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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145
ANO DE 1948 16 DE ABRIL
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 145 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 15 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Usou Já palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que se rejeriu à data que hoje se comemora do 20.º aniversário da eleição do Sr. marechal Carmona para Chefe do Estado.
Interpretando o desejo da Assembleia, o Sr. Presidente comunicou que, com os Srs. Deputados Antunes Guimarães, Mário de Figueiredo, Carvalho Viegas e os dois secretários da Mesa iria à residência do Chefe do Estado expressar-lhe, directamente, os votos da Câmara.
Para o efeito interrompeu a sessão por meia hora.
Ordem do dia. - Continuação do debate, na generalidade, do projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre inquilinato e da proposta de lei sobre questões conexas com o problema da habitação.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alçada Guimarães e Antunes Guimarães.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 53 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 liaras e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo, de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
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João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: em 1928 - faz hoje vinte anos - o Sr. marechal Carmona tomou posse do lugar, que, graças a Deus, ainda ocupa, de Chefe de Estado eleito pela Nação. Já era Chefe do Estado desde os fins de 1920. Se bem que o aniversário da data da primeira investidura na t função seja, para quem nunca mais deixou de a desempenhar, o facto, em especial, digno de comemorar-se, entendo que esta Assembleia deve lembrar também esta data, mostrando que lhe não passa a memória de um acontecimento que transmudou em definitivo, no terreno legal, o que, no mesmo terreno, era apenas provisório. No terreno legal, disse; porque, no terreno dos factos, o Sr. marechal Carmona foi, logo depois das primeiras hesitações da Revolução,
o homem para quem o exército se voltou, como se nele adivinhasse a espécie de predestinação que o sagrava - Chefe.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O exército teve a intuição de que o Sr. marechal Carmona encarnava o pensamento da Revolução.
Podia este pensamento não estar completamente desenhado; podia ver-se com clareza apenas o que se não queria, sem se enxergar ao certo o que se queria.
Pretendo significar: podia ver-se o fim que se buscava, sem ainda se atinar com os meios de o atingir, com a transformação do Estado necessária para o realizar. A escolha do Chefe do Estado representava por isso, em grande medida, um voto de confiança.
Escolher, um dirigente é sempre emitir um voto de confiança. É-o mesmo quando se procura o executor de um sistema já construído; mas é-o em muito maior escala quando se busca já, não o simples executor de um sistema construído, mas o homem que há-de promover a própria construção do sistema.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E mais delicada então a selecção dos colaboradores. Há riscos de erro muito maiores. É muitas vezes preciso recomeçar. Tudo isto supõe um pensamento muito firme a respeito dos fins e um discernimento claro a respeito da obra dos homens e dos próprios homens.
Quer isto dizer que a escolha de um homem para desempenhar esta missão é, só por si, uma expressão furte do prestígio desse homem, da conta em que se têm as suas qualidades de carácter, de decisão e de devotamento à função.
O Governo, conhecendo bem o pensamento do exército, ao escolher para Chefe do Estado o Sr. marechal Carmona afirmou, só por esse facto, aquele prestígio e estas qualidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pouco mais de um ano volvido sobre a escolha feita, o problema foi posto à Nação. A Nação confirmou a escolha.
Viu-se assim que o homem que, no ambiente do exército, encarnava o sentido da Revolução, encarnava também as ansiedades da Nação. O momento era ainda muito confuso quanto às linhas mestras que haviam de presidir à transformação do Estado e até quanto ao próprio facto da transformação. Eram; porém, já claros os pressupostos indispensáveis a qualquer solução desses problemas: a ordem nas ruas e a ordem na administração. A primeira é condição da segunda, e não admira, portanto, que por ela se tenha começado. O Presidente soube escolher os homens para a realizar.
Assegurada a ordem nas ruas, era preciso realizá-la na administração, não fosse a falta desta comprometer aquela. O problema era mais delicado. Era preciso tactear antes de se acertar rumo seguro. Era preciso que os homens a quem se entregara o poder fizessem o sacrifício de consentir em que se lhes limitasse o próprio poder.
A ambição do poder é expandir-se, e não sujeitar-se a limitações.
Ao arrepio desta lei histórica, os homens a quem se confiara o poder consentiram em a si próprios o limitarem. Era tão forte nesses homens a consciência de salva a ordem moral, não haver sacrifícios que se não devam ao bem comum, que consentiram em limitar o próprio poder. Prestemo-lhes a nossa homenagem. Ao fazê-lo
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estamos ainda a prestá-la ao Chefe do Estado que os escolheu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A medida que se ia arrumando a vida administrativa, começa a tomar forma o problema político.
Andam no ar e chegam a personalizar-se soluções várias para ele. Era o problema do sentido definitivo da Revolução que estava posto. Problema de crise, compreende-se que pusesse em crise, que fizesse estremecer, os próprios fundamentos da Revolução.
O Chefe do Estado está atento. Considera os homens e as ideias; o que é a expressão de interesses de grupo e o que é a expressão do interesse nacional. Formado juízo na consciência da função, toma posição, e, quando lhe parece chegado o momento de decidir, resolve o problema do sentido da Revolução, escolhendo para o pôr de pé o homem que maior capacidade mostrara e melhores provas dera de lhe assegurar um rumo definido.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Raro será o homem que, tendo sobre os ombros a responsabilidade da condução de um povo, não tenha alguma vez visto apagar-se a luz do seu discernimento pelos ventos das paixões que em torno dele se digladiam.
Do Sr. marechal Carmona pode, de consciência tranquila, afirmar-se que, nem quando teve de decidir nem quando teve simplesmente de manter decisões tomadas sentiu aquela luz sequer enfraquecida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nenhum homem público pode evitar que aos seus actos ou às suas palavras sejam dadas interpretações que estava longe das suas possibilidades de imaginação prever. Mesmo neste aspecto, porém, pode dizer-se que a Nação, no seu conjunto, e os vários sectores da opinião olharam sempre com simpatia respeitosa para a conduta do Chefe do Estado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Virtude da nossa orgânica constitucional? Eu não digo que também esta não tenha contribuído, mas sobretudo virtude das suas qualidades pessoais, que se ajustam tão bem à dignidade da função que a gente chega a não saber se é esta que as engrandece, se são elas que engrandecem a função!
Encontrado o sentido definitivo da Revolução, constitucionalizou-se a transformação do Estado.
A primeira pedra da nossa orgânica constitucional é o Chefe do Estado. Este não é simplesmente, como nos regimes parlamentares, o posto mais alto da hierarquia; é o detentor efectivo da maior força. Limita-o a lei, que, em todo o caso, pode fazer transformar; não o limita, em certo sentido, nenhum outro órgão da soberania. Não pode governar sem eles; mas, num caso, pode escolher os homens a quem pertence o governo efectivo e, no outro, que é o da Assembleia Nacional, pode sempre, através da dissolução, provocar nova consulta à Nação.
O que acabo de dizer define o poder do Chefe do Estado na nossa orgânica constitucional. Mas, dentro do espírito profundo dessa orgânica, ele só é verdadeiramente livre na escolha do Presidente do Conselho.
Toda a sua força provém desta liberdade. Toda a sua força e toda a sua responsabilidade. É responsável perante a Nação pelo conjunto da vida política e administrativa, porque é livre de nomear e demitir o Presidente do Conselho.
Como tem o Sr. marechal Carmona utilizado as suas possibilidades constitucionais? Creio não precisar de dizê-lo para que todos o recordem e se sintam habilitados a formular sobre a sua conduta um juízo de valor. Não podia tê-las utilizado melhor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A gente olha para o conspecto do Mundo e, quando repara nos maiores a arrependerem-se porque não viram ou não previram, pasma de verificar que a nossa política mais parece interpretação do que històricamente se passou ou está a passar-se do que o resultado de previsões sobre acontecimentos futuros!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Está o Mundo dividido em duas forças irredutíveis, a não ser pela dominação de uma sobre a outra.
Ideològicamente, sabe-se a qual delas estamos ligados. Com o seu triunfo venceremos e com a sua derrota seremos vencidos. É convicção minha que venceremos. A terceira força de que também se fala não nasceu para vencer nem para ser vencida. É a força do medo. Nasceu para se dissolver, enredada nas solicitações de princípios opostos. Repugna à construção do Estado Português. Não há-de quebrar-lhe o ânimo na luta contra os que se batem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É dizer que a construção do Estado Português é a que oferece melhores condições para a luta.
A quem a devemos? Sobretudo, a quem devemos a manutenção nas posições mestras daqueles que, pela rijeza dos seus princípios e pela fé no nosso sistema, são garantia segura de que se não abrirá brecha nas aludidas condições de luta?
Ao Chefe do Estado.
Salto sobre a guerra de Espanha e só farei uma nota rápida sobre a guerra mundial. Os tempos nem sempre correram plácidos para Portugal. Houve que prever situações difíceis, eriçadas de riscos para a Nação e para os governantes. Eu sei que o Sr. marechal Carmona é um militar para quem o risco é uma sedução aliciante ao cumprimento do dever. Mas se, para diminuir os riscos da Nação, fosse necessário evitar os próprios riscos?
O Sr. marechal Carmona doara-se completamente à Nação, e tanto se lhe dava servi-la morrendo como sendo forçado a viver.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: faz hoje vinte anos que o Sr. marechal Carmona tomou posse do cargo de Chefe do Estado, para que fora eleito pela Nação. Ratificou então o País a escolha que para o mesmo cargo dele tinha feito o exército.
E mais do que uma vez tem o País ratificado o seu próprio voto.
Entendi, tanto a título pessoal como por virtude das funções que nesta Assembleia me foram atribuídas, que não podia deixar passar este dia sem assinalar aquela data e prestar as minhas homenagens ao venerando Chefe do Estado. Sei que, ao fazê-lo, também interpreto o sentir da Assembleia.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Por isso proponho que, por forma directa e pessoal, lhe seja transmitido o voto dessas homenagens, designando V. Ex.ª, nos termos regimentais, quem há-de constituir, para o efeito, a representação da Assembleia, se entender não dever assumi-la só por si.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Embora antecipadamente certo da aprovação da Câmara, submeto à sua apreciação a proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo para que, por forma directa e pessoal, sejam transmitidos ao Sr. Presidente da República os votos e homenagens da Assembleia.
Procedeu-se à votação da referida proposta.
O Sr. Presidente: - Está aprovada por unanimidade.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento da deliberação que a Câmara acaba de tomar, vou dirigir-me imediatamente à residência do Chefe do Estado, e designo para me acompanharem nesta missão os Srs. Deputados Mário de Figueiredo e Antunes Guimarães e brigadeiro Carvalho Viegas e os secretários da Mesa, Drs. Ribeiro Ferreira e Marques Teixeira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Entretanto, interrompo a sessão por meia hora.
Eram 16 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Quero comunicar à Câmara que, juntamente com a comissão para esse efeito designada, acabo de dar conhecimento ao Sr. Presidente da República, na residência de S. Exa., no Lumiar, dos votos e das homenagens da Assembleia. O venerando Chefe do Estado encarregou-me de exprimir a VV. Ex.ªs quanto o sensibilizou o gesto da Assembleia e de transmitir a esta os seus agradecimentos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão, na generalidade, o projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre inquilinato e a proposta de lei sobre questões conexas com o problema da habitação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alçada Guimarães.
O Sr. Alçada Guimarães: - Sr. Presidente: sempre foi meu propósito fazer preceder as considerações que o estudo dos diplomas sobre inquilinato, trazidos ultimamente à Assembleia, me sugeriram de algumas palavras de apreço para as iniciativas que eles traduzem. E nestas palavras eu abranjo tanto o Sr. Deputado Sá Carneiro, autor do projecto primitivo, como o Governo, autor da proposta subsequente, pois reconheço num como noutro destes documentos a mesma preocupação de reparar injustiças clamorosas ou resolver dúvidas de jurisprudência prementes, através de soluções que, quer no campo dos direitos dos senhorios, quer no dos arrendatários, não podem deixar de considerar-se económica, social e juridicamente defensáveis.
E ainda que se discorde, num ou noutro ponto, dessas soluções - e eu serei, porventura, dos que vão discordar, - tem de reconhecer-se que na base de todas elas se encontra sempre um pensamento esclarecido e orientado por um sentido de justiça.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - V. Ex.ª dá-me licença? V. Ex.ª está traduzindo, o pensamento da comissão de que faz parte?
O Orador: - V. Ex.ª terá ocasião de verificar no decorrer das minhas considerações que estou traduzindo um ponto de vista pessoal.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, dá-me licença?
É para dizer o seguinte: é que verdadeiramente a expressão do pensamento da comissão sobre a matéria em discussão não tem como lugar próprio a discussão na generalidade; só o teria se a comissão pensasse em discutir a oportunidade ou a economia da proposta.
Ora a comissão não pensou discutir nem a oportunidade nem a economia da proposta. Pensou, sim, discutir o regime de fundo nela instituído, o que significa que na verdade se não justifica nesta ordem de considerações uma intervenção da comissão a propósito do debate na generalidade.
O Orador: - Aqui tem V. Ex.ª, Sr. Deputado Ribeiro Cazaes, o esclarecimento solicitado.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Estou esclarecido. Foi a V. Ex.ª que me dirigi. Muito obrigado a V. Ex.ª
O Orador: - Dizia eu que, além disso -e este aspecto é especialmente de focar na proposta do Governo -, o facto de se romper com a «cortina de ferro» - para usar de uma sombria imagem agora muito em voga - do inquilinato revela confiança na compreensão da opinião pública e firmeza na ordem administrativa, que também importa registar com louvor.
E, antes de entrar propriamente no fundo da questão, quero ainda aludir aos dois pareceres que a Câmara Corporativa nos proporcionou e que constituem, sem dúvida, um subsídio valioso para o trabalho que constitucionalmente nos compete, embora o último desses pareceres, pelo que respeita a certo ponto, se nos apresente de alguma forma desconcertante.
Sr. Presidente: se bem que o problema, melhor dizendo, o conjunto de .problemas que somos forçados a abordar no exame dos diploma» submetidos à apreciação da Assembleia, pareça confinar-se nos limites da legislação sobre inquilinato, a verdade é que a nossa atenção é, quando nos detemos a investigar as suas musas e a procurar remédios para os seus efeitos, solicitada para planos que em muito os ultrapassam.
A própria proposta do Governo, ao alargar para «questões conexas com o problema da habitação» o âmbito de simples «inquilinato» a que se restringia o projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro, demonstra bem que o caminho a percorrer não poderá ser apenas o da alteração do regime jurídico desta última matéria.
Nós temos, é certo, um problema persistente de inquilinato, derivado do uma abulia legislativa de quase vinte imos sobre determinadas consequências da guerra de 1918, que uma incessante série de intervenções anteriores também não conseguira neutralizar.
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No período de efémera paz que se seguiu a conflagração logo os males de um urbanismo excessivo, de mãos ciadas com imparáveis fenómenos de desvalorização da moeda, criaram o clima propício da crise.
A nova guerra de 1939 veio desanimar talvez qualquer eventual intenção de reforma destinada a dar, pelo monos em parte, solução a este estado de coisas. E, entretanto, nem um nem outro daqueles males deixaram de persistir e, pior do que isso, de se acentuar.
Ora a disciplina das relações jurídicas desenvolvidas entre o senhorio e o arrendatário pode influir, mas não resolve esta crise.
E, assim, o problema não é essencialmente de inquilinato, mas antes um problema de reajustamento de valores, por um lado, e -de construção de habitações, por outro.
E pode mesmo dizer-se que ele é dominantemente de construção, pois a suficiência de habitações ajudará a resolver, de algum modo, neste sector, o próprio aspecto da desvalorização, pelos elementares efeitos da lei da oferta e da procura.
Para se avaliar bem da extensão da crise de habitação, a que urge pôr cobro, basta dizer que nos nossos dois principais centros populacionais ela se exprimia, em 1940, data do último censo, pelos seguintes números:
Em Lisboa, havia 150:371 casas e existiam 170:590 famílias, ou seja 14:225 famílias sem casa; no Porto 48:433 casas e 58:232 famílias, isto é, 9:799 famílias sem casa.
E muitas vezes não há falta de casa, mas há habitações que são verdadeiros tugúrios, onde se albergam três e quatro famílias. Justamente aqui a dois passos, na freguesia de Santos, nau inquérito habitacional, concluído em 1940, revelou para certas ruas percentagens de 66,4, 73,6 e 93,9 de más instalações.
É inegável que o activo de construções que acusam hoje estas duas cidades, onde os efeitos do urbanismo principalmente se têm sentido, é muito superior ao que
acusavam em 1920, quando do termo da anterior guerra. Desta, vez, mercê sem dúvida de um acertado e nunca suficientemente encarecido rumo político, saímos da guerra com um património predial rico em quantidade e qualidade, ainda que não suficiente para as crescentes necessidades. E para este resultado, cumpre dizer, tem concorrido substanciosamente as iniciativas oficiais, tomadas por vários- departamentos, directa ou indirectamente.
Em suma: tem-se construído muito e tem-se construído bem.
Mas este labor construtivo se por um lado veio favorecer as possibilidades de uma solução desejada, por outro veio precipitar o aparecimento de novos problemas, que obrigam a uma visão mais vasta dessa solução e que, a mão serem enfrentados, poderão dentro em breve constituir um obstáculo mais perturbador do que a própria falta de habitações.
Lisboa, Porto e algum tanto duas ou três. das mais importantes cidades do País têm tido um crescimento desordenado, sem atenção às condições de vida intensa que nelas se vai desenvolvendo. Na capital, especialmente, cuja população não tardará a tocar a ordem do milhão de habitantes, o problema parece já não poder resolver-se sem subordinação a vários factores interdependentes.
É que a construção de uma cidade tornou-se numa difícil e complexa ciência e as suas regras não podem ser esquecidas ou desprezadas.
Guiar o desenvolvimento físico da cidade, estabelecer zonas onde se viva e, outras onde se trabalha ou se exerce o comércio, atender às exigências dos transportes e do tráfego, às da higiene e salubridade, às da segurança e estética dos edifícios são pontos fundamentais dessa nova ciência.
As más condições do desenvolvimento de uma cidade acarretam mesmo prejuízos graves. Em Nova Iorque, por exemplo, a congestão do tráfego calculava-se, em 1935, como causadora de perdas avaliadas em 1 milhão de dólares por dia. E as perdas económicas anuais da América do Norte derivadas desta, mesma origem computavam-se em 600 milhões de dólares.
Enfim, a preocupação naquele país com os problemas do urbanismo levou o próprio Presidente Hoover a afirmar que «os efeitos morais e sociais da vida moderna só podem ser resolvidos por uma nova concepção da construção das cidades».
O problema é, pois, não só de legisladores, mas de. arquitectos, engenheiros, economistas, médicos, paisagistas.
E neste esforço comum que há a fazer não pode também ser esquecido outro aspecto importante, para o qual ainda há bem pouco tempo o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia chamava a atenção num trabalho publicado na Revista do Centro de Estudos Económicos: o da localização da indústria nas cidades.
A concentração de indústrias na cidade é uma das causas do desenvolvimento do urbanismo.
E, no entanto,, muitas dessas indústrias devem ser arrastadas para fora da sua área, em nome dos direitos vitais das populações.
Mas não são só os inconvenientes de ordem higiénica que podem ser invocados para condenar a sua permanência nas cidades; são ainda as consequências resultantes de unia fixação obrigatória melas de alguns milhares de pessoas, o que se traduz pelo agravamento do problema da habitação.
Ora muitas dessas indústrias não tem razão que justifique o seu enraizamento na cidade, pois em numerosos casos trata-se de actividades que não estão ligadas às necessidades directas da sua população e noutros nem sequer podo explicar-se pela proximidade dos mercados, que sempre foi factor .influente na localizarão das indústrias.
Passe-se em revista as concentrações industriais que se encontram disseminadas pelas cidades de Lisboa e Porto e chegar-se-á à conclusão de que muitas delas, ainda mesmo que pertencentes à categoria das de utilidade pública, poderiam ser vantajosamente deslocadas, aliviando os núcleos urbanos de efeitos deletérios sobre a saúde dos seus habitantes e descongestionando-os de grande número de famílias operárias, que não lucram, por sua vez, em aqui se manterem.
Sr. Presidente: e deste mal, do excessivo desenvolvimento das cidades, tem resultado ainda outro, não menor: o do abandono das condições de habitação das povoações rurais.
A preocupação de resolver os problemas que o urbanismo tem criado levou a esquecer os que na vida dos aglomerados rústicos também carecem de solução. E a verdade é que nós próprios estamos de alguma maneira comprometidos, não só por força de textos legislativos internos, de natureza moral imperiosa, a começar pela Constituição {artigo 14.º, n.º 1.º). mas por votos sancionados em conferências internacionais, como a de 1931, em Genebra, a elevar o nível da habitação rural.
Ha, pois, que divulgar normas de educação, tanto de cultura geral como de instrução em matéria de higiene, facilitar crédito barato para a construção, promover a melhoria da situação económica da agricultura, criar associações destinadas a edificar, promulgar legislação eficaz, e tudo isto sem perder de vista os costumes locais e as condições económicas e sociais das várias regiões.
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Na Inglaterra, desde 1926, diversas medidas legislativas têm concorrido para a melhoria da habitação do trabalhador do campo, facilitando a construção de casas novas e a beneficiação das velhas.
Na Holanda a lei de 1902 impulsionou notavelmente a vida das comunas, impondo a supressão de casas que não sejam habitáveis e proporcionando a aquisição de terrenos e a construção de moradias convenientes.
O mesmo sucedeu em França, na Itália, na Bélgica.
Nesta última pequena-grande nação havia em 1927 cerca de trezentas sociedades locais criadas com fins de construção rural, com o capital de 36 milhões de francos-ouro.
É claro que em qualquer destes países o problema reveste hoje, em consequência das devastações da guerra, aspectos bem mais graves e desoladores, que em nada se assemelham ao nosso. Mas o exemplo dos seus anos de paz e prosperidade não deixa de ter aqui, a propósito as questões que estão a ser tratadas, uma justificada invocação.
Sr. Presidente: tal é, a traços largos, e como eu o vi, o quadro em que há-de movimentar-se, ainda que com modestas possibilidades, a lei que a Assembleia Nacional é chamada a elaborar.
Nele existe de tudo um pouco: habitações escassas, sobretudo nos grandes centros; famílias mal alojadas, nas cidades e nos campos; indústrias inconvenientemente localizadas; urbanismo intenso e desordenado.
São em grande parte os restos dum espólio que vem de data distante e que os esforços dos Governos saídos da actual situação política têm porfiadamente procurado liquidar.
A criação recente da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização e a actividade dos serviços de melhoramentos rurais e da Junta de Colonização Interna são, além de outros, o testemunho vivo desses esforços.
Vejamos agora em que medida será também susceptível de se apreciar o contributo dos diplomas em discussão.
Como já tive ocasião de afirmar, a proposta do Governo visa objectivos de largo alcance. Ela não pode ser encarada apenas como mais um diploma regulador do inquilinato, pois, pelos princípios em que se inspira, pelos capítulos em que toca e pelas facilidades que estabelece, pretende ser unia medida fomentadora da construção.
A par disso (e aqui se identifica então com o projecto do Sr. Dr. Sá Carneiro) procura adaptar as regras jurídicas às circunstâncias excepcionais resultantes de uma forte perturbação económica, evitando os inconvenientes de um regresso brusco ao direito comum.
Eu tenho, até pela minha formação profissional, o desejo sincero de regressar o mais breve possível ao direito comum. Mas a verdade é que ainda não parece ter chegado o momento para tal. Por isso a lei que iremos votar é; por assim dizer, unia lei de expectativa. Daí as limitações à liberdade contratual, que têm de supor-se estabelecidas em nome do interessa e ordem pública e ditadas mais por espírito de equidade do que pelo direito estrito.
Sr. Presidente: pelo que respeita à sua natureza de medida fomentadora da construção, a proposta do Governo começa por considerar as bases de uma política de empreendimentos, já iniciada com as realidades que são hoje os bairros de casas económicas, de casas de renda económica, de casas de renda limitada e de casas para alojamento de famílias pobres.
Tudo o que está feito, ou em vias de concluir-se, neste capítulo, representa, na verdade, uma obra imensa, que todos nós temos o dever de reconhecer e aplaudir.
Mas o Governo pretende que se dê mais um passo.
E, com efeito, há que dar esse passo, há que fazer mais um esforço no sentido de proporcionar habitações condignas a rendas comportáveis, sobretudo para a classe média, que tantas vezes se aponta como um esteio precioso e inestimável da nossa estabilidade social e política.
E isto é, além de mais, unia atitude de justiça.
Para se alcançar esta finalidade o Governo sugere um conjunto de disposições que se agrupam em três categorias específicas: expropriações, direito de superfície e sociedades anónimas para a construção de casas de renda económica e limitada.
A primeira - expropriações - representa sobretudo uma melhor arrumação dos preceitos reguladores do instituto; melhor arrumação e mais unidade, pois é dispersa e múltipla a legislação que trata desta matéria.
Não deixarei, porém, de fazer duas notas: uma, de franco aplauso, ao princípio da não só justa ma«s prévia indemnização; outra, de dúvida, quanto à possibilidade de manter estável esta legislação. O incessante expansionismo da Administração, contraria-o, e um exemplo recente (a publicação do decreto n.º 36:824) bem o prova.
A segunda - direito de superfície - constitui uma inovação no nosso direito.
O Código actual não o conhece, mas vê-se que a comissão encarregada de elaborar a sua reforma decidiu incluí-lo nas novas bases, no número dos direitos reais de gozo, conforme se infere do relatório preambular da proposta.
Não tenho simpatia pelas formas de propriedade imperfeita, ainda que a afirmação pareça paradoxal num debate sobre o direito de habitação, e já desta tribuna tive oportunidade de me mostrar contrário à enfiteuse, pois representa, como o direito de supefície virá a representar, uma carga sobre os bens, que dificulta tanto a sua livre transmissão como a sua utilização.
Mas parece que a comissão .revisora do Código também decidiu mante-la, por já ter perdido o seu carácter de perpetuidade.
Seja como for, eu continuo partidário de um direito de propriedade uno, e por esta razão não acredito muito nas virtudes do novo direito de superfície.
Mais proveitosa julgo ser a constituição de sociedades anónimas, com o amparo do Estado e das autarquias locais, destinadas a construir casas de renda económica ou limitada.
Era meu intuito propor à Assembleia, ainda dentro deste núcleo de medidas fomentadoras da construção, o que a Câmara Corporativa veio fazer com a base XXV-A, no tocante à propriedade por andares, ou, talvez mais precisamente, compropriedade por andares.
Creio, na verdade, que na movimentação deste direito, que o artigo 2335.º do Código Civil potencialmente consigna, muito de útil poderá vir para a solução do problema da habitação. Através dele será possível o agrupamento de pequenos capitais, para levar a cabo uma construção que só parte deles, isoladamente, não poderia tentar, e ainda a formação de sociedades destinadas não só a construir- mas a tornar proprietários os seus associados.
Em França, com uma lei de 1938, e na Bélgica, com outra de 1924, esta modalidade tornou-se muito adoptada e nas cidades brasileiras, em especial no Rio de Janeiro, é uma prática radicada.
Há, por fim, uma outra faculdade, que aparece com a natureza de motivo de despejo, mas que, no fundo, quando cautelosamente concedida, representa um evidente factor a favorecer a construção: é a que permite a ampliação dos prédios, com aumento do número de inquilinos.
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Desde que, repito, esta faculdade seja cautelosamente atribuída, parece desnecessário justificá-la. Justifica-se por si própria.
Sr. Presidente: de entre a» normas, destinadas a regular o inquilinato, que nos são propostas, importa considerar duas questões fundamentais, mas inteiramente distintas, que, aliás, a nossa legislação anterior já contemplava: uma, é assegurar a habitação - que cada família, tenha o seu abrigo -, impedindo a rescisão do contrato e dificultando o despejo; outra, é limitar a renda, mais procurando de alguma maneira a sua actualização.
A função social que a propriedade é chamada a desempenhar, através do direito positivo que nos rege (Constituição, artigo 35.º), explica perfeitamente, quando não houvesse outras, razões, a posição tomada quanto à primeira questão.
Desde que o número de casas disponíveis é reconhecidamente inferior ao dos que as necessitam, havia que estabelecer um condicionalismo protector do arrendatário, ainda que com sacrifício do aspecto individual do direito de propriedade.
Este foi, de resto, o caminho seguido por numerosas leis estrangeiras, que tiveram de fazer face às mesmas dificuldades: é a prorrogação forçada da lei espanhola de 21 de Junho de 1920 e continuada pela recente lei de 31 de Dezembro de 1946, das leis francesas de 9 de Março de 1918, 1 de Abril de 1926 e 29 de Junho de 1929, que a lei brasileira de 29 de Agosto de 1946, ainda há bem pouco, portanto, também manteve, e tantas outras.
Pode dizer-se que é uma prática legislativa uniforme, pois foram gerais as perturbações provocadas ;pelas correntes migratórias do campo para a cidade, em virtude das guerras.
Questão mais delicada, pela projecção económico-social que pode ter, e até pela diversidade de soluções que se apresentam para ela, é a dia actualização das rendas.
Eu devo dizer que considero a questão, em si mesma, de indiscutível justiça. Compreendo que em nome da estabilidade da habitação «e criem normas, destinadas a sobrepor-se à própria vontade dos senhorios, cerceando a sua livre disposição. Mas não compreendo o regime tal como se encontra, pois representa uma chocante disparidade: ao arrendatário mantém-se, integralmente, o conjunto de direitos contra fruais, indo ao ponto de poder prorrogar ou fazer cessar, por forma unilateral, o respectivo arrendamento; ao senhorio não ;se permite sequer que os capitais investidos no prédio vão procurando uma retribuição proporcional w, desvalorização da moeda, como aliás sucede em todos os sectores da vida económica.
Adiro, pois, sem a menor relutância, às intenções dos diplomas em debate. Mas por que forma há-de mecanizar-se a actualização das rendas?
Não é fácil, nem talvez possível, prever o, inumerável gama de casos que a aplicação desta medida irá suscitar. Mas há dois factores que hão podem, a meu ver, deixar de considerar-se primaciais: as possibilidades do arrendatário e as necessidades do senhorio.
Quer dizer: o princípio da actualização sistemática seria, teoricamente, o mais defensável; mas nós não podemos consagrá-lo sem ter em conta a capacidade de cumprimento da massa, individualizada, dos arrendatários.
Por esta razão, em vez de um diploma de regras rígidas, ainda que, forçosamente, de feição casuística, suponho que seria preferível entregar o seu ajustamento a tribunais de equidade.
Esta foi a solução dominante nas leis inglesa e brasileira.
Quer a proposta, porém, quer o projecto do Sr. Dr. Sá Carneiro ou o parecer da Câmara Corporativa, preconizam sistemas diversos, tendo embora todos eles como ponto de referência para a actualização o rendimento colectável dos prédios.
É unia solução com foros tradicionais.
A velocidade por que se caminha para atingir esse ponto de referência é que é variável.
Com o projecto alcança-se imediatamente; com a proposta em o parecer esse desiderato obtém-se em andamento mais moderado, sobretudo na proposta.
Além disso a mecânica da proposta tem uma lógica incontestável, bem ao contrário da actualização determinada pela percentagem inicial do parecer, o que me leva a, tendo de aceitar um destes sistemas, optar pelo apresentado pelo Governo.
Todavia, não pode esquecer-se que, ainda que mitigada, daqui deriva uma sobrecarga sobre as rendas, que não deixará de atingir uma cifra de alguns milhares de contos.
Em que medida vai ela reflectir-se nos orçamentos das classes cujos vencimentos ou rendimentos não puderam acompanhar o ritmo da desvalorização monetária?
E este um aspecto que não foi possível aclarar bem.
De forma que, ainda que lógico e moderado o sistema da proposta, seria de desejar vê-lo completado com disposições que atendessem a estas circunstâncias, evitando sobressaltos profundos na vida já atribulada de alguns lares.
Conjuntamente com estas questões, que eu reputo fundamentais, aparecem tratadas outras, também estreitamente ligadas com o inquilinato: a formação do contrato; a caducidade do arrendamento; a transmissão do direito ao arrendamento; a sublocação; o direito de preferência, quer quanto aos prédios para habitação, quer quanto aos destinados ao comércio ou à indústria; as acções de despejo; o depósito de rendas; as alçadas; as sanções penais.
Muitas destas questões mais apropriadamente poderão vir a ser ventiladas quando da discussão na especialidade.
Mas não fujo a opinar desde já que, pelo menos algumas delas,- sem carácter de urgência e de feição muito doutrinária - como a formação do contrato ou o depósito de rendas -, talvez pudessem aguardar - melhor oportunidade para. serem resolvidas, dado que não parece forçoso integrá-las num plano destinado a criar condições favoráveis à construção, que é agora, em última análise, a nosso, preocupação fundamental.
No projectado Código da Locação, e após estudo mais amadurecido, teriam certamente melhor assento.
Destaco, no entanto, uma destas questões - a sublocação -, porque a tenho visto apreciar, e discutir com grande vivacidade.
Ora eu penso que, ao contrário, não é com vivacidade, mas sim com ponderação, que ela terá de ser proveitosamente tratada e resolvida.
Há, por certo, verdadeiros abusos praticados à sombra da faculdade de sublocar, e por vezes mesmo sem que tal faculdade exista - e aqui está logo o primeiro abuso.
Mas não podemos esquecer que talvez 23 por cento da população citadina - em Madrid calculou-se em 35 por cento - tem a sua vida doméstica ligado, a estas disposições.
Muitas situações podem até considerar-se legitimadas desde que os senhorios não usaram do seu eventual direito de despejo.
De momento eu creio que seria preferível procurar uma compensação razoável e justa para o senhorio,
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quando houvesse sublocação, e não tentar uma solução radical que ameace a tranquilidade de muitas famílias.
Mas há uma faceta que pode e deve ser já resolvida - a da sublocação total.
Se a escassez de habitações aconselha a uma atitude de prudência no que respeita à sublocação parcial, o mesmo não sucede com a sublocação total.
Aqui não se descortina nenhum benefício social que mereça ser acautelado. E por isso dou o meu inteiro aplauso à sugestão governamental de permitir ao senhorio tomar a posição do arrendatário quando tal caso se verifique.
Sr. Presidente: é tempo de terminar, dizendo, em conclusão, alguma coisa sobre a oportunidade e vantagem dos novos princípios legais e sobre a economia, dos diplomas em análise, tal como o exige o Regimento desta Assembleia.
Se bem que isso se depreenda, de certa maneira, das considerações que julguei de meu dever formular, quero expressamente afirmar que considero a proposta do Governo, em que também foram assimiladas algumas soluções do projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro, como uma hábil e vantajosa medida política preparatória da normalidade, que todos desejamos, o que por isso lhe não regateio, na generalidade, a minha aprovação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: ninguém duvida de que os dois diplomas em discussão - projecto de lei do nosso distinto colega Sr. Dr. Sá Carneiro e proposta de lei do prestigioso Ministro da Justiça -, um e outro visando o momentoso problema do inquilinato e alguns assuntos conexos, tiveram invulgar projecção em todas as classes sociais; e adivinha-se o anseio geral com que, em todo o País, só vêm seguindo, primeiramente, os trabalhos da Câmara Corporativa e, agora, os debates da Assembleia Nacional.
Problema geralmente reputado dificílimo e por alguns pessimistas considerado insolúvel. Mas, se for ponderado com a devida calma, apreciado segundo o critério de indispensável justiça e colocado no quadro das realidades, aliás bem evidentes, a sua solução afigura-se-me não sòmente viável, mas susceptível de o ser em condições de dar satisfação às exigências legítimas de senhorios e inquilinos; de garantir a precisa defesa de proprietários de prédios urbanos e rústicos na contingência de expropriações; de restituir à iniciativa privada a sua tradicional e fundamental intervenção na construção de moradias; e, ainda, de levar aos cofres do Estado e dos municípios os réditos precisos para a administração pública.
Satisfação a exigências legítimas de senhorios ou de inquilinos, venho eu de afirmar.
Mas sòmente a essas, às indiscutivelmente legítimas, porque, desgraçadamente, são assaz conhecidas, e desde há muito tempo, exigências doutro jaez, cujo expurgo radical e imediato a própria moral exige, tais como os abusos, por vezes monstruosos, da geneneralidade dos sobrealugos, as negociatas dos traspasses, depredações graves nos prédios e seu desvio, quantas vezes ruinoso e até imoral, para fins não autorizados nos arrendamentos; isto sem falar nas rendas escandalosamente baixas, que, não retribuindo nem de longe o capital investido nos prédios, nem ao menos permitem a sua conservação.
Falta de conservação, bem patente no aspecto sórdido de algumas zonas citadinas, em que prédios antigos, e até alguns de construção relativamente recente, se apresentam com as frontarias por pintar ou mascarradas de nódoas de aspecto sujo, com vidros quebrados, telhados desmantelados, caleiras rotas, e chegando algumas vezes a ameaçar ruína.
Isto o que se vê por fora.
Mas o que se passa no interior das moradias é frequentemente deplorável.
Acontece as famílias amontoarem-se em promiscuidade doentia e imoral, sem ar, faltas de luz, carecidas dos requisitos mais rudimentares de higiene e de tudo o que possa proporcionar-lhes o mais elementar conforto.
Ao lado destas insuficiências no que respeita aos prédios, verifica-se que, enquanto as câmaras, em obediência a planos grandiosos de urbanização, não trepidam em cortar quintas e bosques com novas avenidas (que tarde ou nunca virão a ser marginadas de casas, porque o afluxo anormal de famílias às cidades acabou com a guerra, que o determinara), ruas importantes, muitas delas centrais, são ladeadas de barracões ou de prédios modestíssimos, quantas vezes de aspecto medíocre e até miserável, constituídos por simples rés-do-chão, quando muito com um andar; e também acontece existirem largos espaços marginais dos arruamentos sem qualquer construção que contribua para os pesados encargos de iluminação, limpeza, policiamento é outros que a conservação exige, acontecendo acharem-se pavimentos e passeios arruinados, e até sem os requisitos mais indispensáveis, porque desta forma os réditos municipais não estão em relação com as despesas que tão precária urbanística exige, indiferente ao número de prédios e moradias, bem como ao respectivo valor e, consequentemente, ao montante das contribuições cobradas.
Mas, simultâneamente com o sudário deplorável e de já longa vida a que venho de aludir e lado a lado com as tristezas e prejuízos que lhe são inerentes, registam-se os que vêm lucrando à farta, merco de tão deploráveis circunstâncias, com o mal alheio.
Rendas mínimas pagas por inquilinos muitas vezes mais abastados que os respectivos senhorios, acontecendo terem estes de alugar a preços incomportáveis moradias para si ou suas famílias.
E, como se não bastasse o prejuízo das rendas a preços vis, é frequente registarem-se danos de vulto causados pelos inquilinos e serem os prédios utilizados em desacordo com as cláusulas contratuais.
Mas entre os abusos mais revoltantes regista-se frequentemente o dos sobrealugos, classe que vem medrando à sombra de legislação umas vezes insuficiente, outras mal aplicada.
Classe sem preocupações tributárias, que não segura os prédios nem olha pela sua conservação; classe que desconhece limitações de rendas, não faz arrendamentos nem atende a quaisquer considerações para ordenar despejos, que, apesar das peias burocráticas, sempre vai conseguindo ; classe que, invariavelmente, lucra e só é pobre no que respeita a escrúpulos.
Mas, apesar de tudo o que fica dito e do muito mais que haveria a dizer, outro remédio não se tem oferecido senão aturá-los, com toda a sua infindável série de abusos e de manifestações da mais torpe usura, os quais, constituindo a ruína dos proprietários, se vêm traduzindo na exploração ignóbil dos sublocatários e em autêntica ignomínia para a sociedade, que, mercê de leis anacrónicas, insuficientes ou iníquas, tem sido forçada a assistir ao desenvolvimento desses autênticos cancros.
Perante a jurisprudência, arrendar um prédio tem equivalido a transferir para o arrendatário e seus descendentes ou sucessores, e a troco de uma quantia insusceptível de actualização, todos os direitos de habitação ou para outro uso, ficando ao proprietário os encargos de tributação, de seguro e de conservação, todos eles seguindo a linha ascendente e fatal da actualização de salários e encarecimento de materiais, mas sujeitos ainda às gran-
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des oscilações provocadas por conjunturas de anormal desvalorização da moeda.
Sr. Presidente: se exceptuarmos os que, não satisfeitos com as benesses e atropelos ilicitamente auferidas ou abusivamente praticados durante largo período, devido a uma legislação inadmissível, pretendem a sua perpetuação, toda a gente de sã consciência reconhece a urgente necessidade de sairmos de tão condenável gâchis.
Para isso impõe se a imediata cessação de todos os abusos, especulações exageradas, imoralidades e depredações praticadas a coberto de antiquados preceitos do inquilinato, agravados por interpretações e procedimentos intoleráveis.
E sendo certo que a restauração dos bons princípios reguladores de contratos entre senhorios e inquilinos e a possibilidade de as rendas e condições de habitabilidade se irem amoldando às posses e aspirações legítimas das diferentes classes sòmente poderão vir a resultar, com garantias de estabilidade, do aumento do número de prédios, de maneira a determinar uma concorrência defensora dos inquilinos, impõe-se o indispensável estímulo da iniciativa privada no respeitante à respectiva construção, mais pela. garantia integral e iniludível do direito de propriedade do que pela intervenção do Governo, das câmaras e de outros organismos oficiais, seja como accionistas de empresas construtoras ou assumindo directamente a administração das obras, em condições privilegiadas, que entorpeceriam as iniciativas privadas.
Para os prédios agora construídos ou consideràvelmente aumentados e melhorados conviria ser livre a determinação de rendas e demais cláusulas contratuais.
As rendas antigas deveriam actualizar-se, embora lentamente.
Numa primeira fase, até ao valor colectável.
A seguir, até ao valor real, mediante prévia avaliação, requerida e paga pelo proprietário.
Despejos fáceis, rápidos e baratos quando justificados. E assim caminharíamos para o restabelecimento integral do direito de propriedade, com ampla faculdade contratual e cuja vigência sòmente se verificaria quando, mercê da intensificação, assim estimulada, das iniciativas privadas para a construção de prédios, a crise de habitação que nos assoberba já tivesse sido vencida.
Resumindo:
Combate sem tréguas a todos os abusos e fórmulas práticas para despejos quando estes estiverem indiscutivelmente indicados.
Estímulo à construção de prédios e aumento da capacidade habitacional e modernização dos actuais, mas sempre por actividades privadas e garantindo-se, neste caso, liberdade contratual para rendas e prazos.
Concentração do esforço construtivo nas zonas citadinas mais centrais, para valorização das respectivas áreas, e situação das habitações junto de escritórios, repartições e outros locais de trabalho.
Actualização, embora lenta, das rendas ò restabelecimento da liberdade contratual, logo que amaine a actual crise de habitação, em todos os casos.
Pelo que respeita ao gravíssimo capítulo das expropriações, entendo dever manter-se a lei Bustorff da Silva,, que está a dar provas que se me afiguram animadoras, embora haja quem, sem razão, em meu entender, não se conforme com as resoluções dos tribunais em pleitos recentemente julgados.
Eu continuo firme na opinião, já emitida por .mim, de que nas expropriações, tanto de prédios urbanos como de terrenos, deve tomar-se para base das indemnizações o valor real e de que só há vantagem em garantir aos interessados o direito de recurso para os tribunais.
Eis, Sr. Presidente, em rápida síntese, as bases que sempre julguei, e continuo a julgar, como as mais indicadas para orientação da momentosa política da habitação.
Convencido estou de que dentro de pouco não faltariam casas para alojar condignamente todas as famílias e instalar as actividades onde os portugueses trabalham.
E veríamos, finalmente, que a harmonia expulsaria a discórdia que, há muito tempo, deploràvelmente, separa senhorios e inquilinos e tem concorrido para a insuficiente afluência de capitais ao sector de construção predial, do que tem resultado, de dia para dia, tornar-se mais notória a falta de casas para uma população que aumenta de 80:000 habitantes por ano, bem como para as actividades que se vão desenvolvendo em ritmo paralelo.
Sr. Presidente: este problema da habitação há muito que devia ter sido enfrentado e, segundo penso, conforme o critério que venho de expor.
Teria sido então muito mais fácil solucioná-lo.
E, sobretudo, não se ouviriam, como agora, tantas reclamações dos que não trepidam em julgar que do restabelecimento do direito de propriedade adviria prejuízo do pseudodireitos em que eles julgam ter-se metamorfoseado a sua situação de meros arrendatários.
Lembram o caso da linda peça musical Sinos de Corneville, em que o velho a quem o castelão, ao ausentar-se para longa viagem, confiara o castelo e mais haveres chegara a considerar-se dono de tudo, porque demorava o regresso do verdadeiro senhor. Também inquilinos há que estão convencidos de que os prédios construídos com as economias de outrem, isto é, merco da poupança e, quantas vezes, sacrifícios dos respectivos proprietários, mudaram de titular, passando a pertencer-lhes, sòmente porque os alugaram, mas sem que para isso tivessem de pagar sisa, obras de conservação e seguro.
Mas parece que, finalmente, o castelão vai regressar...
Sr. Presidente: cabe ao nosso ilustre colega Sr. Dr. Sá Carneiro a feliz iniciativa do projecto de lei sobre inquilinato, que faz parte da ordem do dia.
Ninguém pode negar-lhe oportunidade. Pena é que não tivesse vindo mais cedo.
Sobre aquele projecto incidiu o estudo profundo da Câmara Corporativa, que nos enviou um parecer exaustivo e notável, de que foi relator o ilustre Prof. Dr. Pires de Lima.
A seguir surge a proposta de lei do ilustre titular da Justiça, sobre a qual incidiu novo estudo da Câmara Corporativa, de que resultou outro parecer notável, do que fora relator o antigo e muito ilustre Deputado e agora digno Procurador Sr. Dr. António Pedro Pinto de Mesquita.
E se corrermos o Diário das Sessões encontraremos fartura de elementos que muito podem concorrer também para esclarecer o problema do inquilinato em particular e, duma maneira geral, o da habitação.
A todos estes substanciosos elementos de estudo, com alvitres de incontestável valor e oportunidade, juntam-se exposições dos diferentes núcleos de interessados, artigos de imprensa e, ainda, o que cada um de nós tem podido observar por esse País fora, nas cidades e aldeias, e, sobretudo, em Lisboa e Porto, onde diàriamente e desde há bastantes anos se verificam lições eloquentes sobre a vasta, momentosa e, por vezes, revoltante matéria do inquilinato e trágica insuficiência de habitações.
Afirmei que este problema há muito devia ter sido enfrentado segundo o critério a que venho de aludir.
Pois manda a verdade afirmar também que o Governo do Estado Novo, perante os alarmantes sintomas de crise de habitação que a Revolução Nacional veio encontrar, desde logo enfrentou a grave situação, e fê-lo sob um critério prático e inteligente, pois que, não se limitando a fórmulas jurídicas destinadas a estagnação improdutiva na colecção do Diário do Governo, desde logo floresceu em numerosas iniciativas, a que sucederam frutos em tal
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número que, volvidos poucos anos, justamente nas primeiras sessões da Assembleia Nacional, foi possível afirmar que no Porto havia cerca de 3:000 moradias devolutas e em Lisboa andavam por 6:000 as que ostentavam escritos à procura de inquilinos.
Quero referir-me ao decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, do Governo presidido pelo actual general José Vicente de Freitas.
Diploma, como disse, do maior alcance, mas que, após várias incertezas de jurisprudência, que notoriamente afectaram a sua eficiência, acabou, mercê da publicação do decreto n.º 32:638, por ser suspenso.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Dai é que veio o mal. Por isso se chegou a este estado de coisas, a que os Governos não quiseram atender.
O Orador: - Sou da mesma opinião de V. Ex.ª
Também um Governo da presidência do general Vicente de Freitas, e do qual faziam parte os nossos actuais ilustres colegas Araújo Correia e Joaquim Mendes do Amaral, publicou um decreto com várias isenções para os prédios que fossem construídos no prazo de quatro anos.
Com o decreto n.º 32:638 perturbou-se a órbita brilhante duma fórmula que, se tivesse sido adoptada sem reticências, muito teria concorrido para evitar a crise de habitação em que o País se debate.
Mas, como adiante se verá, ela volta agora a ser recordada no valioso parecer da Câmara Corporativa relatado pelo Sr. Dr. Pinto de Mesquita e mereceu a honra de ser incluída, em parte, nos alvitres constantes daquele diploma.
Sr. Presidente: estas mudanças de rumo, certas soluções de continuidade política, trazem, por vezes, sérias perturbações à economia e u vida da Nação.
Ninguém ignora os prejuízos e transtornos registados por se ter posto uma pedra em cima da concessão do aproveitamento hidroeléctrico do Zêzere no Castelo do Bode e do concurso para a primeira grande central no Douro nacional, que eu deixara a caminhar quando o Governo de que eu fizera parte se afastou do Poder em 1932.
Como também, e no que respeita a transportes, é geralmente sabida, pela importância da perturbação causada, a consequência perniciosa da falta de execução do plano ferroviário, que fora estudado minuciosamente, e após larga consulta ao País, por técnicos distintos e aprovado pelo Governo a que eu pertencera em 1931.
Idênticas considerações se ajustariam à política industrial, definida na primeira lei do respectivo condicionamento por aquele Governo, mas logo a seguir alterada em seus princípios fundamentais.
E que dizer dos melhoramentos rurais, altamente prejudicados por exigências técnicas complicadas, mas desnecessárias, e insuficiência de verba, que só recentemente atingiu montante condigno?
E da campanha da arroteia do trigo, que, após ter garantido o abastecimento do País,, não foi continuada, como convinha aos interesses nacionais?
Estas quebras de rumo registaram-se ainda noutros sectores, e quase sempre com maus resultados.
Mas, voltando ao nosso tema do problema da habitação, às dificuldades em que tropeçou a execução do providencial decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, e, por fim, à respectiva suspensão pelo decreto n.º 32:638 corresponderam consequências deploráveis.
Naquele decreto n.º 15:289 havia disposições sobre a actualização de rendas de casas e traspasses; criou-se o Fundo nacional de construções de rendas económicas, constituído por subsídios do Estado e pela diferença entre o produto de adicionais cobrados até então pelas
Câmaras e o que viesse a ser cobrado mercê daquele mesmo decreto em Lisboa e Porto, e outros preceitos que seria demorado enumerar, visto tratar-se de um diploma bastante extenso.
De todas as disposições do referido decreto vou ler algumas, pela sua conexão com a matéria em debate, visto terem concorrido para debelar a crise de habitação em que o Pais se debatia:
Artigo 54.º Aos proprietários de prédios ou parte de prédios construídos desde a publicação deste decreto com força de lei sem qualquer subsídio ou garantia concedidos pelo Fundo, nos termos doa artigos anteriores ou noutros que venham a ser estabelecidos, é permitido fixar livremente as rendas dos mesmos prédios ou partes de prédios.
§ 1.º É aplicável desde já o mesmo regime da liberdade de fixação de renda aos prédios cuja construção esteja paralisada e sejam acabados- de construir com empréstimos concedidos pelo Fundo, nos termos do n.º 4.º do artigo 52.º, e ainda aos subsidiados por qualquer dos modos estabelecidos nos n.ºs 1.º, 2.º e 3.º do mesmo artigo, decorrido que seja o prazo desse subsídio.
§ 2.º Quando no regime da liberdade de fixação de renda, podem os referidos prédios ser despejados terminado o prazo do contrato por não convir ao proprietário a continuação do arrendamento.
§ 3.º Entende-se o disposto neste artigo e seus parágrafos sem prejuízo da isenção da contribuição predial, nos termos do artigo 34.º, quando os prédios estejam construídos e em condições de ser habitados até -31 de Dezembro de 1930.
Art. 55.º Os proprietários, de prédios, arrendados à data da publicação deste decreto com força de lei poderão obrigar os actuais arrendatários a despejá-los, findo o prazo do arrendamento em curso, desde que ponham à disposição daqueles uma casa a que, nos termos do artigo 53.º, corresponda renda idêntica à que estiverem pagando pela que habitam.
§ único. O arrendatário poderá, porém, evitar o despejo desde que consinta em pagar uma renda actualizada pela aplicação dos coeficientes fixados no § 1.º do artigo 30.º, segundo a data da primeira inscrição do prédio na matriz.
Esclareço que os coeficientes fixados naquele artigo e parágrafo eram: 20 .no caso de a inscrição na matriz ser anterior a 31 de Dezembro de 1914; 13,7 e 2,5, respectivamente, pára os inscritos até 1915 e 1921; e, tratando-se de estabelecimentos comerciais ou industriais, aplicar-se-ia o disposto para o caso de traspasse, isto é, recorrer-se-ia a avaliação.
Sr. Presidente: à prática, mais tarde seguida, da intervenção directa do Governo e das câmaras no sector de edificações, invadindo assim actividades que deviam ter ficado sempre e exclusivamente na alçada das actividades privadas, e à fórmula que na proposta de lei agora se apresenta da entrada, tanto do Governo como das câmaras, para as empresas construtoras, subscrevendo capital accionista com o produto da cobrança de mais valia, o Governo em 1928, confiado no valor, desde sempre afirmado, das iniciativas privadas, no que respeita a construção de casas, limitou-se à organização de um fundo para garantia de juro e empréstimos destinados a casas de renda barata.
Mas, conhecedor da mentalidade capitalista, estimulou a sua intervenção neste importante sector, não sòmente com a promessa daqueles financiamentos, mas, sobretudo, com a garantia do respeito indispensável pelo direito de propriedade expresso em liberdade contratual nos arrendamentos, tanto no que respeitava à fixação de rendas e prazos, como na posse incontestável dos prédios
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construídos ou acabados de construir após a publicação do referido decreto.
E isso bastou para que, numa escassa meia dúzia de anos, houvesse fartura de moradias; e, também mercê da lei da oferta e da procura, para que baixassem e os senhorios tivessem de melhorar as- condições de habitaibilidade para não terem as casas devolutas.
Sr. Presidente: expostas estas minhas considerações, que a Assembleia Nacional pacientemente acaba de ouvir, sobre o estado em que actualmente se encontra o alarmante problema da habitação, e acerca do que os diferentes Governos do Estado Novo fizeram para o atenuar, e também relativas ao muito de útil que podia e devia ter-se feito, mas não se fez, vou entrar pròpriamente na apreciação dos quatro valiosos diplomas - projecto e proposta de lei e respectivos pareceres -, os quais, apresentando o vastíssimo tema sob variadas facetas, mutuamente se completam e nos facultam elementos de incontestável importância para esclarecimento dos espíritos sobre os quais pesa a gravíssima responsabilidade de votai- as respectivas bases.
Em todos eles se colhem materiais valiosos para a elaboração do texto definitivo.
É essa também a conclusão a que se chega pela leitura do último deles a ser redigido (o relevante parecer que teve como relator o nosso antigo e distinto colega Sr. Dr. Pinto de Mesquita), pois, além das sugestões originais, ali registadas, verifica-se que foram criteriosamente aproveitadas outras colhidas nos restantes diplomas.
Contudo, devo desde já declarar que discordo de algumas bases constantes da proposta de lei e de outras agora sugeridas no respectivo parecer da Câmara Corporativa.
No decorrer da apreciação que farei daqueles diplomas irei apontando vários pontos sobre que incide a, minha discordância; mas vou desde já referir-me aos mais importantes, e que são:
Todo o capítulo das expropriações.
O direito de superfície.
A mais valia.
Intervenção do Estado e câmaras municipais como accionistas nas empresas construtoras de prédios.
Discordo do capítulo das expropriações porque não compreendo que um ano após a publicação da lei resultante do projecto do nosso ilustre colega Dr. Bustorff da Silva, aprovado pela Assembleia Nacional, se justifique a publicação de outro diploma sobre a mesma matéria e que em parte a altera tão profundamente que corresponderia à sua revogação, quando é certo que os seus resultados têm obtido o consenso geral, com excepção apenas dos que entendem que tudo pode subir de preço à medida que a moeda se deprecia menos a propriedade, sobretudo a rústica, quando resolvem expropriá-la.
Em síntese, a citada lei procura conciliar a defesa dos direitos legítimos dos expropriados com a indispensável celeridade na execução de determinadas obras.
A avaliação faz-se por arbitragem, mas com recurso, no que respeita à importância da indemnização, para o tribunal colectivo.
É, pois, este que julga em definitivo, e anal caos iria se não confiássemos nas decisões do poder judicial.
Sr. Presidente: não é de agora esta minha maneira de pensar. Critério idêntico me orientara dezasseis anos antes, quando, aos 30 de Abril de 1931, o Diário do Governo publicou o decreto n.º 19:666, conhecido pelo «decreto dos melhoramentos rurais», em cujo articulado se lia o seguinte:
Artigo 6.º Havendo lugar a qualquer expropriação nos termos do artigo 7.º do decreto n.º 19:502 a entidade expropriante, obtida a aprovação da proposta, oficiará ao secretário de finanças e ao interessado, e, na falta ou recusa deste, ao delegado da respectiva comarca, pedindo a nomeação de um perito, a quem será participado o dia e hora em que deverá comparecer no local em questão para se proceder ao arbitramento do valor da parcela a expropriar.
§ 1.º Os peritos a tenderão a o valor real e corrente do terreno ou construção, reduzindo-se a diligência a auto simples, que será sumàriamente transcrito na primeira acta do corpo administrativo proponente.
§ 2.º No caso de o interessado se não conformar com o valor arbitrado, poderá aceitar a sua importância, protestando no auto referido no parágrafo anterior, por recurso para o juiz de Direito da comarca, que será interposto dentro dos dez dias seguintes.
Este incidente não poderá suspender a execução imediata das obras.
§ 3.º Recebido o recurso, o juiz nomeará um quarto perito e marcará novo arbitramento e, em face dos laudos dos quatro peritos, que neste caso serão dados por escrito, decidirá em definitivo.
§ 4.º A decisão do incidente será proferida no prazo de sessenta dias a contar da sua recepção em juízo; as custas, quando devidas, não poderão exceder 10 por cento do valor do recurso.
§ 5.º Aos peritos nomeados pelo delegado do Ministério Público e secretário de finanças, será abonada pela entidade expropriante a diária de 30$; havendo recurso, serão estas importâncias, tanto do primeiro como do segundo arbitramento, pagas por quem decair.
Sr. Presidente: vê-se, desta forma, que já em 1931 eu me preocupava com a defesa dos direitos de propriedade, «conjugada com a indispensável celeridade, na execução de certas obras de utilidade pública, garantindo-se aos expropriados o recurso para o tribunal (na fórmula aprovada pela Assembleia Nacional foi-se depois, e com razão, para o tribunal colectivo) e dispondo-se que a indemnização deveria corresponder ao valor real dos bens expropriados.
A já longa vigência cia política dos melhoramentos rurais demonstra que a fórmula fora acertada, pois não tem havido naquele vastíssimo sector de obras as reclamações, os protestos, melhor dizendo, a autêntica revolta de tantos expropriados atingidos pela fórmula doa centenários, a quem fora vedado recurso para os tribunais das indemnizações calculadas pela média dos dois laudos mais aproximados, os quais, segundo fama pública, se fixavam quase sempre em importâncias muito abaixo do valor real e corrente dos bens expropriados.
Não é, pois, de estranhar que, nesta Assembleia, eu me tivesse sempre manifestado contrário à referida fórmula de expropriação dos centenários e me felicitasse pela votação que aprovou o projecto de lei do nosso ilustre colega Sr. Dr. Bustorff da Silva, que visara a sua oportuna revogação.
Sr. Presidente: estranhei, sim, ter encontrado no preâmbulo da proposta de lei do Governo agora em debate, e a tão pouco tempo da aprovação daquele projecto de lei pela Assembleia Nacional, sob o título «Fixação de indemnização», considerações sobre mais valia que me alarmaram o espírito.
Contudo, ao ler a base X, em que o pensamento do autor da proposta de lei se concretiza, fui dando a minha concordância aos termos do n.º 1, que começa por afirmar a boa doutrina: «A justa indemnização será
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arbitrada com base no valor real dos bens expropriados, devendo sempre calcular-se o valor da propriedade perfeita».
Também não discordei do restante texto deste n.º 1 da base X.
Mas já o n.º 2 me chocou pela retroactividade que ali se exprime na determinação de que não devo ser considerado na avaliação dos prédios a expropriar o valor que paru eles resultou de obras ou melhoramentos públicos realizados nos últimos cinco anos.
Se este princípio é discutível quanto ao futuro, entendo ser admissível quanto ao que já se verificou.
Também me feriu a determinação de não serem tidas em conta na avaliação quaisquer benfeitorias ali realizadas ulteriormente à declaração de utilidade pública.
Isto equivaleria a condenar à morte os prédios agravados com aquela cláusula inibitória de qualquer obra de conservação, de plantações e outros trabalhos correntes.
Tudo o que ali se empregasse sê-lo-ia em pura perda.
Esta estranha doutrina faz lembrar outra equivalente, e orientada por critério idêntico, das licenças a título precário pura construções ou reparações, com o pretexto de que os prédios atingidos estuo abrangidos em plano de urbanização, quase sempre teórico, por corresponder a mirabolante fantasia, mas lhe desobriga a câmara respectiva de qualquer indemnização na hipótese de vir a ser expropriado, mas que, em qualquer caso, contribui para a desvalorização do imóvel assim condenado.
Muito haveria a dizer sobre este capítulo dos planos de urbanização, mas só o farei se me sobrar tempo para isso.
Sr. Presidente: da referida base X do que mais pasmei foi do seu n.º 3.
O critério do valor real, que no começo daquela base muito acertadamente se determina como orientador do cálculo da justa indemnização, passa a ser abandonado e substituído pelo valor matricial sempre que se trate de terrenos destinados a edificações por virtude de trabalhos de urbanização ou construção de grandes vias de comunicação.
Ora todos sabem que o valor matricial é função do rendimento, o qual para a generalidade dos terrenos é quase sempre baixo e por vezes quase nulo (áreas pedregosas, areais, pântanos, etc.), e sempre notoriamente mais baixo que o valor real, para cuja determinação, além do rendimento, há que atender ao factor construtivo, à respectiva situação, a funções de logradouro, e não sendo também indiferente o valor estimativo, tudo concorrendo para o valor potencial e, portanto, para o valor venal, que é o que importa para a respectiva liquidação. Se o valor do terreno dependesse apenas do rendimento, assistiríamos ao facto único de enquanto tudo se valoriza - o ouro e outros metais, as jóias e a multiplicidade de géneros e matérias-primas -, só a terra pátria, que na realidade é a melhor de todas as jóias, autêntico ouro de lei, permaneça imutável na sua cotação, podendo até dar-se o caso de lhe negarem qualquer valor, por não ser susceptível de cultura rendosa, se houvesse de ser expropriada.
Contudo as jóias nada rendem, mas o seu valor não só é incontestável, mas sobe com a desvalorização da moeda.
Para compensação do preço fixado para os terrenos a expropriar mercê da base do valor matricial, que, como já disse, apenas se aplica ao rendimento, e não para fixação do capital a pagar, na proposta reserva-se ao expropriado 20 por cento da mais valia, isto é, do valor que ao terreno é atribuído pelo facto de ser expropriado, sendo, porém, certo que uma parte, possivelmente a maior desse valor, já era inerente ao terreno antes do seu novo destino, mas não fora reconhecida por apenas ter sido considerado o correspondente ao rendimento, isto é, ao valor matricial.
Sr. Presidente: nada mais faço do que justiça reconhecendo a elevação dos sentimentos que inspiraram a redacção do n.º 3 da base X a que me tenho referido.
Mas, se tal critério vingasse, verificar-se-iam grandes prejuízos para todos os que, tendo adquirido terrenos a preços muito além do valor matricial, e acontecendo até terem pago a respectiva sisa na base da quantia desembolsada, o contando, aliás muito legitimamente, com futura valorização resultante do aproveitamento permitido pela sua situação (dize-me o que tens e onde), fossem agora forçados a cedê-los por quantia mínima, calculada pela base falaz do valor matricial.
E, bem vistas as coisas, do sacrifício do expropriado resultaria o lucro da entidade (empresa ou pessoa) para quem viesse a ser transferida a propriedade do imóvel assim expropriado a preço vil, ou para o público, representado pelo Estado ou câmaras, e neste caso deveriam os encargos do melhoramento recair sobre o mesmo público e não apenas sobre o infeliz expropriado.
Reflectindo um pouco, afigura-se-me que tais casos entram nos domínios do confisco, que a Constituição condena e proíbe.
Se tão inadmissível critério viesse a ser aprovado, mas não o será, não estariam de parabéns os que confiaram na terra portuguesa e nas nossas leis para colocação dos seus capitais, ganhos e economizados com grande sacrifício.
Afirmei que não será aprovado, por coerência com a votação que sancionou o projecto de expropriações Bustorff da Silva e também, repito, porque tal critério não caberia no texto constitucional.
Sr. Presidente: doutrina diferente da constante da proposta de lei é a do recente diploma que regula o direito de expropriação por utilidade pública a determinadas empresas industriais, a que ontem aqui se referiu eloquentemente o nosso ilustre colega Sr. Dr. Bustorff da Silva.
Dirão: «Cada cabeça, cada sentença».
Pois a cabeça é a mesma, a do ilustre professor que sobraça a pasta da Justiça e que, tendo assinado a proposta de lei sobre habitação, também assinou, e ainda há poucos dias, o decreto de expropriações para fomento industrial a que venho de aludir.
Permita, Sr. Presidente, que eu leia algumas das disposições daquele diploma justamente publicado quando se discute a proposta de lei do mesmo distinto autor.
Artigo 12.º Na falta de acordo entre a expropriante e os expropriados sobre o quantitativo da indemnização poderá aquela expor ao juiz da comarca da situação dos prédios a expropriar, ou da maior parte deles, o que lhe parecer conveniente acerca do valor dos bens e requerer a notificação dos expropriados para, no prazo de cinco dias, virem também dizer, por escrito, o que entenderem acerca desse valor.
Art. 13.º Ouvidos os expropriandos ou decorrido o prazo estabelecido no artigo anterior, o juiz nomeará um perito, incluído na lista a que se refere o artigo 12.º do decreto-lei n.º 26:338, de 5 de Fevereiro de 1936, e fixar-lhe-á prazo para proceder à avaliação, depois de o instruir acerca do alegado pelas partes.
Art. 14.º Recebido o laudo, o juiz fixará provisoriamente o valor proposto e ordenará o depósito da importância correspondente. Uma vez junto aos autos o documento comprovativo do depósito, operar-se-á, por decisão do juiz, a transmissão da propriedade dos bens para o expropriante.
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Art. 15.º Das decisões proferidas nos .termos do artigo anterior podem as partes reclamar no prazo de dez dias u contar da sua notificação.
§ único. Na falta de reclamação formulada dentro do prazo fixado neste artigo o valor provisoriamente fixado converter-se-á em definitivo.
Art. 16.º No caso de haver reclamação o juiz ordenará que se proceda à revisão do preço fixado, a qual incumbirá a uma comissão de três peritos, nomeados um por cada uma das partes e o terceiro por aquele magistrando, nos termos do artigo 13.º
§ 1.º Se um perito de qualquer das partes não for nomeado no prazo fixado no despacho que ordenar a revisão, ou não comparecer, a nomeação competirá ao respectivo delegado do Procurador da República.
§ 2.º Se os laudos forem divergentes, decidirá o juiz entre os seus limites, fixando, segundo o seu prudente arbítrio, o preço definitivo da expropriação.
Art. 17.º Da decisão proferida, nos termos do § 2.º do artigo anterior não haverá recurso.
Art. 18.º Se entre os prédios expropriados houver partes habitadas, observar-se-ão, na parte aplicável, as disposições do artigo 5.º e seus parágrafos do decreto n.º 17:508, de 25 de Outubro de 1929.
Sr. Presidente: não se fala no artigo que acabo de ler em valor matricial e dão-se aos expropriandos certas garantias de que o preço a receber poderá aproximar-se do valor real.
Pena é, como ontem disse o Sr. Dr. Bustorff da Silva, que o julgamento definitivo, em lugar de caber ao juiz que já se pronunciara sobre o valor provisório, não seja da competência do tribunal colectivo, como acertada e prudentemente se dispõe na lei nascida do projecto Bustorff da Silva, e que sobre louvados e outros assuntos se tenha seguido orientação diversa da que fora aqui aprovada. E, já agora, esclareço que no decreto sobre expropriações para fomento industrial, a que venho de referir-me, a aprovação de locais para instalação de fábricas com tal faculdade é precedida de vistoria e largo inquérito, em que são ouvidos os proprietários dos terrenos em causa e vizinhos, os serviços agrícolas e, de uma maneira geral, todos os outros interessados.
Só depois disso é que o Conselho de Ministros delibera sobre o assunto.
E bem está, porque tudo isso não é demais, em face dos abusos geralmente conhecidos e que se traduzem na escolha de terrenos de cultura para instalação de fábricas, muitas delas constituindo má vizinhança, pelos incómodos inerentes à respectiva laboração, registando-se casos de inquinação de rios, que determina a morte de toda a fauna piscícola e até de animais que utilizam a respectiva água para bebida, e chegando a sua acção destruidora às culturas que a utilizam para rega.
Finalizando as minhas considerações sobre as bases relativas às expropriações, direi que não poderíamos adoptar critérios diversos para casos idênticos, ambos reconhecidos de utilidade pública, e, portanto, é apoiada no valor real que a indemnização deve ser calculada.
E, como, para esse fim e dentro dos princípios que acabo de defender, já dispomos da lei nascida do projecto Bustorff da Silva, entendo que a parte da proposta de lei e do parecer da Câmara Corporativa sobre expropriações deve desaparecer, proporei, por isso, a sua eliminação total, ou, pelo menos, a do referido no n.º 3 da base X.
Não ignoro que privando as câmaras da faculdade de se apossarem de terrenos pelo seu valor matricial, embora acrescido de um quinto de discutível mais valia, e isto sem qualquer limitação de área, privo-as simultaneamente de elementos para negócios altamente lucrativos, pois não poderão vender ou ceder a quem muito bem entenderem os terrenos adquiridos pela insignificância do valor matricial, a preços que poderiam ir por aí fora...
A Câmara Corporativa, em seu douto parecer, mostra reconhecer quanto é precária aquela base de indemnização e sugere a seguinte:
Ajusta indemnização compreenderá:
O valor do terreno, na base do seu rendimento matricial, corrigido pelo rendimento líquido efectivo.
É alguma coisa, mas quase sempre de alcance mínimo, porque o rendimento do terreno situado numa cidade é o que menos interessa, e pode até ser desprezível, como no caso de uma área estéril, embora esplendidamente situada.
E ao acrescentar:
Não se atenderá a quaisquer factores relativos ao valor venal ou potencial do terreno;
sugere uma fórmula que não tem na devida conta os valores reais e fundamentais, mas cuja existência ela própria reconhece, como, aliás, não podia deixar de reconhecer, porque desde sempre eles intervieram como factor principal na determinação das cotações dos terrenos citadinos, em que o rendimento das culturas passa a plano secundário para a determinação daquele valor.
Repito: a alteração sugerida pela Câmara Corporativa pouco ou nada adianta, e á única fórmula aceitável para a expropriação de terrenos é a baseada no valor real, como para os outros imóveis, e agora, em face do decreto de expropriações, no caso do fomento industrial, para os terrenos a tal fim destinados.
A Câmara Corporativa sugere, muito acertadamente, se limite até 50 metros a largura das faixas de terreno expropriáveis, que na proposta de lei poderia ir até onde a fantasia do expropriante entendesse. Repito: julgo oportuna tal restrição, mas entendo que deveria restringir-se sempre ao comprovadamente indispensável.
Sr. Presidente: tanto na proposta de lei como no respectivo parecer se dedica largo espaço a interessantes e inteligentes considerações para definir uma fórmula curiosíssima, que ao meu espírito de leigo se afigura inovação original, mas em que o meu critério político não logra encontrar vantagens assaz compensadoras das complicações a que necessariamente daria lugar.
Trata-se do direito de superfície. Acabo de classificá-lo de inovação original, embora a minha primeira impressão tivesse sido a de que se pretendia ressuscitar, com novas facetas, é certo, a velha enfiteuse, os censos e outros anacronismos que o Governo e a Assembleia Nacional muito se tem esforçado por extinguir.
Seja como for, o caso é que estaríamos em face de unia fórmula de propriedade imperfeita enxertada num diploma que visa a expurgação de variadíssimos óbices, os quais, entravando a liberdade contratual nos arrendamentos, limitando despropositadamente as rendas e impedindo o proprietário de reaver e dispor dos seus prédios, vinham ferindo de morte o direito de propriedade, que é um dos esteios da Constituição Política da República Portuguesa.
A Câmara Corporativa introduziu algumas alterações no texto da proposta de lei, substituiu por termos modernos alguns dos que naquele texto lembravam velhos institutos, mas, afinal, afigura-se-me que o direito de superfície, com os respectivos superficiários, ficando sempre, e apesar de tudo, com seu carácter arcaico, não viria a ter marcada influência na resolução da crise actual de habitações, anãs aumentaria os casos de pro-
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priedade imperfeita, com as complicações inerentes, o que, na minha opinião, importa evitar.
O remédio eficaz para. tão molesta crise, mais do que em fórmulas engenhosas e até originais, continua a cifrar-se na restauração integral do direito de propriedade, que constitui a única garantia, simples mas eterna, em que todos confiam para se determinarem a colocar as suais economias em pedra e cal, ou, usando de linguagem actualizada, em ferro e cimento, materiais estes compatíveis com as construções em altura, dotadas da maior segurança e permitindo múltiplos, andares higiénicos e confortáveis.
Eis as razões que me determinam a discordar da fórmula do direito de superfície e a também propor a sua eliminação.
Sr. Presidente: há muito que oiço falar em mais valia.
E, apesar da hábil argumentação dos que, com esse pretexto, pretendem cobrar uma parte ou a totalidade daquele valor, sempre me pareceu uma fórmula para apropriação do que legitimamente pertence a outrem, com o pretexto de que a respectiva valorização não resultara do enorme conjunto de factores anónimos que intervêm, num automatismo indiferente a quaisquer vontades ou deliberações, na formação de preços, mas da feitura de grandiosos planos de urbanização e de certas posturas votadas pelas câmaras.
Contudo, e acima dos projectos da engenharia e das votações das edilidades, a tendência natural dos aglomerados é para o respectivo alargamento, o qual só é possível utilizando-se as áreas, neles abrangidas ou as situadas nos respectivos arredores; a não ser que lhes fosse possível transferi-los para outra província, mas tendo o prévio cuidado de antes adquirirem os terrenos precisos.
Esta circunstância, dentro da boa lógica, não podia deixar de influir no preço dos terrenos situados nos limites dos burgos, razão por que atingem cotações muito elevadas e para as quais pouco ou nada contribui a respectiva produção agrícola.
São estas as realidades de todos conhecidas e verificadas ao abrigo das leis, constantes de contratos e confirmadas muitas vezes com o pagamento de sisas elevadíssimas.
Pretenderem agora considerar mais valia tudo o que exceder o escasso valor matricial, para entraram na posse, «em indemnização condigna, do que legitimamente pertencia ao anterior proprietário, não estaria certo.
E, no fim de contas, quando tanto se protesta contra o preço dos terrenos (que apenas tem seguido paralelamente com o encarecimento geral), cobrando-se, com o pretexto de mais valia, quantias avultadas, concorre-se para o agravamento desses mesmos preços e, consequentemente, para dificultar a construção de prédios.
Ora o que justamente importa é evitar-se tudo o que possa agravar os encargos da construção, cumprindo ao Governo e às câmaras não encarecer os terrenos com exigências de mais valias, de laudémios e doutras cobranças escusadas, «s quais, geralmente, não têm justificação aceitável.
E é de registar que esta singular teimosia na cobrança da mais valia coincidiu com a revogação da fórmula dos centenários, mostrando assim que certas câmaras querem compensar-se por esta maneira do que já não podem obter pelas expropriações sem recurso e qualquer defesa para os expropriandos.
Mas, ainda sobre mais valia, encontra-se na proposta de lei o estranho princípio de a fazer recair sobre os terrenos que venham a marginar vias de comunicação de certa importância, para depois ser cobrada a percentagem de 50 por cento sobre a importância avaliada.
Devo desde já notar que a proposta de lei, quando se trate de a título de mais valia, devolver ao proprietário uma parte daquilo de que fora injustamente desapossado, reserva-lhe a percentagem de 20 por cento, mas esta sobe para 50 por cento no caso de ser o proprietário a pagar ao Estado ou câmaras a percentagem sobre mais valia.
Ora, se noutros tempos a população e, duma maneira particular, os proprietários saudavam a abertura de uma estrada, hoje é tal a série de exigências, de formalidades, de licenças e taxas, e são tantas as ameaças de multas, que já tenho conhecimento de povos que pedem por favor que não lhes retalhem os campos com tais melhoramentos, fonte de trabalhos, despesas e arrelias, e que os deixem em sossego.
Lá se vão arranjando com modestos, mas tranquilizadores, caminhos vicinais, abertos mercê da fórmula de comparticipação da política, por todos saudada, dos melhoramentos rurais.
Se àqueles óbices e a outros resultantes do recente decreto sobre policiamento das estradas se juntasse agora o risco do pagamento de 50 por cento da importância fixada para mais valia, não digo que os sinos voltassem a tocar a rebate, como se verificou na minha terra nos tempos da Maria da Fonte, mas grande seria o desgosto das populações assim tão gravemente afectadas.
Por tudo o que venho de dizer verifica-se a nenhuma razão da mais valia.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
Para isso seria preciso revogar toda a legislação de há quase um século, pois é de então que vêm as maiores valias, e destinam-se especialmente a compensar as câmaras das despesas da urbanização que valorizou os terrenos.
O Orador: - Pois se tanto fosse preciso, aconselhável seria ir-se para a revogação.
Sr. Presidente: além do respeitante a expropriações, ao novo direito de superfície e à mais valia, eu afirmei discordar também da intervenção do Estado e das câmaras municipais como accionistas das empresas construtoras de casas.
E faço-o coerentemente com a atitude diversas vezes por mim assumida, quando aqui foram tratados os problemas ferroviário e hidroeléctrico, relativamente aos quais manifestei a opinião de que, a não serem nacionalizados, como eu propusera, nunca deveríamos adoptar a fórmula mista de um Estado capitalista possuidor de grande parte das acções dos respectivas empresas.
E, embora sem defender a respectiva nacionalização, pronunciei-me pela entrega a actividades privadas dos diferentes ramos industriais, mas sem que o Estado nelas entrasse como accionista.
Eu entendo que as funções do Estado são muito diferentes das que competem às actividades privadas, às quais não só é lícito mas indispensável o lucro, para pagarem aos operários, os tributos e o preciso para manutenção da empresa.
Do consórcio do Estado com aquelas actividades privadas dificilmente resultaria o ambiente favorável à prosperidade industrial, e ainda com a agravante de à parte fraca, constituída pelos accionistas privados, ser vedado o recurso à separação ou ao divórcio.
Que o Estado dispense facilidades e auxílios às iniciativas privadas -sociedades, cooperativas ou pessoas singulares - não sòmente se compreende, mas o fomento da construção de moradias tudo justificaria.
Mas que os organismos oficiais se limitem a intervenções desta natureza e se deixem de pretensões de ca-
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rácter capitalista, pois estas devem constituir função exclusiva das actividades particulares.
Ao Estado e às «câmaras, dentro das respectivas alçadas, que são amplíssimas, nunca faltou nem há-de faltar que fazer, e de muito proveitoso, que acontece não ser atendido, como tão preciso seria, por este critério inadmissível da invasão das atribuições das actividades privadas.
Pois, repito, pena seria que os referidos organismos oficiais desvirtuassem sua missão e perturbassem o esforço construtivo dos particulares, intervindo como accionistas e com fundos provenientes dá cobrança de mais valia relativa a prédios expropriados ou cortados por vias públicas, nas respectivas sociedades, cooperativas, etc.
Sr. Presidente: eis os principais pontos de vista dos diplomas em discussão que não mereceram a minha concordância, e que, por isso, entendo não deverem figurar na futura lei, porque, traduzindo injustiças, poderiam vir a constituir fonte de iniquidades, de mal-entendidos e de grandes prejuízos, só podendo contribuir para o esmorecimento de iniciativas e grave estorvo ao indispensável fomento da construção de moradias higiénicas, confortáveis e a preços acessíveis para as diversas categorias sociais.
Uma lei com tais preceitos nasceria com o vírus da sua própria condenação.
Sr. Presidente: condenação, acabo eu de dizer, mas que seria muito para lamentar,- porque nos diferentes diplomas que até nós chegaram-o do nosso ilustre colega Sr. Dr. Sá Carneiro, o do Governo e os da Câmara Corporativa -encontrei elementos do maior valor para a elaboração de uma lei capaz de solucionar os graves problemas do inquilinato e da habitação, a contento de todos os interessados, e com a manifestas vantagens para o Estado e para as câmaras, o que não deixaria de concorrer para que as nossas cidades e vilas substituíssem o aspecto medíocre, por vezes sujo e até com mostras de ruína por ruas e praças marginadas de prédios modernos, de boa arquitectura e irrepreensivelmente asseados e, por dentro, repito, constituídos por numerosas moradias higiénicas e confortáveis para as diferentes categorias sociais.
Sr. Presidente: analisados aqueles diplomas, e bem vistas as coisas, o que. ali se encontra são, em grande parte, os princípios norteadores do decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, publicado pelo Governo da presidência do general Vicente de Freitas, onde, a par de disposições regulando a actualização das rendas, os traspasses e outros casos ainda, se estimula, como já vimos, a construção de prédios novos e a conclusão dos que tinham suas obras pairadas, com a garantia da liberdade contratual nos respectivos rendimentos.
O milagre operou-se porque a construção foi intensificada, tendo como resultado certa abundância, de casas, que se traduziu em concorrência, com a correspondente baixa de rendas.
Não faltaram então, como já foi dito, casas com escritos em Lisboa e Porto.
Oxalá que de idêntica providência resulte agora o restabelecimento da confiança que- esmorecera com a série de entraves à plena, execução daquele inspirado diploma e, finalmente, com a sua suspensão e a perda injusta de todas as legítimas e razoáveis vantagens para todos os que, tendo acreditado na promessa legal e construído abundância de prédios, vieram, afinal, a sofrer as duras consequências da falta do prometido nas páginas do Diário do Governo.
O conjunto de providências, sucessivamente aproveitadas e melhoradas de diploma para diplomo, já foi superiormente apreciado pelos ilustres colegas que me precederam nesta tribuna.
Verifiquei primeiramente, e com agrado, que os abusos dos sobrealugos, as negociatas dos traspasses, tento de prédios destinados a comércio e indústria como aos afectos a habitação, os desvios de destino contra, as cláusulas contratuais e os danos anormais causados nos prédios são reprimidos por um conjunto de providências, geralmente felizes, as quais não deixarão de ser pormenorizadamente apreciadas na discussão da especialidade.
Em particular, o recurso ao despejo, que constitui elemento indispensável e insubstituível de defesa do senhorio, aparece, como não podia deixar de ser, no último dos diplomas, o segundo parecer da Câmara Corporativa, tendo-se para isso considerado os alvitres oportunos do primeiro parecer daquela Câmara.
Além do louvável combate aos sobrealugos, surge na proposta de lei (alínea b) da base XLII, o princípio que admite o despejo para a realização de obras de que resulte aumento do número de inquilinos, com as garantias necessárias para estes últimos.
Esta tão feliz disposição e a defesa contra os sobrealugos bastariam não só para justificar a proposta de lei do Governo, mas para lhe dar foros de notável.
E, se a combinarmos com a livre fixação de rendas, de prazos e a garantia para o proprietário de poder reaver os seus prédios findos os prazos do arrendamento, faculdades aliás previstas no segundo parecer da Câmara Corporativa para os prédios construídos após a publicação da lei que vier a nascer desta discussão, eu entendo que o problema da habitação estaria resolvida em curto período, e resolvido em condições particularmente felizes.
Caso é, repito, que consigamos restabelecer a confiança que ficara abalada depois, do que se passou com o referido decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, cuja execução foi sempre dificultada, acabando, finalmente, por ser suspenso.
Acabo de afirmar que, mercê da referida alínea b) da base XLII, o problema da habitação viria não sòmente a ser resolvido rapidamente, mas em condições particularmente felizes.
Eu explico, Sr. Presidente.
Os grandes planos de urbanização cuidam mais de retalhar quintas, bosques e jardins, que, valorizando os aglomerados com suas manchas de verdura, constituem preciosas unidades de exploração agrícola e pecuária ou exercem funções de logradouro de inestimável valor para os prédios de que fazem parte.
Ora tendo, infelizmente, declinado a maré das vacas gordas e verificando-se já certo descongestionamento demográfico das cidades principais, porque os transportes vão melhorando e os centros de actividade fabril tendem, muito acertadamente, a deslocar-se para as zonas rurais, é de prever que grande parte das ruas, avenidas e praças projectadas nos gabinetes de urbanização tarde ou nunca venham a ser marginadas por edificações que compensem os gastos com a respectivo, construção e manutenção, além do mau aspecto das vias desertas, e por vezes abandonadas, com erva nos pavimentos e passeios e outras insuficiências.
O rumo ideal a seguir no capítulo da urbanização não deve visar a abertura de novas ruas, o que só excepcionalmente poderia admitir-se, mas o conveniente aproveitamento do espaço citadino, preenchendo com novas edificações as zonas marginantes ainda livres e, sobretudo, substituindo os barracões, prédios de rés-do-chão ou de um só piso por construções com vários andares, em muitos casos servidas por ascensores, e dotadas de boas condições de higiene e de conforto proporcionado à renda.
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O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? .. .
E até com a vantagem de diminuirmos esta grande crise de transportes em comum...
O Orador: - Exactamente, é o que eu ia dizer. Assim, a todas estas vantagens somar-se-iam as de estarem situadas em zonas centrais, a dois passos dos escritórios e repartições, tendo à mão o indispensável à vida e dispensando desta forma o recurso frequento aos veículos de transporte, com as despertas inerentes, demoras e mais incómodos inevitáveis.
Tão oportuna ideia da proposta de lei foi inteligentemente aproveitada pela Câmara Corporativa, que, em seu valioso parecer, a desenvolve e completa, sugerindo a intervenção das câmaras junto dos proprietários para que o melhoramento abranja simultâneamente vários prédios, a fim de se conseguirem outros de maiores proporções e condignos das cidades onde vierem a ser construídos, indicando também a conveniência dos indispensáveis financiamentos pelo Governo, aos quais, conviria darem-se as vantagens de juro baixo e larga amortização, e ainda define os princípios do direito de propriedade por andares.
A tudo isto junta-se a fórmula da constituição de sociedades, anónimas para construção de prédios.
Sr. Presidente: eis a boa orientação, que, a seguir-se com inteligência, e perseverança, resolverá o problema da edificação e actualização de moradias, de maneira a não prejudicar interesses legítimos e a contentar todos os interessados.
Evitar-se-iam os planos de urbanização, que, quase sistematicamente, visam a abertura de grandes arruamentos, não trepidando em utilizar grandes áreas afectas à lavoura e a outros fins úteis.
Valoriza-se a área citadina, substituindo aos actuais prédios de capacidade insignificante e aspecto medíocre outros condignos da cidade e proporcionando moradia razoável a muitas famílias.
Desta forma a administração municipal. coiicentrar-se-á em área menor, com despesas menores, mas sendo certo que as receitas subirão com a capacidade e qualidade dos prédios.
Os engenheiros, arquitectos e todos os que, por qualquer forma, tiverem de contribuir para a construção de tais prédios, importantes pelas proporções e capital despendido, não sòmente terão margem para desenvolver as suas técnicas e artes, mas poderão legitimamente auferir lucros condignos do seu trabalho.
Os proprietários, sobre um terreno onde apenas havia rés-do-chão e, quanto muito, um andar, elevando depois vários andares, e com a faculdade de fixação de renda e outras condições (garantidos convenientemente os direitos do antigo inquilino), aumentarão apreciavelmente os seus rendimentos.
Por sua vez os inquilinos encontrarão fartura de moradias modernas, com boas condições de habitabilidade, e não tardará que da sua abundância venha a resultar a baixa das rendas.
Sr. Presidente: é da maior justiça aludir-se desta tribuna à orientação inteligente, criteriosa e manifestamente oportuna seguida ultimamente nesta matéria pela Câmara Municipal do Porto, à qual preside o nosso antigo e muito distinto colega o professor da Faculdade de Medicina Sr. Dr. Luís de Pina.
Além da construção recente, na parte mais central da cidade, de prédios magníficos, com numerosos andares e multiplicidade de alojamentos com os precisos requisitos, construídos em locais anteriormente ocupados por construções modestas, antigas e destituídas de qualquer nota arquitectónica digna de conservação, aquela Câmara actua persistentemente para melhorar em número de andares e condições higiénicas numerosíssimos prédios indignos das ruas mais centrais da cidade.
Simultâneamente estudou uma fórmula, que chegou a ser aprovada, para estímulo da iniciativa privada e segundo bases, muito interessantes formuladas por um grupo de vereadores e de técnicos sob a presidência do também vereador e ilustre engenheiro Sr. coronel Goulão.
Não sei porquê, esta fórmula topou com entraves no Terreiro do Paço, quando é indubitável que ela marca os princípios gerais ida política de habitações fundamentada no estímulo da iniciativa privada.
Pode discordar-se de alguns pormenores daquela fórmula, mais, em meu entender, ela estabelece um rumo certo e que, por isso, importa seguir.
Também tenho sido informado de que aquele ilustre presidente tem demonstrado o maior interesse em facilitar tanto quanto possível as formalidades paxá que a, política da construção de prédios prossiga com segurança e rapidez.
Até certo ponto, esta orientação é agora completada pelo referido segundo parecer da Câmara Corporativa.
Pelos relatos das sessões da Câmara Municipal de Lisboa, publicados pela imprensa, tenho com agrado verificado que a orientação seguida no Município de Lisboa se aproxima .em partos pormenores da que venho de citar, com o maior louvor, relativamente ao grande burgo portuense, que tenho a honra de representar nesta Assembleia.
Sr. Presidente: como acabo de dizer, com tais bases, e desde que se consiga restabelecer a confiança do sector capitalista, o futuro da construção de prédios estaria devidamente assegurado.
Mas temos de pensar nos .prédios actuais. Já aludi às precauções tomadas nos diplomas em discussão para evitar a multiplicidade de abusos que vêm tornando muito precário o direito de propriedade e ofendem a sensibilidade das .pessoas bem formadas.
Mas vou agora referir-me às disposições que visam a actualização de rendas, que, em boa consciência, todos sabem que estão muito aquém do que seria razoável.
Mas não basta a actualização nos termos da proposta de lei, isto é, actualização com base no valor colectável, pois é geralmente sabido que esse valor está quase sempre muito aquém do que seria justo.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Actualização não ... Aumento.
O Orador: - Tem V. Ex.ª motivos sobejos para essa observação. A actualização apenas será atingida quando for baseada no valor real, e não no colectável.
Impõe-se por isso que, uma vez atingida a renda indicada pelo valor colectável, numa segunda fase, de duração prudentemente estabelecida, se caminhe para a renda baseada no valor real, com prévia avaliação requerida e paga pelo proprietário.
Mas não poderíamos ficar por aqui, pois indispensável se torna que, uma vez vencida a actual crise de habitação e registada abundância de prédios, o direito de propriedade se. consolide, facultando-se a liberdade de arrendamentos e consequente regresso dos prédios à posse dos seus proprietários uma vez findo o arrendamento.
Discordo da avaliação, a requerimento do inquilino, de prédios alugados após 1943, pois entendo que as Tendas por eles livremente aceites são de manter.
No entanto, e embora com todas as precauções para se evitarem abusos, devia, facultar-se que, após um prazo razoável, os proprietários pudessem utilizar-se dos seus prédios para habitação sua ou de suas famílias,
Haveria ainda tanto para dizer!
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16 DE ABRIL DE 1948 481
Mas é forçoso terminar, por agora, as minhas considerações.
Fá-lo-ei repetindo o que já afirmara:
Os problemas da habitação e do inquilinato não são eriçados das dificuldades que lhes atribuem.
Para os resolver bastará cumprir o que sobre direito de propriedade e iniciativa privada se preceitua na Constituição Política da República Portuguesa e adaptar as soluções às dificuldades da época que atravessamos.
Por último, repressão inclemente de todos os abusos, quer partam de inquilinos ou de senhorios.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar os trabalhos.
Previno os Srs. Deputados de que no sábado haverá sessão.
A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 53 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Jorge Botelho Moniz.
José Maria de Sacadura Botte.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram, à sessão:
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
António Júdice Bustorff da Silva.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernão Couceiro da Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA