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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 174

ANO DE 1949 16 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 174 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 15 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidenta declarou aberta a sessão às 15 horas e 58 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 172.
Leu-se o expediente.
Foi negado, autorização para o Sr. Deputado Belchior da Costa depor amanhã no tribunal da comarca da Feira.
O Sr. Deputado Mira Galeão ocupou-se da crise dos trabalhadores rurais no Baixo Alentejo.
O Sr. Deputado Madeira Pinto solicitou do Governo providencias a favor dos cegos.
O Sr. Deputado Profano de Melo tratou de vários problemas que interessam à Índia Portuguesa.
O Sr. Deputado Mário de Aguiar solicitou do Governo a urgente construção do Palácio da Justiça de Lisboa.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Nunes Mexia realizou o seu aviso prévio acerca da crise da cortiça.
O Sr. Presidente concedeu a generalização do debate, a requerimento do Sr. Deputado Luís Teotónio Pereira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Finto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.

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José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 58 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 172.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação sobre o referido Diário, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o

Expediente

Telegramas

Subscrito pelo conselho particular das Conferências de S. Vicente de Paulo de Cascais, representando as Conferências de Cascais, Estoril, Parede, Carcavelos, Oeiras, Paço de Arcos e Caxias, em que pede a inserção de um novo número na base VI da proposta de lei sobre o ensino particular, conforme é sugerido pelo relator do parecer da Câmara Corporativa, na certeza de que assim o exige, como se diz, quanto Portugal deve à Igreja, aos institutos religiosos e à verdadeira educação nacional.

No mesmo sentido, mais cinquenta e nove, de diferentes partes do País e assinados por numerosas pessoas e entidades.
Subscrito pelos Grémios da Lavoura do distrito de Leiria, de protesto contra as afirmações do Sr. Deputado Albano de Magalhães sobre a acção dos grémios da lavoura.

Dos Grémios da Lavoura de Pombal, Alandroal, Reguengos de Monsaraz, Portel, Moura, Barrancos e Arraiolos, de apoio ao aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado, sobre a necessidade da restauração do Ministério da Agricultura.

Subscrito pelas mulheres católicas de Ponte de Lima, expressando a sua gratidão para com o Sr. Deputado Botelho Moniz pela atitude que tomou na última campanha eleitoral.

Ofícios

Do Gabinete do Sr. Ministro das Colónias, remetendo cópia de dois telegramas da Secção do Lobito do Sindicato dos Empregados do Comércio de Angola e do Sindicato de Pesca de Moçâmedes, de apoio à acção do Sr. Governador-Geral de Angola e de protesto contra os termos do aviso prévio do Sr. Deputado Henrique Galvão sobre a administração daquela colónia.

Do Comité Interparlamentar Permanente de Turismo, com sede em Génova, manifestando o seu interesse pela nomeação de um representante da Assembleia Nacional junto daquele Comité e comunicando que a reunião do mesmo se efectua em Nice, de 19 a 24 de Abril próximo, para tratar de importantes problemas, ao mesmo tempo que se realizará a sessão do Conselho da União Interparlamentar de Génova, embora com carácter de plena independência.

O Sr. Presidente: - O juiz de direito da comarca da Feira solicitou autorização para o Sr. Deputado Belchior da Costa depor num processo que será julgado amanhã.
O Sr. Deputado Belchior da Costa informa que vê inconveniente nessa autorização, visto que deseja assistir e, talvez, tomar parte no debate sobre o aviso prévio que está na ordem do dia. Não veria inconveniente para outro dia, mas amanhã prejudica-o, pela razão exposta.
A Câmara tem recusado autorizações desta natureza quando tem conhecimento de qualquer inconveniência para o seu funcionamento resultante da concessão das mesmas.
Vou, porém, pôr o pedido à votação da Câmara.

Submetido à votação, foi negada a autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mira Galvão.

O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: no dia 11 último recebi o Diário do Alentejo do dia 9, que se publica em Beja, o qual insere uma carta aberta do meu colega João de Sena Cabral, lavrador em Ourique, intitulada: «O Grave Problema Alentejano», em que me faz um, apelo para que dê conhecimento à Câmara e ao Governo da difícil situação económica que está atravessando a classe dos trabalhadores rurais daquele concelho, devido à falta de trabalho.
Por ser um assunto de urgência e de grande importância, desejei, como V. Ex.ª sabe, apresentá-lo à Câmara nesse mesmo dia, mas como nessa sessão V. Ex.ª não pôde abrir o período de antes da ordem do dia, por ser necessário terminar a discussão do aviso prévio sobre o restabelecimento do Ministério da Agricultura, foi forçoso adiar para hoje este assunto.
É com prazer que sirvo de medianeiro das populações rurais do meu distrito junto desta Câmara e do Governo, mas é com o coração compungido que o faço, por conhecer

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bastante bem - ao contrário do que o meu colega Cabral julga - a situação angustiosa que a classe dos trabalhadores rurais atravessa e saber a dificuldade ou mesmo impossibilidade que os agricultores têm de os socorrer mais e melhor do que o têm feito.
Diz assim o apelo deste meu colega, depois de várias considerações de ordem geral sobre as crises de trabalho:

No meu concelho o Governo e a Câmara Municipal, com a intenção de acudir à falta de trabalho, iniciaram trabalhos em estradas perto das povoações; duraram pouco mais de quinze dias esses trabalhos, sendo despedidos só na freguesia de Ourique mais de cem homens, segundo me informam.
Como viverá esta gente até às ceifas? Mondas há poucas, visto os trigos terem pouca erva, devido ao tempo seco, e os lavradores pequenos e médios terem ainda menos dinheiro. Uns lavradores pequenos chamaram vinte mulheres para mondarem o trigo; apareceram mais de duzentas e também homens para ganharem o mesmo que as mulheres, isto é, 7$! O trabalho durou um dia!
Julgo interpretar o desejo de todos pedindo a V. Ex.ª para que na Assembleia Nacional apresente este assunto com a maior urgência ao Governo, a fim de procurar resolver este estado de coisas.

Isto é absolutamente verdade, Sr. Presidente, e não é só no concelho de Ourique, mas em todos os concelhos do sul do distrito, onde só se faz a cultura cerealífera, assim acontece, pois até em concelhos mais ricos do que estes e de culturas mais variadas, onde há mais possibilidade de emprego de braços, como os de Beja, Ferreira, Vidigueira, Serpa, Moura, etc., a crise é assustadora.
Eu sei, Sr. Presidente, que as autoridades locais não têm descurado este assunto e que o Sr. Governador Civil tem feito altas diligências junto do Governo para abrir e subsidiar, ali, trabalhos públicos onde se empregue a maior parte dos braços que não têm trabalho na agricultura, por falta de disponibilidades em poder dos lavradores, mal resultante dos maus anos agrícolas, dificuldades agravadas ainda pela falta de mondas, por a erva não ter crescido este ano devido à escassez das chuvas.
Se alguma coisa o Sr. Governador Civil tem conseguido e alguns trabalhos têm sido abertos, o certo é que eles são ainda insuficientes para absorver os braços que demandam trabalho e precisam do ganho diário para viver.
Uma tal situação não é compatível com a elaboração demorada de projectos, nem com formalidades complicadas da burocracia. É necessário encarar o problema com a gravidade com que ele se apresenta e resolvê-lo no seu complexo sem hesitações nem demoras, porque a necessidade que os trabalhadores rurais têm de angariar é sustento de todos os dias não se coaduna com a demora de prolongados estudos nem complicadas autorizações.
E, para que não se diga que faço apenas críticas e não apresento soluções, direi que num estudo que está a sair do prelo eu analiso o problema da crise por que estão passando o seareiro e, de uma maneira geral, os rurais alentejanos e lembro as medidas que me parece conveniente adoptar, tanto em extensão como em profundidade, para obviar a estas crises endémicas e periódicas.
Eu sei também, Sr. Presidente, que o actual Subsecretário de Estado da Agricultura mandou, pouco depois de tomar posse, rever o estudo deste problema, para procurar os meios de o resolver em profundidade, e por isso desejo deixar aqui expressos a S. Ex.ª os meus louvores e agradecimentos.
Está já no Baixo Alentejo uma brigada de técnicos, fazendo um rápido reconhecimento da região, para se assentar na melhor forma de resolver os variados problemas que surgirem, sob o ponto de vista técnico, económico e social. Está igualmente uma brigada de silvicultores a estudar a arborização das margens do Guadiana e seus afluentes, como há muito preconizo, e já foi iniciada este ano a arborização de alguns tractos de terreno, menos próprios para a cultura cerealífera, que lavradores de boa vontade e espírito progressivo puseram desde logo à disposição dos técnicos, independentemente de mais vastas arborizações a fazer em anos sucessivos, cuja conveniência resulte dos estudos em curso.
É a primeira vez que um homem do Governo actua tão rápida e eficientemente sobre um problema que, mesmo sendo da máxima importância, se arrastava há umas dezenas de anos e, apesar dos meus esforços e recomendações, ainda ninguém tinha procurado resolver pràticamente.
O assunto é de grande transcendência para a solução do problema económico e social do Baixo Alentejo e por isso espero tornar a ocupar-me dele, nesta Assembleia, mais desenvolvidamente, como merece.
Mas, para já, é preciso adoptar medidas de efeito rápido e imediato em muitos pontos da região para debelar a crise, e só os trabalhos públicos disseminados por todo o distrito poderão resolver o problema com a prontidão que é necessária e urgente.
Lembro ainda dois trabalhos cujos estudos estão feitos e poderiam empregar muitos braços em épocas de crise. Um é a barragem da bacia do rio Mira, a que os jornais ùltimamente se têm referido, e que, pela sua importância, tenciono referir-me aqui a ela mais desenvolvidamente noutra ocasião. O outro é a terraplanagem para o troço de linha férrea entre Ermidas e Beja, passando por Ferreira e Beringel, da qual já aqui tratei, com um certo desenvolvimento, no princípio desta legislatura.
Esta linha, atravessando o centro do Baixo Alentejo, podia empregar muitos braços de diversos concelhos, em muitos pontos e durante alguns anos, em épocas de crise. E não se alegue que este troço de caminho de ferro, destinado a completar a linha Leste-Oeste pela ligação do ramal de Sines com o de Moura, não se pode fazer agora por falta de carris e de travessas, porque as terraplenagens, pontões, pontes, etc., levariam alguns anos a fazer e a consolidar, e nesse meio tempo seria possível, adquirir os materiais de via que agora faltam.
Aqui fica pois o meu apelo ao Governo para que se digne providenciar com a urgência que o caso requer, a fim de se evitarem a tempo maiores prejuízos e complicações mais graves do que as que já estão patentes ou se vislumbram num horizonte pouco tranquilizador.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Madeira Pinto: - Sr. Presidente: volto ao problema da assistência aos cegos, que já versei nesta Assembleia em Janeiro de 1947. O Governo ouviu generosamente o meu apelo e, em Outubro desse ano, o ilustre Ministro do Interior, engenheiro Cancela de Abreu - a quem me é particularmente grato prestar as minhas homenagens pelo muito que, com a prestante colaboração do Sr. Subsecretário de Estado da Assistência, Dr. Trigo de Negreiros, tem feito em todos os sectores que se relacionam com a saúde pública -, nomeou uma comissão para estudar as causas da cegueira e a assistência aos cegos, conferindo-me imerecidamente o cargo de presidente.
A comissão já apresentou ao ilustre Ministro um primeiro relatório, no qual se encara a possibilidade de

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organizar em Portugal, como fonte de receita e provisória ocupação remunerada de um apreciável número de cegos, uma lotaria semelhante à que se criou em Espanha - o Cupón pro ciegos -, de tão brilhantes resultados.
Sugeriu a comissão que se procedesse a um recenseamento geral de cegos, indispensável para aquele e outros efeitos, e a uma experiência da lotaria, a começar pela cidade de Lisboa, estendendo-se depois às províncias, caso os resultados fossem de bom augúrio. Da experiência se ocuparia a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que de há muito explora, por conta do Estado, o exclusivo da lotaria que a este pertence.
O ensaio a que me refiro, que tem certas dificuldades de execução, está em estudo e espera-se que se não distanciará o aparecimento à venda, só por cegos, da primeira lotaria especial, se o Governo der a sua aprovação ao alvitre. Entretanto, creio que alguma coisa se poderia fazer para facultar meios de vida a certo número dos que não possuem o sentido da vista.
Sr. Presidente: o problema da cegueira tem dois aspectos, se assim posso exprimir-me: o profiláctico e o assistencial propriamente dito. Medidas preventivas destinadas a evitar a cegueira ou a restringir as suas determinantes; medidas suficientes e oportunas para acudir aos que foram vítimas inexoráveis do flagelo, assegurando-lhes no plano social o lugar a que têm direito.
Quanto ao aspecto profiláctico, não posso deixar de louvar o esforço notável do Estado Novo, pela Direcção-Geral de Saúde, do Ministério do Interior, no combate ao tracoma.
Esta doença infecciosa, que ataca a conjuntiva, que infesta quase todos os países, é uma das mais apreciáveis causas da cegueira. Nas determinantes de tão lamentável acidente classificam-na em quarto lugar, depois da catarata, das úlceras purulentas da córnea e da escrofulose.
O meio mais propício para se desenvolver é criado pela miséria, pela promiscuidade, pela insalubridade, e mostra grande predilecção pelas zonas marítimas, o que levou um distinto especialista - o Prof. Lopes de Andrade, que hoje dirige o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto - a escrever, já em 1931, que Portugal era t um jardim de tracomatosos à beira-mar plantado».
Sem sermos país dos mais infestados (em 1934, no Norte de África, por exemplo, o tracoma vitimava 87 por cento da população); figuramos presumivelmente em terceiro lugar na ordem decrescente, ao lado da Itália, Espanha, Brasil e Argentina (Bietti).
Sr. Presidente: a luta contra o tracoma em Portugal vem de há anos. Quero dizer que de há muito destacados oftalmólogos registavam a doença e a combatiam. Mayer Waldeck, Mário Moutinho, Anastácio Gonçalves e o Prof. Lopes de Andrade são pioneiros das primeiras horas; Sousa Fialho, May Viana, Henrique Moutinho, Manuel de Lemos e Alberto Pinto, combatentes esforçados mais recentes.
Mas, sem que o Estado interviesse na batalha, fie pouco rendimento seria a acção de tão abnegados clínicos. Lançou-se o Estado na campanha antitracomatosa, que já se estende a nove distritos do continente, em que se instalaram, de há três anos para cá, cinco dispensários: Olhão, Setúbal, Lisboa, Peniche e Porto; e treze, pastos: oito na zona, de Olhão, dois na do Porto, subordinados aos respectivos dispensários, e três postos autónomos: Alcains, Covilhã e Guarda.
Para se fazer ideia do grau de infestação da doença e justificar a necessidade da campanha bastará dizer que, por observações dos serviços recentemente instalados, se registaram em populações escolares percentagens de portadores de tracoma que vão de 13 por cento (Matosinhos) a 35,7 por cento (Peniche). Já, por sua vez, o Instituto Dr. Gama Pinto, de Lisboa, regista na população que a ele acorre de todos os pontos, do País uma franca diminuição do mal, desde a sua fundação, em 1891, com a percentagem de 12,7 por cento, até 1947, em que a notação é apenas de 2,6 por cento.
Nova e louvável demonstração de interesse pelo problema do tracoma dá o Governo, Sr. Presidente, na proposta de lei que, pelo Ministério do Interior, enviou há dias a esta Assembleia sobre as normas a observar na luta contra as doenças contagiosas, na qual, afora o mais, se prevê o funcionamento de escolas para tracomatosos sempre que o número deles em idade escolar e o perigo de contágio o justifiquem (base IV, n.º 3).
E, a propósito, direi ainda que merece ser registado com muito aplauso o facto de se realizar em Lisboa, em meados de Maio próximo, o I Congresso Nacional da Profilaxia da Cegueira e da Assistência aos Cegos, promovido pela Liga Portuguesa de Profilaxia da Cegueira, a que concorrerão sumidades estrangeiras da especialidade. Uma das secções do Congresso, a primeira por sinal, é a da profilaxia do tracoma.
Mas, revertendo, Sr. Presidente, ao aspecto da assistência, propriamente dita, aos cegos, quero salientar que, independentemente dos resultados que possam advir para a solução do problema da experiência da lotaria especial a que me referi, seria possível, desvie já, facultar trabalho, senão a muitos, pelo menos a alguns dos que perderam o sentido da vista, libertando-os das dificuldades em que se debatem.
Direi primeiramente que tem de tornar-se a peito a instrução dos cegos e dos ambliopes. Que eu saiba, só em 1894 se pensou oficialmente no caso. Em fins desse ano o Governo trouxe ao Parlamento umas propostas de lei respeitantes à remodelação dos serviços da instrução primária e secundária, que não chegaram a ser discutidas porque entretanto foram encerradas as Cortes, mas que o Executivo promulgou em decretos de 22 de Dezembro do mesmo ano. No primeiro, relativo à instrução primária, previam-se escolas ou cursos para o ensino dos cegos e dos surdos-mudos, cuja falta, dizia o relatório, de há muito se condena como vergonhosa em uma nação culta.
Creio que a lei ficou letra morta e que nunca se procurou apagar a vergonhosa falta. Vão passados mais de cinquenta anos e o assunto continua sem solução. Daqui apelo para a esclarecida inteligência e incansável acção do Sr. Ministro da Educação Nacional, para que, o mais breve que possa ser, se digne considerar o problema do ensino oficial dos cegos e dos ambliopes.
Terá, possivelmente, de começar por criar-se um corpo suficientemente numeroso de professores especializados; mas que se comece por aí, que se comece de vez!
Não tem justificação esta apatia no tocante ao ensino oficial dos cegos e dos ambliopes, porque nos corre o dever social de lhes minorar a infelicidade, e pela instrução podemos colocá-los em condições de se bastarem a si mesmos, de deixarem de ser um peso morto para a sociedade.
Torna-se indispensável, como já disse, organizar um censo geral de cegos, que desde já poderá ser determinado, e muito interessa também que a cegueira seja incluída no número das doenças que devem ser obrigatòriamente manifestadas pelos médicos.
Acima de tudo é preciso proporcionar trabalho aos cegos. Como escreveu o professor Bertino Daciano, o cego não desanima por ser cego, desanima por ser pobre. Dêmos-lhe, pois, meios de ganhar a vida, porque lhe não faltam possibilidades.
São numerosas as ocupações remuneráveis que o cego pode exercer; há quem aponte mais de duzentas só em

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trabalhos manuais, desde afinadores de pianos, telefonistas e massagistas, até empalhadores de cadeiras e vidros, fabricantes de vassouras e escovas, serviços de embalagens e aposição de rótulos e etiquetas.
Henry Ford, nas suas Memórias, afirmando que um mutilado ou um cego são capazes de produzir, em ocupação compatível com o seu defeito físico, o mesmo rendimento de trabalho e merecer o mesmo salário do que um homem normal, conta que, tendo admitido na secção de contagem de parafusos de uma das suas fábricas um cego, que ali trabalhava a par de dois operários válidos, ao fim de alguns dias o contramestre propunha a transferência destes últimos, porque o cego produzia tanto trabalho como três unidades normais.
O regulamento de 28 de Outubro de 1938, referente à Organização Nacional de Cegos da vizinha Espanha, aponta como primeiro fim de tal entidade o de facultar a todos os cegos o salário necessário para o seu sustento e o da família a seu cargo, equiparando-os aos trabalhadores ou profissionais dotados de vista, e, entre os demais fins, o de publicar determinações para a colocação dos cegos devidamente habilitados nas diferentes indústrias e profissões (artigo 3.º), para o que se deve organizar o censo dos lugares que eles possam ocupar na indústria, no comércio, em departamentos oficiais e até em casas particulares.
Entre as bases reguladoras dos serviços de assistência social aprovadas pela nossa Lei n.º 1:998, de 15 de Abril d« 1944, figura uma - a XXIX - onde se determina que nos serviços do Estado ou das empresas, concessionárias de serviços públicos poderá ser condicionado o direito de admissão do pessoal a empregos susceptíveis de ser eficientemente desempenhados por cegos; mas o preceito, que eu saiba, não teve até hoje aplicação.
E, todavia, creio que poderiam desde então ter-se já colocado cegos em alguns serviços do Estado ou de empresas concessionárias. O cargo de telefonistas, por exemplo, é dos que eles podem exercer com eficiência, e muitos outros haveria.
Em Espanha - e perdoe-se-me a insistência com que me refiro à organização do país vizinho, mas é a que melhor conheço e a que julgo estruturada por forma verdadeiramente notável - há fábricas em que, salvo as indispensáveis unidades, todo o pessoal é cego: só um cego pode, por disposição legal, ocupar o cargo de director-geral da Organização; de cegos se compõe todo o pessoal de direcção e administração desse instituto; cegos são até os caixas da lotaria Cupón pro ciegos e mais de setecentos dos seus empregados.
Daqui me dirijo ao Governo do Estado Novo, que tanto tem procurado melhorar a condição social do nosso povo, a quem se devem tantos benefícios no sector da assistência social, para que não esqueça os cegos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: deverão findar em breve os trabalhos parlamentares da 4.ª sessão legislativa desta Câmara e com ela terminará o mandato que a Nação conferiu a esta Assembleia Nacional, cujos debates V. Ex.ª, Sr. Presidente, houve por bem dirigir com tão aprimorado requinte de cordura, de elegância e de cortesia.
Vai, pois, terminar também o meu mandato. Tenho de vos dizer adeus!
Na legislatura que a esta se seguir é muito natural que a Índia queira fazer-se representar por quem saiba dizer mais e melhor. E, sobretudo, por quem saiba conquistar do Executivo maiores e melhores regalias para a sua terra.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Quando para aqui vim, abandonando os trabalhos da minha vida profissional, totalmente alheada dos meandros da política, fi-lo confiado na chama de fé que me comandava -para honra minha e dos meus conterrâneos - de desvendando nesta Casa, e por intermédio dela, perante a Nação Portuguesa, o sudário de certas dissonâncias políticas de que está eivada a nossa legislação e que se não compadecem com o sentimento igualitário que anima desde séculos o bom povo português, desfazer equívocos e mal-entendidos e promover ama aliança mais íntima entre os portugueses da Índia e os portugueses de Portugal.
Em demorado exame de consciência dou hoje um balanço à minha actuação parlamentar e sou forçado a constatar, com pena, que a minha voz não conseguiu amaciar, quanto menos flectir, a rigidez dogmática dos textos legais!
Quando agora, finda a minha missão, regressar à minha terra, ao povo que me elegeu e virá pressuroso perguntar-me: «Que trazes de consolo para os nossos queixumes?», terei de responder, humildemente, que volto com as mãos vazias!
De que serve à grande massa dizer que a Comissão Parlamentar das Colónias, aquando do estudo das alterações à Carta Orgânica, me fez a graça de votar por unanimidade a proposta que fiz para se riscar da nossa legislação a designação de «indígena» aos filhos da índia, de Cabo Verde e de Macau? Responder-me-ão que é um platonismo teórico, a que dão desmentido as restrições para o recrutamento de indo-portugueses nos cargos administrativos em Moçambique, e no próprio solo da Índia as diferenças de subsídios a europeus e a indianos promovidos a europeus mercê da pena apressada e irreflectida de simples decretos orçamentais!
De que me serviria dizer aos meus conterrâneos que a acção do Deputado é restrita, pois que o Regimento lhe veda praticamente a apresentação de propostas de lei? Como resultado final, a grande massa verá que não logrei, nem encher os seus celeiros de arroz nestes tempos de fome, nem dar-lhes uma estrada para as suas terrinhas ou um sino para as suas capelas, nem mesmo uma comenda, à falta de baronias, com que o Deputado d'Arcis de Balzac galardoava a dedicação dos seus eleitores...
Não logrei que se procurasse rever sequer na lei do recrutamento militar disposições que magoaram os sentimentos da minha terra, disposições que nesta Casa, na legislatura anterior, venceram por maioria de um voto apenas!
Não logrei que se revogasse a portaria que na Índia absorveu as regalias das câmaras municipais, transformando-as - e tão impoliticamente no presente momento em que o slogan dos direitos populares inflama as massas em volta do nosso território - em um feudo da Repartição de Administração Civil.
Não logrei que no Conselho de Instrução Pública na Índia se incluísse um cidadão português representante das escolas inglesas, tão espalhadas em Goa, por forma a haver actualmente 12:000 estudantes desses cursos, em contraposição com menos de 500 nos cursos do Liceu. E esta sugestão fora feita no intuito patriótico de opor um dique à desnacionalização e de aproveitar cada filho de Goa que emigrasse como um centro de difusão no estrangeiro da nossa língua, que já foi, há menos de um século apenas, a «língua franca» do Indostão.
E nem mesmo logrei a providência comezinha de se revogar a portaria da nova nomenclatura das terras de

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Goa, com inovações obsoletas e supressões descabidas, que têm ferido a tradição, que a gente da minha terra cultiva com justificado carinho e orgulho.
Escuda-se o Poder na concepção antiquada e centralista do prestígio da autoridade para manter coute que coute as suas decisões e desprezar o sentimento popular? São vitórias de Pirro, Sr. Presidente, afirmo-o deste lugar! Não se diga um dia que não houve quem lealmente vos prevenisse de que é necessário mudar de rumo!
Terão pois razão os eleitores da Índia em perguntar: de que serve, pois, a nossa representação parlamentar?
Este desinteresse e cepticismo pela coisa pública que vejo apossar-se do povo da minha terra, e neste momento em que precisamos de estar fortemente e entranhadamente unidos para fazer face às ambições de estranhos, é a parte mais dolorosa que terei de defrontar findos os quatro anos da minha vida parlamentar.
E, como me não posso capacitar de que a consciência governamental quisesse ser deliberadamente surda às recriminações populares, tenho de levar comigo a dolorosa convicção de que fui provavelmente eu que não estive à altura da minha missão!

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Sr. Presidente: manda-me o meu dever de Deputado, e sobretudo a minha lealdade e o meu patriotismo de português, que ponha esta Casa, e através dela, a Nação, ao corrente do ambiente psíquico actual da Índia Portuguesa. O seu povo não é um agregado recente surgido de uma massa amorfa; tem uma história e uma tradição seculares, em que o substracto espiritual, que é mister respeitar, sobreleva as contingências da vida material.
As palavras que vos vou dizer servirão porventura de elementos de informação para a confecção do estatuto político, que, prometido há dois anos e aí ansiosamente aguardado, receio bem não venha a ser submetido à discussão da Assembleia Nacional na presente legislatura.
Sr. Presidente: em Janeiro de 1914 um jovem indo-português da minha geração foi mandado a Lucknow (Norte da Índia), para representar o nosso Governo num congresso sanitário. Desempenhou nesse congresso um papel de relevo entre cientistas de largo renome.
Presidia ao congresso o grande estadista Sir Harcourt Butler. Dirigia as sessões técnicas o general médico Sir Pardey Lukis, que, encantado com o nosso representante e preso de simpatia e de benevolente afecto pelo jovem tenente médico português, o mandou sondar sobre se lhe não conviria aceitar um lugar de professor no Colégio Médico de Lucknow.
Era transmissora da mensagem Lady Lukis, esposa do general. E no banquete oficial do governador, Lord Meston, a dama abordou o nosso delegado, mostrando as vantagens sociais e financeiras de um posto desta natureza, comparadas com os acanhados horizontes em que se exercia a actividade do interpelado.
«Obrigado, Madame, pelo seu interesse, que profundamente me comove - respondeu o interpelado -; mas, no meio da nossa mediania, apraz-me mais ser cidadão da República Portuguesa que súbdito de Sua Majestade Britânica».
Supõem VV. Ex.ªs que se uma conversa desta ordem tivesse lugar vinte ou trinta anos depois, o indo-português dessa geração de vinte ou trinta anos depois teria respondido da mesma forma? Receio bem que não!
Porquê? Quais foram os factores que contribuíram para essa mudança de psiquismo nos laços afectivos, sociais e políticos que tão entranhadamente ligaram a Índia a Portugal?
Habituado, como médico, a combater a doença, procurando a sua causa etiológica, e não apenas por uma terapêutica sintomática, não é de admirar que tente aplicar a mesma técnica a esse mal colectivo de desinteresse e de desligamento que tem atacado a minha terra.
Faço-o com absoluto desinteresse e com a absoluta franqueza que me é habitual e sempre na minha qualidade de servidor para o bem da Nação.
É necessário que os estadistas que porventura decretarem o estatuto político do Estado da Índia Portuguesa conheçam as causas dessas modificações psicológicas, ultimamente manifestadas na alma do povo indo-português, para o fazerem voltar ao santuário da fé dos seus maiores, não com emplastros emolientes, que aliviam momentaneamente, mas com remédios radicais, que arranquem para sempre da alma do povo a própria causa do mal.
Sr. Presidente: para mim, a causa básica, fundamental, orgânica, do descontentamento que lavra na Índia Portuguesa, e a que é necessário atender na confecção do futuro estatuto, provém do facto da desarmonia de direitos e regalias que as leis actuais exteriorizam desde 192(5 quanto aos portugueses da Índia, em confronto com os portugueses de Portugal, e tornados hoje mais acentuados em contraste com os que fruem os seus irmãos de sangue fora da fronteira.
Em cumprimento da missão que me trouxe para aqui, tenho-vos deixado entrever em mais de uma ocasião a génese desse mal-estar, que, ultrapassando fronteiras e inoculado pelos próprios representantes da nossa soberania em terras do Indostão, em tempos não remotos - disse-o na minha primeira mensagem ao Parlamento -, atingiu a dignidade dos filhos de Goa estabelecidos na província de Bombaim. E, como o momento é grave e a minha missão está para findar, permitir-me-ei apontar em resumida síntese as étapes dessa infeliz «marcha à ré», que com tão profundo golpe abalou a harmonia do nosso agregado social.
Sem falarmos das regalias cívicas que desde os velhos tempos - e apesar do facto da conquista! - irmanaram os dois povos, até às liberais medidas do marquês de Pombal e à consideração política prestada aos filhos da Índia nos últimos tempos da Monarquia, reportar-me-ei tão-sòmente à evolução havida desde a implantação da República.
A Constituição de 1911 estatui o regime da descentralização.
O Congresso da República em 1914 define esse regime e o da autonomia financeira.
A revisão da Constituição de 1920 marca a competência dós poderes do Estado na administração ultramarina nos artigos 67.º-A e 67.º-F da Constituição.
A igualdade cívica entre o português da Índia e o português metropolitano faz o nosso orgulho e a inveja do indiano da outra índia, empenhada em sacudir o jugo dos seus dominantes estrangeiros.
Por esse tempo Sarojini Naidu, hoje governadora das províncias unidas na União Indiana e grande poetisa, que com o cântico da sua voz inflamou as massas do Indostão, admirada do Standard de vida do indo-português em Lourenço Marques e encantada com os laços de afecto e harmonia que caracterizam as relações entre esses dois núcleos sociais naquela terra, aponta aos seus conterrâneos exercendo aí a sua actividade a política portuguesa como uma política modelar e bendiz o nome de Portugal como o pioneiro da dignificação dos povos coloniais.
E sùbitamente, à margem de teorias étnicas que de além-Reno vinham já varrendo, como uma vaga epidémica, as mentes dos nossos estadistas e sociólogos, fazendo-se tábua rasa da tradição secular e igualitária da ética portuguea, estabelecem-se diferenças quanto ao valor cívico dos portugueses segundo a sua proveniência

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e, como corolário dessa orientação, regressamos à política da absorção e centralização do poder nos gabinetes do Ministério das Colónias.
E assim começa o primeiro passo para a nossa «marcha à ré» e para o desagregar psíquico do nosso bloco unitário!
Sr. Presidente: era um encanto ver na nossa Índia a colaboração devotada e patriótica que o elemento popular prestava ao Governo para enfrentar as dificuldades da administração pública.
Lutávamos com uma crise financeira após a primeira guerra. Não havia dinheiro para o pagamento dos funcionários nem dos tarefeiros encarregados das obras do Estado. E, apesar de exausta a capacidade do contribuinte, o Conselho do Governo votava o aumento de impostos para conjurar a crise.
No campo social o Congresso Provincial da Índia Portuguesa, as conferências sanitárias ventilavam em tablado neutro, com mais ou menos competência, mas sempre com elevado patriotismo, vários problemas de ordem local, que estão registados nas suas actas e que ainda hoje conservam a sua actualidade.
Apesar da doutrina do absorcionismo de 1926, a Índia considerava-a antes como um mero platonismo ideológico, destinado talvez a fazer face a emergências de momento, mas que não iria de encontro às suas regalias fundamentais.
Vem porém o Acto Colonial de 1930! Quaisquer que sejam as determinantes que levaram no momento os nossos estadistas a redigir aquele documento - certamente para a salvaguarda legal dos nossos direitos nas Áfricas, onde os nossos territórios eram objecto de cobiça, mais ou menos ostensiva, de ambições de estranhos -, a não salvaguarda das regalias de que gozava o Estado da Índia foi o mais duro golpe vibrado à harmonia existente! Além de avigorar a doutrina do absorcionismo, cometeu-se o erro de erigir em dogma a instabilidade da própria substância do Acto, pois que o Governo, por um simples decreto-lei, pode substitui-la, alterá-la ou revogá-la (artigo 2.º).
A autonomia financeira - apesar de um tanto platónica por causa dos encargos com que a metrópole onerava a província por decretos dimanados no interregno parlamentar - ficava agora inteiramente dependente do critério ministerial de momento (artigo 45.º). Mas o que mais magoou a Índia foi que o Acto Colonial adoptasse uma doutrina inteiramente nova em direito constitucional português: a divisão da Pátria Portuguesa em duas unidades políticas, perfeitamente distintas e com valor cívico desigual - uma, a metrópole, soberana, a possuir e dominar; outra, absolutamente subalterna, o Império Colonial, domínio e posse da metrópole.
A nossa ideologia política em 1930 enfermou dos princípios em voga cinquenta anos atrás! E o mal que produziu na Índia o Acto Colonial foi tremendo!
Sr. Presidente: não faltou quem, após madura observação, prevenisse Portugal da dolorosa repercussão desse documento na Índia.
O general Craveiro Lopes, chamado a Portugal para tomar parte na Conferência dos Governadores Coloniais, disse-o em 1931 em Lisboa, e as suas palavras foram largamente reproduzidas na imprensa metropolitana. Vale a pena recordá-las, em homenagem à sua memória.
Ei-las:

A Índia Portuguesa desinteressou-se do movimento havido e existente na Índia vizinha. O que lá é aspiração é velha realidade entre nós. A Índia é portuguesa e quer ser portuguesa, mas por isso mesmo tem as suas susceptibilidades plenamente justificadas.
É que a Índia não pode ser considerada no mesmo pé em que o são as outras colónias. Já há bem longe isso lhe foi reconhecido, tendo-lhe sido concedido o título de Estado.
Este tratamento especial bem o merece a sua civilização e o seu adiantamento. Melindrou-se com a designação de colónia que o Acto Colonial lhe deu, em substituição da de província ultramarina. Feriu-a também a expressão de posse que o mesmo documento encerra. Magoou-a também o recente regulamento sobre o serviço militar, onde lia disposições que ofendem os seus brios.

Estas palavras, proferidas através de um velado eufemismo a que o obrigava a sua situação de governador, não tiveram, infelizmente, eco nas esferas do Poder.
Uma vaga de ressentimento, de desinteresse e do desânimo apossou-se da alma do povo indo-português. E um feitio da sua psicologia individual e colectiva. Não a seduzem revoltas ruidosas. Coze as suas mágoas com resignação e, sùbitamente, quanto mais fundo for o golpe que a feriu, numa reacção de autodefesa e de auto-conservação, se détache o corta e desliga-se da amarra que a feriu!
E calou-se a voz dos congressos provinciais! Os problemas técnicos já não interessavam ninguém. Era o novo problema político que ocuparia certamente a primeira plana nesse tablado, onde reinava dantes a calma de um grande programa construtivo! Quem poderia deter a voz do povo cuja mágoa poderia assumir a expressão de uma indignada revolta de espíritos? E o Congresso foi adiado sine die! E desta bela instituição popular, a que os governadores da Índia deram o seu máximo apoio e onde hauriram muitas das suas iniciativas, não resta hoje mais que uma memória histórica que se esbate na sombra do passado.
Sr. Presidente: não foi também desconhecida em Portugal a reacção psicológica do povo indo-português vis-à-vis das doutrinas do Acto Colonial, porque, quando o Sr. Ministro quis ouvir a opinião da índia, a minoria eleita do Conselho do Governo, expressamente convocado para se pronunciar, pela boca de Meneses Bragança - o mais brilhante talento de jornalista e escritor da minha geração e que a um carácter intemerato aliava o sentimento do mais profundo portuguesismo -, definiu-a, por forma categórica e insofismável. E conveniente que os ilustres membros desta Câmara a conheçam nas suas partes mais essenciais, para a apreciação do quadro psíquico que estou a descrever para vos elucidar.
É a sessão do Conselho do Governo de 4 de Julho de 1930. Mostra Meneses Bragança que, enquanto os direitos constitucionais dos portugueses metropolitanos são garantidos pelo artigo 3.º da Constituição, os dos habitantes do Império Colonial o são pelo artigo 4.º do Acto Colonial, no qual as palavras do artigo da Constituição «nos termos seguintes» - e que se encontram claramente enumerados em trinta e oito números dos artigos 3.º e 4.º - foram substituídas pelas palavras «nos termos da lei», que poderia variar de momento a outro, por um simples decreto emanado do respectivo Ministro.

Nem como possibilidade aceito para mini e para o meu país - acrescenta Meneses Bragança - essa situação subalterna e humilhante. Reclamo para mim e para os meus concidadãos os mesmos direitos, as mesmas garantias que tem um português. Nem mais nem menos.

Analisa com uma dialéctica cerrada o conceito psicologicamente infeliz que encerram as palavras «possuir» e «colonizar». Ouvi-o:

É da essência orgânica da metrópole possuir e colonizar. Quer isto dizer que é da essência orgâ-

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nica dos povos que constituem o Império Colonial serem essencialmente sujeitos. Nunca podem sequer aspirar a ser senhores dos seus destinos, a governar a sua terra? Em nome de que se afirma tal doutrina? Em nome de Portugal, cujos oito séculos de história são um anseio contínuo pela liberdade, como povo que preza, acima de tudo, a autonomia do seu país?

Foi após um longo debate que veio a lume a moção que certamente foi transmitida ao Governo Central e cujo remate final são os seguintes articulados:

1.º A Índia Portuguesa não renuncia ao direito que têm os povos de atingir a plenitude da sua individualidade, até virem a constituir-se unidades capazes de dirigir os seus destinos, visto ser um direito originário da sua essência orgânica.
2.º Preconiza se que, mantendo-se a organização unitária do Estado Português, estabelecida na Constituição da República:
a) Não haja entre a metrópole e as províncias ultramarinas discriminações de direitos e garantias individuais, expressos no artigo 3.º e seus números da Constituição, e se mantenha a representação da Índia no Congresso da República;
b) O regime da descentralização administrativa e autonomia financeira das províncias ultramarinas seja estabelecido nos termos definidos nos artigos 67.º-B e 67.º-F da Constituição, como ponto de partida para instituições representativas de mais larga acção;
c) Seja restabelecido na Índia o princípio de maioria eleita no mais alto corpo deliberativo do país, sendo reconhecida a intervenção dessa maioria, por meio dos seus representantes, na função especial do exame e visto do orçamento de despesas e das contas de gerência.

De 1930 para cá sofreu novas e variadas evoluções a administração colonial, mas sempre sujeita a normas cada vez mais apertadas, restringindo - para não dizer rectificando - a intervenção activa do elemento popular em favor do Poder Central, mais e mais fortificado. É a concepção da era vitoriana, que, após um momento de fulgurante brilho, tão ruidosamente ruiu à nossa ilharga!
É na atmosfera de mágoa, de desânimo e de descrença que invadiu os lares na Índia cresceu toda uma geração de indo-portugueses, que, dominados por esse complexo, ouvindo a cada passo aos seus maiores comparações desvantajosas, em confronto com um passado cheio de harmonia e de esperança, cépticos e desinteressados da causa pública, talvez mesmo intimamente revoltados, já não ousam repetir com entusiasmo as loas que os da minha geração entoavam tão espontâneamente e com tanto orgulho em honra da unidade e da fraternidade da cidadania portuguesa.
É humano! E porque é humano e porque é absolutamente um corolário natural da evolução psíquica, constitui para os da minha geração o mais doloroso fenómeno, para sarar o qual muito tacto e muita larga visão serão necessários para, sem perda de tempo, sé fazer a reconquista desses corações magoados.
É necessário que os dirigentes responsáveis pela nossa política ultramarina tenham bem presente o princípio de que as províncias do ultramar precisam de tratamento individual, consoante o grau do seu desenvolvimento e o standard de educação da sua população aborígene ou colonizadora, e que é um erro aferi-las todas pelo mesmo padrão.
É necessário que os nossos políticos não ignorem que no mundo de hoje não podemos viver isolados nem insulados e que a influência do ambiente externo circundante não é factor que se deva desprezar.
Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª o ter-me autorizado a prolongar um pouco mais as minhas considerações e à Assembleia a atenção que se dignou dispensar-me.
O assunto que tratei não fica, porém, esgotado, mas, como já ocupei muito tempo à Assembleia, numa próxima sessão tratarei do capítulo relativo às causas económico-sociais que provocam o descontentamento na Índia, para informação da digna Assembleia Nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Aguiar: - Sr. Presidente: numa das primeiras sessões desta legislatura requeri que, pelas repartições competentes, me fosse dado conhecimento das importâncias1 destinadas às construções do Palácio da Justiça de Lisboa, qualquer que fosse a sua proveniência.
Pensava então, e ainda hoje é meu convencimento, que é absolutamente necessário e urgente acomodar convenientemente os serviços judiciários, abandonando a elasticidade quase milagrosa do velho edifício da Boa Hora e construindo o monumental Palácio da Justiça de Lisboa, tão instantemente reclamado pelo prestígio da administração da justiça, pelas exigências da modernização da capital e ;pelo desdobramento das suas instituições de carácter judiciário.
Não são apenas os tribunais comuns do eivei e do crime que estão mal instalados, sem possuírem as salas indispensáveis ao regular funcionamento dos seus julgamentos e actos processuais e sem que os arquivos das respectivas secções ofereçam condições de segurança ou de fácil expediente. Não há divisões que garantam a incomunicabilidade das testemunhas e os gabinetes dos juizes servem muitas vezes de salas de audiência, sem terem sequer para isso o respectivo mobiliário.
Há outros tribunais cuja instalação ainda menos, corresponde à sua importância e responsabilidade, como é o Tribunal do Trabalho, que funciona ali para os lados de Alcântara, num casarão impróprio dos fins para o qual o destinaram há muitos anos.
Os processos são aos milhares, distribuídos pelas suas três varas, o pessoal é muito reduzido e mal remunerado, os exames médicos são realizados sem as indispensáveis condições de higiene e os interessados amontoam-se num corredor estreito, que por vezes oferece um aspecto doloroso de miséria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No edifício onde está instalada a Direcção-Geral da Assistência, à Praça do Brasil, funciona um tribunal colectivo, presidido por um juiz de direito, que tem por fim julgar as dívidas aos Hospitais Civis. Estão igualmente a seu cargo milhares de processos, que são julgados com a intervenção dos interessados e das testemunhas.
Toda a gente tem de esperar no vão de uma escada e é a mesma pequena sala que serve para gabinete do juiz, para secretaria, para as audiências e para todo o movimento do tribunal. E para lá chegar é preciso percorrer um verdadeiro labirinto através do edifício da Assistência.
Muito lucrariam os serviços destes e doutros tribunais se os Srs. Ministros da Justiça e das Obras Públicas atendessem as considerações que estou produzindo, que justificam plenamente a minha insistência, principalmente agora, que estou documentado por forma a demonstrar que o Estado pode construir desde já o Pa-

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lácio da Justiça, aplicando as receitas que a lei já criou para esse fim especial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu sei, Sr. Presidente, que o Estado tem dado justa preferência às realizações que mais directamente podem fomentar a riqueza pública, como estradas, portos, marinhas de guerra e mercante, industrialização, irrigação de campos, redes telefónicas e eléctricas, colonização, interna, escolas, bairros económicos, assistência e tantos outros melhoramentos; mas, entre todos estes grandes e notáveis empreendimentos, tem igualmente já o seu lugar marcado na lei o Palácio da Justiça de Lisboa, por se tratar da concentração de serviços públicos essenciais à vida da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim o começaram a reconhecer os Decretos n.ºs 11:991, de 29 de Julho de 1926, e 13:978, de 25 de Julho de 1927, os quais criaram fundos próprios, pelo Cofre das Multas Criminais de Indemnização e Cofre do Imposto de Justiça, para a construção do Palácio da Justiça, cujas obras ficaram a cargo do Ministério das Obras Públicas pelo Decreto n.º 22:785, de 29 de Junho de 1933.
As receitas das multas criminais e do imposto de justiça elevaram-se, desde 1928 a 1943, a 81:771.567$95, segundo consta da arquivo do Conselho Superior Judiciário.
Até este ano de 1943 despenderam-se 26:121.330$41 no Palácio da Justiça de Coimbra e em estabelecimentos prisionais, englobando-se a diferença nas receitas gerais do Estado.
Pelas disposições do Decreto n.º 31:190, de 25 de Março de 1941, e em face das receitas próprias e já adstritas a estes melhoramentos, chega-se à conclusão de que se pode construir já o Palácio da Justiça, sem prejuízo das construções prisionais.
Não sou eu quem o afirma; consta dos documentos que me foram enviados.
Sr. Presidente: a intenção de se construir o Palácio da Justiça por parte dos dois Ministérios mais interessados consta de um despacho do Sr. Ministro da Justiça de 15 de Abril de 1945, que tenho presente, no qual se declara que o Sr. Ministro das Obras Públicas tem manifestado repetidas vezes o seu decidido propósito de realizar essa construção, para o que chegou a sugerir ao Ministério da Justiça a conveniência de lhe serem fornecidas- certas informações.
Com esse fim, o actual titular da pasta da Justiça nomeou logo uma comissão de distintos magistrados para dar parecer sobre quais os tribunais que devem ser instalados no Palácio da Justiça, tendo já sido apresentado o respectivo relatório.
Esses tribunais e algumas instituições que pela sua função fazem deles parte integrante são os seguintes:

Supremo Tribunal de Justiça.
Supremo Tribunal Administrativo.
Procuradoria-Geral da República e Procuradoria junto do Tribunal da Relação.
Conselho Superior Judiciário.
Tribunal da Relação.
Tribunal de 2.ª Instância do Contencioso das> Contribuições e Impostos.
Tribunais cíveis de 1.ª instância.
Tribunais crimes de 1.ª instância.
Tribunais das execuções fiscais.
Tribunais militares.
Tribunal Militar Especial.
Tribunais de menores.
Ordem dos Advogados.
Auditoria Administrativa.
Tribunais do trabalho.
Tribunal de Execução das Penas.
Câmara dos Solicitadores.
Câmara de Falências.
Tribunal dos Géneros Alimentícios.
Tribunal de Transgressões e de Pequenos Delitos.

A comissão deu ainda parecer sobre algumas questões preliminares, possuindo, portanto, o Estado todos os elementos necessários à construção do Palácio da Justiça de Lisboa, desde as verbas para esse efeito necessárias até à fixação do número de gabinetes e salas dos tribunais que é conveniente concentrar.
Do relatório da comissão, a que presidiu o Sr. Procurador-Geral da República, não consta a escolha do local, mas, com o desenvolvimento que Lisboa tem alcançado, é fácil a uma outra comissão, de estética e arquitectura, proceder a esse trabalho, de modo a que tudo concena para que essa obra monumental seja digna da capital do País.
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para transmitir estas minhas considerações aos ilustres Ministros da Justiça e das Obras Públicas, de quem o País espera mais este importante serviço prestado à causa pública.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Mexia pura realizar o seu aviso prévio sobre «A cortiça - Aspectos económicos e sociais da sua produção o industrialização - Causas da crise e possíveis soluções».

O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: o que tenho podido deduzir da actividade parlamentar de alguns países leva-me a concluir que à vida da Nação, expressa no equilíbrio das suas instituições, não interessa nem a intervenção directa do Executivo nos debates parlamentares nem o seu excessivo alheamento.
Se no primeiro caso o Executivo, que importa prestigiar, sai frequentemente diminuído de tais intervenções, na segunda hipótese, e especialmente quando se trata de avisos prévios, em que o Governo sempre dispõe do conhecimento oportuno dos assuntos, corre-se o risco de perder uma oportunidade de esclarecer a Assembleia e a opinião pública, de estudar em profundidade um assunto ou de articular uma solução que represente interesse para o País.
Exposto o meu pensamento, orientado como sempre no sentido de prestar ao Governo a minha modesta colaboração, entro na matéria do meu aviso prévio:

A cortiça - Aspectos económicos e sociais da saia produção e industrialização - Causas da crise e possíveis soluções.

Sr. Presidente: constitui a cortiça uma matéria-prima que, se não é exclusivamente portuguesa, é contudo a mais portuguesa de todas as matérias-primas produzidas no País, pois só neste campo Portugal conquistou e detém o primeiro lugar na produção mundial, com um

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mínimo de 825:000 hectares de montados de sobro e a produção anual média de 145:000 toneladas.
Ao contrário do que geralmente se supõe, a cortiça não provém de uma exploração rica, antes resulta, em conceito extensivo, de uma cultura inerente a terras pobres, ainda que altamente útil, dada a pluralidade dos seus pequenos rendimentos, a rusticidade que a caracteriza e a sua notável faculdade fixadora de população humana, pelo trabalho e combustível que proporciona.
Assim, se compararmos duas explorações em cujos complexos agrícolas predominem respectivamente u cultura cerealífera e a suberícola, verificaremos que os índices económico e social são favoráveis à primeira, mas que o índice de colonização interna é mais alto na segunda das modalidades apontadas, circunstância esta da «maior importância num país de elevados índices demográficos.
Como todas as modalidades florestais, sofrem os montados de sobro o milenário embate entre os instintos de destruição do homem, a avidez que o leva-a destruir a floresta para se apoderar do seu valor acumulado, destinando a terra a formas de cultura de ciclo e ritmo mais utilitários, e o instinto de sobrevivência das sociedades humanas, consubstanciado na Família, que conduz igualmente os seres humanos a capitalizarem, com vista a assegurar o futuro dos seus descendentes.
O montado de sobre, à semelhança de todos os povoamentos florestais, é assim, nos domínios do económico e do social, uma instituição de previdência, e necessita para se manter, como todas as instituições desta natureza, de uma grande confiança no futuro e de um certo equilíbrio de objectivos. É simultâneamente uma cultura que dificilmente poderemos industrializar para além de certos limites, visto que a cortiça se produz nos climas temperados e se consome predominantemente nos países acusando grandes, desvios térmicos, os quais, na sua generalidade, possuem indústrias que procuram defender, o que significa que toda a estrutura económica e social que queiramos edificar sobre esta cultura, carece, para não fracassar, de ser modesta e realista.
Assim, na atribuição de encargos, o problema tem de ser visto com a maior prudência a partir da produção e tendo em conta que aos operários, sobretudo os menos especializados, ainda é possível, sem prejuízos apreciáveis, mudar de profissão, mas já o mesmo não acontece ao industrial; não por ele, mas pelos capitais apreciáveis que imobilizou em edifícios e máquinas, nem sempre adaptáveis a outras actividades, e muito menos o pode fazer o produtor, cujo capital «gerador» é constituído pelas montados de sobro, de todo incapazes, por exemplo, de produzir borracha em vez de cortiça.
Isto significa que na solução do problema da cortiça há que ter em conta que os fundamentos são de natureza económica e que só depois se geram os aspectos, sociais.
Sucede que na prática o problema foi encarado em sentido inverso: fixaram-se encargos a partir do produto para a produção, da indústria para a cultura, do operário para o trabalhador rural, e como na sua fixação o critério adaptado não resultou de um judicioso estudo económico, mas sim proveio da generalização de normas aplicadas a indústrias totalmente diferentes e incomparàvelmente mais ricas, os resultudos foram, como não podiam deixar de ser, pouco satisfatórios.
A subericultura nacional passou a ser aquela galinha dos ovos de ouro dos nossos provérbios populares, a que se impôs a obrigação de pôr ovos que, em vez de possuírem apenas gema e clara, em si contivessem o ouro que a Natureza tão ciosamente guarda. A manifesta impossibilidade, por parte dos nossos montados de sobro, de corresponderem a tão optimistas concepções, está conduzindo a subericultura e a indústria corticeira à miséria, que a ninguém aproveitará.
Sendo indiscutivelmente exacto que, em consequência do aumento da percentagem da cortiça em obra e também do aumento do preço registado na exportação no decénio 1938-1947, a cortiça exportada registou uma valorização de cerca de 220 por cento, este produto foi das únicas matérias-primas que no decorrer do referido período de tempo não teve a mais ligeira actualização para os produtores, que os compensasse de evidente quebra de poder de compra da moeda, e antes revela uma progressiva debilidade de cotações e um afrouxamento no ritmo de escoamento que não podem deixar de alarmar.
Como explicar, pois, tão estranho fenómeno, sobretudo se pensarmos que ainda em 1947 registámos os mais altos índices de exportação quanto a valor e sobretudo quanto a quantidade, conforme se conclui do quadro seguinte (n.º 1):

QUADRO N.º 1

[ver quadro na imagem]

Os números apontados em relação a 1938 são os números médios do biénio 1938-1939. As quantidades exportadas em 1947 excedem muito a produção anual média.

Sr. Presidente: impõe-se um sereno estudo da orientação seguida, desde o processo da produção até ao da industrialização e venda, com vista a determinarmos os desvios que no campo económico e social estejam afectando a economia do produto.
Quanto ao estudo do aspecto económico, procurarei, para maior clareza, convertê-lo numa demonstração de natureza física feita perante esta Assembleia.
Talho para esse efeito uma prancha de cortiça que pese rigorosamente 1 quilograma, o que, dado o seu peso específico médio, corresponde a 12dm2,5 de cortiça de calibre médio.
Ponho esta pequena prancha a flutuar e atribuo, por hipótese, à sua capacidade de flutuação um valor igual ao valor médio de exportação destes 12dm2,5 de cortiça, ou seja 3$10.

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Posto isto, coloco sucessivamente sobre a prancha de cortiça cargas correspondentes aos diversos encargos e à justa remuneração da produção, industrialização e comércio correspondentes a 1 quilograma de cortiça, considerando, por hipótese, que converti a moeda em unidades de peso.
Se, terminada esta operação, a prancha continuar flutuando ter-se-á demonstrado que o problema está no seu conjunto certo e que apenas um ou outro pormenor poderá carecer de pequenos reajustamentos. Se, pelo contrário, a prancha, ultrapassada a sua capacidade de flutuação, tender a afundar-se, então será evidente que o problema, considerado no conjunto, carece de uma atenta e profunda revisão, se não quisermos deixar soçobrar este importante sector da nossa economia.
Seguindo a ordem natural por que os encargos surgem, determino e utilizo na minha demonstração os seguintes:

Sector da produção - cálculos na base do valor de quilograma de cortiça de 1$66(6):

1) Juro, à taxa de 4 por cento, do capital fundiário de 1$67 - valor da
terra em que se acha implantada uma fracção de montado de sobre
susceptível de produzir 1 quilograma de cortiça........................ $06
2) Juro, à taxa de 4 por cento, do capital "gerador" de 3$33 - valor de
uma fracção de "povoamento de sobro" (calculado na base de uma
produtividade média de 100 arrobas e de um valor médio do arvoredo
contido em 1 hectare de 5.000$), capaz de produzir 1 quilograma de
cortiça ............................................................... $13
3) Despesa com "guardaria" do montado de sobro, na base de um homem por
500 hectares de superfície, por quilograma ............................ $09(70)
4) Encargo da Junta Nacional da Cortiça, por quilograma ............... $00(30)
5) Encargo dos grémios da lavoura, por quilograma ..................... $05(55)
6) Encargo das Casas do Povo, por quilograma .......................... $03(33)
7) Contribuição predial rústica e respectivos adicionais (prédios
avaliados antes do 1940 - 24,63475 por cento), por quilograma ......... $41(03)
8) Imposto complementar, à razão da taxa média (por hipótese) de 8 por
cento sobre o rendimento colectável ................................... $13(32)
9) Imposto de trabalho existente em algumas câmaras (considerando 0,035 de trabalhador fixado por hectare e 20$ por ano e por trabalhador), por
quilograma de cortiça ................................................. $00(05)
10) Encargo de limpeza (pela e arroteia do mato), à razão de três jornais
de mulher por hectare e três passagens de limpeza nos nove anos, por
quilograma ............................................................ $04(80)
11) Encargos de um terço, não coberto pela seara, da despesa com alqueive
e lavoura de sementeira (6 jeiras de bois a 50$ por jeira, correspondendo
a um encargo por quilograma de cortiça de $20), logo .................. $06(66)
12) Juros compostos durante o período médio de quatro anos e meio entre
a formação da primeira e da última assentada de cortiça, medindo o
encargo que resulta de a produção se não achar ordenada em tantas
"messas" quantos os anos do período de criação, por quilograma.......... $32
13) Despesas médias de extracção, por quilograma ....................... $16(60)
14) Despesas com guarda das pilhas de cortiça correspondentes a 500
hectares (dois homens, trinta dias), por quilograma .................... $01(60)
15) Despesas de pesagem (cinco homens a 1:500 arrobas, acrescidos de um apontador e de gastos diversos), por quilograma ........................ $00(80)
16) Seguro do pessoal de extracção, à razão de 3,5 por cento dos salários acrescidos de 20 por cento, mais o custo da apólice, mais 2 por cento e
mais 1 por mil, por quilograma ......................................... $00(70)
17) Seguro de acidentes de trabalho do pessoal permanente, à razão de 0,03
por cento de trabalhador rural por hectare e na base de salário de 18$
(salário de inverno) por dia, por quilograma ........................... $00(46)
18) Encargo social das crises rurais na correspondência de 50 por cento
do pessoal distribuído pelas Casas do Povo, ou sejam dois jornais por
1:000 arrobas de cortiça, por quilograma ............................... $02(40)
19) Seguro da cortiça, na base de 1$66(6) por quilograma de cortiça
(noventa dias, a 3(520 por 1.000$, acrescidos de 20 por cento, mais
custo da apólice, mais õ por cento e mais 1 por mil), por quilograma ... $00(68)
20) Encargo de administração do empresário agrícola, à razão de 3 por
cento do valor do produto, por quilograma .............................. $04(70)

Somadas estas verbas, verifica-se um encargo total de produção de 1 quilograma de cortiça de 1563(68), ou seja por arroba 24$55.

Sector industrial:

21) Juro, à taxa de 4 por cento, sobre o capital fundiário representado por
uma fábrica média, trabalhando 100:000 arrobas de cortiça e valendo
1:500.000$, por quilograma ............................................. $05
22) Juro, à taxa de 4 por cento, sobre o capital de exploração, calculado
à razão de 30 por cento do valor global da cortiça fabricada, por
quilograma ............................................................. $05(50)

23) Contribuições e impostos, por quilograma
A) Licenças camarárias, por quilograma
B) Taxas da Junta Nacional da Cortiça, por quilograma
} $06(60)

24) Despesas de administração (2 por cento do valor da cortiça fabricada),
por quilograma ......................................................... $06(20)
25) Valor do arco empregado, à razão de 6$ por quilograma e de 1kg,2 por
fardo de 90 quilogramas, por quilograma ................................ $08(60)
26) Enfardação e deslocação do pessoal, por quilograma ................. $03(33)
27) Transporte, em valor médio, do campo para a fábrica e desta para o
cais, por quilograma ................................................... $21
28) Despesas de embarque na fragata, por quilograma .................... $03(33)
29) Raspagem, por quilograma ........................................... $03(33)
30) Cozedura e combustível, por quilograma ............................. $05(33)
31) Traçamento, por quilograma ......................................... $02
32) Recorte, por quilograma ............................................ $04(66)
33) Escolha, por quilograma ............................................ $04(66)
34) Passamento, por quilograma ......................................... $02(66)
35) Enfardação, por quilograma ......................................... $03(33)
36) Serventes (faxinas), por quilograma ................................ $02
37) Contribuição patronal para a Caixa de Previdência, por quilograma .. $02(60)

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38) Contribuição patronal para a Caixa de Abono de Família, por
quilograma ............................................................. $02(20)
39) Contribuição patronal para o Fundo de Desemprego, por quilograma.... $00(30)
40) Contribuição patronal para o Socorro Social, por quilograma ........ $00(05)
41) Contribuição patronal para a Caixa Regional, por quilograma ........ $00(05)
42) Seguro da fábrica, na base do valor de 1:500.000;S e na razão de 100,
mais 20 por cento, mais 5 por cento, mais 1 por mil por 1.000$
(considerada a laboração de 100:000 arrobas), por quilograma .......... $01(20)
43) Seguro da cortiça existente na fabrica, na base de 25 por cento da quantidade anualmente trabalhada, ou seja, por hipótese, 25:000 arrobas,
e considerando metade fabricada e metade por fabricar, encargo por
quilograma ............................................................. $00(72)
44) Seguro contra acidentes no trabalho do pessoal, na base de 2,5 por
cento do salário, acrescidos de 20 por cento, mais custo da apólice, mais
5 por cento e mais 1 por mil, considerando a soma dos salários de $32(63),
por quilograma o encargo é de .......................................... $01(03)

Somadas estas verbas, verifica-se um encargo de fabricação de $94(77), ou seja por arroba 14$21(55).

Sector comercial - cálculos na base do valor médio de exportação de 3$10 por quilograma:

40) Contribuição industrial:

15 por cento sobre o rendimento colectável, calculado à razão de 5 por
cento do valor da mercadoria, valorizada a 3$10 o quilograma, acrescido
de 2 por cento (taxa compensação-artigo 10.º da Lei n.º 2:022), por
quilograma ............................................................. $02(60)

46) Imposto complementar:

Na base de rendimento colectável à razão de 5 por cento do valor da
mercadoria e na correspondência da taxa média de 8 por cento do rendimento colectável, por quilograma ............................................. $01(24)

47) Corpos e corporações administrativas:

2,4 por cento, logo por quilograma ..................................... $00(37)

48) Imposto municipal:

19 por cento sobre u verba principal da contribuição industrial, acrescido
do adicional de 8 por cento e os emolumentos de polícia, 3010, por
quilograma ............................................................. $00(94)

49) Direitos de exportação, à razão por tonelada de 075 e 045 (ouro), respectivamente para prancha e refugo e para aparas, virgem e serradura. Considerando as quantidades de cada classe exportadas no 1.º semestre de
1948, temos um direito ouro médio de 052(84), que, dado o coeficiente de conversão 24,45, corresponde por tonelada a 12091 e por quilograma...... $01(29)
Encargos complementares resultantes dos artigos 13.º e 19.º do decreto respectivo e outros, como emolumentos, taxa da Administração do Porto de
Lisboa, despesas de verificação, et c., computáveis em 45,8 por cento dos direitos, por quilograma ............................................... $00(58)

50) Taxa para a Junta Nacional da Cortiça:

Por tonelada de cortiça não em obra, 30$, por quilograma ............... $03(00)

51) Despesas administrativas:

1,5 por cento sobre o valor médio da cortiça exportada como matéria-prima,
por quilograma ......................................................... $04(65)

52) Contribuição patronal para a Caixa de Previdência:

Na base de ordenados correspondentes a 1 por cento do valor da cortiça
exportada e na correspondência de 15 por cento dos referidos ordenados,
por quilograma ......................................................... $00(46)

53) Seguro da cortiça, por quilograma .................................. $00(39)

Somadas as verbas referentes ao comércio da cortiça, verifica-se um encargo por quilograma de $15(52) e por arroba de 2$32(8).

Sr. Presidente: da comparação entre os valores médios da produção e da exportação de cortiça, computados, respectivamente, em 1.$66(6) e 3$10 por quilograma, e os encargos que oneram a produção, indústria e comércio deste produto, é já possível concluir que:
1.º Abstraindo do que ainda possa representar um lucro puramente financeiro, ligado à remuneração exclusiva dos capitais, os montados de sobro correm o risco de deixar de constituir para a lavoura um empreendimento que asseguro uma exploração lucrativa, e só, uma ocasional valorização de alguns dos seus produtos secundários tom permitido manter a cultura e a exploração nos seus actuais níveis.
A soma dos encargos apurados, totalizando por arroba 24$55, quase iguala o valor médio de 25$, que, olhando; à crise, havíamos tomado para base de cálculos, e ultrapassa na realidade o valor médio por que a lavoura está presentemente vendendo o produto. A continuação deste, estado de coisas, além de gerar miséria nos meios rurais das regiões produtoras, acabará por comprometer a riqueza suberícola do País.
2.º A industrialização da cortiça, não ultrapassando, na generalidade dos casos, os limites de uma simples actividade classificadora e preparadora da matéria-prima, acha-se de tal forma onerada que o exercício desta actividade passou a revestir uma forma cada vez anais especulativa, exercida não raramente em desgaste dos próprios capitais e mais frequentemente ainda em detrimento do produtor.
3.º O comércio externo da cortiça, tal como vem sendo praticado, luta com inúmeras dificuldades para conservar os nossos habituais, mercados e, tendo de operar em duas frentes, a interna e a externa, procura compensação para as suas dificuldades externas na insuficiência dos meios de resistência de muitos dos industriais, conseguindo a baixa dos produtos, o que, mercê dos encargos que as oneram, só é possível em detrimento do lucro da indústria e em prejuízo indirecto do produtor.
Sei, Sr. Presidente, que se argumentará com a remuneração, de ordem financeira, dos capitais investidos e

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até com as exíguas verbas atribuídas exclusivamente a, despesas, de administração e em que propositadamente não cabe qualquer parcela, de lucro. Eu próprio facilito a apreciação, apontando cada uma das verbas respectivas.
Não creio, porém, que se possa fundamentar essa crítica, porquanto ninguém poderá deixar de levar em linha de conta os juros dos respectivos capitais, se por hipótese os dever "u mesmo se forem seus, nem as despesas que necessàriamente haja de fazer para administrar qualquer empreendimento agrícola ou industrial.
Importando ao estudo deste problema, não só determinar o "descoberto" económico deste sector da nossa economia, como descer ao pormenor, a fim de melhor objectivar os respectivos desvios, passo a classificar, segundo a sua natureza, os encargos, há pouco enumerados, que oneram 1 quilograma de cortiça, determinando seguidamente a proporção em que cada grupo de encargos entra no somatório geral. Temos assim:
Encargos agrícolas. - Os constituídos pelas verbas n.ºs, 2, 3, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 19 e 20, no montante, par quilograma de cortiça, de $96(54).
Encargos industriais. - Os constituídos pelas verbas n.ºs 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 42 e 43, no montante, por quilograma de cortiça, de $81(84).
Encargos comerciais. - Os constituídos pelas verbas n.ºs 51 e 53, no montante, por quilograma de cortiça, de $05(04).
Encargos tributários. - Os constituídas pelas, verbas n.ºs 4, 5, 7, 8, 23, 45, 46, 47, 48, 49 e 50, no montante, por quilograma de cortiça, de $76(91).
Destes encargos de natureza tributária, os constituídos pelas verbas n.ºs 4, 5, 47 e 50 dizem respeito à organização corporativa e de coordenação económica, o constituído pela verba n.º 48 compete às entidades administrativas e os constituídos pelas verbas n.ºs 7, 8, 23, 45, 46 e 49 referem-se ao Estado.
Encargos sociais. - Os constituídos pelas verbas n.ºs 6, 9, 16, 17, 18, 37, 38, 39, 40, 41, 44 e 52, no montante, por quilograma de cortiça, de $13(63).
Verificamos, assim, que no custo total previsível de produção e preparação de 1 quilograma de cortiça, computado em 2$73(97), a produção entra apenas com 35,22 por cento de despesas, a indústria preparadora com 29,86 por cento, o comércio de exportação com 1,83 por cento, o Estado, corpos administrativos e organizações corporativa R com 28,06 por cento, e finalmente o sector social, sob várias modalidades, com 5,01 por cento.
A diferença de $36(03) do custo de produção e preparação para o valor médio de 1 quilograma de cortiça, exportada como matéria-prima, computado em 3$10, acha-se cativo ainda de encargos imprevisíveis, como sejam, por exemplo, as quebras de fabricação de 4 a 8 por cento, a amortização dos montados e instalações fabris, e ainda de riscos, como, por exemplo, o incêndio nos arvoredos e os riscos comerciais, e constitui, na parte livre, a magra margem de lucro das três actividades: produção, indústria e comércio da cortiça, pelo que suponho demonstrado que a actual economia do produto não comporta, em conceito geral, o justo lucro das actividades que nele intervêm.
Antes de nos abalançarmos a tirar novas conclusões, vejamos como variaram, no tempo, alguns dos principais factores do custo da produção e preparação da cortiça, a saber:
a) Valor da moeda;
b) Salários agrícolas;
c) Salários industriais;
d) Encargos tributários:
e) Encargos sociais;
f) Cotações a campo da cortiça.
isso, Sr. Presidente, pode verificar-se no quadro seguinte (n.º 2):

QUADRO N.º 2

[ver quadro na imagem]

(a) Este salário é o do período do inverno, com exclusão dos serviços agrícolas, que nada têm que ver com a cultura florestal. No presente ano, durante as crises do trabalho, o salário desceu para 17$.
(b) Consideramos um caso concreto do salário superior ao mínimo da tabela (35$50), por corresponder à realidade frequento do levarmos em linha recta os benefícios indirectos concedidos a estes empregados do confiança.

Sr. Presidente: de posse de mais estes elementos é-nos possível formular os seguintes novos raciocínios referentes ao período de 1910 a 1948:
1) A moeda sofre uma depreciação que se pode calcular em 8:666 por cento;
2) Os salários agrícolas actualizaram-se em 5:428 por cento;
3) O salários industriais acusam um aumento correspondente a 4:555 por cento no caso de pessoal fabril especializado e de 5:600 por cento no caso de pessoal fabril corrente;
4) Os encargos sociais, que em 1910 consistiam apenas na despesa de recorte da prancha, foram sucessivamente acrescidos era 1, 11 e 16 por cento do valor dos salários actualizados, além do ónus que para a indústria representa a manutenção do pessoal ao serviço depois de terminada a "fabricação";
5) A cortiça no referido período de tempo actualizou-se em escudos em 3:555 por cento e depreciou-se:
a) Em relação à libra-ouro em 59,4 por cento;
b) Em relação aos salários agrícolas em 34,3 por cento;
c) Em relação aos salários industriais:

Aos acentuadamente especializados em 26 por cento;
Aos não especializados em 36,23 por cento.

Daqui se tiram as seguintes conclusões:
1.º A presidir à organização deste sector e à repartição dos direitos e obrigações não houve um critério

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seguro, baseado em aturados estudos prévios de natureza económica e social;
2.º Como consequência dos factos apontados e em virtude também da situação anormal do Mundo, os encargos cresceram em proporção muito mais elevada do que as possibilidades económicas deste sector da nossa economia.
Sr. Presidente: no campo económico, a pouca atenção dispensada à classe produtora quase dá a impressão de que a esta não era reconhecida outra posição que não fosse a de mera e ocasional detentora de uma riqueza, representada pelos montados de sobro, que, por haver sempre existido, mais pertencesse à colectividade do que aos seus actuais donos.
Esclareço este aspecto invocando a Constituição que nos rege e apresentando os seguintes dados estatísticos relativos à evolução da nossa produção corticeira:

Ano de 1880:

Área insuficientemente determinada, produzindo 18.625:000 quilogramas.

Ano de 1900:

210:000 hectares, produzindo 50.000:000 de quilogramas.

Ano de 1910:

400:000 hectares, produzindo 75.000:000 de quilogramas.

Ano de 1930:

741:000 hectares, produzindo 133.438:000 quilogramas.

Ano de 1945:

825:000 hectares, produzindo 145.000:000 de quilogramas.

De onde se conclui que a riqueza suberícola nacional não existiu sempre, como muitos supõem, em nível que se aproxime do actual, sendo antes um valor da nossa economia que a lavoura portuguesa criou na sua quase totalidade em poucas gerações, através de imensos sacrifícios.
Também, Sr. Presidente, na coordenação das actividades que se relacionam com a cortiça se não vê que à actividade agrícola tenham sido atribuídosa importância e o lugar que lhe competem. Sem representação até hoje na Junta Nacional da Cortiça, com quem os produtores têm, a despeito de tudo, podido manter um contacto agradável e construtivo, mercê da exclusiva boa vontade dos seus elementos dirigentes, quase custa a compreender que tenha sido possível manter, sem o reconhecimento dos seus direitos, uma actividade que engloba a maioria dos portugueses, que no conjunto da sua produção alimenta a população portuguesa e concorre ainda em cerca de 60 por cento do valor das nossas exportações.
Extinto o Ministério da Agricultura, em obediência a princípios de coordenação que nunca foram atingidos, perdeu a profissão agrícola muitos dos seus privilégios naturais e tradicionais que a dignificavam, como sucede noutros países, e perderam os agricultores portugueses os mais elementares direitos, até ao ponto de lhes ser recusada, para efeitos de identificação, a designação de "agricultor" ou "lavrador".
Como consequência desta falta de coordenação e do evidente desvio, até há alguns meses, registado no Ministério da Economia, mais interessado durante esse tempo em fazer política social do que "fomento", viram os sectores sociais do Governo reforçada inesperadamente a sua actuação, do que resultou que na organização das nossas actividades industriais o que deveria ser uma resultante das diversas forças em jogo, de ordem económica e social, passou a ser a consequência da aplicação de uma única força deliberadamente orientada no sentido social.
Não discordo dos generosos objectivos de ordem social que o Estado tem em vista atingir e com os quais dignificou a sua acção e engrandeceu a sua já larga folha de serviços prestados ao País. Muito se tem feito e muito resta fazer ainda.
Apenas apreciarei se nas soluções adoptadas tivemos em conta as nossas tradições seculares ou se cedemos a tentação de copiar ou adaptar à nossa mentalidade e à nossa economia interna aquilo que vimos aplicado a outros raças com um património social e moral porventura muito menor do que o nosso.
Começarei por averiguar se a velhice, a invalidez e a doença eram vicissitudes que entre nós escapavam totalmente à nossa acção assistencial.
Sr. Presidente: feito um inquérito pela Associação Central da Agricultura Portuguesa à acção assistencial exercida pela lavoura produtora de cortiça, a quase totalidade das casas agrícolas consultadas respondeu que assistia ao seu pessoal contratado: na doença, mantendo a totalidade dos ordenados, e na invalidez e na velhice, auxiliando em proporções que oscilam entre a totalidade dos ordenados e o bastante para ocorrer às despesas de sustentação.
Assim, a casa Branco Teixeira responde:

Não tenho os meus assalariados seguros em qualquer companhia porque, quando os tinha, pagava prémios exagerados em relação aos benefícios, que não chegavam para a manutenção dos segurados e das respectivas famílias, o que me obrigava, além do prémio do seguro, a ter de dar subsídios para não andarem a pedir esmola. Sempre na minha casa e na dos meus pais se mantiveram os inválidos com o último ordenado que tinham tido; por sua morte as viúvas recebem o necessário para viver.

A casa Infante da Câmara:

Encarreguei de coligir os elementos solicitados pela Associação de Agricultura um empregado, que por sinal é filho de outro que o foi sempre de meu pai e neto de um de meu avô.
Nos casos de doença os criados contratados recebem todo o ordenado, como se andassem ao serviço, e ainda serviços clínicos, e, na maioria dos casos, medicamentos. Na invalidez ganham o bastante para se manterem e às suas famílias e por morte as viúvas recebem metade dos ordenados que competiam aos maridos.

A casa Amaral Neto responde nos mesmos termos e acrescenta:

Tenho estabelecido e executo um programa de renovação das moradas que concedo aos meus criados e assalariados permanentes, com três, quatro e cinco divisões cada uma. Na execução desse intento já edifiquei perto de trinta moradas e beneficiei muitas outras, propondo-me continuar até completo alojamento de todos.
Direi ainda que tentei estabelecer um sistema de seguros de dotes em benefício das filhas dos meus criados, mas suspendi a iniciativa perante a incompreensão que a acolheu.

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A Companhia das Lezírias responde ainda nos mesmos termos e acrescenta:

Como regra, atende-se, para a colocação do nosso pessoal, à circunstância de se tratar de filhos ou netos de empregados que morreram ou ainda estejam, ao serviço da Companhia, pelo que nos nossos quadros há como que dinastias de empregados, que se vão sucedendo nas funções dos antepassados, ou, por seus estudos ou méritos, melhoram de situação.

Idêntica ainda a posição da casa Cadaval, com excepção do que respeita à doença, em cuja assistência se encontra o princípio da coordenação de esforços com as Casas do Povo.
A casa Varela Cid, após a enunciação da sua acção assistencial, acrescenta:

As dificuldades agrícolas que presentemente atravessamos não sei se me permitirão de futuro manter, como desejava, a mesma orientação dentro do espírito cristão que sempre me tem guiado.

A casa Sommer, além da assistência na doença, invalidez e morte e da sua comparticipação em todas as iniciativas locais, mantém uma colónia balnear na Nazaré, um posto anti-sezonático, escola de instrução primária, escola de lavores e cozinha e nas crises de trabalho ocupa, além da sua elevada quota de jornaleiros permanentes, muito pessoal que lhe não é necessário.
É vasta a acção que, por força da sua própria lei orgânica, exerce a Fundação da Casa de Bragança, e, finalmente, a Casa Samuel Santos Jorge dá-nos, com o seu hospital modelar, a sua caixa privativa de previdência, os seus campos de jogos e casa de espectáculos para seiscentas pessoas, um exemplo de organização social que pode ser apontado em qualquer país.
Se da lavoura derivarmos para a indústria, também se poderão apontar numerosos casos de bem orientada assistência ao pessoal.
Cito, por exemplo, a Companhia União Fabril, a Casa Mundet, a Empresa de Cimentes de Leiria, a Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre, Lda., a Empresa Fabril do Norte, a Companhia de Fiação do Rio Ave, a Companhia Portuguesa de Tabacos, Azevedo & Ca., Lda.
Significa isto, Sr. Presidente, que se devem circunscrever a assistência e a previdência aos limites da iniciativa particular, ou mesmo a esta e ao Estado, através da sua rede de hospitais e dispensários? De maneira alguma.
O problema é dos que necessitam de uma ampla, generalizada e eficiente solução, e esses requisitos levam-me a concluir que importa:
1.º Aproveitar da nossa tradição tudo quanto contenha de bom;
2.º Conjugar o que existia e o que se pretende criar por forma a articular os diversos serviços, simplificando-os na medida do possível e suprimir os que se achem reputados ou visem objectivos idênticos, por forma a que conciliemos o máximo da eficiência com as normas de uma severa economia, indispensáveis num país como o nosso, caracterizado por uma débil estrutura económica.
Nisto, como em tudo o mais, a técnica tem a primeira palavra e o senso comum a última.
E porque nos problemas sociais que se procurou solucionar nem sempre se atendeu ao imperativo económico, vejamos como este aspecto volta a dominar o conjunto das soluções.
É sabido em matéria de organização de previdência que só dois métodos existem: o da repartição e o da capitalização, ambos emanando da aplicação da lei dos grandes números.
Acredita-se que o primeiro método para atingir o máximo de rigor e eficiência careceria de ser generalizado a toda a população, originando o que poderíamos chamar o seguro social obrigatório. Esta generalização permitiria utilizar para base de cálculos as tabelas demográficas que os países procuram manter actualizadas.
Na generalidade dos casos, e assim se verifica com o Estado Português, contorna-se a dificuldade por forma a diminuir os riscos, condicionando a aplicação deste método a indivíduos que à data da sua inscrição não ultrapassem determinada idade.
Este método era o adoptado na Alemanha e na Áustria e entre nós foi utilizado pelo Estado e por algumas companhias concessionárias de serviços públicos, como, por exemplo, a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.
Admite-se que o segundo dos métodos, ou seja o da capitalização, oferece em contrapartida possibilidades periódicas de correcção, adapta-se sem riscos apreciáveis ao período de introdução e, pelo menos teòricamente, aliviaria os montantes das contribuições e acautelaria o futuro.
Estes os aspectos que à primeira vista poderão ser atribuídos a cada um dos dois métodos fundamentais.
Portugal, na organização das caixas de previdência das suas diversas actividades industriais e comerciais, optou decididamente pelo segundo método, e, como não dispunha, e só ùltimamente iniciou a recolha, de elementos reais verificados no País, adoptou, reforçando certas margens de segurança, as tabelas em vigor noutros países.
Fixaram-se como objectivos de assistência e de previdência a assistência na doença, o abono de família, o subsídio de invalidez e a reforma.
Como provimento instituíram-se taxas incidindo sobro os salários, que se repartiram por patrões e operários, cabendo, no caso da indústria de cortiça, aos primeiros 15 por cento e aos segundos 5 por cento, acrescido de cerca de 0,5 por cento destacados da receita do Fundo de Desemprego.
Deduzidas as despesas administrativas, fixadas por lei em 1 por cento, mas na prática sempre verificadas em percentagem superior, destina-se tudo o mais a ocorrer aos seguintes objectivos:

Percentagens
Assistência na doença .......... 1,7
Reforma ........................ 7,2
Morte .......................... 0,6
Fundo de assistência ........... 2,5
Abono de família ............... 7

Paralelamente cobra o Instituto Nacional do Trabalho 50 por cento do diferencial pago aos operários nas horas extraordinárias de trabalho, remetendo essa receita para o Fundo nacional do abono de família, que se destina a ocorrer a despesas com colónias balneares, Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e ainda a cobrir os possíveis deficits das caixas de abono do família.
Assim se cobraram de 1945 a 1948 quantias sempre crescentes.
Do total cobrado em 1947 - 606:579.684$99 - despenderam as caixas: em encargos administrativos, 38:323.348$31; em subsídios e pensões referentes a doença, reforma, morte e sobrevivência, respectivamente 30:746.291$41, 4:202.524$56, 1:328.344$80 e 1:563.689$40.

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Somando a estas verbas o despendido com a assistência médica e farmacêutica e com o abono de família, respectivamente 76:204.205$49 e 113:456.762$68, temos um desembolso total de 265:825.166$65, o que permite concluir que se arrecadou a impressionante quantia de 340:754.518$34.
O montante dos fundos das caixas de previdência e de abono de família ascendia em 31 de Dezembro de 1947 a 1.061:863.646$96.
Tendo decorrido já três anos sobre a introdução do método de capitalização, vejamos, com intuitos de crítica imparcial, quais os resultados obtidos, analisando sucessivamente:
1.º O grau de aceitação pelo conjunto da população;
2.º A eficiência;
3.º O conceito de justiça;
4.º A influência no rendimento do trabalho;
5.º A garantia;
6 .º A economia do sistema.
Grau de aceitação pelo conjunto da população. - Esta modalidade, forçoso é reconhecê-lo, não tem ma sana actual fase de evolução agradado plenamente à população, e sobretudo ao conjunto dos beneficiários.
Julgo que o facto se deve a que em muitos casos veio substituir modalidades tradicionais, que eram, quanto à sua aplicação directa, mais simples e eficientes, embora enfermassem do inconveniente grave de se não acharem oficializadas e generalizadas.
Eficiência. - Verificando-se uma tendência para a diminuição de taxa de capitalização, teòricamente fixada em 4 por cento, mas, na prática, reduzida a 2,73 por cento, o sistema sai fora aos. limites com siderados económicos, do que resultará a necessidade ou de aumento das taxas com que patrões e operários terão de concorrer ou de alongamento do período de capitalizações.
Como consequência, que se antevê, alonga-se o período em que os beneficiários são levados pelas circunstâncias a comparar os encargos suportados e os benefícios recebidos, tirando conclusões desfavoráveis ao sistema.
Como exemplo e termo de comparação apresento o caso de uma empresa que até 1944 contribuiu, sem qualquer encargo para os seus operários, para um fundo de assistência, com a importância anual de 100.000$, totalmente investidos nos objectivos propostos, atendendo a que não houve despesas algumas administrativas. Essa mesma empresa e o seu pessoal contribuíram de 1945 a 1947 com uma média anual de 600.000$, dos quais apenas cerca de um terço reverte, no mesmo período de tempo, a favor dos beneficiários.
Quanto mais tempo se mantiver este desequilíbrio menor também a eficiência que no campo da justiça social se terá conseguido entre os que presentemente pagam e aqueles que no futuro aproveitarão da plenitude dos benefícios.
Conceito de justiça. - Relacionando o número de anos de quotizações com o montante da reforma e impondo um prazo mínimo de contribuição de dez anos para ter direito à reforma por invalidez e de três anos para subsídio de morte, o sistema não atende ao passado do trabalho do operário, mas apenas ao futuro, do que resulta, quanto à generalidade das caixas de previdência, não obstante algumas tentativas de correcção que me apraz registar:
1.º Deixar com uma escassa reforma, ou totalmente na anisaria, os operários mais idosos, a menos que os patrões os assistam na velhice, avolumando os seus já pesados encargos;
2.º Cobrar de uma parte da população operária taxas por um benefício que se sabe de antemão que não auferirá.
Generalizando ainda o pagamento do conjunto das taxas ao operariado adventício, como tal não inscrito nos quadros, o sistema alheia-se do conceito da justiça social, porquanto aos referidos descontos não correspondem regalias algumas.
Influência no rendimento do trabalho. - A concentração dos serviços de assistência e de previdência em organismos totalmente estranhos aos quadros hierárquicos do trabalho contribuiu para afrouxar os laços que prendiam patrões e operários e quebrou a interdependência que antes existia entre uns e outros.
Assim, o auxílio deixou de ser prestado pela entidade patronal para ser devido por uma entidade absolutamente estranha à respectiva actividade económica.
Tendo de pagar uma percentagem sobre os salários liquidados, desinteressou-se o patrão das perdas de dias de trabalho dos operários, visto que estas passaram a ser-lhe estranhas.
Como consequência, os índices de doença e os encargos respectivos cresceram, a despeito de uma fiscalização a que falta conteúdo moral e experiência humana.
Competindo-lhe receber subsídios e pensões, não em harmonia com a conduta e a aplicação no trabalho, mas sim por força de direitos adquiridos, passou o operário a desinteressar-se do rendimento do trabalho.
Não podendo o empresário despedir o pessoal, e nem sempre dispondo de matéria-prima ou de capital para a adquirir e assim assegurar, a plena laboração da fábrica durante todo o ano, afrouxou a vigilância no serviço, visto ser indiferente manter o ritmo normal de laboração e custear o pessoal à boa vida no resto do ano ou entreter este durante todo o tempo, muito embora em detrimento da sua produtividade.
Como consequência, decresceu a produtividade de grande parte da população portuguesa e aumentou o custo da produção.
Garantia. - Sendo este um dos aspectos que certamente levou à escolha do método de capitalização, ocorre perguntar se de facto a garantia se acha efectivada ou se, pelo contrário, o risco cresceu na proporção do capital acumulado. Por mim penso que sim.
Achando-se estatuído na Lei n.º 1:884, de 16 de Março de 1935, e no Decreto-Lei n.º 35:611, de 25 de Abril de 1936, que as reservas matemáticas serão constituídas na proporção de 40 par cento de papéis do Estado e na de 60 por cento de imóveis e papéis de empresas de reconhecida utilidade pública, pergunto: como se poderá evitar a baixa na cotação dos papéis de empresas particulares em consequência de inúmeros factores incontroláveis, e bem assim a diminuição de rendimento dos prédios urbanos, em virtude de uma possível, e até provável, crise de inquilinato?
A correcção das perdas, a verificarem-se, e suponho que esse é já, de certo modo, o caso em muitos dos papéis em carteira, faz-se por reajustamentos futuros das contribuições das respectivas actividades? Se assim é, teremos de concluir que não vale a pena onerar tão pesadamente o presente a favor de um futuro tão incerto.
Economia do sistema. - Apresentadas algumas injustiças e deficiências quanto ao aspecto social do sistema adoptado, vejamos como se comporta este no campo económico.
Na sua apreciação teremos de considerar duas hipóteses: ou o dinheiro abunda, em consequência de inflação, ou de paralisação de negócios, ou, pelo contrário, escasseia no mercado financeiro ou em determinados sectores económicos, em virtude de uma política deflacionista ou em consequência de uma crise económica parcial.
Adoptado na previdência o sistema de capitalização, cobram, as caixas quantias que, por um ano, se aproxi-

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mam da quarta parte cia totalidade dos salários pagos no País, com excepção dos salários agrícolas, ou seja anualmente uma quantia que ainda se não conhece exactamente, mas que em 1947 ascendia já à impressionante verba de 606:000.000$.
Desse montante reentra na circulação geral, no decorrer do ano, o correspondente à assistência na doença o ao abono de família, ou seja cerca de 8,7 por cento, o que, somado a alguns subsídios de morte, perfez, na média dos três primeiros, anos decorridos, cerca de um terço das quantias arrecadadas, a que haverá a juntar ainda as despesas administrativas (38:323.348$35), vindo a totalizar, em relação, por exemplo, a 1947, 265:825.166$63.
Se se trata de indústrias destinadas ao mercado interno, o desvio de dinheiro é assim parcialmente recuperado através do aumento de poder de compra de determinados sectores da população.
Se, pelo contrário, se trata de indústrias que trabalham para a exportação, como sejam as indústrias de conservas, cortiça e resinosos, essa recuperação, embora parcial, é pràticamente impossível.
Como quer que seja, se com siderarmos que nem sempre a criação de encargos sociais foi precedida do indispensável estudo económico, e isso em consequência de desvios verificados na nossa organização corporativa, os quais se justificavam durante a guerra, mas que importa presentemente corrigir, teremos de admitir que em determinados casos reduzimos ou anulamos perigosamente o margem de lucros das indústrias, especialmente as ligadas à exportação, que não têm nas tabelas de venda a garantia de um lucro mínimo. Sempre que isso suceda, e essa hipótese é fácil de se verificar na indústria de cortiça, a contribuição patronal não sai dos lucros, em conceito de uma melhor distribuição da riqueza criada, mas sim do capital de exploração, quando não é do próprio crédito, em destruição de instrumentos de trabalho.
Como, por hipótese, os capitais investidos nesta ou em qualquer outra indústria terão sempre um rendimento ilíquido superior a 20 por cento, aliás, não comportariam os encargos que pesam sobre essas actividades, desviando-os para as caixas de previdência, onde na melhor das hipóteses irão auferir um rendimento, também ilíquido, de 4 por cento, teremos de concluir que a esses volumosos capitais, outrora investidos em criar riqueza e agora desviados da sua função económica, foi imposta uma quebra de produtividade da ordem de 16 por cento.
Logo o método das reservas matemáticas, generalizado sem as necessárias cautelas ao conjunto das indústrias de um país, além de criar problemas de capitalizações difíceis de resolver e sempre contingentes, pode, quando se verifique falta de capital nos bancos ou insuficiências de lucros das empresas, contribuir para o empobrecimento geral da população, com prejuízo inevitável, ainda que indirecto, daquelas mesmas classes de população a favor de quem o sistema havia sido instituído.
Extraio do relatório que precede o Decreto-Lei n.º 35:611, de 25 de Abril de 1946, as seguintes passagens em abono do que afirmei:

Pode prever-se que a rede do seguro obrigatório ficará completa dentro de poucos anos, devendo então atingir as reservas mais de 2.000:000 de contos.
Crescerão depois à razão de uns 300:000 contos por ano, até ao nível de estabilização.
Sugerem estes números a dificuldade de alcançar aplicação remuneradora para tão vultuosos capitais e o problema terá de ser examinado a fundo e em toda a parte ofereço complexidade idêntica.

Não considerando as quantias impressionantes que se terão acumulado quando se tiver conseguido o nível de estabilização das reservas e apenas raciocinando com os inúmeros à vista, a curto prazo, ou sejam reservas mo montante de 2.000:000 de contos e a anuidade de capitalização de 300:000 contos, é fácil de concluir que a estes capitais, desviadas da sua anterior função de criação de riqueza, corresponde, como vimos, uma quebra de produtividade da ordem de 16 por cento, determinando em épocas, como a que atravessamos, de insuficiência de dinheiro, de crédito e de lucros um prejuízo para a economia da Nação que se cifrará anualmente em cerca de 368:000 contos, o que daria para em cada ano arborizamos, mais de 100:000 hectares de serras, construir dois navios do tipo Pátria, uma barragem susceptível de produzir 90:000 H. P., ou seja o equivalente a 400.000:000 de kilowatts-hora, ou mais de 5:000 casas paira operários e trabalhadores.
A este prejuízo anual é de justiça descontar o benefício que por parte da população resultou da viabilização da política das casas de renda económica, e bem assim a acção de fomento, não isenta de alguns inconvenientes futuros, exercida por este sector social no financiamento dos empreendimentos hidroeléctricos, devendo em contrapartida somar-se-lhe o transtorno que para a economia do País resulta da imobilização da anuidade de capitalização e soía quebra de produtividade, e bem assim o prejuízo resultante da quebra de rendimento dos capitais acumulados em relação à própria taxa de capitalização prevista, de 4 por cento.
Sr. Presidente: do exposto conclui-se que nas indústrias que trabalham para a exportação, e neste caso se acha a indústria- da cortiça, a fixação de encargos, sociais e tributários não deve resultar de um mero conceito de generalização, mas sim de aturados estudos económicos, impondo-se:
1.º Reforçar a estrutura económica dá produção e da indústria, criando melhores condições de actuação e melhores condições de resistência económica, que defendam estas actividades da venda ao desbarato, de tão detestáveis consequências no mercado interno e externo;
2.º Considerar o aspecto de utilidade nacional, ligado ao equilíbrio da balança comercial, e viabilizar, quando se torne indispensável, as indústrias de exportação, através de um regime especial que beneficie de redução de encargos ou reparta estes em harmonia com os benefícios, embora indirectos, auferidos pelo conjunto da população.
Focados, Sr. Presidente, os principais factores do custo de produção, analisemos seguidamente os elementos em obediência aos quais se formam os preços de venda da cortiça a campo e nos mercados externos.
Ao contrário do que sucede com a maioria das matérias-primas, a cortiça apresenta uma grande diversidade de tipos e qualidades, que constituem a base de vários ramos de comércio e de indústrias bem diferenciadas.
No momento presente há no Mundo possibilidades de colocação para as classes chamadas fortes, isto é, as 1.as, 2.as e 3.as, e para os tipos e classes de utilização nas diversas, modalidades de granulado utilizadas no isolamento e na indústria dos aglomerados. Escasseiam em contrapartida as possibilidades de colocação, em nível de preço adequado, das classes intermédias, ou sejam 4.as e 5.as
Portugal vendia antes da guerra as suas cortiças de alta qualidade para os mercados da Europa Central e colocava uma percentagem apreciável das cortiças intermédias em diversos mercados, como a Argentina, e especialmente a França, onde, sob a forma de rolhas de baixa qualidade, concorriam, no engarrafamento de vinhos de consumo imediato, com as rolhas de proveniência argelina. As restantes qualidades eram absorvidas pelos outros países, com predomínio da América e da Inglaterra.

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Presentemente as cortinas das classes fartes são adquiridas pela Europa Oriental e pela França sob a forma de rolhas finas, e de rolhas para champanhe, e às cortiças de qualidade intermédia faltam compradores, especialmente o mercado francês, que reservou a quase totalidade da sua capacidade de aquisição para a produção argelina.
Estas dificuldades são avolumadas pelas tentativas de industrialização crescente de alguns países, especialmente os da América do Sul, pela resistência oposta à aquisição das nossas cortiças por alguns países, como, por exemplo, a Austrália, em consequência do valor da nossa moeda, pelas restrições ao comércio mundial, em consequência da carência de divisas, pela prática comercial dos grémios de exportação e das contas combinadas, utilizadas por concorrentes, e pelas tentativas de equilíbrio orçamental, que levaram alguns países, como a França, a tributar a entrada das nossas cortiças.
No campo da industrialização da cortiça mantém alto interesse económico a preparação dos granulados e a indústria dos aglomerados, não só dos tipos para isolamento, como o aglomerado fino, de que mesmo alguns países produtores, como, por exemplo, a França, continuam deficitários, e adquirem uma posição de relevo económico com o início do ressurgimento económico da França e da Europa, a rolha de champanhe, de que a Argélia já produz uma pequena parte e de que as restantes necessidades se acham contingentadas e repartidas entre a Espanha e Portugal, na razão, respectivamente, de 300 e de 80 toneladas.
Do exposto verifica-se que a conquista destes diversos mercados será tanto mais fácil para nós quanto mais nos especializarmos como produtores e como industriais.
Interessa, assim, criar à produção o estímulo necessário para melhorar a qualidade das suas cortiças, que permita à indústria conquistar certos mercados de qualidade e ainda proceder, por interesse próprio, a uma primeira e rudimentar classificação da cortiça, que evite o ónus que para o industrial resulta de adquirir, conjuntamente com as cortiças de que necessita como matéria-prima, aquelas que terá de revender. Este segundo aspecto reveste-se de grande dificuldade e a prática diz-nos que todas as tentativas feitas até à data o foram por iniciativa do industrial e exclusivamente no propósito de obter um preço médio de aquisição mais barato, em vez de constituírem ensaios construtivamente conduzidos no sentido da valorização da produção agrícola e do trabalho industrial.
O primeiro destes objectivos comporta uma solução parcial imediata e uma solução técnica a mais largo prazo. A primeira atinge-se demarcando as zonas do País onde a produção em massa da cortiça poderia ser melhorada por melhores normas de tratamento e pelo alargamento do período de criação da cortiça. A segunda alcançava-se a mais largo prazo estendendo o conceito de cultura jardinada dos nossos montados, orientado até agora no sentido da determinação dos limites da explorabilidade dos indivíduos que constituem o povoamento florestal, ao conceito da determinação, dentro do povoamento, da possibilidade da produção de cortiças finas, reservando apenas para as árvores produtoras dessas cortiças finas o alargamento do período de criação da cortiça.
Feita a determinação das zonas referidas, o Estado aceitaria a inscrição, até aos limites aconselháveis, dos proprietários que quisessem produzir cortiças assim valorizadas e garantiria um acréscimo de preço que compensasse, com estímulo, o produtor da imobilização de capital, ligado ao alargamento do período de extracção da cortiça.
Definidos os males de que enferma o sector económico da cortiça e os objectivos a atingir, cumpre-me apresentar algumas medidas susceptíveis de atenuar os efeitos da actual crise da produção e da indústria corticeira:
1.º Restauração do Ministério da Agricultura, dotando-o de um alto espírito de fomento, como garantia do revigoramento da nossa economia e de que à agricultura é novamente reconhecida a sua posição de relevo no conjunto das actividades nacionais;
2.º Representação, em nível adequado, de todas as actividades ligadas com a cortiça na Junta Nacional da Cortiça ou numa comissão ou organismo encarregado da superior coordenação dessas actividades, à semelhança do que se fez em França com a comissão Baurillon;
3.º Organização da produção da cortiça como elemento de equilíbrio perante a criação do Grémio dos Industriais e Exportadores de Cortiça ou, o que se afigura mais eficiente e económico, autorização para a instalação de uma ou mais cooperativas de produtores, destinadas a industrializar cortiça na quantidade reputada necessária à função normalizadora dos preços;
4.º Defesa do consumo da cortiça na metrópole e no ultramar, especialmente no que se refere ao engarrafamento de bebidas e à construção civil;
5.º Intensificação do estudo de novas aplicações da cortiça e instituição de prémios dentro e fora do País;
6.º Revisão das disposições que na indústria da cortiça regulam a fabricação, restaurando na medida do possível, e sem quebra dos privilégios de ordem social, as normas tradicionais, como seja, por exemplo, o escalonamento ao longo do ano e em épocas já determinadas do trabalho industrial e do exercício de outras actividades, permitindo assim um melhor rendimento de trabalho e a diminuição dos encargos para a indústria corticeira;
7.º Apreciação cuidadosa, dentro do espírito das nossas tradições, da organização dos serviços de assistência e de previdência, com vista a melhor articular os primeiros em relação aos serviços afins já existentes e a determinar, quanto às modalidades de seguro social, qual dos métodos fundamentais existentes - o da repartição e o da capitalização - serve melhor o interesse geral da Nação;
8.º Coordenação de esforços entre os organismos oficiais, a indústria e à lavoura no sentido da melhoria das condições de produção e de aproveitamento da cortiça, pelo recurso a um melhor ajustamento qualitativo da oferta e da procura e pela delimitação de zonas que permitam especializar a produção, com vista a fornecer as classes de matéria-prima que satisfaçam às aplicações industriais mais valorizadas;
9.º Estudo das condições em que se exercem as actividades relacionadas com a cortiça, adoptando-se directrizes económicas e sociais que tenham em conta as realidades da produção e da indústria e o imperativo nacional do comércio externo, que importa viabilizar, pela redução dos encargos que não afectem os justos direitos dos trabalhadores e operários, pela normalização da oferta e pelo recurso a uma política económica que não perca oportunidades.
Sr. Presidente: enumeradas algumas das providências que o sector económico requer, termino as minhas considerações, invocando, com o devido respeito, a divisa de D. Afonso V, esculpida sob a forma de um rodízio, no portal do Convento de Varatojo e simbolizando: Se erro, dizei-o.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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16 DE MARÇO DE 1949 223

O Sr. Luís Teotónio Pereira: - Sr. Presidente: peço a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Declaro generalizado o debate. V. Ex.ª inscreve-se?

O Sr. Luís Teotónio Pereira: - Sim, senhor.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava marcada para a sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
António de Almeida.
António Júdice Bustorff da Silva.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Jorge Botelho Moniz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Nunes de Figueiredo.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Teotónio Machado Pires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
António Carlos Borges.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique de Almeida.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Cerveira Pinto.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Beja Corte-Real.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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