546 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 191
Ignoro, neste momento, se essa acção pública foi ou não foi exercida, mas, em qualquer caso, inclusivamente pelo respeito que devo aos meus colegas desta Assembleia, desejo declarar que eu é que não desisto de que essa acção pública venha a efectivar-se, e assim o requeiro nesta data ao Sr. Ministro das Colónias.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: tive há dias o grande conforto de saber que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Alenquer oficiara ao Sr. Director-Geral dos Edifícios o Monumentos Nacionais informando-o de que tinham sido adquiridos por aquele corpo administrativo os imobiliários indispensáveis ao projectado e urgentíssimo restauro do mausoléu do rei do Pegu, no antigo Conventinho de Santa Catarina, situado naquela vila deliciosa, agora tendo no seu ponto mais alto a Sãozinha a abençoá-la, mesmo ao lado da estrada nacional que liga esta capital, depois de atravessar Vila Franca de Xira e marginar Alenquer, com as Caldas da Rainha, e que, depois, por Alcobaça, Aljubarrota, Batalha, Leiria, Pombal e Coimbra, se prolonga até à cidade do Porto.
Estrada do maravilha, que nos permite agora, mercê de bom piso, curvas regularizadas e eficiente sinalização, fazer uma cómoda romagem a uma das nossas mais notáveis vias heróicas.
Logo por alturas de Vila Franca de Xira ela cruza, no seu início, as célebres Linhas de Torres, que detiveram a invasão napoleónica.
Em Alenquer quase roçu, como disse, e sem que se dê por isso, com o túmulo do rei do Pegu, que alinha entre os vultos assinalados da raça portuguesa; e passa a umas centenas do metros do lugar onde repousa o grande historiador Damião de Góis.
Nas Caldas da Rainha permite saudar, mesmo sem deixar o automóvel, a estátua de D. Leonor, mulher do «Homem» e fundadora da santa instituição das misericórdias.
A seguir atravessa Alcobaça, em frente do mosteiro cisterciense, onde repousam os lendários personagens do «Grande Pesvayro» e seus antepassados, Afonso II e O Bolonhês. Depois atravessa Aljubarrota, onde uma capelinha modesta assinala a batalha decisiva ali travada em 14 de Agosto de 1385.
Contudo, o monumento grandioso, em. imponente traça gótica, com que D. João I quis recordar pêlos séculos fora o grande feito de armas que decidiu a nosso favor a luta pela independência, eleva-se a poucos quilómetros dali, na Batalha, onde, entre outros dinastas, repousam D. João I e a ínclita geração.
De um e outro lado da porta do imponente monumento estão as sepulturas rasas de Diogo Gonçalves de Travaços, mestre dos infantes, e de Martim Gonçalves de Macedo, que salvara, em Aljubarrota, a vida de D. João I.
A seguir, Leiria e Pombal, com seus altaneiros castelos feudais, constituindo o primeiro autêntica jóia arquitectónica, e, passada Condeixa, com valiosas ruínas da velha Conímbriga, atinge-se o miradouro, de onde se avista o curioso o característico amontoado de casario de Coimbra, impregnado de beleza, e, a coroá-lo, o velho palácio da Universidade, com o Mondego a deslizar a seus pés, a Quinta das Lágrimas e sem número de encantos, para, daí a instantes, passar em frente à Igreja de Santa Cruz, onde repousam as cinzas de Afonso Henriques.
Em todas aquelas relíquias de um passado glorioso se afirma a acção competente e dinâmica superiormente orientada pelo engenheiro Sr. Henrique Gomes da Silva,
que encontrara o melhor dos colaboradores no engenheiro-arquitecto Sr. Baltasar de Castro, da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
Política de restauro de igrejinhas modestas, mas encantadoras, de templos majestosos, palácios, castelos e outros valores do passado, iniciara-se em 1928-1929 com seis obras dotadas com verbas que somavam 60.5005.
Logo no ano imediato, 1929-1930, tomou grande incremento, iniciando-se catorze importantes restauros; em 1930-1931 subiu para dezanove, e em 1931-1932 foram assinadas vinte e quatro portarias relativas a outros tantos trabalhos daquela natureza.
Desde então, com verbas orçamentais e subsídios do Fundo de Desemprego, foi-se intensificando, num crescendo progressivo, orçando por 110:000 contos as quantias despendidas.
Vê-se, assim, que o primeiro impulso e, também, quantidade de realizações tiveram, como aliás se verifica em todos os outros sectores de actividade estadual, data anterior ao último quindénio, a que se entendera restringir o certame de obras públicas realizado o ano passado no Instituto Superior Técnico sobre a grandiosa obra do Estado Novo, como se o ciclo da nossa administração pudesse fragmentar-se.
E, como se não bastasse uma tal atitude perante nacionais, a quem não seria difícil conhecer o que se fizera no septénio anterior, faz-se correr mundo um filme com aquela curiosíssima designação.
Sr. Presidente: como vinha dizendo, em todos os monumentos que um passeio na citada estrada Lisboa-Alenquer-Porto permitirá conhecer verifica-se a eficaz intervenção da Direcçao-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
Só o túmulo do rei do Pegu continua a esperar as reparações que tanto merece, por delas estar absolutamente carecido e se tratar de uma das personalidades máximas da nossa história.
Felizmente que o caso está agora bem entregue, porque preside à Câmara Municipal de Alenquer o nosso prestigioso colega Sr. Melo Machado e continua à frente dos monumentos nacionais o ilustre e activo portuense a quem já me referi, o Sr. Engenheiro Henrique Gomes da Silva.
Sr. Presidente: o rei do Pegu, que se chamava Salvador Ribeiro de Sousa, fora vimaranense, como eu tenho também a honra de o ser, ambos nascidos na formosa ribeira do Ave. Fora seu berço a freguesia de Ronfe, tendo nascido na casa de Quintas, onde viviam seus pais, o escudeiro-fidalgo Frutuoso Gonçalves Cardote e mulher, D. Maria da Mota e Sousa.
Fins do século XVI, uma vez instalada a dominação filipina, embarcou para a índia, onde tais heroísmos praticara que os naturais do Pegu o elegeram por seu rei. Pinheiro Chagas, a p. 40 do 5.° volume da História de Portugal, 3." edição, consagra-lhe as seguintes palavras:
O nome de Salvador Ribeiro de Sousa soa na nossa história como o de Marco Aurélio, por exemplo, na história de Roma imperial. É ele também um romano das primitivas eras perdido no meio dos corruptos romanos da decadência.
Sr. Presidente: lê-se no volume I do Guimarães, do padre Caldas:
O herói de assinaladas vitórias, o símbolo de abnegação e o exemplo vivo do mais vivo amor da Pátria deixou o Pegu e andou errante e solitário pela Espanha e Portugal, apesar de o galardoarem em Madrid com uma comenda de Cristo, até que veio a falecer em triste solidão junto à vila de Alenquer. O seu cadáver foi sepultado na casa do capítulo do extinto Convento de Santa Catarina, de