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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

ANO DE 1948 27 DE ABRIL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 150 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 26 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Antunes Guimarães ocupou-se do problema, das comunicações por automóvel com aã povoações rurais.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo referiu-se à local que um jornal da tarde publicara no sábado sobre os trabalhos da Assembleia.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, na especialidade, do projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre o inquilinato e da proposta de lei relativa a questões conexas com o problema da habitação.
Foram aprovadas as bases XVII, XVII-A, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII e XXIII; eliminada a base XXIV; aprovadas as bases XXV, XXV-A, XXVI, XXVII e XXVIII. Foi também aprovada uma nova base, XXVIII-A, proposta pelo Sr. Deputado Sá Carneiro.
A base XVII sofreu uma emenda, proposta pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves; a XXVIII um aditamento, proposto pelo Sr. Deputado Mira Galvão.
Iniciou-se depois a discussão do artigo 1.º do texto sugerido pela Câmara Corporativa no seu parecer sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 10 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos. Fez-se a chamada, à, qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Enrico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida..
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.

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João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Fenalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 148.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedia palavra para solicitar a V. Ex.ª para não pôr este Diário à aprovação, visto que, estando ainda a ser distribuído, não ha possibilidade de os Srs. Deputados saberem se têm ou não qualquer reclamação a apresentar.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª razão. Este Diário será posto em reclamação na próxima sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: este estranho vírus da centralização político-administrativa vai-se mostrando, como os seus similares, dotado de grande poder de difusão. Assim é que, do seu foco inicial, que de Lisboa fizera o fulcro de todas as actividades, tanto das inerentes à vida oficial como das de natureza económica, das relacionadas com as grandes construções de vias monumentais, de palácios e de institutos universitários, de instalações desportivas, certâmenes variadíssimos e outras muitas manifestações da euforia que desta cidade tom feito a grande metrópole do império; do seu foco inicial, vinha eu dizendo, o vírus centralizador vai-se propagando através do País e criando multiplicidade de pequenos nódulos congestivos, que, se não surgir remédio pronto e eficaz, irão perturbando gravemente a estrutura da Nação e anemiando a vida rural, assim privada dos factores indispensáveis de progresso e sugada da seiva precisa para viver.
Sr. Presidente: logo nos primórdios do Estado Novo eu previra o alastramento daquele grande mal, que já se revelava na tendência para a generalização de barreiras à volta das sedes de concelho, onde se cobravam variadíssimas taxas, não se trepidando em obrigar os veículos automóveis a demoradas paragens para o pagamento de importâncias, por vezes avultadas, e criando assim constantes e aborrecidos embaraços ao fundamental problema dos transportes!
Grande mal centralista de que se verificavam sintomas alarmantes nas obras de. carácter sumptuário, tantas vezes bem dispensáveis, realizadas nas sedes de concelho, em chocante contraste com a falta dos mais rudimentares factores de trabalho e de bem-estar nas freguesias rurais.
Centralização que obrigava o povo das aldeias a deslocações constantes à respectiva sede por tudo e para tudo, com indiferença, senão desprezo, já não digo pela respectiva comodidade, mas pelas exigências prementes do trabalho e da escassez de recursos guardados nos mealheiros.
Desde que nas sedes de concelho houvesse abundância de boa água potável, luz eléctrica nas ruas e nas habitações, pavimentos razoáveis nas vias públicas, um ou outro edifício apalaçado e o indispensável parque, com sua gruta de cimento e de aparência rústica, seu chafariz e lago com peixes vermelhos, mas cuja água acontecia estar choca e inçada de larvas de mosquitos, as freguesias rurais que se fossem contentando com suas fontes de mergulho, as calçadas que os romanos nos deixaram, a luz mal cheirosa da graxa ou do azeite rançoso e os habitantes que se resignassem a idas frequentes à sede concelhia para tratar de multiplicidade de assuntos, que bem poderiam estar na alçada das juntas de freguesia ou ser removidos por via postal.
Mas, graças a Deus, o sol do Estado Novo vai, embora lentamente, levando a muitas aldeias - que só eram lembradas nas matrizes prediais para, em datas improrrogáveis e sob pena de juros de mora, relaxes e execuções, levarem à tesouraria grossa fatia do seu trabalho para os orçamentos estadual e municipal, mas de cujos benefícios eram sistematicamente esquecidas - os melhoramentos indispensáveis ao respectivo bem-estar e progresso.
A política dos melhoramentos rurais muito tem contribuído para melhorar as condições de vida em muitas aldeias modestas e defender as respectivas populações dos males do urbanismo para que eram empurradas pela disparidade tremenda entre as comodidades dos citadinos e dos rurais e o nível dos respectivos salários.
Numerosas escolas modernas têm sido construídas em grande número nas aldeias, tendo algumas ao lado, mercê do altruísmo de algum benemérito, a valiosa cantina; alguns postos telefónicos - muito poucos por en-

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quanto - vão facilitando as comunicações; a rede eléctrica vai abrangendo em suas malhas bastantes freguesias rurais; e estradas de bom piso já garantem ali acesso a veículos automóveis de mercadorias e de passageiros.
Mas...
Sr. Presidente: este mas é que me determina a salientar hoje uma das lacunas mais perniciosas à vida rural.
Imagine V. Ex.ª que, de uma maneira geral, ao conceder licenças de carreiras de automóveis, considera-se o interesse das sedes concelhias, sem distinguir os das freguesias rurais com a atenção que lhes é devida por constituírem as células fundamentais do trabalho nacional.
E, ao distribuir os contingentes de veículos ligeiros para passageiros, atende-se em regra apenas às referidas sedes de concelho, onde os clientes das freguesias rurais terão de mandar chamar um automóvel sempre que dele careçam, mas, como acontece ser grande a distância e ter de ser vencida a pé, quando o automóvel chega, se o caso é de urgência, já não é preciso.
E assim ficam por tratar doentes em estado grave, muitos dos quais morrem sem assistência médica.
Sei de câmaras que, ao serem consultadas sobre a conveniência de se dar licença para a permanência de veículos automóveis em certas zonas rurais, respondem não serem precisos, porque o concelho já os tem em número suficiente.
O que não dizem é que as respectivas praças estão todas situadas na sede concelhia.
Sr. Presidente: trata-se de uma orientação errada, manifestação nociva e tardia do centralismo a que me referi, e que importa não só contrariar, mas inutilizar de uma vez para sempre.
Estou certo de que este problema importantíssimo da garantia de meios de transporte Às zonas rurais será apreciado pelo já demonstrado critério inteligente e bem orientado do Sr. Ministro das Comunicações, para que as vantagens, cada vez mais indispensáveis do automobilismo, quer no campo do transporte de mercadorias como de passageiros, e tanto no respeitante a transportes colectivos como em todos os outros, cheguem a todos os pontos do País.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: num jornal da tarde de sábado aparece uma local relativa ao problema do inquilinato que tem precisamente por título «Assembleia Nacional» e por subtítulo «Liberdade contratual para o regime de inquilinato».
Nessa local o problema aparece em termos de poder ser induzida gravemente em erro a opinião pública.
Assim, começa logo pelo subtítulo «Liberdade contratual para o regime de inquilinato», que é esclarecido no texto deste modo: «é estabelecida a liberdade contratual...».
Ora, como V. Ex.ª, Sr. Presidente, sabe e toda a Câmara ouviu, não se falou aqui de reingressar ou em estabelecer a liberdade contratual. Falou-se, sim, em manter a liberdade de fixação da renda (princípio permanente do nosso direito para os arrendamentos novos), o que é uma coisa totalmente diferente de liberdade contratual.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, como disse, está na lei actual e é um princípio permanente da legislação portuguesa.

as não é só isto. Em certa altura diz-se, a respeito de certa solução que em nome da comissão combati, que a combati por se tratar de uma solução política.
Não foi assim, muito embora aqui o equívoco não seja tão grave como no caso há pouco referido. O que eu disse foi que a solução não era aceitável, porque ia atribuir à renda o carácter de renda política, como «pão político», etc., com a diferença de que, em vez de como o «pão político», ser para todos, se referia só a alguns.
Acresce ainda que dessa local resulta, ou parece resultar, que a Assembleia foi para a solução de aplicar os 20 por cento iniciais dos dois pareceres da Câmara Corporativa tanto aos arrendamentos anteriores a 1943 como aos arrendamentos posteriores a 1943, quando o que é certo é que a solução sugerida pela comissão foi no sentido de eliminar os 20 por cento iniciais da Câmara Corporativa para os arrendamentos anteriores a 1943, únicos para os quais era sugerido.
Leio o que aí se diz:

A actualização das matrizes referir-se-á a 1 de Janeiro de 1948, eliminando-se assim a exclusividade dos aumentos de 20 por cento para todos os arrendamentos anteriores a 1943.

Eliminar a exclusividade para os arrendamentos anteriores a 1943 era dizer que estes 20 por cento deviam abranger não só esses, mas os arrendamentos posteriores a 1943.
Ora, não foi nada disso. O que a comissão sugeriu foi que se eliminassem os 20 por cento iniciais para todos os arrendamentos para os quais eram propostos pela Câmara Corporativa.
Ainda uma outra nota sobre um outro erro, que pode ser resultado de um equívoco.
Reconheço que este erro que agora vou mencionar pode ser resultado de um equivoco.
A referência, que a comissão sugere, das matrizes é às matrizes em 1 de Janeiro de 193S, e não em 1 de Janeiro de 1948, como na referida local se afirma, e era o sistema da proposta do Governo.
Feitas estas notas, Sr. Presidente, quero apenas acrescentar que compreendo que se faça crítica política e que se marque orientação pró ou contra certas posições políticas. Não compreendo, porém, que ela se faça à custa do desvirtuamento claro dos factos, e à mesma custa se desoriente a opinião.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão, na especialidade, o projecto de lei sobre o inquilinato, da autoria do Sr. Deputado Sá Carneiro, e a proposta de lei relativa às questões conexas com o problema da habitação.
Está em discussão a base XVII.
Sobre esta base há na Mesa uma proposta de eliminação, apresentada pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães, e uma outra, do Sr. Deputado Cunha Gonçalves, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte.

Proponho que à base XVII se acrescente:

Os proprietários individuais poderão usar do mesmo direito.

O Deputado Cunha Gonçalves.

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O Sr. Presidente: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Cunha Gonçalves, não tinha declarado que retirava esta sua proposta?

O Sr. Cunha Gonçalves: - A proposta é substituída por outra nova.

O Sr. Presidente: - As propostas de substituição ultimamente apresentadas pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves são duas. Vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes:

Propomos que o n.º 4 da base XVII tenha a redacção seguinte:

O direito de superfície é alienável por titulo oneroso ou gratuito, transmissível por sucessão e susceptível de hipoteca.

Os Deputados: Luís da Cunha Gonçalves, Luís Mendes de Matos, Luís da Silva Lima Faleiro, João Carlos de Sá Alves, Teotónio Machado Pires, João Ameal.

Propomos que na base XVII-A seja eliminada a palavra «só», e se acrescente:

Igual direito têm as propriedades individuais.

Os Deputados: Luís da Cunha Gonçalves, Luís Mendes de Matos, Luís da Silva Lima Faleiro, João Carlos de Sá Alves, Teotónio Machado Pires, João Ameal.

O Sr. Presidente: - Consulto a Assembleia sobre se autoriza o Sr. Deputado Cunha Gonçalves a retirar a sua primitiva proposta.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?... Mas essa proposta é sobre a base XVII-A?

O Sr. Cunha Gonçalves: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dar um esclarecimento.
A razão da minha proposta é apenas a de confirmar o que já expus à Assembleia no meu discurso sobre a generalidade da proposta.
Lembro a VV. Ex.ªs que, mesmo no intuito que o Governo se propõe essencialmente - o de intensificar a construção de novos prédios - eu também pretendia ampliar...

O Sr. Soares da Fonseca: - V. Ex.ª dá-me licença?... A sua proposta é sobre a base XVII-A, e parece que o que está em discussão é a base XVII.

O Orador: - Mas é que eu tive de desdobrar a minha proposta em duas partes, visto que a base proposta pelo Governo foi também desdobrada pela Câmara Corporativa.
Eu recordo a VV. Ex.ªs o que já disse naquele exemplo que apontei: metade da cidade de Londres pertence ao duque de Westminster, que, pela cessão do direito de superfície, deixou que nela se fizessem milhares de construções...

O Sr. Albano de Magalhães: - Mas esse é um proprietário de natureza pública.

O Orador: - É um lord, um grande proprietário, mas particular. Além disto, se qualquer proprietário particular pode aforar, ou fazer contratos de enfiteuse dos seus terrenos, porque é que não há-de poder ceder o direito de superfície? A razão é a mesma.
Em segundo lugar, a outra modificação que eu propus, essa na base XVII, é apenas de redacção. Em vez de se dizer só «alienável», acrescentei apor titulo oneroso ou gratuito», e onde se diz «transmissível por morte», acho mais correcto dizer-se «por direito de sucessão». A morte não transmite nada. É um facto que determina a abertura da sucessão.

O Sr. Soares da Fonseca: Então a sucessão não é uma forma de transmissão ?

O Sr. Sá Carneiro: - A morte é que não é.

O Orador: - Exactamente. Foi essa a razão da alteração que propus.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se.
Em primeiro lugar vai votar-se se a Câmara autoriza ou não que o Sr. Deputado Cunha Gonçalves retire a sua primitiva proposta.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para me informar se este caso é de retirada ou de substituição.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Cunha Gonçalves deseja retirar a sua primitiva proposta para apresentar outra inteiramente diferente.
Como ninguém pede a palavra, vou pôr à votação da Câmara se autoriza ou não a retirada da proposta do Sr. Deputado Cunha Gonçalves.

Submetida à votação, foi autorizada a retirada da primeira proposta do Sr. Desnatado Cunha Gonçalves.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a base XVII até ao n.º 4. Relativamente a este n.º 4 existe na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Cunha Gonçalves, que dá uma outra redacção àquele número, e que VV. Ex.ªs já ouviram ler.

Submetido à votação, foi aprovado o texto da base XVII do parecer da Câmara Corporativa até ao n.º 4.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta de substituição do n.º 4 apresentada pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vão votar-se os n.ºs 5 e 6 da base XVII.

Submetidos à votação, foram aprovados os n.ºs õ e 6 da base XVII, conforme o texto do parecer da Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base XVII-A.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: peço desculpa, a V. Ex.ª e à Câmara, de iniciar as minhas considerações com um, aliás breve, apontamento histórico. Mas ele parece-me necessário para nítida compreensão do meu ponto de vista sobre o aditamento ao n.º 1 da base XVII-A proposto pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Cunha Gonçalves.
O direito de superfície não é uma figura jurídica nova, quero dizer, sem história.
Na verdade, conheceu-o a velha e rica legislação romana, que o incluiu entre os diversos jura in ré aliena. Conheceu-o o antigo direito germânico, assim como a generalidade das legislações medievais. Conhecem-no muitas das legislações modernas, designadamente as legislações inglesa, alemã, suíça e italiana.

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E nestas, efectivamente, a constituição do direito de superfície pode ser feita não só pelo Estado, autarquias locais e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, mas também por simples particulares.
Em Portugal, todavia, as coisas passam-se de modo diverso. É minguada e não deixou rastos salientes a tradição histórica deste instituto jurídico. O direito positivo actual desconhece-o praticamente, ou, quando muito, permite-se ter dele uma noção imprecisa e vaga. Não está definido com rigor e é impossível encontrarem-se-lhe perfeitamente delimitados os contornos, de modo a aparecer-nos como figura jurídica típica entre as demais formas de propriedade imperfeita.
For sua vez, também a doutrina e a jurisprudência, entre nós, não têm trazido o direito de superfície para a luz do estudo e da crítica.
Nestas condições, e dada a incompreensão ou falta de simpatia, porventura injustificadas, com que se olha ainda para a propriedade imperfeita, bem avisado andou o Governo, a meu ver, em instituir o direito de superfície, limitando-lhe os fins à construção de prédios urbanos e atribuindo o poder da sua constituição só ao Estado, autarquias locais e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
For todo o exposto, a Câmara Corporativa, no seu bem elaborado parecer, chega a mostrar receio de ver as bases da proposta governamental reduzidas à definição da estrutura deste novo instituto jurídico e julgou necessário descer-se desde já à determinação dos princípios que naturalmente hão-de decorrer da aplicação do direito de superfície e deverão regular o seu exercício ou funcionamento.
Quer dizer: indo talvez para além dos elementos essenciais definidores do direito de superfície, que tecnicamente seria o bastante numa proposta de lei, pretendeu enunciar as próprias linhas gerais da sua regulamentação.
Sendo assim, o aditamento proposto pelo Sr. Dr. Cunha Gonçalves pode representar algum risco. Eu não digo categoricamente que o representa; receio que o venha a representar.
Na adopção de uma nova figura jurídica e sem tradição marcada no nosso direito é vantajoso caminhar-se com prudência. Acresce que, regulando o exercício do direito de superfície, as bases propostas pela Câmara Corporativa foram redigidas exclusivamente com vista à constituição deste direito só pelo Estado, autarquias locais e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa. Como poderão essas bases ajustar-se ao aditamento proposto pelo Sr. Dr. Cunha Gonçalves?
O problema demanda reflexão e exame, impossíveis de fazer neste momento. Mas que ele é de pôr e colhe não pode haver dúvidas. Mostra-o um rápido olhar sobre a própria base XVII-A, agora em discussão. Nela se diz que, em regra, a designação do superficiário se fará em hasta pública e que só em casos especiais esta pode ser dispensada. Ora, como compreender a obrigatoriedade da hasta pública no direito de superfície constituído por simples particulares?!
Em resumo, Sr. Presidente: não me repugna, em princípio, aceitar... o princípio advogado pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves; mas creio haver sérios motivos para se recear introduzi-lo na actual proposta de lei. Melhor seria voltar ao problema noutra oportunidade ou convidar o Governo a examiná-lo quando a experiência desta proposta começar a dar os seus frutos.
Há-de no entanto dizer-se, em homenagem à verdade, que a emenda proposta pelo nosso ilustre colega Sr. Deputado Cunha Gonçalves tem um alto merecimento: o de evidenciar que, embora com os limites apontados, bem andou o Governo em prever a instituição do direito de superfície, tão bem que se pretenderia alargar já a faculdade da sua constituição aos simples particulares.
É a confissão de que o novo instituto não pode ser olhado como um simples prurido de inovação, mas deve ser tido como prometedora esperança, todos nós desejando vê-lo amanhã tornado fecunda realidade.
Tenho dito.

O Sr. Sá Carneiro: - Permito-me divergir do Sr. Dr. Soares da Fonseca e dou o meu voto à alteração proposta pelo Sr. Dr. Cunha Gonçalves.
A meu ver, os particulares também devem poder constituir o direito de superfície, não sendo de aplaudir a limitação sugerida pela Câmara Corporativa no sentido de só ao Estado, às autarquias locais e às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa se reservar o estabelecimento do mesmo direito.
Na proposta do Governo, esse exclusivismo não era tão vincado, pois, embora se facultasse àquelas entidades a formação do mesmo direito em terrenos próprios, não se excluía expressamente o direito de superfície em terrenos de proprietários individuais.
Desse modo, na regulamentação da lei, 6 Governo poderia, como é justo, ampliar o direito de superfície a terr.enos de particulares, o que lhe será vedado quando se vote a base XVII-A.
No nosso Código Civil há aflorações do aludido direito, como se vê, por exemplo, do artigo 2308.º, que, ao permitir ao dono do terreno onde existam árvores alheias a aquisição delas, reconhece a propriedade do superficiário sobre essas árvores.
Do mesmo artigo se infere que a sementeira ou plantação pode resultar de um contrato entre o dono do terreno e o das árvores, embora a obrigação de conservá-las não possa ser assumida por período excedente a trinta anos.
Isto é um verdadeiro direito de superfície, que a lei belga de 10 de Janeiro de 1924 define como o direito real, que consiste em ter plantações, obras ou construções em terrenos de outrem. E na doutrina estrangeira considera-se superficiário o dono de árvores existentes nos próprios terrenos públicos.
O Código Civil alemão também regulava esse direito nos artigos 1012.º a 1017.º, sem lhe dar a denominação que veio a ser consagrada na doutrina e na legislação posterior.
O Sr. Dr. Cunha Gonçalves citoudiversos casos em que o direito de superfície é praticado, como o de concessões de terrenos para jazigos feitas pelas câmaras municipais e as licenças concedidas pela Administração Geral do Porto de Lisboa para a construção de armazéns ou barracas destinados à recolha de mercadorias nos terrenos da sua jurisdição.
Os juristas estrangeiros apontam como direito de superfície incompleto o arrendamento com permissão de construir - hipótese a que me referi na discussão na generalidade.
Pensei em apresentar uma proposta de nova base, que pressupunha a aprovação da emenda do Sr. Dr. Cunha Gonçalves, considerando direito de superfície o arrendamento a longo prazo de chãos para edificar, quando o proprietário se obrigue a pagar as benfeitorias ao arrendatário, se não quisesse renovar o arrendamento.
Todavia, como a comissão eventual não aceitou essa ideia, limito-me a expô-la, no convencimento de que, ainda que a alteração do Sr. Dr. Cunha Gonçalves não seja votada, numa reforma da nova lei civil se estabelecerá o direito de superfície com a latitude que o mesmo tem nas legislações estrangeiras.
A importância prática da superfície é cada vez maior, visto que facilita a quem não dispõe de capital para compra de terreno a construção de prédios que, de outro modo, não seriam levantados.

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Esse direito, como tem sido notado, atenua à especulação com terrenos destinados a construções, permitindo ao proprietário beneficiar do aumento de valor do solo e às classes menos abastadas a aquisição de casas próprias.
O argumento de que se trata de mais uma propriedade imperfeita não é aceitável.
O ódio às propriedades imperfeitas que, em tempos, levou o nosso venerando colega Dr. Antunes Guimarães a propor a supressão delas, resulta de uma confusão.
Há propriedades imperfeitas de índole arcaica como a enfiteuse e subenfiteuse, o censo, o quinhão e o com-páscuo.
No entanto, o Código manteve-as e justifica-se que quase todas ainda se mantenham.
Outras propriedades imperfeitas, como o usufruto, o uso e habitação e as servidões, são absolutamente necessárias.
Sempre que seja possível, põe-se termo às servidões e por isso se confere o direito de preferência na compra de prédios encravados ou dos serventes deles.
Mas o facto de o legislador contribuir, desse modo, para a extinção das servidões não pode levar até ao exagero de proibir estas, tornando assim impossível a utilização de prédios que carecem em absoluto desse encargo imposto noutra propriedade.
O direito de superfície, se mergulha as suas raízes no direito romano, com a sua actual fisionomia constitui instituto moderno e que tem as maiores vantagens para fomentar a construção.
Por tudo isto não compreendo que a constituição do mesmo direito seja apanágio de entidades públicas.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: -Como concilia V. Ex.ª a alteração com os n.ºs 3 e 4 da base, que exigem hasta pública?

O Orador: - De um modo muito simples: dando nova redacção aos nºs 3 e 4 da base XVII-A, para o efeito de limitar a hasta pública ao caso de a superfície ser constituída pelas entidades públicas a que a mesma base se refere.
Tenho dito.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: duas breves palavras para responder às brilhantes, como aliás sempre, considerações do Sr. Deputado Sá Carneiro.
Afirmei há pouco que, além de não ter vincada tradição na história do direito português, o direito de superfície é praticamente ignorado pela legislação vigente, onde se torna impossível descobrir-lhe contornos definidos. S. Ex.ª entende, contra mim, que tal direito existe, e citou como prova o artigo 2308.º do Código Civil.
Ora, salvo o devido respeito pelos critérios alheios, chama-se a isto forçar a nota. O artigo 2308.º, se alguma coisa prova, é a sem-razão de S. Exa.
Na verdade, o artigo 2308.º está no capítulo da acessão, que é uma figura jurídica tipicamente diferente do direito de superfície.
Como tal, o Código Civil inscreveu-o até, e bem, fora dos agrupamentos em que trata da propriedade imperfeita- sendo certo que o direito de superfície é uma modalidade da propriedade imperfeita.
E, se isto não bastasse, eu diria ainda que, longe de ser consagração, mesmo indirecta, do direito de superfície, o artigo 2308.º é clara manifestação da vontade da lei contra as formas de propriedade imperfeita. Não trata o artigo da defesa do dono de árvores implantadas em terreno alheio; cuida de assegurar ao dono do prédio onde existam árvores alheias o direito de as adquirir. Por outras palavras, não define e não estrutura qualquer forma de propriedade imperfeita; regula a acessão, que
é simples direito de fruição, e em ordem a defender o uso da propriedade perfeita.
Fica, portanto, de pé a minha afirmação sobre a posição do direito de superfície no quadro dos nossos institutos jurídicos.
Citou depois o Sr. Deputado Sá Carneiro vários casos concretos que em nada atingem a essência da minha tese - já porque se trata de vestígios ou vagos índices de um suposto direito de superfície a favor do que os latinos chamavam plantatio (árvores), quando estamos a tratar do direito de superfície a favor da construção de casas; já porque tais casos concretos dizem respeito a figuras jurídicas diferentes do direito de superfície (e por isso o chamei suposto direito).
Aludiu também S. Ex.ª a que, excluindo os particulares, a proposta do Governo criava uma espécie de privilégio a favor do Estado e das autarquias locais.
Em boa verdade, não se trata de privilégio. Pelo contrário, trata-se de o Estado ou as autarquias locais abdicarem de receber de uma só vez e imediatamente o preço dos terrenos destinados a construção. Há um sacrifício de receitas imediatas e, portanto, da tesouraria em prol de um bem maior para a comunidade, qual é o do fomento e barateamento das construções de prédios urbanos.
Acresce que, em regra, os terrenos para estas construções não são cedidos aos construtores pelos particulares, mas pelo Estado e pelas autarquias locais. E, assim, o alargamento defendido pelo Sr. Deputado Sá Carneiro viria a ser, na prática, pouco mais do que inútil.
Finalmente, o Sr. Deputado Sá Carneiro não chegou a encarar os sérios receios por mim apontados à ideia de se introduzir o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves dentro de um conjunto de bases que podem não estar em condições de se harmonizarem com tal aditamento. E isto é muito importante, de momento mesmo talvez o mais importante.
Disse.

O Sr. Sá Carneiro: - O Sr. Deputado Soares da Fonseca é muito hábil, mas parece-me que o argumento por S. Ex.ª tirado do artigo 2308.º do Código Civil tem qualquer coisa de sofístico.
Se o proprietário do terreno pode adquirir árvores de outrem que existam no terreno daquele é porque há um superficiário - o dono das árvores.
E tão sagrado respeito merece essa propriedade que em algumas regiões do nosso País, se o dono do terreno usasse da faculdade legal de expropriação, a sua atitude seria considerada indigna.
Salvo todo o respeito, não é exacto que eu não tivesse indicado um só exemplo de direito de superfície relacionado com a construção urbana.
Apontei precisamente os arrendamentos que, às centenas ou milhares, existem relativamente a terrenos no Porto, onde se tem construído imenso, desde há dezenas de anos.
Portanto, esse autêntico direito de superfície favoreceu muito a construção.

O Sr. Soares da Fonseca: - O que eu pergunto é se favorece agora.

O Orador: - Não vejo uma única razão para que assim não aconteça.
A situação é a mesma que existia quando esses contratos se fizeram sob o disfarce de arrendamento.
Como então, há terrenos incultos, que pouco ou nada dão ao proprietário, e que ficam valorizados com a construção; há, do outro lado, pessoas com desejo de edificar, mas que veriam absorvidos pelo preço da compra do terreno grande parte do pequeno pecúlio de que dispõem.

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A conciliação de todos os interesses faz-se por via do direito de superfície.
Nestas condições não vejo motivo algum para que o Estado e outras entidades públicas reservem para si o monopólio desse direito, como quer o Sr. Dr. Soares da Fonseca.

O Sr. Soares da Fonseca: -Não quero. Quero apenas que o Estado seja produtor desse direito.

O Orador: -Mas V. Ex.ª pretende que o Estado vede aos particulares a constituição do direito de superfície, o que ofende a própria ordem natural das coisas.
Disse.

O Sr. Mário de Figueiredo: -Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para dizer que a comissão eventual tem a posição correspondente às considerações feitas pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca.

O Sr. Sá Carneiro:-V. Ex.ª dá-me licença?
Há pouco esqueci-me de declarar que falava em nome individual.

O Orador: - Essencialmente, sem que se pronuncie acerca da conveniência de se instituir ou não no nosso sistema de direito uma forma particular de constituição de um direito real, a comissão entende que o problema da atribuição a pessoas não públicas da faculdade de constituir direitos de superfície não está suficientemente discutido e é bastante grave para que a Assembleia tome sobre ele uma decisão antes de realmente ser esclarecido.
Nestas condições, eu, como a comissão, não podemos aceitar a proposta do Sr. Deputado Cunha Gonçalves.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai proceder-se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar o n.º 1 da base XVII-A, com a alteração proposta pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves, que já há pouco foi lida na Mesa.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente:-Vai votar-se agora o texto do n.º 1 tal como consta. do parecer da Câmara Corporativa.
Submetido â votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vão votar-se os restantes números da base XVII-A tal como se contêm no parecer da Câmara Corporativa.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base XVIII.
Sobre esta base não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: -Está em discussão a base XIX. Sobre esta base não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Submetida à votação, foi aprovada.
Seguidamente foram submetidas à votação e aprovadas sem discussão as bases XX, XXI, XXII e XXIII.

O Sr. Presidente: - Quanto à base XXIV a Câmara Corporativa sugere a sua eliminação.
Como a discussão está a fazer-se sob o texto da Câmara Corporativa, se ninguém desejar fazer uso da palavra entendo ser aceite o que propõe a Câmara
Corporativa.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Está aprovada a eliminação desta base, e está em discussão a base XXV.

Pausa.

O Sr. Presidente:- Se ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetida a votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-Está em discussão a base XXV-A do parecer da Câmara Corporativa.
Sobre esta base existem na Mesa duas propostas: uma, do Sr. Deputado Manuel Lourinho, de eliminação, e outra, do Sr. Deputado Cunha Gonçalves, propondo a substituição da palavra "propriedade" pela palavra "compropriedade".

O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: propus a eliminação desta base por me parecer que, se reina já uma confusão bastante grande dentro do chamado problema do inquilinato, essa confusão, se fizermos a propriedade por andares, atingirá um ponto tal que parecerá um hospital de alienados. Eis a razão por que propus a eliminação.
Tenho dito.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: a base XXV-A deve ser votada, pois visa a regulamentar a propriedade horizontal, cuja existência o artigo 2335.º do Código Civil reconhece.
Não se trata, pois, de uma inovação.
Desnecessário se torna discutir, neste momento, se se trata de compropriedade e se é feliz a designação cuja proficuidade o nosso ilustre colega Sr. Dr. Cunha Gonçalves indica, sem esconder o azedume que lhe causou o facto de a Câmara Corporativa não citar o seu excelente Tratado de Direito Civil.
Importa apenas afirmar que, na vida moderna das grandes cidades, a propriedade horizontal tem cada dia maior importância, o que justifica a necessidade da sua regulamentação urgente.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se.

O Sr. Mário de Figueiredo: -V. Ex.ª dá-me licença, Sr. Presidente? Parece-me que há uma confusão.
O que se quer é acabar com a compropriedade, a não ser que se trate da compropriedade da escada, da compropriedade da entrada, da compropriedade do tecto, etc. Mas essa questão não tem nada que ver com esta de que se trata agora.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu:-Pedi a palavra só para responder às considerações do ilustre Deputado Dr. Manuel Lourinho. Tenho para mim que o restabelecimento, ou melhor, a regulamentação do princípio da propriedade horizontal estabelecido no Código Civil, tem nesta ocasião toda a vantagem e oportunidade.
As confusões que S. Ex.ª receia não devem dar-se desde que o assunto seja expressamente regulado.
Esta modalidade tem frequente aplicação nalguns países, para auxiliar a resolver o problema da habitação, facilitar o investimento de pequenos capitais e facilitar as partilhas nas heranças, sobretudo naqueles casos em que as não constituem imóveis suficientes ou de valor equiparável para ser possível organizar os quinhões sem necessidade de vendê-los ou de encabeçamento num dos herdeiros com o peso das tornas e da sisa.

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Há ainda a adjudicação em comum, que, além da subordinação, traz para os herdeiros o risco de serem arrastados para um inventário por morte de alguém que deixe herdeiros menores, ou de mais tarde, algum, como a lei lhe permite, pedir a divisão.
Em segundo lugar podem várias pessoas, especialmente de família, agrupar-se para adquirirem um prédio, ficando cada um com um pavimento, e ser apenas para isto que chega o seu modesto pecúlio.
E isto quer para morarem, quer para rendimento.
Regulamente o Governo este assunto e estou certo de que ele o fará de modo a ter uma grande vantagem prática na sua aplicação.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Como não está mais ninguém inscrito, vai votar-se em primeiro lugar a proposta de eliminação apresentada pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho.

Submetida à votação foi rejeitada.

O Sr. Presidente: -Vai votar-se agora a base XXV-A, com a alteração proposta pelo Sr. Deputado Cunha Gonçalves.

Submetida à votação, fui rejeitada.

O Sr. Presidente:-Vai votar-se agora a base XXV-A tal como se contém no texto da Câmara Corporativa.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Passamos agora às sociedades anónimas para construção de casas de renda económica e limitada.
Está em discussão a base XXVI.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra sobre esta base, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

Q Sr. Presidente: - Está em discussão a base XXVII. Está na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarães para eliminação desta base.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente, vou fazer breves considerações para confirmar o que já aqui dissera quando apreciei a proposta de lei na generalidade, e que, aliás, já diversas vezes tenho afirmado nesta Assembleia, acerca da intervenção do Estado nas empresas como capitalista. Discordo da intervenção do Estado como capitalista, isto é, como accionista de empresas capitalistas. Lembro-me até de ter feito esta afirmação quando aqui se discutiram os problemas dos caminhos de ferro, da hidroelectricidade e das indústrias fundamentais, em que, como V. Ex.ªs devem estar recordados, o Estado se reservara o direito de intervir nessas empresas privadas como accionista.
Se a essas empresas assiste a faculdade de auferirem lucro remunerador do seu esforço, do seu risco e dos seus capitais, ao Estado .não assiste essa mesma faculdade. O Estado tem outra via para conseguir as receitas indispensáveis à administração do País: é a via fiscal.
O Estado lera muito que fazer sem enveredar pelo caminho perigoso do capitalismo, pois outra coisa não seria que o capitalismo do Estado, que tão discutido tem sido em todo o Mundo.
Eu entendo, Sr. Presidente, que dificilmente se poderia casar, harmonicamente, a função do Estado com as adstritas a empresas privadas.
Já aqui o disse na generalidade. Um tal casamento não é aceite pelas empresas privadas de bom grado; e, quando o aceitam, é unicamente pela necessidade de adquirir fundos. Seria um casamento de interesse. Mas casamento de que não poderiam depois descartar-se, porque lhes seria vedado o divórcio ou mesmo a simples separação de pessoas e bens.
Eu entendo que de facto algumas empresas podem vir a necessitar da assistência do Estado e das autarquias locais. Mas essa está claramente expressa na base XXVIII, que V.Exa., Sr. Presidente, porá à discussão a seguir a esta..
Repito, para concluir, coerentemente com tudo o que aqui tenho dito e proposto por diversas vezes, sobre tão transcendente e perigosa doutrina: eu desejaria ver eliminada esta base.
Ao Estado e às autarquias locais não faltará que fazer de muito benéfico e útil para estimular a construção de prédios, mas nunca transformando-se em capitalistas.
Tenho dito.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: a comissão eventual entende ser de votar esta base.
Reconheço que o Sr. Dr. Antunes Guimarães é coerente com os princípios que sustentou quando da proposta de lei sobre electrificação do País. S. Ex.ª defendeu então a tese socialista, combatendo a solução híbrida da comparticipação do Estado e autarquias locais com as empresas já existentes e o público.
Mas a verdade é que a Assembleia aprovou a orientação do Governo e os resultados tem sido felicíssimos, pois, apesar das grandes dificuldades que existem em obter fornecimentos de tudo o que é necessário para os grandes empreendimentos hidroeléctricos, as obras de aproveitamento do Zêzere e do Cávado e Rabagão progridem a olhos vistos.
Há que construir muitas casas de renda económica e limitada e isso mal poderá fazer-se sem a participação do Estado e das autarquias locais.
É uma grande obra de fomento, que exige capitais avultadíssimos, aliviando da subscrição os particulares na parte em que o Estado e as autarquias o fizerem, e, mais ainda, incutindo confiança no êxito da empresa.
Disse.

O Sr. Luís Pinto Coelho: -Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para me associar, nas suas linhas gerais, às considerações agora apresentadas pelo Sr. Deputado Sá Carneiro.
É que, fundamentalmente, a base XVII não impõe ao Estado ou às autarquias locais a comparticipação no capital destas sociedades; apenas lhes concede uma faculdade, que o Estado ou as autarquias usarão ou não, consoante as circunstâncias lhes aconselhem.
Por outro lado, o Estado e as autarquias só poderão afectar a essas actividades receitas determinadas pela forma também constante da base XVII.
Por último, entendo que, quando se pretende enfrentar um problema desta magnitude, deve ser acarinhado e facilitado tudo quanto tenda a obter um êxito seguro, e é sabido hoje quanto a participação do Estado em entidades desta natureza constitui um elemento de confiança; assim, muitos capitais que noutras circunstâncias poderiam mostrar-se receosos de serem invertidos em semelhantes empresas, desde que saibam que o Estado e as autarquias locais a, elas acorrem, mais facilmente a elas acorrerão também.
Era isto o que tinha a dizer em síntese.

Consultada a Assembleia, foi rejeitada a eliminação da base XXVII, sendo seguidamente aprovada esta base tal como consta do texto sugerido pela Câmara Corporativa.

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O Sr. Presidente: - Está em discussão a base XXVIII, sobre a qual há na Mesa diversas propostas de alteração, que vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes:

Proposta de emenda:

O Governo auxiliará a construção de casas para habitação própria, de renda económica e de renda limitada, prestando a assistência técnica que lhe for pedida e garantindo o fornecimento, a preços reduzidos, de materiais de construção.
O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

Que à base XXVIII se faça o seguinte aditamento:

... e a expropriação, por seu intermédio ou das câmaras municipais, dos terrenos indispensáveis, obrigando este auxílio às empresas comerciais, industriais e agrícolas que se proponham edificar moradias para os seus empregados e assalariados.

Sala das Sessões, 17 de Abril de 1948. -O Deputado João Carlos de Sá Alves.

Proponho que à base XXVIII da proposta do Governo seja dada a seguinte redacção:

O Governo poderá auxiliar a construção de casas de renda económica e limitada e de casas unifamiliares para os sócios de cooperativas constituídas nos termos legais, garantindo o fornecimento a preços predeterminados de materiais de construção, promovendo o fabrico em série desses materiais ou concedendo facilidades de crédito dentro de um justo critério de segurança e estimulo.

O Deputado António Augusto Esteres Mendes Correia.

Aditamento à base XXVIII do Governo, mantida também pela Câmara Corporativa:

Alínea a) A admissão de inquilinos nos prédios de renda limitada construídos nas condições expressas nesta base e na anterior será feita pela câmara municipal respectiva ou pelo serviço público competente, que fará também a entrega das chaves, depois de lavrados os contratos de arrendamento entre a entidade senhoria e o inquilino.

Os Deputados: José Martins de Mira Galvão,
Salvador Nunes Mexia,
Ricardo Spratley,
João Garcia Nunes Mexia,
André Navarro.

O Sr. Manuel Lourinho:-A alteração que propus a esta base resume-se, substancialmente, no acrescentamento de que o auxílio prestado pelo Governo fosse extensivo também à construção de casas para habitação própria. O resto é uma redacção sensivelmente igual à da base respectiva.

O Sr. Mendes Correia: -Fiz a apresentação de uma proposta para uma nova redacção do texto da base em discussão porque me pareceu digno de ser atendido o intuito das sociedades cooperativas para construção de habitações unifamiliares para propriedade dos seus sócios e me pareceu que havia vantagem em, além das formas
de assistência que estão aqui consignadas nesta base, se admitir o apoio das entidades oficiais à concessão de facilidades de crédito a essas sociedades cooperativas.
É desnecessário pôr em evidência perante a Assembleia o alto interesse moral e social dessa tarefa de cooperação para a construção de moradias unifamiliares, que viriam a ser propriedade dos associados das referidas organizações.
Mas parece-me oportuno trazer neste momento, na discussão da base na especialidade, alguns números que são demonstrativos do interesse, da atenção, do carinho, que devem merecer dos Poderes Públicos organizações desse género.
Existe no Porto, desde 1926, uma sociedade cooperativa para construção de moradias unifamiliares nestas condições, sociedade que tem o nome de O Problema da Habitação. Pois já sobe o valor dos prédios construídos, desde a fundação, à soma de 47:591 contos e já estão resgatados pelos respectivos associados prédios no valor de 7:535 contos. Estão em construção prédios na importância de 18:996 contos e há terrenos adquiridos no montante de 8:622 contos.
Em todo o País, desde a sua fundação, esta sociedade cooperativa construiu 506 casas unifamiliares.
Só em 1947 construiu 147 casas. Estão em construção 191.
Esta cooperativa já recebeu alguns empréstimos da Caixa Geral de Depósitos e estão em negociação outros. Creio que será de justiça e de estímulo para iniciativas desta natureza que se consigne na lei o apoio das entidades oficiais a tais organismos, dentro do possível e legal, em matéria de crédito e outras facilidades.
Em Dezembro de 1947 aquela cooperativa contava 9:616 sócios.
Em 1944 constituiu-se no Porto outra cooperativa no mesmo género, intitulada O Lar Familiar. Tem já mais de 5:000 sócios.
Organizou-se em Lisboa ultimamente uma cooperativa da mesma natureza, a Sociedade Nacional de Crédito Imobiliário, que em 31 de Dezembro de 1947 tinha 2:717 sócios e o activo de 24:000 contos, dos quais 20:000 a realizar pelos sócios.
Esta iniciativa e possivelmente outras que eu desconheço estão dentro das disposições dum diploma, que é a lei n.º 2:007.
Creio que, ao tratar-se de disposições relativas a sociedades anónimas para construção de casas de renda económica ou de renda limitada, deve entrar-se também em conta com a necessidade de estímulo para as cooperativas de construção de moradias unifamiliares para os seus associados.
Foi por isso, Sr. Presidente, que propus a emenda a que há pouco foi dada leitura.
E nada mais.

O Sr. Melo Machado: -Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que, salvo o devido respeito, não posso concordar com as alterações propostas a esta base, pelo menos a que diz respeito ao Sr. Deputado Manuel Lourinho.
Na base XVIII diz-se:

O Governo poderá auxiliar a construção de casas de renda económica ou limitada, prestando assistência técnica à construção, garantindo o fornecimento a preços predeterminados de materiais de construção ou promovendo o fabrico em série destes materiais.

Isto, que se pode entender para casas de renda limitada ou de renda económica e que de certo modo representa um sacrifício, não me parece aplicável para as

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casas de habitação própria. Por isso a proposta do Sr. Deputado Lourinho não é, quanto a mim, de votar.
Quanto às considerações acabadas de produzir pelo Sr. Deputado Mendes Correia, está na Mesa, Sr. Presidente, uma proposta que lhe diz respeito e que, se V. Ex.ª a mandar ler, dará lugar a verificar-se que a sua doutrina ficaria talvez melhor separada desta base.
E as razões são as mesmas: é que essas cooperativas, pelas quais eu tenho a maior simpatia e que têm dado as vantagens que há pouco ouvimos referir aqui, constróem também casas de habitação própria, e não é legítimo que o Estado esteja a dar benefícios para a construção de tais moradias.
Peço, pois, a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que mande ler a proposta de uma base nova, XXVIII-A, para assim o Sr. Deputado Mendes Correia ficar esclarecido e poder, se assim o entender, desistir da sua proposta.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Em satisfação do pedido do Sr. Deputado Melo Machado vou mandar ler todas as propostas que há na Mesa sobre esta base e ainda as que dizem respeito a bases novas.

Foram lidas.

O Sr. Sá Carneiro: -Sr. Presidente: sobre a base que estamos discutindo há na Mesa três propostas.
A do Sr. Deputado Sá Alves consiste num aditamento destinado a facultar a expropriação e a alargar o auxilio a que se refere a base às empresas comerciais, industriais e agrícolas que se proponham edificar moradias para os seus empregados e assalariados.
No tocante à expropriação, essa matéria ficou já discutida no sábado passado.
Quanto à parte final da proposta, não se trata de casas de renda económica e limitada, que é o assunto desta parte da proposta.
Por isso a comissão eventual se opõe ao acrescentamento, como se opõe à nova redacção da base XXVII sugerida pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho, pois aí se trata de auxiliar a construção de casas para habitações próprias, e não de casas para dar de arrendamento.

O Sr. Manuel Lourinho: -Quando há pouco defendi a minha base tive ocasião de referir superficialmente que entendia o caso da construção de casas próprias para habitação.

O Orador: -Pelo texto da Câmara Corporativa, mesmo para a construção de casas de renda económica ou limitada, apenas se confere ao Governo uma faculdade, enquanto a redacção apresentada por V. Ex.ª contém uma obrigação para o Estado, pois ai se diz que ele "auxiliará".

O Sr. Manuel Lourinho: -Não existe a obrigação de esse auxilio ser dado para a construção de casas de habitação.

O Orador: - Mas é isso o que do texto de V. Ex.ª se depreende.
Independentemente, porém, desse ponto, o certo é que a comissão considera inconveniente que, a propósito do auxilio facultado- para a construção de casas destinadas a serem dadas de arrendamento, se fale de coisa completamente distinta - o auxílio a conceder para cada um poder construir a sua própria habitação.
Quanto à proposta do Sr. Dr. Mendes Correia, a comissão não lhe dá o seu voto, porque julga melhor evitar-se a base XXVIII-A, que tende a ampliar às cooperativas de construções as facilidades - sejam elas de que natureza forem que venham a ser concedidas às sociedades anónimas de que nos ocupamos.
A aprovação dessa base constituirá uma justa homenagem da Assembleia Nacional a uma iniciativa que desenvolveu por forma extraordinária a construção urbana em todo o País, e especialmente no Norte.
Já em sessão de 7 de Abril de 1943 aludi ao contributo dado por uma das cooperativas existentes no Porto à solução do problema da habitação, notando a insuficiência das garantias fiscais concedidas pela legislação então, como hoje, vigente.
A não aprovação da proposta do Sr. Dr. Mendes Correia por parte da comissão não envolve discordância da parte referente às cooperativas.
Quanto às facilidades de crédito, o que se propõe é muito vago, a nada obrigando. Mais vale nada acrescentar a tal respeito.
E parece-me que não há mais propostas relativas à base que se discute.

O Sr. Presidente: - Há ainda uma proposta do Sr. Deputado Mira Galvão.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o esclarecimento; existe, de facto, essa outra proposta e a comissão eventual dá-lhe o seu voto, pois a mesma tem um fundo mo-ralizador.

O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: volto a insistir na conveniência, que em meu entender é de atender, de que fique especificadamente na base que o auxílio do Estado será também prestado para casas de habitação própria, porquanto, .se em Lisboa se fazem moradias luxuosas, na província é o pequeno proprietário, é o operário, especialmente o indivíduo com pequeno rendimento, que tem como finalidade da sua vida fazer uma casa. Estranho que o Sr. Deputado Melo Machado, que costuma sempre pôr todas a(r) coisas com um fundo moral, não se tendia manifestado de acordo com este meu "ponto de vista.
Insisto, pois, que na base XXVIII fique consignado que o Estado poderá auxiliar a construção para a habitação própria. É claro que ficaria ao critério do Estado dizer quais são as pessoas a quem o problema interessa. Não sendo assim, não me parece que a presente proposta de lei fique .muito justa neste capítulo.

O Sr. Albano de Magalhães:-Sr. Presidente: não sei se a comissão eventual estudou a hipótese das isenções fiscais a todas as sociedades anónimas.
Como se sabe, existem sociedades anónimas civis cujo objecto é a administração e construção de propriedades próprias.
Estas sociedades anónimas constituem-se geralmente para congregar pequenos capitais e para, estabelecendo uma concorrência com os grandes capitalistas, abalançar-se também à realização de grandes obras ou de atender às necessidades de quem aspira a um lar.
O fim destas sociedades anónimas é, pois, fomentar a construção e permitir que comparticipem nessas construções os pequenos capitais.
Sucede, porém, que o grande capitalista que aplica o seu dinheiro num grande edifício paga somente a contribuição predial respeitante a esse edifício.
Se porventura pequenos capitalistas se juntam para constituir uma sociedade e concorrerem com os grandes capitalistas, eles vêem oneradas as suas possibilidades não só com a contribuição predial respectiva, igual à que paga o grande capitalista, mas ainda com vários impostos fiscais com que são oneradas essas sociedades, o que me parece injusto.
Por isso, eu desejaria saber se a comissão eventual pôs esta hipótese e se encontrou uma solução eficiente nesta lei.
Tenho dito.

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O Sr. Mendes Correia: -Sr. Presidente: congratulo--me pelos termos da proposta do ilustre Sr. Deputado Sá Carneiro, relativamente à inclusão neste diploma
de uma base respeitante à extensão das facilidades consignadas na base que está em discussão às sociedades cooperativas- para construção de moradias unifamilia-res para os seus sócios, e, de tal modo, parece-me supérflua a minha proposta de alteração de texto, tanto mais que, como o Sr. Deputado Sá Carneiro e outros ilustres juristas me asseveraram, essas sociedades cooperativas não se incluem no número das sociedades anónimas.
Nestas condições, pediria a V. Ex.ª para propor à Assembleia que autorizasse fosse retirada a minha proposta de emenda, visto eu estar inteiramente de acordo com a proposta da nova base feita pelo Sr. Deputado Sá Carneiro.
E, visto que estou no uso da palavra, apenas observaria o seguinte, a respeito do que me pareceu ouvir ao Sr. Deputado Melo Machado: na verdade, não ouvi bem as palavras de S. Exa.
Mas pareceu-me que se referiu também às condições de fortuna dos elementos componentes dessas sociedades cooperativas, de modo a poder-se supor que são pessoas de recursos elevados. S. Ex.ª diz-me que tal não foi o sentido das suas palavras. Estimo muito isso, porque me apraz afirmar neste lugar que, de uma maneira geral, os sócios dessas cooperativas são gente humilde, modesta, digna de toda a protecção e apoio da nossa parte. Estamos, pois, de acordo e congratulo-me com isso.
Tenho dito.

O Sr. Botelho Monlz: - Sr. Presidente: parece-me que, até certo ponto, o Sr. Deputado Manuel Lourinho tem razão na sua proposta. O auxílio que o Governo pode vir a dar à construção de casas de renda económica ou de renda limitada deve estendesse à propriedade que, por iniciativa individual, determinada pessoa isolada deseja construir para si própria. E isto porquê "í Não me parece lógico que o Governo vá dar auxílio a quem quer ser senhorio, embora com renda limitada, e não o dê, dentro de certos limites, a quem, nestes tempos de desordem social, quer contribuir para a ordem social, adquirindo uma casa própria e tornando-se proprietário.
Se pusermos a isto uma certa limitação do valor da casa, acho que caminharemos para o ideal.
Não devem proteger-se apenas as sociedades anónimas que queiram fazer um negócio perfeitamente -digamos- mercantil, nem somente as sociedades cooperativas que, aglomerando iniciativas particulares, constróem casas para os seus associados. Deve premiar-se também a iniciativa individual de quem quer construir casa para si próprio, embora, repito, dentro de certos limites a estabelecer na lei, para não irmos auxiliar moradias luxuosas.
E devemos ainda lembrar-nos de que cada pessoa que constrói uma casa para si própria deixa, em geral, a casa que anteriormente tinha, para outra pessoa a ir habitar, e assim concorre para resolver o problema da habitação.
Peço, pois, à comissão eventual que considere essa minha sugestão, que seria facilmente incluída na base XXVIII, dizendo por exemplo:
"O Governo poderá auxiliar a construção de casas de renda económica ou limitada, ou de moradias para uso próprio até ao valor de as, prestando assistência técnica à construção, etc..
Creio que assim ficaríamos todos de acordo.
Disse.

O Sr. Melo Machado. - Sr. Presidente: ainda agora, quando me referi às emendas que estavam na Mesa, esqueci referir-me às emendas apresentadas pelo Sr. Deputado Sá Alves, e terei que dizei- a este respeito que já há tantos facilidades de expropriação que bem se pode dispensar mais uma, e estas apresentadas na emenda são em tal medida e em tal largueza que até já as sociedades agrícolas, até mesmo para aquelas que obviamente têm muitos terrenos, podem ter facilidades para expropriar terreno para construção.
Bastam estas considerações para significar que estou em absoluta discordância com esta proposta.
Quanto às considerações do Sr. Deputado Botelho Moniz, não estou fora de concordar com ele. S. Ex.ª disse que era em justa medida, e não me parece que o Estado possa, dar assistência técnica e fornecer materiais, de construção a preço limitado para cada um construir a sua casa. É justo que lhe dê garantias, mas que sejam, por exemplo, de ordem fiscal, e, por consequência, facilite desta forma a construção; mas ir ao ponto a que se refere a emenda do Sr. Deputado Manuel Lourinho parece que não é razoável. É manifestamente conveniente facilitar tudo o que diga respeito à construção, mas é preciso não cair num exagero que possa ser prejudicial.
Tenho dito.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: estamos a votar bases. Essas ba-ses dizem que o Governo apodera". Por consequência, quando o Governo legislar sobre o assunto, ficará com a faculdade de determinar o limite até onde deverá ir. Isto responde, suponho, à objecção do Sr. Deputado Melo Machado.
Tenho dito.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: começo por responder à interrogação do Sr. Deputado Albano de Magalhães sobre o pensamento da comissão acerca da isenção fiscal.
Quando intervim na discussão na generalidade exprimi opinião, meramente pessoal, de que as sociedades anónimas para construção de casas de renda económica e limitada careciam de uma defesa fiscal, para evitar que os seus accionistas estivessem numa situação de desfavor em relação aos proprietários individuais que construíssem casas.
A comissão não deixou de reflectir sobre o caso, mas, como se tratava de matéria fiscal, não quis tomar a responsabilidade de estabelecer qualquer isenção a esse respeito.
Entendemos que ao Governo cumpre estudar o assunto, e foi por isso que na base XXVIII-A empreguei o termo "facilidades".
Eis a resposta ao Sr. Deputado Albano de Magalhães.

O Sr. Albano de Magalhães:-Portanto, a palavra "facilidades" representa uma sugestão ao Governo para conceder isenções fiscais ?

O Orador: - A palavra "facilidades" pode incluir qualquer isenção dessa espécie, em vista da grande latitude desse termo.

Quanto à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho e secundada pelo "Sr. Deputado Botelho Moniz o motivo principal por que discordamos da alteração é o de não estar em causa- esse assunto. Nós estamos a votar uma base que se enquadra na parte "Sociedades anónimas para a construção de casas de renda económica e limitada".

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O Sr. Botelho Moniz:- Só se intitula assim para efeitos deste papel, porque dentro da lei não há esse subtítulo.
Este título aparece aqui apenas para facilitar a ordem dos trabalhos.

O Orador: - Nas base XXVI e XXVIII fala-se nesta sociedades anónimas, e apenas na XXVIII é que não.

O Sr. Botelho Monlz:- Pois é precisamente na base XXVIII que eu entendo que se deve focar este assunto da "casa própria".

O Orador:-Mas as casas própria mão têm aí assento adequado, desde que o artigo se refere apenas a casas de renda.

O Sr. Manuel Lourinho: - Mas exactamente por esse facto é que se deve esclarecer bem que se abrangem também as casas próprias.

O Orador: - E isso é o que a comissão não aceita.
Quando alguém pretende construir uma casa, de duas uma: ou tem dinheiro ou não tem.
Quando tem não "precisa de auxílio, e, se não possui capital suficiente, recorre a qualquer instituição de crédito ou às cooperativas de construção.
O .Sr. Dr. Mendes Correia referiu-se largamente a essas cooperativas e à sua esplêndida acção.
Posso esclarecer, sem qualquer intuito demagógico, que a principal do Porto foi ideada por um modesto empregado .da Companhia Carris de Perro daquela cidade.
Como funcionam tais cooperativas?
A pessoa que deseja construir uma casa dirige-se à cooperativa para o efeito de se inscrever como sócio.
Quando é chamado a construir, a sociedade abona o necessário para a compra do terreno, que é adquirido pela cooperativa, apenas passando, com o prédio, para o sócio quando ele acaba de fazer o pagamento.
No entanto, a cooperativa, hipotecando o prédio à Caixa Geral de Depósitos, obtém o necessário para novas construções.
O pagamento da casa é suave, pois o sócio tem a seu crédito o que pagou desde a sua inscrição (quota mensal dependente do grupo que deseja adquirir), dividindo-se o restante por certo número de anos.
O auxílio dispensado pelo Estado a um simples particular levanta problemas sérios.
Como garantiria os materiais que lhe fossem fornecidos ?

O Sr. Manuel Lourinho: Mas isso é matéria de regulamentação.

Vozes: - Exactamente.

O Orador: - Entendemos que é muito arriscado ampliar o que a base contém.
O Sr. Manuel Lourinho: - É arriscado, mas é justo!

O Orador: - Não sei se é justo; o que sei é que é matéria completamente diferente da que se discute. A matéria, nesta parte, refere-se apenas a construção de casas para arrendar, e não para casas próprias ? E parece-me que está bem.
Tenho dito.

O Sr. Sá Alves: - Sr. Presidente: quero apenas explicar que a minha proposta constitui um simples aditamento à base da proposta tal como se encontra redigida pela Câmara Corporativa, e, como aditamento, está subordinada à mesma proposta. Quer dizer: quando
me refiro a moradias para empregados e assalariados entendo por essa designação moradias de renda limitada. Só assim posso (pedir para essas moradias o benefício que a proposta prevê ou concede para a construção de casas de renda limitada.
Entender-se-ia, portanto, que no regulamento que o Governo venha a fazer das bases que votarmos se especificariam as condições em que essas moradias seriam subordinadas ao regime das casas de renda limitada.
Na parte referente a expropriações quero também explicar que não me parece que esta nova faculdade de expropriação, que no meu aditamento se pretende seja concedida, constitua motivo de justificados receios, porquanto esta expropriação ficaria subordinada ao regime geral, que já está votado por esta Assembleia, ou seja a prévia declaração por utilidade pública decretada pelo Conselho de Ministros.
Parece-me que na declaração da utilidade pública haveria as cautelas suficientes para que se não fossem expropriar terrenos que não fossem de facto necessários.

O Sr. Melo Machado: - Se é nos termos gerais da lei, não é preciso especificá-lo aqui.

O Orador: - Eu também não pretendo que fique aqui especificado, pois apenas (pretendo que às empresas seja assegurado o direito de requerer a expropriação.
Tenho dito.

O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: depois da referência que o ilustre Deputado Sr. Sá Carneiro fez à minha proposta de aditamento à base XXVIII talvez fosse desnecessário fazer uso da palavra sobre este assunto, mas, como podia levantar reparos o facto de o autor da proposta não a defender, resolvi dizer sobre ela duas palavras de justificação.
Como V. Ex.ª sabe, Sr. Presidente, e é do conhecimento da Assembleia, as câmaras, ou, pelo menos, a Câmara Municipal de Lisboa, têm dado facilidades para a construção de casas com renda limitada, com o fim de facultar às classes menos abastadas a obtenção de moradas de renda comportável com os seus magros rendimentos e na base em discussão também o Governo se propõe dar outras facilidades no fornecimento de materiais de construção por preços determinados e assistência técnica.
Algumas casas estão já sendo edificadas em Lisboa neste regime e, apesar de a construção estar ainda nos alicerces, ou pouco mais, segundo me consta, já os construtores estão fazendo contratos de "arrendamento de algumas futuras moradias.
As rendas estipuladas são de 680$, mas além da renda os construtores exigem pela entrega da chave 14.000$.
Isto, Sr. Presidente, representa uma violência e um abuso, a que é preciso pôr cobro na medida do possível, e por isso procurei introduzir na proposta de lei em discussão uma disposição tendente a evitar esse abuso.
O problema não é de fácil solução, sem alguns inconvenientes, e, depois de muito pensar nele, pareceu-me que, reservando para a câmara municipal respectiva ou para outra entidade pública competente a atribuição de fazei- a admissão dos inquilinos e entrega das chaves, seria, pelo menos, posto um travão a esse abuso cometido pelos industriais de construções desta natureza.
Foi este o fim da minha proposta de aditamento que tive a honra de enviar para a Mesa, assinada também por mais quatro Srs. Deputados.
Tenho dito.

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O Sr.Botelho Moniz: -Sr. Presidente: é simplesmente para responder ao argumento do Sr. Deputado Sá Carneiro quando se referiu a sociedades anónimas e a sociedades cooperativas.
Ora a base XXVIII diz o seguinte:

O Governo poderá auxiliar a construção de casas de renda económica ou limitada, etc.

Por consequência, o auxílio definido nesta base XXVIII tanto será dado a casas de renda económica ou limitada que sejam propriedade de sociedades anónimas, como às que o sejam de sociedades cooperativas, como ainda às que sejam propriedade de particulares.
Amanha, se uma câmara municipal puser em praça terrenos para casas de renda económica ou limitada e se um indivíduo qualquer adquirir esse terreno, constrói casas para fins mercantis nas condições determinadas e definidas, quer na lei quer no contrato com a câmara. Portanto, neste caso não se trata nem de sociedades anónimas nem de sociedades cooperativas. E esse indivíduo receberá benefícios para o seu negócio que não são concedidos a quem queira construir a sua própria casa. É isto justo?
Existe um argumento, que não foi ainda empregado aqui, que parece contrariar o meu desejo de que o auxílio oficial se estenda ao proprietário de moradia própria.
E dizer-se que amanhã, devido à permissão desta base, se podem, fazer favores a amigos.
Mas, vamos com Deus! Por esta base tanto se podem fazer em relação a casas para moradias próprias, como para casas de renda económica ou limitada, se o Estado não se acautelar na regulamentação a estabelecer.
Tenho dito.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: a exegese do Sr. Deputado Botelho -Moniz é sustentável. Pode realmente defender-se a opinião de que esta base, apesar do título da parte em que vem incluída, se refere a casas de renda limitada que pertençam a particulares. Mas, mesmo que assim fosse, entendo que não era para ampliar a casa para habitação própria, porque essas é que estão excluídas da base.

O Sr. Botelho Moniz: - Evidentemente! Estamos aqui ,para aprovar ou reprovar a base ou paia alterá-la!

O Orador: - Entendo que não convém ampliar à hipótese de habitação própria, porque a função de dar crédito a esses particulares cabe às instituições bancárias. Todos sabemos que os bancos têm auxiliado essas construções particulares, concedendo hipotecas sobre os terrenos, sobre paredes, à medida que vão sendo construídas, e assim sucessivamente.

O Sr. Botelho Moniz:-V. Ex.ª desculpe: não se trata nada de crédito nesta base. Está bem definido o âmbito dela.
Leu a base.
Crédito, como se vê, é que aqui não terão.

O Orador: - A isso respondo que na proposta do Sr. Dr. Mendes Correia, que ainda não foi retirada da discussão, se fala também de crédito.
E na base XXVIII há, além do mais, o fornecimento de materiais de construção.

O Sr. Manuel Lourinho: - Desejava que V. Ex.ª me informasse se nas considerações que fez representa o pensamento da comissão eventual e se essa comissão é
contrária ao auxílio dado pelo Estado para a construção de casas destinadas a habitação própria.

O Sr. Sá Carneiro: - Exactamente.

Consultada a Assembleia, foi autorizado o Sr. Deputado Mendes Correia a retirar a sua proposta.

Submetida, à votação foi rejeitada a proposta de substituição do Sr. Deputado Manuel Lourinho e aprovado o texto da base XXVIII tal como se contém no parecer da Câmara Corporativa.

Seguidamente foi rejeitado o aditamentonto proposto pelo Sr. Deputado Sá Alves e aprovado o aditamento do Sr. Deputado Mira Galvão.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a base XXVIII-A, do Sr. Deputado Manuel Lourinho.

Foi lida. É a seguinte:

BASE NOVA
O Estado estudará, no prazo mínimo, a possibilidade de construção de casas de tipo rural, em harmonia com os usos e costumes das diferentes regiões ido País e em ordem a promover melhores condições de higiene e de conforto para a habitação do rural. Para o efeito fará:
a) A concessão, por empréstimo, dos .materiais necessários para os construções;
b) Nas mesmas normas da alínea anterior, ajudará reconstrução ou melhoria da casa rural;
c) Para o disposto nas alíneas anteriores, a título gratuito, que sejam fornecidos todos os elementos de que disponham as repartições técnicas e, directamente, os serviços competentes das autarquias- locais.

Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948. - O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.

O Sr. Presidente: - Há também na Mesa uma proposta, subscrita pelo .Sr. Deputado iSá Carneiro e outros Srs. Deputados, para. uma base XXVIII-A.
Vai ler-se.

Foi lida. É a seguinte:

As facilidades que forem, dadas às sociedades anónimas para a construção de casas de renda económica e limitada serão tornadas extensivas às sociedades cooperativas existentes ou que venham a constituir-se para a construção de casas para os seus sócios.

Os Deputados:
José Gualberto de Sá Carneiro,
Luís Maria Lopes da Fonseca,
João Luís Augusto das Neves,
Francisco de Melo Machado,
Manuel Ribeiro Ferreira.

O Sr. Sá Carneiro: -Desejo ser esclarecido sobre se as casas a que a nova base do Sr. Manuel Lourinho se refere são para arrendar ou para uso próprio.
Se essas casas se destinam a habitação própria, parece-me que a proposta está prejudicada.

O Sr. Manuel Lourinho: - Quando foi da discussão do projecto de .lei sobre casais agrícolas tive ocasião de manifestar o meu pensamento sobre o que entendia que devia ser a casa rural.
Não tenho neste momento aqui os elementos necessários para reconstituir todas as considerações que então fiz a este respeito.
Claramente que me refiro à habitação própria e, embora o Sr. Deputado Sá Carneiro diga que o assunto está

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prejudicado, sou absolutamente de opinião contrária, visto tratar-se de um assunto inteiramente novo.
Trata-se de habitações rurais, quando essas habitações têm de ser beneficiadas, não só na sua reconstrução como na sua melhoria, e ainda em condições completamente diferentes daquelas que existem em Portugal.
Não tenho aqui números, mas isso pouco importa. Lembro apenas que todos aqueles que têm contactado com o homem do campo sabem que é preciso que a sua habitação seja melhorada.
Foi obedecendo um pouco à doutrina do capítulo que me pareceu que o auxílio do Estado deva fazer-se. É por isso que pretendo que a. base especifique isso.

O Sr. Sá Carneiro:-Quanto à base XXVIII-A proposta por cinco Deputados, a comissão dá-lhe, como já tive ensejo de dizer, a sua aprovação.
Relativamente às casas de tipo rural, sem deixar de reconhecer que a ideia é muito interessante, insisto em que a matéria está prejudicada.
O Sr. Deputado Manuel Lourinho esclareceu que as casas de construção são para habitação própria, e não para dar de arrendamento.
E a Assembleia já repudiou o auxílio do Estado para habitações próprias, pelo que não pode particularizar agora esse auxílio. Suponho, por isso, que o assunto está prejudicado por aquela votação, anãs V. Ex.ª, Sr. Presidente, resolverá.

O Sr. Presidente: - As considerações do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre a proposta do Sr. Deputado Manuel Lourinho procedem.
A Câmara, rejeitando a proposta de substituição da base XXYIII apresentada pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho, fê-lo, como resulta da discussão, pôr não concordar com o auxílio do Estado à construção de moradias próprias, de que as habitações de tipo rural, objecto da
presente proposta, são uma modalidade, e por isso esta proposta deve considerar-se prejudicada pela decisão que a Assembleia tomou sobre a base XXVIII.
Nestas condições, não submeto à votação aquela proposta.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a base XXVIII-A, do Sr. Deputado Sá Carneiro e outros Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vamos passar agora à discussão da matéria sobre inquilinato. Conforme a Assembleia votou, seguiremos o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro, ou seja, o primeiro parecer daquela Câmara.
Interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente:- Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º do parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro.
Vão ser lidas as propostas de alteração que sobre estes artigos se encontram na Mesa.

Foram lidas. São as seguintes:

Propomos a eliminação da alínea c) do artigo 2.º e que ao n.º 2 desse artigo se dê a seguinte redacção :

2. A falta de escritora, quando se trate de arrendamento sujeito a registo, não impedirá que o contrato subsista, para todos os efeitos, como semestral.
Todavia, no caso da alínea b) o contrato não reduzido a escritura será absolutamente nulo e não poderá ser admitido em juízo nem invocado perante qualquer autoridade ou repartição pública.

O Deputado Mário de Figueiredo.

O Sr. Presidente:-Estão em discussão.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: antes de iniciar a apreciação na especialidade dos primeiros artigos do texto apresentado pela Câmara Corporativa em substituição do artigo 1.º do projecto n.º 104 quero agradecer a todos os Srs. Deputados que, ao discutirem na generalidade aquele projecto, tiveram apreciações muito generosas para o mesmo.
Entrando na apreciação concreta dos textos: a minha preferência pelo sistema que não exige documento para a validade do contrato de arrendamento ficou expressa na justificação geral do projecto.
Vivemos um regime complicado relativamente à forma do contrato.
Quando a renda contratual seja inferior a 2$50 mensais - e não é natural que hoje se convencione remunerações desse montante! - os contratos podem ser feitos verbalmente (artigo 45.º do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919).
Sendo a renda superior à indicada, o arrendamento tem, por força do artigo 44.º do citado diploma, de ser feito por escrito, com a assinatura do senhorio e do arrendatário.
Mas a lei n.º 1:662 veio, de certo modo, prejudicar a avalancha de acções de reivindicações que a esse tempo pendiam.
O acréscimo de garantias e privilégios que desde o decreto de 12 de Novembro de 1910 foram sendo concedidos aos arrendatários levou, como era natural, os senhorios a procurarem subtrair-se ao rigor desse regime, colocando os arrendatários à sua mercê. E serviam-se do expediente de não reduzirem a escrito o contrato, para terem meio de tomar conta do prédio quando lhes aprouvesse.
Essa atitude, se podia considerar-se humana, ante o excessivo proteccionismo dispensado ao arrendatário, não era defensável.
Por isso foi bem recebido o artigo 2.º daquela lei, ao dispor que os arrendamentos de prédios urbanos seriam, não obstante a falta de titulo escrito, reconhecidos em juízo por qualquer outro meio de prova, quando se demonstrasse que a falta era imputável a negligência, coacção, dolo ou má fé do senhorio; e tal prova era possível em qualquer estado da causa, antes de efectuado o despejo, a requerimento do réu, sendo ouvido o autor.
A inovação tinha, porém, sentido unilateral, pois apenas ao arrendatário se facultava a demonstração de a falta de documento ser devida ao outro outorgante.
Desta sorte, o proprietário locador ficava em situação de inferioridade.
Ainda que lhe interessasse a validação do contrato verbal, estava inibido de fazê-lo.
No entanto, se quisesse reivindicar o prédio, corria o risco de o arrendatário fazer com verdade ou sem ela a demonstração de que o senhorio incorrera em qualquer das nefandas e múltiplas faltas que o artigo 4.º enumerava.
A solução era, consequentemente, parcial e incompleta.
O artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, constitui indiscutível aperfeiçoamento do regime

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dos arrendamentos verbais, já que facultou a qualquer das partes a demonstração, por qualquer meio de prova, de que a falta de arrendamento escrito era imputável ao senhorio ou ao arrendatário.
Quanto a este, estabeleceu-se a obrigação de sendo réu, alegar na defesa a imputabilidade da inexistência do papel de arrendamento. E expressamente se dispôs que o senhorio poderia usar da acção de despejo independentemente da apresentação do titulo, desde que alegasse que o mesmo não existia por falta imputável ao arrendatário.
Esta permissão não tem a eficácia que poderia imaginar-se.
O senhorio, se não fizer a prova exigida pelo artigo, não vê sequer o mérito da causa apreciado.
E nem saberá que acção intentar.
Se propuser a da reivindicação, bem pode nela decair, se o arrendatário nela alegar e provar que a falta é imputável ao senhorio.
Nem se diga que a situação de um e outro fica garantida com a notificação judicial para a feitura do título.
For um lado, pode discutir-se se as cláusulas mencionadas no requerimento para notificação ou requeridas no cartório ou secretaria notarial correspondiam à verdade. E bem podiam as testemunhas provar coisa diversa do que naqueles lugares se havia alegado.
Por outro lado, a imputabilidade da falta do papiro podia anteceder a notificação, criando direitos à outra parte.
Se, na maior parte dos casos, ao senhorio caberá a responsabilidade de o arrendatário não ser possuidor do documento, casos há em que só ao arrendatário cabe a culpa dessa inexistência.
Em muitas, senão na maioria, das hipóteses, a ambos os outorgantes do arrendamento verbal caberá a culpa de o título não existir.
E parece que nessa eventualidade o artigo 1.º não se aplica.
Os julgados dividem-se, os advogados sentem-se embaraçados para aconselhar os interessados e estes não garantidos.
Tudo isto determinou a inclusão no projecto, como legenda inicial, do princípio de que o arrendamento verbal de prédios urbanos produz efeitos jurídicos, isto é, que o contrato aludido não carece de ser reduzido a escrito.
No entanto, porque a forma escrita dá mais garantias a todos, estabeleceu-se que, feito o documento, nenhuma modificação dele será eficaz sem que consto de titulo de igual força e que serão inaplicáveis a esses arrendamentos as prescrições do artigo 5.º, §§ 6.º e 7.º, da lei n.º 1:662.
Esta última disposição não terá interesse se for votada a extinção dessas prescrições, como a Câmara Corporativa propõe e eu aplaudo.
No entanto, a outra é da maior importância, em face da jurisprudência, bastante generalizada, que. admite qualquer meio de prova para demonstrar a modificação de cláusulas vitais do arrendamento.
A Câmara Corporativa propõe que apenas possam provar-se por documentos as estipulações que importem alteração ao regime supletivo do contrato e que na falta de escrito se entende que o prédio é destinado a habitação.
E restringindo a amplitude do projecto, limita a possibilidade de prova do arrendamento ao caso de se exibir, pelo menos, um recibo assinado pelo senhorio ou por quem suas vezes fizesse.
Esta última exigência destina-se a arredar o perigo de invocar arrendamento quem estava na casa por outro título ou até por acto de mero favor.
E evitará o inconveniente de um verdadeiro arrendatário inutilizar os recibos da verdadeira renda, para fantasiar outra mais exígua.
Esta a regra.
Estabelecem-se, porém, três excepções:
1)Arrendamentos sujeitos a registo;
2)Arrendamentos para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal;
3) Arrendamentos de prédios ou partes de prédios onde há menos de um ano tenha existido estabelecimento comercial ou industrial, consultório ou escritório de profissão liberal.
Este terceiro caso suprime-se na alteração do artigo 2.º proposta pelo ilustre deputado Sr. Dr. Mário de Figueiredo em nome da comissão eventual.
É que a mesma não se justificava.
O artigo 1.º, § 1.º, n.º 2.º, do projecto, se não primava pela redacção, tinha o claro intuito de perfilhar a jurisprudência, que antes não fora ainda assente, segundo a qual apenas os primeiros arrendamentos comerciais, industriais ou para consultório ou escritório não podiam ser verbais.
Mas, para que não haja o receio de os contraentes convencionarem para habitação arrendamento que, de verdade, se fizera pára qualquer daqueles fins, adopta-se a sanção do artigo 2.º do decreto n.º 27:235, de 23 de Novembro de 1936, para tais arrendamentos.
Isto, ligado ao n.º 3 do artigo 1.º e à possível supressão das prescrições, garante em absoluto que não serão admissíveis fraudes.
Relativamente aos arrendamentos sujeitos a registo, a Câmara Corporativa sugere que eles sejam válidos como semestrais.
Consegue-se, deste modo, a redução dos negócios jurídicos, que a jurisprudência não tem aceitado.
O artigo 3.º satisfaz ao que interessa ao fisco.
Por mais que este tenha pretendido obrigar aos arrendamentos escritos, não há forma de compelir as partes a outorgarem-nos.
Mais vale, pois, reconhecer o que com verdade se passa e regular as obrigações do senhorio quando o contrato seja meramente verbal.
Eis, Sr. Presidente, o que de momento tinha a dizer.

O Sr. Carlos Borges:-Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que, quanto ao n.º 2 do artigo 1.º, não me parece bem cabida essa disposição.
Concordo com o n.º l, o qual acho que, por princípio, é aceitável.
Mas já não concordo com o n.º 2, precisamente por aquelas razões aduzidas pelo. Sr. Deputado Sá Carneiro.
Disse S. Ex.ª que os senhorios não outorgavam por escrito no arrendamento para se defenderem dos arrendatários e os arrendatários ficavam à mercê dos senhorios.
Eu simplesmente direi a S. Ex.ª que tem de se prescindir do .título de arrendamento, porque era uma arma contra o arrendatário, visto que pode agravar o arrendamento; mias agora em muito pior situação ficam os arrendatários por força do n.º 2, pois pode suceder que o arrendatário, no fim do mês ou no fim do ano, vá pagar a renda o senhorio não lhe passe o recibo.
Mais do que nunca o arrendatário fica à mercê do senhorio.

O Sr. Mário de Figueiredo:-Se o senhorio não recebe a renda, o arrendatário não tem mais que fazer do que depositá-la!

O Orador: - Não deposita, não, porque não tem provas.

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O Sr. Sá Carneiro: - V. Ex.ª dá-me licença?
A forma normal de se fazerem as coisas é a de que as pessoas que pretendem arrendar uma casa fazem o contrato, pagam dois meses, de renda e, se o senhorio não lhes passar recibo, o inquilino vê logo quais são as suas intenções ...

O Orador: -E se ele precisar de casa vai mesmo para dentro dela. Se há senhorios que não são capazes de o fazer, há outros que o são. Se o arrendatário é correcto, não usa das facilidades que a lei lhe dá e das manhas que os advogados lhe ensinam.
Eu ponho assim este problema: se o princípio está certo, se o contrato de arrendamento não precisa de ser escrito, para que st1 exige depois para o contrato de arrendamento o recibo?
Devo dizer que conheço muitos casos de senhorios que arrendam as casas dizendo terminantemente aos arrendatários que não fazem arrendamento e V. Ex.ª sabem que o arrendatário quando precisa da casa sujeita-se. Esta é a primeira objecção.
A outra é um pedido de explicações ao Sr. Deputado Sá Carneiro.
Diz-se que se pode considerar nulo o contrato que não seja feito por escritura pública.
Mas o n.º2 diz:

A falta de escritura pública importa nulidade, excepto se se tratar de arrendamentos sujeitos a registo, que subsistem para todos os efeitos como semestrais.

Então o arrendamento é nulo e subsiste como semestral? Não compreendo.
Não estou a fazer obstrucionismo ou oposição ao trabalho do Sr. Deputado Sá Carneiro; simplesmente me pretendo esclarecer para votar conscientemente, porque conscienciosamente costumo votar sempre.

Uma VOZ: - Mas há na mesa uma proposta a esse respeito.

O Orador:- Se realmente há na Mesa uma proposta de alteração que vem de encontro a esta minha objecção, evidentemente estive a dizer palavras inúteis, mas ignorava a existência dessa proposta. Porém, a minha pergunta fica de pé e V. Ex.ª poderá responder de uma maneira muito simples: já está na Mesa uma proposta que explica tudo, e eu nada mais tenho a dizer e calo-me.

O Sr. Sá Carneiro:-Sr. Presidente: eu tenho a maior consideração pelo meu ilustre colega Sr. Dr. Carlos Borges .e, portanto, não vou dizer-lhe simplesmente que as explicações que S. Ex.ª pede melhor poderiam buscar-se no parecer da Câmara Corporativa, porque essa matéria não foi proposta por mim...

O Sr. Carlos Borges:- . . nem perfilhada?

O Orador:-Ato este momento não defini a minha atitude relativamente a ela, mas não tenho dúvida em declarar que, em principio, aceito a alteração.

O Sr. Carlos Borges:-Então, já vê...

O Orador:-Na discussão parlamentar da lei n.º 1:602 chegou a dar-se ao artigo de que resultou o 4.º dessa lei redacção que exigia, pelo menos, os recibos, para desse modo se evitar que invoque a qualidade de arrendatário quem nunca a teve.
E não se diga que o senhorio, depois da lei, deixará de passá-los, para ter o arrendatário na mão.
Quando alguém recebe as chaves de um prédio paga, normalmente, dois meses de renda contra recibo; se o senhorio não o passar, só um louco não desconfiará dessa atitude.
Disseram alguns Srs. Deputados que o inquilino podia fazer o depósito. Entendo que, a manter-se o texto da Camará Corporativa, tal não é possível. Se o contrato não existe juridicamente, não há renda e não pode haver depósito dela.
Nesta parte, parece-me que o Sr. Deputado Carlos Borges tem razão.
O segundo ponto é o caso dos arrendamentos sujeitos a registo.
Sem escritura é impossível a efectivação desse registo.
Talvez a redacção do n.º 2 não seja muito feliz, mas nem por isso poderá apelidar-se de errada - nem o erro palpável seria natural em parecer subscrito por uma plêiade de professores universitários.
O contrato era nulo como a longo prazo, mas válido como semestral.
Todavia a redacção proposta pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo faz com que a própria sombra da suposta contradição deixe de existir, pois já não se fala da nulidade do arrendamento.

O Sr. Carlos Borges:-Agora percebo.

O Sr. Proença Duarte: -Sr. Presidente: a forma do contrato é um. dos pontos fundamentais da proposta de lei em discussão para a disciplina jurídica das relações entre senhorios e inquilinos. A lei n.º 1:662, longe de prejudicar, antes veio dar valor aos contratos não reduzidos a escrito, e uma das principais questões que resolveu foi sobre arrendamentos não escritos e que se desfaziam por meio da acção de reivindicação de propriedade e posse, de processo ordinário ou sumário, para se obter o despejo dos inquilinos que não tinham contrato de arrendamento escrito.
Foi publicada a lei n.º 1:662 e melhorada depois pelo decreto n.º 22:661, resultando daí que, na realidade, o problema ficou definido e arrumado, porquanto o inquilino que não tinha contrato escrito de arrendamento poderia fazer notificar o senhorio para que este o passasse e vice-versa; o senhorio ficava também, quando a lei lho permitisse e quisesse pôr a acção de despejo em juízo, com o direito de notificar o inquilino para que se reduzisse a escrito o contrato de arrendamento, e hoje, em face da jurisprudência assente, o problema está realmente arrumado e as garantias são idênticas para o senhorio e para o inquilino.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Sá Carneiro: - Permita V. Ex.ª que eu discorde. Tive já ensejo de mostrar que a jurisprudência não é pacífica.
Tanto assim que ainda há dias o Supremo Tribunal de Justiça proferiu um acórdão dizendo que sempre que não há título se deve entender que a culpa é do senhorio.

O Sr. Sá Alves: - Isso foi criticado pela Revista de Legislação e Jurisprudência e houve nesse aresto um juiz vencido.

Vozes:-É doutrina que ainda não está assente.

O Orador: - Para mim, Sr. Presidente, considero que este artigo 1.º, tal como está redigido, vai ser uma grande fonte de questões, a maior fonte de questões do inquilinato.

Vozes:-Muito bem!

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O Orador: - Já aqui disse o Sr. Dr. Bustorff da Silva, e di-lo-ão todos os que vivem na vida do foro, a facilidade com que pela prova testemunhal se prova tudo e mais alguma coisa ...
Se formos atribuir valor ao contrato não escrito, vamos criar uma fonte de discórdias em que, necessariamente, o inquilino há-de ser o vencido, porque ...

O Sr. Sá Carneiro: - Desculpe V. Ex.ª, mas a crítica ao sistema proposto não se harmoniza com o louvor de V. Ex.ª ao actual, pois este tem defeitos que o projecto visa corrigir; mantém-se, porém, o princípio da oralidade e alarga-se mesmo.
O actual regime não é bom.

O Orador: - Melhor do que aquele que se pretende estabelecer.
Tanto o senhorio como o inquilino têm o direito de se fazerem notificar reciprocamente. For isso entendo que é preferível o regime actual..
Quando o contrato é puramente verbal, como determinar em pleito judicial as cláusulas do contrato ?

O Sr. Braga da Cruz:-V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª conhece bem quais as consequências dessa notificação para reduzir a escrito os contratos de arrendamento ?
Regra geral nunca chegam a acordo.

O Orador:-Depois, Sr. Presidente, como V. Ex.ª muito bem sabe, cada um tem de fazer a prova nos tribunais se as cláusulas são ou não são aquelas que o notificante fez inserir no pedido de notificação. De forma que, Sr. Presidente, estabelecer validade jurídica para os contratos de arrendamento não escritos é dar lugar a que o senhorio amanhã venha pôr acção de reivindicação contra o inquilino, em que vai discutir-se se eram estas ou aquelas as cláusulas e em que o inquilino, por natureza mais fraco, necessariamente soçobrará à primeira, segunda ou terceira acção.
Acho um contra-senso que se possa substituir o contrato escrito por um simples recibo e que, portanto, no futuro esse simples recibo possa constituir a defesa do arrendatário. Porque não se exigir logo o arrendamento ?
Parece-me que este é um artigo fundamental do inquilinato e que precisa de ser meditado, senão maior vai ser a anarquia na nossa jurisprudência e mais casos vai haver sobre a lei do inquilinato.
Se, portanto, tiver de subsistir o corpo do artigo 1.º, eu não posso concordar em que subsista o n.º 2 desce mesmo artigo.
Voto, portanto, contra o n.º 2, se se aprovar o corpo do artigo tal como está redigido. Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada, o debate continuará na sessão de amanhã.
Peço a atenção da Assembleia.
Convoco a comissão eventual para amanhã às 11 horas e 30 minutos.
A ordem do dia da sessão de amanhã será a mesma designada para hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

Sr. Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano Duarte Silva.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
António Carlos Borges.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
José Maria de Sacadura Botte.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Ricardo Malhou Durão.

Sr s. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nunes de Figueiredo.
Manuel Beja Corte-Real.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 574

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