O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 251

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 177

ANO DE 1949 19 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 177 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 18 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Aprovou-se, sem alterações, o Diário das Sessões n.º 175.
Leu-se o expediente.
Foi autorizado o Sr. Deputado Belchior da Costa a depor como testemunha no tribunal da comarca da Feira.
Usou da palavra o Sr. Deputado Cincinato da Costa, que enviou para a Mesa um aviso prévio no qual se propõe tratar do problema vinícola português nos seus variados aspectos.

Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Mexia sobre «A cortiça - Aspectos económicos e sociais da sua produção e industrialização - Causas da crise e possíveis soluções».
Usaram da palavra os Srs. Deputados França Vigon e Bustorff da Silva.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.

Página 252

252 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 177

José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penal vá Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: -Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 175.

Pausa.

O Sr. Presidente:- Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre este Diário, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Vai ler-se o

Expediente

Telegramas

De diversos pontos do País, em que se pede a inserção de um número novo na base VI da proposta de lei sobre o ensino particular, conforme é sugerido pelo relator do parecer da Câmara Corporativa.
Da junta local de Dande, da colónia de Angola, de apoio ao Sr. Governador-Geral e de discordância com os termos do aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Henrique Galvão.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do juiz de direito da comarca da Feira, solicitando autorização para o Sr. Deputado Belchior da Costa depor naquele tribunal no dia 7 de Abril próximo. O Sr. Deputado Belchior da Costa informa que não vê inconveniente em que a Assembleia autorize o seu depoimento naquele dia.

Submetido à votação, foi concedida a autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Cincinato da Costa.

O Sr. Cincinato da Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Aviso prévio

Desejo tratar em aviso prévio do problema vinícola português, considerado no plano nacional e da consequente necessidade que se verifica em lhe ser dada conveniente solução de equilíbrio, por forma a ser recompensado o esforço do viticultor sem, no entanto, se perderem de vista as possibilidades de colocação de vinhos nos mercados externos, colocação essa ultimamente prejudicada pelos nossos maiores preços de custo.
Constitui o vinho um dos produtos que mais valoriza a riqueza agrícola nacional, não só pelo que respeita às condições altamente favoráveis de produção, como pelo muito que representa na solução de, certos aspectos sociais do trabalhador rural português. É de considerar também o seu enorme valor de exportação, verificando-se que, através de todos os tempos, Portugal tem conseguido colocar os seus melhores vinhos nos mercados mais exigentes, onde hoje igualmente aparecem vinhos de outras proveniências.
Estabelecida a concorrência, que nos obriga a arrecadar o que antes exportávamos, nasce, pela inevitável transformação do produto, um novo problema, que é o da aguardente, intimamente ligado ao das aguardentes e álcoois de outras origens.
Daí a necessidade de ser revisto este problema com a amplitude que merece, uma vez que por si só constitui um dos elementos fundamentais de toda a nossa produção.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Mexia sobre « A cortiça - Aspectos económicos e sociais da sua produção e industrialização- Causas da crise e possíveis soluções».
Tem a palavra o Sr. Deputado França Vigon.

O Sr. França Vigon: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Nunes Mexia, logo no princípio da exposição à Assembleia Nacional que deu origem a este debate, faz uma exaustiva análise dos encargos de 1 quilograma de cortiça produzida, industrializada e vendida pelo comércio.
Não houve tempo sequer para procurar elementos sobre esta matéria ou estudos cujos resultados pudesse comparar com os daquele Sr. Deputado. Estes afiguram-se-me pessoais, dada a maneira por que foram apresentados. Confessando a maior consideração por tais trabalhos, não posso deixar de notar imediatamente que, por tal razão, não podem considerar-se incontroversos, e portanto com aceitação absoluta. Pena é que a impossibilidade regimental das sessões de estudo ou da sujeição do trabalho às comissões de estudo impeça a apreciação conveniente.
A simples leitura dos números representativos dos encargos firmou no meu espírito esta convicção de precaridade na sua aceitação, pelo menos quanto a alguns, e

Página 253

19 DE MARÇO DE 1949 253

mesmo de erro quanto a outros, o que, a ser assim, e só por si, compromete as contas feitas sobre eles e as conclusões para que serviram.
Na verdade, e por exemplo, notei o seguinte:
Os encargos de «guardaria», quota nos grémios da lavoura, contribuição para a Casa do Povo e contribuições fiscais resultam de mero critério pessoal na distribuição que do seu total se fez entro os diferentes produtos do terreno onde se contêm os sobreiros.
A proporção de um terço na despesa do alqueive e lavoura da sementeira afigura-se-me igualmente arbitrária ou, pelo menos, não se divisa o seu fundamento.
Um terço para a cortiça porquê?
Também não se demonstra a legitimidade da repartição do encargo do pessoal nas crises rurais; em primeiro lugar, porque ele não é permanente nem geral e, em segundo lugar, porque não foi justificada a atribuição à cortiça do encargo de metade desse pessoal.
Declara-se aberta a crise do trabalho rural. Distribui-se parte dos trabalhadores desempregados pelas casas de lavoura. O encargo de metade é para a cortiça porquê?

O Sr. Nunes Mexia: - Responderei oportunamente.

O Orador: - A inclusão nos encargos da indústria de duas contribuições patronais, uma para a caixa de abono de família e outra para a caixa regional, tem todo o aspecto de uma duplicação.

O Sr. Nunes Mexia: - No entanto, é uma verdade.

O Orador: - Em vários pontos da exposição a repartição dos encargos da produção, industrialização e comércio assenta sobre hipóteses, umas confessadas no trabalho, outras presumíveis, que lhe tiram o carácter, já não se diz de certeza, mas de justeza, que o colocariam na posição de não ter interesse prático a sua discussão.
O trabalho do Sr. Deputado Nunes Mexia inclui nos encargos sociais o abono de família. Com o devido respeito se assinala o erro, pois o abono de família é um método de realização do salário familiar, e salário é mão-de-obra, não é encargo social.
Sabido que a contribuição para o abono de família é de 7 por cento sobre os salários, pode avaliar-se o grande decréscimo que resultará da eliminação da verba nos encargos sociais.
Inclui-se o imposto camarário do trabalho, de resto não generalizado, nos encargos sociais. Não só afigura legitima a sua colocação em tal rubrica e é óbvio que novo decréscimo resultará da sua supressão.
Parece-me portanto legítimo pedir já a atenção da Assembleia,, em primeiro lugar, para a possibilidade de no cálculo dos encargos haver diferenças que alterem os seus efeitos e cuja inclusão resultou de um critério meramente pessoal, embora muito respeitável, e ainda pedi-la para a circunstância de nos encargos sociais, e especialmente nos do seguro social, estarem incluídas verbas que não lhes pertencem.
Precisávamos de nos munir do conhecimento destas circunstâncias, sob pena de considerarmos como exactas conclusões que enfermam de premissas onde há erros e incertezas. Acrescento, sem esforço que só um estudo exaustivo do assunto, incomportável em período tão curto como o decorrido desde a exposição do Sr. Deputado Nunes Mexia, nos poderia trazer segurança de juízo nesta matéria.
De resto, isto corresponde a certas noções, elementares, confesso, mas que, por generalizadas no conhecimento de todos e não contestadas até agora, precisam, para se desenraizarem, de forte, incontestável e, por isso, convincente demonstração.
Refiro-me em primeiro lugar à ideia, que todos fazemos e resulta em grande parte do que se ouve aos próprios produtores, de haver certas explorações agrícolas, como a do sobreiro e a da oliveira, que não exigem grandes capitais de circulação, dado o relativamente baixo montante das despesas que causam.
Por outro lado, não se percebe que se atire, para os encargos sociais, fiscais e da organização a culpa duma alegada exiguidade de lucros, que talvez tenha outras razões.
E que está na memória de tojos nós muito do que se tem dito quanto aos maus métodos da exploração agrícola, dificilmente corrigidos quase sempre; tudo quanto se refere a uma má distribuição dos centros fabris, ao ponto de pelo menos um e muito importante se encontrar completamente deslocado da zona de produção; tudo quanto se refere à má fabricação em certos casos e ao deficiente aproveitamento da matéria-prima, exportada como tal, em vez de ser aqui transformada na maior parte possível.
E é curioso que, se de um lado se ouvem vozes de protesto contra os ónus da organização económica e social e o pedido de nos libertarem dela ou da sua intervenção, de outro chegam insistentemente pedidos que pressupõem por necessidade essa organização e o seu intervencionismo rio sentido de garantia duma melhor colocação interna dos produtos, que vá até, e em certos casos, à obrigatoriedade do seu consumo.
Alguma coisa mais há, porém, a dizer a respeito dos falados e atacados encargos sociais.
Admitindo por hipótese a realidade dos valores apresentados, chegar-se-ia à conclusão de que os encargos sociais constituem a vigésima parte do custo do produto.
Mas, feita a rectificação resultante de pelas razões apontadas, se excluir o abono de família e o imposto camarário do trabalho, a parte correspondente aos encargos sociais baixa para 4,l5 por cento do referido custo e representa a décima parte das despesas de produção e a oitava parte das despesas de industrialização.
Considero decisiva a verificação de que, sendo o custo de 1 quilograma de cortiça, nas contas apresentadas à Assembleia, de 2$73(94), a supressão dos encargos sociais representaria um aumento de lucro de £11(3) por quilograma.
Se confinarmos o nosso raciocínio ao campo restrito do seguro social no comércio e indústria, único em que é praticado, a percentagem de 4,l5 indicada desceria para 1,1 quanto à previdência e 0,8 quanto aos acidentes de trabalho, ou seja um total de 1,9.
É legítimo perguntar, abstraindo-nos da noção actual de obrigatoriedade social destes encargos, se a supressão de todos ou de alguns resultaria em benefício económico nacional e da actividade que a justificasse ou se seria compensada pela generalidade das entidades patronais na prestação espontânea de benefícios idênticos.
Permito-me pôr esta pergunta à consciência de todos nós, lembrando apenas, quanto à sua segunda parte, que os casos citados de casas agrícolas e industriais que atendem directamente a certas necessidades de previdência do seu pessoal podem ter já o seguinte comentário: o benefício prestado apenas por algumas das grandes explorações agrícolas confina-se aos trabalhadores permanentes -portanto os criados anuais - , ficando assim de fora toda a multidão dos seus ganhões e assalariados para as safras e, evidentemente, a totalidade do pessoal das médias e pequenas lavouras. O mesmo se aplica a uma ou outra grande exploração industrial que já fazia assistência na doença, velhice ou invalidez antes de instituído o seguro social.
O benefício não atinge aqueles que transitam de uma para outra exploração, pelo menos a partir de certa idade, e sabemos bem que o despedimento tanto pode resultar do patrão como do trabalhador.

Página 254

254 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 177

Para mais, sabido é que partia de algumas dessas explorações a iniciativa de se integrarem no sistema de previdência do Estado, à medida que se foram convencendo da ineficiência ou insuficiência do seu. O Estado admite a integração, com o que prova aproveitar o que de bom existe em matéria de previdência na iniciativa privada, dando até às empresas possibilidades de aperfeiçoamento e consolidação.
É o caso da empresa Mundet, cuja acção, experimentada havia já uns anos, foi generalizada às outras empresas na medida possível.
Esta integração no seguro social é ainda a única garantia para as eventualidades de transferência, fragmentação da propriedade o falência, que aniquilaria ou poderia aniquilar um sistema de previdência privada.
Sr. Presidente: fez se a afirmação do predomínio do social sobre o económico numa série de proposições, que vão desde a declaração de inexistência de estudos prévios que assegurassem a repartição de direitos e obrigações e chegam à de o Ministério da Economia ter estado até há uns meses mais interessado em fazer política social do que fomento.
Começando por esta última declaração, afirmo já a minha discordância com tal critério, que subestima todo o trabalho dos Ministros da Economia do regime, orientado no sentido de promover maior produção, novas produções e melhores condições para as actividades económicas nacionais.
Não é possível, em vista do sentido que dei a este trabalho e dentro do tempo regimental, tratar este ponto para se demonstrar que a tese apresentada não é exacta. Por razões de justiça e de interesse político, lastimo profundamente ter sido feita a afirmação e não me ser possível, na medida das minhas forças, mostrar a sua sem-razão.
Quanto à alegada falta de estudos prévios que evitassem o injusto o oneroso predomínio do social, direi apenas o seguinte:
Nos termos do Estatuto do Trabalho Nacional, as relações entre patrões e trabalhadores serão reguladas por contratos colectivos ajustados entre os sindicatos nacionais e os grémios.
Preceitua o mesmo diploma que o direito ao trabalho e ao salário humanamente suficiente são garantidos, sem prejuízo da ordem económica, jurídica e moral da sociedade, tendo em princípio o ordenado ou salário o Limite mínimo correspondente à necessidade de subsistência.
E porque nos contratos colectivos de trabalho outorgam tanto os sindicatos - organismos de estudo e defesa dos interesses profissionais dos trabalhadores - como os grémios -a quem, por definição da lei, incumbe tutelar, perante o Estado e os outros organismos corporativos, os interesses de todos os elementos do mesmo ramo de comércio ou indústria que representam, estejam ou não neles inscritos- se conclui que na regulamentação do trabalho por aquela via foram devidamente ponderadas as condições económicas dos sectores regulamentados. Na fixação dos ordenados ou salários tem de levar-se em conta a noção do mínimo indispensável às necessidades de subsistência que nos é dada pelo Estatuto do Trabalho Nacional, mas é evidente que os contratos só podem concretizar-se quando as entidades patronais que o grémio representa podem conceder os salários e ordenados propostos. Isto resulta do citado E>tatuto e está concretizado, por exemplo, no seu artigo 16.º
Coordenando as funções de grémio e sindicato e a definição de contrato de trabalho, pode-se afirmar que a assinatura de um contrato de trabalho envolve já o estudo das condições económicas do sector em que vai actuar e das necessidades dos trabalhadores que o servem, estabelecendo remunerações e demais cláusulas de harmonia com o interesse de ambas as partes.
Fica pois, esclarecido que a fixação dos salários por meio de contratos colectivos é sempre, devido à própria natureza destes, precedida dos necessários estudos de ordem económica.
E o que dito ficou quanto aos contratos colectivos de trabalho aplica-se paralelamente aos acordos colectivos - a convenção em que outorgam de uma parte organismos corporativos e da outra apenas entidades particulares, segundo a definição do Decreto n.º 36:173, de 6 de Março de 1947: têm os organismos corporativos nestes actos jurídicos o mesmo papel que nos contratos, e as empresas signatárias responsabilizam se, cada uma de per si, pelo cumprimento das disposições que os mesmos actos estabelecem.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? Pode V. Ex.ª dizer-me só nossos contratos não se fazem pressões sobre uma das partes?

O Orador:-Eu digo a V. Ex.ª que se faz toda a pressão que se justifica.

O Sr. Melo Machado:-Essa resposta chega-me.

O Orador: -Queria V. Ex.ª, naturalmente, que tudo se passasse como no Céu, ou entre monges...

O Sr. Melo Machado:-Não perca V. Ex.ª mais tempo, porque a sua resposta concreta já me é suficiente.

O Orador:-O Sr. Deputado Melo Machado sabe muito bom qual é o sentido da minha resposta. O Estado, através dos seus serviços próprios, tem muitas vezes tomado a iniciativa do promover as negociações das convenções colectivas de trabalho, até porque não há ainda organismos corporativos superiores que exerçam tal missão. Fá-lo sempre que tem o conhecimento da inutilidade das tentativas particulares, apesar da viabilidade de tais convenções. E nisso não faz mais do que cumprir os preceitos legais que se impôs e são do conhecimento dos organismos e dos seus representados. E fá-lo por vezes com a necessidade da insistência e da firmeza a que está obrigado pela lei, pela moral e pela justiça. É a isso que se pode chamar pressão.
De resto, se os organismos não conseguem negociar as convenções, ele tem o recurso, já utilizado várias vezes, dos despachos regulamentadores do trabalho, a que vou já referir-me.

O Sr. Melo Machado: - O que é curioso é que o Estado exige isso do particular e ele não cumpre essas cláusulas.

O Orador:-Em complemento das medidas preconizadas pelo Estatuto do Trabalho Nacional, e dada a impossibilidade de se obter com a urgência necessária a regulamentação do trabalho em todos os sectores da actividade económica da Nação por solução corporativa, veio o Decreto-Lei n.º 32:749, de 15 de Abril de 1943, conceder ao Governo a faculdade de regular por despacho ou portaria as condições de prestação do trabalho e a sua remuneração, fixando limites aos ordenados e salários sempre que o exijam os interesses superiores da economia e da justiça social.
E consta do seu artigo 4.º que a regulamentação a que se refere o diploma será, em cada caso, precedida de inquérito realizado pelos serviços competentes do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência ou por comissões técnicas nomeadas pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.
Concluímos, deste modo, que todo o estabelecimento de remuneração pelas únicas vias possíveis na legislação

Página 255

19 DE MARÇO DE 1949 255

portuguesa se faz sempre depois de prévio e completo estudo das condições económicas.
Para exemplo citar-se-á a composição da comissão técnica designada para proceder ao estudo das condições de trabalho e sua remuneração na indústria corticeira, nomeada por despacho de 12 de Outubro de 1944 e cujos trabalhos vieram a dar o despacho regulamentador de 2 de Dezembro de 1944.
Constituíam essa comissão: um assistente dos serviços de acção social do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, um representante da Junta Nacional da Cortiça, um representante das empresas, um representante dos sindicatos nacionais dos operários corticeiros e um subdelegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.

O Sr. Nunes Mexia: - Não está nenhum representante da produção.

O Orador: - Como também não está dos consumidores. V. Ex.ª tem porventura a certeza de que através da Junta Nacional da Cortiça não se recolheram os elementos necessários que o representante dos produtores apresentaria?

O Sr. Nunes Mexia:-Vou mais longe. Particularmente participei de duas ou três reuniões com o presidente dessa comissão e isto em consequência do protesto da Associação de Agricultura, que declarava estar-se organizando esse sector económico sem a participação da Lavoura. Essa comissão, entre as suas várias funções, tinha a de informar sobre o período que se adoptaria na criação da cortiça.
O Orador: - Desconheço o pormenor; mas, aceitando-o, pergunto:
Que tem isso para o caso?
Mas continuando:
Em Novembro de 1946 foi actualizado o referido despacho de regulamentação do trabalho.
Pois, quer em 1944, querem 1946, as comissões nomeadas fizeram demorados estudos sobre a matéria - os quais constam dos seus relatórios -, longos e minuciosos trabalhos em que o Sr. Subsecretário das Corporações se firmou para os despachos respectivos.
Outras comissões, outros estudos, outros relatórios, sempre comissões e estudos, sempre relatórios, precederam todos os despachos de regulamentação do trabalho, que exigiam tais cautelas pela sua importância e complexidade.
Sr. Presidente: analisemos agora o que se passa quanto a previdência neste aspecto do alegado predomínio do social sobre o económico:
No que respeita às cláusulas de previdência dos contratos e acordos colectivos de trabalho, aplica-se-lhes o que foi dito quanto à remuneração, o que, aliás, envolve toda a matéria desses instrumentos reguladores, curial, como é, que o estudo prévio havia de abranger tudo o que neles se ia tratar.
Também o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 32:749 determina que na regulamentação de ordenados e salários poderá estabelecer-se a obrigatoriedade da contribuição das empresas e dos trabalhadores para fins de abono de família e previdência e essas normas regulamentadoras, como já foi dito, são estabelecidas em seguimento dos competentes estudos prévios.
Posto isto, poderíamos categoricamente afirmar, em primeira análise, que também a contribuição para a previdência, quer estabelecida por convenções colectivas, quer determinada por despachos ou portarias, vê sempre ponderadas as circunstâncias económicas da actividade sobre que recai.
Os moldes em que a questão foi tratada até aqui enquadram-se apenas em saber se a contribuição havia sido lançada sem cuidar de averiguar se no momento actual as empresas podiam suportá-la. Mas pode, sem dúvida, ter mais lata repercussão e ser levada a campo de mais largo entendimento.
Pode dar-se-lhe a forma de saber se a contribuição para a previdência devia ter sido estabelecida para as diversas actividades da indústria nacional.
O princípio hoje aceite e recomendado mundialmente de que os Estados tom obrigação de cuidar da organização do seguro dos cidadãos, para obviar aos malefícios na inabilidade para o trabalho e correspondente privação do salário, seria, em princípio, resposta ao quesito formulado.
Procuraremos, para racional explicação, ver o problema na sua origem e os factores que determinaram de maneira peremptória e inevitável a conduta já considerada princípio indiscutível.
Durante largos séculos foram os inválidos considerados como estorvo, de que as sociedades primitivas se desembaraçavam de qualquer modo.
A primeira acção notável de assistência aos doentes, inválidos e indigentes aparece-nos na Idade Média, feita nas igrejas e mosteiros, como corolário da doutrina cristã que pregava o princípio da caridade.
Surgem então os primeiros hospitais e Misericórdias, mantidos com as doações dos ricos proprietários e mercadores.
Os municípios e as corporações desenvolvem também obra de vulto na reparação da miséria provocada pelos diversos males sociais. Estabelecem-se medidas de regulamentação do trabalho e cria-se uma espécie de aristocracia das artes, que fica de certo modo defendida.
Mais tarde, com a invenção da máquina, opera-se uma verdadeira revolução na vida dos trabalhadores: os engenhos só podem ser adquiridos pelas pessoas de avultados recursos e fazem uma concorrência com que os velhos processos da técnica manual não podem competir; os que não podem comprar máquinas só têm um caminho: alugar os braços.
Criam-se os grandes centros industriais e o homem torna-se peça do mesmo maquinismo e desgasta-se e consome-se no imenso sorvedouro de energias que são as gigantescas empresas.
O liberalismo económico não deixa pôr quaisquer entraves ao livre contrato do trabalho pelo capital e aquele, subjugado, aviltado, desprotegido, nenhuma arma pode usar contra a situação em que foi lançado.
E aparecem então as grandes massas proletárias, acantonadas nos maiores centros industriais e, por insuficiência de salários e ausência de todas as medidas de protecção nas condições de trabalho e sua duração, de aspecto miserável o decadente.
Os trabalhadores, perseguidos por esses flagelos, esboçam eles próprios movimentos de solidariedade, quotizando-se entre si para cobertura de alguns riscos mais graves e frequentes: é o mutualismo que começa.
As organizações patronais reparam então no prejuízo que representa para a produção a perda do material humano imobilizado temporária ou definitivamente pelos diversos acidentes inerentes ao desempenho do cargo e mesmo por factores de ordem natural.
O manejo das máquinas requer certa especialização dos que trabalham com elas e isto torna ainda mais difícil a substituição dos inábeis prematuros. E cria-se a necessidade para as empresas de poderem contar com determinado número de trabalhadores, a que hoje chamamos quadro, vocábulo que com a moderna significação se não adjudica aos simples grupos, sem orgânica, dos tais trabalhadores de então.

Página 256

256 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 177

Por estes factos, e para atender aos clamores dessa multidão desprotegida, algumas empresas iniciam também certas medidas de assistência ao operário, principalmente na doença.
Coadunavam assim os seus sentimentos de generosidade com os próprios interesses. Ajudando a debelar as crises de impedimento dos servidores doentes, elas apressavam o retorno às lacunas abertas no sector produtivo dos seus ocupantes, lacunas que nem sempre podiam ser preenchidas sem perturbação dos serviços.
Esses benefícios permitiam-lhe ainda recrutar os técnicos mais hábeis, furtando-os às outras empresas que os não concediam; tornavam-se assim um factor de concorrência.
E durante largo período foram estas as formas de assistência às massas laboriosas: a protecção dada a titulo de favor por algumas entidades patronais, a assistência pública ou particular e o mutualismo como tentativa dos próprios interessados para se segurarem contra os riscos a que estavam sujeitos.
Este último processo teve largo desenvolvimento por toda a Europa e chegou a caracterizar uma época.
Mas não tinha a eficácia necessária para opor sério dique às misérias advindas da doença e da invalidez. E a evolução do problema veio a apresenta-lo sob uma nova forma: a imprevidência de alguns anulava em grande parte os objectivos pretendidos; reconhecia-se a necessidade de todos se precaverem contra as contingências que os ameaçavam e essa precaução tinha de lhes ser imposta. Ao Estado se atribuía essa função. Era o seguro obrigatório.
O seguro livre, não obstante os inúmeros benefícios que trouxe às sociedades, não podia constituir solução perfeita, por isso que o núcleo imprevidente viria, depois, a impender sobre a colectividade. É, pois, por uma razão de defesa do todo colectivo que os Estados têm obrigação de impor a previdência e cuidar da sua organização e segurança.
Exige-o o interesse moral da Nação, a justiça social a fazer ao indivíduo, como pessoa humana e respeitável. Suponho que isto já não tem discussão actual.
Mas também o aspecto material tem na questão debatida interesses paralelos.
Na verdade, a assistência ao trabalhador destinada a curar ou evitar os períodos de inlabor, aumentando a capacidade produtiva do País, tem, sobre este aspecto de defesa e conservação do material humano, importantíssimo papel e incontestável justificação.
Não nos referimos ao seguro individual, ou instituições particulares que exploram a respectiva indústria, por ser solução rejeitada por quase todos os povos, visto que só seria susceptível de êxito em colectividades ricas.
Adoptou-se, como método mais perfeito, o seguro colectivo e, como já se disse, obrigatório: a cargo de toda a comunidade a cobertura dos percalços a que estão sujeitos aqueles que a servem.
E podemos agora relacionar o desenvolvimento feito do assunto com a forma que demos à questão quando partimos para ele: a conveniência de se ter imposto às principais indústrias nacionais a contribuição para a previdência.
À primeira vista poderia parecer que se impunha a cada indústria a obrigação de suportar o seguro dos seus servidores, dado que é a elas que se exige a contribuição necessária.
Mas esta feição do problema é apenas aparente.
A contribuição para a previdência vai afinal onerar o custo do produto e distribuir-se por toda a colectividade. E não pode classificar-se esse encargo como de natureza diversa do contraído com a obrigação do salário.
Com a marcha dos acontecimentos no campo social e pela consecução de uma maior justiça, o conceito de salário tem evoluído, reconhecendo-se-lhe um maior âmbito.
Entendeu-se, em princípio, que o salário teria um mínimo indispensável, que seria avaliado pelas necessidades de subsistência do dador de trabalho. Mais tarde veio a reconhecer-se que as suas necessidades não podiam ser consideradas isoladamente, mas sim conjuntamente com as do agregado familiar que mantinha. E a realização do salário familiar. O evidenciar da indispensabilidade da imposição do seguro obrigatório, desfazendo a ideia de que a previdência só deveria ser estabelecida à custa da privação de consumos supérfluos, veio pôr no mesmo plano as exigências imediatas e as diferidas. É no conceito de salário mínimo se passou a englobar a parte, que o trabalhador era obrigado a entregar à instituição do seguro. E isto nos demonstra que a outra parte da contribuição paga directamente pela entidade patronal mais não é do que salário também. Se é parte de um todo, havia de ter a mesma génese.
Pelas considerações aduzidas supõe-se poder chegar às seguintes conclusões:
1.ª Os princípios internacionalmente adoptados e recomendados acerca da segurança dos trabalhadores não permitem a omissão da contribuição para a previdência que deve ser suportada pela colectividade;
2.ª Pela colectividade é suportada essa contribuição lançada às respectivas indústrias.
O requisito de saber se na altura em que se inicia a contribuição as actividades a podem suportar até se estabelecer o novo equilíbrio na distribuição dos encargos é satisfeito pelos estudos prévios referidos no início desta nota.
Pode, no entanto, admitir-se ainda o aparecimento do problema sobre um outro aspecto: se essas onerações ao custo dos produtos não vão torná-los mais caros do que os mesmos importados do estrangeiro ou exportados.
Mas isso é relegar a questão para horizonte muito mais vasto, onde só ao Governo cabe apreciá-lo.
De resto, se as medidas de ordem social se restringissem apenas à cobertura dos riscos a que os trabalhadores estão sujeitos, riscos que se verificam quer exista, ou não um sistema de seguro, os encargos resultantes sempre hão-de incidir, por uma forma ou outra, sobre a colectividade. O sistema do seguro exerce então uma mais perfeita acção na justa distribuição dos encargos e permite um processo administrativo mais oportuno e eficiente.
Todavia, as medidas de protecção aos trabalhadores estendem-se a um campo mais largo e atingem directamente as condições da produção: horário de trabalho, férias remuneradas, etc., aparecendo, portanto, circunstâncias que, influenciando as condições de vida do trabalho no sentido da sua melhoria, não constituem no entanto situações em que as possibilidades e a vontade do trabalhador são ineficazes.
No campo restrito do seguro social, no seu objectivo primário de cobrir o risco de incapacidade de ganho, já a questão se apresenta por modo diferente, visto que sobre a produção recairá sempre o encargo com os inactivos, dado que não se admite a sua pura e simples eliminação.
Sr. Presidente: o Sr. Deputado Nunes Mexia pôs a questão da escolha entre dois métodos.
Seja escolher entre os dois métodos citados, seja entre esses e os mais que o não foram, o problema é sempre, e só, um problema puramente técnico.
Trata-se de optar entre métodos e não entre doutrinas ou princípios.
O problema não cabe, em meu entender, nas funções de uma assembleia política.
O próprio Governo ainda não se pronunciou definitivamente, até por se tratar de uma questão que está a ser

Página 257

19 DE MARÇO DE 1949 257

estudada todos os dias, mas todos os dias, nos serviços respectivos.
Permito-me ler uma passagem elucidativa da notável conferência proferida pelo então Subsecretário das Corporações, Sr. Dr. Castro Fernandes, no acto de posse do Conselho Superior de Previdência:

Entre nós foi adoptado o método de capitalização. Porquê? Por duas razões fundamentais:
1.ª Por razões de ordem económica: de facto, a colectividade não estava em condições de suportar o pesadíssimo encargo que o método de repartição representa;
2.ª Por razões de ordem prática: com efeito a avaliação anual dos subsídios de doença a conceder e o inventário dos velhos e inválidos exigem um trabalho estatístico e de identificação impossível de obter sem uma organização prévia... Todos os que trabalham nas diversas caixas de previdência sabem que, apesar de confinadas a grupos pequenos e localizados, a identificação individual de cada um dos segurados é tarefa das mais delicadas e morosas.
Se tivéssemos adoptado o método da repartição, teríamos feito uma promessa, mas não a haveríamos certamente cumprido Não sairíamos de afirmações demagógicas e propagandísticas.
O método que adoptámos era o único que oferecia garantias de êxito...
Tem inconvenientes? Certamente. Mas menores do que os teria o método da repartição, não só pelas razões de ordem prática já apresentadas como pelo custo do sistema.
Qual é, afinal, o grande inconveniente do método da capitalização? A acumulação de reservas, ou, melhor, a acumulação de reservas não é, em si mesma, um inconveniente. O inconveniente consiste nos problemas que tal acumulação suscita.
Mas, independentemente do estudo da aplicação das reservas da previdência, de que adiante nos ocuparemos, não deixo de considerar como possível - a partir da altura em que a nossa organização esteja completa e em certas modalidades de seguro- a adopção do método da repartição. Explico melhor: no momento actual a grande preocupação, a preocupação dominante, é a de sujeitar à organização quantos devam estar abrangidos pelo seguro e determinar, portanto, com absoluta exactidão, o panorama social da vida portuguesa.
Depois desta fase é que estaremos habilitados a escolher o melhor rumo.
Insistimos, entretanto, em que o método adoptado oferece a garantia de se poder cumprir quanto se prometeu e que, qualquer que seja o caminho que se siga amanhã, rada se perdeu. Tudo o que está feito representa terreno conquistado.
E tenhamos em conta que, se quiséssemos fazer obra de «efeitos políticos», tendo acima de tudo a ideia de atrair os sufrágios, teríamos escolhido o sistema da repartição...
È evidente que o nosso sistema não é simpático nem à massa geral dos trabalhadores nem às empresas. Temos disso a noção perfeita. O trabalhador vê apenas uma quota que lhe é descontada no salário - e desconfia de benefícios diferidos tão longinquamente. O patrão, em qualquer caso, só vê a parte que se lhe exige. E aqui temos um desmentido à luta de classes...
Se tivéssemos adoptado o método da repartição, continuávamos a ter a antipatia do patronato, que prosseguiria pagando, ao menos como contribuinte, mas ganharíamos a transitória simpatia dos que, julgando que nada suportavam, estavam, afinal, produzindo um esforço enorme a favor das imprevidentes gerações anteriores. Isto, insista-se, se o método pudesse erguer-se, ainda que fosse em muletas. Duvido, porém, que tivéssemos passado das simples afirmações mais ou menos eloquentes.
A solução adoptada é a solução honesta - política e cientificamente honesta.
Seja, porém, qual for a solução escolhida -repartição, capitalização, repartição mitigada, capitalização mitigada-, o encargo existe sempre e não diminui se for o mesmo o esquema de previdência escolhido.
Não diminui, mas aumenta, no método da repartição, porque este abrange a totalidade dos indivíduos de uma colectividade. Na capitalização são só abrangidos os que capitalizam.
Não podem excluir-se quaisquer pessoas ou grupos no método da repartição, porque todos são abrangidos, incluindo os velhos e os inválidos, por falta de critério distintivo.
Entre nós a diferença seria apenas esta: incluir todos os de mais de 50 anos! É na verdade uma pequena diferença?
E quem pagaria essa diferença? Necessariamente que a colectividade, à qual o Estado exigiria a contribuição necessária. E esta seria suportada na maior parte pelos mais abonados, embora em absoluto modestamente abonados, e oneraria sobretudo os que podem muito, ou sejam os detentores da riqueza produtiva.
O método da capitalização é, afinal, um sistema de defesa dos encargos da repartição e, portanto, um recurso dos países que não podem suportar esta ou, a suportarem-na, arriscariam as fontes de produção.
O Sr. Deputado Nunes Mexia exemplificou com o caso da C. P.
Uma palavra só a esse respeito :
Neste caso a capitalização, é indiscutível, fez-se na mesma. Simplesmente, os capitais entraram na exploração. Tudo ficou condicionado, portanto, aos resultados desta, com a agravante de não haver possibilidade de transferências das reservas matemáticas de cada beneficiário que queira sair da empresa ou seja despedido.
Admitamos a «hipótese» da redução da actividade da empresa, e, portanto, da diminuição dos seus lucros até um ponto incalculável...
E o caso já se verificou com outra empresa ferroviária, que em certa altura tinha um capital de 5:000 contos, prejuízos de 4:000 e encargos perante a caixa de previdência de outros 4:000.
Isto não dirá tudo?
Mas insisto:
O problema é puramente técnico. Não posso trazer aqui, em poucos minutos, a exposição de matéria que tem feito correr rios de tinta e ocupado o tempo de congressos e conferências e longos estudos dos peritos na matéria. Nem tenho competência para o fazer.
Sr. Presidente: a certa altura da exposição do Sr. Deputado Nunes Mexia faz-se uma breve exposição de valores numéricos referentes a um ano, o de 1947, e conclui-se - é isto que interessa- que nada menos de 50 por cento das contribuições são capitalizadas.
Não são 50 por cento, mas sim 40 por cento - e explico porquê.
O Sr. Deputado fez as contas sobre os números, mas esqueceu-se de considerar que nem todas as caixas se encontravam em 1947, nem se encontram ainda, na plenitude da concessão de benefícios, dada a sua recente constituição e dada a razão de os beneficiários não terem então - como sucede hoje com outros - preenchido as formalidades necessárias para a sua inscrição.

Página 258

258 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 177

Ora a verdade é que as contribuições arrecadadas destinam-se aos seguintes eleitos:
a) Reforma;
b) Morte;
c) Doença;
d) Assistência médica, medicamentos e extraordinária;
e) Abono de família;
f) Administração.
Pela simples análise da distribuição das contribuições pelas diversas modalidades a que se destinam logo se conclui que parte delas regressam ao consumo imediatamente ou com pequeno diferimento de tempo. Isso só não acontece com as que se destinam à reforma e ao subsídio por morte. Estas representam 40 por cento do total arrecadado.
Acha-se muito, acha-se demais?

O Sr. Nunes Mexia: - Eu não faço questão da percentagem.

O Orador: - Os peritos acham que é a verba necessária e demonstram-no sobre cálculo actuarial. Eu não sei demonstrar que sim nem que não, mas voto pelo cálculo actuarial enquanto acreditar na matemática, no estudo, na ciência, nos homens que gastam a sua vida a procurar a segurança da vida dos outros homens e nos oferecem depois os resultados dos seus trabalhos com o ar simples dos monges, sem fazer a conta da grandeza dos seus esforços.
Sr. Presidente: comentou-se o grau de aceitação do método usado até agora - a capitalização - pelos beneficiários e até mesmo pela população.
Mas os beneficiários e a população não reagem contra o método. Reagem contra qualquer método.
Os trabalhadores reagem contra porque pagam e não voem imediatamente à mão o benefício respectivo. As empresas reagem porque é pagar mais e, o que é pior, pagar permanentemente, o que difere muito de um aumento de salário hoje, que amanhã poderia anular-se por uma diminuição.
Mas eu posso assegurar a V. Ex.ª que o primitivo clamor contra a previdência foi substituído agora pelas queixas contra não se estar já incluído nela. Isto sucede desde que os benefícios começaram a ser conferidos ao vizinho, a muitos vizinhos, e ainda não chegaram ao queixoso.
Asseguro a V. Ex.ª que é isto que verifico no meu contacto diário com estes problemas.
As entidades patronais, salvo os casos, felizmente frequentes e numerosos, de boa compreensão obtida através dum sistema que é educativo ou resultante de uma espontânea inclinação, é que continuam a queixar-se.
Esperemos pacientemente que o tempo as esclareça.
Também se comentou o grau de eficiência do sistema.
Mediu-se esta, em primeiro lugar, pela taxa de aplicação dos fundos, o que só por si é uma apreciação muito restrita.
Mas a este respeito há uma correcção a fazer.
O Sr. Deputado Nunes Mexia afirmou que essa taxa, fixada teoricamente em 4 por cento, está na prática reduzida a 2,73 por cento. O caso respeita ao ano de 1947.
Mas não é assim.
Se forem considerados os valores totais das caixas nesse ano, incluindo as disponibilidades de tesouraria e depósitos à ordem, verifica-se, na verdade, a taxa média de 2,73 por cento. Mas estavam por investir nada menos de 197:000 contos.
Se forem considerados os valores efectivamente aplicados- ou sejam papéis de crédito, imóveis, empréstimos à Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, integralizações de reservas matemáticas e habitações económicas, embora em relação a estas últimas o rendimento de 1947 só seja capitalizado em anos futuros-, obtém-se a taxa média de 3,32 por cento.

O Sr. Nunes Mexia:-Isso obriga-me a esclarecer que o que interessa é a taxa média em relação à totalidade do capital.

O Orador: - Mas, só forem considerados apenas os valores aplicados em 1947 que produziram o referido rendimento -papéis de crédito, imóveis, integralizações de reservas e empréstimos à Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho-, a taxa média obtida é de 3,43 por cento.
Assim se verifica que a taxa já se aproxima muito da de 4 por cento e que o Sr. Deputado Nunes Mexia utilizou a mais baixa das três calculadas.
De resto, a apreciação não pode reportar-se a um ano de efeitos, como se pretende. O ciclo do seguro - refiro-me aos casos de reforma e morte- não é de um ano, mas sim de quarenta a cinquenta. E é na média do rendimento de um tão longo prazo que se pode fazer o cálculo.
A coisa passa-se, de certo modo, como nos empreendimentos particulares, em que os lucros de uma empresa não se determinam no ano de instalação e apetrechamento.
O processo em evolução da organização do seguro social, em que se tem procurado o rumo permitido pelas circunstancias, faz com que haja avultados capitais à espera de investimentos oportunos ou que haja outros já investidos que ainda não começaram a produzir.

O Sr. Nunes Mexia: -Eu fui tão honesto no meu raciocínio que não disse que até há capitais que hoje estão menos valorizados do que quando foram colocados.

O Orador: - Ou poderá exigir-se que antes das hidroeléctricas constituídas e das casas de renda económica em construção com aplicação de tais capitais o rendimento já esteja a entrar nos cofres das caixas?
Todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é apenas pela taxa obtida que se pode medir a eficiência do sistema.
Então põem-se à margem todos os benefícios directos e imediatos, para os quais a capitalização não intervém?
Põe-se à margem a assistência social?
Põe-se à margem a assistência médica?
Deita-se fora a assistência medicamentosa ?
Não se consideram os subsídios na doença?
Não se faz conta do abono de família?
E não se faz conta, meus senhores, de todos os benefícios que para a saúde pública resultam de os trabalhadores, as suas mulheres e os seus filhos terem a, sua saúde cada vez mais vigiada e defendida?
E desprezam-se na estimativa da eficiência os benefícios de ordem moral e social que dia a dia resultam para a Nação de esses trabalhadores e as suas famílias serem integrados num sistema de disciplina social que os educa insensivelmente no problema da saúde e no problema da previdência?
E não se levam a crédito do sistema os valores morais que resultam do seu funcionamento e ficam à disposição de um país para novos empreendimentos e - digamos sem medo, com orgulho - para novos serviços da nossa civilização?
Poderia, porventura, a Assembleia Nacional portuguesa deixar sem resposta estas perguntas, subestimar as razões que nela se contêm?
Apresentou também o Sr. Deputado Nunes Mexia o seu conceito da justiça do método.
Em primeiro lugar, criticou que os direitos à reforma e ao subsídio por morte só fossem efectivos ao fim de

Página 259

19 DE MARÇO DE 1949 259

dez e três anos, respectivamente. Em segundo lugar, que os mais idosos não possam vir a receber a reforma por ingressarem na caixa com idade superior ao limite estabelecido, ficando assim a sua velhice a cargo dos patrões.
Não entendo.

O Sr. Nunes Mexia: - Eu também não, porque não foi isso que eu disse.

O Orador: - Por um lado, considera-se oneroso o sistema. Por outro, preconiza-se uma maior onerosidade.
Explico:
E possível reduzir o prazo de deferimento? É.
É possível aumentar o limite de idade? Ë.
Simplesmente, e para o efeito, é necessário que a contribuição seja maior.
E, como deve admitir-se a inviabilidade do aumento da do trabalhador dentro dos salários actuais comuns em Portugal, só haveria uma solução: aumentar a contribuição patronal.
Mas então vamos para maiores encargos da produção?
E já se pensou que, pagando os trabalhadores no nosso sistema por quota média e em correlação com o benefício prometido, são precisamente os mais idosos que estão beneficiando da sua posição, visto terem os piores riscos?
E já se pensou que o velho não é abandonado pela organização e aufere todos os benefícios, menos o das reformas mais altas, isto a troco da exígua quantia paga durante os poucos anos que lhe restarem?
Na exposição do conceito de justiça refere-se a injustiça de fazer pagar os adventícios - estes e, necessariamente, os patrões.
Mas realmente os adventícios não pagam!

O Sr. Nunes Mexia:-Não pagam para a previdência?

O Orador:- Não pagam mesmo.
Simplesmente, o que não se permite é o à-vontade patronal na classificação de efectivo e adventício, e não se permite porque isso deu lugar a grandes e inúmeras fraudes do sistema.
Vejamos o que diz o parecer do Conselho Superior de Previdência Social proferido a este respeito e aprovado para execução pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social:

Em conclusão, este Conselho é de parecer:
Que da obrigatoriedade de inscrição nas instituições de previdência destinadas ao comércio e à indústria sejam excluídos os trabalhadores adventícios, como tais considerados os trabalhadores que não corresponderem às necessidades normais da organização de trabalho;
Que, para o efeito, se admite por organização de trabalho todo o mundo de trabalho enquadrado na organização daquelas instituições de previdência, e bem assim que há correspondência entre o trabalhador e as necessidades normais da mesma organização todas as vezes que, com total irrélevância da duração da relação jurídica de trabalho, o trabalhador realiza um serviço destinado a ocorrer àquelas necessidades normais;
Que, em aplicação dos princípios expostos, a exclusão da obrigatoriedade do seguro seja restrita aos indivíduos que:
a) Não sendo habitualmente trabalhadores por conta de outrem, ocasionalmente o sejam ao serviço de entidades que exerçam comércio ou indústria;
b) Sendo habitualmente trabalhadores por conta alheia, o não sejam ao serviço de actividades comerciais ou industriais, por não corresponderem a necessidades normais das mesmas actividades;
c) Sendo habitualmente trabalhadores ao serviço do comércio ou da indústria, o não sejam por conta de entidades incorporadas no campo de aplicação do seguro obrigatório, por nas respectivas organizações de trabalho não haver necessidade normal de um serviço para tais trabalhadores, nem exerçam profissão enquadrada naquela organização do seguro.

Como V. Ex.ª vê, os adventícios não pagam, mas o que não fica é aos patrões o direito de fazerem em seu critério privado a distinção entre efectivos e adventícios. É fácil de ver a que daria lugar - e deu - o contrário. Nas folhas de descontos poderiam ser numerosos os adventícios e escassos os efectivos. E foi isto que se verificou em muitos casos.
O Sr. Nunes Mexia: - Eu pergunto a V. Ex.ª se efectivamente os adventícios pagam ou não pagam.

O Orador: - Mais uma vez afirmo a V. Ex.ª que os adventícios não pagam. E V. Ex.ª tem nas conclusões do parecer o entendimento da designação «adventícios». Digo mais, Sr. Deputado: olhando à situação daqueles trabalhadores que realmente exercem funções normais e permanentes das empresas, mas que eram facilmente substituídos em prazos de dias, trabalhadores que podem prestar apenas uns tantos dias de serviço numa empresa e logo outros noutra e assim sucessivamente, está a estudar-se o seu enquadramento em instituição a eles especialmente destinada na organização da previdência, que capitalize as suas contribuições, a fim de auferirem os mesmos benefícios que são concedidos a todos os outros, como é do seu direito, uma vez que a lei os abrange e uma vez que eles e os patrões pagam para a previdência o que devem pagar.
Sr. Presidente e Sr. Deputado: eu não posso alongar-me e tenho de fazer apenas rápidas referências ao resto da matéria exposta pelo Sr. Deputado Nunes Mexia. Assim, alguns pontos ficarão por tocar ou pouco esclarecidos e por isso confiados à meditação de VV. Ex.ª.
Queixa-se o nosso colega de que o sistema afrouxa os laços que devem unir o trabalhador ao patrão, o que tem forte influência, entre o mais, no rendimento do trabalho.
Admitindo, por hipótese, que o mal existisse (e para isso preciso concluir que não existem outros laços senão os que a previdência impede ou quebra), o remédio estaria em, só por essa razão, acabar com ela, pois o método da repartição traria idênticas consequências.
E só restaria uma solução:
A previdência ficaria a cargo directo e exclusivo de cada empresa, fosse forte ou fosse fraca.
Mas, fora a segurança das empresas fortes, qual se poderia obter?
A de trabalhos forçados por toda a vida para quem não cumprisse o esquema de previdência prometido?
Sr. Presidente: o Sr. Deputado Nunes Mexia tratou depois do aspecto da garantia ou segurança dos capitais e rendimentos.
É o grande problema dos investimentos.
Não tenho tempo senão para dizer o seguinte:
As teses a este respeito variam entre dois extremos:
Aplicação inteiramente livre em todas as explorações, seja qual for a sua natureza; Aplicação cheia das maiores cautelas, e que para alguns deve restringir-se aos fundos do Estado.

Página 260

260 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 177

Um sistema intermédio preconiza a aplicação variada, procurando compensação e segurança nessa variedade.
Entre nós as aplicações efectuadas até 1947 eram as seguintes:

Títulos do Estado ou em obrigações de empresas com a garantia do Estado, quer quanto ao juro, quer quanto ao capital, 556:000 contos;
Imóveis, 234:000 contos;
Habitações económicas, 47:000 contos;
Empréstimos à Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, 4:400 contos;
Integralização de reservas matemáticas, 24:000 contos.

Esta política de investimentos afasta suficientemente o receio da ausência de garantia por efeito de uma diminuição da taxa de rendimento, porque, embora orientada no sentido da utilidade social, tem dado lugar a uma aproximação constante, apesar do seu curto prazo de existência, entre a taxa efectiva de aplicação e a taxa técnica prevista.

Volta a assumir a presidência o Sr. Dr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

O Orador: - Mais do que isto, o que interessa é talvez dizer o seguinte:
No problema dos investimentos está muita gente a pensar há muitos anos. É, por exemplo, prova desta afirmação o que se passou na notável conferência de Genebra em 1939, em que se juntaram todos os grandes peritos do Mundo na matéria. Há larga bibliografia sobre o assunto e são as maiores as cautelas postas em toda a parte nos investimentos dos capitais da previdência, cautelas tomadas quanto aos seus aspectos financeiro e económico. As nossas vão ao ponto de só serem autorizadas depois de o assunto ser estudado pelo próprio Governo.
Afirma o Sr. Deputado Nunes Mexia que, por hipótese, os capitais investidos na indústria corticeira ou noutra terão sempre um rendimento ilíquido superior a 20 por cento e que nas caixas obtêm-no, médio e ilíquido de despesas internas, de 4 por cento. E com isto quer significar que se desviam 16 por cento de investimentos em função económica produtora de riqueza.

O Sr. Nunes Mexia: -V. Ex.ª dá-me licença? Desejaria saber o que entende V. Ex.ª por rendimento ilíquido.

O Orador: - Evidentemente que eu não vou repetir aqui uma lição a que já «fui chamado» há muitos anos ...
Faço o meu comentário à proposição que tinha referido antes do aparte. De duas uma: o líquido dos 20 por cento aproxima-se dos 4 por cento - taxa técnica. O caso deixa de ter interesse, porque a diferença está largamente compensada pela vantagem da segurança no investimento; o líquido aproxima-se dos 20 por cento e então a indústria corticeira não está em crise, os encargos que a oneram não a afectam e fica margem suficiente para remunerar melhor a produção, repartindo melhor o lucro. E talvez um dia apareça quem preconize às caixas a solução de serem industriais da cortiça, para poderem obter uma taxa de aplicação tão elevada, embora com isso tenham de concorrer com a indústria ... E como a argumentação do Sr. Deputado Nunes Mexia partiu toda do caso da cortiça, mas atribui às outras indústrias pelo menos a situação de 20 por cento, parece-me que então poderemos ir todos descansados para casa, porque, assim como a previdência, a cortiça não se afundará.
Considera-se impressionante a poupança do seguro social. Isto sucede no tempo em que todos os economistas a preconizam e se batem por ela!
Em primeiro lugar ponho à consideração da Assembleia o seguinte: reputo inevitável que, a não se pagar a contribuição para a previdência, os salários teriam sido inelutàvelmente aumentados da quantia correspondente.
Mas sei também onde teriam ido parar os avultados montantes assim auferidos. Nós sabemos que o nosso operário gasta tudo, gasta imediatamente, não amealha. Raríssimos são os casos de excepção. E também sabemos no que gasta. E também sabemos, sem ser no domínio do sonho, que, se amealhasse quantia igual à contribuição referida, ela não chegaria, nem de longe, para nas companhias de seguros cobrirem os riscos que ficam a coberto do seguro social.
Mas admitamos que não seria o operário a amealhar, e o equivalente das contribuições ficaria nas mãos dos patrões. Aceitamos sem esforço que a solidez de certas empresas, o seu progresso e a sua robustez moral não dariam preocupações.
Nos outros casos - a grande maioria -, que vão da pequena oficina, com todas as suas deficiências e fraquezas, até à hipótese do grande plutocrata, com todos os seus erros e males, que garantia encontraríamos para a segurança dos capitais e rendimentos hoje postos a bom recato e ao serviço da Nação e dos trabalhadores?
A exposição feita a esta Assembleia mostra, repito, ter sido impressionada pelo facto de tão avultada poupança. No ano referido nela, nada menos de 1 milhão de contos. Mas 1 milhão para 500:000 homens, que tantos eram os beneficiários! Porventura impressiona a poupança de 1 milhão para um efectivo de beneficiários incomparavelmente menor, poupança constituída pelos valores aplicados às reservas obrigatórias das companhias de seguros, conforme reza o Boletim de Seguros n.º 38, 2.ª série, de 1948, publicado pelo Ministério das Finanças.
E, porventura, impressionar-nos-á que essas reservas aumentem com o desenvolvimento do seguro e os seus resultados?
Quero pôr ponto final neste meu longo arrazoado.
Há, porém, alguma coisa que não posso deixar de dizer.
Foi aqui afirmado que com a quebra de produtividade de 16 por cento se arborizariam todos os anos 100:000 hectares, se construiriam dois grandes navios, uma barragem para 400 milhões de k Wh ou 5:000 a 10:000 casas para operários e trabalhadores.
Como se não ignora que tem sido feito um grande investimento de capitais da previdência na indústria hidroeléctrica e nas casas de renda económica, e como se não ignora que os capitais investidos em fundos do Estado têm sido lançados em empreendimentos de fomento, quero crer que o cálculo comparativo foi introduzido só por nota de bom humor, para amenizar a exposição.
E disso me convenço, tanto mais quanto é certo que logo depois se reconheceu que a organização da previdência tornou viável a política das habitações de renda económica e a acção de fomento no financiamento dos empreendimentos hidroeléctricos.
Mas, se não se ignoram aqueles factos, talvez se ignorem muitos outros da natureza de dois que citarei para exemplo.
Se o Fundo de renovação da marinha mercante fosse constituído por obrigações à taxa de 4 por cento, as instituições de previdência teriam comparticipado com os seus capitais na construção de navios como o Pátria e em mais que fossem necessários à economia do País, permitindo também movas margens de lucro para as empresas respectivas.

Página 261

19 DE MARÇO DE 1949 261

Colaboraram as instituições de previdência na construção de barragens, comparticipando no ano de 1948 com 80:000 contos de obrigações do Zêzere, levando novas margens de lucro aos seus accionistas.
E quando era letra morta a Lei n.º 2:007, sobre as casas de renda económica, fizeram as instituições de previdência reverter para o bolso de alguns milhares de trabalhadores a poupança nas rendas especulativas que pagavam por tugúrios, quartos e partes de casa.
Não é corrente, mas posso informar VV. Ex.ª de que, quando da promulgação do decreto-lei sobre as casas de renda limitada, foram as instituições de previdência que se apresentaram a tomar a seu cargo a construção de um lote no valor de 30:000 contos para desfazer a frente que se esboçava na indústria da construção civil contra a política do barateamento das rendas de casa.
Que benefício económico vai resultar para a Nação e para todos os que habitarem os bairros assim impulsionados do facto de não se sujeitarem ao arrendamento das casas de renda livre?
E todas estas margens de lucro e de rendimento ou sua poupança não farão um descontozinho nos 16 por cento aqui calculados?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: não posso considerar esgotado o assunto.
Ficaram por tratar muitos aspectos, e entre eles cito principalmente os que foram aqui postos pelo Sr. Deputado Luís Teotónio Pereira e ainda o da previdência dos rurais, realizada em forma meramente assistêncial, precária em si e não generalizada.
Tenho pena de o tempo regimental não me ter permitido fazê-lo, e disso peço desculpa ao Sr. Deputado Luís Teotónio Pereira.
Mas, se não considero esgotado o assunto, considero esgotada a paciência de VV. Ex.ª, e por isso também peço desculpa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bustorff da Silva: -Sr. Presidente e Srs. Deputados: não suponham VV. Ex.ªs que não sou sensível ao ridículo de subir a esta tribuna repetidas vezes e intervir na discussão de assuntos de natureza técnica, por vezes os mais dispares.
Devo, portanto, começar por fazer uma declaração peremptória a esta Assembleia: não vou apreciar o problema das cortiças no seu aspecto técnico. Ouvi, contudo, produzir determinadas afirmações que me surpreenderam. Essas afirmações foram transformadas em premissas. Das premissas extraíram-se conclusões, que dentro em pouco serão, com certeza, concretizadas numa moção.
Importa, por conseguinte, comentar algumas dessas afirmações e dissecar as premissas sobre elas construídas para me esclarecer no sentido do voto que hei-de dar.
Não tenho razão nas minhas apreensões? O que se disse corresponde fielmente à verdade? Então as conclusões estão certas e posso votá-las sem hesitação.
Mas os meus reparos tom fundamento? As restrições que me acodem ao espirito abonam-se com razões sérias? Então as conclusões de alguns dos oradores precedentes têm de ser ou refutadas ou, pelo menos, alteradas.
Esta explicação prévia impunha-se, porque, Sr. Presidente, no decurso da intervenção que há dias tive no debate sobre o restabelecimento do Ministério da Agricultura V. Ex.ª, com a sua bondade de sempre, chamou a minha atenção para a circunstância de me estar afastando do debate.
Ora não quero reincidir em nova falta.
Se o debate de hoje tem de ser absolutamente restrito à discussão do aspecto técnico do problema das cortiças, não intervirei nele, porque o não conheço. Mas se me assiste o direito de analisar as afirmações, de discutir os argumentos trazidos a esta Assembleia em apoio da moção que naturalmente será apresentada pelo ilustre Deputado que suscitou a questão prévia, então, Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que, por uns momentos, pense em voz alta, porque careço de o fazer em descargo da minha consciência e para que possa emitir, afinal, um voto consciente.
De resto, vejam. VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, quanta razão me assiste no sentimento de hesitação e de dúvida em que neste momento me debato.
No decurso das considerações produzidas pelo nosso companheiro e distinto Deputado Sr. Engenheiro Mexia ouvi S. Ex.ª afirmar que a subericultura e a indústria corticeira estavam sendo conduzidas à miséria que a ninguém aproveitaria. Passam-se instantes, sobe a esta tribuna um Deputado não menos estimado, não menos distinto do que o Sr. Engenheiro Mexia -refiro-me ao Deputado Sr. Luís Teotónio Pereira- e S. Ex.ª, no decurso das suas considerações, informa nos de que o ano de 1948 foi um ano de boa exportação, bastando dizer que a quantidade de cortiça exportada foi bastante superior à média de exportação do decénio findo nesse ano.
No final, pelo menos pela aparência, os dois oradores manifestaram-se em perfeito acordo.
Como VV. Ex.ªs hão-de concordar, o debate foi esclarecedor. .

O Sr. Nunes Mexia: - Eu próprio apontei esses factos e perguntei qual a justificação deles.

O Orador: - Registo. E vamos ver se V. Ex.ª me dá a justificação das injustiças que passo agora a referir.
Sr. Presidente: em determinada passagem do discurso do Sr. Engenheiro Nunes Mexia descreve-se a situação de absoluto desamor, quase que de desprezo, de negação dos mais elementares direitos em que a lavoura portuguesa se tem encontrado nos últimos anos.
Não há exagero na síntese que acabo de fazer.
No seu discurso, o ilustre Deputado censurou:

... a pouca atenção dispensada à classe produtora que quase dá a impressão de que a esta não era reconhecida outra posição que não fosse a de mera e ocasional detentora de uma riqueza.

E carregou nas cores desta gravíssima acusação acrescentando que:

... extinto o Ministério da Agricultura, em obediência a princípios de coordenação que nunca foram atingidos, perdeu a profissão agrícola muitos dos seus privilégios naturais e tradicionais que a dignificavam, como sucede noutros países, e perderam os agricultores portugueses os mais elementares direitos ...

Está assim, tal e qual, na col. l.ª da p. 218 do Diário das sessões n.º 174.
No afirmar do ilustre Deputado - registem VV. Ex.ª esta passagem-, com a extinção do Ministério da Agricultura, como se sabe deliberada, salvo erro, em 1940, os agricultores portugueses perderam os mais elementares direitos.
Ora isto não está certo. Não está certo porque não corresponde à realidade e é injusto, imperdoàvelmente injusto!
Sr. Presidente: sem ofensa para o ilustre Deputado Sr. Engenheiro Nunes Mexia, peço licença para não reconhecer neste momento a S. Ex.ª o alto cargo de representante da lavoura portuguesa, isto pela sumária

Página 262

262 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 177

razão de que não faço à lavoura nacional o agravo de supor que está unanimemente dominada pelo pensamento de que, desde 1940, com a extinção do Ministério da Agricultura lhe foram negados os mais elementares direitos. A lavoura nacional, constituída por portugueses, conhece e recorda com pavor o sobressalto, a incerteza e a desordem em que viveu até à Revolução Nacional.
A falha de memória que, por vezes, se manifesta nesta Assembleia, não passará sem vivo protesto da minha parte.
É claro que reputo ocioso referir-me aos benefícios de ordem geral que a partir do movimento do 28 de Maio de ano a ano, de dia a dia, têm tido realização patente; não invoco a elevação geral do nível de vida, a ordem em todos os campos, o apuramento da educação cívica, o indiscutível progresso em todos os aspectos da vida social, a inconfundível situação no crédito interno ou externo criados pela perseverante e abnegada actuação do Governo que nos rege ou por medidas aprovadas nesta Assembleia Nacional o que, só por si, testemunham o especial carinho, a atenção a todos os títulos primorosa de que a lavoura portuguesa merecidamente vem aproveitando os frutos, como uma das mais importantes células que, sem dúvida, é do agregado nacional.
Quero, antes, aludir a medidas de interesse directo, de aproveitamento particular, de utilidade dominante - não exagerarei dizendo exclusiva-, dos ou para os agricultores portugueses.
Na verdade, Sr. Presidente, como é possível esquecer a meses ou a escassos anos de distância a obra imensa construída, progressiva, o pode dizer-se quase que diariamente, a bem dos que trabalham as terras de Portugal?
Como pode esquecer-se o que está feito e se continua fazendo em matéria de repovoamento florestal? Como pode esquecer-se a obra da hidráulica agrícola? E a obra da Junta de Colonização Interna? E essa outra obra da organização corporativa dos vinhos, do arroz, do azeite, em cuja direcção teve um papel predominante um ilustre colega que me está escutando, o Sr. Engenheiro Sebastião Ramires? Como pode esquecer-se a assistência financeira e económica à lavoura resultante da Caixa Nacional de Crédito? Como pode esquecer-se o que há semanas ou meses aqui se aprovou em matéria de melhoramentos rurais? Como podem esquecer-se todos os serviços de assistência técnica à Lavoura, de que todos os que neste País se ocupam nessa forma de actividade têm recebido os mais prestantes ensinamentos?
Não, Sr. Presidente!
Compreendo que, num ataque de oposição sistemática, se não queira ver se negue a própria evidência, se discuta com facciosismos, se revele uma incompreensão intencional de factos o realizações indiscutíveis, reveladores de uma grande obra de progresso realizado em prol dum país que o Estado Novo recebeu nos braços já exangue e no estertor de uma eminente, completa e trágica ruína.
Mas revolta-se-me a consciência ao ouvir alguém, ligado pelos seus interesses e a sua ideologia à actual Situação, pintar com tão falsas cores um quadro fantasista, para cúmulo desnecessário, quando se trata, afinal, de pôr em destaque as dificuldades que apoquentam determinado ramo das actividades nacionais, ou emitir um juízo assim injusto e duro e impermeável a todos os progressos e melhoramentos de que acabo de fazer um mais do que rápido resumo!
Relevem-me VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, perdoe-me o Sr. Engenheiro Nunes Mexia, a vibração que pus nestes reparos, mas cada um é como Deus o fez.
De resto, se destas considerações de ordem geral transitarmos para certos números e mapas que foram apresentados rio decorrer da aliás muito interessante intervenção do ilustre Deputado Sr. Engenheiro Nunes Mexia, salta-nos aos olhos um quadro que S. Ex.ª fez reproduzir, e muito bem, no Diário das Sessões e que faz preceder das seguintes palavras justificativas :

Antes de nos abalançarmos a tirar novas conclusões, vejamos como variaram, no tempo, alguns dos principais factores do custo da produção e preparação da cortiça, a saber:
a) Valor da moeda;
b) Salários agrícolas;
c) Salários industriais;
d) Encargos tributários;
e) Encargos sociais;
f) Cotação a campo da cortiça.

Sr. Presidente: para mim, que, repito, sou um ignorante dos aspectos técnicos do problema da produção e preparação da cortiça em Portugal e que procurava unicamente esclarecer-me recorrendo aos elementos de informação que me proporcionava o ilustre autor do aviso prévio, ficou logo assente a convicção de que não era possível atingir conclusões seguras sobre o custo da produção e preparação da cortiça desde que não levássemos em conta aqueles seis elementos indicados nas alíneas a) a f) da p. 217 do Diário das Sessões e comunicados a esta Assembleia na exposição, inteiramente controlada, que ouvimos reproduzir ao Sr. Deputado Nunes Mexia.
Mas, com natural espanto meu, quando transitei daquela categórica lição para o referido mapa, a primeira coisa que me saltou aos olhos foi que um daqueles elementos essenciais de informação - no afirmar de S. Ex.ª -, os «encargos tributários», não constava do mapa.
Tinha, pois, de concluir sobre bases incompletas ...

O Sr. Nunes Mexia:-Eram para ser riscados, mas, por esquecimento, escapou riscá-los.

O Orador:-Vejam VV. Ex.ªs como eu tenho razão em não querer votar uma moção baseada em informações em que o seu autor reconhece que faltou riscar ... um dos principais factores.
Mas não escapou riscar a rubrica relativa a «salários industriais».
Todavia, não encontro no mapa, em cada uma das colunas referentes a este «principal factor», no decurso de vários anos, mais do que um simples risco.
Logo a seguir encontro uma referência a «caldeireiros», que aparecem como recebendo em 1910 um salário à volta de $50, nenhum outro número constando das colunas relativas às oscilações deste salário em relação aos restantes anos.
Daqui concluo que não posso aceitar como boas as conclusões de S. Ex.ª, porque no mapa que organizou para prova das oscilações dos «principais factores» da sua conta falham completamente alguns desses fundamentais elementos.

O Sr. Nunes Mexia: -Se V. Ex.ª me dá licença eu explico. Na Imprensa Nacional houve engano ao colocar os 28$ ao lado dos 41$, quando devia figurar na coluna imediatamente superior ...

O Orador: - Mas a coluna imediatamente superior é a dos «caldeireiros»; quanto aos «salários industriais», continuo a ter de fazer cálculos com base em riscos ...

O Sr. Nunes Mexia:-Eu elucidarei V. Ex.ª mais concretamente quando usar da palavra.

O Orador:-E acredite V. Ex.ª na sinceridade com que lhe confesso que folgarei imenso.
Entretanto, porém, tenho de continuar asseverando que há mais e pior!
Logo no primeiro «principal factor» que o mapa pretende pôr em termos de comparação se comete um

Página 263

19 DE MARÇO DE 1949 263

erro de natureza económica, este absolutamente indiscutível.
Farte-se em 1910 do valor ouro da libra e atribui-se-lhe o valor de 4$3O. Realizam-se depois todas as contas com referência a 1948, sempre orientadas pelo valor ouro da libra, que em 1948 ascende a 390$, ou seja oitenta e tantas vezes mais que em 1910.
Ora, é elementar em economia, é elementar no estudo de problemas desta natureza, que o valor da libra-ouro não representa um elemento de informação que permita conclusões conformes à realidade. Incorre em erro quem dele se utilizar.
Num critério em que dominasse a preocupação de encontrar números baixos era-me licito sugerir que o valor a adoptar deveria ser o da libra-cheque; mas não o faço porque quero discutir dominado pela ânsia de descobrir a verdade. Neste propósito, o único número-índice a adoptar terá de ser o relativo ao agravamento do custo de vida de 1910 a 1948.
Se V. Ex.ª assim tivesse procedido, os cálculos teriam sido diferentes. Teria de multiplicar por 41,03, e não por 8666 por cento, como declara na col. l.ª da p. 217 do Diário das Sessões.
E os resultados obtidos orçariam, sensivelmente, por metade daqueles que nos forneceu.

O Sr. Nunes Mexia: -V. Ex.ª fica amarrado a essa afirmação, e digo-o porque ela serve maravilhosamente à minha exposição.

O Orador: - E eu deixo-me amarrar gostosamente, para que V. Ex.ª possa viver feliz quarenta e oito horas. Felicidade mais prolongada já não depende de mim ...
Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Engenheiro Nunes Mexia parte depois do «valor da cortiça a mato». Este valor da cortiça a mato deve corresponder à discriminação da alínea, f) «Cotação a campo da cortiça».
Meditando na demonstração, muito interessante, descrita por S. Ex.ª, quando talha uma prancha de cortiça que pese rigorosamente um quilograma e põe-se a flutuar e vai-lhe colocando em cima sucessivas cargas ou pesos correspondentes aos diversos encargos, etc., fica-me a impressão, que suponho lógica, de que S. Ex.ª parte, para os seus cálculos, da cortiça em si, independentemente dos restantes rendimentos do sobreiro.
Assim, aqueles $80, preço da cortiça a mato, em 1910, referem-se restritamente ao preço de cada quilograma do produto...

O Sr. Nunes Mexia: -Creio que eram $70, passando um erro de revisão da Imprensa Nacional.

O Orador: - Temos então novo erro? Vejam VV. Ex.ªs se eu não tinha razão para subir à tribuna!
Mas à cortiça em prancha - não é verdade, Sr. Engenheiro Nunes Mexia?- há que acrescer outros valores que influem na determinação fiel do rendimento do sobreiro, tais como entrecasco, desbóia e fabrico de carvão, cortiça virgem, a qual, parece-me, não é fabricada em prancha...

O Sr. Nunes Mexia: - Na minha exposição também fiz referência a esses valores...

O Orador: - Há efectivamente no discurso de V. Ex.ª uma alusão a «acréscimos»; o facto, contudo, não influi no meu reparo, e desejo ser esclarecido: aqueles $80 incluem os acréscimos, ou referem-se sómente à cortiça em prancha?
Nesta última hipótese o mapa não esclarece; confunde e pode e deve induzir em erro.
Mas continuo:
Logo adiante, e a pretexto da intervenção, por vezes violenta, do Estado em matéria de previdência, cita-se a atitude benemerente, superior a todos os elogios, de nove casas agrícolas.
Embora não seja lavrador, as vicissitudes da vida têm-me atirado um pouco para quase todas as regiões do País, cuja vida agrícola conheço de perto; e faltaria a um imperativo de consciência se não proclamasse nesta Assembleia o louvor que merecem todos os administradores dessas grandes casas agrícolas pela maravilhosa obra de assistência, de previdência, que envolve como que no carinho de um aglomerado familiar todos os trabalhadores ao serviço de algumas grandes casas agrícolas; e até mesmo quero aqui apontar um nome, o do nosso colega Sr. Rui de Andrade, pois, por ver e presenciar, que é a melhor razão da ciência do depoente, sei que os rendimentos do uma das suas principais explorações agrícolas são integralmente absorvidos nas obras de assistência e previdência realizadas em benefício dos trabalhadores que lhe prestam a sua colaboração.
Quando, porém, verifico que o Sr. Engenheiro Nunes Mexia, ao destacar esses procedimentos que tom tanto de inteligentes como de altruístas, não conseguiu alinhar mais que nove exemplos, concluo que era indispensável a intervenção do Estado para que todos aqueles que se escusavam ao cumprimento dos deveres de assistência social, e que, pelo visto, muitos eram, seguissem o exemplo
dos melhores.

O Sr. Nunes Mexia:- V. Ex.ª viu também no texto que não se pôde arranjar mais que nove exemplos.

Vozes:-Mas há mais.

O Orador: - Acredito piamente que haja; estou convencido de que há.
Não serão nove, mas sim noventa, novecentos ou mil.
Os agricultores portugueses esses contam-se contudo por algumas centenas de milhares.
A proporção mantém-se ridiculamente insignificante e o argumento fica de pé.
Sr. Presidente: há que tomar o problema de frente, com toda a sua rigidez e brutalidade.
Em matéria de previdência ou assistência social, para trás não se volta.
E trata-se de encargos a que ninguém pode ou deve eximir-se.
Os devores de assistência têm de ser admitidos como constituindo um encargo geral, no sentido de encargo a que todas as actividades têm de submeter-se...

O Sr. Luís Teotónio Pereira: - O que é que se tem feito em matéria de obras de assistência rural?

O Orador: - Já responderei a V. Ex.ª, e acredite que não perde pela demora. Neste momento o que pretendo é abreviar estas considerações o mais que puder.
O que há feito em matéria de previdência e assistência social neste Pais?
Iniciaram-se por uma primeira medida da autoria do português ilustre, hoje nosso Embaixador na América do Norte, Sr. Dr. Pedro Teotónio Pereira.
Foi S. Ex.ª o legislador que em 1933, pela Lei n.º 1:884 e pelos Decretos n.ºs 25:935 e 28:321, estabeleceu a organização do seguro social ou previdência social no sentido de haver uma

... estreita adaptação aos agrupamentas naturais, com necessidades, condições de vida e possibilidades económicas sensivelmente distintas.

E logo se diferenciaram três grandes agrupamentos:

a) Comércio e indústria: com as caixas sindicais de previdência encaixas de reforma ou previdência.

Página 264

264 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 177

E aqui tem o meu prezado amigo e distinto Deputado Sr. Luís Teotónio Pereira a resposta que há momentos lhe prometi e que é seu ilustre irmão que se encarrega de lha dar:

b) Agricultura: com as casas do povo.
c) Pesca: com as casas dos pescadores.

O Sr. Luís Teotónio Pereira:-V. Ex.ª sabe as conclusões a que chegou a comissão de inquérito aos organismos de coordenação económica quanto às casas do povo ?

O Orador: - ... e a pesca, com as casas dos pescadores. Estas disposições têm sido rigorosamente observadas sem qualquer desvio.
Quanto ao comércio e à indústria, o espírito da Lei n.º 1.884 conduz-nos ainda a uma organização quase exclusivamente profissional. Foi assim que se constituiu a primeira caixa, a Caixa Sindical de Previdência do Comércio de Exportação e Consumo de Vinhos do Sul de Portugal, que englobava os tanoeiros e trabalhadores de armazéns que exerciam as suas profissões em entidades patronais representadas pelos Grémios dos Industriais de Tanoaria e dos Exportadores de Vinhos do Sul.
Simultaneamente, no Norte fundava se a Caixa Sindical de Previdência do Comércio de Exportação de Vinhos do Norte de Portugal, envolvendo também os tanoeiros e trabalhadores de armazéns.
O ilustre Deputado Sr. Dr. Luís Teotónio Pereira presidiu à primeira destas caixas.
Isto passou-se em 1933 e desde então tem sido orientada no bom caminho a providência social em Portugal, desenvolvendo-se em termos que merecem, hoje, lá fora uma consideração que posso classificar de elogiosa. Mas, com o decorrer dos tempos, com a experiência adquirida, verificou-se que havia certos inconvenientes que fizeram com que o critério do uma organização em base profissional fosse substituída pelo critério de uma organização com base nas actividades comerciais e industriais.
De harmonia e em efectivação deste critério, publicou-se o Decreto n.º 32:674, salvo erro de Fevereiro de 1943, que abriu novos horizontes no campo das reivindicações de natureza social.
Destacam-se sinteticamente os mais salientes inconvenientes do sistema anterior - o da base profissional:
Dentro da mesma empresa havia inúmeros trabalhadores com previdência diferente; a mesma empresa via-se, quase sempre, com ligações e respectivo expediente em relação a grande número de caixas, tantas quantas as das diversas profissões dos empregados que tinha ao seu serviço; o enorme número de caixas tornava praticamente ineficaz, se não impossível, os serviços de fiscalização; constituíam-se caixas em que o custo da administração era excessivamente elevado em relação aos serviços prestados, pois poucos sócios e com salários baixos eram insuficientes para, mediante as respectivas quotizações, sustentarem um empregado, desde que pagassem percentagem igual à dos grandes agrupamentos; e, finalmente, verifica-se a impossibilidade de atingir o nível conveniente e necessário, no caso de os benefícios não serem função dos salários (refiro-me à assistência médica e farmacêutica).
A titulo de nota à margem dirigida ao Srs. Deputados que exercem a profissão de médicos, recordarei que foi no domínio desse primeiro sistema que se apurou a existência de algumas situações contra as quais a Ordem dos Médicos justificadamente formulou os mais veementes protestos, e que consistiam em haver médicos contratados mediante remunerações mensais que oscilavam entre os 50$ e 100$.
Sr. Presidente: foi a partir de Fevereiro de 1943 que pelo Decreto n.º 32:647 se descobriram, como há pouco disse, novos horizontes. Criaram-se então as várias federações : a Federação dos Serviços Médico-Sociais, a de Habitações Económicas, a dos Serviços Mecanográficos e a de Divulgação e Informação.
Todas têm a sua utilidade própria.
Ninguém contestará que era impossível realizar económicamente a construção de habitações económicas se não forem desenhadas e concluídas em bloco. Pondere-se que o bairro de Alvalade compreende 360 prédios, correspondendo a 2:066 fogos, e estão em vias de edificação mais de 1:500 fogos distribuídos pelo País (Porto, Setúbal, Covilhã, Guimarães, etc.).
Quanto aos serviços mecanográficos, destinam-se eles a permitir que na contabilidade das caixas se utilizem processos mecânicos, tais como o sistema de cartões perfurados, que toda a gente sabe serem mais exactos e económicos que os manuais, mas que só podem ser utilizados quando se trate de um grande número de operações.
Pelo custo do equipamento das pequenas caixas teria de se manter o regime de processos manuais, mais demorado, mais imperfeito, mais caro, quando através da Federação se obtém um serviço mais perfeito, sem agravamento de encargos.
Finalmente, quando à Federação de Divulgação e Informação, vemos que ela se destina a divulgar entre os beneficiários e patrões os objectivos do seguro social e as formalidades a cumprir; e quero acreditar que se pretender atingir com eficácia a finalidade a que se destina não lhe sobra tempo, nem lhe mingua trabalho.
Em resumo: as federações são serviços centralizadores das caixas federadas, com vista a uma racionalização económica e a uma especialização de serviços.
Demonstrada a utilidade das alterações introduzidas no sistema, é claro que fica o campo aberto para se discutir a forma como se tem trabalhado, os resultados obtidos, se os serviços trabalham caro ou barato e se representam um encargo excessivo em relação às receitas cobradas, tudo com o justificado propósito de pôr a claro se, com a contribuição dos produtores, industriais ou comerciantes - ou seja das entidades patronais -, se poderia dar mais do que actualmente se dá aos assistidos pelas caixas de previdência, ou, na hipótese de se reconhecer suficiente o que estão recebendo, se seria possível diminuir a contribuição patronal e em que termos ou proporções.
O problema tem necessariamente de ser posto assim: desde que o sistema é o mais favorável aos interesses gerais, deixemos de parte críticas que o afectam e vamos a provocar ou facilitar todos os melhoramentos possíveis no capitulo da sua execução.
Ora, quanto ao primeiro aspecto -preço do custo do sistema, se é caro, se barato -, o ilustre Deputado, Sr. Engenheiro Nunes Mexia dá nos uma base para julgamento em determinada passagem do seu discurso, onde, depois de mencionar o total cobrado em 1947, acrescenta a indicação dos encargos administrativos. As quantias cobradas elevaram-se a 605:579 contos, números redondos, e os encargos administrativos a 38:323 contos, ou seja qualquer coisa ao redor dos 5 por cento.

O Sr. Nunes Mexia:-Mais de 1 por cento.

O Orador: -Mais de 1 por cento, sim senhor. A lei formula, efectivamente, essa regra. Há, portanto, que verificar se nos 38:000 e tal contos despendidos tudo foram despesas administrativas pertinentes ao ano de 1947 ou se há também ali incluídas outras despesas cuja amortização deverá estender-se por vários exercícios.
A experiência que me advém de trinta e tantos anos de contacto com organizações comerciais e industriais de grande, médio e pequeno vulto permite-me supor que

Página 265

19 DE MARÇO DE 1949 265

os encargos administrativos de empresas de relativa importância atingem facilmente os 5 e os 6 por cento.
Mas se destacarmos e prestarmos a atenção devida à afirmação há pouco aqui produzida pelo ilustre Deputado Sr. Dr. França Vigon de que na mencionada verba dos 38:000 e tantos contos estão incluídas várias despesas de montagem do sistema, que, industrialmente, devem ser classificadas como despesas de 1.º estabelecimento, logicamente amortizáveis a largo prazo, através de sucessivos exercícios, automaticamente se operará a redução correspondente, baixando o custo do sistema para limites menos elevados do que aqueles que, à primeira vista, poderiam impressionar.

O Sr. Nunes Mexia: - De facto, achando a percentagem em relação aos 600:000 e tal contos cobrados, encontramos os 5 por cento. Mas nas contas que VV. Ex.ªs acharam exageradas para o fenómeno da produção da cortiça ao longo de dez anos contei apenas com 3 por cento.

O Orador: - Desculpe V. Ex.ª, mas não compreendi: trabalham mais barato em relação a estas contas?

O Sr. França Vigon: - Perdão. Trabalham sobretudo o sobreiro.

O Orador: - Era justamente isso que pretendia averiguar.

O Sr. Nunes Mexia: - O fenómeno da criação de riqueza e bem assim a industrialização têm mais encargos e resultam mais barato.

O Orador: -Pois então, se V. Ex.ª o deseja, ponho o debate mais cruamente ainda: é o próprio sistema que V. Ex.ª ataca?
Acha-o mau? Há outro melhor? Qual é ele?
Em matéria de previdência não é fácil fazer descobertas, criar novas concepções geniais. Trata-se de problema estudado até ao exaustimento, onde tudo que haveria a dizer está dito.
Por mais que V. Ex.ª, Sr. Engenheiro Nunes Mexia, se contrarie, vemo-nos forçados a decidir entre dois sistemas, melhor, entre os dois únicos sistemas descobertos: o sistema da repartição e o sistema da capitalização.
O sistema da repartição conduz, directa e imediatamente, ao seguro social, para o qual concorrem todos os que exercem actividades industriais, comerciais e agrícolas e mesmo os que não as exercem. É, numa síntese, o sistema do Plano Beveridge. Pesa e é distribuído entre todos os contribuintes, provocando um acréscimo geral dos encargos tributários que ameaça conduzir à estagnação das melhores actividades. Num movimento de senão legítima, pelo menos humana revolta, o contribuinte que obtém pelo seu trabalho avultados réditos anuais e se vê coagido a entregar ao Estado a maior parte do respectivo montante, formula a si próprio esta interrogação: mas vale realmente a pena trabalhar de sol a sol, ou noite e dia, se a quase totalidade do que aufiro como remuneração do meu esforço me é, afinal, arrebatado? E muitos concluem pela negativa. Recusam operações mais vantajosas só para não sofrerem uma elevação de encargos que anula as vantagens dos lucros previstos.
Na Inglaterra, por exemplo, a execução, embora sob determinados aspectos atenuada, do chamado Plano Beveridge veio originar uma elevação dos encargos tributários, que chega a ultrapassar os 80 por cento. Quer dizer: por cada 100$ ganhos paga-se ao Estado mais de 80$. Nos teatros, nas caricaturas, nas revistas humorísticas há inúmeras anedotas explorando a euforia na colocação de dentaduras ou no uso de óculos e lunetas, grátis para todos os cidadãos britânicos desde que se legislou que os serviços de dentista e oculista, eram de incluir nos benefícios daquele carácter.
Interessa olhar de quando em quando para o que se passa lá fora e pôr diante dos olhos dos contribuintes portugueses esta realidade: há um pais civilizado e amigo onde os encargos fiscais absorvem, a partir de certo escalão, mais de 80 por cento dos rendimentos do contribuinte ...

O Sr. Melo Machado: -Mas todos esses impostos não são só para obras sociais. A Inglaterra saiu de uma grande guerra completamente arruinada.

O Orador: - Está V. Ex.ª duplamente enganado; a Inglaterra não saiu da guerra arruinada, nem foi a guerra, mas sim os encargos sociais, o que mais influiu no agravamento tributário a que me estou referindo. Perdoe o meu querido amigo, mas dentro em pouco, e se me chegar o tempo, demonstrarei que labora num erro palmar. .

O Sr. Melo Machado: - Deus queira que isso possa ser, mas há-de ser uma coisa complicada.

O Orador: - Se o tempo deixar, talvez não seja.
Mas, retomando o fio das minhas considerações...
Refutado, pelos inconvenientes demonstrados, o sistema da, repartição, resta-nos a outra extremidade do dilema: o sistema de capitalização. É o mais favorável, é o que melhor se adapta às nossas conveniências.
Sendo assim, para que gastar palavras denegrindo o próprio sistema, já que não temos outro?
Não seria preferível salientar a todos os interessados estas circunstâncias e empregarmo-nos seguidamente a descobrir os vícios, deficiências ou erros que existam na sua execução?
E, descobertas essas falhas, censurá-las então, apontando o remédio e exigindo a sua rápida aplicação?
Vive-se por vezes dentro desta Casa numa atmosfera de contradições que me impressiona e porque não dizê-lo? - me confrange inquietadoramente.
O nosso ilustre colega Sr. Teotónio Pereira, por exemplo, afirmou, em determinada passagem do seu discurso, que chegámos a um ponto em que as realidades económicas nos forçam a mudar de rumo e que o dirigismo económico, pecha universal, é hoje o maior mal de que sofre a humanidade.
O que quer S. Ex.ª que se conclua desta proclamação? Que a economia dirigida faliu? Que devemos regressar à economia liberal?

O Sr. Luís Teotónio Pereira: -Eu, por mim, quero o corporativismo, e não estou sozinho na condenação do dirigismo.
Leio um passo do discurso do Sr. Dr. Marcelo Caetano no Congresso da União Nacional do Porto.
Disse S. Ex.ª:
Leu.
Estas palavras não são minhas; são do Sr. Dr. Marcelo Caetano. Portanto, vê V. Ex.ª que não estou sozinho.

O Orador: - Acredito que V. Ex.ª não está sozinho, e, para V. Ex.ª passar a estar ainda melhor acompanhado, peco-lhe o favor de seguir agora de perto as considerações que vou fazer.
A experiência deste último meio século de vida universal esclareceu os economistas de que há três únicos regimes económicos para escolher: o liberal, o corporativo e o socialista.
O liberal é caracterizado pelo autodirigismo, o culto idólatra da livre actuação de cada qual. E deu as suas provas, rapidamente se liquidando por uma autodevoração.

Página 266

266 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 177

Os grandes trusts e cartéis surgiram, acabando por centralizar tudo e todos no domínio de autênticas potências financeiras, que a breve termo esmagaram uma a uma as pequenas economias -industriais, comerciais ou agrícolas- e acabaram, como os grilos da fábula, a comerem-se umas às outras.

O Sr. Mário de Figueiredo:-É o neocapitalismo ...

O Orador: - O pequeno proprietário, o pequeno industrial ou comerciante foram inexoravelmente esmagados, sumindo-se nas goelas vorazes das fortes concentrações capitalistas.
Esto foi o verdadeiro «triunfo» (!) do sistema liberal. Se saltarmos da extrema direita -sistema liberal- para a extrema esquerda - sistema socialista -, quedamo-nos a considerar o que virão a ser os resultados mais da experiência que está sendo realizada em Inglaterra, é facto que com visível comedimento e até agora mercê do concurso das avultadas reservas acumuladas nos anos anteriores. Acresce que se trata de um povo com situação geográfica, temperamento e reacções particularíssimas.
Fora da Inglaterra, porém, todas as tentativas socialistas acabarão por se transformar num caldo de cultura ideal para o comunismo.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Resta-nos, por conseguinte, o corporativismo, base da nova organização económica actual. Mas essa organização corporativa tem de prolongar-se e completar-se através de obras de alcance social. Reparem VV. Ex.ªs que eu digo obras de alcance social, o que é totalmente diverso de obras de alcance socialista. Tão diferentes que aquelas são o contraveneno decisivo destas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O mal que nos apoquenta, quer nas conservas, quer nas cónicas, quer de uma maneira geral em todas as actividades portuguesas, não provém directamente do regime, económico escolhido nem se resolve com avisos prévios desta Assembleia ou medidas de aplicação interna. O problema é muitíssimo mais grave!
Vimos de uma crise e encaminhamo-nos para uma quadra em que as dificuldades no intercâmbio internacional dos produtos atingirão alturas nunca dantes previstas.
Debatemo-nos com um ano agrícola precário; teremos de importar, com sacrifício de divisas; não nos será fácil exportar, visto que os nossos preços de produção são mais altos que os da concorrência mundial. Nas cortiças trabalhamos numa fase primária: produzimos e exportamos o produto pobre, antes de transformado; e exportamo-lo para que os industriais estrangeiros o fabriquem e enriqueçam pelo lucro da respectiva transformação em produtos ricos, que voltamos a importar a altos preços. O onzeneirismo, a agiotagem internacional, já aguça os caninos.
Ainda há meses estivemos exportadores de gorduras que todos queriam comprar, mas nenhum podia pagar em condições aceitáveis. A confusão impera, a barafunda campeia, o subconsciente avisa-nos de que se aproxima uma crise cujos efeitos poderão ser desastrosos.
Afigura-se-me -e emito neste sentido o meu voto - que realizaríamos uma obra muito mais útil lançando a semente para o fortalecimento da confiança do País nos seus sistemas e nos seus destinos; convencendo os portugueses da inadiável urgência de se prepararem para as restrições e limitações a que essa crise dará origem.
Avisado a tempo, vacinado contra o desânimo, a renúncia, a impressão de que não vale a pena lutar, o País resistirá à crise, se colaborarmos para que resista a acusações imprudentes contra os princípios e os homens da Situação.
Caso contrário, quando o embate chegar, há-de campear sobre um punhado de vencidos, uma Nação inerme e inerte, desesperançada pelas palavras de descrença que desta Assembleia lhe foram lançadas; sem fé em si própria, na sua estrutura económica e política, ou nos homens a quem confiou o seu Governo; adormecida no fatalismo para que já a inclinam taras ancestrais, contagiada pela resignação perante as maiores violências que ressume da conformista exclamação eslava-nitchevo! nitchevo !
Para aí não acompanharei seja quem for, ainda que fique sozinho.
Não votarei, portanto, seja que moção for que contrarie esta determinação terminante.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será na terça-feira, com a mesma ordem do dia da de hoje e mais uma proposta de lei sobre o ensino particular.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Proença Duarte.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Botelho Moniz.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Mendes de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Carlos Borges.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique de Almeida.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Cerveira Pinto.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira,
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Beja Corte-Real.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×