz respeito, mas acrescenta:
É indiscutível que o Estado pode também ter necessidade de adquirir, através da expropriação, direitos de natureza mobiliária e que representaria um prejuízo a falta de satisfação de tal necessidade.
Ruggiero 4 afirma que:
A expropriação pode versar quer sobre os imóveis, quer sobre as coisas móveis, posto que, em regra, não se estenda a estas.
Vejamos agora o que a tal respeito nos diz o nosso direito positivo. Porém, previamente, deve observar-se que na própria proposta se encontra um texto que, em si, comporta a extensibilidade de uma expropriação a bens móveis. Com efeito, a base II, ao admitir, em consequência do resgate de uma concessão de serviço público, a expropriação de bens afectos ao serviço e que são propriedade particular do concessionário, admite implicitamente que essa expropriação abranja bens mobiliários, pois, como é sabido, do aparelho industrial, no seu conjunto, fazem evidentemente parte bens dessa natureza. Pode, porém, dizer-se que, de um modo geral, esses bens, no seu conjunto, devem considerar-se como constituindo uma imobilização, na certeza de que a categoria dos «imóveis por destino», admitida concretamente na doutrina, embora com alguns opositores 5, já
1 Manual de Direito Administrativo, 2.º od., p. 360.
a 06. cif., p. 357.
3 L'Espropriazione per Publica Utilità, ano de 1938, p. 38.
4 Instituições de Direito Civil, tradução do Dr. Ary dos Santos, 1986, vol. II, p. 826.
5 Ver Planiol et Bipert, Traitc Pratique de Droit Civil Fran-çais, 1926, tomo III, p. 76.
tem sido considerada na nossa lei: é o caso do § 3.º do artigo 949.º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pelo decreto n.º 19:126, de 16 de Dezembro de 1930.
Na base VII da lei n.º 2:005, de 14 de Março de 1945, prevê-se a expropriação de instalações industriais em ordem a uma maior concentração de unidades fabris, e também aí pode pôr-se a questão de saber se realmente tal expropriação não corresponde antes a um direito mobiliário, mormente quando a fábrica expropriada se não ache instalada em edifício próprio. De resto, esta modalidade de expropriação já tinha precedente na nossa actividade industrial, como se vê do artigo 48.º do decreto-lei n.º 24:185, de 18 de Julho de 1934, pelo qual a Federação Nacional dos Industriais de Moagem (F. N.º I. M.) foi autorizada a promover a expropriação de fábricas de moagem não necessárias ao consumo.
Ainda a este respeito se pode dizer que, representando um estabelecimento industrial, no seu conjunto, uma imobilização, não será a subsistência de expropriações desta espécie que forçará a estender aos móveis o objecto da
base I.
Ainda nesta matéria, deve referir-se a expropriação permitida pela legislação da propriedade industrial.
Efectivamente pelo § único do artigo 26.º do Código aprovado pelo decreto-lei n.º 30:679, de 24 de Agosto de 1940, o «Estado pode expropriar qualquer patente, se a necessidade de vulgarização do invento ou a sua utilização pelo Governo o exigir, mediante justa indemnização».
Também, quanto a isto, a ampliação do objecto da expropriação dos bens móveis parece não tomar o aspecto de realidade necessária. Na verdade, a propriedade industrial, segundo a moderna concepção da doutrina 1, deve ser classificada na chamada propriedade de bens incorpóreos, e, portanto, fora do domínio dos bens móveis propriamente ditos.
As considerações que se acabam de fazer levam a Câmara Corporativa a não ladear a dificuldade, para o que bastaria manter na íntegra o texto da proposta, e sugerir um aditamento no sentido de ficar claramente expresso que os bens susceptíveis de expropriação são tão-sòmente os imóveis. Os casos que se deixaram apontados têm características especiais que não comprometem a estabilidade da regra. E julga-se arriscado deixar sem limitação, quanto à natureza dos bens, o objecto da expropriação, que é, em si, uma medida de natureza excepcional.
15. Ainda em relação ao n.º 1 desta base, entendeu a Câmara introduzir outra restrição.
No texto da proposta afirma-se, em termos genéricos, a faculdade de expropriação por causa de utilidade pública, o que, de certo modo, faz supor estar no pensamento que a inspirou a ideia de mesmo sem qualquer outro sentido de concretização, ser lícito à Administração declarar a utilidade pública de determinado empreendimento. Quer dizer: o acto administrativo da declaração teria como único pano de fundo a disposição legal ultragenérica que permitia a expropriação por causa de interesse público; e porque naquele caso se verificava tal circunstância, autorizava-se a expropriação. Neste sentido, afirma-se no relatório que precede as bases:
Não se especificam, em forma de excepção, os fins que cabem na noção de utilidade pública, dado que a faculdade de expropriar não pode ser, perante a tendência universalmente verificada do alargamento da acção e fins -do Estado, rigidamente delimitada.
1 Ver Planiol et Ripert, obro e vol. cit., p. 557.
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Conforme acentua o Prof. Marcelo Caetano 1, a lei de 26 de Julho de 1912 não se limitou à referência vaga a uma utilidade pública abstracta, mus definiu os fins de utilidade pública que davam lugar à expropriação regulada na mesma lei. E, como já se viu, essa enumeração tem sido aumentada de 1912 para cá com novos fins de utilidade pública que diplomas com força de lei expressamente estabelecem.
Na lei de 1850, como já se viu, não havia enumeração dos fins de utilidade pública, mas aí a expropriação de determinado prédio era autorizada directamente por lei ou por decreto do Governo, sobre consulta da secção administrativa do Conselho de Estado. Portanto, a acção coactiva imposta ao particular entrava em contacto com este directamente por um diploma de carácter legal, que assim continha ao mesmo tempo a autoridade objectiva do reconhecimento da utilidade pública na própria expropriação autorizada.
O sistema da proposta pretende aproveitar da lei de 1850 a inexistência duma concretização, em regime de generalidade, dos fins de utilidade pública: mas vai buscar ao regime da lei de 1912 a simplificação do acto declarativo, citando em apoio da sua tese o princípio do artigo 7.º do decreto n.º 19:881, de 12 de Junho de 1931, que, seja dito de passagem, não é suficientemente claro ao dispensar que a obra aprovada se mostre incluída em qualquer dos fins de utilidade pública ao tempo fixados na lei.
Exemplificando: se amanhã o Governo entender que deve ser dado carácter de interesse público à instalação de determinado armazém de vinhos, na tese da proposta poderá fazê-lo, por acto administrativo convenientemente fundamentado, independentemente da lei que dum modo geral considere tais instalações de interesse público.
A Câmara Corporativa não deixa de reconhecer que as necessidades da colectividade dia a dia conduzem a novos aspectos de intervenção do Estado e, portanto, a um alargamento dos fins de utilidade pública justificativos da expropriação forçada dos bens particulares; porém, essa consideração não a impede de concluir pela conveniência de que a declaração de utilidade pública se mova sempre dentro dos motivos taxativamente designados na lei. Afigura-se de toda a vantagem separar o que é privativo dum acto legislativo e dum acto administrativo.
Acresce que o sistema constitucional português não contém limites de tempo à actividade legislativa que ponham em risco a oportunidade da publicação de qualquer diploma com força legal: a faculdade que assiste ao Governo de publicar decretos-leis a todo o tempo dá a esse respeito a maior tranquilidade.
Portanto a Câmara Corporativa, não desconhecendo que em outras legislações se segue o ponto de vista da proposta 2, sugere que à expressão «causa de utilidade públicas se acrescentem as palavras «prevista na lei».
16. Relativamente ao n.º 2 da base I, a Câmara Corporativa concorda, em princípio, com a doutrina nela exposta. Assente que não pode haver expropriação em relação a bens do domínio público, admite-se que eles, porém, possam ser afectados a outro fim de maior utilidade pública; e é de toda a justiça que as autarquias locais que ficam privadas desses bens tenham uma compensação, que por isso. deve constituir um direito, e não uma simples generosidade de quem promoveu
1 Manual de Direito Administrativo, 2.ª ed., p. 362.
2 Pascuale Carugno, 06. cit., pp. 27 e 40.
a alteração. Essa compensação é naturalmente dada em espécie, uma vez que os bens do domínio público carecem de valor venal 1.
BASE II
17. A redacção desta base não pressupõe só por si a subsistência do princípio do artigo 3.º da lei de 26 de Julho de 1912, segundo o qual é lícito o resgate das concessões de serviços públicos por acto unilateral das entidades concedentes, quando o resgate seja declarado de utilidade pública; efectivamente, bem poderia suceder que, mesmo sem a manutenção dessa faculdade, o título de concessão estabelecesse o resgate contratual, e assim a base, que nesse ponto define uma consequência e não o próprio condicionamento do acto principal, teria sempre campo de acção.
Porém, o n.º 3 da base XI corta cerce qualquer dúvida, pois aí se fala na declaração de utilidade (subentende-se pública) do resgate da concessão, o que portanto não deixa dúvidas sobre a continuação do regime actual; e, de resto, seria talvez anómalo que, sendo o resgate unilateral uma figura muito aproximada da expropriação, não fosse esse resgate considerado no que constituía ponto de partida para uma expropriação de bens acessórios.
18. O resgate por via unilateral de uma concessão de serviço público tem de comum com a expropriação a circunstância de ser imposto, assentar numa prévia declaração de utilidade pública e dar lugar a uma indemnização; %diferencia-se dela, porque não consiste numa transferência de propriedade. Pelo artigo 12.º da lei de 26 de Julho de 1912, o resgate só poderá ser imposto depois de decorrido um terço do prazo da concessão e .dá lugar a uma indemnização que abranja o valor industrial da empresa, o material móvel e imóvel, tendo-se em vista o que quanto a este se diga sobre o seu destino no final da concessão e os lucros cessantes.
O resgate contratual, pelo contrário, resulta de unia estipulação reciprocamente aceite, e por isso na sua efectivação há que observar as respectivas cláusulas do título de concessão. Em relação à concessão de distribuição de energia eléctrica dada por uma câmara, há que observar o que vem disposto no caderno de encargos-tipo aprovado pelo decreto n.º 15:861, de 16 de Agosto de 1928, e aí se contém, no artigo 22.º, o regime de resgate.
No resgate contratual não há, por conseguinte, declaração de utilidade publica, pois o seu fundamento reside no mútuo consentimento, expresso no contrato de concessão.
19. O resgate, quer se baseie em contrato, quer seja imposto por causa de utilidade pública, tem de realizar-se sem qualquer solução de continuidade na exploração do respectivo serviço. Sucede, porém, com frequência, ter o concessionário bens particulares estreitamente relacionados com a exploração.
Será, por exemplo, o caso dum bairro para o pessoal que trabalha no serviço dum edifício adquirido pela concessionária e em que ela montou a sua administração central. Se à entidade resgatante não fosse consentido alargar a sua apropriação a esses bens, poderia ser gravemente comprometida, na transição da exploração, a regularidade do serviço.
Por isso, o decreto n.º 21:880, de 18 de Novembro de 1932, providenciou no sentido de mediante despacho do Conselho de Ministros, ficar assegurada a expropriação de bens particulares afectados u exploração ou
1 Marcelo Caetano, ob. cit., p. 368.
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administração, em termos de o resgatante entrar na sua imediata posse. A base II da proposta não é mais do que a consagração desse regime, que, embora naquele diploma só estivesse referido às concessões dadas pelo Estado, devia considerar-se extensivo às concessões dadas pelos corpos administrativos.
BASE III
20. Não sofre contestação na doutrina que a constituição de servidões por via de autoridade não se integra no conceito de expropriação, o que bem se compreende se se atender a que nas servidões não se dá a mesma translação de um direito já existente, que na expropriação se verifica .
A lei de 23 de Julho de 1850 indicava, no artigo 48.º, algumas servidões, acrescentando no artigo 49.º que a indemnização deveria ser liquidada nos termos prescritos para a expropriação; São numerosas as servidões administrativas previstas aias nossas leis 1, para algumas das quais se prescreve um processo privativo para determinar a indemnização.
E o caso do decreto n.º 34:021, de 11 de Outubro de 1944, em que se declaram de utilidade pública as pesquisas e estudos de abastecimento de águas potáveis ou de saneamento, pesquisas que, dada a constituição geológica de certos terrenos, podem conduzir a uma completa e irreparável alteração no regime de águas subterrâneas dum prédio, com prejuízos incalculáveis.
Pelo artigo 2.º desse decreto, os proprietários são obrigados a consentir na ocupação das terrenos em que tenham de fazer-se as pesquisas, rum as necessárias escavações, montagens de canalizações, desvios de águas, etc., acrescentando-se no artigo 3.º que, salvo o caso de expropriação, serão estabelecidos, com carácter permanente, os ónus necessários à captação e condução das águas. Quanto a indemnização no caso de ocupação temporária, sómente será devida quando haja diminuição transitória ou permanente do rendimento dos terrenos, e, no caso de constituição de ónus permanentes, será limitada à efectiva diminuição do valor dos prédios.
21. Foi talvez tendo na mente este diploma, de conteúdo tão drástico e de execução tão melindrosa, que a proposta consignou o princípio de que em regra a constituição de servidões não dá lugar a indemnização, salvo se 1 se verificar diminuição efectiva do valor dos prédios servientes.
A Câmara Corporativa entende não dever aderir a esta tese, nos termos em que se acha formulada, e que é mister, para fixação de um regime justo, fazer distinção.
Em primeiro lugar, coerentemente com a posição tomada na base I, julga que também para a constituição de servidões é necessário que a causa de utilidade pública se ache prevista na lei.
Pressupondo todas uma lei que as autorize, as servidões administrativas podem ter realidade independentemente de qualquer acto da Administração. É, por exemplo, o caso das servidões non cedificandi em terrenos confinantes com estradas 2 ou nas proximidades de monumentos nacionais 3 e da proibição de plantar árvores nas proximidades de uma linha de caminho de ferro. Estas servidões não dão, em princípio, direito a indemnização.
Noutros casos a constituição da servidão pressupõe um acto administrativo de concretização da faculdade
1 Marcelo Caetano, ob. cií., p. 352.
2 Decreto-lei n.º 34:593, de 11 de Maio de 1945, artigo 33.º
3 Decreto n.º 20:983, de 7 do Março de 1932, artigo 45.º
4 Decreto do 31 de Dezembro de 1864, artigo 27.º
conferida na lei. E o caso da imposição dos ónus previstos no decreto n.º 34:021, em cujo artigo 5.º se declara que o Governo determinará em cada caso, e sob proposta dos serviços oficiais competentes, os terrenos onerados. Quando tal se der deve entender-se que há lugar à indemnização sempre que da servidão advenham prejuízos efectivos.
Com a redacção que sugere e que procura ser a objectivação das considerações que se acabam de fazer, a Câmara Corporativa não tem a pretensão de haver encontrado uma fórmula que em absoluto corresponda a uma classificação doutrinária impecável, mas julga deixar marcada uma directriz suficientemente clara, e tanto basta numa proposta de enunciação de bases.
B) Extensão da expropriação
(Bases IV, V e VI)
22. Quer na base IV, quer nas duas que se lhe seguem, trata-se, de um modo geral, da extensão da expropriação, mas sob aspectos nitidamente diferenciados. Na base IV procura-se acentuar o princípio de que a expropriação deve limitar-se ao estrito mínimo, dentro das necessidades da satisfação dó interesse (público a realizar, com os naturais limites, seja a favor do expropriante, seja a favor do expropriado, que o desenvolvimento futuro da obra ou a própria unidade do prédio expropriado devem impor; na base V visam-se directamente as exigências da urbanização, que não poderiam compadecer-se com a solução de não ser considerada, dentro do próprio sistema da obra a realizar, como seu complemento essencial, a garantia de uma «boa edificação urbana» (lei de 1912, artigo 7.º); na base VI prevê-se a realização de trabalhos a largo prazo, dentro de um vasto plano de conjunto, tornando-se, por isso, necessário encontrar uma solução equilibrada que assegure ao expropriante a satisfação do seu objectivo e permita ao expropriado o exercício do seu domínio até ao momento em que o desenvolvimento da obra o consinta.
BASE IV
23. Para melhor apreendermos o sentido do n.º 1 desta base figuremos um exemplo: o Estado pretende promover a construção de um aeródromo e desde logo prevê que o incremento do tráfego venha a exigir no futuro a afectação de uma maior superfície de terreno. E perfeitamente compreensível que desde logo lhe seja permitido apropriar-se da área que julga vir a ser necessária quando o serviço público tiver atingido maior grau de desenvolvimento.
Consentir que em torno do campo de aviação e em terrenos de antemão condenados a ser nele incorporados se criassem, até por efeito do novo empreendimento, condições económicas diferentes seria de todo o ponto inconveniente.
Portanto, em relação ao princípio da proposta, nenhuma objecção a Câmara Corporativa tem a fazer. Somente se lhe afigurou demasiado larga a. fórmula adoptada, pois a razão de ser da ampliação deve assentar numa convicção definida acerca das exigências futuras, e não apenas num vago sentido de possibilidade; daí a sugestão de que se substitua a expressão aquando previsíveis» por «concretamente previstas».
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faça, para salvaguarda daquela equivalente económico que está na essência da justa compensação.
Diverso tem sido, a tal respeito, o regime seguido na nossa legislação. Assim, a lei de 23 de Julho de 1850 fixava, em linhas gerais, nos §§ 6.º e 7.º do artigo 27.º, o seguinte regime:
a) Em relação a edifícios, o proprietário poderia sempre pedir a expropriação total;
b) Em relação a terrenos, o proprietário só poderia pedir a expropriação total se a parte residual não fosse superior a 1/4 o total, nem contígua a outro terreno do mesmo proprietário.
Era, sem dúvida, este sistema bem mais perfeito do que o adoptado na lei de 1912, em que se atribuiu sempre ao expropriado, sem ter em qualquer ordem de consideração a natureza do prédio expropriado, o direito de pediria expropriação total:
Com efeito, não parece razoável que, às vezes por uma insignificante parcela dum todo homogéneo, quiçá não essencialmente afectado pela desintegração, se obrigue o expropriante a um encargo inútil, criando-se, além disso, novos embaraços com o destino a dar à parte não necessária para a obra, com possíveis soluções de continuidade no seu aproveitamento económico. Foi para obviar a estes inconvenientes que, em relação aos planos de urbanização, o decreto n.º 33:921, de 5 de Setembro de 1944, veio estabelecer, no artigo 25.º, que, «no caso de expropriação de um prédio, poderá o proprietário requerer a sua expropriação total uma vez que a fracção restante haja perdido um destino útil».
E manifestamente neste sentido restrito que na proposta governamental é conferida a faculdade de o expropriado requerer a expropriação total. Também neste ponto a Câmara se manifesta de acordo com a orientação, apenas se lhe afigurando que é mister imprimir maior precisão ao critério adoptado.
Posta de lado, por demasiado rígida, a solução da lei de 1850, entende a Câmara que a simples possibilidade de a parte residual poder ser utilizada não traduz, em si, condição suficiente para afastar o exercício da alternativa conferida ao expropriado. Há, de certo modo, que atender à utilidade económica, na ordem qualitativa e quantitativa, por forma que em relação à primeira se não verifique alteração de essência e em relação à segunda, sem embargo de certa degradação a considerar na indemnização (ver adiante o n.º 5 da base X), possa subsistir a garantia dum aproveitamento eficiente.
Esse o sentido da alteração introduzida.
25. A limitação ao direito de pedir a expropriação total suscita um problema novo, qual seja o de determinar a fórmula processual adequada à controvérsia que possa levantar-se entre as partes acerca da apreciação, em concreto, das condições do prédio expropriado. No regime da lei de 1912 o caso não oferecia qualquer dificuldade, pois, «atando sempre na mão do proprietário requerer a expropriação, jamais haveria que fazer a investigação a que o novo sistema conduz.
Poderá a tal respeito colocar-se uma questão inicial: deverá tal averiguação decorrer ma fase administrativa da declaração de utilidade pública ou na fase jurisdicional da fixação da indemnização?
O que atrás se deixou dito sobre o condicionamento da alternativa facultada ao expropriado deixa entrever como meio mais idóneo para a averiguação a efectuar o da 2.º fase, na certeza de que, sendo naturalmente elemento fundamental desta fase a avaliação pericial, é esta diligência especialmente qualificada para aquilatar das circunstâncias de facto que determinam o reconhecimento ou não -reconhecimento de tal direito.
Porque se pretendeu, tanto quanto o consentia o conteúdo da proposta, não descer a detalhes de ordem regulamentar, será este um dos pontos a respeito dos quais o Governo providenciará, dentro da orientação marcada na base XIV-C.
BASE V
26. Também na hipótese prevista nesta base a expropriação vai abranger um espaço superior ao estritamente necessário à obra em projecto; porém, aqui não se trata de uma reserva previdente para uma eventual ampliação de instalações, pois busca-se antes assegurar a realização do que tem de considerar-se complemento fundamental da mesma obra.
É típico o caso de uma câmara municipal pretender modernizar um agregado urbano, promovendo a abertura de novos arruamentos: é evidente que o objectivo de interesse público seria completamento frustrado se a intervenção da autoridade municipal tivesse de confinar-se ao espaço destinado a leito da via pública e - lhe fosse vedado dispor dos terrenos contíguos para garantia da sua rápida utilização em construções que possam constituir moldura condigna das novas artérias de trânsito.
Não é caso inédito, e antes há disso exemplo em Portugal, ter-se procedido, dentro de uma cidade, à construção de uma aparatosa avenida, com muitos metros de largura e vários quilómetros de comprimento, e esse empreendimento haver caído no vazio, ostentando-se nas suas orlas, a algumas décadas da sua inauguração, simples terrenos de cultura cerealífera e traseiras inestéticas de quintais, de prédios com frente para vielas insignificantes. E isto porquê?
A resposta não é difícil: é que ao tempo da abertura da avenida, fosse por falta de legislação que o permitisse, fosse por defeito de orientação de quem guia os negócios municipais, apenas se concentrou a atenção sobre o melhoramento em si, não curando do arranjo das faixas marginais com vista a uma edificação bem ordenada.
Não deve esquecer-se que a apatia de um grande número de proprietários, a
Falta de capitais em relação a outros e ainda, em alguns, arraigado apego à cultura agrícola que, sob a influência de várias gerações de trabalho na terra, se mostra contrário a expansões urbanísticas estranhas ao habitat da sua sensibilidade, eis outros tantos factores a obstar ao desenvolvimento da construção, quando esta é deixada à iniciativa dos que viram os seus terrenos tocados por um novo arruamento.
27. Mas se a expropriação de faixas adjacentes se justifica por fortes razões de técnica urbanística, não pode negar-se que unia consideração de ordem
jurídico-económica vem robustecer o seu fundamento e impô-la como prática corrente. Referimo-nos à maior valia expressão que desde já propomos em substituição da mais valia, que é na verdade de uso corrente, mas conserva o vício de estrangeirismo, ou seja aquele aumento de utilidade que aos terrenos vizinhos advém do próprio melhoramento público.
«Como é óbvio, o proprietário não contribuiu, por sua acção, para a valorização do terreno, antes esta decorreu directamente de acto da entidade promotora do empreendimento: não é justo que ele se torne beneficiário exclusivo do aumento de valor.
O proprietário cujo prédio foi beneficiado pela obra de urbanização poderia ter sofrido a sorte do vizinho, que viu o seu terreno totalmente afectado à realização da obra: bastava que a implantação do melhoramento tivesse sofrido uma deslocação de alguns metros.
Este aspecto põe em evidência a falta de justiça da tese dos que defendem, dentro de um critério rígida-
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mente individualista, que na maior valia não deve a municipalidade ter participação.
28. A lei de 1912 estabeleceu no § 2.º do artigo 6.º que nas expropriações necessárias à abertura e regularização de vias públicas poderá abranger-se uma faixa, anexa e exterior, de largura não superior a 50 metros. O artigo 1.º, § 1.º, do decreto-lei n.º 28:797, de 1 de Julho de 1938, visa expressamente os terrenos contíguos aos necessários, à obra, mas chamando-lhes faixas marginais sobrantes; ora esta designação é menos rigorosa, pois dentro do nosso direito positivo existe um conceito próprio do terreno sobrante que não é compatível com a ideia de que tal terreno no momento de sei expropriado já o seja
como ... sobrante. A propósito da base IX, diremos com maior desenvolvimento o que é o terreno sobrante.
Por agora limitamo-nos a salientar o vício da expressão quando aplicada às faixas abrangidas na expropriação para efeitos de construção, vício esse cometido ainda no artigo 22.º do decreto-lei n.º 33:921, de 5 de Setembro de 1944.
Também não parece de aconselhar a adopção da fórmula e expropriação de zonas s como definindo a apropriação dos terrenos marginais de uma via, e isto pela natural confusão que se é levado a fazer entre expropriação de zonas e expropriação por zonas, de que nos ocuparemos na base seguinte, e representa modalidade estruturalmente diferente desta.
29. Ao analisar o texto do n.º 1 segundo a proposta do Governo, julga esta Câmara de vantagem manter a profundidade máxima de 50 metros, que vem da lei de 1912 e se apresenta como extensão razoável para o fim em vista. Como designação afigura-se-lhe mais rigorosa a expressão a faixa adjacente e contínua».
Quanto ao destino dessa faixa, entendeu esta Câmara que deveria eliminar do referido n.º ía palavra «urbanização», pois só na parte em que esta venha a traduzir-se em edificações e dependências destas tem sentido a, ideia de extensão da expropriação. Em relação ao terreno que venha a ser aproveitado em logradouro, deve antes supor-se que ele está abrangido no objecto específico do melhoramento em causa.
30. Salienta, e bem, o n.º 2 da proposta que a faculdade de expropriar faixas anexas não é inerente a qualquer obra avulsa de regularização de ruas, mas
tão-sòmente àqueles trabalhos que se integrem num vasto plano de urbanização.
O artigo 1.º do decreto-lei n.º 33:921, de 5 de Setembro de 1944, obriga as câmaras a levantar plantas topográficas e a elaborar os planos de expansão e urbanização das suas sedes, alargando o artigo 2.º essa obrigação aos centros de interesse turístico e artístico e a outras localidades importantes, e o artigo 21.º do mesmo diploma determina que, decorrido o prazo para elaboração dum plano, só serão autorizadas expropriações para abertura de ruas ou outros trabalhos de urbanização quando tais obras façam parte dum plano sistematizado, devidamente aprovado.
O n.º 2 da base V consagra esta regra, pondo em relevo o carácter excepcional do alargamento da área expropriada paia além do indispensável à própria obra. Como, porém, no § 5.º do artigo 10.º do decreto-lei n.º 33:921 se prevê a existência de planos parciais, o que bem se compreende dada a morosidade que naturalmente é imposta na elaboração do plano geral duma grande cidade, julgou-se de vantagem introduzir um pequeno acréscimo destinado a acautelar essa hipótese, certo, como é, constituírem esses planos parciais, em relação à área abrangida, outros tantos sistemas de urbanização, produzindo assim os efeitos do plano geral. Por plano particularizado, que é uma expressão consagrada na doutrina italiana, tem de entender-se o detalhe de execução da obra, com a exacta descrição dos imóveis a expropriar 1.
BASE VI
31. Projecta o Estado ou qualquer entidade pública tornar efectivo um melhoramento de vulto, que por sua natureza se deve realizar em prazo largo. Não há necessidade de proceder à expropriação imediata, pois isso significaria, por um lado, forçar o expropriante a um desembolso imediato, que poderia, em absoluto, comprometer o seu equilíbrio orçamental, e, por outro, privar o proprietário, sem vantagem, das utilidades que o prédio estava oferecendo. O que importa é acautelar o interesse do expropriante em que os proprietários dos terrenos não imediatamente afectados nos primeiros trabalhos não venham beneficiar do próprio melhoramento em marcha, vendo os seus terrenos valorizados pelo próprio início dos trabalhos. Para encontrar uma solução que dê satisfação a este objectivo, admite-se o escalonamento na realização da obra, mas desde logo se procedendo à declaração de utilidade pública em relação a toda a área para a obra no seu conjunto.
Por esta forma, e tendo em atenção o princípio adiante consignado no n.º 3 da base X (redacção sugerida por esta Câmara), mostra-se atingida essa finalidade, mas há também que acautelar o interesse particular do proprietário contra unia eventual alteração do plano e ainda o interesse geral da vida citadina, que também não se compadeceria com o impedimento de toda e qualquer transformação do prédio: este último aspecto levou logicamente à fixação dum prazo mínimo para a subsistência da declaração de utilidade pública ou, o que será o mesmo, para efectivação da expropriação relativa à última zona; e o primeiro teve como solução a admissibilidade duma compensação pelos prejuízos derivados duma situação que assentava numa perspectiva ao fim abandonada.
32. Expostas as linhas gerais de expropriação por zonas, convém pôr em relevo que o princípio da base VI encontra antecedente legislativo próximo nu lei n.º 1:909, de 22 de Maio de 1935 (urbanização da Costa do Sol), em cujo artigo 5.º se acha indicado um sistema de execução de trabalhos com expropriações escalonadas, e mais longínquo na lei de 9 de Agosto de 1888 relativa à construção da Avenida da Liberdade e ruas ad jacentes, paralelas ou incidentes, da cidade de Lisboa, embora nesta última o regime do escalonamento apareça confundido com o do aproveitamento das faixas marginais.
A Câmara Corporativa, ao estudar detidamente a redacção da base VI, entendeu que ela carecia de uma remodelação profunda, por forma a não subsistirem certos equívocos a que o texto poderia dar lugar.
33. Como não resultasse com nitidez se a noção de um conjunto a expropriar, tal como vem previsto na base, envolvia necessariamente a necessidade de mais do que um período de efectivação, deixou-se esclarecido que pode considerar-se fora dos limites em que rege o sistema da base V a designação de toda uma área com destino a determinado empreendimento de interesse público, escalonando-se ou não por zonas as expropriações a levar a efeito e assinalando-se como prazo máximo à expropriação por zonas o período de doze anos.
Na proposta não se marcava limite para o prazo total para a expropriação por zonas. Mas, assim como na
1 Ver Pasquale Carugno, ob. cit. p. 117.
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base V se julgou conveniente não deixar sem um limite-espaço a profundidade das faixas marginais, também na expropriação com «trato sucessivo» - assim se poderá chamar à expropriação por escalões - se teve por vantajoso fixar um
limite-tempo, dadas as considerações acima formuladas.
34. Afigurou-se pouco coerente a solução de a expropriação ser dada por efectivada tão-sòmente com o pagamento das indemnizações e de os prédios, na pendência do período de desenvolvimento da obra, «continuarem a ser usufruídos pelos seus legítimos titulares». Se a expropriação não está efectivada, deve considerar-se que o proprietário mantém o pleno domínio do prédio. embora com a restrição de que só a título precário, eu seja sem direito a indemnização pelas benfeitorias que levar a efeito, quando não sejam necessárias e urgentes. Embora com esta limitação, o direito exercido sobre terrenos sujeitos a expropriação não se assemelha a um usufruto.
É este o sentido do n. º 5 da base, na sugestão desta Câmara, devendo esclarecer-se que a não inclusão, na indemnização, da parte correspondente a benfeitorias não necessárias e urgentes não é mais do que a reafirmação do que já consta do artigo 181.º do Código de Registo Predial e artigo 24.º do decreto n.º 33:921, de õ de Setembro de 1944.
I
35. Quando se concebe a execução de um plano a largo prazo, é vulgar, seja por falta de continuidade no pensamento dos orientadores, seja porque o próprio decurso do tempo trouxe novos elementos de apreciação que desaconselham a realização do que inicialmente fora considerado proveitoso, é vulgar, dizíamos, abandonar-se a ideia primitiva e não tornar efectiva, em relação a alguns prédios, a projectada expropriação.
Não é justo que o proprietário tenha mantido, durante largos anos, aquela situação minorante, perdendo porventura boas oportunidades de efectuar a venda do prédio em condições vantajosas ou de o transformar convenientemente por forma a tirar dele um maior rendimento, e verifique ao cabo que todo o seu sacrifício resultou em pura perda.
Por isso se estabelece o princípio duma indemnização, prudentemente limitada ao que pudesse ter sido o dano proveniente da reserva para expropriação. Esta compensação pode aproximar-se, aliás, dos princípios que informam os artigos 1548.º e 711.º do Código Civil, dado que a declaração de utilidade pública, acompanhada da identificação dos prédios abrangidos pela expropriação, pode assemelhar-se a uma promessa de aquisição a propriedade.
36. O n.º 7 do texto sugerido por esta Câmara não carece de explicação,
impondo-se por maioria de razão a observância da limitação do n. º 2 da base V.
C) Destino dos bens expropriados
(Bases VII a IX)
37. O expropriante, uma vez de posse dos bens a que respeitou a declaração de utilidade pública, vai naturalmente adaptá-los, dentro dos prazos estabelecidos, ao fim que determinou a expropriação.
Porém, como já vimos, a expropriação abrange, em certos casos, terrenos que não se destinam à obra propriamente dita, e, antes, serão objecto de cedência a particulares para construção; por outro lado, há que prever sanções para o caso de o expropriante se desviar dos fins propostos na declaração de utilidade pública ou se mostrar negligente na observância dos prazos. Este o objecto das bases que, para melhor sistematização deste relatório, agrupamos sob esta epígrafe.
BASE VII
38. Referia-se a proposta, nesta base, à venda da propriedade ou direito de superfície, mas esta Câmara entendeu que, consistindo o direito de superfície numa figura jurídica instituída pela parte II da proposta, seria de toda a vantagem deslocar para essa parte todas as disposições relativas à constituição daquele direito. Efectivamente, regular casos de aplicação do direito de superfície untes de ter dele um conceito definido seria uma antecipação pouco aconselhável.
Desta sorte, todo o n.º 2 desta base deixou de ter aqui o seu lugar, sofrendo o n.º 1 da mesma a limitação correspondente. É evidente que, destinando-se a expropriação das faixas anexas a satisfazer as necessidades da edificação, o expropriante bem pode directamente satisfazer esse objectivo, promovendo a construção duma casa de proporções condignas com o local e destinada a um fim de interesse público, como seja a instalação dum serviço oficial.
O aproveitamento dos terrenos para a construção de casas económicas não oferece contestação, dado o § 3.º do artigo 18.º do decreto-lei n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933, mais tarde completado pelo decreto-lei n.º 23:860, de 16 de Maio de 1934.
Quanto, porém, aos terrenos que não forem aproveitados em qualquer destes fins, impõe-se, para evitar suspeições, o recurso à hasta pública como meio de interessar na aquisição o maior número de pessoas e permitir assim que funcione a correcção a introduzir no cálculo da maior valia (ver adiante as alíneas e) e f) da base X-A). De reato, esta orientação representa a manutenção do regime do artigo 7.º da lei de 1912 e uma aplicação, em concreto, do sistema preconizado nas nossas leis administrativas (v. g. o § 1.º do artigo 358.º do Código Administrativo).
39. Assegurava a proposta o direito de preferência ao dono do terreno expropriado, na venda em praça, e a Câmara Corporativa não vê inconveniente em que esse direito se mantenha, pelo que no n.º 2 o faz consignar expressamente, sem deixar de notar que a redacção do artigo 26.º do decreto-lei n.º 33:921 deixa dúvidas, em relação aos casos por este diploma abrangidos, acerca da subsistência do direito de preferência, que o artigo 7.º da lei de 1912 admitia. O n.º 3 corresponde ao artigo 8.º da lei de 1912, que se julgou de vantagem trasladar para as bases.
BASE VIII
40. No n.º 1 da proposta fixa-se o princípio de que haverá retrocessão dos bens expropriados quando não tiverem destino justificativo da sua aquisição; no n.º 3 desta base visa-se um novo caso de retrocessão, quando estejam em causa entidades particulares. Como na base IX se ventile um novo fundamento de retrocessão, qual seja o da ultrapassagem dos prazos fixados, julgou-se mais aconselhável sistematização assimilar à base viu a matéria da base IX, reservando para esta a fixação das regras relativas aos terrenos declarados sobrantes, que na nossa legislação sobre expropriação para caminhos de ferro têm um regime especial. Expondo assim o plano adoptado em relação a estas duas bases, vejamos os nossos antecedentes legislativos sobre retrocessão, ou antes, sobre reversão, pois era esta a expressão tradicionalmente adoptada. E neste particular afigura-se
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à Câmara Corporativa de vantagem manter a fórmula antiga, que se não presta a equívocos nem confusões.
41. Pelo § .1.º do artigo 27.º da lei de 23 de Julho de 1850, se os terrenos ou edifícios expropriados não fossem empregados na obra a que se destinavam, poderiam os proprietários requerer administrativamente a sua entrega, restituindo o que por eles receberam.
A este preceito claro e de fácil execução contrapôs a lei de 26 de Julho de 1912 um diferente fundamento de reversão, ou seja o da inobservância do prazo designado para o começo da obra, uma vez que para tal tivesse contribuído a negligência dos expropriantes. Este preceito tornou-se, em regra, letra morta, pois se, por um lado, o mais elementar simulacro de início de trabalhos afastava a cominação, por outro lado, a falta de regulamentação adequada ao exercício da faculdade deixava campo aberto para as mais desencontradas soluções.
Mantinha-se de pé a via administrativa da lei de 1850, ou seriam os meios judiciais o caminho indicado para quem quisesse definir o seu direito? O artigo 7.º n.º 2.º, do decreto n.º 17:508, de 22 de Outubro de 1929, veio, em relação às expropriações urgentes, prescrever que também o facto de o prazo da conclusão da obra - aliás susceptível de prorrogação igual a metade do prazo inicial - se mostrar excedido daria lugar a reversão. E pelos §§ 1.º e 3.º do referido artigo a reversão seria ordenada pelo juiz, averiguado o facto que a determinara, e contra o depósito da quantia recebida pelo expropriado.
42. A Câmara Corporativa, ao estudar este aspecto do problema das expropriações, manifesta-se em concordância com o Governo, no sentido de estabelecer que a reversão deve ter lugar tanto no caso de desvio do fim proposto como no de a obra não se mostrar realizada no prazo inicialmente fixado ou em prorrogação devidamente autorizada. É nessa conformidade que se acha redigido o n.º 1 da base no texto sugerido por esta Câmara.
Tem sido muito discutido pelos juristas se a faculdade de reversão representa uma condição resolutiva tácita, ou se é antes um a poder legal de comprar», na expressão sugestiva de Santi Romano 1. O simples enunciado da questão revela o seu interesse, mas, como é óbvio, não há que tomar, nas bases, posição acerca de problemas doutrinários desta ordem. Apenas cumpre salientai que se julgou necessário dar relevo a que a reversão é facultativa para o expropriado. Na verdade, seria violento forçar o expropriado, que já havia disposto as coisas partindo do princípio de que os bens não regressariam ao seu património, a recuar sobre os seus passos e a desembolsar o dinheiro recebido, e que poderia já ter sido investido em outros valores que lhe permitissem reconstituir o seu regime económico na parte respeitante aos bens expropriados. Consignou-se também que a reversão se obtinha contra a reposição da quantia recebida, o que está de acordo com a doutrina tradicional e era princípio exarado nos artigos 60.º a 63.º da lei italiana de 1865, que o decreto de 11 de Março de 1923 modificou no sentido de forçar o expropriado a indemnizar de qualquer aumento de valor do solo verificado posteriormente à indemnização 2.
43. A redacção do n.º 3 da proposta é equívoca, pois a referência a aquisição por entidades particulares
1 Diritto Amministrativo, edição de 1912, p. 584.
2 Ver Pascuale Carugno, ob. cit., p. 269.
deixa dúvidas sobre se foi intuito do legislador considerar o caso de uma expropriação promovida por entidades particulares ou a hipótese de se acharem na mão de particulares, por venda, as fracções do prédio não aproveitadas na obra propriamente dita.
A aproximação com o n.º 1, em que nitidamente se visa a transmissão de bens efectuada pela própria expropriação, conduziu, porém, a Câmara a supor que se pretendia criar um novo caso de reversão em relação a expropriações promovidas por entidades particulares (v. ff. empresas mineiras 1, companhias ferroviárias 2, empresas concessionárias- de aproveitamentos hidráulicos para a agricultura ou indústria 3, empresas exploradoras de indústrias de alto interesse nacional 4, etc.). Esse caso é o de os bens expropriados terem servido o fim para que foram adquiridos, dando-se assim satisfação ao objecto da expropriação, mas em dado momento, ou por abandono de exploração ou motivo semelhante, haver cessado essa aplicação.
Para tal caso julgou-se de justiça admitir que houvesse direito a pedir a reversão dos bens, mas, porque a aplicação dos bens ao fim de interesse público chegou a realizar-se, não fazia sentido que o expropriado, a troco do preço de um terreno, recebesse os terrenos com as obras neles efectuadas. Também se mostrou conveniente tornar mais claro o pensamento da proposta, esclarecendo que o período de trinta anos, nela considerado, se reportava à data da expropriação, mantendo-se, quanto ao resto, o princípio da proposta, e assim considerar subtraída à faculdade de reversão as hipóteses de os bens, por lei, deverem ser integrados no domínio do Estado ou das autarquias ou de lhes ser dado um novo destino de utilidade pública.
Bem se compreende que aqui o direito à- reversão seja mais limitado, pois pela própria -embora não duradoura- afectação dos bens expropriados ao fim que determinou a declaração de utilidade pública consolidou-se a nova situação, só se justificando o retorno ao antigo estado de coisas se não puder dar-se realidade a qualquer novo destino de utilidade pública. E também é óbvio que este fundamento de reversão só deverá existir em relação às expropriações promovidas por entidades particulares, porquanto em relação ao Estado ou autarquias existe sempre, em potência, a possibilidade de um novo aproveitamento na esfera da utilidade pública.
44. Tendo, na forma exposta, a Câmara Corporativa trasladado para o n.º 2 a matéria do n.º 3 da proposta, consignou num número à parte n.º 3 no texto que sugere - o princípio de a reversão ser obtida por via administrativa. Ofereciam-se dois critérios: o da lei de 1850, em. que se preconizava o sistema da via administrativa, e o do decreto n.º 17:508, em que se atribui ao juiz a competência para declarar a reversão. Poderia ainda considerar-se uma outra solução, a de distinguir entre caducidade e reversão, reportando-se aquela propriamente à declaração de utilidade pública e esta ao destino dos bens. Não se julga necessária esta discriminação, que de certo ânodo vinha admitida na base IX da proposta governamental na hipótese de excesso de prazo.
A Câmara Corporativa, ao considerar este caso, tem em atenção que o expropriado recebeu, com o preço da indemnização, tudo aquilo a que tinha direito e que, por conseguinte, o direito de reversão não significa, pró-
1 Decreto n.º 18:713, de 1 de Agosto de 1930, artigo 55.º, § 1.º
2 Decreto-lei n.º 22:562, de 23 de Maio de 1933, artigo 1.º
3 Decreto n.º 5:787-IIII, de 10 de Maio de 1919, artigo 53.º
4 Decreto-lei n.º 33:502, de 21 de Janeiro de 1944, artigo 1 º
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priamente, um elemento estrutural da equivalência de valores patrimoniais que está na base de qualquer expropriação, mas antes uma manifestação de respeito para com o antigo dono dos bens expropriados, reconhecendo-se-lhe a faculdade de promover o restabelecimento do statu que ante, uma vez que se não mostra realizado o objectivo visado com a expropriação. Nestas circunstâncias, porque se trata de um direito que poderemos chamar suplementar, é de todo o ponto justo que a averiguação do facto que determina a reversão se faça com prudência e fora dos moldes rígidos, que, por natureza, teriam de caracterizar uma intervenção judicial.
No desenvolvimento da execução de uma obra de interesse público surgem, a cada passo, vicissitudes imprevistas ou dificuldades de ordem técnica ou administrativa, que nem sempre consentem que os prazos possam ser observados com absoluto rigor. Por outro lado, na caracterização do desvio do fim de interesse público que justificava a expropriação há por vezes aspectos delicados, em que afluem notas tangenciais de destinos afins, que só podem ser apreciados dentro do próprio sistema em que tomou corpo a declaração de utilidade pública.
Nestas circunstâncias, a Câmara Corporativa inclina-se abertamente para a solução de se entregar à Administração o deferimento do pedido de reversão feito pelo expropriado, julgando suficientemente acautelado o respeito pela legalidade com o recurso para o contencioso administrativo, que, consoante a regra do nosso direito positivo 1, ficará à disposição de quem com o respectivo acto se considerar lesado.
BASE IX
45. Já se fez referência à impropriedade com que vários textos da nossa lei empregam a expressão terrenos sobrantes. Julgou-se de vantagem deixar esclarecido que ela só tem sentido quando reportada aos casos em que, por força de lei, existe um acto declaratório formal.
Considerou-se, designadamente, a hipótese versada nos artigos 1.º e 2.º do decreto n.º 22:562, de 23 de
Maio .de 1933, relativa a expropriações para construção de caminhos de ferro. E frequente, ao levar-se a efeito a expropriação para serviços ferroviários, haver necessidade de prever um espaço superior ao que imediatamente vai ser utilizado: por exemplo, no terrapleno destinado a uma estação deixar uma faixa de reserva para unia eventual linha de resguardo, caso as exigências do tráfego a venham a impor. Só ao fim de muito tempo se poderá averiguar da desnecessidade de tal área, e então $ à administração pública os bens, seja quem for o expropriante ou adquirente, são sempre do domínio público (decreto n.º 22:562, artigo 2.º) - que compete, na oportunidade que houver por bem definir, declarar formalmente essa faixa como terreno sobrante, para os seguintes efeitos: os terrenos poderão ser aproveitados, pelo Estado ou autarquias locais, para obras de interesse público geral ou local, e, quando não se verifique esta circunstância, serão os antigos proprietários convidados a usar do direito de reversão sob a cominação de renúncia quando não compareçam no local para isso designado (decreto citado, artigos 3.º, 4.º e 5.º). Uma vez não efectuada a reversão, proceder-se-á à venda em hasta pública (decreto citado, artigo 6.º).
46. Acontece com frequência nas expropriações, mormente quando estas abrangem faixas anexas para cons-
1 Decreto n.º 18:017, de 27 de Fevereiro de 1930, Artigo 1.º, e Código Administrativo, artigo 815.º
trução, ficarem uns pequenos tratos de terreno insusceptíveis de aproveitamento com economia autónoma.
O artigo 358.º, § 3.º, do Código Administrativo refere-se umas nesgas desgarradas, dispensando-as da regra da hasta pública; a Câmara Corporativa retoma a doutrina desse preceito, definindo mais nitidamente o natural destino que deve ser-lhes reservado, no que se coloca dentro do pensamento da antiga lei de 21 de Julho de 1857 (artigos 1.º e 2.º) e do artigo 8.º do decreto n.º 19:502, do 24 de Março de 1931 (melhoramentos rurais).
Julgou-se desnecessário, por decorrer directamente do estabelecido no n.º 2 da base IV, inserir o texto proposto pelo Governo na segunda parte da base IX.
D) Critério para a fixação de indemnização
(BASE X e X-A)
47. A base X da proposta governamental tem por objecto um dos pontos essenciais do instituto da expropriação: os elementos a considerar para a fixação do valor. Da aproximação dos n.ºs 1 e 3 verifica-se que ao lado dum regime-regra se estabeleceu um regime-excepção para o caso de se tratar de expropriações de terrenos para urbanização em que ao lado da realização do melhoramento público se visa o objectivo da construção. Nestas circunstâncias, e porque as alterações sugeridas tornavam a base demasiado grande, fez-se um desdobramento, passando para a base X-A tudo o que respeita ao regime excepcional.
BASE X
48. Diz o Prof. Marcelo Ceatano 1 que:
A indemnização corresponde à reposição no património do expropriado do valor dos bens de que foi privado, por meio do pagamento do seu justo preço em dinheiro.
Este deve, em verdade, ser o grande princípio orientador. O benefício social obtido com a realização de interesse público que determina a privação do domínio não deve envolver uma modificação na situação económica do particular atingido. De que forma, porém, realizar tal princípio, cujo fundamento não é, dum modo geral, sujeito a contestação?
Apresenta-se em regra como critério anais conforme com o objectivo em vista adoptar-se como valor do prédio expropriado o preço que lhe seria atribuído se, em condições normais, ele fosse vendido voluntariamente. Mas, e nisto está a grande dificuldade, se realmente aquele prédio não tem sido há largo tempo objecto de transacção, se nas imediações também não se têm verificado vendas de bens semelhantes, se realmente no prédio concorrem circunstâncias especiais que o colocam fora duma estandardização de valores, onde encontrar a expressão numérica que traduza aquela equivalência patrimonial?
Dada a dificuldade de determinar directamente o preço ocasional e corrente de determinado prédio, tem-se buscado elementos diversos, em maior ou menor grau de influência ou em menor ou maior grau de correcção, para, por aproximação, se chegar a um resultado tido por justo.
49. Na nossa lei de 1850 (artigo 27.º) o valor da propriedade era calculado de harmonia com as instruções mandadas observar na avaliação dos prédios e foros da Fazenda Nacional.
Manual de Direito Administrativo, 2.ª edição, p. 368.
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A lei de 26 de Julho de 1912 estabeleceu, no § 6.º do artigo 16.º, para base da avaliação o rendimento, o que, de certo modo, estava de acordo com o sistema do Código de Processo Civil de 1876 (artigo 253.º, n.º 1.º),e para cálculo desse rendimento (mandava atender em primeiro lugar ao rendimento matricial e também ao rendimento efectivo, se este for superior. Em torno deste regime legal foi-se desenvolvendo larga jurisprudência, que, de radical a princípio, se foi tornando mais favorável ao expropriado, admitindo uma fixação de rendimento efectivo por estimativa, e portanto com
dispensa de prova de arrendamento nos prédios urbanos 1, e estendendo latitudinàriamente o benefício da alínea a) do § 9.º aos casos em que se buscava como ponto de partida o rendimento efectivo 2. Era visível a tendência para substituir o critério do rendimento pelo do valor real e corrente, já consagrado nas expropriações para melhoramentos rurais (decreto n.º 19:666, de 30 de Abril de 1931).
O decreto-lei n.º 28:797, de 1 de Julho de 1938 (obras dos Centenários), estabeleceu como base o valor real e corrente do prédio, durante os últimos três anos (artigo 2.º, § 2.º); simplesmente retirou à determinação desse valor toda e qualquer jurisdicionalidade, entregando a definitiva resolução do assunto a três árbitros. Grandes e justificados foram os protestos a que deu lugar o sistema, a que veio pôr termo, em boa hora, a, lei n.º 2:018, de 24 de Julho de 1946, admitindo recurso da decisão dos árbitros para o tribunal judicial. Quanto ao critério para a fixação da indemnização, foi no artigo 18.º do decreto n.º 35:831, de 27 de Agosto de 1946 - que é o diploma regulamentar da lei n.º 2:018, reafirmado o princípio de se atender como único ponto de referência ao valor real e corrente durante os últimos três anos.
Não deve esquecer-se também que o novo Código de Processo Civil, embora partindo do rendimento, adoptou no artigo 607.º, n.º 1.º, a possibilidade de correcções derivadas de circunstâncias que possam influir no valor venal.
50. Nestes termos, a solução adoptada pelo Governo como regra, e que se acha expressa no n.º 1 da base X, merece a inteira aprovação desta Câmara, pois ela consagra o resultado de uma larga evolução da jurisprudência e mantém o que os diplomas anais recentes estatuíram. O pagamento dos ónus e encargos pela massa da indemnização não merece também discussão nem constitui novidade (lei de 1912, artigo 13.º).
51. O artigo 17.º da lei de 1912 assegurava ao proprietário do estabelecimento comercial ou industrial instalado no prédio há mais de cinco anos uma indemnização a pagar suplementarmente pelo expropriante. Não havia qualquer limite ao montante desta indemnização, mas o artigo 1.º da lei n.º 438, de 15 de Setembro de 1915, veio fixá-lo em 10 por cento do valor que for dado aos prédios a expropriar, acrescentando-se, no § único, que, se no mesmo prédio houver mais do que um estabelecimento, o limite é elevado a 15 por cento e a indemnização será rateada na proporção em que cada um tiver contribuído para o aumento do valor locativo.
O decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, ao mesmo tempo que no artigo 120.º revogava expressamente o artigo 1.º da lei n.º 438, determinou, no artigo 54.º,
1 Acordão da Relação do Porto de 11 de Junho de 1927, na Revista dos Tribunais, ano 46.º, p. 105; ver também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1927, na Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 59, p. 350.
2 Assento de 20 de Dezembro de 1932, na Colecção Oficial, ano 31.º, p. 320.
que ao estabelecimento corresponderia uma indemnização que poderia ir a 20 por cento do valor dado ao prédio, fixando no § único regime semelhante ao do § único do referido artigo 1.º, apenas com o limite elevado para 30 por cento. ,
A redacção do artigo 54.º deixou logo de pé esta dúvida grave: a omissão de qualquer referência à antiguidade do estabelecimento no prédio significava a eliminação da condição de ura mínimo de cinco anos? Se, por um lado, o artigo 1.º da lei n.º 438 - que o artigo 54.º veio substituir - era de certo modo uma norma, regulamentar do princípio do artigo 17.º da lei de 26 de Julho de 1912, que não fora expressamente revogada, tanto que no aspecto processual .º artigo 13.º do decreto de 15 de Fevereiro de 1913 continuava de pé, por outro lado, a alteração do texto da. lei n.º 438 parecia ter um manifesto sentido de ampliação do direito, interpretação que várias decisões jurisprudenciais vieram sancionar.
Nova precipitação veio revelar o § 2.º do artigo 1.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924, no qual se dispôs que a indemnização devida ao arrendatário de estabelecimento comercial ou industrial seria calculada nos termos do artigo 53.º e parágrafos do decreto n.º 5:411, que lhe fixavam um limite máximo de vinte vezes a renda anual. Porque este último sistema vinha diluído num preceito em que se curava especialmente de indemnização devida no caso de despejo pelo senhorio, fez-se de um modo geral sobre ele o silêncio de Conrado, continuando a indemnização a ser calculada segundo o regime do artigo 54.º do decreto n.º 5:411.
Na base II da lei n.º 2:018, de 24 de Julho de 1946, , há referência expressa ao estabelecimento instalado há mais de cinco anos, mas, dado o carácter nitidamente processual do texto, não poderá, em boa verdade, considerar-se resolvido o problema a que atrás se aludiu.
52. A proposta do Governo retoma a solução do decreto n.º 5:411, com a diferença de que, mesmo havendo mais do que um estabelecimento, o limite seria sempre é mesmo, ou seja de 20 por cento do valor dado. ao prédio. Julgou oportuno esta Câmara resolver definitivamente as questões levantadas, fixando um sistema harmónico e de equilíbrio entre os diversos interesses em causa. E assim:
a) Relativamente à condição de um período mínimo de existência do estabelecimento no prédio, entendeu-se que realmente o prazo mínimo de cinco anos é de considerar, como condição de uma indemnização em que se deve atender essencialmente à perturbação causada na continuidade do negócio. E só ao fim de considerável lapso de tempo pode ter importância a questão do local do estabelecimento. No entanto, assegurou-se ao arrendatário, com um período dê permanência inferior, uma compensação igual ao custo de obras de adaptação que porventura, tenha feito, pois não seria justo que visse redundar em pura perda desembolsos efectivos em obras feitas de boa fé;
b) Relativamente ao critério para a fixação da indemnização, entendeu-se, dentro da orientação até hoje seguida, que ela deveria variai? consoante as circunstâncias, mas com um limite máximo. Discutiu-se se esse limite deveria reportar-se ao valor dado ao prédio ou a qualquer outro ponto de referência e, em especial, à renda. Adoptou-se a solução de estabelecer um limite de indemnização reportado ao valor do prédio, atendendo-se para isso às seguintes considerações: por
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um lado, trata-se sómente de um limite, e não do valor concreto da indemnização, pelo que, dentro embora do limite, poderão e deverão funcionar os factores directamente relativos aos prejuízos efectivos sofridos pelo arrendatário; de outro lado, o critério da renda não é de aceitar, porque não há relação directamente proporcional entre ela e o valor do estabelecimento, acontecendo até ser este tanto maior quanto menor aquela se apresentar; de outro lado ainda, o critério do valor do prédio, ou, melhor, da parte do prédio ocupada pelo estabelecimento, está mais em correspondência com o quid que se pretende indemnizar e tem por si a grande vantagem da simplicidade de aplicação;
c) Na fixação do limite veio naturalmente à discussão a relevância que deveria atribuir-se ao facto de no prédio existir mais do que um estabelecimento, e também ao problema, inexplicavelmente não agitado nos nossos tribunais, que consiste em saber se quando o estabelecimento não ocupa a totalidade do prédio o máximo da indemnização deve reportar-se ao valor do prédio inteiro ou à parte, rateadamente calculada, correspondente às dependências ocupadas pelo estabelecimento. Embora, pelo disposto no § único do referido artigo 54.º, uma análise superficial do assunto possa conduzir à solução de que os 20 ou 30 por cento são sempre reportados ao valor dado ao prédio na sua totalidade, a verdade é que o problema deve considerar-se em aberto, pois nada obsta a que se entenda respeitar também o § único à hipótese de o prédio estar todo destinado a comércio, embora com mais do que um estabelecimento.
Esta Câmara não pode aceitar a solução de que o limite da indemnização seja o mesmo quando num prédio de diversos andares exista apenas uma pequena loja instalada restritamente numa dependência e quando, ao contrário, nele exista um vasto estabelecimento ocupando mais do que um andar; o absurdo tornava-se mais patente se, em relação a duas lojas de igual importância, esse limite pudesse ser diferente por uma se achar instalada num prédio de pequenas dimensões e outra num vasto edifício. For outro lado, também se afigura menos conveniente a mútua influência dos diversos inquilinos comerciais. A indemnização de cada um deve ser autónoma e proporcionada ao espaço que o respectivo estabelecimento ocupa.
Desde que o limite da indemnização seja calculado não sobre a totalidade do prédio, mas só sobre a parte ocupada pelo estabelecimento, é óbvio que a percentagem terá de ser aumentada: daí propor-se a elevação para 40 por cento;
d) A situação dos escritórios onde se exercem profissões liberais mereceu também à Gamara a melhor atenção. Na verdade; a situação dos arrendamentos para esse fim é hoje anómala, podendo dizer-se que estão sujeitos a todos os encargos que pesam sobre o inquilinato comercial, mas não gozam algumas das suas vantagens. Assim é que os contratos estão sujeitos a especiais condições de validade formal 1, incide sobre eles o imposto do selo 2, é consentida, em certos casos, a elevação de renda através de uma avaliação pedida pelo senhorio 3 e
consideram-se equiparados, no plano de actualização de rendas a que se refere a parte IV desta proposta de lei, aos arrendamentos comerciais. Porém, em contrapartida, não pode adaptar-se-lhes, no campo dos efeitos civis, o benefício do traspasse, nem lhes é assegurada a estabilidade definida no artigo 58.º do decreto
1 Decreto-lei n.º 27:235, de 23 de Novembro de 1936, artigo 2.º, e assento de 27 de Maio de 1947 publicado no Diário do Governo n.º 146, 1.ª série.
2 Decreto-lei n.º 27:235, artigo 1.º
3 Lei n.º 1:981; de 3 de Abril, artigo 4.º
n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, no caso de morte do arrendatário 1. A integração dos arrendamentos destinados ao exercício de profissões liberais no inquilinato comercial, por via de uma identidade de ordem fiscal (decreto n.º 5:411, artigo 52.º, § único), deixou de existir no momento em que uma reforma tributária 2, pôs termo a essa identidade, mas precisamente é na ordem fiscal - mas agora exclusivamente - que volta a surgir.
A expropriação traz normalmente ao escritório de uma profissão liberal um dano importante, não só no que respeita ao movimento de clientes, mas até - particularmente em relação aos consultórios médicos - no que se refere a dispendiosíssimas instalações ali montadas, como sejam laboratórios de análises, aparelhagem de radioterapia, etc. Portanto, considerou-se de elementar justiça consagrar o princípio da indemnização, na certeza de que o artigo 54.º do decreto n.º 5:411 também a admitia, dada a generalidade com que o § único do artigo 52.º estabelecia a equiparação.
53. O n.º 2 da proposta passou a ocupar, na redacção sugerida por esta Câmara, o n.º 3 e sobre o seu objecto não se torna necessário largo esclarecimento, tanto mais que se trata, nas suas linhas gerais, da reprodução do disposto no § único do artigo 18.º do decreto n.º 35:831. É em relação à declaração de utilidade pública que deve reputar-se referido o estado de coisas que a expropriação consequente vem encontrar, acautelado como já foi, no n.º 5 da base vi, o caso de expropriação diferida por zonas; o § 7.º do artigo 16.º da lei de 1912 já continha uma providência de análogo alcance. Tão-pouco deverá realmente
atender-se a qualquer valorização derivada de um melhoramento público recente. O valor real não pode ficar à mercê de circunstâncias meramente fortuitas.
54. É sugerida uma alteração na redacção do n.º 4 da base X, por se supor que fica mais rigorosamente expressa a ideia que a ditou e cuja doutrina essencial não parece oferecer dúvidas.
55. Já se viu, a propósito do n.º 2 da base IV, que a expropriação pode recair apenas sobre uma parte do prédio, seja porque o expropriado não requereu a expropriação total, seja porque a esta não tinha direito. O valor da indemnização representa uma parte proporcional ao valor total do prédio, com o aumento de encargos inerentes à divisão - v. g. vedações - e ainda a própria depreciação derivada do desmembramento. Havia, portanto, que completar o texto proposto pelo Governo, cuja redacção, demasiado geométrica, punha de parte a correcção que já criteriosamente a alínea ff) do § 9.º do artigo 16.º da lei de 26 de Julho de 1912 admitia.
BASE X-A
56. A matéria desta base, que corresponde ao n.º 3 da base X na proposta do Governo, respeita a um problema, assas controvertido, e que põe, frente a frente, por vezes em debate apaixonado, o velho conceito da propriedade privada e a modalidade mais recente da sua função social.
Trata-se, precisamente, daquele aspecto em que o instituto da expropriação mais se liga à causa da habitação, pois visa-se transformar terrenos de cultura em
1 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 1932, na Revista dg Legislação e Jurisprudência, ano 65.º, p. 172.
2 Decreto n.º 16:331, de 13 de Abril de 1929, artigo 61.º n.º 2.º
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áreas urbanizadas, abrindo-se ruas, praças e jardins ou grandes vias de comunicação, que serão outros tantos incentivos a uma ampla obra de edificação. É nos próprios terrenos, dizem uns, que reside o potencial económico que vem a consentir a sua transformação: é, tão-sòmente, no empreendimento promovido pela entidade pública, aduz-se ex adverso, que se encontra a chave da valorização, e, por isso, os proprietários expropriados não têm direito a qualquer compensação que não seja o preço corrente do prédio na sua graduação actual. Que pensar de tão desencontradas opiniões, algumas das quais expressas em representações dirigidas a esta Câmara por colectividades de respeitável tradição?
57. Em primeiro lugar, deve acentuar-se que da proposta do Governo não resulta que, no caso de expropriações de terrenos para construção, deva alterar-se o princípio fixado no n.º 1 da base X, ou seja o do valor real do prédio expropriado.
Simplesmente acontece que o próprio objectivo da obra e as perspectivas tão directamente palpáveis acerca da valorização futura tornam difícil isolar o que possa ser a expressão do estado actual do prédio do que represente uma antevisão de realizações futuras. Daí lapsos frequentes, que aconselham a afastar o sistema do apuramento directo do valor real e a procurá-lo antes através de uma decomposição nos elementos estruturais: o valor, descarnado e objectivo, do actual, e o quantum de maior valia a atribuir ao prédio, por aquilo, que deve ser-lhe imputado como comparticipação na melhoria do conjunto.
Efectivamente, não se aceita em absoluto a opinião de que o valor potencial do terreno é circunstância de que deve fazer-se tabula rasa no montante da indemnização a fixar.
E, assim, ao lado daquele valor potencial que pode advir da circunstância de se tratar dum terreno já confinante com uma via pública - por exemplo, afluente daquela cuja abertura se projecta -, valor esse que normalmente se admite como elemento a ter em linha de conta 1, poderá ainda conceber-se como um coeficiente de valorização - em pequena escala, aliás - a circunstância de haver sido escolhido como local idóneo para trabalhos de urbanização.
A determinação do valor real e definitivo é operação demasiado complexa para se obter duma assentada. E por isso aceita-se a decomposição proposta pelo Governo, como modus faciendi para uma mais objectiva fixação do valor corrente, na certeza de que não é caso inédito este de se buscar uma resultante através de elementos diversos: basta citar-se o exemplo de certas leis fiscais que, para tributar lucros, tomam para base o volume de transacções 2.
58. Admitida em princípio a base da proposta, entendeu, porém, a Câmara que lhe devia introduzir alterações que atenuassem alguns dos inconvenientes e tornassem mais claro o seu pensamento.
Assente que a determinação do rendimento actual do terreno se deveria fazer dentro dum critério objectivo, julgou-se, porém, que o rendimento matricial poderia ser fonte de injustiças, pela falta de rigor que, em regra, se nota nas matrizes rústicas. Em relação aos concelhos em que vigora o regime do cadastro geométrico da propriedade rústica estava naturalmente indicado qual o valor a considerar, dado o critério que
1 Pasquale Carugno, L'Espropriazione per publica utilità, 1938, pp. 171 e 172.
2 Decreto n.º 21:950, de 7 de Dezembro de 1932, e decreto-lei n.º 80:594, de 17 de Julho de 1940 (petróleos).
preside à sua elaboração e cuidado posto na sua actualização. Embora seja reduzido o número de concelhos em que vigora, a introdução da regra da alínea b) do texto sugerido pela Câmara tem alcance como sentido de orientação.
A fixação da primeira parcela da indemnização nos restantes concelhos visa a suprir a falta do rendimento cadastral, e por isso a correcção que se admite ao valor matricial na base do rendimento efectivo líquido tem de fazer-se dentro dum sentido objectivo e, portanto, em presença de números reais e não de estimativas abstractas. Deixa-se esclarecido que não se atenderá a quaisquer factores relativos ao valor venal ou potencial do terreno.
59. Supõe-se suficientemente acautelado o interesse do expropriado com uma comparticipação na maior valia nos termos equilibrados em que esta é de admitir. A base de 20 por cento proposta pelo Governo, e que esta Câmara mantém, dá margem para cobrir qualquer diferença que na fixação da primeira parcela possa resultar em detrimento do proprietário. Na verdade, a maior valia é computada na diferença existente entre o valor do terreno no momento da declaração de utilidade pública e aquele que lhe corresponde depois de realizada a obra.
Ao contrário do que vem estabelecido no artigo 26.º do decreto-lei n.º 33:921, não se acrescenta ao valor (primitivo dos terrenos o custo das obras; portanto, os encargos da urbanização não vão afectar o cálculo da valorização sobre a qual é garantida ao expropriado a percentagem de 20 por cento. Essa maior valia é fixada por estimativa, mas pode vir a ser corrigida por efeito da venda em praça dos terrenos.
Buscando-se, tanto quanto possível, valores objectivos, não faria sentido que, perante uma realidade, se deixasse subsistir o resultado de uma simples estimativa. No entanto, pode dar-se o caso de a correcção não ter objecto possível, seja porque os terrenos marginais foram destinados a edifícios públicos, seja porque apenas se atribuiu aos particulares o direito de
superfície, o qual se constitui ou mediante o pagamento e uma quantia necessariamente inferior ao preço do terreno, ou até sem qualquer pagamento imediato, casos em que não existe base para a correcção.
Porque assim é, prescreve-se como regra geral o cálculo antecipado da. maior valia, providenciando-se no n.º 2 da base XIV no sentido de assegurar a exequibilidade da correcção.
60. A avaliação prévia da maior valia corresponde também a um outro aspecto, expressamente focado na alínea c) da base X-A: é que, diferentemente do que sucedia no regime da lei de 1912, os beneficiados com a percentagem da maior valia não são apenas os proprietários cujos terrenos venham a ser objecto de venda para construção, mas também aqueles cujos prédios são aproveitados na própria obra ou em algum fim de interesse público. Todos serão contemplados com a parte que lhes couber na valorização, e, se esta vier a sofrer a correcção específica a que acima se aludiu, serão considerados os resultados médios obtidos em praça, por forma que sobre todos os terrenos expropriados venha a incidir a correcção, para mais ou para menos.
E a atribuição da maior valia a cada proprietário será sempre proporcionada ao valor encontrado para o respectivo terreno como primeira parcela da indemnização.
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centro de uma cidade em direcção à periferia. É evidente que à parte mais próxima do centro é mister atribuir uma valorização maior. Quando tal se dê, a mecânica adoptada exige a divisão em secções, para cada uma das quais se fará um cálculo especial de maior valia, aplicando-se dentro de cada secção o sistema proposto.
E o que se prescreve na alínea d).
E) Entidade competente para o acto declaratório
BASE XI
62. Encerram-se nesta base as regras de competência administrativa relativas à declaração de utilidade pública. Do sistema da velha legislação de 1850, em que cada caso pressupunha uma- lei ou, pelo menos, um decreto, de declaração de utilidade pública, evolucionou-se para o regime de marcados na lei os fins justificativos da expropriação, um acto administrativo concretizar formalmente tal declaração. E então ocorre a pergunta: dentro da hierarquia administrativa, qual a entidade competente?
Pelo artigo 4.º da lei de 1912 os projectos de obras que determinem expropriações em Lisboa e Porto seriam aprovados pelo Governo ou municípios, conforme aquele ou estes fossem os expropriastes; nas restantes localidades importantes do País os projectos serão aprovados pelo Governo, envolvendo sempre a aprovação a declaração de utilidade pública para o efeito de expropriação. A expropriação por acto definitivo e executório das câmaras vem sofrendo degradação constante. É impressionante a comparação do texto da lei n.º 88, de 7 de Agosto de 1913, em cujo artigo 94.º, n.º 14.º, se mencionava como atribuição das câmaras «delibera» sobre a conveniência de serem expropriados ..., etc. e o artigo 51.º, n.º 17.º, do Código Administrativo, segundo o que compete às câmaras, «propor ao Governo a expropriação ...
Quanto a Lisboa e Porto, no artigo 99.º, n.º 9.º, do Código Administrativo também se diz depender de deliberação tomada em reunião da câmara «o pedido ao Governo da declaração de utilidade pública e urgência das expropriações».
A elaboração dos grandes planos de urbanização, a que não poderia ser estranha a acção orientadora do Governo (decreto-lei n.º 33:921, de 5 de Setembro de 1944, artigos 5.º e 10.º), e o regime dia a dia mais frequente e necessário das comparticipações do Estado, determinaram naturalmente essa tendência centralista. Na base XI da proposta, governamental procura estabelecer-se a distinção entre os casos em que a declaração de utilidade pública deve ser da simples competência do Governo - o que tem o sentido de se referir ao Ministro respectivo - ou determina a intervenção do Conselho de Ministros. A esse respeito julgou-se conveniente dar uma arrumação melhor, fazendo-se compreender no número das expropriações sujeitas a aprovação do Conselho de Ministros as referidas na nova base XVI-A e inserindo como medida geral a obrigatoriedade da publicação no Diário do Governo da declaração de utilidade pública.
63. Não acusam as nossas leis uma grande harmonia no conceito de urgência, em matéria de expropriações. O artigo 23.º da lei de 23 de Julho de 1850 considerava o aspecto de urgência para o efeito de acelerar o início e desenvolvimento da obra, fazendo-se logo uma avaliação e, mediante o depósito da quantia fixada nessa avaliação, que ulteriormente sofreria as correcções derivadas da sequência do processo normal, entraria o expropriante da posse dos bens. O artigo 2.º da lei de 26 de Julho de 1912 menciona como expropriações de utilidade publica e urgente as indicadas nos seus diversos números. Aqui a ideia de urgente reportou-se antes à simplificação introduzida em relação à declaração de utilidade pública (ver artigo 4.º, in fine), embora exista uma certa correspondência com o conceito anterior no facto de os embargos deduzidos contra a avaliação não suspenderem a entrega, do prédio (artigo, 18.º).
Daí resultou que, sobre expropriações de utilidade pública e urgente veio enxertar-se, pela publicação do decreto n.º 17:008, de 22 de Outubro de 1929, a possibilidade de uma urgência em ... 2.º grau, e que se traduz essencialmente na circunstância de se verificar a entrega dos bens dos expropriaste mesmo sem pagamento, ainda que a título provisório, de qualquer quantia.
dons a simplificação do processo mm um das expropriações preconizado na base XIII (redacção sugerida por esta Câmara) a urgência fica suficientemente acautelada, uma vez que tenha, por efeito principal assegurar a posse do expropriante contra a entrega da quantia que de início for fixada e que pode em recurso ser alterada. De harmonia com o que consta da proposta, o carácter urgente será atribuído pela entidade que declarar a utilidade pública, ficando assim dispensada a intervenção do Conselho de Ministros, que pelo decreto n.º 17:008 era sempre exigida.
64. Relativamente ao resgate das concussões de serviço público, julgou-se de vantagem acentuar que o que determinava a intervenção do Conselho de Ministros era. o resgate resultante de acto de constrangimento extracontratual fundado em motivo de interesse público.
O resgate contratual, decorrendo naturalmente do pacto da concessão, é da competência do concedente, uma vez que se verifique o condicionamento estipulado no dito pacto: e. assim, tratando-se de unia concessão outorgada por uma câmara municipal, é a esta entidade que compete promover o resgate (Código Administrativo, artigo 51.º, n.º 26.º).
No resgate extracontratual, pelo artigo 3.º, § único, da lei de 1912 a declaração de interesse público era feita pelo Poder Legislativo, no caso de se tratar de concessão feita, pelo Estado, e pelo referendum dos eleitores da respectiva circunscrição administrativa, se a concedente fosse um corpo administrativo. Dentro do sistema da organização política e administrativa em vigor, dados os reflexos de vária ordem que podem advir da efectivação de um resgate não previsto no contrato de concessão, impõe-se a solução de atribuir ao Conselho de Ministros, seja. qual for a entidade concedente, a declaração de interesse público que o fundamente.
F) Meios financeiros
BASE XII
65. A proposta do Governo que se refere a esta base não dá lugar a qualquer reparo desta Câmara, salvo no pormenor da redacção.
O princípio é inteiramente defensável e acha-se já expresso em textos vigentes (ver decreto de 15 de Fevereiro de 1913, artigo 13.º, § único, e decreto-Lei n.º 33:502, de 21 de Janeiro de 1944, artigo 2.º, § único).
(G) Linhas gerais do processo e fixação do momento de transferência da posse, consoante o grau de urgência da expropriação
(Bases XIII, XIV e XV)
66. Nesta parte a Câmara Corporativa foi levada a remodelar a sistematização das bases XIII, XIV e XV, pois, tendo adoptado um processo único para as expropriações urgentes e não urgentes, salvo uns pequenos detalhes
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visando uma maior aceleração nas últimas, julgou-se preferível reservar a base XIII apenas para a fixação das linhas obrais do processo, a base XIV para a determinação da época da apropriação e do julgamento da indemnização por parte ido expropriaste, e, finalmente, a base XV para aqueles casos de gravidade excepcional em que o Estado, independentemente ide qualquer processo
declaratório de utilidade pública, lança mão das meios que a situação de emergência reclamar, apossando-se imediatamente dos bens que julgar necessários para tal fim.
BASE XII
67. Esta Câmara, no parecer elaborado acerca do projecto de lei 11.º 88 e que veio a transformar-se na lei n.º 2:018, de 24 de Julho de 1946l, pôs em relevo os inconvenientes do processo normal de expropriações estabelecido no diploma que veio regulamentar a lei de 1912 (decreto de 15 de Fevereiro de 1913), e bem assim o das chamadas expropriações urgentes, que fora criado pelo decreto n.º 17:008, de 22 de Outubro de 1929.
Ao ser-lhe proporcionada oportunidade para rever o assunto, nada tem a Câmara a acrescentar ao que então defendeu, a não ser que, abrangendo a, proposta governamental a remodelação completa do instituto das expropriações, e estando, portanto, em causa a definição das características do processo geral de expropriação, não encontra motivo sério para que se não generalize a fórmula que adoptou.
Dum modo geral, interessa ao expropriado que a situação se defina rapidamente, pois, uma vez que ao seu prédio foi imputada a nota de afectação a um empreendimento de interesse- público, logo se inicia, mesmo na pura ordem dos factos, um conjunto de limitações, que bem explica ser única aspiração legítima do proprietário o recebimento da correspondente indemnização.
Mas também ao expropriante deve interessar sobremaneira a celeridade na fixação do justo preço a liquidar: basta lembrar as transtornos que a delonga e as flutuações de julgamentos diversos - primeira decisão, sentença proferida em embargos, acórdãos da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça - podem trazer ao próprio plano financeiro da obra, mormente se o expropriante é uma entidade sujeita às apertadas regras da contabilidade pública.
O processo de recurso instituído pela lei n.º 2:018, e que veio a ser criteriosamente regulamentado no decreto n.º 35:831, de 27 de Agosto de 1946, tem-se revelado perfeitamente idóneo, quer no que toca à rapidez, quer no que respeita a garantias das partes em litígio.
68. Na proposta governamental o processo para determinação da justa indemnização obedecia ao seguinte esquema:
a) Haveria uma 1.ª fase, que poderemos considerar pré-judicial, pois a intervenção do juiz limitava-se a designar o perito, de entre os de uma lista, oficial publicada no Diário do Governo, o qual, juntamente com os nomeados pelas partes, levaria a efeito a avaliação do prédio expropriando, por forma a procurar obter-se um resultado unânime;
b) Quando não se mostrasse satisfeito este último objectivo, ou se verificasse suspeito de conluio fraudulento, o juiz ordenaria ex officio uma nova avaliação, esta a realizar por três peritos de sua designação;
1 Diário das sessões n.º 49 (suplemento), ano de 1946, p. 860-(1).
c) Com base na avaliação e tendo em atenção o critério estabelecido na lei, o tribunal fixaria a indemnização dentro dos limites dos laudos.
Várias dúvidas acudiam a esta Câmara na interpretação da base XIII. Qual era afinal a entidade julgador? O juiz singular ou o tribunal colectivo? Como na alínea d) do n.º 1 da base imediata se falava, a propósito das expropriações, urgentes, em tribunal colectivo, com expressa denegação de recurso, poderia talvez concluir-se que nas expropriações não urgentes o julgamento poderia competir ao juiz singular, com recurso para as instâncias, «superiores., embora a palavra «tribunal» de certo modo contrariasse esta interpretação:
Ainda outra dúvida, e essa não menos grave: estaria no propósito «liminar a produção de qualquer outra prova, em especial a prova testemunhal, uma vez que se aponta a avaliação como única base a considerar pelo tribunal?
A Câmara, a tal respeito, sem deixar de ter em atenção o especial relevo que em - pleitos desta natureza tem de ser atribuído à prova por arbitramento, não deixa de reconhecer que, embora com as limitações que a rapidez do processo imponha, a prova testemunhal pode representar um contributo eficiente para a fixação do justo valor.
69. Estas considerações conduziriam a uma larga remodelação das linhas de ordem processual apresentadas pelo Governo, em termos de pormenor que trairiam, certamente, o sentido de generalidade que nesta parte da proposta foi assinalado às bases.
Sendo assim, por que razão não aproveitar, para fixação do preço a satisfazer pelo expropriante, o sistema da arbitragem, completada pelo recurso instituído pela lei n.º 2:018 e regulamentada pelo decreto n.º 35:831? Os objectivos da rapidez, comodidade e garantia das partes mostram-se em absoluto assegurados coife este regime, e desta forma evita-se a instituição de um novo processo, a acrescentar à série já larga que o nosso direito positivo oferece.
Acresce que a fase inicial de arbitragem pode realmente constituir uma real oportunidade para as partes se aproximarem, na certeza de que a simples possibilidade do recurso constitui, por si, um importantíssimo factor de um resultado mais razoável.
OS exageros a que conduziu o sistema das expropriações chamadas dos Centenários, a que esta Câmara teve já ocasião de aludir, não só no parecer sobre o projecto n.º 88 mas também quando teve de se pronunciar sobre a proposta de lei da organização hospitalar , não se teriam certamente verificado se, para além da arbitragem, existisse um recurso jurisdicionalizado, e mão aquele simulacro de reclamação, de índole quase graciosa, admitido pelo decreto n.º 30:725, de 30 de Agosto de 1940.
Quando, porém, a arbitragem não surta efeito definitivo, os trâmites, sucintos mas suficientes, do recurso judicial asseguram um resultado rápido, tão rápido que até para as expropriações urgentes se não vê necessidade de normas -especiais, a não ser aquelas que normalmente se destinam a seriar, no ordenamento dos trabalhos nos tribunais, a realização das diligências consoante as maiores exigências de celeridade.
Na alínea a) do n.º 1 da base XIV a proposta prevê, como primeira diligência nas expropriações urgentes, a avaliação efectuada par um único perito, o que talvez, de certo ânodo, se inspire no sistema do decreto n.º 17:508;
1 Diário das sessões n.º 14 (2.º suplemento), ano de 1946, p. 186-(10).
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mas lhá que salientar que, por este último decreto, a função do perito era
tão-sòmeute a de demarcar e identificar o terreno ou prédio a expropriar, como única formalidade prévia a cumprir antes de o expropriante ser investido na posse.
Pela fórmula alvitrada por esta Câmara essa avaliação será levada a efeito nos termos gerais da arbitragem, oferecendo assim, e sem que com isso haja sacrifício de tempo, a garantia resultante da conjugação de diferentes laudos.
70. A circunstância de a Câmara Corporativa se afastar da proposta do Governo, preconiza não a generalização de um processo já existente, na o significa, de modo algum, que fosse tido em menor apreço o conteúdo da base XIII: precisamente na análise do regime estabelecido nos n.ºs 2 e 3 da proposta, no tocante às duas avaliações nela previstas, encontrou a Câmara inspiração para atribuir ao corpo de peritos incumbidos da avaliação a efectuar no recurso uma constituição diferente e que, segundo se áspera, fortalecerá o valor informativo da diligência.
Com efeito, a vistoria prevista no decreto n.º 30:831, além de ter a especialidade de os peritos nomeados por cada parte deverem conotar duma lista oficial, obedecia ao modelo tradicional do segundo arbitramento, isto é, dos cinco peritos cada uma das partes designa dois, sendo apenas o quinto de nomeação do juiz. Ora, justamente, a Câmara entende dever aproveitar a ideia de ao magistrado judicial cubar a designação de respeitos, pois desta forma fica assegurada mina maioria de intervenientes estranhos à escolha das partes. Que cada unia das partes tenha a sua representação na diligência, através de um perito da sua escolha, é certamente de vantagem; que haja mais do que um perito em cujo laudo possa residir uma especial garantia de imparcialidade afigura-se inovação útil, mormente se, como a Câmara sugere, dois dos peritos de nomeação do juiz forem escolhidos de entre os de uma lista oficial e o restante designado livremente. Do entrechoque de ponto» de vista que o resultado da avaliação venha traduzir pode o tribunal colher proveitosos elementos para uma decisão justa.
71. A redacção dada aos diversos números da base XIII traduz as modificações - propostas por esta Câmara. Assim:
a) O n.º 2 estabelece a arbitragem em termos análogos aos fixados no § 1.º do artigo 2.º do decreto-lei n.º 28:797, de 1 de Julho de 1938, mas com a variante de competir ao presidente da Relação do respectivo distrito judicial, e não ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a designação do terceiro árbitro, isto na intenção de facilitar a escolha;
b) O n.º 3 prescreve o recurso com a nova modalidade de avaliação;
c) No n.º 4 suscita-se a estrita observância das regras das bases X e X-A para afastar qualquer equívoco a que pudesse conduzir o preceito do artigo 18.º do decreto n.º 3:831, que é o diploma regulador do recurso ;
d) As alíneas a), b) e c) do n.º 5 correspondem, respectivamente, à c) do n.º 1, ao n.º 2 e ao n.º 3 da base XIV na redacção da proposta, referindo-se expressamente, quanto à vistoria ad perpetuam rei memoriam, a possibilidade de ser requerida antes de o expropriante ser investido na posse dos bens, em virtude de este facto poder ter lugar anteriormente à instauração do processo judicial.
Ao concluir o estudo sobre a base XIII pretende-se reafirmar a vantagem em verificar a forma de processo para a fixação do justo preço a pagar ao proprietário.
Se é inconveniente a fragmentária instituição de uma forma especial de processo para cada caso de expropriação, menos curial será a coexistência de diversos meios processuais postos à disposição do expropriante para a realização do mesmo objectivo, como, por exemplo, é facultado pelo artigo 23.º do decreto-lei n.º 33:921, de 5 de Setembro de 1944, para as expropriações necessárias à execução dos planos de urbanização.
Em boa verdade, não se compreende que, tendo sido instituído um processo rápido e sumário para as expropriações determinadas pela realização de melhoramentos rurais (decreto n.º 19:502, de 20 de Março de 1931, artigo 7.º; decreto n.º 19:666, de 30 de Abril de 1931, artigo 6.º, conforme redacção dada pelos decretos n.º 24:781, de 15 de Dezembro de 1934, e 24:888, de 9 de Janeiro de 1935), se tenha criado para as expropriações para instalação de empresas exploradoras de indústrias de alto interesse nacional (decreto-lei n.º 33:502, de 21 de Janeiro de 1944) um processo diferente, embora com termos assaz semelhantes.
O Governo, ao publicar os diplomas complementares desta lei, não deixará, certamente, de em pormenor, dar realidade :i doutrina aqui defendida.
BASE XIV
72. Pela arrumação determinada pelas alterações ao sistema da proposta, em matéria processual, foi esta base especialmente destinada a fixar a coordenação, no tempo, entre a apropriação por parte do expropriante e o pagamento da indemnização devida ao expropriado. Já se fez referência à transposição para a base XIII de tudo o que dizia respeito ao processo no caso de urgência; a matéria da alínea d) do n.º 1 deixa de ter sentido, uma vez que no n.º 3 da base XIII (redacção sugerida por esta Câmara) se remete para os diplomas vigentes sobre o recurso e não sofre qualquer dúvida a subsistência dos artigos 13.º e 21.º do decreto n.º 35:831.
Fica assim reduzida à matéria da alínea a) do n.º 1 da proposta o conteúdo útil da base XIV, matéria que passará a ser objecto da alínea b), no arranjo proposto pela Câmara, a fim de a alínea a) ser reservada à definição do regime das expropriações não urgentes, no que se refere ao momento em que o expropriante entra na posse dos bens, ou seja o que na proposta vem consignado na primeira parte do n.º 2 da base XV.
Porque nesta base se curava do pagamento da indemnização devida, ao expropriado, julgou-se ser aqui o lugar próprio para estabelecer um modus faciendi adequado ao princípio da alínea f) da base X-A, em que vem prevista uma correcção à maior valia. Para evitar, na medida do possível, uma reposição sempre difícil, e garantir, dentro dos limites do razoável, o expropriante contra a eventual insolvência do devedor, considerou-se como solução equilibrada a retenção de um terço do valor de maior valia arbitrado, durante o prazo de um ano, que normalmente é suficiente para, pela venda, das faixas adjacentes e introduzir na maior valia a correcção a que a referida alínea f) alude. Se a correcção vier a ter lugar depois de decorrido o ano, ou se essa correcção se traduzir numa diferença superior ao terço retido, nem por isso a reposição deixará de ser devida; o que não existe é aquela garantia para o expropriante.
Explicado assim o objecto do n.º 2, resta fazer alusão ao princípio do n.º 3 que a Câmara Corporativa julga dever fazer inserir na proposta. Na verdade, com o resgate duma concessão de serviço público procura-se estabelecer um regime de exploração mais proveitoso, mas é condição sine qua non da eficiência da operação a garantia da continuidade do mesmo serviço: é o caso
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da passagem para o sistema de régie dos serviços de distribuição de energia eléctrica ou de viação urbana, até certo momento a cargo duma empresa concessionária.
E indispensável que todo o aparelho industrial se transfira em bloco e, com ele, aqueles bens que, sendo propriedade particular do concessionário, se achavam relacionados com a exploração, sem que a isso obste a circunstância de não estar ainda liquidada a indemnização respectiva. É, de resto, o que se acha já estabelecido no artigo 3.º do decreto n.º 21:880, de 18 de Novembro de 1932, e que convém fazer inserir numa base em que se fixem as excepções ao princípio de que a expropriação deve realizar-se contra o pagamento da compensação que for devida.
BASE XV
73. Eliminado, por força do regime processual adoptado, o n.º 1 desta base e trasladada para a base XIV a matéria da primeira parte do n.º 2, fica a constituir único objecto da base XV a segunda parte do n.º 2 da proposta. E acha a Câmara perfeitamente lógico que o assunto nela versado seja objecto de uma base separada, pois trata-se daqueles casos, em que a administração pública se vê forçada a intervir, por se verificar um verdadeiro estado de necessidade, traduzindo-se em regra essa intervenção em actos de ocupação transitória que nitidamente a diferenciam da expropriação propriamente dita. Por isso mesmo não há - nem a iminência do risco o suportaria - processo declaratório, mas sim, pura e simplesmente, acto imediato de apropriação.
Com uma pequena alteração de redacção, a Câmara aprova o texto da proposta, limitando-se a salientar que este corresponde ao princípio do artigo 20.º da lei de 1912.
H) Encargo de maior valia sobre prédios não expropriados,
BASE XVI
74. A declaração de utilidade pública tendente à realização dum melhoramento determina, em relação aos terrenos necessários à obra propriamente dita e, por vezes, aos trabalhos complementares - caso das faixas adjacentes para construção -, a expropriação dos mesmo anos, mas pode o reflexo da própria obra ir beneficiar prédios diferentes dos expropriados, por forma tão particularmente relevante que se justifique a incidência sobre eles de um encargo de maior valia. Na verdade, o desenvolvimento dos trabalhos de urbanização é para eles fonte de importante valorização, em virtude de poderem ser adaptados à edificação urbana.
Quando tal circunstância se dê, os princípios já expostos a respeito da expropriação de faixas anexas conduzem, mutatis mutandis, à justificação do encargo a cobrar dos proprietários, uma vez que é só por efeito da obra de urbanização ou da abertura duma grande via de comunicação, e portanto sem qualquer diligência dos donos, que se operou a melhoria na categorização dos prédios.
O artigo 10.º da lei de 26 de Julho de 1912 previa um encargo que podia ir a 30 por cento, pago por uma só vez ou em anuidades, quando, em consequência da abertura, alargamento ou Regularização de vias públicas, se verificasse aumento do valor locativo dos prédios. Por falta de regulamentação adequada, este preceito não tem tido realização prática. A lei da urbanização da Costa do Sol também estabeleceu, no artigo 8.º, o princípio da cobrança de encargo de maior valia. E o artigo 27.º do decreto n.º 33:921, que, ao que parece, constitui a fonte directa da base XVI da proposta, também sujeita os terrenos não expropriados e que, em consequência das obras de urbanização, se tornem idóneos para construção, a «taxas de valorização» até 50 por cento do valor para construção.
75. A Câmara Corporativa não tem objecção, de princípio, contra a providência contida nesta base da proposta, manifestando-se de acordo com a restrição do
seu campo de aplicação aos prédios rústicos e com o quantum, de percentagem adoptado; julgou, em todo o caso, dever acentuar que o encargo só tem razão de ser quando haja uma valorização considerável por virtude das obras. No n.º 3 do texto do Governo prescrevia-se que o quantitativo a cobrar constaria do registo predial. Isto fazia presumir que era mister proceder ao prévio registo do prédio, o que seria muitas vezes difícil, em virtude de o número de registos poder ser muito avultado e o Estado, a quem o mesmo interessava, não dispor de meios que lhe permitissem promover o registo com brevidade tal que afastasse qualquer fraude. Julgou-se, portanto, que a delimitação da área deveria constar do Diário do Governo, depois de homologada pelo Conselho de Ministros, o que representará publicidade bastante para o conhecimento do encargo. E para que - não possa haver suspeições acerca da oportunidade escolhida para determinar os terrenos sujeitos ao encargo, prescreve-se que a delimitação da área tem de fazer-se conjuntamente com a aprovação dos planos das obras que dão .lugar ao encargo.
Isto não significa que, desde logo, este encargo se concretize em relação a todos os prédios: é o desenvolvimento das obras que o determinará, visto que, podendo estas respeitar a um plano a realizar a longo prazo, não faria sentido que o terreno suportasse o ónus antes de se poder dar por efectivado o benefício. Desta forma ficam acautelados os dois interesses opostos: de um lado, o do Estado ou entidade pública promotora do melhoramento, que fica assegurado da cobrança do encargo, quando se proceder à construção; do outro, o do particular, que só sofre a incidência do encargo quando a valorização determinada pela obra for já uma realidade. A não se introduzirem as medidas atinentes a esses objectivos, ,e que constam, dos n.ºs 2 e 5 da proposta, segundo o texto sugerido pela Câmara, poderia haver os maiores abusos e desigualdades; desta forma, até os compradores dos terrenos sabem já da iminência em que se encontram de lhes ser lançado o encargo.
76. A redacção do n.º 1 segundo o texto aprovado pela Câmara consigna a substituição da palavra proprietários por prédios, como campo de incidência do . encargo, isto no intuito de mais nitidamente afirmar o carácter real deste.
Por isso que o encargo acompanha o prédio, julgou-se desnecessário e inconveniente no aspecto económico manter o disposto na alínea a) do terceiro período do n.º 1 do texto do Governo, ficando assim definido como momento próprio para a cobrança do encargo - aliás sem prejuízo de se admitir o pagamento em prestações - o do pedido de licença para construção.
Para a fixação da maior valia, na qual, como se disse, o proprietário comparticipa em 50 por cento, estabelece-se no n.º 3 do texto alvitrado pela Câmara um processo semelhante ao adoptado para o cálculo da indemnização nas expropriações: arbitragem com recurso, em termos a regulamentar. O deferimento da determinação da mais valia a comissão de avaliação fiscal não ofereceria garantias bastantes de imparcialidade e daria à providência um carácter fiscal que não deve ter.
77. Pode suceder que, com prejuízo da finalidade da construção que é a, espinha dorsal de toda a pró-
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posta do Governo -, o proprietário se furte a construir, pura evitar a cobrança do encargo. Não deve esse facto ser frequente, dado o interesse que o eleve mover a, pela construção, tornar o seu domínio de rendimento mais elevado; mas quando tal &e dê, então fica à disposição da entidade que promoveu a obra tornar efectiva a expropriação do terreno, conforme se determina na alínea a) do n.º 1 da base XVI-A, que esta Câmara sugere.
I) Bases novas sugeridas pela Câmara Corporativa
BASE XVI-A
78. Nesta base vêm reunidos diversos casos em que a expropriação por utilidade pública aparece, digamos, como uma função de limite à inércia dos particulares. Já se aludiu ao objecto da alínea a) do n.º 1, e certamente não se torna necessário qualquer esclarecimento complementar.
79. A alínea b) do mesmo número contém a reprodução do princípio que informa a alínea b) do artigo 5.º da lei n.º 438, de 15 de Setembro de 1915, e artigo 1.º do decreto n.º 902, de ,80 de Setembro de 1914 (privativo, de início, para a, Câmara de Lisboa e depois estendido ao Porto pelo decreto n.º 15:130, de 5 de Março de 1928). Também se torna dispensável qualquer justificação, hoje que a função social da propriedade privada é conceito exarado nu lei. Quando muito, poderia agitar-se aqui de novo o problema ventilado a propósito da base V, pondo a questão de saber se o regime, aqui preconizado para os proprietários de terrenos confinando com vias públicas não deveria também ser estabelecido para aqueles que o viessem a sei por efeito dos arruamentos abertos na execução de planos de urbanização; este é o ponto de vista defendido numa representação enviada à Assembleia. Nacional e de que esta Câmara tomou conhecimento.
Ainda que o problema tivesse de ser colocado apenas no campo da maior valia - e viu-se que a expropriação das faixas adjacentes muito facilita a harmonia e regularidade da construção numa artéria cuja função no plano urbanístico vai iniciar-se -, já se disse o bastante para pôr em evidência que os dois casos não são iguais. A Câmara Corporativa já marcou posição no sentido de aceitar a tese de que a maior valia é, na essência, uma pertença da obra; admite-se que nela possa comparticipar o proprietário em reconhecimento do que, no valor potencial do terreno, possa representar o facto de o local haver sido escolhido como campo de desenvolvimento urbanístico, mas- não poderá reconhecer-se-lhe o direito à totalidade da valorização. E 20 ou 30 metros de diferença no perfil transversal do traçado seriam bastantes para- transformar as vítimas em premiados e
vice-versa!
No caso de arruamentos já existentes, não há valorizações a considerar, mas
tão-sòmente propriedades: a modernizar, integrando-as no ambiente citadino, em que, dia a dia, se vão tornando elementos destoantes.
80. A alínea c) da base proposta representa, em termos mais concretos, a reafirmação do imperativo contido na alínea a) do artigo 5.º da referida lei n.º 438.
Pode o proprietário tomar a iniciativa de melhorar ou ampliar o seu prédio; para evitar qualquer obstáculo que o inquilino pudesse opor, providencia-se na alínea b) da base XIII desta proposta em termos de assegurar a realização da obra.
Por outro lado, no n.º 4 desta base XVI-A prevê-se a hipótese de poderem ser concedidas facilidades financeiras para a efectivação de tal melhoramento. Porém, pode suceder que o proprietário se mantenha na sua apatia, e a estética citadina, por um lado, e a necessidade dum aproveitamento em altura que faculte uma capacidade de alojamento, por outro, reclamem instantemente uma profunda remodelação do edifício: então há que recorrer à expropriação.
81. É frequente encontrar-se nas grandes cidades prédios de diversos proprietários que, no conjunto, apresentam as condições de insuficiência a que se aludiu no número anterior, ocupando, por vezes, uma área considerável e constituindo quarteirões inteiros. A solução óptima para resolver casos destes reside num bom entendimento entre os proprietários para, dentro das regras da boa edificação urbana, reduzirem à unidade ou a um pequeno número de prédios aquele amontoado de casas inestéticas e acanhadas e adaptando ao novo objecto o exercício do seu direito de propriedade pela forma mais equitativa. Pelo n.º 2 desta base reserva-se à câmara municipal uma intervenção de ordem tutelar, que encontra na expropriação aquela função-limite a que já se aludiu.
Ao votar este número, a Câmara Corporativa não deixou de considerar que poderia, independentemente da expropriação - que ficaria para último recurso -, estabelecer novas fórmulas para a acção de constrangimento a desenvolver pelas câmaras no sentido de regularização de talhões, tais como a imposição de trocas, aquisições e cedências. O assunto de que o n.º 2 se ocupa é, sem dúvida, da maior importância, mas para a sua solução pode contribuir largamente a revisão e regulamentação da propriedade por andares, preconizada na base XXV-A, sugerida por esta Câmara.
Nessas circunstâncias qualquer concretização para além da linha geral aqui definida afigurou-se prematura, deixando ao Governo, que terá de proceder à corporização sistematizada dos princípios das bases desta proposta, a tarefa de definir o regime mais conveniente, na certeza de que no n.º 3 da base XLIII, de certo modo, pode encontrar-se um sentido de solução.
Deve esclarecer-se que em Londres os proprietários de prédios, a reconstruir (muitos atingidos por bombardeamentos) constituem, com frequência, sociedades para as quais entram com os terrenos ou casas que possuem, passando o seu direito de propriedade a ser representado por um quinhão na referida sociedade.
Entre nós, mesmo sem arranha-céus, que, ao menos por enquanto, arranham a- sensibilidade de muitos, é de grande vantagem para a resolução do problema de habitação aproveitar bem o espaço dos centros citadinos -, que oferecem aos munícipes uma grande economia em matéria de transportes e libertam os municípios de pesados encargos de pavimentação, canalização de águas e esgotos, iluminação, etc., que têm de suportar ao criar novos aglomerados em pontos excêntricos.
BASE XVI-B
82. É dever da comunidade não agir em termos de para a realização de obras- de interesse público, deixar pessoas privadas de habitação. Se os recursos económicos dos que- vão ser desalojados forem de tal maneira limitados que não lhes permitam, mesmo com boa vontade e algum sacrifício, encontrar novo alojamento em condições humanamente aceitáveis, deve incumbir ao expropriante - providenciar por que nova habitação fique assegurada antes de se dar u privação da habitação actual. Estes princípios não carecem de justificação desenvolvida: justificam-se pela sua só enunciação. Não constam, todavia, de textos legais expressos. E já alguns casos tem havido em que o zelo ou entusiasmo excessivo de quem quer ver realizadas obras de interesse geral deixou em situação extremamente emba-
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raçosa os desalojados, que se viram sem tecto e sem maneira de o arranjar.
Impõe-se, pois, consagrar na nova lei a grande directriz acima enunciada. Daí a nova base XVI-B, que a Câmara Corporativa sugere.
BASE XVI-C
83. Afigura-se à Câmara Corporativa que é de grande vantagem, e até de necessidade, condensar num só diploma toda a vasta matéria legal sobre expropriações. Por esse motivo sugere-se no n.º 2 desta base um preceito que, ao mesmo tempo, encerra uma autorização legislativa parti 05 fins dos §§ 2.º e 3.º do artigo 109.º da Constituição Política da República Portuguesa e um voto para que se ponha termo ao aspecto fragmentário que hoje oferece a legislação sobre expropriações.
2. Como, porém, a publicação dum diploma com tais características é, por natureza, obra demorada e pode haver vantagens em dar execução rápida às bases da presente lei, prevê-se a publicação dum diploma regulamente. E, porque é sempre melindrosa a repercussão que possa ter uma lei de bases sobre as disposições legais em vigor, e, em boa verdade, alguns dos preceitos da proposta poderiam considerar-se automaticamente exequíveis (Constituição Política da República Portuguesa, artigo 109.º, § 4.º), julga-se de prudência diferir o início da vigência da lei para. a data da publicação do referido regulamento.
PARTE II
Direito de superfície
CAPITULO I
Considerações gerais
84. O relatório da proposta, faz uma breve referência ao objectivo do Governo ao incluir, entre as providências atinentes ao desenvolvimento da habitação, a criação e regulamentação do direito de superfície. Porque realmente no nosso direito positivo o instituto não tem tradição e porque também não tem merecido da nossa doutrina ou jurisprudência atenção de relevo, não é de estranhar que a notícia da inovação tenha provocado certas manifestações de cepticismo ou até de reprovação.
Assim, numa representação dirigida à Assembleia Nacional e que foi presente à Câmara Corporativa, afirma-se que o direito de superfície não é mais do que uma segunda forma de enfiteuse, e como tal uma nova e incómoda fonte de ónus para a propriedade, em contrário da orientação modernamente seguida.
É facto que a proposta do Governo estabeleceu o pagamento de uma pensão anual como requisito essencial, do direito de superfície, com a agravante de haver adoptado para. essa pensão a designação de censo.
Porém, essa circunstância, que, como se verá, esta Câmara entende corrigir por não ser essencial à natureza do direito de superfície, não seria, sob nenhum aspecto, decisiva para o enquadramento deste na enfiteuse, dadas as características bom diversas que o texto da proposta deixa entrever.
Mas, já que se está tratando do problema da habitação, seria injusto esquecer os grandes benefícios que o aforamento prestou à economia agrária e social. Particularmente na questão aqui em debate, aos velhos chãos para edificar, de que falam os nossos praxistas, muito se ficou devendo no desenvolvimento de construção de casas. Os tempos passaram, e a enfiteuse, desintegrada de outras instituições a que estava ligada, começou a er a sua estrutura, jurídica amputada aos poucos, por forma que hoje se acha quase descaracterizada ; e por isso, quando agora se depara com uma casa onerada com um domínio directo, esquece-se que foi a essa famigerada enfiteuse, hoje olhada como um fóssil, que se ficou devendo a existência desse prédio urbano, cuja utilidade ninguém põe em dúvida.
85. Consiste essencialmente o direito de superfície na faculdade de construir sobre terreno alheio edifício próprio, fora das regras da acessão, estabelecendo-se, entre os titulares dos dois direitos reais, relações de ordem jurídica adaptadas à própria situação que se criou.
É facto que, estando-se, entre nós, muito habituado ao conceito de direito de propriedade tal como vem desenhado no artigo 2288.º do Código Civil - abrangendo a fruição do subsolo e do espaço aéreo - dificilmente se aceita a ideia de que a base de um edifício não pertença ao dono deste.
E, se se atender que o fim do novo instituto é na verdade a construção, não deixará de parecer anómalo, pelo menos à face da geometria mais elementar, que o direito de superfície se concretize sempre numa casa que é ... uma realidade a três dimensões.
Porém, este reparo dissipa-se facilmente se se tiver em atenção que o sentido etimológico da «superfície» se dirigia antes ao que se achava «sobre o solo do que ao próprio plano deste.
De qualquer forma, o artigo 2308.º do Código Civil, ocupando-se de árvores sitas em terreno alheio, dá-nos um exemplo de nem sempre a propriedade do solo envolver a do que nele está implantado. E o regime da propriedade por andares, que o Código Civil, no artigo 2335.º, admitiu e que vai ser objecto de uma base nova nesta proposta, representa também um exemplo vivo de que a propriedade em altura pode sofrer sobreposição.
86. Salienta-se desde já que o direito de superfície só pode ser constituído pelo Estado, corpos administrativos ou pessoas colectivas de utilidade pública. Figure-se uma câmara com terrenos aptos para construir que lhe advieram de uniu expropriação levada a efeito nos termos da base V desta proposta. Se vender o domínio, tem de o fazer por preço elevado, dadas as obras e indemnizações a custear e o próprio valor venal que tal domínio representa, valor venal de que a Câmara não pode despojar-se. Ora com a atribuição do direito ide superfície pode satisfazer-se melhor o interesse de todos: o adquirente pagou menos, o que pode facilitar a sua actividade construtora, o adjudicante guardou para si a possibilidade de uma intervenção ulterior em que poderá fazer uma maior valia futura.
A troco de uma quantia paga por uma vez ou de uma pensão anual, o superficiário, assim se chama o titular do direito de superfície, constrói o prédio consoante as características definidas. Decorrido o prazo convencionado, o dono do terreno pode tomar conta do edifício, consolidando o pleno domínio, contra o pagamento ou do que ajustou ou do que o prédio valer; ou, se o não quiser fazer, mantém em vigor o direito de superfície por novo período.
Tal é, em linhas gerais, o funcionamento do sistema.
Vê-se do exposto que, passando-se as relações entre o dono do solo e o superficiário no campo do direito privado, existe todavia (não no entender de todos), uma
1 Planiol et Ripert, Traité Pratique de, Droit Civil Français, edição de 1926, vol. m, p. 314.
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certa semelhança entre este instituto e o da concessão de serviços.
Efectivamente, o dono do terreno deu a concessão de edificar, e, no termo do prazo estabelecido, leva a efeito o resgate, se o quiser fazer; simplesmente, porque aqui não se estabelece uma mecânica capaz de comportar amortizações, pura consumar o resgate tem de indemnizar. E, assim, se, nesse momento, verificar que a «concessão» pode dar compensação superior - é a maior valia futura, de que fala o relatório da proposta -, então faz o resgate e faz de novo a adjudicação do direito de superfície, em condições mais vantajosas, dando a preferência ao anterior superficiário. Não acha vantajosa a operação? Mantém as coisas como estão.
87. Dada assim, a título meramente descritivo, uma ideia geral do instituto, resta dizer que, sem embargo idas reservas com que em Portugal se olha sempre para as inovações, o direito de superfície oferece valioso contributo para a resolução do problema em causa.
Aprovada, assim, na generalidade, a criação deste tipo de propriedade imperfeita, resta acrescentar que, tratando-se de uma matéria nova, havia toda a vantagem em que esta se apresentasse comi as noções fundamentais bem definidas. Para satisfazer essa finalidade foi necessário levar mais longe do que, em relação aos restantes capítulos desta proposta, a remodelação das bases. Dentro de tal orientação ordenaram-se os assuntos, e completaram-se os textos por forma a conseguir estruturar a parte a da proposta pela seguinte forma: definição e caracterização do instituto; modo de constituição; obrigações e direitos, do superficiário; condições do contrato; indemnização devida ao superficiário no fim do prazo; casos de reversão; extinção do direito de superfície.
Isto posto, passe-se a analisar as diversas bases, quo, de um modo geral, pelo desenvolvimento que lhes foi dado, não necessitam de esclarecimentos complementares muito detalhados. Aliás, dentro da brevidade do tempo de que dispunha, preferiu a Câmara Corporativa dedicar a sua maior atenção ao texto das bases, deixando que ele quase se justificasse por si mesmo.
CAPITULO II
Análise das bases
BASE XVII
88. O texto desta base sofreu grande remodelação, por se entender necessário iniciar esta parte da proposta fixando algumas noções fundamentais. Assim, destacou-se a matéria do n.º 1, em que se mencionam as pessoas colectivas ,com qualidade para constituir o direito de superfície, para uma nova base, a XVII-A, mantendo-se a matéria dos n.ºs 2 e 3 que respectivamente passaram para os n.ºs 4 e 5.
89. Consignou-se expressamente que o direito de superfície é susceptível de hipoteca l, na certeza de que, sem tal faculdade, dificilmente se poderia desenvolver o instituto; e seria menos claro, sem texto, expresso, que essa susceptibilidade resultasse de simples aproximação da alienabilidade e do princípio do artigo 894.º do Código Civil..
BASE XVII-A
90. Esta base é especialmente destinada a regular a constituição do direito de superfície, designadamente
1 Planiol et Ripert, Traité Pratique de Droit Civil Fraçais, vol. III, p. 315; Enneccerus, Tratando de Derecho Civil, Derecho de Cosas, vol. n, p. 10.
sobre terrenos que tenham sido objecto de expropriação.
Com efeito, e justamente em relação a terrenos expropriadas para construção que de modo particular se põe a questão de, em vez de a uma alienação definitiva do terreno, se recorrer a constituição do direito de superfície. A proposta do Governo continha preceitos atinentes a este; aspecto da base VII ,mas, como melhor só poderia compreende, - o sistema estabelecido depois de definido e Caracterizado o direito de superfície, julgou-se de vantagem, como já foi dito, trasladar para aqui, com as alterações necessárias, esses preceitos.
91. E, assim, porque as condições de êxito, na prática, da construção de casas de renda económica ou de renda limitada 1 dependem do diminuto preço dos terrenos, torna-se natural afastar, sempre que possível, a formalidade da hasta pública, que logicamente redunda no seu encarecimento.
Por este motivo, quando uma pessoa moral se proponha adquirir o direito de superfície, admite-se no n.º 4 a dispensa da hasta pública; se o caso se passar em relação a uma sociedade cooperativa ou anónima de construção, a adjudicação particular só pode ter lugar quando deserta, a primeira praça, não se tornando necessário, por evidente, justificar a diferença de regime.
92. O n.º 5 é de fácil explicação. Constituído o direito de superfície, faz parte do sistema que o proprietário do solo conserve a propriedade deste. Impunha-se portanto deixar esclarecido que não temi aplicação neste caso as disposições legais relativas à obrigação da alienação de bens imóveis, sejam elas quais forem.
BASE XVIII
93. Nesta base definem-se os deveres do superficiário. A Câmara Corporativa sugere algumas alterações ao texto da proposta. Assim, em relação à alínea b) do n.º 1, julga conveniente aplicar, como linha geral de orientação, o princípio do artigo 2223.º do Código Civil. o que não significa que a situação do superficiário corresponda à de um usufrutuário.
94. À matéria, da alínea d) do n.º 1 da base, segundo a proposta, e que, na redacção sugerida, corresponde à alínea e), já houve oportunidade de fazer referência. A modalidade de ficar o superficiário sujeito, necessariamente, ao encargo de pagar certa pensão todos os anos não será de fácil aceitação prática, e comprometeria assim a eficiência, do instituto se figurasse na lei como solução obrigatória. Deste modo, ao lado de tal modalidade consignou-se outra, que certamente será a preferida - a do pagamento de um preço unico. À entidade que conceder o direito de superfície caberá escolher entre uma e outra: se, como é de recear, não aparecerem pessoas a querer sujeitar-se a primeira modalidade, restará sempre a possibilidade de recorrer à segunda. De resto, já no direito romano a concessão ad aedificandum tinha, salvo o caso de donationis causa, como contrapartida ou o pagamento de um cânon anual (salarium), ou de uma única numa paga de uma só vez 2.
95. A falta de pagamento da pensão anual, quando a haja, pode determinar a reversão (base XXII, n.º 2). Mas pareceu excessivo que nesse caso a reversão se desse
1 Lei n.º 2:007, do 7 do Maio de 1945, o decreto-lei n.º 36:212, de 7 de Abril do 1947.
2 Ruggiero, Instituições do Direito Civil, tradução do Dr. Ary dos Santos, edição de 1930, vol. II, p. 474.
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sem haver direito a indemnização. Daí, para melhor
garantia do crédito pela pensão o instituir-se no n.º 4 esta base XVIII, privilégio creditório imobiliário.
BASE XIX
96. A seguir às obrigações vêm os direitos do superficiário, de entre os quais avulta o de receber a indemnização que lhe é devida, nos termos indicados na base XXI, no fim do prazo designado no título da constituição do direito de superfície, salvo, bem entendido, o caso de o proprietário do solo preferir fazer a Renovação do contrato, conforme dispõe o n.º 2 da base XXIIT. Pareceu aconselhável condensar nesta base a matéria de preferências, que na proposta de lei figurava em mais de um lugar. As soluções sugeridas, com serem razoáveis e justas, procuram tornar «atraente o direito de superfície, .sempre com mira no desenvolvimento prático do instituto.
BASE XX
97. Das matérias versadas nesta base, e que vincam o vasto campo de autonomia da vontade reservado à constituição deste direito, destacou-se a alínea d), de longe a mais importante, para com ela constituir objecto da base XXI. O n.º 2, cuja inclusão se alvitra, representa sem dúvida garantia suficiente, mas necessária, dos interesses de terceiros.
BASE XXI
98. A matéria da base XXI, segundo a proposta de lei, substituiu a Camara -
Corporativa, no texto que adiante sugere, os preceitos relativos à indemnização a pagar ao superficiário no fim do prazo de duração do direito de superfície. Esta matéria é muito mais importante do que aquela (a disposição da proposta de lei não pareceu necessária, e até se afigurou menos conveniente). A questão da indemnização constitui um dos pontos fundamentais da mecânica do instituto: consoante a perspectiva que houver quanto à indemnização, assim o direito de superfície poderá ser praticado, ou quedará como figura jurídica que ninguém quer utilizar.
Foi para dar vida efectiva ao direito de superfície, vencendo o natural retraimento do público construtor e tornando apetecido tal direito, que «se consignou, como modalidade possível de indemnização, aquela que sobretudo interessará aos capitais nos conturbados tempos do nosso século: a prestação da quantia que se tiver convencionado, satisfeita em harmonia com o coeficiente de valorização ou desvalorização da moeda no momento do pagamento 1.
Confia-se em que nesta providência poderá ir muito da boa aceitação prática de todo o instituto.
BASE XXII
99. Julgou-se conveniente especificar com toda a clareza os casos de reversão sem direito a indemnização e os casos de reversão em que existe tal direito. Aproveitou-se o ensejo para retocar as soluções da proposta de lei no sentido que pareceu mais justo.
100. No n.º 3 do texto sugerido por esta Câmara entrega-se aos tribunais comuns a declaração de reversão, no que não deve ver-se qualquer incoerência com a solução adoptada em relação às expropriações. Enquanto lá os fundamentos de reversão estavam directamente relacionados com a própria declaração de
1 Fórmula igual à empregada no artigo 727.º, § 2.º, do Código Civil, segundo a redacção que lhe foi dada pelo decreto n.º 19:126.
utilidade, que é, por natureza, um acto administrativo, aqui está-se em presença de casos de inexecução dum contrato, e, portanto, a competência dos tribunais comuna é incontestável.
101. Os n.ºs 4 e 5 representam também preceitos de interesse e de garantia para terceiros. Correspondem designadamente a uma necessidade técnica criada pela efectiva susceptibilidade de o direito de superfície ser hipotecado.
BASE XXIII
102. Já se aludiu à situação que se verifica no fim do prazo do direito de superfície.
A matéria do n.º 2 do texto da proposta deixa de ter interesse, em virtude da redacção dada à base XXI, maxime à alínea a) do n.º 1.
É, porém, de maior interesse, para que u apropriação de edifício pelo dono do terreno não seja uma pura abstracção, a inserção do n.º 4, em que se preconiza a caducidade dos ónus e arrendamentos feitos pelo arrendatário.
103. Quando chega o momento em que o direito de superfície vai findar, abre-se o problema de saber se II proprietário do solo o quererá prorrogar. Ora bem pode acontecer que a prorrogação seja de grande vantagem para o superficiário: nesse caso, poderá o proprietário do solo obter um pagamento, o qual vai representar importante manifestação do seu direito. Para acentuar esta possibilidade incluiu-se o novo n.º 3 da base XXIII.
BASE XXIV
104. O objecto desta base é hoje inútil, pois o n.º 1 não contém matéria diferente da da alínea c) da base XIX e o n.º 2 foi acrescentado a este último preceito. Assim, sugere a Câmara a sua eliminação.
BASE XXV
105. Mantém-se o texto da proposta, sem necessidade de qualquer esclarecimento.
PARTE II-A
Propriedade por andares
CAPÍTULO ÚNICO
Considerações gorais
BASE XXV-A
106. A Câmara Corporativa, ao apreciar no seu conjunto a proposta de lei sobre o problema da habitação, foi levada a considerar que seriam da maior eficiência na realização do fim em vista a revisão e regulamentação da propriedade por andares, também chamada propriedade horizontal.
O antigo sistema da chamada moradia independente não quadra já a alguns meios urbanos importantes do País, muito embora esteja tão de harmonia com a nossa tendência individualista; tem de ceder o seu lugar, pôr exigências do um melhor aproveitamento de espaço, a casas modernas com andares estandardizados, em que o ascensor neutraliza o incómodo de uma maior altura. Ora a possibilidade de cada andar pertencer a seu dono representa a maneira de congraçar esta realidade com a aspiração legítima de cada um ser proprietário da casa em que mora.
Para se aquilatar das vantagens que esse sistema pode trazer, basta lembrar as facilidades que pode representar numa partilha, em que o desejo legitimo de cada inte-
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ressado ser inteirado em espécie se frustra a cada passo perante a indivisibilidade dos prédios.
Muita construção se poderá fazer, muita habitação poderá construir-se, se se facilitar a formação da propriedade horizontal, com as suas reconhecidas vantagens da economia no encargo do terreno e das partes comuns da casa, e de tornar possível às pessoas obter casa própria em lunares que não fiquem muito afastados do centro das cidades.
107. O Código Civil Português, no artigo 2335.º, considerou o problema da propriedade por andares, mas em termos deficientes, que nunca permitiram, por falta de regulamentação adequada, a aplicação efectiva e o desenvolvimento do instituto. O artigo 2335.º dispõe assim:
Se os diversos andares de um edifício pertencerem a diversos proprietários e o modo de reparação e conserto se não achar regulado nos respectivos títulos, observar-se-á o seguinte:
§ 1.º As paredes comuns e os tectos serão reparados por todos, em proporção do valor que pertence a cada um.
§ 2.º O proprietário do cada andar pagará a despesa do conserto do seu pavimento e forro.
§ 3.º O proprietário do primeiro andar, a despesa do conserto da escada de que se serve; o do segundo andar, a parte de que igualmente se serve, a partir do primeiro andar, e assim por diante.
A fonte deste artigo foi o artigo 664.º do Código Civil Francês, do qual é uma tradução apressada: os tectos, por exemplo, são os telhados.
O nosso feitio individualista e, sobretudo, o receio das contínuas questões entre os co-proprietários e a imperfeita distribuição de encargos - o inquilino do primeiro-andar, por exemplo, dá passagem a todos os outros pelo seu lanço de escada. - deram lugar a que este artigo fosse letra morta.
No entanto, em França e em muitos outros países - designadamente na América do Sul - o sistema está a desenvolver-se, com notáveis resultados.
O Prof. Josserand, no Cours de Droit Civil, diz que depois da guerra do 1914 as dificuldades do alojamento levaram a estender a aplicação da venda de andares, resolvendo-se as dificuldades por meio de regulamentos de compropriedade consignados nas escrituras de compra por cada grupo de compradores; não obstante, como se trata de rés inter alios acta, os compradores subsequentes levantam por vezes dificuldades de ordem jurídica (vol. I, pp. 910 a 912).
O caso, pela sua importância, provocou a publicação, por Cli. C. Julliot, de um Formulaire de la division de maisons par étages on par appartements, e já há hoje muita bibliografia sobre o assunto.
Isto é, exemplos legislativos não faltam, e bem assim estudos sobre o problema.
108. A Câmara Corporativa não teve tempo, no apertado prazo de que dispôs, para gizar as disposições legais que poderia sugerir para a organização do instituto. Mas, ciente da importância dele, não quis deixar de suscitar o problema - e para isso formulou, no texto das bases que figura no fim deste parecer, um preceito pelo qual se incumbe ao Governo a preparação em breve tempo do diploma ou diplomas legais que devam ser publicados para pôr em prática a propriedade por andares.
Ao aprovar este preceito sentiu-se a Câmara embaraçada quanto ao lugar em que ele deveria ser incluído. Porque se tratava de matéria estranha a qualquer dos
capítulos da proposta, resolveu colocá-la a seguir ao «Direito de superfície», como base XXV-A, formando com ela a parte II-A.
PARTE III
Sociedades para a construção de casas
CAPITULO I
Considerações gerais
109. A matéria versada na parte III da proposta não oferece dificuldades que exijam esclarecimento detalhado. Representa antes a continuação de uma política que vem sendo seguida em matéria de protecção à construção de casas de renda que esteja ao alcance das classes menos abastadas, e a que só é realmente de desejar se possa imprimir ritmo mais acelerado.
CAPITULO II
Apreciação das bases
BASE XXVI
110. Conforme se vê da lei n.º 2:007, de 7 de Maio de 1945, foi considerada como elemento fundamental da realização dos objectivos propostos no diploma a constituição de sociedades anónimas, nos termos aí definidos. A presente base prevê a generalização desse regime à construção das casas de renda limitada, de que é diploma orgânico o decreto n.º 36:212, de 7 de Abril de 1947. Este decreto, seja dito de passagem, tem um relatório em que se põe em relevo a excessiva elevação de rendas nos grandes centros, e, portanto, a necessidade de encontrar soluções para resolver a crise. Nestas circunstâncias, a comparticipação equilibrada das diversas entidades a que se refere o n.º 1 ,da base I Na lei n.º 2:007 deve, em relação às casas de renda limitada, traduzir-se em realizações eficientes.
BASE XXVII
111. Por esta base o Estado propõe-se auxiliar a formação das sociedades - mencionadas na base um tenor, mediante a subscrição de uma parte do seu capital, com o produto de uma fracção da maior valia que vier a ser cobrada nos termos da parte I da proposta.
A Câmara Corporativa manifesta a sua esperança de que esta iniciativa, produza os seus frutos, na certeza de que não poderá tal encargo ler destino anais coerente com a sua origem, e será até uma revelação da «preocupação unitária» a que se alude no princípio do relatório que precede esta proposta de lei. Como, porém, a cobrança das maiores valias pode ainda revelar-se demorada e o problema da habitação é instante, julga esta Câmara que bem poderia desde já o Governo, através dos seus recursos próprios, dar já efectivação a este propósito. Neste sentido é sugerida uma pequena alteração à redacção desta base.
BASE XXVIII
112. Sobre esta base da proposta foi ouvida a secção de Construção e materiais de construção, que sobre ela escreveu designadamente o seguinte:
Afigura-se a esta secção que a intervenção do Estado para barateamento do custo da construção das casas de renda económica, ou limitada, sem tolher o desenvolvimento da iniciativa privada, que - dentro da disciplina necessária - gera a prosperidade da Nação, deve exercer-se principal-
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mente pela política de preços das matérias-primas importadas, dos quais dependem, em grande parte, os preços dos materiais e os encargos da sua - colocação nas referidas construções; essas matérias-primas são principalmente o carvão, o ferro e os combustíveis líquidos: o primeiro, pelo seu papel no fabrico de cimento, produtos cerâmicos, e outros; o segundo, pela sua larga aplicação nas construções modernas; os combustíveis líquidos, como ainda o carvão, porque o peso dos materiais a aplicar tornam os transportes um dos maiores encargos das construções.
O fornecimento das matérias primas de origem estrangeira a preços que o Estado pode, de alguma maneira, comandar dentro das condições, de equilíbrio da economia geral da Nação seria a mais eficaz acção directa do Estado para fazer baixar o preço daquelas construções sem asfixia das indústrias subsidiárias e, portanto, sem perigo de reflexos nos salários e ordenados.
Para a produção em série de materiais de construção baratos, destinados a baixar o preço de custo das casas de renda económica (só quanto à produção destes materiais nos parece admissível a intervenção directa do Estado), sugerimos ainda a criação de cooperativas de produção, com a colaboração dos organismos corporativos.
A instituição de prémios aos técnicos que apresentassem projectos para facilitar e baratear a construção de casas de renda económica, como também de renda limitada, seria altamente vantajosa, ao lado dos estudos e assistência técnica das repartições competentes e dos laboratórios de engenharia.
Melhor do que tudo isto seria analogamente ao que se legislou para melhoramentos agrícolas a criação de créditos a larguíssimo prazo e a juro muito baixo, para a construção por iniciativa particular de moradias de certos tipos previamente aprovados.
Aproveitando o ensejo para deixar consignadas estas considerações, a Câmara Corporativa declara que nada tem a, opor à aprovação da base XXVIII da proposta do lei.
PARTE IV
Arrendamento de prédios urbanos
CAPITULO I
Considerações gerais
113. Na apreciação das linhas gerais da presente proposta de lei procurou-se marcar a posição da Câmara Corporativa em presença das bases da parte IV apresentadas pelo Governo, uma vez que no parecer elaborado sobre o projecto de lei do ilustre Deputado Dr. Sá Carneiro (projecto n.º 104) referente a inquilinato já esta Câmara se tinha ocupado de quase todos os assuntos versados na proposta e de muitos outros que esta não abrange.
Para maior realce do que então se disse, julgou a Câmara conveniente inserir numa observação preliminar ao texto que foi votado em substituição do apresentado pelo Governo.
Com vista à boa sistematização do texto a votar, entendeu-se de vantagem agrupar em quatro secções os assuntos focados na proposta:
1.ª Actualização e fixação de rendas;
2.ª Sublocação;
3.ª Acções de despejo;
4.ª Disposições penais.
Dum modo geral, procurou-se não provocar transposições de matérias duma base para outra e conservar, na medida do possível, o ordenamento de bases adoptado pelo Governo, apenas se fazendo uma inversão completa em relação às duas últimas bases, como era aconselhado pela própria designação adoptada para cada uma das secções que uma e outra base respectivamente deviam constituir.
114. No relatório que precede a proposta apresentam-se razões justificativas da orientação restritiva marcada pelo Governo no que toca à amplitude da reforma a introduzir. Os motivos aduzidos não se reportam directamente à substância das sugestões formuladas por cento. Câmara no parecer de 1947, mas antes revelam o intuito de limitar o campo da proposta aos problemas que interessam aos aspectos económicos ou sociais do inqailinato. Por isso, a Câmara Corporativa abstem-se de quaisquer considerações a tal respeito, embora mantendo a opinião de que a resolução de vários problemas de ordem técnica seria sempre salutar, como factor de segurança nas relações entre senhorios e inquilinos.
Ao rever as soluções adoptadas em 1947, a Câmara Corporativa verificou que alguns dos preceitos então sugeridos tinham perfeito cabimento dentro do plano marcado peio Governo, até se lhe afigurando que constituíam necessários elementos complementares do texto da proposta. Em relação a esses entendeu-se que se deveria fazer a sua inclusão.
115. Quanto à actualização das rendas nos contratos do passado, existe um ponto de harmonia entre o projecto n.º 104, o parecer da Câmara Corporativa de 1947 e a proposta do Governo: o montante da renda deve tender para o rendimento colectável ilíquido do prédio.
Desde que o artigo 44.º do decreto n.º 25:002, de 14 de Junho de 1935, assimilou, oficialmente, a falta de coincidência entre o rendimento colectável e a renda, dando lugar à situação anómala de um excesso de contribuição a cargo do inquilino, tornou-se mais evidente o estado de insatisfação que estava representando em contratos permanentemente renovados o limite máximo de actualização de rendas.
Se até à reforma das matrizes os minguados coeficientes aplicados aos rendimentos colectáveis de 19141 tinham; ao menos, o mérito da conformidade no ponto de referência para a cobrança das rendas e para o pagamento da contribuição, a vigência ,das cadernetas prediais com a fixação de novos rendimentos colectáveis veio dar lugar a um desnivelamento incompreensível. Dia a dia apareciam novas disposições legais a pôr em relevo a incongruência: é, por exemplo, o artigo 74.º do decreto n.º 26:151, de 19 de Dezembro de 1935, a permitir que fosse considerado para efeito de pagamento de imposto sucessório e de sisa, não rendimento colectável matricial, mas o montante correspondente à renda efectivamente paga pelo inquilino.
A maneira por que se tinha chegado a esta desigualdade de certo modo indicava o caminho para o restabelecimento do equilíbrio perdido. No parecer, de 1947 a Câmara Corporativa fez uma análise detalhada dos sistemas possíveis para a resolução do problema de actualização de rendas 2.
Ao aflorar de novo a questão, a Câmara nada tem a corrigir em relação à posição que tomou e que, con-
1 Lei n.º 1:368, de 21 de Setembro de 1922, artigo 25.º, § 3.º; lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924, artigo 10.º; decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, artigos 23.º e 27.º
2 Diário das Sessões n.º 83 (suplemento), ano de 1947, p. 470-
-(17).
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forme se acentua, corresponde à orientação comum ao projecto e à proposta.
116. Fixado assim, com o sentido de solução, o princípio de que a renda deve tender para o rendimento colectável, restava resolver de que forma devia ser vencida a distância verificada entre aquela e este. No projecto n.º 104 a elevação de renda fazia-se dum jacto, salvo o caso de o inquilino alegar falta de meios materiais para poder suportar o respectivo encargo; verificando-se esta hipótese, o senhorio receberia de um fundo especial, cuja criação o projecto previa, a diferença até onde as disponibilidades do fundo o consentissem - entro o rendimento colectável e aquilo que o inquilino efectivamente viesse a satisfazer.
O parecer de 1947 considerou inviável o funcionamento desse fundo, se optou pelo regime de actualização em escalões diversos, consoante o destino dado ao prédio, a que a proposta aderiu, embora com alterações, a uma das quais, pela sua importância, deve desde já fazer-se referência.
A Câmara Corporativa, ao apreciar a actual situação de exiguidade de Tendas, salientou que havia a considerar dois problemas: um, comum a todas as rendas fixadas até 31 de Dezembro de 1942, e que seria resolvido com um adicional de 20 por cento lançado sobre as mesmas rendas, fosse qual fosse o rendimento matricial; o outro, que tem raízes mais fundas, pois vem da situação criada com a guerra de 1914, seria atalhado pouco a pouco, através de um sistema de actualização com pequenos acréscimos semestrais 2. A proposta, não estabelece esta distinção e sujeita todos os arrendamentos anteriores a 1 de Janeiro de 1943 a um plano de actualização mais rápido, até ser atingido o (rendimento colectável.
A Câmara Corporativa, revendo o assunto, manteve o ponto de vista expresso no parecer de 1947, por razões que adiante serão desenvolvidas.
117. Problema mais delicado é sem dúvida o suscitado na proposta relativamente à redução de rendas excessivas estipuladas em contratos posteriores a 1 de Janeiro de 1943 e a sua limitação em contratos a celebrar depois da vigência da lei. Para se aquilatar do seu melindre basta ponderar que se trata de uma questão colocada pela primeira vez num documento dimanado do Governo.
Um período de trinta anãs criou já um estado de espírito apto a compreender as derrogações ao princípio do artigo 702.º do Código Civil no sentido da proibição do despejo no termo do contrato e de em contrapartida - aliás bem escassa -, serem consentidos, mesmo no decurso do prazo inicial da vigência do arrendamento ou de uma renovação, certos aumentos de renda. Porém, a redução forçada de rendas livremente estipula das constitui um aspecto inteiramente novo na nossa já larga actividade produtora de normas de emergência em matéria de inquilinato.
A Câmara Corporativa, no parecer de 1947, pronunciou-se largamente sobre esta questão, salientando que, a despeito de o projecto de lei n.º 104 não se ocupar de tal matéria, era oportuno o estudo do problema.
Reconhecendo que realmente havia rendas exageradíssimas, manifestou, porém, a opinião de que a crise, que era grave mas não profunda, deveria ser resolvida
1 Projecto n.º 104, artigo 5.º o paragrafos, conforme Diário das Sessões n.º 68, ano de 1946, p. 210.
2 Parecer e loc., p. 470-(22 e 23).
pelo meio natural e único eficiente: fomentar a construção de novas casas 1.
Quanto aos contratos a celebrar de futuro, também à consideração da Câmara Corporativa, chamada pela proposta de lei n.º 202 a retomar o assunto, foi presente o parecer subsidiário da secção de Construções e materiais de construção, nitidamente contrária à limitação de rendas, e do qual se transcreve o seguinte:
É evidente que para se conseguir esse principal objectivo - o aumento da construção é indispensável que o preço de venda dos prédios novos seja o seu custo real, incluindo a aquisição de terreno, acrescido da margem normal de lucro. Para ser obtido este preço tem de haver a garantia, ou pelo menos a esperança, de que o prédio dará um rendimento líquido que remunere o capital nele aplicado.
Se não houver tal garantia, a indústria de construção entrará numa crise gravíssima, apesar dos esforços do Governo para promover a construção de habitações, seja directamente, seja por meio de sociedades anónimas de cujo capital participe.
.........................................................................
Se alguma coisa impõe (o que na o nos parece) que se ponha termo ao livre estabeleci mento das rendas dos prédios em construção e a construir, segundo a lei natural da oferta e da procura, é indispensável que a determinação do máximo dessas rendas se faça em bases que permitam o jogo de iniciativas e interesses de que vive a indústria, de construções.
Na discussão da proposta governamental marcaram-se, nitidamente, na Câmara Corporativa, pontos de vista opostos: um no sentido da solução adoptada na proposta, outro mantendo na íntegra o critério defendido no parecer de 1947.
Prevaleceu, na votação, a primeira corrente, mas com a restrição de o cerceamento de liberdade na fixação do rendas não ser extensivo aos prédios a construir de futuro, para os quais se vincou, uma nova base, que tomou o n.º XXXIII-A, o regime pleno de liberdade contratual no duplo aspecto da fixação da renda e do despejo no fim do arrendamento.
118. Dificilmente se poderia compreender uma reforma, por muita restrita, que fosse, sobre inquilinato que não abordasse o problema das sublocações. Se há aspecto em que a permanência obrigatória de contratos celebrados por prazos certos se tem revelado fonte de maiores abusos, é justamente o das sublocações. É frequente o inquilino converter o que é normal objecto do contrato de arrendamento - a fruição do prédio - no abuso de se limitar a fazer valer uma posição de intermediário, sem qualquer função no aproveitamento económico do prédio que justifique os pingues rendimentos que sob várias fórmulas se permite auferir.
Mesmo naquele período em que as reformas de inquilinato se inspiravam num sentido de franca protecção aos arrendatários começou cedo a manifestar-se uma forte reacção no sentido de se limitar a faculdade de sublocar. São disso prova as disposições constantes da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924, e do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928.
O projecto de lei n.º 104 revela a iniciativa de diversas medidas referentes à sublocação, algumas de carácter essencialmente técnico, mas todas dominadas pelo pensamento de pôr cobro a abusos. Essas suges-
1 Parecer e Inc. cit. p. 470-(23 e 27).
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tões foram retocadas pela Câmara Corporativa, constituindo a proposta governamental, em quase tudo, a transcrição do texto apresentado com o parecer de 1947.
Como afirmação nítida do intento de pôr termo ao aspecto de mero parasitismo que, em muitos, casos, revestem os. subarrendamentos, merece referência especial o preceito que permite ao senhorio substituir-se ao arrendatário quando este tenha sublocado todo o prédio.
Do mesmo modo que se tem procurado pôr termo a que, em regime de comércio condicionado; certos negociantes nenhum por única actividade especulativa o tráfico ilegal de guias, também importa obstar a uma ordem de coisas que consente que certos arrendatários apenas dêem sinal da sua existência ao fazerem jus a umas- «luvas» avultadas.
119. A proposta do Governo abordou um problema directamente relacionado com o das sublocações e que não fora ventilado no projecto e consequentemente no parecer de 1947: o do traspasse de estabelecimentos comerciais e industriais.
Desde que. se tem reconhecido dever o arrendatário comercial ou industrial gozar de situação especial, pela mútua interferência que se verifica na conjunção dos dois factores estabelecimento e local da sua instalação, é evidente que um dos aspectos em que a protecção da lei tem de manifestar-se é o relativo u chamada «passagem da casa».
Não teve a proposta qualquer objectivo de restrição no que deve considerar-se regalia normal do inquilino comercial ou industrial, ou seja o direito de no traspasse do estabelecimento, ser abrangida a cessão do direito ao arrendamento, independentemente de autorização do senhorio. Mas pretendeu - e nisso só merece louvor - que essa faculdade não fosse desviada do campo de acção que lhe é próprio e aproveitada para encobrir actos que na realidade implicavam violação das normas legais.
Para facilitar várias modalidades de camuflagem cujo uso se tem vindo a generalizar muito contribuíram certos preceitos de ordem fiscal que, na única intenção de não deixar escapar matéria tributável, assimilaram ao traspasse figuras jurídicas que não se podem integrar no seu conceito.
Da confusão lançada por esses preceitos fez-se eco a própria proposta de lei, mencionando como traspasses, embora para os reprimir, actos de transferência que não correspondem à passagem do negócio ou do instrumento de actividade industrial no seu conjunto.
Foi no sentido de manter no campo do direito privado o conceito de traspasse nu seu sentido rigoroso que a Câmara introduziu redacção diferente no texto da proposta, que, diga-se de passagem, não representa alteração substancial no seu alcance.
120. O projecto de lei n.º 104 visava, num dos senis artigos, a revogar os preceitos limitativos da acção de despejo de prédios urbanos, logo excluindo dessa revogação a proibição de requerer o despejo no fim do prazo do arrendamento, proibição a que aliás estabeleceu excepções. O parecer de 1947 estudou com detalhe o alcance do preceito, concluindo por desdobrar a complexa matéria nele contida, e com as alterações de fundo que julgou dever introduzir, enumerando em artigos separados os novos fundamentos do despejo imediato e os novos fundamentos do despejo no prazo do arrendamento. O Governo na sua proposta só considerou estes últimos, e mesmo assim em menor escala.
Dentro da orientação atrás definida, a Câmara Corporativa, na conjuntura actual, apenas apreciou o texto governamental dando satisfação ao que em numerosas representações lhe veio sendo solicitado: à justa aspiração de ver acautelada a situação do agregado familiar do arrendatário. Neste ponto a Câmara Corporativa corrigiu o seu próprio texto, a despeito de o Governo o haver aceitado, certa de que, fazendo-o, se move dentro do objecto da proposta, a que não podem ser estranhos, como elemento do problema da habitação, os interesses económicos ou morais de um lar familiar.
E já expressão de uso corrente dizer-se que em relação aos prédios urbanos existem autênticos negócios de mercado negro. Naturalmente por esse motivo, julgou a proposta do Governo fazer convolar para o crime de especulação certas infracções que tem como expressão directa uma percepção de lucros ilícitos. Não tem a Câmara Corporativa objecções a levantar a esta orientação, embora, no pormenor, se lhe ofereça apresentar novas sugestões.
Julga-se ter dito o bastante, na apreciação genérica desta parte da proposta, para se poder estar habilitado a fazer, no detalhe, o estudo de cada base.
CAPÍTULO II
Apreciação na especialidade
SECÇÃO I
Actualização e fixação de rendas
A) Arrendamentos celebrados antes de 1 de Janeiro de 1943
BASE XXIX
121. Define-se neste preceito da proposta de lei n.º 20,2 o regime de actualização de rendas, nos arrendamentos anteriores a 1 de Janeiro de 1943, na base da gradual aproximação, por escalonamentos periódicos, da renda e do rendimento colectável ilíquido constante da matriz. O projecto de lei n.º 104 ocupa-se da actualização de rendas no artigo 5º e o parecer da Câmara Corporativa de 1947 no artigo 13.º do texto que lhe serve de conclusão.
Comparando o sistema da base e o texto sugerido no parecer de 1947, que anais de perto lhe serviu de fonte, apuram-se como diferenças principais:
a) A Câmara Corporativa sugeria um aumento de 20 por cento sobre todas as rendas relativas a contratos que se achassem em vigor em 1 de Janeiro de 1943 sem que para tal houvesse que considerar o rendimento matricial; a proposta do Governo não considera qualquer aumento que não seja em função de diferença existente entre a renda efectivamente paga e o rendimento colectável ilíquido constante da matriz;
b) Pelo texto da Câmara os aumentos a que se houvesse de proceder no caso de os 20 por cento iniciais não atingirem o rendimento matricial seriam feitos na base de 10 por cento por cada semestre, salvo se, em razão da diferença entre a renda e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido, a actualização devesse demorar mais de dez semestres, pois neste caso o aumento por semestre seria igual à décima parte da diferença, a não ser que esse décimo representasse um encargo superior a 20 por cento da renda base.
Pela proposta do Governo os aumentos serão sempre na base de 20 por cento por semestre, salvo se, em razão da referida diferença, a actualização viesse a demorar mais de seis semestres, a contar do primeiro aumento, pois neste caso o aumento por semestre seria a sexta parte da diferença;
c) Em relação directa com o sistema de aumentos de renda regulado no artigo 13.º, a Câmara Corporativa prescrevia no n.º 3.º do artigo 18.º que o senhorio tinha
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sempre a faculdade de requerer a avaliação do prédio ou parte do prédio arrendada para avaliação da matriz.
A proposta do Governo em parte alguma refere a possibilidade de o senhorio requerer essa avaliação e antes vinca categoricamente no n.º 1 desta base XXIX que o actualização apenas se destina a fazer coincidir a renda com o rendimento colectável ilíquido constante da matriz em 1 de Janeiro de 1948;
d) A Câmara Corporativa, a par do regime geral de actualização, estabeleceu regimes especiais, derivados ou da qualidade do arrendatário ou do destino dado ao prédio, e reservou para estes um artigo próprio: o artigo 15.º
A proposta governamental aceita a existência de regimes especiais, embora em termos diferentes dos estabelecidos pela Câmara,. mas regulados na própria base XXIX, nos n.ºs 2 a 4.
122. O projecto de lei n.º 104 não previa, qualquer actualização na base de uma percentagem sobre a renda vigente, independentemente da relação que, em cada caso, se verificasse entre esta e a renda matricial.
Foi u Câmara Corporativa que, em consequência de um detalhado estudo sobre as. origens da desactualização das rendas, tomou a iniciativa de sugerir que em relação aos arrendamentos anteriores a 1 de Janeiro de 1943 houvesse um aumento geral de 20 por cento sobre a importância da renda, sem prejuízo dos que ulteriormente se pudessem tornar necessários para a coincidência da renda e do rendimento matricial.
A proposta do Governo nesse ponto manteve-se mais dentro do pensamento do projecto, adoptando como condição sine qua non para qualquer aumento o facto de a renda ser inferior ao rendimento colectável.
Perante este diferendo, teve a Câmara Corporativa de rever o assunto, no sentido de concluir se era ou não de manter o ponto de vista marcado em 1947. E, examinando de novo todas as razões então invocadas em defesa da conclusão votada, a Câmara conserva a opinião de que a actual insuficiência de rendas é consequência de dois problemas diversos, e .para os quais, portanto, há que adoptar soluções também diversas.
Mercê de circunstâncias de vária ordem, mas em grande parte devido à clarividente política de disciplina económica que vinha sendo seguida, Portugal pôde atravessar os primeiros anos de guerra quase sem sentir as suas consequências. Porém o entrelaçamento dos numerosos factores que, em maior ou menor grau, influem na vida económica deste ou daquele país cedo começa a produzir os seus efeitos, provocando desequilíbrios que tendem naturalmente a traduzir-se numa redução do poder de compra da moeda. E a falta de certa
matéria-prima de importação necessária que causa alvoroço no respectivo sector industrial, dando lugar a limitações de fabrico, com manifesta repercussão nos interesses do público consumidor e na situação dos operários. E determinado produto dê exportação que não consegue encontrão- mercado que o absorva, ou então tem de ser enviado em regime especial de pagamento diferido, o que, de per si, não pode ser indiferente a certos aspectos económicos internos. É ainda a falta de transportes marítimos que dificulta a continuidade das transacções entre a metrópole e as colónias. Circunstâncias como estas que, a título meramente exemplificativo, se deixam apontadas tinham de produzir, necessariamente, as suas consequências, com perturbação da estabilidade de situações existentes em 1939, e o nosso País não podia subtrair-se a essa influência. Não se ignora que, ao lado
1 Parecer e lôc. cit., pp. 21 e sgs.
do desequilíbrio gerado nas condições a que se faz alusão e em parte provocado por ele, se forma, em regra, uma tendência para a elevação de preços em grau muito superior àquele que deveria corresponder ao mesmo estado de desequilíbrio. O ambiente torna-se propício a uma especulação desenfreada, cuja acção dia a dia se vai patologicamente acentuando e que, não sendo atalhada a tempo, é ela própria causadora de novos e reais desequilíbrios.
As perspectivas optimistas que em relação a este segundo aspecto é legítimo encarar a subida constante de preços deixou de se verificar há um ano a esta parte só servem para radicar a opinião de que índices do custo da vida da época anterior a 1939 e dos primeiros tempos desta só mui dificilmente poderiam porventura restaurar-se. E o certo é que tão cedo isso não poderá acontecer.
Verificado assim um real abaixamento do poder do compra da moeda, se é realmente de elementar justiça que as rendas sofram um aumento, é também conveniente que a elevação se faça em pequena escala, mas sem demora, para, na medida do possível, se evitar que possam vir a dar-se situações de iniquidade semelhantes às que a guerra de 1914-1918 originou.
Afigura-se, portanto, a esta Câmara que subsistem as razões que a levaram a defender, no parecer de 1947, um acréscimo geral sobre as Rendas anteriores a 1 do Janeiro de 1943, nada tendo a rectificar no que se refere ao quantum do aumento nem quanto à escolha desta data como marco divisório. Em relação àquele, é ainda o decreto n.º 3-3:880, de 1 de Outubro de 1946, que remodelou o sistema, de subvenções ao funcionalismo público, a atribuir à percentagem de 20 como que um sentido de mínimo de actualização, de carácter permanente; é por outro lado a lei n.º 2:026, de 29 de Dezembro de 1947 (lei de meios), considerar no seu artigo 5.º, pá rã o cálculo da sisa e do imposto sucessório, um acréscimo sobre o valor matricial de um mínimo de 20 por cento. Em face de tudo isto, não se compreende porque para o arrendamento se haveria de recusar toda e qualquer elevação. Acresce que, forno é de conhecimento notório, todas as despesas de reparação e conservação das casas subiram enormemente de 1942 para cá, e1 não seria justo deixar de atender a factor tão importante.
A referência à data considerada como ponto limite para o regime de aplicação geral dos 20 por cento suscita um aspecto que desde já deve ser encarado.
Conforme se disse, a Câmara Corporativa, ao rever o problema da actualização de rendas, manifestou-se no sentido de que fossem susceptíveis de redução as convencionadas posteriormente a 1 de Janeiro de 1943; não será menos coerente estabelecer para contratos feitos até 31 de Dezembro de 1942 um acréscimo de renda e autorizar, em relação a contratos feitos a partir do dia imediato, uma eventual redução do quantitativo estipulado?
A resposta a esta dúvida será de mais fácil entendimento em face das razões que levaram a Câmara a votar, por maioria, doutrina diferente da adoptada em 1947 e que serão desenvolvidas ao fazer-se o estudo da base XXXII.
Por agora convém salientar que a posição agora tomada pela Câmara Corporativa - em relação aos arrendamentos celebrados posteriormente a 1 de Janeiro de 1943 não implica que a modificação nos quantitativos das rendas se tenha sempre de fazer no sentido da redução; a Câmara não aderiu ao princípio do n.º 2 da base XXXII, na redacção da proposta do Governo, e antes consignou a, doutrina de que há que respeitar o resultado da avaliação que qualquer dos interessados requeira, seja no sentido da redução, seja no sentido de aumento, embora o exagero das rendas estipuladas
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a partir de então faça supor que a primeira hipótese será, sem dúvida, de muito maior frequência.
Portanto a divisória estabelecida no pareceu de 1947 e mantida presentemente não oferece, em face da orientação agora marcada, substancialmente aspecto diverso daquele que revestia na. emergência anterior. Então, assinalando um limite de tempo, por forma que os arrendamentos posteriores só poderiam comportar modificações nas rendas estipuladas se uma disparidade já existisse ou uma avaliação requerida pelo senhorio justificasse um aumento; agora, assinalando o mesmo limite por f ovina que os arrendamentos posteriores possam sofrer, no sentido da redução ou do aumento, os efeitos ide uma avaliação requerida por senhorio ou por inquilino. Quanto aos contratos anteriores a 1943, em relação aos quais se sugere não poder haver durante os primeiros; três anos de vigência desta lei alteração de rendas determinada por novas avaliações, é perfeitamente de admitir que subsista o princípio do aumento geral de 20 por cento.
Nestas circunstâncias, a Câmara Corporativa, modificando o texto da base XXIX, aproxima a sua estrutura da adoptada no artigo 13.º do parecer de 1947 e reproduz na alínea a) do novo texto a disposição da alínea a) do artigo 13.º do texto referido em 1947.
123. Relativamente aos acréscimos a fazer incidir sobre a renda em vigor à data da publicação desta lei, a Camará Corporativa verificou que o ritmo previsto na proposta era mais acelerado do que o sugerido por esta Câmara em 1947, pois, enquanto nesta para a actualização estava previsto um período máximo normal de onze semestres, naquela não se admite em caso algum que a actualização possa demorar mais de seis semestres.
A Câmara ponderou detidamente a questão e não viu obstáculo na adopção do critério de uniformização dos escalões, na base de 20 por cento de aumento em cada semestre. Porém em relação à alínea c) do n.º 1 da base, na redacção da proposta, afigurou-se-lhe que o princípio rígido ali fixado poderia em certos casos dar lugar a um coeficiente de actualização alto que tornasse o encargo demasiado violento; e então voltou a encarar a hipótese de adoptar um correctivo semelhante àquele que consignara aia segunda parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 13.º do texto de 1947. Porém uma análise mais aprofundada do assunto trouxe a convicção de que, na base de 20 por cento de aumento em cada semestre, já é infundado o receio - bem legítimo na tese dos 10 por cento do parecer de 1947 - de que o ritmo normal de actualização possa conduzir a um término demasiadamente dilatado.
Nestas circunstâncias entendeu-se que não haveria que estabelecer qualquer restrição ao plano geral de actualização, tanto mais que trazia sempre certa complicação um sistema que obrigava a considerar duas concessões sucessivas em sentido oposto.
Esta resolução conduziu a fazer eliminar a alínea c) do n.º 1 da base da proposta, ou o correspondente texto da alínea c) do n.º 1 do artigo 13.º do parecer de 1947.
O sistema agora sugerido pela Câmara é, em resumo, o mais simples de todos, e bastante mais suave do que o da proposta de lei: a elevação será fixamente de 20 por cento em cada semestre, sem limitação do número de semestres que será necessário utilizar até se atingir o valor do rendimento colectável ilíquido.
124. A Câmara Corporativa, estudando o diferendo sintetizado na alínea c) supra, fixou a orientação de em geral, o rendimento colectável ilíquido da matriz poder estar sujeito a revisões promovidas por senhorio ou por inquilino, tendo o resultado das respectivas avaliações relevância em relação às rendas. Porém, no tocante ao período de reajustamento que agora vai iniciar-se, entendeu-se que a permissão imediata de tais revisões contribuiria para perturbar o ambiente de calma quê muito convirá assegurar no entrechoque de interesses, a que uma alteração, embora suave, do existente sempre dá lugar.
Na verdade, assim como as revisões de rendimentos matriciais, em relação a contratos recentes, conduzirão normalmente a uma redução, em relação a arrendamentos anteriores a 1 de Janeiro de 1943 tenderão a conduzir a um aumento.
E seria, até psicologicamente, pouco aconselhável uma solução da qual deriva a circunstância de aquele que tem de vencer uma distância ver afastada a meta antes de percorrido o caminho.
Uma vez que na base XXXIII-C, adiante sugerida, se estabelece como intervalo mínimo de duas avaliações consecutivas o período de três anos - salvo, bem entendido, a hipótese do traspasse, que tem regime especial -, opinou-se que bem poderia fixar-se nesse mesmo limite o período em que se considera defesa a alteração dos rendimentos matriciais, tanto anais que, como já se disse, tal prazo deve, na maior parte dos casos, ser o suficiente paxá consumar a actualização.
É este o objectivo da alínea d) do texto que se sugere, no qual se preconiza, à semelhança do que se fazia na alínea d) do artigo 13.º do texto de 1947, que os aumentos se tornem efectivos pela forma gradual prescrita na mesma base e se acrescenta que no caso de redução esta seja atendida na totalidade e por uma só vez.
Para que, porém, se ,não acumulasse o serviço de avaliações, inseriu-se o preceito da alínea c) do n.º 1 Resta, acrescentar que no artigo 8.º da lei n.º 104 era sempre facultado ao senhorio requerer a avaliação, para o efeito de elevação de renda.
125. A Câmara Corporativa julgou vantajoso deslocar para uma base autónoma, a que destinou o n.º XXIX-A, a enunciação dos regimes especiais de actualização. Portanto, na altura própria será ventilado o assunto.
126. A Câmara Corporativa julgou dever repor, no texto que apresenta, a matéria do n.º 3 do artigo 13.º e a do artigo 14.º esta sem unanimidade de votos do texto de 1947. A justificação destas providências acha-se feita no parecer elaborado sobre o projecto de lei n.º 104J: apenas cumpre observar que elas nada colidem com a orientação geral da proposta do Governo.
127. Ainda a Câmara Corporativa entendeu que, em relação a arrendatários em condições económicas favoráveis (os que pagam imposto complementar correspondente a rendimentos proporcionalmente elevados), deveria admitir-se um plano de actualização mais rápido, ou seja o que na base XXIX-A vai adoptado para o arrendamento de estabelecimentos comerciais.
Esta medida, cujo sentido de justiça é desnecessário encarecer, nada colide com o que, no parecer de 1947 e em relação ao que se dispunha no § 5.º do artigo 5.º do projecto de lei n.º 104, foi dito sobre os inconvenientes acerca de uma devassa a respeito da situação patrimonial dos particulares 2. O ponto de referência a considerar aqui - tributação em imposto complementar - é de uma objectividade completa. E quanto à base que se adopta e sugere não poderá
dizer-se que ela seja apertada.
1 Parecer e loc. cit., p. 23.
2 Parecer e loc. cit., p. 470-(20).
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BASE XXIX-A.
128. O projecto de lei n.º 104 não estabelecia, para o efeito de actualização de rendas, quaisquer distinções relativas à pessoa do arrendatário ou ao destino atribuído ao prédio: e nem seria lógico que o fizesse, uma vez que, salvo a alegação da escassez de meios por parte do arrendatário, preconizava a actualização sem escalões (projecto, artigo 5.º e && 4.º e 5.º).
O parecer de 1947 seguiu ponto de vista diferente, e, uma vez adoptado o princípio do escalonamento no desiderato da coincidência da lenda e do rendimento matricial, era legítimo fixar regime especial para aqueles que mais aptos se mostrassem a suportar o encargo 1. E, assim, organizou a Câmara Corporativa, no n.º 1 do artigo 15.º do texto por ela elaborado, um sistema pelo qual o Estado e os serviços públicos com autonomia suportariam o aumento na totalidade e por uma só vez, e as autarquias locais, organismos corporativos e de coordenação económica, pessoas morais com fins diversos dos humanitários, de beneficência, assistência ou educação e os arrendatários de estabelecimentos comerciais ou equiparados suportariam o aumento em dois tempos.
A proposta de lei n.º 202 sujeita ao regime-regra os arrendamentos comerciais e equiparados; e estabelece no n.º 4 da mesma base, para o Estado, autarquias, organismos corporativos e de coordenação económica e pessoas morais acima referidas, o sistema de actualização em dois tempos semestrais.
129. A Câmara Corporativa, ao rever o assunto, mantém, nas suas linhas gerais, a posição marcada no ano último. Em primeiro lugar, não pode concordar com a solução de se atribuir aos arrendamentos de estabelecimentos comerciais e equiparados o regime geral. De longe se tem acentuado no nosso direito positivo a tendência para sujeitar tais arrendamentos a coeficientes de actualização diferentes dos adoptados no inquilinato de habitação. No caso presente, a diferença visa tão-sòmente a um ritmo mais rápido na realização do objectivo final. Por isso a Câmara «Corporativa, dando por reproduzido o que no parecer anterior salientou, conserva a opinião de que o inquilinato comercial deve ter regime diferente do comum, alargando, porém, para quatro semestres - o primeiro na proporção geral de 20 por cento e cada um dos restantes na base de uma terça parte da diferença que ficar subsistindo (quando essa terça, parte seja superior a 20 por cento) - a amplitude da realização integral da actualização.
É ao regime do inquilinato comercial entendeu assimilar, como fizera em 1947, o dos organismos que no n.º 4 da (proposta do Governo são colocados em pé de igualdade com o Estado.
E nesta conformidade que se acha redigido o n.º 2 da base XXIX-A.
130. Em relação aos prédios de que é arrendatário o Estado tem-se verificado uma acentuada evolução. Desde o sistema do § 5.º do artigo 10.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924, que considerava para efeitos de aumento de renda os prédios de que era inquilino o Estado como arrendados para habitação, até ao do § único do artigo 2-3.º do decreto na 15:289, de 30 de Março de 1928, em que só excepcionalmente se dá tal equiparação, vai uma grande distância. E não se com-
1 Parecer, no Inc. cil., p. 470-(24).
2 Lei n.º 1:368, de 21 do Setembro do 1922, artigo 25; lei n.º 1:602, de 4 de Setembro do 1924, artigo 10.º, n.º 1.º, alíneas a) e b) decreto n.º 15:289, de 30 de Março de; 1928, artigo 23.º e artigo 24.º, alíneas d) e b).
preenderia que o Estado, que, quando senhorio, se reservou um regime de actualização numa base excepcionalmente favorável, não desse o exemplo de com a maior prontidão, se. sujeitar a pagar numa base geral àquela em que cobra a respectiva contribuição predial, como no parecer d.e 1947 se põe em relevo.
Por isso a Camara Corporativa redige o n.º 1 da, base XXIX-A em termos de conteúdo semelhante ao da alínea c) do n.º 1.º artigo 15.º do texto de 1947.
131. O n.º 3 a inserir na base XXIX-A é a reprodução do n.º 2 da base XXIX da proposta, que, por sua- vez, o transcreveu do n.º 2 do artigo 15.º do parecer de 1947: não carece, por isso, de qualquer justificação.
132. (junto ao n.º 4 do texto sugerido, é facto que ele não tem correspondência no parecer de 1947, e muito menos o poderia ter na proposta do Governo, que admitia, no n.º 2 da sua base XXIX, a equiparação do inquilinato comercial e de habitação (para o efeito de actualização de renda. O princípio nele consignado decorre naturalmente do facto de o regime da base XXIX ser o regime-regra e da circunstância de ser necessária uma destrinça que ao senhorio, quando nisso tenha interesse, compete promover.
133. A matéria do n.º 5 do texto ora proposto é a transcrição do n.º 3 do artigo 15.º do projecto de 1947. Não tem qualquer correspondência na proposta do Governo, pois. como já se disse, esta não considerava como ponto de referência para a actualização das rendas outro rendimento colectável ilíquido que não fosse o que constasse da matriz em 1 de Janeiro de 1948 (ver n.º 1 da base XXIX no texto do Governo). Admitida, embora com uma defesa de três anos, a possibilidade de novas avaliações, há que prever correcções a introduzir, e bem se compreende que, em relação ao inquilinato comercial, se estabeleça o princípio da imediata actualização.
BASE XXX
134. O n.º 1 desta base na redacção da proposta corresponde ao n.º 1 do artigo 16.º do texto sugerido pela Câmara Corporativa em 1947. A primeira parte; é de evidência- indiscutível. Quanto, porém, à segunda parte, ou seja aquela em que se declara, em regra, automática a elevação de rendas, determinada por esta lei, foi esta Câmara levada a rever o assunto.
Recorda-se que pelo § 2.º do artigo 5.º do projecto de lei n.º 104 o aumento só se tornava efectivo por meio de notificação judicial quando não houvesse concordância do arrendatário, manifestada em especial através do conteúdo do recibo que aceitou como prova de pagamento. O parecer de 1947 2 pronunciou-se pela rejeição do sistema da notificação judicial, salvo naqueles casos que considerava, como desvio da regra, por derivarem de circunstâncias eventuais, e que apontava no n.º 2 do artigo 10.º do seu texto. A proposta de lei não reproduziu o objecto deste preceito, e isso bastaria para levar esta Câmara a encarar de novo o assunto. É, porém. facto que a Câmara voltou a analisar a questão em relação aos casos de elevação normal de rendas, ou seja os que vêm previstos no n.º 1 da base XXIX e nos n.ºs 1 e 2 da base XXIX-A.
Quanto ao aumento da alínea a) do n.º 1 da base XXIX, pelo seu carácter de generalidade e simplicidade, não ofereceu dúvida a solução de o aumento se fazer sem dependência da prévia notificação ou aviso. E até a
1 Decreto-lei n.º 24:739 de 6 de Dezembro do 1934.
2 Parecer, loc. cit. p. 470-(24).
3 Parecer o loc. cit. p. 470-(19).
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circunstância de se tratar de um aumento inicial da mais larga extensão afasta qualquer receio de fraude na reserva mental do senhorio tendente a iludir o arrendatário sobre o que sejam as suas obrigações em relação ao aumento imposto na lei e pode até fornecer uma boa oportunidade de senhorio e inquilino se entenderem acerca da execução idos ulteriores passos da actualização.
Em relação, porém, a este ponto, e para o caso de a aproximação a que se acaba -de aludir não se ter levado a efeito ou não ter tido resultado útil, a Câmara reconsiderou sobre a solução anteriormente adoptada, e, ponderando que neste período de ajustamento era conveniente assegurar um ambiente de mútua confiança entre senhorios e inquilinos, tornou os aumentos de rendas ulteriores a 1948 dependentes da comunicação, feita pelo senhorio ao inquilino no verso dum recibo, do plano desses aumentas. Por esta forma evita-se o uso obrigatório da notificação judicial, mas consegue-se fazer uma comunicação que concretiza e simplifica as coisas.
Convinha, pura uma boa fiscalização do cumprimento desta formalidade, escolher o recibo referente à renda de um mês certo, tendo-se escolhido o relativo à renda pagável em Outubro de 1948 e que - convém acentuá-lo, até como lembrança na fixação das épocas em que se iniciem os a um entoa - corresponderá, com grande frequência, à renda respeitante ao mês de Novembro, por se achar convencionado o regime da antecipação máxima facultada no § único do artigo 37.º do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919.
Como, porém, se pode dar o caso de não haver renda a pagar em Outubro - deve também recordar-se que o regime supletivo (de aplicação certamente esporádica) estabelece o pagamento no fim do prazo do contrato (decreto citado, artigo 37.º)-, reservou-se para esse caso o recurso à notificação judicial, também
extensivo ao de o senhorio, por desleixo ou outro motivo, não ter usado do meio acima indicado.
É nesta conformidade que se redigiram os n.ºs 2 a 4 da base XXX no texto agora apresentado.
135. O n.º 5 da base respeita àqueles casos que por derivarem de circunstâncias eventuais aconselham o uso da notificação judicial, ou sejam os que correspondem ou se assemelham aos visados no n.º 2 do artigo 16.º do texto de 1947.
O n.º 6 da base que II gora se sugere representa a reprodução do princípio consignado no § 1.º do artigo l8.º do projecto n.º 104, n.º 2 do artigo 18.º do parecer de 1947 e n.º 2 da base XXX da proposta, com o lógico aditamento de a destrinça dever ser completada com a notificação judicial.
BASE XXXI
136. A proposta governamental constitui a transcrição do artigo 17.º do parecer de 1947, com omissão da referência que Me contém na parte final do n.º ,1, o que bem se compreende, dado o facto de no sistema da proposta só ser de considerar o rendimento constante da matriz em 1 de Janeiro de 1948.
A Câmara Corporativa, dando por reproduzido, em justificação desta providência, o que já escreveu 1, adopta o texto de 1947.
137. A fixação do regime a que, em presença da actualização de rendas, deve ficar sujeito o encargo lançado sobre o inquilino, nos termos do artigo 44.º do decreto n.º 20:50,2, de 14 de Junho de 1935, a que se faz referência no n.º l, fax recordar que outros encargos de
1 Parecer o, loc. cit., p. 470-(24 e 25).
origens diversas têm vindo a interferir com a prestação convencionada no contraio como renda. É, por exemplo, o pagamento de uma mensalidade paga a título de compensação pelas obras de saneamento que o senhorio foi forçado a suportar 1, o encargo cobrado a título de despesas de instalação eléctrica 2 e o encargo correspondente à instalação do receptáculo para correspondência
postal 3.
Todos estes acréscimos à renda não determinariam a necessidade de qualquer providência especial se não fora a circunstância de alguns dos diplomas quê os instituem haverem declarado, com objectivos meramente empíricos, que tais encargos eram considerados uma parte integrante da renda. Uma vez que a actualização toma para base da incidência das respectivas percentagens de aumento a própria renda, era mister que não houvesse qualquer equívoco, na certeza de que todas essas alcavalas não podem ter qualquer relevância sobre o regime de actualização de rendas.
Esta a razão de ser do n.º 3, cuja inclusão na base XXXI se propõe, e que, exemplificando com os casos mais frequentes em Lisboa e no Porto, assegura regime idêntico para qualquer outro encargo semelhante.
138. É hoje facto vulgar estipular-se no com trato o serviço de aquecimento o cargo do senhorio.
A referência ao n.º 21.º do artigo 173.º do Código da Contribuição Predial feita no § único do artigo 10.º do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, u que a proposta, na alínea a) do n.º 1 da base XLII, vem dar valor, poderia, a tal respeito, originar confusão. Nessas circunstâncias, porque a prestação a receber do inquilino é essencialmente uma remuneração de serviço, considerou-se expressamente como prestação autónoma e lícita, mas sujeita às leis repressivas da especulação. E ata aqui, aliás, um princípio de carácter geral, aplicável a quaisquer arrendamentos, embora declarado expressamente neste lugar.
B) Arrendamentos celebrados depois de 31 de Dezembro de 1942
(Bases XXXII o XXXIII)
139. A matéria das. bases XXXII e XXXIII está intimamente ligada, mormente se se considerar que não se está em presença de um diploma especial sobre inquilinato, mas sim de uma proposta que visa no seu conjunto o problema da habitação. Já se disse que a Câmara Corporativa, no parecer sobre o projecto de lei n.º 104, estudou o assunto a que as bases se referem, ou seja a limitação de rendas, tanto em relação a arrendamentos já celebrados: como em relação u contratos futuros, depreendendo-se do n.º 2 da base XXXIII que nestes últimos vão também abrangidos os que respeitam a prédios novos.
O parecer de 1947, como já se disse, declarou-se contrário ao princípio da redução da limitação de rendas e, nessa ordem de ideias, estabeleceu o n.º 2 do artigo 13.º do seu texto, como efeito essencial da baliza localizada no termo do ano civil de 1942, a aplicação ou não aplicação do adicional de 20 por cento previsto na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo 13.º; o projecto de lei n.2.104 não considerava o caso.
A proposta de lei n.º 202 foca o problema dos arrendamentos recentes em termos diferentes, marcando, como já se disse, uma orientação nova em Portugal.
1 Decreto-lei n.º 31:674, de 22 do Novembro do 1941, artigo 14.º e parágrafos.
2 Decreto-lei n.º 29:782, do 27 do Julho do 1939, artigo 6,º
3 Decreto 11.º 21:887, de 11 do Novembro de 1932.
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140. É de notar que, em relação à data adoptada como divisória entre um e outro regime, se verifica identidade de pontos de vista, no parecer e na proposta.
E, na verdade, dentro da margem de arbítrio que há sempre na fixação dum limite, outro se não vislumbra com maior razão de preferência.
Se, no domínio dos factos, é de então para cá que, realmente, se observa o grande exagero das- rendas, no domínio do direito é também nas imediações dessa data que 1 o decreto n.º 32:638, de 12 de Janeiro de 1943, veio oficialmente tornar público que estava aberto um novo período de anormalidade no tocante a habitação.
A Câmara Corporativa, ao tomar conhecimento da orientação marcada pelo Governo de reduzir as rendas, independentemente do que constitui atributo fundamental da personalidade (individual ou colectiva) - a revisão de um ponto de vista -, deve, neste particular, ter em atenção que no ano último o seu parecer versava um projecto do inquilinato de ordem essencialmente técnica, enquanto que agora está perante todo um sistema de conjunto, procurando dar solução, por meios rápidos e enérgicos, ao problema da habitação.
É natural que então avultassem aspectos de ordem jurídica, especialmente o princípio do respeito pelas estipulações contratuais, a indicar um determinado caminho.
Hoje pretende-se lançar as bases para um grande plano de acção, e, sendo assim, o problema reveste outros aspectos.
141. Salientou-se já que o problema colocado na proposta em forma tão incisiva, sobre a redução e limitação de rendas, foi sem dúvida o que maior divisão de pontos de vista provocou no seio da Câmara.
Apontam-se como argumentos contrários à doutrina da proposta os seguintes:
1.º Trata se duma grave derrogação do principio de que pacta sunt servanda;
2.º O objectivo é muito facilmente iludido, pelo menos em relação aos arrendamentos futuros, pois não há forma de evitar as chaves ou luvas, mediante as quais o senhorio se ressarcirá daquilo que como renda lhe não for permitido cobrar;
3.º A política de limitação de rendas traduz-se numa falta de estímulo à, construção de novos prédios, e portanto tem. efeitos contraproducentes sobre a resolução do problema da habitação.
Sem deixar de reconhecer o valor destes argumentos, a Câmara Corporativa orientou-se, em deliberação obtida por maioria, em sentido favorável à proposta, ou antes a uma solução na qual se deve compreender, como consequência mais frequente, a redução de rendas a que alude a base XXXII do texto do Governo.
142. Quanto ao fundamento aduzido em primeiro lugar no número anterior, ele só pode colocar-se em relação aos arrendamentos actualmente em vigor.
Ora, uma vez que realmente se verifica que as rendas de 1943 para cá subiram em proporções muito excessivas em relação ao aumento do custo da vida, é evidente que os proprietários - e num ou noutro caso talvez os arrendatários sublocadores - estão, em relação a esses arrendamentos, auferindo rendimentos muito superiores ao que poderia representar o justo lucro do capital investido.
Ao fundamento da livre estipulação objectivada no contrato há a contrapor, com a relevância que a doutrina moderna sanciona, o estado de necessidade em que foi prestado o consentimento do locatário, por motivo de falta de casas disponíveis.
Quando, com frequência, se traz ao tablado a comparação da situação do senhorio e do inquilino em presença do princípio da renovação obrigatória, salienta-se
- e bem - que a posição jurídica das partes não tem reciprocidade, pois, enquanto o senhorio não pode pôr termo ao contrato no fim do período convencionado, o inquilino pode fazê-lo, mas esquece-se que esta faculdade de ordem jurídica não tem correspondência, na ordem dos factos, por escassear a solução de procurar outra casa em condições razoáveis de renda.
É este estado de coisas que tira à estabilidade do pacto de arrendamento aquela autoridade de lei entre as partes que é própria dum negócio jurídico em que o consentimento não se exprimiu sem intervenção de qualquer acção inibitória. Não é, porém, esse o caso dos contratos em que, mercê das circunstâncias, se impõem rendas de montante exageradíssimo. Se esses contratos, no aspecto jurídico, trazem consigo o indicado vicio de origem, também no aspecto económico e social têm de ser encarados com reservas. Esses contratos asseguram um rendimento absolutamente desproporcionado com as circunstâncias em que o senhorio, regra geral, teve a propriedade do prédio; ou fazendo a sua construção ainda com materiais, a preços normais ou quase normais ou adquirindo-o por compra em época em que as casas se transaccionavam em condições razoáveis. Os princípios estabelecidos no Estatuto do Trabalho Nacional acerca do que deva ser a remuneração justa dos diversos factores da produção não são compatíveis com este aspecto do problema da habitação.
143. Em relação aos arrendamentos a celebrar posteriormente à vigência da lei não há a colocar o problema do respeito pela relação contratual. Na verdade, a situação do proprietário em face de arrendamentos futuros é certamente de mera expectativa e por isso a restrição prevista na base XXXIII não representa desrespeito por qualquer direito adquirido, mas, quando muito, causa de decepção em vista de uma perspectiva auspiciosa. Mas, diz-se, é justamente nesse ponto que há que recear as fraudes, dada a impossibilidade de fiscalizar, em todos os detalhes, o contacto que precede a celebração do contrato. A este respeito a Câmara Corporativa não descrê em absoluto de qualquer fiscalização, tanto mais que nada obsta a que, para .execução do princípio da limitação de rendas, se adoptem as providências complementares que sejam de aconselhar. Como afirmação de sentido repressivo parece suficiente a aplicação do regime do crime de especulação à infracção prevista no artigo 110.º e § único do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, em que justamente vai abrangida á exigência de chave ou prestação semelhante.
144. Quanto aos prédios novos, a questão foi encarada - também aqui sem unanimidade de votos- sob um prisma diferente. A Câmara Corporativa considerou as consequências desta proposta de lei, com toda a série de medidas preconizadas para resolver à crise de habitação, e em especial as das bases XXVI a XXVIII, de cuja eficiência há tudo a esperar no sentido do desenvolvimento da construção, bem como da sugestão apresentada por esta Câmara como base XXV-A, relativamente ao regime de propriedade por andares e ainda da criação do direito de superfície.
Afigura-se à Câmara Corporativa que a lei a votar pela Assembleia Nacional deve abrir um período novo no desenvolvimento da construção, e que ao lado da actividade promovida, auxiliada ou orientada pelo Estado deve dar-se todo o estímulo à iniciativa privada, para que ela possa também ter campo de acção - que não será certamente o mais apagado - no restabelecimento do equilíbrio nas condições de habitação.
Nessas circunstâncias, não pôs dúvida em retomar a posição marcada no decreto n.º 15:289, de 30 de Março
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de 1928 1 que, embora de objectivos mais limitados, obedecia a um pensamento semelhante ao da presente proposta, e assim opina que, em relação às casas a construir de novo, vigore o pleno regime de liberdade contratual, na convicção de que, com a conjunção de todas as providências previstas, se venha restabelecer ambiente idóneo para a vigência desse regime.
145. A Câmara Corporativa definiu, nos termos expostos, a sua posição em face do problema colocado pela proposta, e que pode sintetizar-se no seguinte: considerando o regime de liberdade contratual como o mais conveniente para o período de normalidade que, entende, se iniciará com a execução do plano estabelecido na proposta, a Câmara Corporativa dá o seu acordo às medidas de aplicação imediata tendentes a contribuir para a neutralização do desequilíbrio actual, e, dentro dessa orientação, não está fora do seu propósito aceitar o ponto de vista da proposta no que se refere à limitação e redução de rendas em relação aos prédios já existentes, porque se convence de que tal medida poderá apressar o restabelecimento da normalidade. Tal como sucede com a perturbação sofrida pelo equilíbrio dos líquidos em vasos comunicantes por virtude da pressão incidente sobre uma das superfícies, e em que uma nova pressão exercida sobre a outra pode contribuir para o restabelecimento do equilíbrio, também aqui a plena actualização de rendas nos arrendamentos antigos pode ser facilitada pela redução e limitação das rendas modernas. Resta, com estas premissas, organizar as bases em que respectivamente se considera a situação dos arrendamentos actuais e dos que vierem a ser celebrados, uns sobre prédios já existentes e outros sobre prédios a construir, e que serão j respectivamente, as bases XXXII, XXXIII e XXXIII-A.
BASE XXXII
146. A Câmara Corporativa não aceita o princípio de que a alteração resultante da avaliação requerida para correcção do rendimento colectável seja sempre, em relação a prédios arrendados depois de 1 de Janeiro de 1943, uma redução. Entende, pelo contrário, que o rendimento colectável deve em todos os casos ser a baliza da renda. Por isso faculta-se que a avaliação seja requerida tanto pelo proprietário como pelo inquilino e que tanto tenha lugar em relação aos arrendamentos de habitação como aos de qualquer outro fim, o que se deixará até expressamente referido na base XXXIII-B.
Portanto, e em conclusão, quer nos arrendamentos anteriores a 1943, quer nos posteriores, a renda deve tender para o rendimento colectável, que uma avaliação, a requerimento de qualquer das partes, venha a fixar. Simplesmente, em relação àqueles, para os quais se criou um regime gradual de actualização, julgou-se que essa avaliação não deve ter lugar antes de decorridos três anos; em relação a estes, porque não há escalonamentos, não há razão para que a avaliação não possa ser pedida desde já.
A segunda parte do n.º 1 da base XXXII da proposta passou a constituir o n.º 2 do texto sugerido por esta Câmara, com a necessária alteração no sentido de que a modificação tanto pode ser uma redução como um aumento.
Entendeu, porém, a Câmara dever introduzir uma restrição que, aparentemente, reveste o aspecto duma nova violação ao princípio do artigo 702.º do Código Civil. Chegou ao conhecimento da Câmara Corporativa, por informações de cuja autenticidade não foi possível, pôr falta de tempo, averiguar, que certos proprietários,
1 Decreto cit, artigo 54.º
para se colocarem, pelo menos nos anos mais próximos, a coberto da redução de rendas prevista na base XXXII da proposta, estavam exigindo a fixação dum largo prazo de vigência do contrato, ultrapassando até em muito o limite de quatro anos a que se refere o artigo 27.º do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919.
Ora é manifesto que se está em presença de uma fraude à lei...futura. Hoje os arrendamentos são normalmente estipulados por períodos que não excedem os semestres ou o ano, o que bem se compreende, dado o princípio da renovação obrigatória. Por conseguinte, introduziu-se como prazo limite para o início da vigência o de um ano decorrido sobre a avaliação. Em matéria de ajustamento de rendas não se tem seguido o critério de aguardar o termo do contrato: a razão de emergência prevalece. E, por isso, também aqui deve adoptar-se o regime.
A eliminação do n.º 2 da base XXXII representa uma natural consequência do que se expôs.
BASE XXXIII
147. No texto da proposta ao Governo o n.º 1 abrange tanto os arrendamentos de prédios já construídos como os que de futuro venham a construir-se.
No parecer de 1947 corresponde a esta dita matéria o artigo 20.º, sendo fundamental entre aquela e este a seguinte diferença: enquanto na proposta não pode ser convencionada uma renda superior ao rendimento colectável ilíquido constante da matriz, pelo artigo 20.º do texto de 1947 a renda estipulada não comportava diminuições derivadas do resultado da avaliação (n.º 2 do artigo 20.º e n.º 4 do artigo 18.º).
O projecto de lei n.º 104 não se ocupou dos arrendamentos futuros.
Consoante as conclusões votadas pôr maioria, a Câmara Corporativa está de acordo com a doutrina do n.º 1 da proposta, na parte em que abrange os arrendamentos de prédios actualmente existentes; quanto aos prédios a construir, a doutrina é outra, que será objecto da nova base XXXIII-A.
Introduziu-se, portanto, no n.º 1 do texto da proposta a alteração adequada à solução aditada, referindo expressamente a circunstância de a renda poder ser alterada por efeito da avaliação. E porque a matéria do n.º 2 não tem qualquer alcance em relação aos prédios a que fica restrito o objecto desta base - como, de resto, o deixa de ter em relação aos prédios novos -, introduz-se, como n.º 2, um preceito declarando aplicável a estes arrendamentos o disposto na base anterior, ou seja o princípio da correcção da renda por efeito de avaliação requerida por senhorio ou arrendatário.
BASE XXXIII-A
148. Esta base destina-se a objectivar a doutrina de que, em relação a prédios a construir, deverá existir o regime de liberdade contratual, no duplo aspecto por que normalmente vem caracterizado: liberdade de estipulação de rendas e admissibilidade de despejo no fim do prazo do arrendamento. Porque se trata dum regime que, em relação ao que hoje é corrente, tem carácter excepcional, justo é que seja assinalado expressamente, para evitar quaisquer surpresas.
É possível que a fórmula adoptada «prédios construídos depois da publicação desta lei» se apresente como equívoca, por deixar dúvidas, até pela comparação que o texto da base XXXIII dá, sobre a situação dum prédio actualmente em construção ou dum prédio para cuja construção já tenha sido pedida licença.
O pensamento da Câmara, conforme resulta do que já foi ponderado, reporta-se manifestamente a prédios cuja construção é já determinada pelo impulso renovador de-
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rivado da própria reforma: nem doutra forma faria sentido o regime excepcional estabelecido nesta base. Por que forma ou em que termos deve estabelecer-se o ponto de partida, isso será função do Governo, que na execução do plano de incitamento à construção se reservou papel de grande relevo.
E, sendo assim, preferível a estabelecer divisórias incertas - entrada na câmara do pedido de licença, compra de terrenos em hasta pública para construção obrigatória, etc. -, é fixar um programa, e a fórmula adoptada foi já a do artigo 54.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928 - que o decreto n.º 32:638 suspendeu -, sobre a qual há já Jurisprudência , marcando com nitidez que só poderiam considerar-se abrangidos os prédios construídos sob a égide do plano de desenvolvimento da construção constante daquele diploma, sendo, sob esse aspecto, perfeitamente paralelos o objectivo do referido decreto e o da presente proposta de lei.
a) Disposições comuns
149. Porque se trata de disposições comuns aos arrendamentos antigos, aos mais recentes e até aos posteriores à vigência do diploma, agruparam-se sob esta rubrica as bases dá proposta relativas a avaliações, acrescentando-se, porém, as bases XXXIII-B e XXXIII-C, cuja função é principalmente cortar dúvidas que se pudessem levantar; e por isso mesmo a matéria da base XXXIV (traspasses), que não foi objecto do projecto de lei n.º 104 nem do parecer de 1947, foi constituir o objecto da base XLI-A.
BASE XXXIII-B
150. Esta base tem por principal objectivo deixar esclarecido que o regime das avaliações é de aplicação geral, e em especial que, em relação aos estabelecimentos comerciais, as avaliações para traspasses não prejudicam as que compitam por efeito do regime genérico de actualização de rendas.
BASE XXXIII-C
151. A primeira parte desta base corresponde ao n.º 5 do parecer de 1947 ë visa a não consentir avaliações demasiado frequentes, adoptando-se como prazo o estabelecido no decreto n.º 25:502, de 14 de Junho de 1935. A segunda parte deixa esclarecido que no caso de traspasse o intervalo mínimo entre duas avaliações consecutivas é de um ano.
BASE XXXV
152. Esta base corresponde integralmente ao n.º 1 do artigo 18.º do parecer de 1947 2.
BASE XXXVI
153. O n.º 1 desta base da proposta teve por fonte directa o artigo 19.º do parecer de 1947, apenas se notando a omissão da palavra «decreto». Porque o preceito se refere a organização de recursos, não parece que simples instruções sejam diploma bastante, e por isso regressa-se à fórmula do parecer de 1947, e aproveita-se à oportunidade pára, ao mesmo tempo que implicitamente se afirma á existência de normas de exequibilidade imediata (Constituição Política da República Portuguesa, artigo 109.º, § 4.º), se esclarecei que a matéria de avaliações só, entrará em vigor depois de publicado o referido decreto.
1 Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 1936, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 69.º, p. 7.
2 Vem no parecer, loc, cit., p, 470-(19), a justificação desta base.
O n.º 2 da base da proposta contém matéria nova, que só pode merecer aplauso, - dados os importantíssimos reflexos que as avaliações produzem nas relações civis entre senhorios e inquilinos; por isso, e com ressalva do preceito do artigo 97.º da Constituição Política da República Portuguesa, sugere-se que o número de magistrados judiciais possa ser superior a um.
O n.º 3 é talvez demasiado taxativo, e por isso sugere-se um acrescentamento que possa dar uma certa maleabilidade.
Sugere-se a inserção do n.º 4, que corresponde à necessidade de procurar assegurar sempre às relações de senhorio e arrendatário um ambiente de franqueza.
SECÇÃO II
Sublocações
154. A matéria das bases XXXVII e XXXVIII não tem de ser considerada de novo por esta Câmara, em virtude de o Governo haver adoptado, ipsis verbis, o texto do parecer de 1947. Indicam-se por isso simples notas de referência.
BASE XXXVII
É á transcrição do artigo. 21.º do parecer de 1947 1 e corresponde à matéria do artigo 9.º do projecto n.º 104.
BASE XXXVIII
É a transcrição do artigo 22.º do parecer de 1947 a e corresponde à matéria do artigo 10.º do projecto n.º 104.
BASE XXXVIII-A
155. A matéria do artigo 23.º do parecer de 19472, que teve como ponto de partida o artigo 11.º do projecto n.º 104, relaciona-se directamente com o problema da actualização das rendas; por esse motivo a Câmara Corporativa entendeu dever considerá-la, para concluir pela sua inclusão ou não inclusão, consoante o assunto se pudesse ou não integrar no sistema de actualização agora preconizado.
Nesse aspecto não se levantou dúvida acerca da possibilidade de o referido texto manter sentido e utilidade dentro do referido plano.
Porém a análise a que a Câmara Corporativa procedeu levou-a a demorar-se um pouco mais sobre o conteúdo do n.º 1 do referido artigo 23.º do parecer de 1947. E nesse exame tornou-se mais saliente a anomalia que resulta dos factos seguintes: haver autorização para sublocar, dada no arrendamento ou em escrito posterior; utilizar o inquilino essa autorização, outorgando um subarrendamento; e, acto continuo, aproveitar o senhorio o fim do prazo contratual em curso para elevar a renda ilimitadamente.
Decerto pode dizer-se que, uma vez atingido o fim do prazo do contrato ou da renovação, a posição do inquilino já não merece a protecção da lei, pois a sua qualidade de arrendatário só se mantém por um favor excepcional do legislador: a proibição do despejo no termo contratual.
Em oposição a isso, porém, diz-se que, sendo o princípio da renovação lei do País há cerca de trinta anos, o arrendatário, ao firmar um contrato por prazo curto, sabe que esse prazo lhe é, de um modo geral, indiferente, em virtude do referido princípio; portanto, não é levado a supor que uma sublocação que o próprio contrato autoriza possa ter por efeito fazer-lhe perder, praticamente, o direito à renovação.
1 Sobre a justificação do texto, ver o parecer, loc. cit., p. 470-(27)
2 Sobre a justificação do texto, ver o parecer, loc. cit., p. 470-(28)
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A Câmara Corporativa, tendo em atenção estas circunstâncias, julgou dever introduzir no n.º 1 da base uma restrição semelhante àquela que fez consignar na parte final do n.º 2 da base XXXIII-A.
Pode a redacção da base dar lugar à dúvida de saber se a elevação livre da renda apenas se move dentro do campo defendido nas bases XXXII e XXXIII. Porque estes preceitos realmente não comportam restrições e são determinados por motivos de interesse público, julga-se que não oferece hesitações a solução, não se tendo alterado a expressão «livre fixação» em virtude de ser a fórmula consagrada na alínea c) do artigo 29.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, que introduziu o princípio, na certeza de que, até ao máximo da lei, subsiste a liberdade de fixação.
BASE XXXIX
156. Esta base é transcrição integral do artigo 24.º do parecer de 1947 1, que foi redigido sobre a matéria do artigo 13.º do projecto de lei n.º 104; nenhuma observação há, pois, a fazer.
BASE XL
157. A hipótese de sublocação parcial foi considerada no artigo 12.º do projecto de lei n.º 104, no sentido de conduzir a situação análoga à regulada na base anterior para a sublocação total. A Câmara Corporativa, no parecer de 19472, encontrou dificuldades na aplicação do sistema, pelo que pôs de lado qualquer sugestão referente a essa hipótese.
158. O Governo, na proposta, retoma o caso da sublocação parcial, mas num plano diferente: na primeira parte proibindo auferir renda proporcionalmente superior em 50 por cento à devida ao senhorio e na segunda parte proibindo, no caso do dependências mobiladas, que o aumento vá além de 100 por cento.
Quanto à primeira parte, o preceito nada adianta sobre o que já se acha legislado no § 2.º do artigo 7.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924. A sua manutenção, com o correlativo preceito da alínea c) do n.º 1 da base XLIII da proposta, só serviria para estabelecer uma dualidade de efeitos contraditórios. Pela lei n.º 1:662, a infracção daria lugar ao despejo, como decorre da aproximação do referido § 2.º do artigo 7.º com o § 6.º do artigo 5.º da mesma lei 3; pela, proposta, a mesma infracção daria lugar ao despejo no fim do arrendamento.
Quanto à segunda parte, não oculta a Câmara Corporativa a convicção de que o arrendamento de casas mobiladas merece estudo e regulamentação adequada. Por isso, uma providencia fragmentária no género da prevista nesta base parece pouco de aconselhar, tanto mais que o preceito do artigo 112.º do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, ainda em vigor, tornaria menos claro o sentido do novo preceito. E o limite de 100 por cento parece adequar-se mal à variedade de hipóteses e circunstâncias que podem verificar-se.
Em conclusão, a Câmara Corporativa pronuncia-se pela eliminação da base presente.
BASE XLI
159. Esta base reproduz com pequenas alterações o texto do artigo 25.º do parecer de 1947 4, que fonte o artigo 14.º do projecto de lei n.º 104.
1 Sobre a justificação do texto, ver parecer, loc. cit., p. 470-(29).
2 Parecer, loc. cit., p. 470-(29).
3 Neste sentido ver Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 57.º, p. 182.
4 Sobre a justificação, ver o parecer, loc. cit., p. 470-(30).
Relativamente ao n.º 1, a Câmara concorda com o aditamento à última parte constante da proposta e introduz uma pequena alteração de redacção tendente a tornar o texto mais claro.
Relativamente ao n.º 2: na redacção sugerida no parecer de 1947 escrevera-se de propósito «se não houver prestação normal do alimento». Procurava-se com esta redacção deixar bem vincado que para ilidir a presunção de sublocação não bastaria provar que alguns alimentos são fornecidos pelo arrendatário; seria necessário, sim, provar que a alimentação normal ou geral do hóspede está a cargo do arrendatário. Sem esta cautela, a fraude continuaria fácil. Ora a proposta de lei, com uma alteração de redacção que na aparência é ligeiríssima, mas na realidade se mostra muito importante, alterou este sentido da disposição.
Entende a Camará Corporativa que a doutrina do texto primitivo deve ser mantida; mas, para empregar linguagem mais clara e evitar confusões, sugere que se substitua a palavra «alimento» pelo termo «alimentação».
BASE XLI-A
160. Esta bane corresponde â base XXXIV da, proposta de lei, que fui deslocada para a parte final desta secção por motivo de melhor arrumação de textos. Porque a matéria de traspasses não foi versada no parecer de 1047, julga-se de vantagem dar-lhe maior desenvolvimento, fazendo num breve recapitulação das vicissitudes por que tem passado este aspecto do inquilinato comercial. Na análise sumária dos quesitos publicados sobre este assunto seguir será de perto um relato que já noutro local houve oportunidade de fazer.
Como é lógico, o problema dos efeitos das alienações de estabelecimentos na relação jurídica de arrendamento só veio colocar-se quando a legislação do inquilinato estabeleceu regime especial para o arrendamento de estabelecimentos comerciais e industriais.
É o decreto de 12 de Novembro de 1910 o primeiro diploma em que se esboça, aliás ao de leve, uma tendência aio sentido de atribuir garantias especiais aos inquilinos que, mercê da sua actividade, imprimam ao seu estabelecimento um incremento que se possa traduzir em aumento de valor locativo do prédio; assim, no § 4.º do artigo 33.º desse decreto determina-se que:
Os prédios nos estabelecimentos a que se refere este artigo (refere-se a estabelecimentos comerciais ou industriais) podem ser sublocados sem autorização do senhorio, mas só em caso de traspasse do mesmo negócio, passando então .para o sublocatário os direitos do arrendatário e ficando este solidariamente adstrito às suas obrigações.
Afigura-se defeituosa redacção deste artigo, pois, pelo regime do decreto, a sublocação deveria, na falta de estipulação em contrário, considerar-se permitida, em face do que se dispõe no artigo 28.º do mesmo decreto e do artigo 1605.º do Código Civil, ainda àquele tempo não revogado. Mas nem por isso tal parágrafo deixa de ter o seu significado, qual seja o de constituir a sublocação um direito imperativo do inquilino que efectuar o traspasse 1, sem embargo da cláusula proibitiva de sublocação. Porém, o regime especial de inquilinato
comercial toma maior relevo com a publicação do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, em que lhe é consagrada uma subsecção especial, e que para alguns
- embora, não os mais categorizados (ver Revista de Le-
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gislação e Jurisprudência, ano 56.º, p. 424)- foi ao ponto de o arrendamento deixar de ser, como tradicionalmente era mencionado a face do artigo. 2.º do Código Comercial, um acto exclusivamente civil.
E o artigo 55.º do decreto n.º 5:411 que fixa o princípio da sublocação inerente ao traspasse, apressando-se a doutrina e a jurisprudência a estabelecer que não era válida cláusula em contrário, embora fosse legítimo incluir a proibição de subarrendamento que não fosse consequência de traspasse 1:
Mas surge a lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924, a instituir nos artigos 9.º, § único, e 11.º um recíproco direito de preferência u favor do senhorio no caso de traspasse do estabelecimento e a favor do inquilino comercial no caso de venda do prédio, Regime que ainda hoje subsiste.
Á escritura pública para os traspasses de estabelecimentos comerciais era já obrigatória por força do artigo 63.º, n.º 6.º, do decreto n.º 8:373, de 18 de Setembro de 1922, sobre notariado, e não mais deixou de ser considerada formalidade essencial.
É neste momento que o fisco lança as suas vistas para o inquilinato e vem perturbar de vez a aplicação ao arrendamento dos princípios gerais dos contratos, já de si abalada pelas garantias excepcionais que o decreto n.º 5:411 veio dar aos inquilinos. E assim, à falta de arrumação mais rigorosa, o artigo 8.º da lei 21.º 1:668, de 9 de Setembro de 1924, encaixa na incidência da contribuição de registo por título oneroso - hoje sisa - a cedência, a título oneroso, do direito ao arrendamento. A despeito de se usar de uma fórmula mais ampla do que a da lei n.º 1:602 - pois já vimos que se podia, conceber a existência da cessão do direito de arrendamento que não derivas 1 de traspasse -,fácil se tornou encontrar maneira de fugir à incidência da tributação: o senhorio e inquilino faziam um novo contrato, distribuindo entre si os benefícios da exclusão do imposto. E assim se mantêm as coisas, até que o decreto n.º 11:440, de 9 de Fevereiro de 1920, a, título de regulamentar o referido artigo 8.º da lei n.º 1:668, considera como cessão onerosa do direito a arrendamento a transmissão dos locais com estabelecimento, mesmo quando pertençam aos próprios os alheadores, e a entrada dos estabelecimentos ou só dos locais: para sociedades de que alheadores. fiquem sendo sócios, acrescentando-se que a simples sublocação também é incluída (ver artigos 2.º e 3.º). E no artigo 5.º prevê-se a hipótese de sob a forma de novo arrendamento, se haver operado uma verdadeira transferência de estabelecimento ou local, sujeitando-o ao regime geral do artigo 99.º do regulamento da contribuição de registo de 1899.
O artigo 2.º do decreto 11.º 11:440 constitui a fonte do artigo 31.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, que lamentavelmente usou da designação o traspasse» com a amplitude definida nos §§ 2.º e 3.º e que muito excede a do conceito geral. E assim ficou sujeito ao regime do artigo 31.º o caso de sublocação do local do estabelecimento, parecendo depreender-se da nova terminologia da lei que tal regime era de considerar ainda que o novo estabelecimento se destinasse a ramo de comércio diferente, salvo, bem entendido, os efeitos derivados de transgresão da cláusula do arrendamento que porventura especificasse tal ramo.
A mecânica do artigo 31.º do decreto n.º 15:289 consistia em depender a validade do traspasse de avaliação do valor locativo do prédio, que constituiria, o limite
1 Revista de Legislação e jurisprudência ano 53.º, p. 1;50, o acórdão do Supremo Tribunal do Justiça de 22 de Maio do 1922, na Revista de Justiça, ano 7.º, p. 307.
da renda que o senhorio poderia vir a exigir do novo inquilino, mas, como o requerimento de tal avaliação, pelo & 1.º, só poderia ser feito pelo senhorio, poderia sem esforço concluir-se que estava na mão do senhorio inutilizar a garantia do artigo 55.u do decreto n.º 5:411. Por outro lado não tendo sido transplantado o artigo 5.º do decreto n.º 11:440, fácil se tornava, pela celebração de um novo arrendamento, tornear qualquer obstáculo para a realização do traspasse; mas essa consequência, que seria, no aspecto fiscal, de resultados graves se se mantivesse a tributação criada pela lei n.º 1:668, não tinha inconvenientes uma vez que o artigo 12.º do decreto n.º 15:291, da mesma data havia posto termo a tal tributação.
A dificuldade há pouco referida e que constituía um óbice à realização do traspasse veio a ser considerada pelo legislador da reforma tributária de 1929, que pretendeu sujeitar de novo a tributação a transferência do direito ao arrendamento de locais afectos a fins comerciais. E, assim, por um lado estabelece-se no artigo 2.º do decreto n.º l6:732, de 18 de Abril de 1929, que a escritura de traspasse ou documento de novo arrendamento ficava sujeito a uma -nova taxa de imposto e selo, e no artigo 62.º do decreto n.º 10:731, da mesma data, que havendo mudança de inquilino ou novo arrendamento será nulo e de nenhum efeito o respectivo traspasse ou contrato quando não se tenha procedido a prévia avaliação fiscal, requerida pelo proprietária do prédio ou pelo novo inquilino, salvo se sobre a última avaliação não tiver ainda decorrido um ano. Como se vê, já interessava neste momento ao fisco não impedir os traspasses, mas como o arrendamento, mesmo que .para fins comerciais, não tinha, de um modo geral, outras condições de forma que não fosse a simples assinatura, do senhorio e inquilino (decreto n.º 5:411, artigo 44.º), fácil se tornou, pela celebração de contratos com antedata, fugir ao pagamento do imposto. É trilião publicado o decreto n.º 17:331, 13 de Setembro de 1929, que no artigo 3.º obriga os novos arrendamentos de estabeleci mentos a escritura pública.
Reorganizadas as matrizes, julgou-se desnecessário proceder, em cada trespasse, a avaliação, e por isso o decreto n.º 27:154, de 31 de Outubro de 1936, reproduzido, com ligeiras alterações, no derreto n.º 27:235, de 23 de Novembro do 1936, veio estabelecer novo sistema. Alargou-se por um lado o campo da incidência do imposto aos escritórios de profissões liberais e fixou-se como valor de traspasse, quando na escritura não lhe seja atribuído valor superior, o quíntuplo do rendimento colectável do prédio. O decreto n.º 27:235, ao contrário do que sucede com o artigo 31.º do decreto n.º 15:289, é de índole meramente fiscal, não se lobrigando através dos seus preceitos qualquer intenção de alterar o statu que em matéria de direitos de senhorio e inquilino. Porém, uma vez que desapareceu o pressuposto de que resultava a possibilidade de aumento de renda pelo senhorio, e que era a avaliação, legítima era a dúvida sobre a subsistência- de tal direito.
Essa dúvida, veio a ser resolvida pela lei n.º 1:981. de 3 de Abril de 1940 em que a Assembleia Nacional transformou o decreto n.º 29:449, de 16 de Fevereiro de 1939. Efectivamente, pelo artigo 4.º da referida lei, o proprietário do prédio ou parte de prédio onde estofa instalado um estabelecimento comercial no industrial pode, em caso de traspasse, pedir a avaliação nos termos do Código da Contribuição Predial e exigir do novo inquilino a rendo fixada pela comissão avaliadora.
161. Vê-se, portanto, do exposto que, no caso de traspasse, a legislação actual consente a realização duma avaliação com efeitos sobre o montante da renda a que fica .sujeito o concessionário do direito ao arrendamento.
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Não há razão para alterar este regime, e, por isso, na última parte da alínea XXXIII-C reafirmou-se a admissibilidade da avaliação quando haja traspasse, introduzindo, porém, em relação ao texto correspondente da proposta - o n.º 1 -da base XXXIV -, a restrição de não poder mediar entre duas avaliações consecutivas um intervalo de tempo interior a um ano.
162. Consistindo essencialmente o traspasse na transferência da propriedade do estabelecimento comercial, o local - e consequentemente a relação jurídica de arrendamento - aparece como um elemento dessa transferência, mas não com o carácter de autonomia que por vezes se pretende dar-lhe.
Na transferência do estabelecimento podem realmente considerar-se certas restrições, mas há um mínimo de condições sem as quais não pode haver traspasse.
A fórmula adoptada pelo artigo 55.º do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, partindo da equiparação estabelecida no § único do artigo 31.º, chamou sublocação ao que era na realidade cessão do direito ao arrendamento. A redacção que se sugere para o n.º 1 da base repõe as coisas no seu pé, na certeza de que a terminologia do n.º 2 da proposta é defeituosa, pois a dispensa de autorização do senhorio deverá reportar-se à cessão do arrendamento, e não ao traspasse pròpriamente dito.
163. Menos rigorosa é a fórmula que se usa no n.º 3 da proposta de lei, pois os actos ali visados são irregulares precisamente porque hão constituem traspasse.
Conforme já tem sido decidido nos nossos tribunais, não é traspasse a transferência de um local aberto a comércio, mas completamento desprovido de mercadorias ou quaisquer outros elementos que possam caracterizar a existência do estabelecimento 1.
É esse o sentido da alínea h} do n.º 1 da base, conforme a redacção que esta Câmara sugere.
A doutrina da alínea a) poderá ser tida por supérflua, uma vez que, dir-se-á, se está em presença de uma infracção de natureza diversa, qual seja a do § 7.º, alínea 6), do artigo 5.º da lei n.º 1:062, de 4 de Setembro de 1924. Mas não é assim: em primeiro lugar, a observação não seria exacta em toda a sua extensão, pois, pelo referido texto da lei n.º 1:662, não dá lugar a despejo o facto de se deslocar o destino do comércio para habitação. Mas, quando o caso se prende com um suposto traspasse, reveste-se de características especiais, que bem justificam a providência a inserir como n.º 2 desta base, conforme a Câmara sugere.
Basta figurar o caso de num arrendamento estar previsto .como destino o comércio o a habitação. E evidente que o inquilino, promovendo o traspasse, dispensa a autorização do senhorio: e, assim, se no dia imediato ao suposto traspasse o novo inquilino passasse a habitar no prédio, tinha-se verificado na realidade uma sublocação para habitação, contra o principio do artigo 7.º da lei n.º 1:662. E, assim, um acto aparentemente correcto envolvia uma fraude. Mais não é preciso dizer em defesa do princípio das providências que a Câmara sugere.
164. Poderia aproveitar-se o ensejo para fixar se determinados casos de ocorrência frequente devem ou não ser tidos por traspasse. É, por exemplo, o caso da cessão de quota, que a lei fiscal recentemente sujeitou a imposto do
1 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1927, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 60 º, p. 91, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Agosto de 1930, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 48.º, p. 294.
selo, e a transmissão do estabelecimento por morte do arrendatário, que a lei sujeita, em certos casos, a selo de traspasse 3. Mas, como esses problemas não estavam directamente em causa, a Câmara Corporativa absteve-se de os considerar.
BASE XLII
165. Para melhor arrumação das matérias, trasladaram-se os preceitos desta base para uma secção privativa - a secção IV - onde passaram a corresponder à nova base XLIII-A. Mais adiante, no lugar oportuno, se fará referência a tais preceitos.
SECÇÃO III
Acções de despejo
BASE XLIII
166. Esta base fixa novos casos de despejo para o fim do prazo do arrendamento, reproduzindo alguns que se achavam previstos no artigo 29.º do parecer de 1947, que se ocupara do assunto a propósito do artigo 17.º e parágrafos do projecto de lei n.º 104.
Desde já se dá por prejudicada a alínea e) da base da proposta, por dizer exclusivamente respeito à matéria da base XI, que, como se viu, foi eliminada.
Resta, portanto, apreciar os dois restantes fundamentos da base.
167. Na alínea a) do n.0 1 da base reproduz-se o preceito da alínea a) do artigo 29.º do parecer de 19473, e que dá satisfação ao que constava do n.º 1.º do § l.º do artigo 17.º do projecto de lei n.º 104.
Se não fora a circunstância de ter sido chamada de vários lados a atenção da Câmara para determinado aspecto da questão, nada mais haveria a dizer sobre este ponto dentro do plano que de início se traçou.
O assunto focado foi encarado com toda a solicitude e até pelo respeito que lhe merecem os interesses do agregado familiar cujo chefe se ausentou. É realmente vulgar o arrendatário ter de se ausentar, com demora, da casa que habita, seja por motivo de negócios (uma viagem às colónias, por exemplo), seja por motivo de desempenho de função pública, seja por qualquer outra razão. Mantém-se porém no prédio o agregado familiar, tal como na base XLI se definiu; não se compreenderia que, nesse caso, o arrendamento não se mantivesse.
Nestas circunstâncias, a Câmara Corporativa, que, de resto, no parecer de 1947, a propósito de outro problema (ver artigo 11.º, n.ºs 1 e já manifestara todo o empenho em proteger as pessoas de família do arrendatário, adopta para a alínea a) do n.º 1 da base XLII uma redacção que satisfaz o objectivo proposto.
168. A matéria da alínea b) (obras para ampliação do prédio) do mesmo n.º 1 sómente contém um pequeno acrescento, com que a Câmara Corporativa desde já declara concordar, ao texto da alínea d) do artigo 29.º do texto do parecer de 1947.
O n.º 2 da base é, com pequenas modificações, a reprodução do artigo 31.º do parecer de 1947.
E, assim, sobre este ponto nada mais ocorre dizer no presente parecer, a não ser pôr em relevo que o assunto é da maior importância para o problema da habitação.
Sobre acções de despejo imediato matéria a respeito da qual se pronunciou largamente a Câmara Corporativa
1 Decreto n.º 36:608, de 24 de Novembro de 1947, artigo 4.º
2 Decreto n.º 27:235, de 23 de Novembro de 1936, artigo 7.º
3 Ver ob. e loc. cit., p. 470-(35).
4 Para justificação ver o parecer, loc. cit., p. 470-(38).
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no parecer de 1947 - nada há a dizer neste lugar, por ser matéria estranha à proposta de lei que está em apreciação.
SECÇÃO IV
Disposições penais
BASE XLIII-A
169. No intuito de conseguir, por todos os meios, eliminar os factores de ordem patológica que perturbam a relação de inquilinato, julgou a proposta de vantagem inserir disposições punitivas de alguns dos abusos mais papáveis.
já no decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, também publicado em período de crise, se haviam consignado diversas disposições penais, que, seja dito de passagem, constituíam letra morta. Com esta base integra-se a repressão penal referente aos desmandos de maior relevo na legislação sobre especulação e é possível que até a sugestão da palavra, só por si, surta algum efeito.
170. A alínea a) do n.º 1 faz remissão para uma infracção prevista em lei anterior. Já o projecto de lei n.º 104, no artigo l5.º, suscitava a aplicação do artigo 110.º e § único do decreto n.º 5:411, em que se pune expressamente o recebimento da chave. Trata-se agora, somente, de qualificar essa infracção como crime de especulação, a tim de lhe ser aplicável o respectivo regime.
171. A alínea b) do n.º 1 da base da proposta de lei tem de ser eliminada, por já o haver sido a base XI.
Quanto à matéria da alínea c), procurou-se adaptar o preceito à terminologia adoptada na base XLI-A e, além disso, punir o arrendatário como se pune o senhorio quando seja este a negociar sobre a casa.
Assim, na nova alínea b) considera-se irregular e punível o facto de o inquilino, para deixar a casa, exigir uma indemnização (a que não tenha direito, pois ainda hoje, em certos casos, o despejo legitima indemnização 2).
Na nova alínea e) pune-se o negócio feito com uma cessão de arrendamento, salvo, bem entendido, o caso específico do traspasse.
Conclusão
Como conclusão do estudo feito, a Câmara Corporativa sugere que o texto das bases a adaptar pela Assembleia Nacional seja o seguinte 3:
PARTE I
Expropriações
BASE I
1. Os bens imóveis e direitos a eles relativos podem ser expropriados por causa de utilidade pública prevista na lei, mediante o pagamento de justa indemnização.
2. As autarquias locais terão direito a uma compensação pelos prejuízos efectivos que resultarem da afectação dos seus bens de domínio publico a outros fins de utilidade pública.
1 A base XLIII-A, segundo a redacção sugerida pela Câmara, corresponde à base XLII da proposta de lei.
2 Por exemplo: lei n.º 1:662, de 4 de Setembro do 1924, artigo 6.º, § 4 º, e artigo 1.º, § 2.º
3 A composição em itálico significa que houve alteração de redacção em relação à proposta de lei. Esta observação não se aplica à parte IV (Arrendamento), como só explicará, adianto, no lugar próprio.
BASE II
Com o resgate das concessões e privilégios outorgados para a exploração de serviços de utilidade pública poder ao ser expropriados os bens e direitos a eles relativos que sendo propriedade do concessionário, devam continuar afectos ao respectivo serviço.
BASE III
1. Poderão constituir-se sobre os imóveis as servidões necessárias à realização de fins de utilidade pública previstos na lei.
2. As servidões derivadas directamente da lei não dão lugar a indemnização, salvo quando a própria lei determinar o contrário.
3. A s servidões constituídas por acto administrativo darão lugar a indemnização sempre que envolvam uma, diminuição efectiva do valor dos prédios servientes.
BASE IV
1. A expropriação será limitada ao necessário para a realização do seu fim; poderá todavia atender-se às exigências futuras concretamente previstas.
2. Se não for necessário expropriar mais do que parte de um prédio, poderá o proprietário requerer a expropriação total se a parte residual for imprópria para assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia o prédio na sua totalidade.
BASE V
1. No caso de expropriação para abertura, alargamento ou regularização de ruas, praças, jardins e outros lugares públicos poderá expropriar-se uma faixa adjacente, contínua, com profundidade não superior a 50 metros, destinada a edificações e suas dependências.
2. A faculdade de expropriar faixas adjacentes só poderá exercer-se se os bens a expropriar forem destinados à execução, em prazos estabelecidos, de um plano particularizado de obras que se integre num plano geral ou parcial do urbanização, aprovado nos termos da lei.
BASE VI
1. A expropriação pode abranger toda uma área destinada a urbanização.
2. Neste caso a expropriação poderá efectuar-se simultaneamente quanto a todos os prédios da área, ou parcelarmente por zonas.
3. O prazo total para a expropriação das zonas não excederá doze anos.
4. Quando a expropriação se realizar parcelarmente, o acto de declaração de utilidade pública determinará, além da área total, a sua divisão em zonas e estabelecerá os prazos e a ordem porque a expropriação das zonas se realizará.
5. Enquanto não estiver pago ou depositado o preço da expropriação, os prédios continuam na posse e propriedade dos seus donos. Para o cálculo da indemnização relativa a prédios não compreendidos na primeira zona as benfeitorias posteriores ao acto declarativo serão atendidas quando qualificadas de necessárias e urgentes.
6. Se, por alteração do primitivo plano, não se consumar a expropriação de algum prédio, o seu proprietário terá direito a uma compensação pelou prejuízos provadamente emergentes da circunstancia de o prédio haver estado reservado para expropriação.
7. A condição referida no n.º 2 da base V é aplicável aos casos regulados na presente base.
BASE VII
1. Os terrenos expropriados para construção, que não devam ser destinados, a fins de interesse público ou à
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construção pelo Estado de casas económicas, serão postos à venda em hasta pública, em lotes acomodados às obras previstas.
2. Na aquisição em hasta pública os expropriados têm direito de preferência quanto aos terrenos que lhes pertenciam.
3. Se os chãos postos em praça contiverem terreno que pertencesse a mais de um proprietário, o direito de preferência caberá ao proprietário da frente em relação às novas vias públicas; se nestas condições houver mais de um proprietário, esse direito caberá, em primeiro lugar, ao que tiver maior linha de frente e, em último lugar, ao que tiver menor.
BASE VIII
1. O expropriado pode obter a reversão dos bens expropriados, mediante a restituição do preço recebido, e salvo o disposto na base seguinte:
a) Se a obra cuja necessidade determinou a expropriação não estiver realizada nos prazos inicialmente estabelecidos ou nas prorrogações devidamente autorizadas;
b) Se os bens forem aplicados a fim diverso.
2. Tratando-se de bens expropriados por iniciativa de entidades particulares, a reversão poderá verificar-se não só no caso de não serem aplicados, ao fim que determinou a expropriação, como ainda no de ter cessado a aplicação a esse fim. Neste último caso, porém, o expropriado pagará, além do preço recebido, o valor das obras que o expropriante tenha, realizado dentro dos fins da expropriação; e a faculdade de obter a reversão não podará exercer-se se tiver decorrido o prazo de trinta anos sobre a data da expropriação, ou se, por lei, os bens, deverem ser integrados no domínio do Estado ou das autarquias, ou ainda se lhes for dado um novo destino de utilidade pública.
3. A reversão realizar-se-á por via administrativa.
BASE IX
1. As parcelas que. nos termos da lei, forem declaradas sobrantes poderão ser aplicadas pelo Estado ou autarquias a outros fins de utilidade pública; se o não forem, haverá direito à reversão.
2. Se na expropriação por utilidade pública sobejarem parcelas de terreno que, pelos suas dimensões ou localização, não assegurem utilidade económica independente, podem tais parcelas ser incorporadas nos prédios confinantes, por venda particular.
BASE X
1. A justa indemnização será arbitrada com base no valor real dos bens expropriados, devendo sempre calcular-se o valor da propriedade perfeita. Deste valor sairá o que deva corresponder a quaisquer ónus ou encargos.
2. O arrendamento comercial ou industrial ou destinado ao exercício de profissões liberais é, porém, considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante. Esta indemnização não poderá exceder 40 por cento do valor dado ao prédio ou parte do prédio ocupada pelo arrendatário. Se o estabelecimento estiver instalado no prédio há menos de cinco anos, a indemnização abrangerá unicamente o valor das obras que o arrendatário tiver feito.
3. Não pode tomar-se em consideraçâo o maior valor dos bens que resultar de obras ou melhoramentos públicos realizados nos últimos cinco anos, nem o resultante da própria declaração de utilidade pública da expropriação ou de quaisquer circunstâncias, ulteriores a essa declaração, dependentes da vontade do expropriado ou de terceiro.
4. Na expropriação de direitos diversos do de propriedade perfeita a indemnização será determinada pelo prejuízo resultante da privação dos mesmos direitos.
5. No caso de expropriação parcial calcular-se-ão o valor total do prédio e, em separado, os valores da parte compreendida e da parte não compreendida na expropriação. Quando a parte residual ficar depreciada pela divisão do prédio, ou da expropriação resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo o custo de novas vedações, especificar-se-ão, também em separado, essa depreciação e esses prejuízos ou encargos. A indemnizarão consistirá no valor da parte expropriada, acrescido destas últimas verbas.
BASE X-A
(Correspondente ,ao n.º 3 da base X da proposta)
No caso de expropriação de prédios rústicos, destinada a obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação, o disposto na base anterior terá as modificações seguintes, mas só quanto ao valor do terreno:
a) A justa indemnização compreenderá:
1.º O valor do terreno, na base do seu rendimento matricial, corrigido pelo rendimento líquido efectivo. Não se atenderá a quaisquer factores relativos ao valor venal ou potencial do terreno;
2.º Uma parcela igual a 20 por cento da maior valia resultante do novo destino económico permitido pelas obras, ou melhoramentos públicos projectados.
b) Nos concelhos em que vigorar o regime de cadastro geométrico da propriedade rústica o valor do terreno será determinado exclusivamente pelo rendimento colectável;
c) A maior valia será calculada em relação ao conjunto dos terrenos expropriados, quer se destinem à própria obra, quer se destinem, a construções adjacentes;
d) Quando a área total a expropriar seja muito extensa ou os prédios rústicos abrangidos muito numerosos, dividir-se-á a área em secções, a fim de o cálculo das maiores valias se realizar separadamente para cada secção. A divisão da área em secções incumbirá à entidade que declarar a utilidade pública da expropriação;
e) A maior valia fixada para a área ou para cada secção será atribuída a todos os proprietários dos terrenos expropriados dentro dessa área ou secção, na proporção dos valores para eles determinados nos terrenos do n.º 1.º da alínea a);
f) A maior valia será ulteriormente corrigida pelos resultados médios obtidos pela venda em praça de terrenos, dentro da área ou de cada secção. Esta correcção far-se-á na mesma proporção da alínea anterior.
BASE XI
1. A declaração de utilidade pública das expropriações necessárias a obras de iniciativa do Estado, ou das autarquias locais quando comparticipadas pelo Estado, resulta da aprovação, pelo Ministro competente, dos respectivos projectos de execução.
2. E da competência do Conselho de Ministros:
a) A declaração de utilidade pública nos casos das bases VI e XVI-A;
b) A declaração de utilidade pública de quaisquer expropriações não compreendidas no n.º 1;
c) A declaração de utilidade pública do resgate, não previsto nos respectivos contratos, das concessões ou privilégios outorgados para a exploração de serviços de
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utilidade pública e ainda a expropriação dos bens ou direitos a eles relativos referidos na base II.
3. Tanto nos casos do n.º 1 como nos do n.º 2 pode ser atribuído carácter de urgência à expropriação no respectivo acto declarativo.
4. A declaração de utilidade pública será sempre publicada no Diário do Governo».
BASE XII
1. A utilidade pública só poderá ser declarada se o expropriante tiver capacidade financeira para o pagamento das indemnizações.
3. Se o expropriante for uma entidade particular, terá de caucionar por qualquer das formas em direito permitidas o montante provável da indemnização.
BASE XII
1. O processo pura determinar a indemnização nas expropriações por causa de utilidade pública obedecerá às regras constantes desta base.
2. O valor da indemnizarão será, na falta de acordo, fiado por arbitragem, realizada por três árbitros: um nomeado pelo expropriante, outro pelo expropriado e o terceiro pelo presidente do Tribunal da Relação do respectivo distrito.
3. Do resultado da arbitragem haverá recurso para o tribunal da comarca da situação dos bens, de harmonia com as disposições legais em vigor observando-se, porém, quanto à avaliação o seguinte: cada parte designará um perito e os três restantes serão nomeados pelo juiz, dois dos quais de entre os de uma lista publicada pelo Ministério da Justiça e o terceiro escolhido livremente.
4. Tanto na arbitragem como no recurso seira dada estrita observância às regras das bases X e X-A.
5. Nas expropriações a que tenha sido atribuído carácter de urgência observar-se-á o seguinte:
a) Qualquer interessado tem a, faculdade de requerer, antes do expropriante ser investido na posse dos bens, vistoria «ad perpetuam rei memoriam». destinada a fixar os elementos de facto que possam desaparecer e cujo conhecimento interesse ao julgamento do recurso;
b) O processo deverá ultimar-se, salvo caso de força maior devidamente comprovado, no prazo de três meses;
c) As diligências processuais relativas às expropriações urgentes podem ser praticadas em férias e preferem a outras que por sua natureza não envolvam urgência.
BASE XIV
1. O expropriante entrará na posse e propriedade dos bens expropriados.
a) Tratando-se de expropriações não urgentes, logo que se efectue o pagamento ou o depósito da indemnização definitivamente fixada;
b) Tratando-se de expropriações urgentes, logo que efectue o pagamento ou o depósito da importância fixada na arbitragem.
2. No caso da expropriação realizada nos termos da base X-A o expropriante poderá reter, até um ano depois da conclusão da obra, a terça parte da importância da maior valia, para garantia da correcção prevista na alínea f) da mesma base.
3. No caso da base II a transferência da posse dos bens expropriados far-se-á conjuntamente com, a do estabelecimento da exploração, ainda que a indemnização não esteja fixada.
BASE XV
Nos casos de urgentíssima necessidade, proveniente de calamidade pública ou de exigências de segurança, de defesa nacional ou outras de idêntica gravidade, poderá o Estado tomar posse imediata dos bens destinados a prover à referida necessidade, indemnizando sem, demova os interessados, nos termos gerais.
BASE XVI
1. Os prédios rústicos não expropriados que por virtude de obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação aumentem consideràvelmente de valor, pela possibilidade da sua aplicação como terrenos de construção urbana, ficam sujeitos a um encargo de maior valia, nos termos dos números seguintes.
2. A delimitação da área valorizada pelas obras será feita no acto de aprovação dos respectivos planos e ficará sujeita, a homologação do Conselho de Ministros, com publicação no «Diário do Governo».
3. A maior valia será fixada por arbitragem, com, recurso.
4. O, encargo de maior valia é de 50 por cento da importância fixada, e será pago à entidade pública que efectuar as obras.
5. À medida que as obras se realizarem, o Ministro das Obras Públicas determinará, por despacho publicado no «Diário do Governo», quais as secções da área que se consideram já concretamente beneficiadas, para o efeito de se poder tornar efectiva a cobrança do encargo.
6. O encargo de maior valia não será cobrado, em cada caso, antes de requerida pelo proprietário licença para construção, e poderá facultar-se o seu pagamento em prestações.
BASE XVI-A
(Nova)
1. Podem ser expropriados por utilidade pública:
a) Os prédios rústicos sujeitos a encargo de maior valia cujos proprietários se abstiverem,, sem motivo justificado, de aproveitar os mesmos prédios para construção urbana adequada, no prazo de três anos a contar do termo das obras que justificarem, esse aproveitamento; neste caso deve o expropriante promover que a construção se ultime no prazo de três anos a contar da expropriação;
b) Os terrenos próprios para construção, adjacentes a vias públicas de cidades, quando os proprietários, notificados para os aproveitarem em edificações, se abstiverem de o fazer no prazo de três anos;
c) As casas que reconhecidamente devam ser reconstruídas ou remodeladas, em razão de suas pequenas dimensões, colocação fora do alinhamento, ou más condições de higiene ou estética, quando o proprietário não proceder às obras para essse efeito necessárias no prazo de três anos depois de notificado para as fazer.
2. Quando as circunstâncias referidas na alínea c) do n.º 1 se verificarem em relação a um conjunto de prédios de diversos proprietários, poderá a câmara municipal fixar um plano geral de reconstrução desse conjunto, procurando estabelecer acordo entre os proprietários paira a realização da obra e exercício do direito de propriedade sobre o edifício ou edifícios que vierem a substituir os primitivos. No caso de não ser possível este acordo, a câmara promoverá a expropriação.
3. O Estado poderá facultar aos proprietários, mediante adequadas garantias reais ou outras equivalentes, os meios financeiros necessários para a efectivação das obras de edificação a que se referem as alíneas anteriores.
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BASE XVI-B
(Nova)
Nas expropriações de casas de habitação a entidade expropriante providenciará, antes de o desalojamento se consumar, para que seja proporcionada nova habitação aos moradores que, pela escassez dos seus meios económicos, conjugada com a dificuldade de encontrar casas disponíveis na localidade, não puderem satisfazer por outra forma, em condições razoáveis, as suas necessidades de alojamento.
BASE XVI-C
(Novo)
1. As disposições das bases I a XVI-B entrarão em vigor conjuntamente com o respectivo regulamento.
2. Independentemente do disposto no número anterior, o Governo deverá reunir num só diploma todos os preceitos relativos ao regime jurídico sobre expropriações por utilidade pública.
PARTE II
Direito de superfície
BASE XVII
1. O direito real que consiste na faculdade de implantar e manter edifício próprio em chão alheio, sem aplicação das regras sobre a acessão imobiliária, chama-se direito de superfície.
2. Dá-se o nome de superficiário ao titular do direito de superfície.
3. O direito de superfície constitui propriedade imperfeita e está sujeito ao registo predial.
4. O direito de superfície é alienável, transmissível por morte e susceptível de hipoteca.
5. O direito de superfície pode abranger a faculdade de utilizar, como dependência do edifício, uma parte do solo não destinada a construção, desde que a parte a esta destinada, seja económicamente anais importante.
6. A propriedade do solo é imprescritível enquanto durar o direito de superfície e não pode ser alienada, salvo em favor do superficiário.
BASE XVII-A
(Corresponde a parte da base VII da proposta de lei)
1. Só o Estado, as autarquias locais e as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa podem constituir, em terrenos do seu domínio privado, o direito de superfície.
2. Quando, nos termos da base VII, se tenha expropriado terrenos com destino à construção de casas, o expropriante poderá sempre escolher entre a venda dos terrenos e a mera atribuição do direito de superfície sobre eles.
3. A constituição do direito de superfície far-se-á por contrato, constante de documento autêntico, mas a designação do superficiário dependerá de prévia hasta pública.
4. A hasta pública pode dispensar-se se o direito de superfície for atribuído a pessoas morais, para edificação de casas de renda económica ou de renda limitada, e ainda, para o mesmo fim, mas só quando uma primeira praça tenha ficado deserta, a sociedades cooperativas ou anónimas de construção.
5. A conservação da propriedade do solo, quando se tenha constituído o direito de superfície em favor de
outrem e enquanto durar este direito, fica isenta das disposições legais sobre desamortização.
BASE XVIII
1. São deveres do superficiário:
a) A construção do edifício no prazo e com as características acordadas;
b) A conservação do edifício e suas dependências como a faria um proprietário prudente;
c) A reconstrução do edifício no caso de destruição;
d) A aplicação do edifício ao fim convencionado;
e) O pagamento de um preço único ou de uma pensão anual, em dinheiro, conforme for inicialmente estabelecido.
2. Os deveres do superficiário constarão obrigatoriamente do contrato de constituição do direito de superfície.
3. O edifício poderá ser aplicado a um dos seguintes fins:
a) Arrendamento em regime de casa de renda económica ou de renda limitada;
6) Habitação própria, ou arrendamento para habitação segundo o regime geral;
c) Uso comercial ou industrial e usos equiparados.
4. No valor do direito de superfície recai privilégio creditório imobiliário em favor do crédito pelas pensões anuais que estiverem em dívida.
BASE XIX
1. Ao superficiário são assegurados:
a) A propriedade do edifício, enquanto o direito de superfície lhe pertencer;
b) O direito de ser indemnizado, nas «condições convencionadas, quando, no termo do direito de superfície, a propriedade do edifício passar para o proprietário do solo ou quando se der a reversão nos termos do n.º 2 da base XXII;
c) O direito de preferência na nova constituição do direito de superfície, se o anterior se tiver extinguido, e o proprietário do solo entender renová-lo dentro do prazo de três anos;
d) O direito de preferência na alienação da propriedade do prédio dentro de três anos, contados do momento em que a consolidação do domínio se tiver verificado.
BASE XX
1. Do título de constituição do direito de superfície poderá constar:
a) Haver penas contratuais para a inexecução de obrigações assumidas;
b) Ficar dependente de autorização do proprietário do solo a alienação do direito de superfície:
c) Ter o superficiário ò direito de adquirir a propriedade do solo em determinadas condições.
2. Qualquer alteração das condições inicialmente fixadas no título de constituição só poderá fazer-se por acordo entre o superficiário e o proprietário do solo, exarado em documento autêntico. Se houver credores hipotecários ou outros interessados com direito registado, a alteração não se torna eficaz sem o respectivo consentimento. A alteração fica sujeita ao registo predial.
BASE XXI
1. A indemnização a pagar ao superficiário pode consistir, conforme for estipulado no título da constituição:
a) Ou no valor real do edifício ao tempo em que a indemnização se calcular, tomando-se como base o custo
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da construção a esse tempo e descontando-se as depreciações derivadas do mau estado de conservação e de outras causas;
b) Ou na importância que no título de constituição se tiver estabelecido como correspondendo ao valor inicial do edifício.
2. No caso da alínea b) do número anterior a indemnização será satisfeita em harmonia com, o coeficiente de valorização ou desvalorização da moeda no momento do pagamento.
BASE XXII
1. O direito de superfície reverte para o proprietário do solo, sem que seja devida qualquer indemnização:
a) Se o superficiário não construir o edifício no prazo convencionado ou se entre as características do edifício e as características acordadas houver diferença substancial;
b) Se, no caso de destruição do edifício o superficiário não o reconstruir dentro do prazo razoável que para esse efeito lhe for assinado pelo proprietário do solo.
2. O proprietário do solo pode ainda obter a reversão do direito de superfície, mediante justa indemnização:
a) Quando e superficiário dê ao edifício aplicação diversa da convencionada;
b) Quando o edifício construído pelo superficiário não tiver as características acordadas, mas a diferença não for substancial;
c) Quando o superficiário não pagar a pensão relativa a dois anos consecutivos.
3. A faculdade de obter a reversão poderá exercer-se sem prejuízo de outras sanções que ao caso possam caber nos termos gerais de direito.
4. A reversão efectuar-se-á por declaração judicial, para a qual são competentes os tribunais comuns.
5. Se, por reversão ou outra causa, o direito de superfície for adquirido pelo proprietário do solo, não se dará a consolidação enquanto não tiver decorrido o prazo inicialmente fixado para a duração do direito de superfície.
6. Declarada a reversão, observar-se-á o seguinte quanto aos ónus reais atendíveis que recaírem no direito de superfície:
a) Nos casos do n.º 1 continuará onerado o direito de superfície;
b) Nos casos do n.º 2 o direito dos credores hipotecários e de outros interessados exercer-se-á sobre a indemnização, ficando livre o direito de superfície.
BASE XXIII
1. O direito de superfície extingue-se no fim do prazo convencionado.
2. O proprietário do solo, se quiser eximir-se ao pagamento da indemnização, pode livremente prorrogar o direito de superfície, uma e mais vezes, por novo prazo, não inferior a vinte anos, contanto que disso notifique o superficiário com a antecedência mínima de um ano em relação a cada termo.
3. Se a prorrogação se fizer por acordo entre o proprietário do solo e o superficiário, poderá estabelecer-se, entre as condições da prorrogação, o pagamento de um preço pelo segundo ao primeiro.
4. Com a extinção do direito de superfície caducarão os direitos e ónus reais, e bem assim os arrendamentos, que o superficiário tiver constituído na órbita do seu direito.
BASE XXIV
(Sugere-se a eliminação desta base, cuja matéria está já regulada mais convenientemente na base XIX).
BASE XXV
O superficiário não pode apropriar-se, no caso de reversão ou de extinção do seu direito, de partes integrantes do edifício.
PARTE II-A
Propriedade por andares
BASE XXV-A
(Nova)
O Governo deverá, no prazo de seis meses, proceder à revisão e regulamentação do artigo 2335.º do Código Civil, estabelecendo em termos práticos e eficientes o regime da propriedade por andares ou propriedade horizontal.
PARTE III
Sociedades anónimas para construção de casas de renda económica e limitada
BASE XXVI
Poderão constituir-se sociedades anónimas para a construção de casas de renda limitada, nos mesmos termos em que é permitida a sua constituição para construção de casas de renda económica.
BASE XXVII
O Estado e as autarquias locais poderão subscrever parte do capital das sociedades referidas na base anterior, designadamente com o produto de uma percentagem, fixada pelo Ministro das Finanças, da receita das maiores valias cobradas pelo Estado e pela autarquia da circunscrição em que a sociedade dever exercer a sua indústria.
BASE XXVIII
O Governo poderá auxiliar a construção de casas de renda económica ou limitada prestando assistência técnica à construção, garantindo o fornecimento a preços predeterminados de materiais de construção, ou promovendo o fabrico em série destes materiais.
PARTE IV
Arrendamento de prédios urbanos
Observação. - A Câmara Corporativa, no seu parecer de 1947 relativo a arrendamento, pronunciou-se sobre muitos assuntos de que o actual proposta de lei se não ocupa. Designadamente figura nesse parecer, ainda pendente de apreciação pela Assembleia Nacional, a sugestão de importantes disposições legais sobre forma do contrato, caducidade do arrendamento, transmissão do direito ao arrendamento, depósito de rendas, prédios rústicos afectados ao comércio ou indústria, alçadas nas acções de despejo, e ainda sobre, acções de despejo para além dos casos contemplados na proposta de lei (despejo imediato, supressão dos prazos de caducidade actualmente existentes, etc.).
No estudo a que agora procedeu sobre a proposta, de lei, entendeu a Câmara não dever pronunciar-se novamente sobre esses pontos e limitas-te a examinar a pró-
BASE XXIV
(Sugere-se a eliminação desta base, cuja matéria está já regulada mais convenientemente na base XIX).
BASE XXV
O superficiário não pode apropriar-se, no caso de reversão ou de extinção do seu direito, de partes integrantes do edifício.
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pria matéria da proposta de lei. Não porque julgue dever pôr de parte as suas sugestões anteriores, mas simplesmente porque não as sujeitou a novo estudo.
SECÇÃO I
Actualização e fixação de rendas
A) Arrendamentos celebrados antes de 1 de Janeiro de 1943
BASE XXIX 1
(Cf. artigo 13.º, n.ºs 1 e 3, e artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do parecer de 1947)
1. Em relação aos arrendamentos anteriores a 1 de Janeiro de 1943 observar-se-á o seguinte:
a) A renda actual, quer estipulada, quer resultante dos coeficientes de actualização estabelecidos por lei, terá, a partir de 1 de Julho de 1948 e qualquer que seja o rendimento colectável ilíquido constante da matriz, um aumento de 20 por cento;
b) Nos semestres seguintes, mas só até se atingir, em cada vaso, importância mensal igual ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido constante da matriz, as rendas terão, em cada semestre, novo aumento igual a 20 por cento da sua importância à data da entrada em vigor desta lei;
c) Tanto o senhorio como o arrendatário podem, a partir de 1 de Janeiro de 1950, requerer avaliação da parte do prédio arrendada, para actualização da matriz;
d) Se, em resultado de avaliação, for alterado o rendimento colectável ilíquido, atender-se-á a essa alteração, mas só a partir de 1 de Julho de 1951, para determinar a importância da renda. Quando a, alteração consista em elevação, proceder-se-á ao aumento da renda nos precisos termos acima estabelecidos. O aumento proveniente de alteração do rendimento colectável não é devido antes do começo do semestre seguinte àquele em que a avaliação se tiver ultimado. Se a alteração consistir em diminuição será atendida na totalidade e por uma só vez.
2. Quando, entre as mesmas partes e a respeito da mesma casa, tiverem sido sucessivamente celebrados dois ou mais arrendamentos, ou estipuladas
sucessivamente diferentes importâncias de renda, qualquer doe interessados poderá prevalecer-se da data mais antiga, mas neste caso a actualização incidirá sobre a importância que a renda teria na data da entrada em vigor desta lei se não tivesse havido as celebrações ou estipulações ulteriores.
3. Nos casos em que o arrendatário tenha cometido alguma das transgressões do contrato previstas nos §§ 6.º e 7.º do artigo 5.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924, as percentagens referidas no n.º 1 da presente base são elevadas ao dobro, sem embargo de terem decorrido os prazos de caducidade estabelecidas naqueles parágrafos e sem prejuízo do disposto na base seguinte. Não se aplica esta disposição se posteriormente à transgressão do contrato tiver sido acordada entre as partes qualquer elevação de renda.
4. Se o arrendatário for tributado em imposto complementar e os proventos a que se atender paia determinação da respectiva taxa excederem dez vezes o rendimento colectável ilíquido, a actualização da renda far-se-á nos termos do n.º 2 da base seguinte.
1 A partir da base XXIX prescinde-se dê assinalar, por meio de tipos diferentes, as alterações sugeridas à proposta de lei, já que - em matéria de arrendamento - há que considerar não só a proposta e as presentes sugestões, mas também o projecto de lei do Deputado Sá Carneiro o, o parecer emitido pola Câmara Corporativa em 1947.
BASE XXIX-A
(Cf. artigo 15.º do parecer de 1947)
1. Nos arrendamentos feitos ao Estado ou serviços públicos com autonomia financeira, o aumento de rendas a que se referem as alíneas a) e 6) 4o n.º 1 da base anterior será devido, na totalidade, a partir de 1 de Julho de 1948.
2. Nos arrendamentos feitos a autarquias locais, a organismos corporativos ou d(c) coordenação económica, a pessoas morais que não tenham fins humanitários ou de beneficência, assistência ou educação, e nos arrendamentos destinados a comércio, industria ou exercício de profissões liberais, cumprir-se-á o disposto na base anterior, com a seguinte modificação: a partir de 1 de Janeiro de 1949 o aumento será, em cada semestre, igual a um terço da diferença entre a Tenda, actualizada nos termos da alínea a), n.º 1, da base anterior, e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido, salvo se esse terço for inferior a 20 por cento da renda existente no tempo da publicação desta lei, porque neste caso
aplicar-se-á na íntegra o regime da alínea b) do mesmo n.º 1 da base anterior.
3. Consideram-se abrangidos no n.º 1 da presente base os arrendamentos de locais onde esteja a exercer-se comércio, indústria ou profissão liberal, ainda que seja outro o fim fixado no contrato.
4. Se o arrendamento tiver por objecto, conjuntamente, a habitação e o exercício de comércio, indústria ou profissão liberal, e não estiver determinada, nem no arrendamento nem na matriz, qual a proporção entre a parte destinada a habitação e a parte destinada às outras actividades, aplicar-se-á o regime da base XXIX enquanto a comissão permanente de avaliação não efectuar a destrinça.
5. Quanto aos arrendamentos referidos na presente base, as alterações do rendimento colectável ilíquido resultantes de novas avaliações serão atendidas, na totalidade e por uma só vez, a partir do fim do período de arrendamento que estiver em curso.
BASE XXX
(Cf. artigo 16.º e n.º 2 do artigo 18.º do parecer de 1947)
1. Os aumentos determinados nas bases anteriores ficam a fazer parte integrante das rendas, devendo constar discriminadamente dos respectivos recibos.
2. O aumento mencionado na alínea a) do n.º 1 da base XXIX é exigível independentemente de qualquer notificação ou aviso.
3. O senhorio, para tornar efectivos os aumentos de renda ulteriores a 1948, deverá lançar, no verso do recibo referente à renda que deve ser paga no mês de Outubro de 1948, o plano completo desses aumentos.
4. No caso de não ter dado cumprimento ao disposto no número anterior, o senhorio poderá notificar judicialmente ao arrendatário o plano dos aumentos, mas estes só começarão a aplicar-se no começo do semestre seguinte à notificação e desde que esta tenha sido feita com a antecedência mínima de trinta, dias. O mesmo se observará se não houver renda vencida, em Outubro.
5. É necessária, ainda, notificação judicial, com a antecedência mínima de trinta dias:
a) Para aplicar o regime dos n.ºs 2, 3 e 4 da base XXIX;
b) Para, no caso do n.º 5 da base XXIX-A, aplicar os aumentos que resultarem da destrinça prevista nessa disposição.
6. Se o arrendamento tiver por objecto dependências cujo rendimento colectável não esteja destrinçado, a elevação da renda só se tornará efectiva após a destrinça feita pela comissão permanente de avaliação e mediante notificação judicial com a antecedência de trinta dias,
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BASE XXXI
(Cf. artigo 17.º do parecer de 1947)
1. A parte da contribuição predial actualmente a cargo do arrendatário continua a ser paga por este até o aumento, da renda atingia metade da diferença entoe a renda actual e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido à data da entrada em vigor desta lei.
2. Ultrapassada essa metade da diferença, o encargo passa inteiramente para o senhorio.
3. As quantias cobradas pelo senhorio a título de obras de saneamento ou de custeio de receptáculos para correspondência postal, ou com outro fundamento legal de natureza semelhante, não serão consideradas para efeitos de actualização de rendas.
4. Se houver no prédio serviço de aquecimento a cargo do senhorio, poderá estipular-se que a remuneração deste serviço constitui prestação distinta da renda, a pagar em separado, sem prejuízo das disposições legais sobre crime de especulação.
B) Arrendamentos celebrados depois de 31 de Dezembro de 1942
BASE XXXII
(Cf. artigo 33.º, n.º 2, do parecer do 1947)
1. Em relação aos arrendamentos celebrados entro 31 de Dezembro de 1942 e a data da entrada em vigor desta lei, o senhorio ou o arrendatário tem sempre a faculdade de requerer a avaliação da parte do prédio arrendada, para actualização da matriz.
2. A partir do fim do período do arrendamento que estiver em curso, ou decorrido um ano sobre a avaliação se aquele período o exceder, a renda devida será igual ao rendimento colectável ilíquido fixado pela avaliação.
BASE XXXIII
(Cf. artigo 20.º do parecer do 1947)
1. Nos arrendamentos, celebrados depois da entrada em vigor d estalei, de prédios a esse tempo já construídos, o arrendatário não é obrigado a pagar renda mensal superior ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido constante da matriz à data daquela entrada em vigor ou fixado ulteriormente por avaliação.
2. A estes arrendamentos é aplicável o disposto na base anterior.
BASE XXXIII-A
(Cf. artigo 20.º do parecer de 1947)
1. Os arrendamentos de prédios construídos depois da publicação desta lei ficam em redime de liberdade de estipulação de rendas.
2. Pode o senhorio, neste regime, obter o despejo, por não lhe convir a continuação do arrendamento, no fim do prazo do contrato ou da renovação, contanto que deste direito ser tenha feito menção expressa no título do arrendamento.
C) Disposições comuns
BASE XXXIII-B
(Cf. artigo 15.º, n.º 3, artigo 18.º, n.ºs 3 e 4, e artigo 20 do parecer de 1947)
O direito de requerer avaliação, nos termos das bases XXIX, XXXII e XXXIII, existe tanto nos arrendamentos para habitação como nos arrendamentos para comércio, indústria ou qualquer outro fim.
BASE XXXIII-C
(Cf. artigo 18.º, n.º 5, do parecer de 1947)
Não pode requerer-se uma avaliação sem que tenham decorrido três anos sobre outra anteriormente feita. Exceptua-se a avaliação determinada por traspasse de estabelecimento comercial ou industrial, que poderá realizar-se sempre que tenha decorrido mais de um ano sobre a avaliação anterior.
BASE XXXIV
(Não tem correspondência no parecer de 1947)
Amatéria desta base passou para as bases XXXIII-B e XLI-A.
BASE XXXV
(Cf. artigo 18.º, n.º 1, do parecer de 1947)
As secções de finanças são obrigadas a prestar gratuitamente, a todo o tempo, as informações que lhes sejam solicitadas para os efeitos das bases anteriores.
BASE XXXVI
(Cf. artigo 19.º do parecer do 1947)
1. As disposições relativas à avaliação de prédios urbanos na o entrarão em vigor sem que pelos Ministérios da Justiça e das Finanças sejam estabelecidas, em decreto, as normas reguladoras da avaliação dos prédios urbanos e organização dos respectivos recursos, as quais deverão ser publicadas no prazo de sessenta dias.
2. As comissões de avaliação dos prédios urbanos poderão ser presididas por magistrados judiciais, sem prejuízo das funções que exercerem ou em comissão de serviço.
3. Nas avaliações atender-se-á, para determinação do rendimento colectável, à área do prédio, ao tipo de construção, a localização e aos outros factores que devam concorrer para a fixação de um valor justo.
4. Do requerimento de avaliação apresentado pelo senhorio ou pelo arrendatário dar-se-á comunicação oficial, respectivamente, ao arrendatário e ao senhorio.
SECÇÃO II
Sublocação BASE XXXVII
(Cf. artigo 21.º do parecer de 1947)
1. A sublocação caduca com a extinção, por qualquer causa, do arrendamento. O sublocatário não pode opor-se à execução das sentenças de despejo, proferida em acção movida contra o arrendatário, com o fundamento de que não foi também demandado, considerando-se revogada a alínea b) do artigo 987.º do Código de Processo Civil.
2. Todavia, se o proprietário receber alguma renda do sublocatário e passar recibo depois da extinção do arrendamento, será o sublocatário considerado para os efeitos legais como arrendatário directo.
BASE XXXVIII
(Cf. artigo 22.º do parecer de 1947)
1. A cláusula permissiva de sublocação não dispensa a notificação desta. A notificação tem de ser requerida no prazo de quinze dias, sob pena de a sublocação ser considerada ilegal.
2. E dispensada a notificação se o senhorio consentir especialmente em determinada sublocação ou reconhecer o sublocatário.
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3. Não se considera como reconhecimento para os efeitos do número anterior o simples conhecimento de que o prédio foi sublocado.
BASE XXXVIII-A
(Cf. artigo 23.º do parecer de 1947)
1. O direito de livre fixação de renda, no caso de sublocação consentida pelo senhorio, só pode tornar-se efectivo no fim do prazo do arrendamento ou da renovação e contanto que no título de arrendamento ou escrito de autorização se mencione a existência de tal direito.
2. O senhorio pode renunciar a este direito, contanto que o faça por escrito.
3. A fixação de nova renda só produz efeitos se for notificada ao arrendatário até dez dias. antes dos prazos referidos no artigo 970.º do Código de Processo Civil.
4. As sublocações anteriores à publicação da presente lei ficam sujeitas, quanto ao direito conferido nesta base, à lei vigente na data em que tiverem lugar.
BASE XXXIX
(Cf. artigo 24.º do parecer de 1047)
Em todos os casos de sublocação total do prédio, anteriores ou posteriores à entrada em vigor desta lei, o senhorio tem a faculdade, mediante notificação judicial, de se substituir ao arrendatário, considerando-se rescindido o primitivo arrendamento e passando o sublocatário ou sublocatários à posição de arrendatários directos. A notificação a que se refere esta base deve ser feita ao arrendatário e sublocatário e só pode ter lugar dentro dos prazos referidos no artigo 970.º do Código de Processo Civil para se tornar efectiva a substituição no fim do prazo do arrendamento ou da renovação.
BASE XL
(Sem correspondência no parecer de 1947)
Sugere-se a eliminação desta base.
BASE XLI
(Cf. artigo 25.º do parecer de 1947)
1. Presume-se que há sublocação quando durante mais de três meses residam na casa arrendada, pessoa ou pessoas, simultânea ou sucessivamente, que não viessem viver com o arrendatário no início do arrendamento e que não sejam parentes ou afins do arrendatário, na linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral, ou pessoas relativamente às quais haja obrigação de convivência, resultante de lei ou de contrato de prestação de serviço doméstico.
2. Verificado o facto referido no número anterior, não pode ilidir-se a presunção, provando-se que o contrato é de albergaria ou pousada, se não houver prestação normal da alimentação por parte do arrendatário.
3. Para a prova da sublocação aião é necessário provar-se o quantitativo da renda nem o prazo do contrato.
BASE XLI-A
(Correspondente à base XXXIV da proposta lei.
Não tem correspondência no parecer de 1947)
1. A cessão do direito ao arrendamento comercial ou industrial, sem autorização do senhorio dada por escrito, só pode verificar-se no caso de traspasse. Não há traspasse:
a) Se no local passar a exercer-se outro ramo de comércio ou indústria, ou, em geral, lhe for dado novo destino;
b) Se a transmissão do local não for acompanhada da transferência em conjunto das instalações, utensílios, mercadorias e outros elementos, que tornem característica a transmissão do estabelecimento.
2. A cessão do direito ao arrendamento, ou sublocação, que infrinja o disposto no número anterior, dá ao senhorio o direito de obter o despejo imediato.
BASE XLII
(Não tem correspondência no parecer de 1947) A matéria desta base passou para a nova base XLIII-A.
SECÇÃO III
Acções de despejo
BASE XLIII
(Cf. artigo 29.º do parecer de 1947)
1. Pode requerer-se o despejo para o fim do prazo do arrendamento ou da renovação nos casos seguintes, sem prejuízo de outros actualmente previstos na lei:
a) Destinar-se a casa a habitação e, ao tempo da proposição da causa, não ter nela o arrendatário a sua residência permanente, viva ou não noutra casa arrendada ou própria. Não tem aplicação este preceito:
1 .º Se o arrendatário se ausentar em cumprimento de deveres militares de carácter transitório ou no exercício de funções (públicas que tenham o mesmo carácter;
2.º Se permanecerem na casa as pessoas que constituem o agregado familiar do arrendatário.
b) Propor-se o senhorio a efectuar obras de ampliação do prédio das quais resulte ser aumentado o número de inquilinos. Na petição inicial, que será acompanhada do respectivo projecto, devidamente aprovado, o senhorio tomará o compromisso de executar as obras e de celebrar de novo o arrendamento com os mesmos arrendatários, se eles o pretenderem, pela renda devida anteriormente, ou pela correspondente ao rendimento colectável ilíquido que for fixado, se as obras tiverem melhorado grandemente a parte da rasa anteriormente arrendada.
2. No caso da alínea b) do número anterior o arrendatário tem sempre direito a indemnização igual ao rendimento colectável ilíquido de um ano, a qual será paga pelo proprietário no acto da desocupação.
3. Ultimadas as obras, os arrendatários poderão reocupar a parte do prédio que anteriormente ocupavam, ou, não sendo isso possível, cabe-lhes a escolha da que pretendam habitar, decidindo o juiz ex acquo et bono quando não houver acordo entre eles.
4. Se o senhorio faltar ao compromisso tomado ou se as obras não estiverem iniciadas, salvo caso de força maior, dentro do prazo de três meses, a contar da saída do arrendatário, este pode pedir a reocupação do prédio antigo ou a ocupação do novo, conforme as circunstâncias, e tem direito a uma importância correspondente a mais três anos de rendimento colectável.
SECÇÃO IV
Disposições penais
BASE XLIII-A
(Correspondente, à base XLII da proposta de lei. Não tem correspondência no parecer do 1947)
1. Constitui crime de especulação, sendo punível nos termos da legislação respectiva:
a) A infracção prevista no artigo 110.º e § único do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919;
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b) O facto de o arrendatário receber, pela extinção do arrendamento, qualquer quantia que não seja indemnização devida por lei;
c) O facto de o arrendatário receber qualquer quantia pela cessão do local a novo arrendatário em caso diverso do de traspasse.
2. Nos casos previstos na alínea a) do n.º 1 a sentença condenatória é título bastante para compensação nas rendas futuras do que o locatário ou sublocatário tiver pago indevidamente.
Palácio de S. Bento, 31 de Março de 1948.
José Gabriel Pinto Coelho, presidente, com voto (vencido quanto às disposições sobre limitação de rendas, pelos fundamentos que constam da declaração de voto do digno Procurador Paulo Cunha).
Afonso de Melo Pinto Veloso (vencido quanto à base XXXIII-A. Votei que deve prosseguir o sistema de fixação de rendas por meio de avaliação, pelo menos enquanto as circunstâncias económico-sociais não permitirem que a liberdade contratual se aplique indistintamente a prédios actuais e futuros. O processo da justa avaliação contém valores intrínsecos que o aconselham como norma das relações contratuais entre senhorios e inquilinos. Porque permite reajustamentos periódicos das rendas, oferece condições de maleabilidade que o tornam adaptável a todas as épocas e à valorização específica de cada prédio.
Penso, aliás, que, mesmo em regime de liberdade de rendas, o dono do prédio pode colocar-se em situação de abuso do direito de propriedade se exigir excessiva remuneração do capital empregado, entrando nos limites puníveis da especulação ou da usura. Nas relações sociais toda a liberdade tem limite.
O argumento de que com esta base se pretende fomentar a construção não me convence. Creio que só incitará à construção dos chamados prédios de luxo, desviando os capitais da aplicação, actualmente já efectuada com êxito, em prédios de renda limitada).
Paulo Arsénio Virissimo Cunha (vencido quanto às disposições sobre limitação de rendas. Não vejo razões para pôr de parte as considerações fundamentais expressas a tal respeito no parecer da Câmara Corporativa de 1947, que aqui dou como reproduzidas .(v. Diário das Sessões de õ de Fevereiro de 1947, suplemento, pp. 470-(25) e seguintes). Para resolver a sério o problema da habitação, pondo os olhos no futuro e não apenas no momento que passa, só há uma maneira: fomentar a construção de mais casas.
Ora a limitação das rendas - em particular o exemplo da sua redução forçada em contratos já celebrados e sujeitos a regime de renovação obrigatória - é a providência mais apta para produzir o resultado contrário. Não pode deixar de determinar o retraimento e afastamento dos capitais. A solução sugerida na base XXXIII-A do presente parecer (liberdade de rendas nos prédios a construir de futuro) procura salvar este ponto capital, mas não o consegue porque a confiança ficará perdida.
Com a limitação das rendas procura-se cortar abusos e atingir um elevado fim de justiça social. Nem isso se alcançará, na realidade: os excessos nas rendas serão substituídos pela prática generalizada (e mais gravosa para quem precisa
de arranjar habitação) da exigência de quantias a título de «chave», «indemnização», «luvas» ou semelhante. Não se diga que a repressão penal o evitará: trata-se de crime sem rasto, cuja perseguição efectiva é muito difícil. Enquanto for possível, por causa da falta de casas, obter renda mais alta do que a permitida, a diferença há-de tender para uma capitalização ilícita, obtida em mercado negro, que a própria lei vai. assim promover. É de psicologia elementar.
Por fim, importa não esquecer que a redução das rendas nos contratos em curso envolverá uma injustiça grave. Os actuais proprietários dos prédios compraram-nos, em regra, por preços calculados em função das rendas. A redução destas por acção do legislador representa pois a imposição de uma perda substancial de capital, em prejuízo de quem das rendas excessivas não tirou lucro. É este o dado que mais concorrerá para a quebra de confiança f acima referida).
Álvaro Salvação Barreto.
Luís José de Pina Guimarães.
Alberto Sá de Oliveira.
Álvaro Malafaia.
Armando Jacques Favre Castelo Branco.
Paulo de Oliveira Machado.
Oscar Baltasar Gonçalves.
António de Freitas Pimentel.
Afonso Rodrigues Queiró.
João Seiras e Silva (vencido em parte. A base XXXII da proposta tem em vista corrigir as rendas estabelecidas depois de 31 de Dezembro de 1942, embora tenham sido obra de contrato livre, em harmonia com a situação do mercado nesse tempo.
A substituição que a Câmara Corporativa propõe para esta base não me satisfaz, como me não satisfaz a da proposta.
Compreende-se que se tabelem artigos de consumo, que se faça economia dirigida, que o Estado intervenha com os seus regulamentos quando o mercado livre der lugar a abusos perturbadores da ordem, isto é, quando se derem duas condições: 1.ª quando se prevê com segurança que grandes interesses (grandes em extensão e profundidade) ficariam mal acautelados se fossem entregues ao jogo natural dos factores sociais; 2.1 quando houver oportunidade, isto é, quando haja grande probabilidade de que a intervenção do Estado não venha a produzir dano igual ou superior àquele que se pretende evitar. Muitas vezes la peur d'un mal nous conduit dans un pire. A fiscalização é útil, mas a intervenção pode ser nociva se lhe faltam aqueles atributos. Nem sempre economia livre nem sistematicamente dirigida. Nem sempre nem nunca. O ideal não é o dirigismo, o ideal é a liberdade, que deve ir até onde for possível, indo a autoridade só até onde for necessário.
Os contratos de arrendamento de casas feitos depois de 31 de Dezembro de 1942 representarão uma soma de interesses muito considerável, que oferecem perigo para a ordem social se não forem governativamente acautelados e subtraída a sua gerência ao jogo natural da economia privada? Supondo que haja alguma injustiça na organização desses contratos, será isso o bastante para justificar a intervenção do Estado ? Logicamente, neste caso, deveria o Estado também procurar corrigir todos os contratos.
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de compra e venda de propriedades rústicas e urbanas que se fazem iodos os dias no País, nem sempre em condições de inteira justiça.
Não se sente essa necessidade e teme-se que a perturbação que causaria tal intervenção fosse muito superior ao mal a corrigir.
Os inquilinos que tomaram casas por preços elevados sabiam que o podiam fazer dispunham dos meios ou associaram-se em grupo para que a renda lhes fosse acessível. O preço das rendas subiu, como subiu o preço de tudo, e sobe sempre que a procura é superior à oferta.
O jogo dos factores naturais arrumou aquele caso, como muitos outros, sem que houvesse perturbação que justificasse a intervenção governativa.
É agora, passados anos, que ocorre a ideia da limitação. Foram estas rendas altas obra da especulação?
É sabido, e o relatório da proposta a isso alude, que a febre de construção de 1934 e subsequente foi longe, e assim se edificaram centenas e centenas dê prédios novos, que a ânsia de colocar dinheiro, logo após o início da guerra, fez comprar por alto preço, em muito superior ao do custo.
Como havia a liberdade dos contratos, os compradores não hesitaram, seguros de que elevariam as rendas em harmonia com o que pagavam aos construtores, que fizeram bom negócio e hoje estão livres de colocar o dinheiro onde melhor entendam. Decretada a limitação das rendas, os proprietários ficam profundamente lesados. Mais uma vez os senhorios seriam vítimas dos inquilinos.
O Estado não impediu a compra cara dos prédios que agora não deixa arrendar por preço justo e remunerador. O respeito pela propriedade privada considera-se meio de fazer oposição ao comunismo. Não se lhe deve tocar com mão pesada.
As consequências de tal medida são fáceis de prever: a crise da habitação não melhorará; ao contrário, o capital, assustado, fugirá das construções caras, de luxo, dignas duma grande cidade, com arte e conforto. A base XXXIII reforça ainda este retraimento. A mediocridade triunfará.
Se algum mal for remediado, outro maior virá a produzir-se. As previsões aqui são fáceis, o que não sucede com o levantamento das rendas, aliás justíssimo, que a Câmara Corporativa aceita.
Que reacção provocará o levantamento das rendas? Esperemos que não haja perturbação de maior, mas em verdade, ninguém sabe nada a este respeito. Faltam inquéritos, estatísticas, sobre as condições sociais dos meios em que vai incidir a fundo a nova medida. Essa falta pode ocasionar importantes surpresas.
As mais sábias e famosas combinações jurídicas correm o risco de ficar inertes, como a casca vazia donde se retirou a amêndoa, se lhes faltar o apoio dos factos sociais de que dependem essencialmente os resultados das nossas intervenções.
Não se diga que a urgência de arrendar casa deu lugar a numerosos abusos, sempre possíveis em tais ocasiões de urgência; mas não consta que tais factos tenham causado perturbação de maior e superior à que causam ou contratos de
venda e empréstimo, feitos muitas vezes em condições aflitivas. Em conclusão:
Não há perturbação social que indique a necessidade desta providência legislativa, podendo ter-se confiança no jogo natural dos factores sociais para resolver as dificuldades em contrato livre. Liberdade até onde for possível. Aonde puder chegar à iniciativa privada não carece de ir a acção pública.
É grande erro não se estremarem e respeitarem os domínios de cada uma - iniciativa privada e acção pública.
Manuel Gomes da Silva.
Rui Enes Ulrich.
Albino Vieira da Rocha.
Ezequiel de Campos.
Fernando Emídio da Silva.
António Vicente Ferreira.
Joaquim Roque da Fonseca vencido em parte. Quanto ao n.º 2 da base XXIX (no parecer da Câmara Corporativa base XXIX-A), com referência ao disposto no n.º 1 da mesma base, porque, tendo o presente parecer da Câmara Corporativa ampliado muito o pagamento escalonado do acréscimo da renda para o inquilinato particular ou civil, por razões de ordem social - o que mereceu a minha absoluta concordância -, o mesmo parecer estabelece para inquilinos comerciantes e industriais apenas o período de três semestres, o que, atentas as dificuldades que o comércio actualmente atravessa, é em muitos casos (e estes em muito maior número do que se imagina) manifestamente violento.
Quanto à matéria do n.º 1 da base XXXIV da proposta de lei (no parecer bases XXXIII-B e XXXIII-c), que trata do direito de requerer avaliação em caso de traspasse (e de lamentar é que nela não se regulem o uso do direito de opção e a continuidade do arrendamento na caducidade do usufruto), entendi que tal direito não deve ser concedido ao senhorio, desde que o artigo 31.º do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928 - diploma de carácter fiscal que confirma a crescente e nociva invasão do direito fiscal no domínio do inquilinato civil e comercial, em prejuízo dos direitos tanto de senhorios como de arrendatários -, dispõe que aã partir da publicação do mesmo decreto com força de lei os traspasses dos estabelecimentos comerciais e industriais ou suas dependências não poderão efectuar-se sem que se tenha procedido a avaliação nos termos do Código da Contribuição Predial», mas ao mesmo tempo determina que a comissão avaliadora deve atender «aos factores económicos» que influam
na renda dos prédios onde os estabelecimentos estiverem instalados.
E porque a valorização dos prédios ou parte dos prédios devida à existência neles de estabelecimento ou estabelecimentos é sem dúvida havida pelas comissões avaliadoras como o primeiro desses a factores económicos a considerar, o direito de avaliação em caso de traspasse exercido em tais circunstâncias - e cumpre ter presente que essa valorização se deve exclusivamente ao comerciante inquilino - fará com que a renda resultante da avaliação possa atingir montante tão exagerado que impossibilite o traspasse e até possa forçar o inquilino a uma.
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recusa, que proporcionará ao senhorio requerer o despejo.
Quanto à base XXXII da proposta de lei (no parecer da Câmara Corporativa bases XXXII e XXXIII) porque embora o mesmo parecer haja melhorado grandemente o texto da referida base, que diz respeito aos contratos de arrendamento celebrados depois de 1 de Janeiro de 1943 - julgo não ser de aceitar o princípio que se pretende estabelecer.
Em primeiro lugar, existindo contratos de arrendamento livremente pactuados entre senhorios e inquilinos, e nos quais se fixaram rendas por estes aceites e calculadas em função do valor das construções ou do investimento de capitais na compra de prédios, não é lícito que um diploma legal autorize que as cláusulas de um contrato juridicamente firmado possam ser modificadas por conveniência de uma das partes contratantes, em prejuízo da outra.
Em segundo lugar, sendo objectivo evidente da proposta de lei n.º 202, acerca das questões conexas com o problema da habitação, fomentar a construção de prédios - que nela é encarada sob vários aspectos, afirmando-se no seu próprio relatório «esperar-se que uma tal iniciativa seja secundada pelo capital particular» -, não é de acreditar que, aprovadas tais disposições, os capitais indispensáveis, e sem os quais não se constróem prédios, procurem tal emprego enquanto aqueles que deles dispõem se lembrarem do que sucedeu àqueloutros que os investiram na construção ou compra de prédios durante os últimos cinco anos). António Pedro Pinto de Mesquita, relator (vencido quanto ao n.º 3 da base XXIX.
Estando de acordo em absoluto com o princípio do artigo 28.º do parecer de 1947 - admitido já com restrições no § 4.º do artigo 1.º do projecto de lei do ilustre Deputado Dr. Sá Carneiro -, e que é perfeitamente compatível com a economia da proposta, não se me afigura justo que situações regularizadas a face do direito vigente possam dar lugar a uma posição jurídica diferente da normal, tanto mais que no n.º 3 da base XXIX-A se revela a tendência de com vista à actualização de rendas, se atribuírem efeitos jurídicos ao estado de coisas criado pela infracção. Acresce que o preceito dá lugar a uma nova modalidade no regime de actualização de rendas, o que reputo inconveniente para o bom funcionamento do sistema).
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA