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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 147

ANO DE 1948 19 DE ABRIL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 147 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 17 DE ABRIL.

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 5 minutos.

Antes da ontem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foram aprovados, sem emendas, os n.ºs 143,144 e 145 do Diário das Sessões.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarães, que se referiu a diversos aspectos do magno problema dos transportes em caminho de ferro; Álvaro Fontoura, para se felicitar pelas constantes noticias recebidas de Macau demostrativas do excelente prestígio de que gozam governantes e governados naquela nossa colónia: Querubim Guimarães, que chamou a atenção do Governo para a situação dos proprietários dos terrenos das margens do Vouga.

Ordem do dia. - Continuou o debate, na generalidade, sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre inquilinato e a proposta de lei relativa a questões conexas com o problema da habitação.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ribeiro Cazaes, Ricardo Spratley, sá Alves e Cunha Gonçalves.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Finto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Camilo de Morais Bernardes Fereira.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Linhares de Lima.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Finto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Luís da Silva Dias.

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José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 60 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Janta Província Beira Litoral roga valiosa intervenção V. Ex.ª sentido ser introduzida nova lei inquilinato doutrina decreto n.º 23:465, de 18 de Janeiro de 1934, a favor corpos administrativos. Esta Junta está sendo prejudicada sua acção social por falta disposição daquele teor. Apresento a V. Ex.ª respeitosos cumprimentos. O Presidente, Bissaia Barreto.
O Sr. Presidente:-Estão em reclamação os n.03143, 144 e 140 do Diário das Sessões.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre esses números do Diário, considero-os aprovados.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: este vastíssimo problema dos transportes está sempre na grande ordem do dia nacional, constituindo tema para as atenções e preocupações de governantes e governados de todos os pontos do País e dos variados sectores sociais.
Numa das últimas sessões foi tema da minha intervenção antes da ordem do dia o que, respectivamente em Casa Branca (na inauguração do serviço de automotoras) e no Porto (ao inaugurar a estação provisória da Trindade), afirmaram o ilustre titular das Comunicações e o Sr. Fausto de Figueiredo, da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. O primeiro falou de grandes
obras e de avultadas aquisições, determinadas para a urgente e notoriamente indispensável actualização dos caminhos de ferro, para se conseguir segurança, comodidade e velocidade e para que não falte o material circulante e de tracção exigido pelas necessidades do tráfego, tanto de passageiros como de mercadorias. Traçou também as providências que ordenara para a revisão do plano da rede ferroviária, tendo eu aludido à conveniência de os respectivos trabalhos de tão fundamental capítulo dos transportes serem oportunamente enviados à Assembleia Nacional, a fim de serem apreciados pelos representantes da Nação.
O segundo dos oradores citados anunciou a electrificação do troço Porto - Vila do Conde - Póvoa de Varzim - Famalicão, do sistema de bitola reduzida e de grande valor, que abrange a zona florescente das indústrias dos vales do Ave e Vizela e serve algumas das mais prósperas praias do Norte, tendo eu salientado a oportunidade e grande importância daquele melhoramento e posto em evidência quanto se impõe adoptar o traçado das linhas às exigências locais, como em Vila do Conde, que deseja, e com razão, que ela passe junto da vila e da sua inigualável praia.
Também realcei a necessidade de se prolongar, como, aliás, consta do plano em vigor da rede ferroviária, a linha do Norte Litoral, para servir Apúlia, Fão, Ofir, Esposende e Neiva, até Viana, e de lá prosseguir, vale do Lima arriba, até à fronteira.
E recordei a imperiosa precisão de se construir, com início em Caniços, a linha do Ave, que, depois de servir as zonas industriais de Riba de Ave, Pevidem e Campe-los, de atravessar a vila das Caldas das Taipas e passar no sopé da Citânia de Briteiros e em Lanhoso, subiria até às cabeceiras daquele rio, para em Casares atingir a região de Basto, onde ligaria com a linha que na Livração entronca com a do Douro.
E referi-me também à grande vantagem de se unificar a bitola daquele sistema com a da Carris do Porto, para valorização mútua, fazendo dos transportes colectivos a cargo da Câmara daquela cidade o grande fulcro de todo o vasto sistema ferroviário nortenho a que venho de aludir, o qual - quem sabe? -, talvez no futuro, e através da projectada ponte da Arrábida e da de D. Luís, pudesse vir a prqlongar-se até Espinho e ali estabelecer valiosa conexão com o sistema ferroviário, também de bitola reduzida, da Beira Alta.
Sonho?... mas que pode vir a ser realidade vantajosissima!
Sr. Presidente: tive ontem a satisfação de ler na imprensa que o distinto engenheiro militar que sobraça a pasta das Comunicações, ao receber a grande comissão dos distritos de Leiria e Santarém, a qual, mais uma vez, foi expor as grandes razões em que se apoia a antiga aspiração daquela importantíssima zona para que se estabeleça o troço ferroviário de ligação das linhas de Leste e Oeste, depois de dissertar sobre o problema ferroviário com fartura de conhecimentos, afirmara estar quase concluído o estudo do novo plano ferroviário, o qual seria brevemente transformado em proposta de lei para ser submetido à Assembleia Nacional.
Congratulo-me com tão oportunas palavras do ilustre titular das comunicações.
Sr. Presidente: de facto, este problema dos transportes é deveras empolgante e preocupa todos os que olham a sério pela defesa dos altos interesses nacionais.
E assim é que, na sessão de ontem, ouvimos com prazer os substanciais discursos dos nossos distintos colegas o Sr. engenheiro Mira Galvão e Dr. Figueiroa Rego, os quais, respectivamente, e com numerosos argumentos, mais uma vez recomendaram a construção dos troços ferroviários de Beja a Ermidas, e o de ligação das linhas de Leste e Oeste.

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Hás não é sómente o capitulo ferroviário que atrai as atenções do público.
Do concelho do Porto acaba de chegar até mim um grito de alarme.
Mas desta vez partia da respectiva zona rural, que é vasta e valiosa, mais ainda do que o supõem os que não trepidam em retalhá-la, mercê de grandiosos planos de urbanização, e que, após inutilizarem utilíssimas unidades de lavoura que ali laboram, umas de agricultura estreme, a maioria associando àquela actividade a jardinagem e, sobretudo, a pecuária, regateiam exageradamente as indemnizações, orientados pelo critério errado de que tudo se valoriza menos a terra pátria, e que o valor excedente da base matricial, que apenas se fundamenta no rendimento agrícola, nada tendo, e muito acertadamente, com o valor potencial derivado das suas possibilidades construtivas e da respectiva situação urbana ou suburbana, deve ser considerado como mais valia resultante exclusivamente dos referidos planos urbanísticos e de deliberações camarárias.
Mas, porque, ao usar anteontem da palavra sobre o inquilinato, já aludira a este assunto, e, possivelmente, terei ainda de o abordar, basta por agora, e vamos ao tal apelo da lavoura das zonas rurais que enquadram o pitoresco burgo portuense com adoráveis manchas de verdura fresca, perfumada e produtiva.
Trata-se de numa recente postura municipal, figurarem as disposições seguintes:

Artigo 36.º A partir da data da publicação da portaria que aprovar esta postura não serão concedidas novas licenças para veículos de tracção animal, apenas podendo renovar-se as já existentes, se os veículos continuarem a pertencer aos actuais proprietários.
Art. 37.º A partir de 1 de Janeiro de 1949 deixarão de ser renovadas as licenças dos veículos de tracção animal que não se encontrem providos de rodados de rasto elástico e silencioso.
Art. 38.º Também a partir de 1 de Janeiro de 1949 deixarão de renovar-se as licenças de veículos de tracção animal puxados a gado bovino ou asinino.

Quando me leram estas disposições imediatamente objectei que elas deviam entender-se exclusivamente com veículos de tracção animal destinados a circular na zona central da cidade, e, sendo assim, seriam de admitir em princípio.
Elucidaram-me de que a lavoura se conformaria com as restrições citadas se, de facto, elas interessassem exclusivamente àquela zona citadina. Mas, infelizmente, no edital nada se diz a tal respeito e, por informações colhidas nas repartições competentes, sabe-se que se aplicam a todo o concelho.
Ora, se de facto assim é, isto de em toda a área do concelho do Porto, apenas permitirem veículos de tracção animal com pneus e puxados por cavalos, só na hipótese da transformação daquela admirável cidade, que está proporcionada a respectiva zona de homenagem, numa grandiosa metrópole, com milhões de habitantes, o que exigiria área extensíssima capaz de transformar em urbana a vasta zona rural existente no concelho do Porto.
Mas porque assim não é, como poderia admitir-se a condenação de veículos de lavoura sem rodados de borracha e a exclusão dos bois dos trabalhos agrícolas na respectiva tracção? Acaso os caminhos vicinais e municipais estão asfaltados ? E nas quintas, onde aqueles veículos constituem instrumentos preciosos de trabalho, não existirão pedregulhos capazes de inutilizarem as borrachas em poucas horas?
Eu faço ao muito ilustre presidente da Câmara Municipal do Porto e aos seus colaboradores, tanto da vereação como do quadro dos funcionários, a justiça de não darem tão inadmissível interpretação àqueles artigos da referida postura municipal.
Mas torna-se indispensável o imediato esclarecimento, para tranquilidade da lavoura.
Sr. Presidente: ainda sobre o momentoso problema das comunicações e transportes.
Andam sobressaltados proprietários e condutores de veículos automóveis a propósito da notícia, dada pela imprensa, sobre a próxima publicação de um decreto que estabelece graves penalidades para as infracções do Código da Estrada, generalizando o princípio de ser cassada a carta de condutor a quase todas as faltas de cumprimento das disposições daquele diploma sobre trânsito, e sem que tão grave pena tenha a joeirá-la o critério do antigo Conselho Superior de Viação, que era constituído por muitas pessoas altamente categorizadas e por um consultor jurídico.
Calculo que um diploma de tanta importância e de tão preocupadoras consequências não deixará de vir a esta Assembleia, porque colide com o exercício da profissão de condutor por meses e até anos, pois a carta poderia ser cassada sem qualquer defesa da pessoa visada, que seria agora privada das precauções constantes do antigo Código, ainda em vigor, e privaria de indispensáveis instrumentos de trabalho muitos dos que não os poderiam dispensar.
Tal decreto ainda não foi publicado no Diário do Governo.
Mas, se vier a sê-lo nos termos referidos na imprensa, solicitarei de alguns ilustres colegas a honra e favor de juntamente comigo, assinarem o requerimento nos termos da lei para ser oportunamente submetido à apreciação .da Assembleia Nacional, que não deixará de dar o seu concurso para se conseguir uma fórmula que, assegurando a defesa indispensável de passageiros e dos que transitam nas vias públicas, garanta aos condutores de veículos o uso legítimo do seu instrumento de trabalho, isto é, dos respectivos automóveis. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Álvaro da Fontoura: - Sr. Presidente: como Deputado pela colónia de Macau, tenho o grande prazer de erguer a minha voz para felicitar o Governo, e em especial o Sr. Ministro das Colónias, pelas agradáveis notícias que frequentemente chegam ao nosso conhecimento acerca daquele nosso território ultramarino. Essas notícias, que devem ser lidas com admiração e surpresa por todos os outros países, nomeadamente os que têm expansão ultramarina, são para todos os portugueses motivo de patriótico orgulho.
Com efeito, num Mundo perturbado pelas visões da guerra, quando, perante perspectivas demoníacas de destruição, se assiste ao alastramento do ódio, da incompreensão e da desconfiança, quando dia a dia se vê decair, em risco de perder-se, a influência da expansão ultramarina das grandes potências, a influência e prestígio de Portugal no Extremo Oriente - através da minúscula, mas nobre e leal, colónia de Macau - consolida-se pelo estreitamento de relações com o Governo e autoridades da China, com a vizinha colónia de Hong-Kong e com os representantes do Governo dos Estados Unidos da América do Norte.
São constantes as manifestações de amizade entre as autoridades de Macau e as dos países citados.
Trocam-se visitas de cortesia entre os governadores de Hong-Kong e de Macau. O general chinês Lei-Tai-Chio, presidente de uma delegação do Kuomitang, fez uma

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visita a Macau e ao respectivo governador. Idêntica visita foi feita pelo adido militar americano em Cantão.
O próprio general Chang-Kai-Chek, que se encheu de prestígio durante a guerra e está orientando o ressurgimento e valorização da nação chinesa, fez interessantes declarações públicas de bom entendimento e amizade com Portugal. Realizam-se encontros desportivos entre portugueses e chineses, como o que teve lugar durante a visita a Cantão do grupo de futebol da polícia de Macau, que foi ali recebido com guarda de honra e música, içando-se a bandeira portuguesa na Capitania da cidade.
Recentemente, a visita a Macau do Ministro de Portugal na China e de sua esposa deu lugar a uma série de reuniões e banquetes, em que se fizeram declarações exaltando o espírito de franco entendimento que em Macau se respira, tanto nos assuntos de carácter interno como nos das relações externas.
Entre essas reuniões deve destacar-se o banquete oferecido pelo governador da colónia, o almoço oferecido pelo cônsul britânico e o oferecido pelo Dr. Kuo-The-Pan, delegado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China.
Mais recentemente ainda, a visita do governador de Macau e sua esposa a Cantão, onde foram recebidos pelo governador geral da província de Kuang-Tung e esposa, deu lugar a novas manifestações de amizade luso-chinesa.
São estes, Sr. Presidente, os desvanecedores resultados de uma política internacional séria, clarividente e patriótica que preservou Portugal dos horrores da guerra e o mantém considerado e respeitado na paz. E nunca é demais apontar à constante gratidão de todos os portugueses, e especialmente dos portugueses de Macau, o nome do orientador superior dessa política- que, juntamente à sábia orientação da administração interna, salvou a Nação da ruína e garantiu a sua soberania e independência- o Sr. Dr. Oliveira Salazar.
Mas não é só ao Governo Central que devemos estar gratos, Sr. Presidente. Os governadores de Macau, que têm executado a política do Estado Novo, têm sabido desempenhar as suas funções com notável dignidade e bom senso e são credores da nossa gratidão.
O falecido governador Dr. Tamagnini Barbosa dedicou-se especialmente ao estreitamento dos laços de amizade entre portugueses e chineses - e foi compreendido. Várias e expressivas foram as manifestações que recebeu da comunidade chinesa de Macau.
O governador comandante Gabriel Teixeira, que enfrentou as tremendas responsabilidades da guerra mundial, soube sempre, com notável inteligência, fazer respeitar a nossa soberania, lutando por vezes com a incompreensão de tão grande choque de interesses. À sua volta se uniram disciplinada e patriòticamente todos os portugueses, metropolitanos e macaístas, e no final da guerra toda a comunidade chinesa lhe manifestou a sua admiração e reconhecimento pela forma como salvou as suas vidas e fazendas.
O actual governador, comandante Albano de Oliveira, tem prosseguido com rara felicidade na mesma política, obtendo verdadeiros sucessos diplomáticos.
Respeitado e estimado por toda a população, também a comunidade chinesa lhe tem feito várias manifestações; todavia, atento sempre ao interesse nacional e conhecedor da psicologia oriental, não deixou de marcar posição nos direitos soberanos de fiscalização aduaneira, pelos diplomas legislativos n.ºs 1:033 e 1:034, que foram acatados com confiança e respeito, pois o próprio Governo Chinês, com justa razão, confia na seriedade do inteligente governador e no apoio do Governo Central.
E por fim é de justiça acrescentar que nunca se puderiam ter conseguido tais resultados sem o apoio e auxílio
do trabalho persistente, da fé e do patriotismo da população, tanto metropolitana como sino portuguesa, de Macau.
Durante mais de quatrocentos anos têm lutado os portugueses para vencerem a desconfiança chinesa e têm sofrido os embates da parte má da sua população, principalmente a que se dedica à pirataria. Desde o princípio do século XVI, em Ning-Po, em Lampacan e na antiga Amangao, os portugueses procuraram aqueles bons chineses trabalhadores, afáveis e disciplinados, cuja habilidade e gosto artístico são proverbiais, para com eles negociar; mas os piratas continuamente prejudicaram estas relações, praticando pilhagens e massacres. Muitos portugueses foram vítimas da sua persistência e sofreram verdadeiros martírios.
Os que se concentraram e defenderam em Macau também sofreram muitas vezes, moralmente e no seu orgulho e patriotismo, pelas constantes pressões e intromissões dos desconfiados mandarins na administração de Macau.
Felizmente, Portugal não enviara ao Oriente só comerciantes e navegadores; fizera-os também acompanhar de uma plêiade de missionários, que se espalharam pelo interior da China e, sem outras armas além da sua fé, depressa alcançaram prestígio, até junto do imperador.
Nos momentos mais difíceis o Governo e os portugueses do Extremo Oriente recorreram ao valimento dos missionários junto dos grandes da China e até junto da corte imperial. Notabilíssima foi ali a acção das missões religiosas, não só na difusão da fé, mas também na de alcançar prestígio para Portugal. É, em resultado de tanto esforço, podemos afirmar hoje que temos incontestável direito à posse de Macau; porque o seu território nos foi cedido sob condição de expulsarmos o famoso pirata Chang-Si-Lau, e a condição efectivou-se plenamente.
Ainda recentemente o professor de História padre Dr. António da Silva Rego fez a prova deste direito, baseado em documentos, e fez a inteligente e lógica interpretação da célebre Instrução da D. Maria 1 ao Bispo de Pekim.
Temos direito à soberania na colónia também porque ela nos foi reconhecida no Tratado Luso-Chinês de 1887, assinado pelo Ministro Plenipotenciário Tomás de Sousa Rosa.
Mas, Sr. Presidente, o que com verdadeira eficácia tem garantido a nossa soberania, durante quatro séculos, é principalmente o patriotismo dos portugueses de Macau, tanto metropolitanos como sino-portugueses. Para eles vai a homenagem da minha maior simpatia e o amplexo de fraternal orgulho.
O nobre exemplo da firmeza de carácter dos macaístas pode apresentar se a muitas populações ou indivíduos de cérebro conturbado de todos os continentes. E note-se que a pequena população portuguesa de Macau tem estado sob a influência das lutas em que estão envolvidas as populações dos vastos territórios que cercam a colónia, e um dos partidos mais fortes na luta é o partido comunista chinês, que algumas vezes se viu aureolado do prestígio das vitórias contra os exércitos nacionalistas que o combatem.
O macaísta, observador, sensato e de inteligência muito viva, continua tão patriota como em 1622, quando expulsou os holandeses invasores, permanece fiel à sua pátria e ao seu credo, numa atitude de nobreza que merece ser meditada por todas as populações que os vários, agitadores pretendam perturbar, nomeadamente as populações dos territórios portugueses da metrópole e do ultramar.
O já longo período de incertezas e perturbações gerais não o aproveita o macaísta para fazer exigências ou apresentar reclamações inoportunas; forma um bloco unido junto do seu governador, auxilia-o com confiança,

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pois sabe que ele é o melhor defensor dos seus interesses.
E nem quando sai da sua terra para meios mais agitados o macaista se deixa enredar em movimentos que ele sabe serem prejudiciais à sua pátria e à sua terra. Em Hong-Kong, em Cantão e em Xangai as comunidades sino-portuguesas são consideradas e respeitadas pelo seu porte e pela sua coesão. Quando atingem número suficiente, formam batalhões de voluntários, que orgulhosamente ostentam a bandeira portuguesa, com autorização da autoridade local, que acarinha e elogia este exemplo de alta noção de disciplina e patriotismo.
Saúdo, portanto, Sr. Presidente, todos os portugueses do Extremo Oriente, e em especial os de Macau, como a melhor garantia da presença de Portugal naquelas paragens.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: recebi de algumas dezenas de proprietários de terrenos das margens do rio Vouga, na freguesia de Coeza, do concelho de Aveiro, uma representação, idêntica à outras também enviadas aos Srs. Ministros das Obras Públicas e da Economia e a esta Assembleia, em que se chama a atenção para o facto de aqueles proprietários continuarem a ser bastante prejudicados com as inundações provocadas por aquele rio, na época de rigorosos invernos e cheias abundantes.
Já o ano passado eu tive ocasião de pedir, daqui, ao Governo que tomasse em consideração as reclamações justíssimas daqueles proprietários, que tive oportunidade de verificar indo ao local a que a mesma representação alude, e volto hoje a fazê-lo, na certeza de que o assunto será tomado em consideração pelo Governo.
Nessa representação o que é que se solicita? Que haja atenção da parte dos Poderes Públicos para a situação em que ali se está.
São 500 hectares de terreno que estão impossibilitados de produção em virtude da invasão das águas, que, carreando areias e detritos de toda a espécie das montanhas distantes, inundam os seus prédios. Em vez de beneficiarem a cultura, pelo contrário, tudo destroem e tudo se perde.
Tive ocasião o ano passado de tratar do assunto junto da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, pela qual correm os trabalhos de regularização dos rios e onde me informaram de que isso é um problema cheio de dificuldades financeiras e técnicas, mas não impossível de realizar.
Passou um ano, mas a situação mantém-se.
Seja como for, Sr. Presidente, os lavradores estão absolutamente impossibilitados de dar aos terrenos o trato necessário. Tem grande importância o assunto, não só para a economia particular como para a economia nacional.
Numa época de tantas dificuldades alimentares como a que se atravessa é necessário dar solução a tal assunto, que a meu ver é de capital importância, e não se compreende que sejam abandonados terrenos como aqueles o estão a uma improdutividade que ao Estado não pode ser indiferente.
Chamo para isso a atenção do Governo e solicito dos Srs. Ministros das Obras Públicas e da Economia as providências necessárias que dêem remédio a esta aflitiva situação.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão, na generalidade, o projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre o inquilinato e a proposta de lei relativa às questões conexas com o problema da habitação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: o projecto de lei n.º 104, sobre inquilinato, da iniciativa do Sr. Deputado Sá Carneiro, foi apresentado a esta Assembleia na sessão legislativa anterior.
Pronunciou-se a Câmara Corporativa acerca desse projecto de lei em 5 de Fevereiro de 1947.
Em 4 de Fevereiro de 1948 foi publicada a proposta de lei n.º 202, acerca das questões conexas com o problema da habitação.
No dia imediato a Assembleia Nacional procedeu à eleição de uma comissão eventual para procurar desde logo recolher todos os elementos capazes de esclarecer os problemas que se suscitavam.
Nos primeiros dias de Abril a imprensa começou a falar do parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei n.º 202, parecer esse que chegou ao meu conhecimento em 4 desse mês.
Em 13 do corrente iniciou-se o debate sobre os problemas levantados há mais de um ano pelo Sr. Deputado Sá Carneiro, só faltando, em meu entender, para o bom andamento dos trabalhos desta Assembleia, sobre a matéria grave e complexa que se discute, os elementos da comissão eventual, nomeada em 5 de Fevereiro.
Julgava eu, dando o meu voto para a eleição dessa comissão, que a minha colaboração neste grave problema talvez se pudesse limitar à aprovação ou rejeição das suas conclusões.
Verifico que me enganei e que, nestas condições, devo proceder de forma a ser útil à comissão eventual, procurando contribuir com a minha opinião para um melhor resultado dos seus trabalhos.
Aceito - tão grande é o meu desejo de colaboração no labor desta Assembleia; concedo - tão firmemente estou disposto sempre a bem servir.
Só peço que seja relevada a minha insuficiência.
Todavia, talvez não me abalançasse a subir a esta tribuna se não estivesse convencido de que o problema que se debate não é, como à primeira vista pode parecer, estruturalmente técnico, surgindo antes como assunto de larga latitude política e social - um problema, digamos, de coração, de sensibilidade e de inteligência.
Se tal não se verificasse, dificilmente se poderia explicar o grau de ansiedade causado pela publicação dos diplomas já referidos e que traz prisioneiro da sua discussão, nesta Assembleia, o interesse de uma massa enorme de pessoas cujo destino e cuja sorte se modificarão consoante as soluções encontradas para os problemas que se debatem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim, melhor se compreende que traga para este debate as preocupações que tomam o meu espírito desde há muito e que presumo generalizadas a muitas centenas de milhares de portugueses; que me sinta obrigado, também, a intervir numa discussão que tem como objectivo principal dar aos portugueses a possibilidade de uma vida mais sofrível e mais digna, pela conquista de um maior quinhão de bens materiais, neste momento em que todo o equilíbrio parece perdido ante essa epilepsia político-ideológica, que a desaforada pró-

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paganda feita durante o último conflito, que se convencionou ter terminado, deixou avolumar para mal e desassossego do Mundo.
Não se pense, todavia, que, por isso, ponho em dúvida a oportunidade de encarar de frente o problema grave e complexo que agora se discute. Mais, julgo do meu dever salientar em especial o seu extraordinário sentido de oportunidade.
Sr. Presidente: a proposta de lei n.º 202, da autoria do Governo, contém matérias diversas, como esclarece o douto parecer da Câmara Corporativa, embora dominada, toda ela, pela preocupação de resolver alguns dos aspectos fundamentais do problema da habitação.
Fala-se, contudo, por toda a parte na discussão da lei do inquilinato, como se só disso se tratasse, verificando-se desta forma um desvio da intenção da proposta de lei n.º 202.
Não desejo deixar de registar este facto, que demonstra mais uma vez quanto a opinião pública continua a ser deficientemente esclarecida acerca da verdadeira substância das grandes questões nacionais.
E a opinião pública representa para mim, ao contrário do que sucede, segundo parece, com o Sr. Deputado Camarate de Campos, um importante factor de decisão.
Já a tal respeito escrevi um dia que quem tem de
julgar ou dirigir e da opinião pública se alheia faz lembrar aquele que pensa cumprir o seu dever assistindo à missa debruçado sobre o seu livro de orações, sem querer saber de mais nada, ou aquele outro que cuida conhecer a vida vivendo-a sómente instalado em carros de centenas de contos.
Mas voltemos ao assunto.
O que está em causa, no fundo, é o problema da habitação e o modo de o resolver.
Nestas condições, pergunta-se:
Pelas medidas sugeridas na proposta de lei n.º 202 será possível resolver alguns dos aspectos fundamentais do problema da habitação, atenuando-se dessa maneira o premente estado de insatisfação derivado dele?
Ter-se-á dado ao problema a solução ideal e mais consentânea com a ética e a doutrina da Revolução?
Como Estado Corporativo que somos, corresponderá a solução proposta pelo Governo à essência dos princípios?
Nem sempre, infelizmente, assim tem sucedido, e não raro se tem observado um divórcio chocante entre a doutrina e a resolução, na prática, dalguns problemas nacionais.
Sr. Presidente: habituado a confiar no Governo da Nação, quero afirmar desde já que não tenho dúvida em dar o meu voto para a aprovação na generalidade da proposta de lei n.º 202.
Julgo, todavia, que é meu dever, como servidor leal da Situação, expor tudo o que penso, todas as preocupações que dominam o meu espírito sobre o problema que se discute. Pode suceder que nas minhas considerações alguma coisa se encontre de útil para o bem comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar deve considerar-se que não é possível encarar o problema da habitação se não tivermos uma noção esclarecida sobre a propriedade privada.
Quanto ao direito de apropriação, de conservar e acumular os bens materiais; quanto ao direito da sua fruição e disposição - como faculdade atribuída pela ordem jurídica -, o problema vem de longe, quando o espírito do homem, em épocas diferentes da História, se apercebeu da necessidade de definir princípios que
haviam de servir de base, de sustentáculo, à vida política e social dos povos civilizados.
Se excluirmos as teses de Marx e Engels, verificaremos que raras foram as escolas do pensamento que o condenaram.
Os saint-simonistas, que se honraram de construir uma crítica da propriedade privada, afirmaram que esta era apenas de atacar na medida em que se consagrasse, para alguns, o ímpio privilégio da ociosidade, isto é, o de viverem do trabalho de outros.
Um pouco mais tarde diria Proudhou: queremos a propriedade para todos.
Abandonado o problema, durante anos, ao capricho e à fantasia de uma iniciativa, na mor parte dos casos, sem escrúpulos de qualquer espécie, pode afirmar-se hoje que a propriedade privada não tem, segundo a concepção corporativa, dentro do sentido comunitário do nosso tempo, uma expressão absoluta, em concordância, desta forma, com a doutrina tomista, que alicerçou sempre as almas bem formadas, do destino geral e providencial dos bens.
Nesta mesma ordem de ideias, dizia recentemente, em França, Abbé Monin, que os homens não são nunca proprietários absolutos dos bens que possuem; eles não são senão seus administradores, encarregados por Deus de governar estes bens, para satisfação das suas necessidades pessoais, sem dúvida, mas igualmente para o bem da comunidade humana.
E no direito britânico, com semelhante identidade, diz-se que os proprietários não devem ser senão concessionários, a título gracioso, da coisa possuída.
Mas se um dos motivos que determinaram esta providência legislativa que agora se discute foi justamente o da necessidade de resolver o problema da habitação, dado o premente estado de insatisfação do meio social, somos forcados a admitir que o nosso instituto de propriedade apresenta graves lacunas, permitindo abusos inqualificáveis, e que, no aspecto das realidades políticas, não se terá avançado ao ponto de corajosamente, condicionar a propriedade privada com vista à sua função social, com vista ao bem comum, como fins expressos da doutrina corporativa, tal como se determina no artigo 11.º do nosso Estatuto do Trabalho Nacional, o que, devidamente interpretado, parece querer dizer que apenas na medida que não afecta o interesse da sociedade, o interesse geral, pode e deve a propriedade ser garantida é defendida pelo Estado.
Sr. Presidente: a segunda parte das aninhas considerações diz respeito ao aumento de construções habitacionais, que convém estimular tanto quanto possível, como foi afirmado aqui por todos os oradores que une antecederam.
Há quem pense -e eu não discordo disso- que simultaneamente deveria procurar-se, por todos os meios, estimular também o regresso à terra. Muito pouco se tem trabalhado e doutrinado nesse sentido.
Para o aumento de construções habitacionais não tem faltado legislação conveniente, da mesma forma que, como já se verificou, não é por falta de doutrina bem orientada que muitos espíritos vivem ainda perturbados, sem a noção exacta do direito de propriedade.
Senão vejamos:
Pelo decreto n.º 15:289, de 30 de Maio de 1928, procurava-se já, dado o insuficiente inúmero de habitações e a quase paralisação da construção civil, vencer, como se diz no douto parecer da Câmara Corporativa, o ponto morto, quer por via directa, criando um fundo nacional destinado a subsidiar a construção de casas para as classes médias e operárias, quer por via indirecta, restabelecendo o regime de liberdade para os prédios construídos posteriormente à sua publicação. Seguiu-se-lhe o decreto n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933, no

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qual se fixava a posição do Estado em face do problema o inquilinato dos trabalhadores, definindo os princípios a observar na construção de casas económicas, de cuja concepção e amplitude já nos havia dado conta o decreto-lei n.º 23:051. No decreto-lei n.º 28:912, de 12 de Agosto de 1938, conferia-se às instituições de seguro social a sua intervenção na obra das «asas económica», paralelamente às empresas concessionárias de serviços públicos. Avançou-se mais neste aspecto no decreto-lei n.º 3-3:278, de 24 de Novembro de 1943, que alargava o princípio à generalidade das empresas particulares. Escreveu-se a este respeito que igualmente ganhava em amplitude tal iniciativa, pela crescente flexibilidade do sistema, que passava assim a abranger maior número de tipos de habitações e, correlativamente, agregados familiares de economia mais desafogada.
Logo em 1945 surge a lei n.º 2:007, a qual, no dizer do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, Constituiu, indiscutivelmente, uma iniciativa notabilíssima, orientada no sentido de resolver o problema da habitação. O que se pretendia, pois, por meio de tal providência? Resolver, ao que parecia, o problema do inquilinato das famílias que não pudessem ou não quisessem converter-se em proprietárias de moradias económicas, tendo-se em vista paralelamente o intensivo fomento da construção de habitações de preço razoável, para serem arrendadas ou vendidas a pessoas das classes médias, admitindo-se também, neste aspecto, o concurso das instituições de previdência.
Finalmente, a 25 de Abril de 1946, surge o decreto-lei n.º 35:611, no qual se permite às nossas instituições de previdência o desempenho de um largo papel ma realização dos planas já esboçados, pelo que se constituiu, por portaria publicada no Diário do Governo n.º 137, 2.º série, de 15 de Junho do mesmo ano, uma federação de caixas de previdência denominada Habitações Económicas, tendo por objectivo promover e assegurar a construção de casas económicas e casas de renda económica.
Ora de todas as providências enumeradas e do interesse posto na questão por pessoas cujo entusiasmo, dedicação e competência nunca será demais destacar resultou a base técnica e jurídica indispensável para o empreendimento previsto e cuja realização prática excederia certamente tudo o que neste aspecto se poderia pensar.
Para a grande maioria do público, vivamente interessado neste debate, um ponto há na proposta de lei que tocou a sua curiosidade de modo muito especial: o da actualização e fixação de rendas - arrendamentos celebrados antes de 1 de Janeiro de 1943; arrendamentos celebrados depois de 31 de Dezembro de 1942.
É que nas providências adoptadas não se descobre até que ponto, pretendendo-se resolver um grande mal, se não caminhará abertamente para um mal maior...
Apoiados.
Senão, vejamos: a limitação do regime de liberdade contratual em matéria de inquilinato, longe de estimular a construção e, portanto, de obviar ao progressivo pronunciamento da crise habitacional, conduzirá, fatalmente, à retracção dos capitais, o que agravará, em lugar de desanuviar, o problema.
O Sr. Melo Machado: - Nesse ponto estamos inteiramente de acordo.

O Orador: - Em momento tão instável do mercado de capitais, sob o jogo de impulsos negativos e contraditórios, o cerceamento de uma situação adquirida por meio de uma limitação que subtrai a livre iniciativa de contrato por mútuo acordo não deixará de conduzir a resultados bem diversos dos pretendidos.
O economista Keines filia o investimento no incitamento a investir que depende da eficácia marginal do capital e da taxa de juro. E, como muito bem comenta o ilustre ensaísta Doutor Águedo de Oliveira, no seu livro Portugal permite as Tendências da Economia Mundial, a p. 160:
Talvez seja cómodo admitir esta- convenção e pode bem ser que conduza, a resultados úteis, mas a verdade é que o empresário não pensa sómente na taxa de remuneração do capital; porquanto - diz o brilhante ensaísta - o pensar do empresário reveste forma mais complexa do que ajuizar dos seus bens através da providência limite. Pensa ou não na magnitude presente e futura da exploração? Pensa ou não nas perspectivas do empreendimento, seus riscos, custos, possibilidades de ganhos e perdas?
Ora, é justamente este pensar que levará o empresário a retrair-se de fazer investimentos em prédios- de rendimento sob o regime de limitação de rendas. A garantia de que os arrendamentos de prédios construídos posteriormente à vigência da lei ficam subtraídos às limitações da liberdade contratual surge como «negaça», mas duvido bastante que seja por ela atraído.
Foi Caj-los Gide quem afirmou que no dia em que se pretenda substituir a espontaneidade social, a livre iniciativa do homem, por uma actividade económica prevista e ajustada em todas as suas partes, esbarrar-se-á com impossibilidades morais.
Essa impossibilidade moral está patente, pela injustiça que se aponta e a limitação em si parece-nos francamente contrária ao fim que se propõe de estímulo à construção e consequente desanuviamento da crise habitacional.
Sr. Presidente: tendo preconizado ainda, há pouco o princípio do condicionamento da propriedade privada sempre que o exija o bem comum, em face da usura do proprietário, e defendendo agora o princípio de liberdade contratual em matéria de inquilinato, parece verificar-se uma contradição. Ela é apenas aparente, pois não esqueço que em regime de liberdade de rendas e de contrato, logo que o proprietário se coloque em situação de abuso do direito de propriedade, pela- exigência excessiva de remuneração do capital investido, entra automaticamente nos limites puníveis da especulação ou da usura e como tal fica sujeito às consequentes sanções, o que até hoje não sei que tenham sido aplicadas.
O que dificilmente se pode conceber é que, pretendendo-se estimular a construção de casas e resolver assim em grande parte o grave problema habitacional, se tenha procurado adoptar uma solução tão precária, de êxito tão duvidoso.
Acredito que seja dramática- e angustiosa a situação de muitos milhares de famílias, em virtude das deficientes condições de habitabilidade, da alta das rendas e dos seus minguados orçamentos domésticos.
Acredito também, aras dificuldades de muitos proprietários a quem a progressiva desvalorização da moeda colocou em situações de verdadeiro apuro, quando não de pura insolvência, mantendo por contrato rendas irrisórias e que por vezes não chegam para cobrir todos os encargos inerentes à propriedade explorada.
Acredito que as dificuldades apontadas são um dos muitos factores de perturbação do nosso meio social.
Agora, o que é certo e quase indesmentível é que este estado de coisas é devido a muitos factores independentes da vontade de uns e de outros e do próprio Estado.

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Descontando as dificuldades ocasionadas pela última guerra e os entraves surgidos para o prosseguimento da empresa num ritmo grandioso, de exaustivo labor legislativo, fica de pé a certeza de que muitos têm sido os grãos de areia a emperrar a engrenagem, dado que a existência da proposta de lei n.º ,202 neste momento é resposta, apesar de tudo, à arção de tão longa data empreendida para resolução do magno problema habitacional.
Que se pretende, em resumo?
Resolver, tanto quanto possível, o problema da, habitação, eliminando assim um dos factores que mais tem concorrido para a perturbação do nosso meio social.
Julgo que, se fosse restaurado, na medida conveniente e com as alterações julgadas indispensáveis, o decreto n.º 15:289, de 30 de Maio de 1928, seguir-se-ia bom caminho.
Mais: estou firmemente convencido de que seria possível vencer o ponto morto em que nos encontramos, quer por via directa, criando um fundo nacional destinado a fomentar a construção de casas para as classes médias e operárias, pelo auxílio maciço de capitais da previdência, calculados em muitas irenbenas de anilhares de contos, até agora sem uma conveniente aplicação ; quer por via indirecta, concedendo novas garantias e facilidades à iniciativa particular e permitindo uma competição estimuladora, cuja finalidade será a de se construir muito, provocando uma fatal redução de rendas e restabelecendo um equilíbrio natural, sem violências nem injustiças.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há, por último, um terceiro ponto, sobre o qual desejo tecer algumas considerações.

Refere-se ele ao aspecto, através do qual a maioria da opinião pública vive este instante, em que mesta Assembleia se procura melhorar a vida dos portugueses, encarando de frente o grave e complexo problema em discussão - a actualização e fixação das rendas.
E, talvez, o ponto mais melindroso da questão.
Há inquilinos que vivem esmagados pela ganância de senhorios, há proprietários que arrastam uma vida de miséria sob o peso da falta de consciência daqueles que estão na posse do que lhes pertence.
Não posso afirmar que o diploma do Governo resolva este grave problema, embora ressalte dele essa preocupação.
Tenho sentido a ansiedade de todos os oradores que me antecederam no desejo de encontrar a melhor e mais justa solução para o assunto.
Não exagero afirmando a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara que o meu espírito vive há muitos dias pressionado pela gravidade do problema e preocupado pelo desejo de servir também o bem comum.
Creio que o que primeiramente deve considerar-se é o facto da situação precária em que vive a maioria do povo português, sobretudo a classe média (Apoiados) e, especialmente, os (militares e os funcionários públicos, cujos orçamentos não comportam, nesta hora, por mais esforços que façam, o menor aumento de despesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não pode, todavia, deixar d(c) considerar-se, logo em seguida, a situação de senhorios que são vítimas de verdadeiras infâmias por parte dos seus inquilinos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Porque se me afigura difícil estabelecer normas rígidas para todas as situações que podem apresentar-se, e nisto de inquilinato parece que- caída pessoa tem o seu caso particular, julgo que talvez não fosse mau definir linhas gerais para a (resolução dos vários problemas e confinar a sua solução a limites em que o para assuntos iguais ou semelhantes.
Nestas condições, permito-me lembrar - o que, aliás, não é, no todo, completa novidade- que talvez fosse conveniente confiar a solução dos casos de inquilinato a comissões arbitrais, confinadas a freguesia, e cuja constituição bastaria ser limitada a três membros: os representantes das partes e um magistrado ou qualquer outra pessoa, com idoneidade reconhecida pelo Governo, como árbitro.
Poderá dizer-se que haverá assim muitos critérios para assuntos iguais ou semelhantes.
É verdade, mas o que interessa é que haja o mesmo na zona definida pela freguesia.-
A justiça relativa, ficaria assim, talvez, melhor assegurada.
E a absoluta .... quando penso nela ouço-me a dizer as palavras de Vieira:

A justiça de Deus salvou um ladrão; a justiça dos homens matou um Deus.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ricardo Spratley: - Sr. Presidente: alguns dos Srs. Deputados que usaram da palavra neste debate - a começar pelo ilustre autor do projecto de lei n.º 104, o Sr. Dr. Sá Carneiro, quando disse que podia controverter-se se o problema das expropriações é verdadeiramente conexo com o da habitação - tem discordado da interligação dos dois assuntos, optando, consequentemente, pela sua separação.
Eu devo declarar que mantenho o maior respeito pela opinião de qualquer daqueles meus ilustres colegas, tanto mais que compreendo perfeitamente como é, até certo ponto, defensável tal critério, se nos lembrarmos que a expropriação por utilidade pública de prédios rústicos ou urbanos não tem por única finalidade urbanizar localidades ou obter terrenos para casas de habitação, mas se aplica também à construção de caminhos de ferro, abertura de estradas, instalações hidroeléctricas, localização de edifícios públicos dentro e fora dos aglomerados populacionais, etc.
Mas neste caso especial, em que o Governo, ao encarar de alto e com perfeita visão das realidades o assunto específico do inquilinato, muito criteriosamente o enquadra, o integra, no vasto problema da habitação, eu só tenho que admirar a lógica com que o Governo estabeleceu na sua proposta de lei o dispositivo dos vários elementos para a resolução daquele problema.
Tem-se aqui dito repetidas vezes - e parece que podemos contar com a unanimidade de opiniões a esse respeito- que, no fundo, todo o problema se cifra em «haver ou não haver casas suficientes para as necessidades da habitação», e que uma vez conseguido esse equilíbrio a resolução de muitos, senão de quase todos os restantes aspectos desse problema virá por acréscimo.
Por motivos vários, de todos nós conhecidos, que também têm sido proclamados nesta tribuna e constam, aliás, dos relatórios, das medidas e dos pareceres da Câmara Corporativa que estamos analisando, a iniciativa particular tem-se retraído nestes últimos anos na construção de prédios de renda económica, ou limitada às possibilidades de gastos da classe média, de onde resultou a necessidade, de certo modo em excesso e para além das suas verdadeiras atribuições, de serem o Estado e as au-

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tarquias locais a assumirem a função de proporcionar guarida e alojamento aos contribuintes.
Nestas circunstâncias., e uma vez que para se proceder à construção de amplos bairros modernos ou de vastos blocos habitacionais urbanos se torna indispensável lançar mão da faculdade de expropriação das respectivas áreas, eu entendo que a proposta governamental foi concebida com o1 mais inteligente critério e justo discernimento, partindo, é claro, do princípio de que, como se diz no n.º 2 da proposta de lei, a privação dos bens ou direitos dos particulares, em beneficio da utilidade pública, seja compensada pelo pagamento de uma justa indemnização.
Portanto, para que haja casas suficientes e a rendas acessíveis é. necessário: primeiro, que haja possibilidade de assegurar os terrenos adequados; em seguida, para que esses terrenos sejam postos em hasta pública, fixar-se a modalidade do futuro regime de propriedade, incluindo a propriedade por andares proposta pela Câmara Corporativa; depois, tratar das entidades ou organismos construtivos, para que as casas nasçam do solo.
Só depois disto tudo, e de as casas se acharem construídas, é que surge a questão do seu arrendamento e é neste capítulo que se fixam as condições que, com boa. justiça, devem regular o assunto, sendo então oportuno fixarem-se neste mesmo capítulo aquelas disposições tendentes a corrigir as anomalias e os abusos do passado, que são a directa causa e origem do intrincado problema que aqui se discute.
Ora, se nós relancearmos os olhos para. a proposta de lei do Governo e sobretudo para a contextura das suas bases, após as remodelações e acréscimos sugeridos pela Câmara Corporativa, nós vemos que o dispositivo adoptado é rigorosamente o que corresponde a estas minhas despretensiosas observações, porquanto as partes ou capítulos em que as bases se agrupam são precisamente: expropriações, futuro regime de propriedade, sociedades de construção e, em seguida, os contratos de locação.
Mas o facto de se enquadrar o regime de expropriação de terrenos para edificações dentro do problema da habitação ou inquilinato não impede sequer que as disposições que aqui venham a ser aprovadas deixem de ser incluídas ou integradas no almejado Código das Expropriações.
O próprio autor do projecto de lei n.º 104, o Sr. Deputado Sá Carneiro, assim o previu no seu discurso inaugural aqui proferido, quando disse:
Definido agora o regime das expropriações por utilidade pública, fácil será a sistematização de todas as disposições num corpo de leis que facilite o estudo da matéria e a aplicação dos preceitos
O que poderia ou poderá haver no futuro é um Código das Expropriações e um Código da Habitação, este incluindo todas as disposições vigentes sobre o inquilinato, embora alguns dos artigos se repetissem em ambos.
Sou, portanto, pela manutenção da proposta de lei, com a orgânica com que nos foi submetida e apreciada pela Câmara Corporativa.
Sr. Presidente: um outro aspecto desta questão desejo aqui tratar e que é o que resulta da inclusão da nova base XVI-A proposta pela Câmara Corporativa e excelentemente fundamentada no considerando n.º 81 do douto parecer n.º 29 pelo seu ilustre relator, Dr. Pedro Pinto de Mesquita, aspecto já aqui muito justa e eloquentemente posto em foco pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães.
Trata-se do bom aproveitamento de espaço dos centros citadinos, pela eliminação de velhos prédios ou quarteirões insalubres- e inestéticos, substituindo-os por blocos construtivos que venham a oferecer alojamento higiénico a um maior número de munícipes, com grande economia de tempo e de dinheiro em matéria de transportes para as suas ocupações.
Dou o meu voto entusiástico a esta disposição sugerida pela Câmara Corporativa.
Simplesmente, ouso chamar a atenção de VV. Ex.ªs e do Governo para o seguinte facto: pelo n.º 2 da referida nova base XVI-A a câmara municipal procurará estabelecer o acordo entre os proprietários para a realização da obra de reconstrução e, não sendo esse acordo possível, promoverá então a expropriação.
Ora aquele acordo, aliás justo e defensável, até para tornar mais simpática a actuação das câmaras, será, na maior parte dos casos, muito difícil de obter, pelo capricho e irredutibilidade de um ou vários dos senhorios e inquilinos atingidos, caso se não providencie desde já no sentido da criação de uma entidade a que por lei hajam de subordinar-se.
Por isso sugeria eu que nessa base se introduzisse uma modificação prevendo a constituição de uma sociedade civil obrigatória, parceria ou sociedade cooperativa, que, naturalmente, seria gerida por uma direcção, na qual a câmara encontraria a executora responsável do seu plano geral de reconstrução legalmente aprovado.
A fórmula de sociedade cooperativa exige, pelo artigo 208.º do Código Comercial, um mínimo de dez sócios, mínimo que pode, casualmente, ser superior ao número dos intervenientes da área afectada pelo plano de reconstrução.
Mas, assim como há parcerias marítimas com as composições mais variadas; assim como há parcerias rurais Dou também o meu voto a esta nova modalidade da propriedade, mas reputo indispensável a criação simultânea de uma entidade disciplinadora, que administre as partes comuns do prédio e à qual se tenham de subordinar os proprietários e inquilinos.
Essa entidade deve ser eleita ou escolhida pelos proprietários compartes, mas tem de ter uma idoneidade superior à de simples porteiro, para poder impor criteriosamente e com boa justiça distributiva os encargos da conservação e das obras de reparação nos telhados, escadas, canalizações, luz, pinturas exteriores, etc.
Estes assuntos podem encontrar-se praticamente solucionados em Lisboa, dada a sua velha tradição de habitação aos andares, mas ela surge de novo para muitas localidades do País, onde o sistema pode vir a ter proveitosa aplicação, mas é, até à data, quase desconhecido. Convém, portanto, ter em mente esta circunstância.
São estas observações que se me afigurou oportuno deixar consignadas no Diário das Sessões.
Muitas outras acudiram ao meu espírito ao fazer a leitura do proficiente e douto parecer da Câmara Corporativa, mas elas têm sido já aqui abordadas e esclareci-

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das por ilustres colegas desta Câmara, pelo que dou por terminadas as minhas despretensiosas considerações.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sá Alves: - Sr. Presidente: neste complicado problema, acerca do qual toda a gente fala e que, na verdade, a toda a gente interessa, entendi de meu dever apresentar também ligeiro apontamento, modesto contributo para a solução justa que esta Assembleia deseja.
Mas antes permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que, após o longo silêncio a que circunstâncias pessoais me têm forçado, reitere a V. Ex.ª a homenagem sincera da minha altíssima consideração e respeito, homenagem que não é mais do que o tributo devido ao superior critério com que V. Ex.ª tem dirigido os nossos trabalhos, revelando qualidades de inteligência e cultura que lhe criaram natural autoridade.
Sr. Presidente: afigura-se-me a proposta de lei em discussão informada de um realismo económico-social tão vincado que não posso recusar-lhe o meu voto na generalidade. É que ela constitui mais uma revelação palpável da capacidade realizadora de quem a elaborou.
Mas seria esta a oportunidade da sua apresentação?
O problema em debate liga-se a tão violento conflito de interesses, sendo por isso tão rígidas as posições dos contendores, que não é possível descortinar um terreno de conciliação. Enquanto os senhorios se mantêm aferrados às velhas fórmulas de um direito de propriedade absoluto, tal como nelas legaram os jurisconsultos romanos, num desconhecimento impiedoso das novas doutrinas do abuso do direito e do estado de necessidade, os inquilinos colocam-se também no extremo oposto, chegando a invocar a função social da propriedade em termos tais que se aproximam muito da negação absoluta deste instituto fundamental da ordenação jurídica vigente.
Não podemos aspirar, em tais condições, a encontrar solução satisfatória para ambas as partes. Seja qual for a nossa deliberação, ela há-de desagradar a todos, porque nós temos de ser justos, e a justiça, neste caso, está nos dois campos, mas muito acima dos interesses e posições dos litigantes.
É justificada, portanto, a minha interrogação, sobretudo se a apreciação for limitada ao aspecto pura ou especificamente político.
Mas esta consideração não satisfaz o meu sentimento de justiça; e não satisfaz também - disso estou certo - o de nenhum dos membros desta Assembleia.
É que as flagrantes injustiças suscitadas pela velha questão do inquilinato vêm ferindo a consciência pública desde há muitos anos, exigindo uma actuação urgente do Estado. Considero, por isso, essa actuação imperativo de consciência, superior a quaisquer outras considerações de natureza política.
E isto é assim também porque nunca podemos esquecer que servimos uma concepção política que tem por objectivo o bem comum e por único limite a moral e o direito.
Sr. Presidente: na proposta de lei em discussão revela-se à evidência que a questão do inquilinato é uma questão de fundo, e não de forma.
E por isso o Governo entendeu, e muito bem, que não é com normas jurídicas que se dá habitação a quem a não tem, quando não há casas suficientes. É construindo casas, muitas casas, que se abrigará o nosso sempre crescente excesso demográfico, que se dará lar higiénico e confortável a todas as famílias portuguesas.
A economia da proposta está, pois, orientada com verdadeiro acerto.
O seu objectivo primordial é fomentar ao máximo a construção urbana. Mas para o período transitório que temos de sofrer adopta, como é mister, soluções de emergência, destinadas a aproximar a situação actual da situação justa.
É impecável a lógica do sistema, porque no dia em que as casas forem bastantes para alojar toda a população o problema perderá a sua acuidade, pelo equacionamento automático dos interesses hoje divergentes. - Creio, portanto, que também será completo o nosso acordo neste segundo aspecto geral da questão.
Sr. Presidente: começa a proposta pela regulamentação do instituto das expropriações, regulamentação que tem de ser um dos pilares do objectivo a atingir. Dois votos apenas quero emitir sobre esta matéria.
O primeiro é que esta regulamentação seja total, constituindo um Código das Expropriações, que a todos permita saber a lei em que vivem. Em assunto de tamanha transcendência é da maior utilidade a fixação de um regime jurídico com garantias de certeza e estabilidade.
O segundo voto é referente à distribuição das maiores valias.
Devo afirmar que sou um férreo defensor do direito de propriedade, por o reputar o grande e quase único impulsionador do trabalho e da iniciativa individual; e, mais ainda, por me parecer a base indispensável à, estabilidade da família.
Mas esta inclinação não me obnubila a inteligência até ao ponto de não aceitar todas as limitações que a função social impõe ao direito de propriedade. E talvez este pendor provenha da circunstância de o pouco de que sou dono o ter adquirido só à custa do meu esforço.
Ora, em tais termos, não posso admitir que as maiores valias resultantes de trabalhos públicos, de grandes obras de utilidade pública realizadas à custa da Nação, vão beneficiar em especial os proprietários de prédios que, por um mero acaso - e tantas vezes até por uma torpe especulação -, se acham situados no local ou imediações das obras referidas. A maior valia é, em são critério de justiça, de quem a criou, justo sendo, pois, que reverta a favor do seu legítimo dono - o agregado nacional.
Na proposta reservam-se para o proprietário 50 por cento da maior valia criada, revertendo os outros 50 por cento a favor da entidade pública que efectuar as obras.
Choca-me, por a achar exorbitante, a percentagem atribuída ao proprietário, que nada fez para receber tão avultado prémio. 25 por cento parecia-me compensação suficiente de qualquer valor estimativo em que fosse prejudicado, tanto mais que os restantes 75 por cento seriam destinados a um fim de reconhecido interesse nacional.
Creio que isto não é socialismo, mas sim sã justiça distributiva, realizada por um Estado justo, submetido às injunções do bem comum.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Justiça, abalizado professor de Direito e estadista de grandes e consagra, dos méritos, quis regular nesta proposta de lei um instituto do direito civil até hoje sem autonomia no nosso sistema legislativo, por o considerar factor importante do fomento da construção urbana.
Seria inconcebível ousadia a minha intervenção em tal assunto se não a fizesse acompanhar de uma explicação prévia: não é na qualidade de modesto profissional do direito que abordo o problema, mas sim na do geral anonimato de «toda a gente», pois que, como já disse, a vastidão dos interesses em jogo qualifica toda a gente para depor.
Quero assim afirmar, sem outra autoridade que não seja a do sentido das realidades económicas e sociais, que não considero o direito de superfície fórmula adequada à realização do objectivo proposto. Sem curar

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de saber da natureza deste direito - propriedade perfeita ou imperfeita -, direi apenas que me parece que ele viria a ser fonte de permanentes conflitos entre senhorios e superficiários, sem qualquer influência na intensificação da construção de novas moradias.
Com efeito, antolha-se-me que na actual fase económica, em que os capitais particulares têm tão vasto campo de aplicação, será certa a sua retracção perante os complicados condicionalismos do instituto em referência. Quem se propõe construir um prédio urbano quer tornar-se proprietário livre e alodial da sua coisa; não se sujeita às contingências de uma propriedade resolúvel.
Mas será tão difícil a aquisição de terrenos para construção, sobretudo depois de habilitado o Governo com uma lei eficiente sobre expropriações, que ainda seja necessário recorrer ao novo instituto do direito de superfície?
E, se assim for, não será preferível lançar mão do velho instituto da enfiteuse, que tanto beneficiou o aproveitamento do solo nacional e a própria construção urbana?
Estão em grande descrédito no Mundo todas as propriedades imperfeitas, facto que constituiria já uma justificada prevenção contra esta inovadora tentativa. Mas, desde que uma modalidade desta natureza se mostre indispensável, a enfiteuse, expurgada do aspecto antipático que lhe resultou da característica inicial da perpetuidade, corresponde melhor às tendências do nosso povo e tem por cá uma longa tradição de adaptabilidade do seu apropriado mecanismo normativo.
Embora não corresponda totalmente ao fim em vista, pois só a casa independente constitui asilo seguro das antigas virtudes familiares, já vejo por prisma diferente o instituto da propriedade horizontal, que a Câmara Corporativa introduziu na economia da proposta.
A propriedade por andares não proporciona aquela vida livre de interferências incómodas a que aspira todo o agregado familiar, mas proporciona já o acesso ao direito de propriedade, que constitui desejo estrutural da natureza humana e garantia de segurança e estabilidade da família.
Não se me afigura, porém, a propriedade horizontal meio eficiente para o fomento da construção urbana. Na verdade, prevejo que a propriedade horizontal, desde que devidamente regulamentada, venha a constituir-se por acto jurídico posterior à construção do prédio, mas não prevejo, senão em circunstâncias excepcionalíssimas, a associação de duas ou mais pessoas para a edificação duma casa sujeita a este regime.
Reputo, por isso, estranha à economia da proposta a base aditada pela Câmara Corporativa, que terá o seu lugar próprio na reforma, em estudo, do nosso Código Civil.
Sr. Presidente: no capítulo relativo à constituição de sociedades anónimas para construção de casas de renda económica e limitada é meu parecer que podia fazer--se um aditamento de largas consequências práticas.
Quero referir-me à extensão do auxílio previsto na base XXVIII da proposta do Governo a todas as empresas comerciais, industriais e agrícolas que se proponham construir casas económicas para habitação dos seus empregados e assalariados.
É claro que este auxilio, para ser eficaz, teria de se alargar até ao ponto de facilitar a tais empresas a aquisição de terrenos para a construção, pondo em funcionamento o mecanismo da expropriação, se necessário for, como, aliás, já se faculta às Misericórdias.
Ora, Sr. Presidente, se as grandes empresas exploradoras de serviços públicos, os vastos serviços do Estado com autonomia administrativa e financeira e tantas empresas particulares de grande capacidade económica e larga projecção social fossem ajudadas na construção de alojamentos para os seus serventuários permanentes e efectivamente se abalançassem à realização de obra tão meritória e de tão evidente justiça, o problema da habitação perderia imediatamente grande parte da sua importância.
E, para mais, esta sugestão pode já abonar-se com exemplos inteiramente aliciantes de algumas empresas industriais portuguesas, que assim têm mostrado quanto pode contribuir para a realização duma sã justiça distributiva uma boa compreensão da verdadeira função do capital.
Em harmonia com as considerações expostas, tenho a honra de apresentar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, uma proposta de alteração da base XVI e de aditamento à base XXVIII, que, estou convencido,- há-de merecer a atenção desta Assembleia.
Sr. Presidente: era ainda meu propósito referir-me à influência do urbanismo, flagelo que considero oriundo, principalmente, da imprópria localização das indústrias e da vida difícil e desconfortante das nossas populações rurais. Foi, porém, esta questão focada tão judiciosamente pelo Sr. Deputado Alçada Guimarães que não tenho coragem para vir empanar a luz da brilhante exposição daquele nosso ilustre colega.
Não encerrarei, contudo, o meu depoimento sem umas brevíssimas referências às questões cruciais da actualização das rendas e da sublocação.
É nestas questões, com efeito, que o desacordo entre senhorios e inquilinos atinge maior profundidade. E são, na verdade, tão complicados e divergentes os seus variados aspectos, que só com muito estudo e ponderação se podem aperceber e equacionar.
A actualização das rendas representa, por um lado, imperativo forte de justiça comutativa, para que os proprietários de prédios urbanos não suportem indevidamente o sacrifício imposto por uma crise económica que seria justo repercutir-se sobre a generalidade da população. Mas há, também, outras classes que, não tendo visto os seus rendimentos actualizados em conformidade com a elevação do custo da vida, se acham em estado de não poder suportar qualquer agravamento das suas despesas.
Como equilibrar, pois, situações tão contrastantes?
O conhecimento imediato destas realidades, aliado a um alto sentimento de justiça, levou o Sr. Deputado Sá Carneiro a propor o estabelecimento dum fundo de compensação, destinado a custear o pagamento da justa renda quando o inquilino se mostrasse impossibilitado de a pagar.
Esta solução podia ter justificação teórica, mas foi brilhantemente demonstrada pela Câmara Corporativa a sua inviabilidade prática.
Teremos, assim, de abandonar o nosso propósito de achar para o caso uma solução justa?
Creio que não.
Pela minha parte, sugeria que, através do subsídio do abono de família, se proporcionasse auxílio adequado aos inquilinos que provassem, ter sofrido aumento de renda de casa e que não auferissem rendimentos estranhos ao seu trabalho profissional.
E sugiro esta solução, não só por me parecer aceitável que apenas as famílias com encargo de filhos a criar e educar deveriam ser beneficiadas, mas também porque seria fácil a averiguação dos elementos condicionadores do benefício, atentas as informações individuais e familiares de que aquele serviço já dispõe.
O encargo resultante desta solução seria de pequeníssima importância, e dela resultaria a tranquilidade de muitas famílias, que hoje tremem perante as novas e forçadas restrições a que podem vir a ser submetidas.
No que toca a sublocações, parece-me demasiadamente radical o sistema proposto.

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Já aqui se demonstrou que 25 por cento, pelo menos, da população de Lisboa vive em partes de casa sublocadas. Ora este facto não pode deixar de ser considerado em relação aos seus reflexos na tranquilidade social.
Não podemos colocar numa situação de pura instabilidade tantos inquilinos que organizaram a sua vida à sombra de uma lei complacente, mas que era lei.
É justo, portanto, que este estado de facto, hoje geralmente transformado em estado de direito, seja respeitado, o que, aliás, é juridicamente imposto pelo principio da não retroactividade da lei civil..
Regule-se para o futuro o problema das sublocações; permita-se ao senhorio substituir-se ao arrendatário sublocador; mas não privemos de habitação ou local de trabalho a família ou indivíduo que, ao abrigo da lei ou de uma tolerância pela lei presumida, uma ou outro adquiriram licitamente.
E mais uma observação apenas, Sr. Presidente.
O projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro e os aditamentos que, num trabalho mais do que magistral, a Câmara Corporativa lhe introduziu vêm resolver muitos e graves problemas jurídicos, que é da maior conveniência arrumar.
Diz-se, porém, que está em perspectiva a elaboração dum Código da Locação e que, por isso, será melhor deixar essas questões para momento mais oportuno.
Não é esse o meu parecer. Quem vive a vida dos tribunais sabe bem o que representa a incerteza do direito: é o desânimo e a dúvida sobre a máxima garantia de segurança social que o Estado nos dá.
Ora os tribunais precisam de ser cada vez mais prestigiados, e o seu prestigio resulta, em grande parte, da unanimidade do critério informativo das suas decisões.
Afigura-se-me portanto de flagrante oportunidade este capítulo do projecto de lei n.º 104. E nada se poderá objectar, também, relativamente à sua economia, desde que as suas disposições sejam devidamente coordenadas e integradas na proposta do Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cunha Gonçalves: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: poucas vezes subo a esta tribuna, porque me convenci de que a minha palavra não tem aquela eloquência e força de convencer suficientes para arrastar ao meu parecer a maioria desta Assembleia.
Não apoiados.
Desta maneira, convenci-me de que, não possuindo a eloquência de S. João Crisóstomo, a minha intervenção na maioria das questões seria coisa inútil.
Não apoiados.
No entanto, nesta questão do inquilinato entendi dever marcar a minha posição por vários motivos, e até mesmo pelo interesse pessoal.
Srs. Deputados: como VV. Ex.ªs sabem, o pós-guerra de 1914-1918 produziu em todos os países o singular fenómeno da extraordinária afluência de população às cidades. Foram várias as causas dessa afluência: o êxodo rural, a atracção das indústrias e a aglomeração forçada pela guerra, porque havia populações do campo abandonadas às suas próprias necessidades e incapacidade de a elas prover.
Havia também motivos particulares a cada país que determinaram essas mudanças incessantes de habitantes para as cidades, não só nos países ocidentais, mas até na Rússia Soviética. Com esta diferença: que a Rússia Soviética podia, em virtude dos seus poderes totalitários, proibir o movimento das populações, exigindo passaportes para viagens internas, o que nos países ocidentais nenhum Governo resolveria decretar.
Mas, caso singular: ao passo que o Governo Soviético abolia a propriedade da terra e todos os instrumentos de produção da riqueza, protegia simplesmente os proprietários urbanos, como um dos meios de acudir a esta situação perigosa.
Na Rússia Soviética foram consignadas, no seu Código Civil, certas disposições que os proprietários portugueses gostariam de ver na nossa legislação. De facto, uma das disposições é precisamente a de fazer cessar o arrendamento no termo do contrato. Nenhum arrendamento pode durar mais de doze anos. Findo este prazo, os arrendamentos serão sempre considerados por tempo indeterminado, sendo licito ao proprietário requerer o despejo do locatário por não lhe convir a continuação do arrendamento.
E há numerosas outras disposições que estabelecem a plena liberdade contratual, que no nosso País seria um ideal impossível de estabelecer.
Pelo contrário, nos países ocidentais, sobretudo nos países democráticos, entendeu se que a melhor solução para o caso seria a tabelação das rendas, a proibição dos despejos, a supressão da liberdade contratual, etc.
Porque foi esta orientação dos países democráticos?
Porque eles tiveram em vista apenas a aura popular, assegurar os votos dos inquilinos, e por isso se estabeleceu no nosso País aquilo que todos VV. Ex.ªs conhecem de 1912 para cá: estabelecimento de rendas fixas, supressão da liberdade contratual, proibição dos despejos, etc.
Na legislação de 1914, de 1919 e de 1924 partiu-se de dois princípios fundamentalmente erróneos: um é o critério de que todos os inquilinos são pobres e de que todos os senhorios são ricos, especuladores e exploradores do pobre. É um slogan absolutamente sem fundamento.
Eu pergunto à consciência de VV. Ex.ªs se se podem considerar pobres inquilinos que andam de automóvel, que frequentam o Casino do Estoril, que trazem as suas mulheres com casacos de peles que custam 100 contos. Estes inquilinos são pobres?
Podem considerar-se pobres comerciantes e industriais que tem sempre o automóvel à porta do prédio em que habitam como inquilinos?
Podem chamar-se pobres os inquilinos que sustentam as suas amantes em diversas casas da cidade?
Podem chamar-se pobres os inquilinos que, sendo altos funcionários, directores de grandes companhias, onde ganham 20 e 30 contos mensais, vivem em casas alugadas ?
Estes inquilinos são os exploradores dos proprietários, pois se negam a dar um pequeno aumento ao senhorio, alegando que tem a lei a seu favor!
Outro critério, a meu ver erróneo, foi transformar-se o rendimento colectável numa espécie de leito de Procusta, segundo o qual todas as rendas devem ser medidas.
Ora o rendimento colectável ilíquido é baseado na renda; como VV. Ex.ªs sabem, todos os proprietários, logo que fazem o arrendamento, têm de levar o respectivo contrato às secções de finanças -isto acontece de 1910 para cá -, e é esse rendimento colectável ilíquido que fica inscrito na matriz.
No decreto n.º 15:289, de 1928, diz-se que os senhorios de prédios inscritos na matriz antes de 1914 poderão aumentar dez vezes o rendimento colectável ilíquido inscrito na matriz. Somente na maior parte das terras da província não existe distinção entre os prédios arrendados em globo e os arrendados parcelarmente.
Comigo sucedeu isto: quando quis aumentar as rendas dos meus inquilinos, foi-me certificado na repartição de finanças que na matriz só constava o rendimento global,

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e não o de cada andar. Desta maneira, fiquei na impossibilidade de aumentar as rendas de cada inquilino.
Ora eu devo dizer a VV. Ex.ªs que sou talvez dos senhorios mais raros que há neste País quanto a benevolência para com os inquilinos.
Tenho inquilinos que não me pagam rendas há sete anos; tenho inquilinos que não podem pagar renda, porque são pobres - e não pagam mesmo. Eu deixo correr. Eles é que me exploram a mim!
Outro critério que considero erróneo é o de classificar os prédios conforme a época da sua construção. De tal em tal ano, dez vezes; de tantos em tantos, doze vezes, e assim sucessivamente. E depois, a partir de certa data, não se aumenta.
O Sr. Deputado Botelho Moniz ainda ontem sugeriu que a partir de 1939 não deveria haver aumento algum.
É erróneo este ponto de vista, porque assim não se dá uma razoável compensação ao proprietário pela carestia da vida.
Na fixação da renda há, neste caso, apenas, como digo, uma compensação, porque o proprietário teve aumentos de despesa progressivamente.
Já ontem o Sr. Deputado Melo Machado aqui referiu que os salários dos operários e os materiais de construção tinham subido oitenta e três vezes.
Pergunto a VV. Ex.ªs se há algum proprietário que consiga ver as suas rendas aumentadas, ao menos, vinte vezes. Nenhuma lei o estabelece. E então quem paga a diferença?
Neste momento a Câmara Municipal suspendeu praticamente as pinturas e reparações exteriores, porque reconheceu que os proprietários não estão em condições de fazer essas obras. Se isto assim continua e se não se dá ao proprietário, quanto aos arrendamentos posteriores a 1929, a possibilidade de um aumento, o resultado será que milhares de prédios se depreciarão dia a dia, de modo a afear a cidade, prejudicando a sua beleza.
Além da falta das pinturas, há várias despesas imprevistas, que também depreciam os prédios. Uma dessas fontes de despesa, ignorada por muita gente, é, por exemplo, aqui em Lisboa, o ataque dos insectos aos madeiramentos, não só do caruncho, mas até da formiga branca. Há zonas da cidade, designadamente o bairro de Palhavã, onde a formiga branca ataca impiedosamente a madeira. Isto sucede também com frequência no bairro da Estrela.
De sorte que os proprietários que tem despesas imprevistas, como essa, precisam de ser compensados com-o aumento das rendas. Um exemplo: em certo prédio do bairro de Palhavã apareceu formiga branca em grande escala. Foi ela descoberta ali por um inquilino que estava pagando uma renda de 360$ mensais.
Todos os outros inquilinos, com receio de que as suas mobílias fossem atacadas pelos insectos, pediram providências ao proprietário, e este não teve remédio senão fazer as obras.
E sabem VV. Ex.ªs quanto elas custaram?
As obras de substituição das madeiras atacadas pela formiga branca numa casa que paga 360$ de renda mensal custaram 9 contos, só numa casa.
E a diferença quem a compensa? Entendem VV. Ex.ªs que o senhorio deve suportá-la e não tem direito ao aumento das rendas?
É certamente por esta e outras razões que os proprietários têm naturalmente pedido justiça aos Governos, justiça que só agora se pretende fazer-lhes, mas por uma forma que reputo insuficiente, porque voltamos outra vez ao critério de se considerar o rendimento colectável ilíquido como base ou padrão de todas as rendas.
Ora, como disse a VV. Ex.ªs, o rendimento colectável ilíquido só está distanciado da renda verdadeira quanto aos prédios antigos.
Mas isto não acontece em relação a todos os prédios. Há muitos em que não há essa diferença. Os rendimentos colectáveis ilíquidos são iguais às próprias rendas que o senhorio recebe.
Então as rendas destes prédios não devem ter aumento algum?
É impossível! Neste ponto a proposta do Governo é absolutamente deficiente e injusta, sendo preferível por isso a emenda proposta pela Câmara Corporativa, em que todos os proprietários recebem um aumento de 20 por cento, o que não é muito, mas já é razoável.
Não acho que tenhamos de nos preocupar com o abalo que isto possa dar à economia dos inquilinos e as supostas lágrimas e fome de que já aqui se falou. Isso não passa de pieguice, porque os inquilinos absolutamente pobres têm de ser protegidos por outra maneira, inclusivamente dando-se-lhes subsídios de resi-dência.
O Governo providenciaria servindo-se do regime de abono de família, por um fundo de compensação ou qualquer outra maneira, como propôs o Sr. Deputado Dr. Sá Alves.
Não é justo que se generalizem situações individuais, com prejuízo da propriedade urbana.
A melhor solução, para mim a solução ideal, seria a de estabelecer tribunais arbitrais, compostos de um representante do inquilino, outro do senhorio e o árbitro de desempate poderia ser, senão um juiz de tribunal ordinário, um oficial do exército, o pároco da freguesia, um advogado ou qualquer outra pessoa escolhida pelos outros dois peritos ou por ambas as partes.
Desta maneira, o tribunal de arbitragem examinaria a situação de cada senhorio e inquilino e estabeleceria uma solução equitativa, porque só o princípio da equidade é que pode resolver estas questões.
Mas o Governo não se preocupou só com a actualização das rendas. Na sua proposta formulou também numerosas bases sobre questões conexas com o problema da habitação e apresentou um novo regime de expropriações e a criação de um novo direito real, chamado o direito de superfície, além da sugestão de se criarem sociedades anónimas destinadas à construção de prédios urbanos de rendas baratas.
Quanto ao regime de expropriações, entendo que esta proposta é inteiramente aceitável e que nenhum mal virá se ela for aprovada com ligeiras alterações, de redacção principalmente, conquanto a resolução do problema da habitação não dependa, em minha opinião, nem das expropriações nem do direito de superfície, que só remotamente poderão ter interesse quanto à construção.
O direito de superfície não está claramente estabelecido na nossa lei, embora seja largamente praticado no nosso País. São direitos de superfície, por exemplo, as concessões de terrenos pelas câmaras municipais para construção de jazigos; são direitos de superfície as licenças concedidas pela Administração Geral do Porto de Lisboa para a construção de armazéns ou barracas destinados à recolha de mercadorias nos terrenos da sua jurisdição, e assim sucessivamente.
O direito de superfície tem uma longa história; ele era já regulado no direito romano.
Contudo pode dizer-se que esse direito não contribui para estimular a construção mais do que a enfiteuse, que no nosso País tem larga tradição vantajosa e largamente contribuiu para fomentar as construções urbanas, principalmente nas cidades das colónias.
Cidades inteiras, por assim dizer, nasceram da enfiteuse.
Em meu entender, o direito de superfície não é de grande necessidade, mas nada se perde em que ele seja regulado e pode mesmo haver vantagem em se facilitar mais esta possibilidade de se construir em terrenos que não pertencem aos construtores e cujos proprietários

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podem concedê-los por um contrato mais simples e útil do que o da enfiteuse.
Não concordo porém em que se considere o direito de superfície apenas como um direito exclusivo das entidades públicas e não seja concedido o mesmo direito ao simples cidadão proprietário de terrenos, o que não pode ser considerado por qualquer motivo um exercício de exploração.
Não podemos esquecer que metade da cidade de Londres pertence ao duque de Westminster e que nessa metade foram construídos milhares de prédios em virtude do direito de superfície.
Não vejo pois razão para que se impeça o uso desse direito aos donos dos terrenos urbanizados.
É o único ponto de discordância que tenho a formular a este respeito.
Em seguida vou referir-me à compropriedade horizontal, designação esta que foi por mim estabelecida. É singular que o ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa, que mostrou muita erudição de livros franceses, não tenha feito referência àquela expressão, que foi por mim adoptada, porque, pelo facto de a propriedade ser por andares não deixa de ser uma compropriedade, e não é propriedade individual e independente.
O artigo 2335.º do Código Civil mostra que, embora a propriedade se estabeleça por andares, há também partes comuns a todos os proprietários- dos andares, como seja o terreno, a escada, o elevador, o telhado.
Portanto, trata-se de uma compropriedade.
Distingui-a da compropriedade normal, em que não há tal divisão e o prédio pertence indiviso a todos os proprietários, desde a base ao topo. Além disto, os donos do prédio podem exercer o seu direito em propriedade até ao centro da terra e no espaço até à máxima altura susceptível de utilização.
Ora isto não sucede com os donos dos pavimentos. Por exemplo, o proprietário do 1.º, 2.º ou 3.º andar não pode alegar os seus direitos ao solo nem ao espaço superior aos outros andares.
No meu entender, embora nada se perca em melhorar e esclarecer este ponto, não é isso que contribuirá para melhorar o problema da habitação nem para o aumento das construções.
Vou agora tratar das sublocações.
Estas representam, especialmente em Lisboa e no Porto, um problema de certa maneira melindroso, porque nestas cidades, sobretudo em Lisboa, uma grande parte da população vive em quartos alugados e em partes de casa, os chamados appartements, porque a maior parte dos inquilinos não pode pagar rendas de andares inteiros. E é preciso que não venha a suceder o que já sucedeu em outros países, como na Rússia Soviética, em que se decretou que ninguém podia ocupar mais de duas casas num prédio, vivendo, assim, num só compartimento duas e três famílias, sem casa de banho nem cozinha e sem possibilidade de as ter. Pois neste País é o que, mais ou menos, virá a suceder, à medida que as populações citadinas forem aumentando.
A sublocação pode ser restringida e assim reprimidos os abusos que sem têm praticado. Há muitos locatários que não se limitam a sobrecarregar os sublocatários com o peso total da renda, mas ainda vivem à custa deles, tirando das sublocações recursos para a sua subsistência, exigindo o duplo e o triplo do que, em regra, deve ser pago.
A lei n.º 1:624 estabelecia que o arrendatário não podia exigir mais do que 50 por cento das rendas, disposição que ficou letra morta, visto ser impossível ao senhorio fiscalizar a renda que o arrendatário recebe do sublocatário.
Haverá maneira de remediar este mal? Parece que a solução proposta é prática: quando o arrendatário manifeste abuso, o senhorio terá o direito - quer em caso de sublocação total, quer parcial - de exigir a diferença que o locatário recebe pela sublocação superior à quantia que paga como renda.
Srs. Deputados: sobre a generalidade mais nada tenho a acrescentar. Só me cumpre dizer, quanto ao problema da habitação, que nem a facilidade da expropriação, nem o direito de superfície, nem a sociedade anónima subsidiada pelo Governo poderão sanar a crise da habitação, porque esta crise deriva também de uma crise de confiança, de justiça e de bom senso.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Estão ainda inscritos para a generalidade os Srs. Deputados Colares Pereira e Mário de Figueiredo.
Como a hora vai adiantada, pergunto ao Sr. Deputado Colares Pereira se ainda deseja lazer uso da palavra.

O Sr. Colares Pereira:-Dado o adiantado da hora para usar da palavra e depois do que aqui foi dito já pelos ilustres colegas que me antecederam, se V. Ex.ª mo permite, reservo-me para uma oportuna discussão na especialidade.

O Sr. Presidente: - Resta, portanto, inscrito o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que usará da palavra na próxima sessão. Declaro encerrada a inscrição.

Srs. Deputados: são numerosas as propostas já enviadas para a Mesa e, além das propostas, foram feitas por alguns Srs. Deputados sugestões de soluções quanto aos problemas que os diplomas em análise põem; por outro lado, o curto lapso de tempo decorrido entre a chegada do parecer da Câmara Corporativa e o início da discussão na generalidade tornou impossível, não só por parte da comissão eventual, como das demais entidades a quem a discussão interessa, fosse tomada uma posição definitiva sobre todas as questões. Julgou-se mesmo conveniente auscultar as reacções da Assembleia através da discussão na generalidade. É agora a altura de se fixarem aquelas posições e de se proceder a um trabalho de análise e coordenação das várias propostas e sugestões, o que carece de ser feito antes de se iniciar a discussão na especialidade. Expressamente deixei a conclusão do debate na generalidade pendente da intervenção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, relator da comissão, a fim de que imediatamente antes do início da discussão na especialidade a Câmara seja posta em frente da orientação da comissão eventual. Há portanto um árduo e delicado trabalho a realizar no seio da comissão a fim de tornai possível a votação dos diplomas nesta sessão legislativa.
Nestes termos e nos do § único do artigo 94.º da Constituição Política, e usando das faculdades que ali me são conferidas, declaro interrompido pelo prazo de cinco dias, a contar de hoje, o funcionamento efectivo da Assembleia, cuja primeira sessão, depois do período de interrupção, será no dia 23 do corrente, à hora regimental, tendo por ordem do dia a conclusão do debate em curso na generalidade e início da discussão na especialidade.

A comissão eventual funcionará efectivamente no período da mesma interrupção e fica desde já convocada para segunda-feira 19, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Belchior Cardoso da Gosta.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Maria de Sacadura Botte.
Manuel França Vigon.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Alberto Cruz.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de. Amorim.
Fernão Couceiro da Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio a Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luis Lopes Vieira de Castro.
Luis Maria da Silva Lima Faleiro.
Luis Mendes de Matos.
Manuel Beja Corte-Real.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Sebastião Garcia Ramires.

O REDACTOR - Luís de Avilles.

Propostas apresentadas no decorrer da sessão de hoje:

Sobre o projecto de lei n.º 1O4

Formação do contrato
Proposta de emenda:

Artigo 2.º.O arrendamento do prédio indiviso feito por um ou algum dos comproprietários terá sempre de ser reduzido a escrito, considerando-se dado o consentimento dos não intervenientes quando recebam a quota-parte nas rendas ou manifestem o seu acordo por qualquer outro modo.

Caducidade de arrendamento

Proposta de eliminação:

Artigo 3.º Eliminado.

Transmissão do direito de arrendamento

Proposta de emenda:

Artigo 4.º:
§ 2.º O direito de arrendamento também se transmite aos filhos maiores que residam com o arrendatário no ano anterior à sua morte.
§ 3.º Além do que for determinado sobre disposições penais na base XLII da proposta de lei.

Fixação e actualização de rendas

Proposta de eliminação:

Artigo 7.º Eliminado.
Artigo 8.º Eliminado.

Direito de preferência

Proposta de eliminação:

Artigo 16.º:
§ 3.º Eliminar «o arrendatário que haja sublocado, total ou parcialmente, o prédio....».

Artigo 16.º:
§ 3.º Eliminado.

Artigo 20.º Eliminado.

Depósito de rendas

Proposta de eliminação:

Artigo 19.º:
§ 4.º Eliminado o segundo período.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948.- O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

Sobre a proposta de lei

Proponho que na base XVI da proposta do Governo se faça a seguinte alteração:

No terceiro período do n.º l, onde se escreve: «é de 50 por cento», se escreva: «é de 75 por cento».

E que à base XXVIII se faça o seguinte aditamento:
...e a expropriação, por seu intermédio ou das câmaras municipais, dos terrenos indispensáveis, obrigando este auxílio às empresas comerciais, industriais e agrícolas que se proponham edificar moradias para os seus empregados e assalariados.

Sala das Sessões, 17 de Abril de 1948. - O Deputado João Carlos de Sá Alves.

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Proponho que à base XVII da proposta de lei se acrescente :
Os proprietários individuais poderão usar do mesmo direito.

O Deputado Cunha Gonçalves.

Sociedades anónimas para construção de casas de habitação de renda económica e renda limitada

Proposta de emenda:

BASE XXVIII

O Governo auxiliará a construção de casas para habitação própria, de renda económica e de renda limitada, prestando a assistência técnica que lhe for pedida e garantindo o fornecimento, a preços reduzidos, de materiais de construção.

BASE NOVA

O Estado estudará, no prazo mínimo, a possibilidade de construção de casas de tipo rural, em harmonia com os usos e costumes das diferentes regiões do País e em ordem a promover melhores condições de higiene e de conforto para a habitação do rural. Para o efeito fará:
a) A concessão, por empréstimo, dos materiais necessários para as construções;
b) Nas mesmas normas da alínea anterior, ajudará a reconstrução ou melhoria da casa rural;
c) Para o disposto nas alíneas anteriores, a título gratuito, que sejam fornecidos todos os elementos de que disponham as repartições técnicas e, directamente, os serviços competentes das autarquias locais.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948.- O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

Fixação e actualização de rendas

Proposta de eliminação:

BASE XXIX

Alínea C) Eliminada.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948. - O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

CAPÍTULO NOVO

Do subsídio de renda de casa

BASE XXIX-A

1. Para efeito do pagamento da renda, nos termos desta lei, o inquilino poderá invocar a sua incapacidade para ocorrer ao aumento previsto na base XXIX, requerendo ao Ministro respectivo do sector onde presta serviço, ou ao Subsecretário de Estado das Corporações, caso não tenha funções oficiais, o deferimento da suposta incapacidade.
a) O requerimento será informado pelo chefe da repartição de que o funcionário dependa ou pela direcção do respectivo sindicato.
b) A falsa ou errada informação prestada no requerimento a que se refere a alínea anterior será punida nos termos da legislação penal vigente.
2. No caso de procedência da incapacidade, será arbitrado ao requerente l/12 do seu vencimento mensal ilíquido ou 1/18 do salário semanal, em conformidade com o ajustado no contrato colectivo de trabalho do respectivo sindicato.
3. O subsídio a que se refere o número anterior será abonado a título de subsídio de renda de casa, terá carácter eventual, caducando em 31 de Dezembro de cada ano civil, mas com a faculdade de ser renovado, mediante nova petição.
4. Considera-se deferido o requerimento que, após trinta dias da data da sua recepção, não tenha obtido qualquer despacho, ficando responsáveis, material e disciplinarmente, pelas erradas consequências que desse facto possam advir todos os intervenientes na falta do seguimento normal da petição.

BASE XXIX-B

1. O subsídio de renda de casa será abonado pela caixa de previdência a que o requerente pertencer, incluído nos seus vencimentos ou cobrado directamente pelo interessado na tesouraria do seu sindicato.
2. Constituirão fundo para ocorrer ao pagamento do subsidio de renda de casa:
a) 2 por cento das rendas pagas pelos inquilinos que não recebam o subsídio referido na base anterior;
ò) 5 por cento sobre as rendas superiores a 1.000$, pagas pelo inquilino;
c) 5 por cento pago pelo senhorio sobre as rendas cobradas pela locação dos prédios considerados de luxo;
d) 2 por cento sobre a mais valia de prédios para habitação quando sobre eles tenha lugar qualquer transacção ;
e) 5 por cento sobre a mais valia de terrenos vendidos para construção, exceptuadas as de renda económica e de renda limitada;
f) 5 por cento sobre o rendimento liquido dos prédios construídos pelas caixas de previdência;
g) 10 por cento sobre as licenças cobradas pelas câmaras municipais, quando requeridas para quaisquer obras em prédios e das quais não resulte aumento de número de locatários;
h) 5 por cento das indemnizações a receber por senhorios e inquilinos por força das prescrições inscritas nesta lei;
i) 50 por cento das multas cobradas pela transgressão das disposições desta lei;
j) A verba que o Governo anualmente quiser inscrever em orçamento para este fim.
3. Todas as verbas cobradas pelo disposto no número anterior serão arrecadadas pela Federação das Caixas de Previdência, da qual as respectivas caixas receberão a quota-parte necessária para pagamento aos seus subsidiados.
4. Os inquilinos que não estejam inscritos em qualquer caixa de previdência receberão o subsídio que lhes pertencer da Federação das Caixas de Previdência, a qual, para o efeito, rateará a verba necessária.
No caso de o inquilino pertencer a mais de uma caixa de previdência, será aquela de que for sócio há mais tempo a encarregada de pagar o respectivo subsidio.

BASE XXIX-C

1. A cada agregado familiar não poderá ser abonado, a qualquer título, mais que um subsídio de renda de casa.
2. A falta de cumprimento do prescrito no número anterior determina a punição do infractor com prisão correccional, expulsão da caixa de previdência a que pertencer e perda de todos os direitos adquiridos.

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19 DE ABRIL DE 1948 517

BASE XXIX-D

A Direcção Geral da Contabilidade Pública superintende na fiscalização da receita e despesa, bem como na elaboração dos modelos de livros e impressos que forem necessários para a escrituração exigida para cumprimento desta lei.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948.-O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

BASES XXXII e XXXIII

Proposta de substituição e eliminação:

BASE XXXII

Substituída pelas bases XXXII e XXXIII do segundo parecer da Câmara Corporativa.

BASE XXXIII
Eliminada.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948.-O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

Proposta de emenda:

BASE XXXIV

2. É permitido, sem autorização do senhorio, o traspasso do estabelecimento comercial ou industrial ou do local onde se exerça profissão liberal, desde que o seja para o mesmo uso.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948.-O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

Proposta de substituição :

BASE XXXVII

1. Caducando a sublocação, por extinção do arrendamento, o sublocatário poderá ficar na posição de arrendatário, em relação ao senhorio do prédio, por:
a) Se propor continuar a habitar a parte por ele ocupada, pagando segundo o disposto nesta lei para fixação e actualização de rendas;
b) Não estar incurso em qualquer das cláusulas que tenham determinado a extinção do arrendamento;
c) Ocupar em relação ao senhorio uma posição igual à dos arrendatários a que se referem os n.ºs 2 e 3 da base XLIII do projecto de lei.
2. Os actuais sublocatários, com ou sem cláusula permissiva de sublocação por parte do senhorio, serão considerados como arrendatários, se assim o desejarem e o notificarem ao arrendatário e ao senhorio, no prazo de quinze dias após a entrada em vigor desta lei, ficando sujeitos a todas as disposições que nela dizem respeito a arrendatários e sublocadores.
3. Igual ao n.º 2 do projecto de lei.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948. -O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

Proposta de substituição:

BASE XL

A renda cobrada pelo arrendatário por sublocação de parte do prédio que tenha de arrendamento não poderá em caso algum ser superior a 100 por cento daquela que proporcionalmente for paga ao senhorio.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948.- O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

Proposta:

BASE XLII

d) A infracção por parte do senhorio das obrigações impostas na base XLIII;
e) O senhorio que requeira o despejo do prédio com base na caducidade do arrendamento por morte do arrendatário e que faça novo contrato dentro do prazo de cinco anos sem oferecer o direito de preferência determinado nesta lei.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948.-O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

Proposta:

BASE XLIII

(Alínea nova)

d) Vivendo o senhorio em prédio arrendado e necessitando de casa para sua habitação.
O senhorio que usar desta faculdade, o que poderá fazer apenas por uma só vez, e dê o prédio de arrendamento nos cinco anos posteriores ao uso da referida faculdade, será multado no equivalente ao rendimento colectável ilíquido correspondente aos três últimos anos, além das penalidades que lhe possam caber por se encontrar incurso no disposto na base XLII, salvo se o arrendamento for feito ao antigo inquilino, à data do despejo do prédio.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948. O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

Proponho o seguinte aditamento à alínea a) da base XLIII da proposta de lei n.º 202 ou ao n.º 1 da alínea a) da base XLIII proposta pela Câmara Corporativa:

ou ainda por motivo de tratamento da saúde própria ou da de pessoa que com ele habitualmente viva ou que seja seu parente até ao 3.º grau.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 17 de Abril de 1948. - O Deputado Camilo de Morais Bernardes Pereira.

Sobre o parecer da Câmara Corporativa à proposta de lei

Propriedade por andares

Proposta de eliminação:

BASE XXV-A
Eliminada.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948. - O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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