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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 192

ANO DE 1949 25 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 192

EM 23 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

Ordem do dia. - Continuação do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Figueira Rego sobre crédito agrícola mútuo.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mira Galvão e Figueira Rego.
Entrando-se na segunda parte da ordem do dia, iniciou-se a discussão do parecer sobre a proposta de lei n.º 285, acerca da luta contra as doenças contagiosas.
Usou da palavra o Sr. Deputado Bustorff da Silva.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Finto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Antunes Guimarães.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.

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Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Numerosos de diversas caixas de crédito agrícola de apoio ao aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego sobre crédito agrícola mútuo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mira Galvão.

O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: o crédito agrícola é um factor da mais alta importância para o progresso da agricultura.
Através de todos os tempos e em todos os países ele tem sido reclamado por quem cultiva a terra e principalmente nas épocas de grandes crises ou nos períodos em que se têm operado profundas modificações nos sistemas de agricultar ou se tem verificado uma rápida evolução dos meios que mais contribuem para um melhor aproveitamento da terra, aperfeiçoamento e desenvolvimento da produção agrícola.
Tomo parte neste debate não só pela importância da matéria do aviso prévio, anãs principalmente por me ter sido solicitado pelo presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Vidigueira, pedido secundado depois por outras caixas do mesmo distrito.
Não farei a história pormenorizada do crédito agrícola através dos tempos, porque para tanto me faltaria o saber, e disso se ocupou, e com mais competência do que eu, o ilustre Deputado, antigo subinspector do crédito agrícola e autor do aviso prévio, Dr. Figueiroa Rego.
Farei, por isso, apenas breves referências aos primeiros organismos de crédito instituídos em Portugal para auxílio à lavoura e aos precursores do crédito agrícola propriamente dito.
Portugal foi dos primeiros países da Europa que criaram instituições de crédito destinadas a auxiliar a lavoura com a fundação dos celeiros comuns, tendo começado a funcionar o primeiro em Évora, em 1576. Foi seu fundador el-rei D. Sebastião, que lhe doou 500 cruzados.
Seguiu-se o de Beja, fundado em 1579, e posteriormente outros, como o de Avis, Mourão, Terena, Montemor-o-Novo, etc.
O estatuto do celeiro de Beja a obrigava os lavradores que amanhassem duas propriedades a contribuir com 30 alqueires de trigo por cada arado com que lavrassem as suas terras e os que trouxessem as herdades de renda entravam só com metade daquela cifra e os rendeiros com o restantes.
Só dois séculos depois a Alemanha montava a sua primeira caixa de crédito rural, em 1765, tendo aparecido os bancos escoceses em 1649, segundo refere algures o Prof. D. Luís de Castro.
Os celeiros comuns prestaram na sua época relevantes serviços à agricultura. Eram estabelecimentos de crédito em géneros «que socorriam os pequenos lavradores em anos de escassas produções, adiantando-lhes as sementes por determinado juro, pago em géneros também».
Tiveram os seus congéneres Monti frumentarii na Itália e os Prositos em Espanha. Os celeiros comuns eram fundados por iniciativa do Estado ou de entidades oficiais ou por particulares, sendo estes obrigados a manter um fundo anual de 150 moios de trigo, 25 de cevada e 25 de centeio.
Fizeram a sua época os celeiros comuns e, apesar de duas tentativas de remodelação da sua orgânica e gerência em 1S52 e 1862, não foi possível evitar-lhes a derrocada e falência, por falta de dedicações e competências para os administrar, de mistura com a politiquice e a intriga local, e, no dizer de D. Luís de Castro, e a falta de educação moral, da ausência da noção do dever cívico, da avidez egoísta do ganho sem olhar a meios».
Já antes as Misericórdias, criadas em 1498, no reinado de D. Manuel I, e a que ficou ligado o nome da rainha D. Leonor, sua irmã, tinham variadíssimas atribuições, incluindo a do crédito, e muito auxiliavam também com «empréstimos os lavradores necessitados (mas não antes dos celeiros comuns), logo que as esmolas e as doações engrossaram as suas posses e o dinheiro sobejou da beneficência e da caridade, destino primordial de tais estabelecimentos».
Além da fundação de algumas caixas de iniciativa particular, com funções de crédito agrícola, como a Caixa Económica de Aveiro, que data de 1858, organizada por um açoriano, Nicolau de Bettencourt, então governador civil naquele distrito, poucas mais tentativas de crédito às lavoura apareceram.
Depois do crédito predial, baseado no crédito hipotecário, e não no crédito agrícola, conforme o conceito do Prof. D. Luís de Castro, instituição que mais contribuiu para a ruína da lavoura do que para o seu progresso, na opinião de muitos, pelo mau uso que os mutuários fizeram do crédito, ainda houve a tentativa de um projecto de lei de crédito agrícola do Prof. D. Luís de Castro, quando Ministro das Obras Públicas, em 1908, mas que, por ter caído o Ministério, já não o pôde apresentar nas Cortes. E se o crédito predial mais não contribuiu para a derrocada de muita casa agrícola foi porque a desvalorização da moeda depois da guerra de 1914-1918 ainda salvou algumas, que pá-

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garam com moeda desvalorizada o dinheiro forte que haviam recebido.
Foi a um alentejano ilustre, e do Baixo Alentejo, o Dr. Brito Camacho, que coube a honra de decretar o crédito agrícola, em 1910, quando fazia parte do Governo Provisório da República, dando assim forma e realização prática à disposição contida no artigo 49.° da Carta de Lei de 18 de Setembro de 1908, que autorizou a emissão de 5:000 contos, exclusivamente destinados a operações de crédito agrícola, com o fim de auxiliar os pequenos agricultores.
O verdadeiro crédito agrícola, dada a sua natureza essencialmente democrática, por se destinar principalmente a socorrer um grande número de pequenos e médios agricultores, dada a necessidade constante da sua actualização, quer no que respeita aos valores que constituem a garantia dos empréstimos, quer das taxas de juros e do montante das verbas destinadas a este fim, necessita, para prestar um benefício real e constante à lavoura, de uma revisão e ajustamento periódico da legislação que o rege às circunstâncias de ocasião. Assim se justifica a série de diplomas legislativos publicados desde 1911 até 1929, nada menos de treze, todos tendentes a melhorar a instituição e a aperfeiçoar os seus serviços, tornando o crédito agrícola mais amplo, fácil e útil à classe agrícola.
Estranha, por isso, a direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Santarém, numa bem documentada exposição que o ano passado elaborou, que no largo período de quase vinte anos (desde que foi extinta, em 1929, a Caixa Geral de Crédito Agrícola e os seus serviços e atribuições foram entregues à Caixa Nacional de Crédito), não se tenha feito a necessária remodelação da legislação que regula o crédito agrícola, adaptando-a às condições e necessidades da lavoura na época presente. Depois disto, só foi publicado, em todo este largo período, um diploma referente a este assunto, apesar da maior necessidade que a lavoura tem de capitais, resultante da desvalorização da moeda e consequente aumento do valor real das propriedades inscritas nas caixas para constituição do seu crédito social, sem que, paralelamente, tenha sido actualizado esse aumento de valor com o fim de elevar e actualizar o crédito social das caixas, factor primordial e indispensável para que as mesmas possam fazer uso integral do seu crédito real, e não apenas do que oficialmente lhe é permitido, segundo a legislação antiquada em vigor.
No entanto, a necessidade que a lavoura tem de utilizar capitais estranhos tem aumentado de ano para ano, não só porque a desvalorização da moeda exige um maior volume de capital em movimento, mas também porque os prejuízos da lavoura, principalmente nas regiões preponderantemente cerealíferas, têm sido maiores do que os ganhos, na maior parte dos anos, não tendo permitido .nos melhores a constituição de reservas para fazer face aos prejuízos nos anos piores.
Isso mesmo se observa examinando um extenso mapa que elaborei com elementos fornecidos pelas caixas de crédito agrícola mútuo do distrito de Beja, que não posso ler à Câmara porque isso seria incomportável com o tempo de que disponho e com a paciência dos que me dão a honra de me escutar, mas que está à disposição dos Srs. Deputados que o queiram consultar. Apenas lhe farei algumas referências, tomando como base o movimento das caixas em 1939, 1943 e 1948, para dar uma ideia da necessidade crescente do aumento de crédito que a lavoura tem.
Com estes elementos elaborei o seguinte mapa-resumo:

Mapa-resumo das importâncias mutuadas pelas caixas de crédito agrícola mútuo do distrito de Beja em 1939, 1943 e 1948

[Ver Tabela na Imagem]

Capital mutuado pelas dez caixas em dez anos (de 1939 a 1948).. 294:070.482$64
Capital mutuado pelai dez caixas em média por ano ............. 29:407.048$26

Sr. Presidente: assim vemos que (por ordem alfabética) na caixa de Aljustrel, em 19-39, foram mutuados 2:533 contos; em 1943 4:062 contos, e em 1948 4:668 contos. É ainda interessante notar que o montante dos empréstimos feitos com capitais próprios pouco aumentou em 1943 em relação a 1939 e diminuiu em 1948. O aumento constante do capital mutuado foi à custa do fornecido pela Caixa Nacional de Crédito. O seu crédito social em 31 de Dezembro de 1948 era de 8:505.842$17 e o fundo social de 288.906$04.
Em Almodôvar deu-se caso semelhante, mas os empréstimos feitos com capitais próprios diminuíram em 1943 para cerca de um quarto em relação a 1939 e aumentaram de 46 contos em 1939 para 59 contos em 1948.
Os empréstimos com capitais fornecidos pela Caixa Nacional de Crédito aumentaram de 1:338 contos em 1939 para 2:209 em 1943 e baixaram para 1:570 em 1948. A importância total dos empréstimos em 1948 também diminuiu para cerca de metade em relação a 1943. O seu crédito social em 31 de Dezembro de 1948 era de 3:308.663$43 e o fundo social de 89.497$36.
Em Beja também os empréstimos feitos com capitais próprios aumentaram consideràvelmente em 1943 em relação a 1939 e baixaram em 1948. Os empréstimos com capitais da Caixa Nacional de Crédito duplicaram de 1939 para 1943 e mais que triplicaram em 1948. O total dos empréstimos passou de 4:679 contos em 1939 para 16:043 contos em 1948. O seu crédito social em

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31 de Dezembro de 1948 era de 18:915.335$66 e o fundo social de 465.038$20.
Em Cuba também os empréstimos com capitais próprios aumentaram de 20 contos em 1939 para 35 contos em 1943 e baixaram para 29 contos em 1948. Os empréstimos com capital da Caixa Nacional de Crédito passaram de 354 contos em 1939 para 1:152 contos em 1948 e o total dos empréstimos de 375 contos em 1939 para 1:181 em 1948. O seu crédito social em 31 de Dezembro de 1948 era de 3:122.401 $95 e o fundo social de 18.260$30. (Esta Caixa teve há anos um desastre na sua administração e por isso o seu fundo social está tão reduzido).
Em Ferreira do Alentejo deu-se caso idêntico, passando o total dos empréstimos em 1939 de 191 contos para 1:560 em 1948. O seu crédito social em 31 de Dezembro de 1948 era de l:635.012$55 e o fundo social de 226.548$.
Em Moura aumentou sucessivamente o valor dos empréstimos, feitos tanto com capital próprio como com o fornecido pela Caixa Nacional de Crédito, de 2:050 contos em 1939 para 4:957 contos em 1948. O seu crédito social em 31 de Dezembro de 1948 era de 5:080.065$26 e o fundo social de 329.532$53.
A Caixa de Ourique aumentou um pouco de ano para ano a importância dos empréstimos feitos com capitais próprios e diminuíram de 182 contos em 1939 os empréstimos feitos com capital da Caixa Nacional de Crédito para 165 em 1948. O total dos empréstimos também diminuiu de 226 contos em 1939 para 224 contos em 1948. O crédito social em 31 de Dezembro de 1948 era de 929.825$02 e o seu fundo social de 68.618$77.
Em S. Teotónio aumentaram os empréstimos, tanto feitos com capitais próprios como os realizados com capitais da Caixa Nacional de Crédito, de 1939 para 1948, que no total passaram de 122 contos para 503 contos em 1948. O seu crédito social era em 31 de Dezembro de 1948 de 1:479.699$39 e actualmente de 1:512.655$19, sendo o fundo social de 32.955$80.
A Caixa de Serpa é a que tem maior volume de capital próprio mutuado, tendo os empréstimos feitos com este capital aumentado sucessivamente de 2:106 contos em 1939 para 3:992 contos em 1948. A importância dos empréstimos feitos com capitais da Caixa Nacional de Crédito quase que quintuplicou, pois passou de 1:990 contos em 1939 para 8:799 contos em 194S. O total do capital mutuado por esta Caixa foi de 4:096 contos em 1939 e de 12:791 contos em 1948. O seu crédito social era em 31 de Dezembro de 1948 de 16:887.277$19 e o fundo social de 1:648.904$01.
Finalmente, a Caixa da Vidigueira aumentou consideràvelmente o capital próprio mutuado de 28 contos em 1939 para 239 contos em 1948. Aumentou, portanto, cerca de 8,5 vezes em dez anos. Os empréstimos feitos com capital da Caixa Nacional de Crédito pouco mais que duplicaram, pois de 1:785 contos em 1939 passaram para 3:766 contos em 1948. O movimento total de empréstimos nesta Caixa foi de 1:813 contos em 1939, 2:394 contos em 1943 e 4:005 contos em 1948. O seu crédito social era em 31 de Dezembro de 1948 de 6:269.659$88 e o fundo social de 290.772$37.
Deste modo verificamos que o crédito social das dez caixas do distrito de Beja, em 31 de Dezembro de 1948, era de 66:143.782$30.
Como o crédito social de todas as caixas do País era, na mesma data, de 650:914.203$54, constata-se que só o crédito das dez caixas do distrito representa cerca da décima parte do crédito social do País cadastrado nas caixas.
O fundo social das caixas do País é de 30:1S3.016$44 e o das dez caixas do distrito de 3:459.033$38, o que representa também cerca da décima parte do fundo social de todas as caixas.
Da análise dos números atrás indicados podemos tirar várias conclusões. Entre elas vemos que poucas caixas aumentaram consideràvelmente os empréstimos feitos à lavoura com capitais próprios e em algumas diminuíram. Assim, podemos concluir que só as caixas de grande movimento (talvez excepção feita da de Vidigueira podem realizar receitas que lhe permitam constituir boas reservas, como a de Moura, que triplicou em dez anos o capital próprio posto à disposição da lavoura, Beja, que pouco mais que duplicou nos dez anos o capital próprio aplicado a este fim, e Serpa, que pouco mais de 50 por cento aumentou este capital mutuado nos dez anos. Isto permite-nos também tirar a conclusão de que as caixas não têm uma vida económica desafogada dentro do regime de taxas em que estão trabalhando, o que confirma o que nos disse por carta sobre este assunto a direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Almodôvar. concebido nestes termos: c A situação financeira desta Caixa e das suas congéneres, que têm um número grande de empréstimos (entre 400 e 500), mas de pouca monta, é péssima, porque obriga a um trabalho grande e a um reduzido lucro, verificando-se no fim do ano que para satisfazer as suas despesas teve de recorrer ao fundo social». Para obstar a este inconveniente, que é grave, lembramos duas modalidades:
1.° Que a Caixa Nacional de Crédito aumentasse a percentagem de juros a favor das caixas agrícolas;
2.° Modificar o sistema de empréstimos, que é moroso e trabalhoso, evitando-se assim despesas com o pessoal, de forma a servir os sócios rapidamente.
Pêlos mapas que organizámos verifica-se ainda que o capital mutuado pelas dez caixas do distrito aumentou de 9:214 contos, números redondos, em 1939, para 47:567 contos em 1948, ou seja, aumentou mais de cinco vezes, o que mostra não só a utilidade das caixas como fonte e facilidade de créditos para a lavoura, mas também a necessidade crescente que a lavoura tem de capitais para o seu exercício, mesmo tendo em conta o aumento de volume da circulação da moeda, devido u sua desvalorização.
Verifica-se ainda pêlos mesmos mapas que o capital mutuado pelas dez caixas nos dez anos decorridos de 1939 a 1948 atingiu a importante soma de 294:070 contos, ou seja 29:400 contos, em média, por ano, o que representa o valor de quase 10:000 toneladas de trigo, ao preço de 3$ cada quilograma, só no distrito de Beja.
Fica assim justificada a razão que as caixas têm de pedir a revisão da legislação que as rege, com o fim de actualizar os valores das propriedades que constituem o seu crédito social, actualizar as taxas de juros de forma a poderem beneficiar os mutuários e os interesses das caixas; aumentar as verbas destinadas ao crédito agrícola, dada a falta de reservas da lavoura para poder enfrentar as enormes despesas da cultura cerealífera, para mais na perspectiva de outro ano de péssimas colheitas, a seguir a quatro ou cinco de grandes prejuízos para a cultura arvense.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sobre a necessidade premente; de remodelar a legislação e normas que regem as caixas, escreveu a Caixa de Crédito Agrícola de Santarém na exposição do ano passado já citada:
Problemas importantíssimos constantemente reclamados pelas caixas não encontram o eco necessário para que se ponderem, se estudem e se resolvam.

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Votadas a um autêntico ostracismo, as caixas debatem-se presentemente numa situação que as inferioriza perante tudo e todos.
Continuam a ter, mais do que nunca, financiamentos demorados, exigíveis de uma enormidade de informações, de duplicidade de elementos da sua actividade, inconvenientes estes que, bem estudados e apreciados por quem soubesse sentir as necessidades da lavoura e dos seus objectivos, levariam os dirigentes do estabelecimento tutelar à adopção do regime de contas correntes.
Se o Estado, durante trinta e sete anos em que vigora o crédito agrícola mútuo, ainda não teve um p ré juízo de um centavo, que obstará a que essa providência se legisle, simplificando os seus serviços e tornando-os mais económicos?
Continuam as caixas a exigir dos seus sócios taxas de juros superiores aos outros organismos congéneres, porque a instância tutelar, com as suas medidas e suas exigências, as coloca em igualdade com os seus clientes, e não como organismos colectivos distribuidores de crédito, que a própria lei lhe mandou auxiliar e desenvolver, sendo nestas circunstâncias mais favorecidos os que se utilizam do crédito individual do que aqueles que estão filiados nas caixas e ali assumiram a sua responsabilidade ilimitada.
Continuam as caixas amarradas à constituição do seu «rédito social, como se tal princípio fosse indispensável para se conceder crédito.
Não se estuda uma forma prática de limitar essa capacidade sem os inconvenientes que aquele antigo processo de há muito apresenta e que força muitas caixas a não iniciarem as suas operações.
Continuam as caixas sujeitas à antagónica medida que limita o quantitativo dos empréstimos hipotecários, quando a desvantagem de tal processo, mesmo para garantias seguras, de há muito foi ex-posta e continua aguardando que cesse o silêncio que se tem feito à volta desta reclamação.
Continuam as caixas a limitar os seus valores prediais numa base que o próprio Estado alterou e não se providenciou ainda por que as caixas possam praticar o que identicamente fazem outros organismos de crédito, nos quais se inclui a própria Caixa Nacional de Crédito.
Como final do que fica exposto cabem aqui muito bem as palavras proferidas pelo ilustre Deputado Dr. Antunes Guimarães na sessão de 15 de Janeiro deste ano (1948): «As leis não devem nem podem cristalizar».
Quanto à constituição do crédito social e das anomalias que se verificam, vou referir-me ao que me disseram por cartas as direcções das Caixas de Vidigueira e de Cuba, e que traduz também o sentir das direcções das restantes caixas, segundo o que nos foi transmitido. Diz a direcção da caixa de Vidigueira:
A anomalia apontada consiste no seguinte: pelo artigo 353.° do regulamento aprovado pelo Decreto n.° 5:219, de 6 de Janeiro de 1919, os sócios das caixas podem levantar por hipoteca, individualmente, 50 por cento do valor das propriedades dadas ao cadastro. Mas, pelo artigo 365.° do mesmo regulamento, as caixas não podem mutuar, colectivamente, sob aquela garantia, mais de 25 por cento do crédito social.
Comentando as mesmas disposições de lei, escreveu a direcção da Caixa de Crédito Agrícola do Bombarral no seu relatório da gerência de 1047, assunto a que também se referiu a direcção da Caixa de Cuba:
Em 11 de Dezembro de 1926, pelo Decreto n.° 12:821, foi determinado que o valor dos prédios, rústicos ou urbanos, oferecidos para crédito social das caixas não excedesse vinte vezes o respectivo rendimento colectável. Segundo o artigo 353.° do Decreto n.° 5:219, nenhum associado poderá levantar, sob garantia hipotecária, na caixa em que estiver inscrito, quantia superior a 50 por cento do valor das suas propriedades.
Desgraçadamente, vinte e um anos volvidos sobre a (promulgação do primeiro diploma apontado, mantêm-se em pleno vigor o artigo e decreto mencionados, pelo que hoje estas colectividades, tomando como base a mesma garantia, apenas (podem mutuar o valor que lhes era consentido emprestar naqueles já recuados tempos!
Dispensa comentários esta anomalia, que entrava, de forma decisiva, a vida de tão prestantes agremiações e explica a razão por que, bastas vezes, temos de negar empréstimos àqueles que, com garantia real, pretendendo usar os seus direitos de sócios, nos procuram na esperança de conseguirem os fundos indispensáveis às suas necessidades agrícolas!
O Estado, que ao tempo, para fins fiscais, se norteava pêlos princípios impostos no nosso regulamento, foi reconhecendo a necessidade de actualizar a letra da lei. Assim, em 1947 o multiplicador de correcção oscilava entre 24 e 28 e para 1948, segundo a Lei n.° 2:026, de 29 de Dezembro de 1947, o respectivo factor é fixado em 24 para os prédios urbanos e em 30 para os rústicos inscritos até 1 de Janeiro de 1938.
Desejo ainda citar aqui um exemplo que foi publicado pela direcção da Caixa de Crédito Agrícola de Santarém no seu relatório de 1947 e nos foi também indicado pela direcção da Caixa de Vidigueira:
Determinado sócio tinha sete prédios cadastrados, no valor de 287.360$. Contraiu um empréstimo de 143.650$, atingindo por isso o limite do seu crédito. E, como necessitasse de mais capital para o seu giro, recorreu à Caixa Geral de Depósitos, e, com um prédio que na Caixa tinha o valor de 257.700$, conseguiu uni empréstimo de 600.000$, por a este ter sido atribuído o valor de 1:800.000$.
E comenta a direcção da Caixa de Cuba:
Pelo exposto se verifica que, tendo as caixas agrícolas sido instituídas muito especialmente para proteger os pequenos produtores, a estes, dentro em pouco, não pode ser prestado qualquer auxílio por carência de crédito ou por falta de rendimentos para pagamento aos seus empregados. É o que receamos na nossa caixa, onde predominam os pequenos produtores e cerca de meia duzia de médios e dois ou três grandes produtores.
Outro facto que nestes últimos anos veio limitar ou absorver o crédito social das caixas foi o de os empréstimos da Caixa Nacional de Crédito, chamados da «Campanha», feitos através das caixas de crédito agrícola ou por proposta destas, serem também caucionados pelo fundo social.
Ora acontece que estes empréstimos também podem ser feitos por proposta dos grémios da lavoura e para isso basta a informação da direcção do grémio de o mutuário ser agricultor ou possuir seara. Se esta informação da direcção do grémio basta para identificar o mu-

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tuário, porque razão não se fazem estes empréstimos através das caixas apenas com a informação da idoneidade do mutuário dada pelas direcções das caixas, que são constituídas por proprietários e agricultores como as direcções dos grémios?
Se isto, que é justo, fosse concedido, já as caixas ficavam com uma grande parte do seu crédito social libertado e lhes era grandemente aumentada a capacidade de contraírem novos empréstimos com fundos da Caixa Nacional de Crédito, com garantia do próprio crédito social.
Isto é absolutamente justo porque estes empréstimos também são caucionados com o penhor da seara e mais haveres do mutuante e portanto ficam ainda devidamente garantidos os interesses da Caixa Nacional de Crédito.
E para mostrar a importância que esta pretensão tem para algumas caixas, basta verificar no pequeno mapa, que envio para o Diário das Sessões, a importância do crédito social que, por este meio, ficaria libertado nas quatro caixas que me indicaram claramente a importância dos empréstimos feitos em regime da «Campanha» nos últimos três anos. Assim vemos que só em 1948 isso representaria uma libertação de crédito social, em números redondos, na importância de: para a Caixa de Beja, 13:111 contos; para a de Cuba, 452 contos; para a de Ferreira, 712 contos; para a de Serpa, 6:320 contos, e para a de Vidigueira, 1:100 contos.

Empréstimos sobre penhor (em regime da «Campanha») feitos pelas caixas e nos anos abaixo indicados

[Ver Tabela na Imagem]

Sr. Presidente: uma circunstância que contribui muito para dificultar a inscrição de algumas propriedades nas caixas ou que concorre para a diminuição do valor do crédito social é a dificuldade levantada por alguns conservadores do registo predial em cancelar certos encargos que não existem de direito, mas que pesam de facto sobre a propriedade nos registos das conservatórias, como foros que foram remidos ou por qualquer circunstância caducaram e não foram cancelados por falta de lembrança, pressuposta economia ou descuido dos interessados, ou, presentemente, por falta de documentos, que, muitas vezes, por serem antigos ou se terem extraviado ou já terem prescrito, não é possível conseguir, pelo menos na forma exigida para o cancelamento.
Conheço alguns casos, por exemplo, de foros que foram remidos, arrematados em hasta pública, por pertencerem à Fazenda Nacional há trinta, quarenta ou mais anos e que foram hipotecados à Fazenda Nacional para garantia do pagamento das prestações da importância da arrematação do foro e que não é possível cancelar porque não há documentos nem se consegue obtê-los ou os que há são julgados insuficientes, a maior parte das vezes por excesso de zelo ou capricho dos conservadores.
É absolutamente indispensável estudar a forma prática e legal de cancelar e libertar a propriedade destes ónus, que, em muitos casos, não existem, mas pesam sobre a propriedade e a desvalorizam, por constarem dos registos, por vezes caóticos e antiquados, das conservatórias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra reclamação e aspiração de todas as caixas, e que achamos absolutamente justa, é a criação do quadro dos funcionários das caixas de crédito agrícola, com as regalias de reforma que hoje são dadas aos funcionários de tantos outros organismos oficiais ou oficializados, e como estes fiscalizados pelo Estado, e que não são por princípio nenhum mais dignos dessas regalias do que estes prestimosos e dedicados servidores do interesse público. E, a propósito, citarei também o que nos disse por carta a Caixa de Crédito Agrícola de Cuba:

Por elementar princípio de justiça e humanidade, deviam os funcionários do crédito agrícola mútuo ser agrupados por categorias no quadro respectivo, garantindo-se-lhes assim, como a tantos outros, a reforma na velhice ou invalidez. São hoje mais de trezentos chefes de família que contribuem para o Estado através do imposto profissional, Fundo do Desemprego, sindicatos, caixas de previdência, com dezenas de milhares de escudos e sem a mínima garantia por parte de quem de direito.

Aí deixamos, pois, expressa esta justa aspiração, para que ela seja considerada, como é humano, por quem for encarregado de estudar e resolver estes assuntos dentro de um são princípio de justiça e pela forma mais prática e viável.
E para terminar, Sr. Presidente, mais uma aspiração das caixas que me foi agora sugerida também pela de Cuba, mas que, de há muito, está arreigada no meu espírito e que é a necessidade (premente e inadiável de um corpo de inspectores das caixas, ficando cada grupo de caixas, por distritos ou pela forma que for julgada mais conveniente, segundo as regiões do Pais, a cargo de um inspector, que visitaria frequentes vezes as caixas a seu cargo, com funções de fiscalização rigorosa e orientação, devendo assistir, sempre que possível, às reuniões das direcções.
Os inspectores serviriam também de agentes de ligação entre as caixas e a entidade directiva superior e concessionária das verbas necessárias para os empréstimos, de forma a resolver as dificuldades que surgissem no mais curto prazo de tempo e conseguirem-se as autorizações sem as demoras que, por exemplo, agora se estão verificando.
E a propósito direi que está a causar apreensões à lavoura a demora na concessão dos empréstimos pedidos pelas caixas, ou mesmo o retraimento que se está verificando na sua aprovação por parte da Caixa Nacional de Crédito, o que, a confirmar-se e manter-se, seria mais uma calamidade a juntar a tantas outras, que viria atormentar o futuro da agricultura e impedi-la de continuar a cumprir a sua nobre missão de produzir.
Em face das dificuldades, bem vísiveis umas, latentes outras, e da perspectiva de mais um ano mau, pelo menos para a produção cerealífera, se se faltar com os créditos e os capitais indispensáveis à agricultura, será a ruína irremediável é catastrófica da economia nacional.
E, voltando aos serviços de inspecção, direi que, com um corpo de inspectores assim organizado, seriam impossíveis as irregularidades que já se têm dado nalgumas caixas (raras, felizmente); estes serviços funcionariam melhor sem tantos entraves nem demoras e diminuiria consideràvelmente a responsabilidade das direcções e dos sócios, circunstância muito para considerar, porque haveria logo menos relutância em cadastrar a propriedade nas caixas e mais facilidade em organizar boas direcções.
Termino, pois, fazendo votos por que o Governo mande fazer uma revisão e codificação cuidada e actua-

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lizada da legislação que rege ou deve reger as caixas de crédito agrícola mútuo, tendo em consideração as reclamações e aspirações das caixas e da lavoura que aqui ficam enunciadas.
Antes de concluir desejo ainda associar-me às criteriosas palavras com que terminou o seu discurso de ontem sobre este mesmo assunto o ilustre Deputado e meu Ex.mo Colega Dr. Rui de Andrade, porque elas são uma síntese perfeita de tudo quanto se disse e se possa dizer sobre o aflitivo estado financeiro da nossa lavoura, que é uma das parcelas mais importantes da economia nacional, e como tal não pode deixar de ser (enquanto é tempo) amparada e acarinhada, mesmo à custa de sacrifícios, para se pouparem outros maiores à Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Figueiroa Rego: - Sr. Presidente: subo de novo à tribuna, para encerrar, a debate, reparar algumas omissões, fazer umas indispensáveis rectificações e agradecer tanto aos meus ilustres colegas que intervieram no debate, pelas palavras amáveis que me dirigiram e pela colaboração que me prestaram, como à imprensa, pêlos relatos que fez do meu aviso prévio. E, sem que as minhas palavras signifiquem desprimor, desejo desfazer uma confusão havida em algumas notícias.
Em quase todos os jornais houve erros nos números referentes às importâncias mutuadas pelo crédito agrícola mútuo, quando na verdade essa cifra representa o crédito social das caixas.
Dei ontem a definição do que era o crédito social; todavia, vou repeti-la, para que o assunto fique bem esclarecido. Estou convencido de que não fui claro, pela concisão e brevidade com que quis tratar o assunto.
O crédito ou capital social representa o valor matricial, obtido multiplicando pelo factor 20 o rendimento colectável dos prédios com que os lavradores entram, por inscrição especial ou cadastração, para se formar o capital de garantia das caixas.
Vou pôr um exemplo, para ver se sou mais claro.
Suponhamos que um proprietário sócio de uma caixa cadastrou uma propriedade, cujo valor matricial era de õ contos. Estes, multiplicados por 20, dão 100 contos.

O Sr. Mira Galvão: - V. Ex.ª dá-me licença?
Não é o valor matricial que V. Ex.ª deve querer dizer, mas sim rendimento colectável, o qual, multiplicado por 20, é que dá o valor matricial.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão.

A propriedade tem um rendimento colectável de õ contos, que, multiplicado por 20, dá o valor matricial com que é cadastrada na caixa. Esse valor, reduzido de 50 por cento, entra no montante do crédito social. Assim, a caixa não pode mutuar com garantia hipotecária mais de um quarto desse valor e os sócios podem contrair empréstimos até 50 por cento do valor matricial das suas propriedades cadastradas.
Parece-me que assim a questão fica esclarecida.
Os números que dei, referindo-me agora apenas a 1948 - e vou repetir, pedindo a VV. Ex.ªs desculpa de os fatigar -, são os seguintes:
Crédito social das caixas 650:914 contos; crédito agrícola mútuo 286:345 contos, sendo 113:601 contos de capitais próprios e 172:744 contos de suprimentos da Caixa Nacional de Crédito. Esta, por empréstimos individuais da mesma índole, mutuou 107:010 contos (saldo em 3 L de Dezembro de 1948).
Parece-me que as confusões estão desfeitas.
O outro ponto, e esse de carácter mais grave, é o que vou passar a referir.
Começarei, porém, por fazer a declaração peremptória de que agi de boa fé e de que uma má interpretação minha, devida à precipitação com que li os muitos mapas que me foram fornecidos, deu lugar a ter tomado como valor dos capitais mutuados, com garantia hipotecária de prédios rústicos na Caixa Geral de Depósitos, 1.300:000 contos, números redondos, quando, de facto, esta cifra representa o capital aplicado em 1948 com garantia urbana c rústica, não indo o capital mutuado com esta além do 400:000 contos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?

Quer dizer, 1.300:000 contos é o saldo do crédito hipotecário feito pela Caixa, com base tanto em hipotecas sobre prédios urbanos como em hipotecas sobre prédios rústicos. O valor que constitui a garantia desse saldo, que ó crédito hipotecário, ó de 900:000 contos nos prédios rústicos e do 2 milhões nos prédios urbanos, números redondos, donde o crédito hipotecário sobre prédios rústicos não poder ser superior, dadas as normas usuais da sua atribuição, a 400:000 contos.

O Orador: - Muito bem. Agradeço o obsequioso esclarecimento dado pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Repito: temos o saldo de 1.300:000 contos, não sobre prédios rústicos, mas sobre estes e sobre os prédios urbanos. Os empréstimos sobre os prédios rústicos devem andar à volta de 400:000 contos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não quer dizer que se tenha, efectivamente, levantado essa importância sobre prédios rústicos; ela é o limito do crédito hipotecário rústico que, na hipótese, poderia atingir-se.

O Orador: - Todavia um esclarecimento é necessário acrescentar ainda: é que há propriedades urbanas hipotecadas para acudir a necessidades da lavoura.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A esse esclarecimento ó importante fazer um outro: é que também há propriedade rústica hipotecada, não para fins de valorização da terra, mas para outros muito diferentes.

O Orador: - Estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª e ontem citei aqui, a propósito, casos idênticos passados na Companhia Geral de Crédito Predial.
Acho que não se deveria desviar o crédito concedido à propriedade rústica para fins que não fossem exclusivamente agrícolas.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não se devia recorrer a esses créditos para fins diferentes da defesa agrícola; mas o que é facto ó que se recorre, para depois se utilizar o montante obtido em coisas muito diferentes. Há por aí muitos «espadas» que têm essa fonte...

O Orador: - Perfeitamente de acordo com V. Ex.ª; mas o automóvel é hoje um instrumento de trabalho em todos os sectores, e inclusivamente na lavoura. E cito o caso de um proprietário que, tendo duas ou três quintas muito distantes umas das outras, não podia fiscalizar com a assiduidade necessária os trabalhos nelas realizados, inconveniente que foi removido depois de esse proprietário ter adquirido um automóvel para o transportar a essas várias propriedades, distanciadas muitos quilómetros umas das outras.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas um «espada» não é um instrumento de trabalho.

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O Orador: - Exactamente. Não é um instrumento de trabalho o «espada», mas é-o sempre um modesto automóvel ligeiro.
Para os mestres de obras ou merceeiros é que os «espadas» não são instrumentos de trabalho.
Para terminar esto incidente, um esclarecimento final:
Se porventura os números que citei ficam muito aquém dos exactos, voltarei a rectificá-los, pois, por um lamentável esquecimento, não trouxe hoje os elementos que me foram fornecidos pela Caixa Geral de Depósitos. Para isso pedirei a palavra numa das próximas sessões no período de antes da ordem do dia.
São estas as rectificações que julgo necessárias e urgentes para que o assunto fique nos seus devidos termos.
Vejamos agora as omissões.
Não me referi ontem às taxas do juro pago aos capitais depositados nas caixas de crédito agrícola.
A remuneração desses capitais está condicionada às taxas pagas pela Caixa Económica Portuguesa pêlos depósitos nela efectuados.
Parece-me de justiça que os juros pagos aos capitais depositados nas caixas de crédito agrícola representem uma remuneração superior, para atrair o dinheiro disponível dos sócios e de estranhos, porque o p fundos especial, auxiliar e de reforço do crédito agrícola não chegam para as necessidades gerais. E elas mobilizam, como ontem aqui disse, de capitais próprios, fundo social e de depósitos de estranhos o melhor de 113:601 contos.
Assim, os capitais particulares tomarão o lugar daqueles que são supridos oficialmente.
Quanto a mim, a remuneração desses depósitos deve exceder de 1/2 a 1 por cento as taxas fixadas para a Caixa Económica Portuguesa, para que as caixas de crédito agrícola mútuo possam emprestar a 2 1/2 ou 3 por cento, que ó a taxa que actualmente cobram.
Enfim, este assunto parece-me que mereceu o tempo que lhe dispensou a Assembleia. Estou convencido de que o Governo o tomará na melhor atenção, nomeando uma comissão constituída por elementos competentes para estudar as aspirações da lavoura através das caixas de crédito agrícola mútuo e que ontem aqui expus, em síntese, em nove alíneas.
O ideal seria constituir-se um organismo de grande projecção e de largas atribuições, em que estivessem devidamente representados todos os sectores interessados e incorporados todos os organismos que financiam directamente a lavoura, denominado, por exemplo, Instituto Social Agrário.
Esta entidade, que seria a base do crédito e financiamento da lavoura, poderia colaborar estreitamente, num alto espírito de compreensão, com a Junta de Fomento Rural, cuja criação aqui tenho defendido. Estes dois grandes organismos incluídos no Ministério da Agricultura, por cujo restabelecimento aqui temos também pugnado, seriam os fortes propulsores do nosso progresso agrícola.
É uma aspiração para que os ventos não sopram fagueiros, eu sei.

O Sr. Rui de Andrade: - V. Ex.ª dá-me licença?
Desejava agradecer a rectificação que fez, porque foi sobre números que V. Ex.ª me emprestou ontem que eu assentei as considerações que fiz.

O Orador: - Por cálculo feito agora os capitais mutuados, directa ou indirectamente, à agricultura, salvo novo erro e por aproximação, são: crédito agrícola mútuo 286:346 contos; crédito agrícola individual 107:010 contos; organismos corporativos 663:770 contos; melhoramento agrícola (cálculo) 60:000 contos; crédito hipotecário rústico 400:000 contos (cálculo); total, 1.517:131 contos.
Mas todos estes números estão sujeitos a rectificação, que anunciei.
Esclareço, finalmente, que, se a verba de financiamento aos organismos corporativos e análogos de feição agrícola não são feitos directamente à lavoura, são-no indirectamente, em grande parte, como, por exemplo, os efectuados pela Junta Nacional do Vinho, pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo, pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários, etc.
Termino, confiado em que o Governo, com a sua alta e provada dedicação pelo bem da lavoura, tomará em conta este debate, que por certo não terá sido supérfluo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para usar da palavra sobre esta parte da ordem do dia.
Considero, portanto, encerrado o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Vigueiroa Rego.
Interrompo a sessão por alguns momentos.
Eram 17 horas.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 17 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o parecer sobre a proposta de n.° lei 285, acerca da luta contra as doenças contagiosas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bustorff da Silva.

O Sr. Bustorff da Silva - Sr. Presidente: tendo recebido da Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social desta Assembleia o honroso encargo de relatar a proposta de lei n.° 285, sobre luta contra as doenças contagiosas, quero que as minhas primeiras palavras sejam de elogio, o mais rasgado, aos altos espíritos que conceberam tal diploma e, em boa hora, o fizeram submeter à nossa apreciação.
E que, Sr. Presidente, não sei se será fácil apontar outra proposta de lei que exceda em projecção social aquela de que vamos tratar.
Sr. Presidente: ninguém ignora que a nossa taxa de mortalidade, que no decénio de 1891-1900 era de 21,3, e portanto inferior à de Espanha, Itália e França, respectivamente de 29,5, 24,9 e 22, se manteve até 1910 sem alteração sensível.
Mas no decénio de 1911-1920 piorou sensivelmente, atirando-nos para a triste situação de país com a mais alta taxa de mortalidade na Europa, visto que passámos para 23,7, ao passo que a França e a Itália baixavam para 22,6 e 21,8, respectivamente.
Nesse decénio, enquanto que em Portugal se verificava aquela elevada taxa de mortalidade (23,7), na Grã-Bretanha, Bélgica e Suíça a taxa era de 14,2, l5,5 e 14,7.
De 1921 a 1930 a taxa referida passou no nosso país para 19,4, baixando também sensivelmente na Suíça e na Grã-Bretanha.
E, finalmente, em 1947 a nossa taxa de mortalidade foi de 13,29, aproximando-nos das de Franca, Inglaterra e Bélgica, respectivamente de 13, 12,4 e 13,1.
Estes números, que respigo do folheto Princípios e Realizações da Assistência Social de Janeiro do corrente ano, publicado pelo Subsecretariado de Estado da Assistência Social, pareceria induzirem-nos a uma atitude de expectação ou conformismo, que esperasse que do céu nos viesse o acentuar dos progressos apurados com o decorrer dos tempos.
Mas não.

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Se pretendermos salvar e melhorar esta raça, não podemos desprezar seja que recurso for susceptível de evitar a propagação de doenças de fácil contágio, que arrastam após si um interminável cortejo de inutilizações para o trabalho útil, degenerescências, encargos financeiros avultados...
Números colhidos de estatísticas americanas patenteiam que cerca de 8 por cento dos indivíduos considerados aptos para o serviço militar foram isentos por sífilis ou blenorragias.
Considere-se, Srs. Deputados, que 10 por cento dos casos de loucura, 15 por cento dos de cegueira e 18 por cento das mortes por afecções cardíacas são pêlos técnicos competentes atribuídos à sífilis.
Ora os óbitos por afecções cardiocirculatórias ascenderam entre nós, em 1947, a 24:000 - vinte e quatro mil!
18 por cento desse número, ou seja 4:320 óbitos, derivaram, podem entroncar-se num contágio que fez contrair a sífilis aos respectivos sujeitos.
Que é preciso mais para completa justificação da oportunidade e urgência na aprovação deste diploma?
E porque a Câmara Corporativa acerca dele emitiu um extenso e interessante parecer, no qual procura justificar propostas de emenda que alteram radicalmente algumas das directrizes ou critérios da proposta do Governo, entendo que o meu dever me obriga a definir em rápidas palavras quais os pontos essenciais em divergência e qual a opinião que a tal respeito foi definida por alguns dos membros da comissão de que faço parte.
Assim, enquanto que na proposta do Governo a obrigação da participação das doenças contagiosas incumbe essencialmente aos médicos, na proposta da Câmara Corporativa esse encargo passa a ser cometido ao doente; enquanto que na proposta do Governo se encara, lógica e pertinentemente, a prostituição regulamentada no aspecto ligado à luta contra as doenças infecciosas, eliminando os aspectos mais degradantes e perigosos dessa prostituição, no parecer da Câmara Corporativa prefere-se o critério rígido de uma eliminação imediata e abrupta da matrícula de toleradas e de toda a regulamentação administrativa a elas concernentes, generalizando o problema em vez de o eliminar; e, por último, enquanto que na proposta do Governo se distribui a responsabilidade pêlos encargos da assistência aos doentes contagiosos, estendendo-se às instituições de previdência social por forma pode dizer-se ilimitada, no parecer da Câmara Corporativa não só se excluem de semelhantes responsabilidades as Casas do Povo, como se ressalva a situação dos contribuintes para as caixas de previdência, impedindo o agravamento dos seus já bem pesados encargos actuais.
Estes são essencialmente, Srs. Deputados, os três principais pontos de divergência entre a proposta do Governo e o parecer da Câmara Corporativa.
Qual dos critérios deverá prevalecer?
Principiemos pelo primeiro problema.
Quem deve ficar obrigado a fazer a participação da doença infecciosa? O médico que a verifica ou o doente dela atacado ou, no seu impedimento, a família desse doente?
Invoca-se no parecer da Câmara Corporativa larga cópia de razões: «... a declaração obrigatória envolve para os médicos debate sobre o segredo profissional»; «... podem os médicos revelar um facto que conheceram no exercício da sua profissão?»; «... a defesa da colectividade contra o perigo do contágio há-de sobrepor-se ao interesse pessoal?»; «... não fica nada dos direitos da pessoa humana?»; «... é lícito obrigar o médico assistente a funções policiais, indiscutivelmente fora da sua tarefa?»; «... o homem é responsável por todos os aspectos da sua vida física, moral e social; responde pêlos prejuízos do mesmo tipo que eles possam causar u comunidade. Não se compreende que se desligue da responsabilidade quando está afectado de uma doença contagiosa desde que é ela que constitui a fonte do dano!».
Ora, estas interrogações que destacamos do parecer da Câmara Corporativa têm resposta convincente nas opiniões das autoridades mais consagradas, nas legislações de todos os países e, nomeadamente, nas nossas tradições legislativas acerca do assunto.
Principiaremos por alinhar algumas considerações de ordem geral.
As doenças contagiosas, com excepção das doenças venéreas, não são doenças secretas, cuja revelação possa acarretar {prejuízos à honra do doente ou de sua família. E porque as mesmas constituem um flagelo público, cuja propagação se deve evitar, compreende-se a atitude do legislador ao prescrever a obrigatoriedade da sua declaração.
Na verdade, as disposições sanitárias, destinadas a circunscrever os surtos epidémicos, serão tanto mais eficazes quanto mais cedo forem tomadas.
A declaração é feita no interesse geral, que neste caso prima sobre o interesse particular. Também em casos de acidente de trabalho o médico não guarda o segredo, visto que no certificado que é obrigado a passar devem constar não só as circunstâncias do acidente e as lesões verificadas, mas ainda o diagnóstico provável.
Quanto à extensão do segredo profissional, a doutrina e a jurisprudência não estão de acordo. Para uns, o segredo profissional tem um carácter absoluto. Para os que seguem esta doutrina o doente não pode desligar o médico da obrigação de guardar segredo, nem tão-pouco este pode revelá-lo à família daquele.
O professor agregado da Faculdade de Medicina de Paris Dr. Joseph Okinezye, no seu livro Humanismo e Medicina, manifesta-se a favor do segredo absoluto e diz (pp. 61 e 62):
O facto de o doente desligar o seu médico da obrigação do segredo não dispensa o médico de se calar.
Na verdade, o doente não é sempre juiz da extensão do segredo, nem, por consequência, do alcance da sua violação; bem pessoal, sem dúvida, mas também bem familiar e público, o segredo não pertence unicamente ao doente, porque não pode só por si dispor dele.
Há igualmente no segredo uma verdade relativa, conhecida do doente, e uma verdade absoluta, conhecida, nas mais das vezes, apenas do médico.
O doente não pode, pois, dispensar de um segredo de que apenas tem um conhecimento parcial.
Para outros, porém, o segredo do médico é relativo, pois em certas circunstâncias o médico não só é desligado do segredo profissional, mas é mesmo obrigado a revelá-lo.
O bem de todos - defesa contra as doenças contagiosas - sobreleva o bem de um só ou de alguns porventura afectados daquelas doenças.
G. Maranón, maravilhosa representação do génio espanhol, em cujos livros não sei se a beleza dos requintes literários supera ou não uma competência científica de reputação mundial, escreve a pp. 113 e seguintes da Vocación y Ética:
Ninguém pode impugnar o dever dos médicos de guardarem rigorosamente o segredo das doenças materiais dos seus doentes.

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Mas o certo é que na prática este dever se entende cada dia com novas restrições.
Em primeiro lugar é indubitável (e penso que terá sido comentado pelos moralistas) que há uma evolução muito profunda no conceito pejorativo da doença.
Nos tempos bíblicos e no começo da sociedade actual até à Idade Média, isto é, na época em que lançou raízes a moral que em grande parte ainda nos governa, muitas doenças eram estritamente pecado. O pobre louco estava possuído pelo espírito infernal e tratava-se com exorcismos e com castigos, que antecipavam neste mundo as torturas do Inferno.
Um leproso tinha a alma tão doente como o corpo e era preciso o dedo de Cristo e não a ciência para o curar. O famoso hijo soy de un malato y de una malatia, do nosso romanceiro, não é certamente um diagnóstico, mas uma tremenda maldição. E ainda hoje há pessoas, mesmo na alta sociedade, que ocultam doenças correntes, como a tuberculose, com o mesmo pudor entristecido de que se tratasse de verdadeira pecado.
Mas rapidamente, há meio século, a doença perde o seu carácter mítico de castigo de Deus e converte-se num acidente definido, cujas causas se conhecem e, muitas vezes, se podem evitar e curar; é pois um simples episódio de história natural. E o doente não procura já o incógnito com as mesmas energias dos tempos passados. Mesmo nas doenças venéreas é surpreendente o número de homens que delas falam sem rebuço em público ou diante das suas próprias mulheres.
Há ainda doenças chamadas «secretas», mas são justamente as que se anunciam com cartazes no balcão dos doutores, de maneira que o doente perde automaticamente o seu segredo só com o facto de transpor o portal. Todos podemos comprovar que a mudança foi indubitável há vinte anos a esta parte.
O médico guarda, pois, o seu segredo, mas não lhe sente o peso como dantes, salvo os casos excepcionais, com gravidade idêntica ao do confessor. Há algum tempo tive ocasião de examinar os livros de consulta de um famoso doutor de Madrid, do primeiro terço do século passado, e surpreendeu-me o grande número de doentes que não quiseram dar o seu nome e figuravam no registo com as suas iniciais ou com um discreto X.
Nas minhas quarenta mil histórias clínicas há só umas poucas, que eu saiba, sem o nome verdadeiro.
Outra causa que enfraqueceu o conceito clássico do segredo profissional é a do carácter científico da medicina moderna, baseado em grande parte na exibição de casos clínicos e das suas histórias.
Ao transformarem-se os hospitais de centros de caridade em centros de estudo e ensino anulou-se praticamente o segredo profissional, pois o doente é constantemente examinado por uma legião de médicos internos e enfermeiros e apresentado com frequência nas aulas, onde se explicam não só os seus sintomas como até os problemas mais delicados da sua herança (hereditariedade, no texto herencia).
É inútil fazer considerações teóricas sobre se isto é lícito ou conveniente; acima delas está a realidade, que se impõe e que não tem o menor aspecto de mudar.
O que é provável é que em breve o segredo profissional fique reduzido a casos especiais e concretos, que são os das perturbações do espírito e dos instintos, que, de facto, aproximam a atitude do médico da do confessor; aqueles em que a doença está ligada a notórias responsabilidades extramédicas, e, finalmente, aqueles em que, qualquer que seja a sua natureza, o doente exige previamente do médico a reserva profissional.
Em todos os mais casos o segredo subsistirá, mas com carácter de cortesia social mais que de imposição quase religiosa, e sempre com as amplas restrições derivadas do interesse científico ou pedagógico da doença.

Sr. Presidente: o professor de Deontologia Médica da Faculdade de Medicina de
Madrid, Dr. Francisco Feiro, S. J., no seu Manual de Deontologia Médica, trata da natureza e conteúdo do segredo médico, das pessoas por ele afectadas e que do mesmo beneficiam, e ainda dos limites de tal segredo.
Falando do consentimento do directamente interessado, ou seja o doente, diz que:

... a única dificuldade que se apresenta resulta do facto de o doente não conhecer as suas próprias doenças, e por isso não pode dizer-se que autoriza a divulgação de uma coisa que ignora.
Por outro lado, há segredos que não respeitam unicamente ao doente, mas à família - é o caso das enfermidades hereditárias vergonhosas -, pelo que não pode o doente autorizar a revelação de um segredo que não lhe interessa exclusivamente.
Para o mesmo autor há uma causa que permite a violação do segredo profissional: é o bem comum.
Na verdade, se o segredo foi imposto com vista ao interesse público e ao seu benefício, parece natural que, logo que o bem comum, longe de beneficiar com o segredo, é prejudicado com ele, não deve manter-se, visto que em proveito da colectividade se estabeleceu e impôs.
Assim, no Exército, por exemplo, não existe direito ao segredo, porque todo o chefe deve saber em que condições sanitárias se encontram as pessoas sob suas ordens antes de confiar-lhes determinadas missões. Não existe direito ao segredo exclusivo por parte do médico assistente quando se trate de adoptar medidas tendentes a evitar a deflagração ou propagação de uma doença epidémica.
Nestas hipóteses, não se pode rigorosamente falar de violação de segredo, pois este só é conhecido dos chefes militares responsáveis pela missão e pelas autoridades sanitárias que devem adoptar aquelas medidas.

Sua Santidade o Papa Pio XII, tendo recebido em Novembro de 1944 os médicos italianos pertencentes à Associação Médico-Biológica de S. Lucas, dirigiu-lhes estas palavras:

Entre os deveres que derivam do 8.° mandamento há que enumerar ainda a observância do segredo profissional, que deve servir, e serve, não somente o interesse privado e mais ainda o proveito comum.
Também neste campo podem surgir conflitos entre o bem privado e o público, conflitos em que, por vezes, pode ser muito difícil medir o pró e o contra, as razões para falar e estar calado.
Estas realidades, se por um lado claramente afirmam, sobretudo tendo em vista o interesse comum, a obrigação de o médico guardar o segredo profissional, não lhe reconhecem todavia um valor absoluto.
Efectivamente, não estaria de harmonia com o bem comum que aquele segredo se pusesse ao serviço do delito e da fraude.

(Actas do 3.° Congresso Internacional dos Médicos Católicos, p. 762).

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O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença só para uma pergunta?
Previram o caso de que o bem comum seja ofendido pelo facto de, com receio da divulgação da doença, o doente não se trate e a propague?

O Orador: - Na proposta de lei fez-se o possível para evitar essa espécie de fraude, e, como princípio básico, tende precisamente a isso: obrigar o médico a participar.

O Sr. Botelho Moniz: - Mas supomos que o doente não se trata, que não vai ao médico.

O Sr. Carlos Borges: - Que o doente não sabe o que tem.

O Sr. Botelho Moniz: - Ah! O doente sabe o que tem; o que não quero é agora dizer o nome de certas doenças...

O Orador: - Se tudo se passa em segredo, a lei, é óbvio, ainda não possui o poder de advinhar...
Sr. Presidente: o bem comum, o interesse colectivo, a saúde da colectividade contrastam francamente com a aparente defesa do segredo, que nem segredo é, atinente a um único indivíduo!
Será legítimo hesitar na escolha?
Como muito brilhantemente observa S. Ex.ª o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social:

É ponto assente no consenso médico universal que a declaração obrigatória das doenças contagiosas, embora represente uma limitação da liberdade individual, constitui unia prática indispensável para que os serviços públicos de administração sanitária possam pôr em actividade os meios de luta contra essas doenças.
Neste caso o interesse colectivo sobrepõe-se ao interesse individual e essa sobreposição transcende mesmo as fronteiras, porque está assente o princípio da declaração internacional para várias delas.
Actualmente, com a criação da Organização Mundial da Saúde, cuja constituição o nosso Governo ratificou, tende a generalizar-se o princípio da interdependência da saúde dos diferentes países, e portanto da necessidade do mais completo conhecimento e informação do que em cada um se passa e que em matéria de saúde possa influenciar os outros.
E no capítulo das doenças transmissíveis (terminologia mais genérica e segura que a designação de contagiosas) que esta troca de informações, seja por notificação, seja pelo envio de estatísticas, mais se procura intensificar.
De resto, o problema da expansão epidémica, sempre relacionado com a evolução dos meios de transporte, atingiu aspectos mais delicados com o desenvolvimento da aviação comercial. Assim, por exemplo, o transporte dos chamados «contactos», em princípio de incubação de doenças infecciosas, torna-se evidentemente muito mais perigoso, dado o curto período da viagem, não permitindo que a doença se evidencie antes do desembarque. Por esta forma, a defesa de ucas exige o mais perfeito e precoce conhecimento do que se passa em casa dos outros, e isso se pretende.
Há, portanto, razões de ordem nacional e internacional a exigirem, não só a obrigatoriedade da declaração das doenças contagiosas, mas ainda que ela seja obtida com o maior rigor e precocidade.
Efectivamente, não se nega na presente proposta de lei o direito de exigir a declaração obrigatória das doenças contagiosas, portanto de «a defesa colectiva se sobrepor ao interesse individual» e de se atingirem os «direitos da pessoa humana» como imposição de consciência inevitável; o que se nega, invocando-se o segredo profissional, é a obrigação de essa declaração ficar a cargo directo do médico perante a autoridade sanitária.
Mas sem intervenção médica a declaração é impossível, porque ela supõe um diagnóstico e este é fruto da observação médica.
Só se discute se este deve ser comunicado à autoridade sanitária directa ou indirectamente, argumentando-se que a comunicação indirecta isenta a consciência do médico do peso da violação do segredo.
A declaração obrigatória das doenças contagiosas, a cargo do doente e sua família, pressupõe um grau de educação cívica e de moral social que não atingimos. Assim se reconhece, que nós saibamos, em Iodos os países, pois sempre o médico participa na responsabilidade dessa declaração, embora nalguns ela se possa estender concomitantemente a outras entidades ou individualidades. Mas não conhece-mos país no qual o médico esteja isento da obrigarão da declaração.
Entre nós vigorou o sistema de participação pelas famílias, em épocas recuadas, e o resultado precário que assim se conseguia «mesmo em tempo de peste» patenteia-se nas penas exorbitantes de multas e degredo aplicadas aos que faltavam a essa participação (Regimento que leva Pedro Vaz sobre o que toca ao bem da saúde em Lisboa, em 1026).
Esta obrigação de declaração de doenças contagiosas já em 1526 era cometida aos «físicos da cidade» e em 1680 aos «físicos, cirurgiões e sangradores».
Em 1526 usava-se escolher uma igreja no meio do lugar, onde se efectuavam as reuniões dos «provedores de saúde», seu escrivão, meirinho, físico do exame e cabeças de freguesia, para depois da missa se considerar o que acontecera na freguesia, desde o dia anterior, se havia novos casos e a fornia de remédio. Para economizar tempo os cabeças de freguesia deviam levar um rol, «com declaração dos casos, enfermos e mortes ...».
Por Portaria de 9 de Agosto de 1814, e para melhorar os serviços da Junta de Saúde, que tinha sido criada pelo príncipe regente, a mesma Junta era encarregada da organização de mapas necrológicos de óbitos, com o fim de conhecer-se «não só o número de mortos, mas principalmente quais enfermidades grassão mais entre os moradores da capital, e proporcionarem-se as medidas que as observações dos facultativos fizerem recomendáveis ...».
Já o artigo 20.° do Decreto de 3 de Dezembro de 1868 consignava entre as funções do subdelegado de saúde, embora simplesmente consultivas, que este teria necessariamente de ser ouvido pelo administrador do concelho sobre o estado sanitário, «dando parte de qualquer ocorrência extraordinária ou moléstia suspeita de que tenha conhecimento».
Melhor se precisa no artigo 4.° do Decreto de 28 de Dezembro de 1899, que aprova a organização geral dos serviços de saúde pública, que «todo o médico é considerado funcionário técnico de saúde para efeito das obrigações que lhe incumbem acerca da participação dos casos de moléstia contagiosa, epidémica ou suspeita ...»
Este princípio fica desde então profundamente radicado na nossa legislação e assim o vamos en-

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contrar, sucessivamente, no Regulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública (1901), na reorganização geral dos serviços de saúde pública (192G), nu lei que organiza a profissão médica (Decreto n.º 32:172, de 29 de Julho de 1942), na organização dos serviços de assistência social (Decreto-Lei n.º 35:1(18, de 7 de Novembro de 1945).
Se este princípio de declaração obrigatória das doenças contagiosas pelo médico tem fundas tradições entre nós e é aceite também pela legislação universal, pois não conhecemos país no qual não crista, porque então nos vamos apresentar ao Mundo como excepção, abolindo-o?

O Sr. Botelho Moniz: - Na legislação, mas não nos costumes.
E para que serve a participação ao funcionário oficial no caso em que o doente não seja isolado?

O Orador: - V. Ex.ª faz-me essa pergunta porque não se deu ao trabalho de ler a proposta de lei. As medidas necessárias estão nela indicadas. Para todas essas doenças, cujo nome V. Ex.ª não quer dizer em voz alta, encontram-se na proposta de lei as medidas atinentes a evitar, tanto quanto possível, o contágio.

O Sr. Botelho Moniz: - Essas medidas, todas de isolamento, fazem com que o doente não vá ao médico, e assim as doenças propagam-se muito mais.

O Orador: - Se V. Ex.ª tem medidas melhores para essa hipótese, indique-as. Mas isto está já fora do debate.
Em 1947 foi-me referido o seguinte caso:
Nesse ano surgiu no Alentejo, com aspectos de gravidade enorme, um surto de tifo exantemático num bando de ciganos.
Ao saber da notícia, um médico prudente participou o facto e, na altura em que esses ciganos se dirigiam para a feira de Montemor, onde iriam causar uma calamidade, saiu-lhes ao caminho a Guarda Nacional Republicana, que os deteve, procedendo-se ao respectivo isolamento e evitando-se assim a propagação da doença.

O Sr. Botelho Moniz: - Nesse caso estamos absolutamente de acordo.

O Orador: - Ora certas medidas desta ou de semelhante violência, que à face da lei vigente poderiam em certos casos constituir abuso, passam agora a ser legais.
Sr. Presidente: fiz a afirmação de que o princípio da declaração obrigatória das doenças contagiosas pelo médico está consagrado pela legislação universal.
Ser-me-ia fácil demonstrar desde já a exactidão desse acerto?
Suponho que sim:
Pierre Theil, em Le Corps Médical Devant la Médecine Sociale, p. 136, escreve:

4.º Declaração das doenças contagiosas. - Ainda que feita eom bastante irregularidade no conjunto, a declaração à autoridade sanitária dos easos de doenças contagiosas entrou já nos costumes do corpo médico. Lembremos que foi tornada obrigatória pelas leis de 30 de Novembro de 1892, sobre o exercício de medicina, e de 15 de Fevereiro de 1902, sôbre a protecção da saúde pública. As suas modalidades actuais foram codificadas por um decreto-lei de 30 de Outubro de 1935.

Em 1942 a declaração foi tornada obrigatória.
Já anteriormente, pela circular ministerial de 1941, se recomendava a prática regular destas declarações.
O Dr. Theil, referindo-se a esta circular, diz que é preciso insistir junto dos Poderes Públicos sobre a incontestável utilidade de tal medida, pedindo aos médicos que tenham sempre presentes os danos causados pelas doenças venéreas e o que elas custam à França em vidas humanas e em misérias físicas ou morais.

Holanda. - Lei de 21 de Julho de 1928, contendo disposições contra as doenças contagiosas:

Artigo 2.º Todo o médico que desconfia ou constata um caso de doença contagiosa do grupo A deve imediatamente, e em todos os casos no prazo de vinte e quatro horas, fazer a sua declaração ao burgomestre da comuna na qual se encontra a pessoa atingida. Deve tomar todas as medidas susceptíveis de prevenir a preparação da doença.

Argentina. - Lei n.º 12:317, de 3 de Outubro de 1936, relativa à declaração obrigatória das doenças contagiosas ou transmissíveis (Boletim Oficial de 8 de Outubro de 1936):

Artigo 1.º É obrigatório em todo o território da República a declaração dos casos averiguados ou suspeitos de doenças contagiosas.
Art. 2.º Os funcionários que recebem a declaração são obrigados ao segredo profissional desde que se não trate dos serviços de saúde pública.
Art. 3.º As doenças visadas no artigo 1.º são:

Grupo A. - 1. Cólera. - 2. Febre amarela. - 3. Peste. - 4. Varíola. - 5. Tifo exantemático.
Grupo B. - 6. Difteria. - 7. Escarlatina. - 8. Sarampo. - 9. Coqueluche. - 10. Febre tifóide e paratifóide. - 11. Febre recorrente . - 12. Meningite cerebrospinal. - 13. Encefalite epidémica. - 14. Poliomielite. - 15. Disenteria. - 16. Gripe epidémica. - 17. Dengue. - 18. Tuberculose em todas as suas formas. - 19. Lepra. - 20. Carbúnculo. - 21. Raiva. - 22. Leis-maniose. - 23. Paludismo. - 24. Ancilostomíase. - 25. Febre puerperal nas maternidade ou hospitais. - 26. Oftalmia (purulenta. - 27. Tracoma. - 28. Parotidite epidémica.

Artigo 5.º A obrigação da declaração incumbe ao médico que visita e trata o doente ou à parteira para as doenças especificadas nos n.º* 25 e 26; os directores, administradores ou regentes de escolas, asilos, hotéis, instituições ou estabelecimentos onde as pessoas habitam, trabalham ou se reúnem deverão declarar às autoridades competentes a existência das doenças enumeradas no artigo 3.º, desde que disso tenham conhecimento pelo médico.

Chile. - Código Sanitário, aprovado pelo Decreto com força de lei n.º 236, de 15 de Maio de 1931 (Diário Oficial de 29 de Maio de 1931):

TÍTULO III

Doenças transmissíveis

Artigo 48.º Todo o médico que trata uma pessoa que está sofrendo de uma doença contagiosa submetida à declaração obrigatória deve notificar, por escrito, o diagnóstico, certo ou provável, à autoridade sanitária mais próxima. Igual obrigação incumbe

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a toda a pessoa tendo em sua casa ou no seu estabelecimento um tal doente, se este não é tratado por um médico.

Jugoslávia. - Lei de 28 de Março de 1934 sobre a luta contra as doenças venéreas (in Boletim Mensal do Office International d'Hygiène Publique, ano de 1935, p. 1083).
Nesta lei é obrigatório o tratamento das doenças venéreas. No § 4.° dispõe-se:

Todo o médico que trate um doente atingido de uma doença venérea é obrigado:
1) A informar o referido doente da contagiosidade do seu mal, sobre a obrigação que lhe é imposta de se submeter ao tratamento e sobre a responsabilidade em que incorre se comunica a sua doença a uma outra pessoa; a desviá-lo de contrair casamento, nos casos em que ele esteja para o fazer, até à sua completa cura; a entregar-lhe as instruções impressas que publica o Ministério da Previdência Social e da Saúde Pública.

Itália. - Texto único das leis sanitárias aprovado por decreto real de 27 de Julho de 1934 (in Boletim Mensal do Office International d'Hygiène Publique, ano de 1930, suplemento ao n.° 1, p. 80):

Artigo 254.° Todo o médico que no exercício da sua profissão tiver conhecimento de um caso de doença infecciona e difusível, ou suspeita de o ser, perigosa para a saúde pública, deve imediatamente declará-la ao podestat e ao médico sanitário comunal e secundá-los, em caso de necessidade, na aplicação das disposições adoptadas para impedir a difusão dessas doenças e as precauções higiénicas indispensáveis.

Japão. - Lei n.° 36, de 1897, modificada em 1930 (in Boletim Mensal do Office International d'Hygiène Publique, ano de 1931):

Artigo 3.° Quando um médico examinar uma pessoa atingida de doença infecciosa ou o seu corpo após falecimento deverá indicar à família os métodos de desinfecção a empregar e, por outro lado, declarar imediatamente o caso à direcção da polícia, ao primeiro magistrado da vila, da comuna ou da aldeia, ao primeiro magistrado do bairro ou à comissão de contrôle e prevenção das doenças infecciosas do lugar onde o doente reside ou naquele onde o corpo tiver sido encontrado.

Suíça. - O Conseil Fédéral Suisse, vista a lei federal de 13 de Junho de 1928 sobre a luta contra a tuberculose, decreta:

Artigo 9.° Obrigação da declaração nos termos do artigo 2.° da lei: o médico tem a obrigação de declarar como constituindo um perigo para o próximo todo o doente atingido de tuberculose cujas excreções contenham bacilos de Koch e que viva em condições pessoais ou profissionais susceptíveis de favorecer o contágio.
Esta declaração deve ser feita mesmo antes da confirmação bacteriológica de bacilos.
Alemanha. - Regulamento ministerial de 9 de Dezembro de 1929:

Kruppel (aleijados) são todos os indivíduos portadores de taras ou afecções que causarão provável incapacidade total ou parcial para toda a vida.
Todo o caso deste género tratado pelo médico no exercício da sua profissão deve ser obrigatoriamente declarado, dentro do prazo de um mês, à autoridade administrativa.
As infracções são punidas com a multa de 150 R. M.

Dinamarca. - Circular de 28 de Abril de 1930 relativa à declaração de doenças contagiosas (in Boletim Mensal do Office International d'Hygiène Publique n.º 10, Outubro de 1941):

A declaração das doenças abaixo designadas, nas condições previstas pela lei de 1915 para a luta contra as doenças epidémicas, deve ser feita pêlos médicos: para a febre tifóide, poliomielite aguda, etc.

Polónia. - Lei de 21 de Fevereiro de 1935 para a prevenção de doenças infecciosas e luta contra estas doenças (in Boletim Mensal do Office International d'Hygiène Publique n.° 7, Julho de 1935):

Artigo 1.° Em todos os casos de doença ou de óbito por uma das doenças infecciosas enumeradas no artigo 2.°, assim como em todos os casos onde uma destas doenças pode ser suspeita, as pessoas designadas no artigo 4.° suo obrigadas a fazer imediatamente a sua declaração à autoridade comunal.
Artigo 4.° A declaração deve ser feita por:
1. O médico que examinou o doente ...

Noruega. - Lei de 8 de Maio de 1900, modificada pelas leis de 5 de Junho de 1925, 25 de Junho de 1935 e 5 de Junho de 1936, sobre medidas especiais sobre tuberculose (in Boletim Mensal do Office International d'Hygiène Publique n.° 2, Fevereiro de 1938:

Artigo 2.° Todo o médico que trata pela primeira vez de um caso desta doença é obrigado a fazer a sua declaração ao presidente do conselho de higiene. Igual obrigação lhe incumbe nos casos que esteja tratando quando esta lei entrar em vigor.

Bélgica. - Decreto de 7 de Junho de 1941 relativo à declaração e à profilaxia das doenças contagiosas (in Boletim Mensal do Office International d'Hygiène Publique, Março-Abril de 1943):

Artigo 2.° A declaração deve ser feita ao burgomestre, salvo para os casos de tuberculose, assim como ao inspector de higiene da circunscrição, pelo médico que constatou o caso, pelo director do dispensário ou do estabelecimento hospitalar para o qual o doente tenha sido eventualmente evacuado. Esta informação deve ser feita em carta fechada.

México. - Código Sanitário, de 6 de Março de 1926 (in Boletim Mensal do Office International d'Hyqiène Publique, Outubro de 1927):

Artigo 103.° Em vista da aplicação do presente Código são consideradas como doenças contagiosas: cólera, peste, tifo exantemático, etc.
Artigo 105.° Todo o indivíduo exercendo a profissão médica é obrigado a avisar as autoridades sanitárias mencionadas no artigo 107.° dos casos confirmados ou suspeitos de qualquer das doenças visadas no artigo 103.°, nas primeiras vinte e quatro horas que seguem o diagnóstico certo ou provável da doença.

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Mesmo restritamente, no que se refere a doenças venéreas, nada há que alterar ao que já dissemos.
Assim Ascher, no seu livro Luta contra as doenças venéreas em Francoforte do Meno, escreve:

Os doentes ou se apresentam espontaneamente ao tratamento ou são convidados a fazê-lo por convocação do clínico a quem o caso foi de qualquer modo denunciado.
Em caso de recusa o médico com funções especiais na vila convida o doente a comparecer ao tratamento por meio de carta em que é indicado o dia e a hora a que o doente se deve apresentar ao tratamento.
O doente pode apresentar nessa altura um atestado, passado pelo responsável, em que se declare que está a receber tratamento.
Se o doente não obedece é requisitado à força pública, que obriga o doente a comparecer.

Sr. Presidente: em face do exposto e ainda porque não é razoável esquecer-se que os princípios defendidos na proposta do Governo estão também consignados em várias convenções internacionais, nomeadamente na Convenção Sanitária de Paris, de 17 de Janeiro de 1912, rectificada em Outubro de 1922, e à qual Portugal aderiu, inclino-me aberta, decididamente, para o sistema da declaração obrigatória a cargo do próprio médico.
Não se alegue a brandura dos nossos costumes ou a transigência perante solicitações sem base séria.
Que na regulamentação da lei se prevejam sanções severas aplicáveis aos clínicos faltosos e tudo entrará no bom caminho.
Transferir tal obrigatoriedade para o doente ou a família deste levar-nos-ia a soluções absurdas no momento da aplicação de sanções.
Essas sanções seriam de ordem pecuniária? Representariam um desumano e injusto patrocínio dos abusos dos ricos e uma flagrante injustiça para os pobres?
Não seriam aplicadas multas, mas sim cadeia?
O doente, em franco período de contágio, seria detido?
Não, Sr. Presidente e Srs. Deputados. O critério da proposta do Governo é, decididamente, o melhor.
Passemos, porque o tempo urge, ao segundo ponto crucial do debate - o problema da prostituição.
Salvo o devido respeito, os dignos membros da Câmara Corporativa signatários do parecer não se aperceberam de que o problema da regulamentação ou abolição da prostituição transcendia os objectivos da proposta de lei.
Esta visa restritamente a luta contras as doença infecciosas. Logo a prostituição interessar-nos-ia apenas no seu aspecto de ponto de origem de doenças contagiosas, por vezes da mais transcendente gravidade.
Encarando com serenidade o problema, o Governo propõe, na base XV da proposta, que sejam legislados determinados princípios cuja regulamentação e efectivação com severidade e persistência iria atenuando semelhante chaga social, até a extinguir quase por completo.
A Câmara Corporativa, numa atitude radical, sugere a substituição daquela base XV pela base XVI do parecer, que impõe o encerramento imediato das casas onde se exerça a prostituição, com o consequente despejo, independentemente de qualquer processo, e a revogação de todos os regulamentos e alvarás produzidos a título de policia sanitária ou tutela de meretrizes e ainda a abolição da matricula das prostitutas.
Dentro da finalidade da proposta governamental, abstenho-me de apreciar o problema da prostituição no seu aspecto geral ou social.
Se as faculdades oratórias me sobrassem, seria momento propício para me alongar em divagações de ordem literária, onde saberiam desde a recitação da quadra:

Ainda há quem afronte
Uma mulher quando cai!
Nasce água limpa na fonte
Quem a suja é quem lá vai.

até a evocação das maravilhosas páginas de inexcedível beleza literária em que Venceslau de Morais nos descreve a graça miosótica das gueixas japonesas.
Mas não.
Amarrado a um critério realista e objectivo, de que não quero afastar-me, limito-me a solicitar a atenção de VV. Ex.ªs para este simples aspecto da eliminação imediata da prostituição regulamentada: as estatísticas demostram que em Portugal existem hoje mais de 6:000 toleradas matriculadas.
Proibida ex abrupto a prostituição, que iriam fazer estas mulheres?
Dispõe o Governo de meios, de estabelecimentos próprios para as receber e readaptar para a vida?
Sabemos que não.
Mas os ventos que correm no Mundo são favoráveis à doutrina, aliás muito justa, propugnada pela Câmara Corporativa.
A nossa Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social inclinou-se, portanto, para uma afirmação de princípios: a concessão ao Governo dos meios idóneos para realizar na medida do possível a aspiração da Câmara Corporativa.
Neste intuito, sugerimos uma alteração à base XV da proposta do Governo que satisfaz em absoluto ao nosso desiderato.
Sr. Presidente: resta esclarecer a Assembleia acerca das consequências da aprovação da base XXIII da proposta do Governo, ao definir quais as entidades responsáveis pelos encargos de assistência criados pela nova lei.
Tal como está redigida, essa base XXIII provocaria necessariamente um acréscimo dos encargos das empresas e beneficiários.
Numa síntese: viria agravar a produção.
A participação do seguro social na luta contra as doenças sociais é um fenómeno comum a todos os países civilizados. Por toda a parte se reconhece que a assistência médica individual é insuficiente e ineficaz no combate às referidas doenças, pois o mesmo exige, além da acção curativa, uma vasta acção profiláctica, acompanhada de medidas de assistência económica e social.
A acção contra estas doenças visa uma dupla finalidade: curar o indivíduo doente (acção directa) e proteger a família e o grupo social a que o doente pertença (acção indirecta). Por isso, se o seguro social tem por missão proteger a saúde e a existência dos trabalhadores contra os riscos que as ameaçam, não pode desinteressar-se da luta contra as doenças sociais, tanto mais que são as classes economicamente fracas as mais expostas às infecções e as que mais sofrem as consequências da perda de capacidade de trabalho por tal motivo.
Se o seguro social não deve assumir por si só o encargo de combater as referidas doenças, não é menos certo que não pode desinteressar-se da luta, sob pena de se negar a si próprio.
Em estudo publicado peio Bureau International du Travail, em 1928, já se acentuava que suma organização racional da luta antivenérea sem a participação do seguro social não é concebível».
Pode suscitar-se o problema do saber se a cobertura do risco que essa assistência implica importa um acréscimo de encargos, que só poderão ser satisfeitos na medida em que sejam aumentadas as contribuições desti-

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nadas a fazer-lhes face, e a economia das empresas não permite esse aumento.
Ora, ao estabelecer-se o princípio comum a todos os países em que existe seguro contra as doenças, não se devia ter em vista o aumento das contribuições, já de si avultadas, mas uma alteração da organização actual e do próprio esquema do seguro que permitisse, sem aumento de contribuição, a cobertura do risco em referência. Este ponto de vista é perfilhado no parecer da Câmara Corporativa, quando no n.º 5 da base XXV se estabelece que a alteração do esquema actualmente em vigor é feita sem que sejam aumentadas as taxas das contribuições a pagar pelas empresas e beneficiários.
Neste domínio, mais do que em qualquer outro, a acção deve ser orientada no sentido de obter com o mínimo de gastos o máximo de eficácia. Em nome do princípio de economia, as instituições seguradoras tomaram a iniciativa das medidas de carácter preventivo.
E, na verdade, mais fácil, e sobretudo menos dispendioso, prevenir a doença do que curá-la e indemnizar o doente pelos dias de trabalho perdido. A experiência da Metropolitan Life Insurance Company, citada no parecer da Câmara Corporativa, é concludente: tendo gasto com a assistência médica preventiva dos seus segurados 32 milhões de dólares, poupou em prémios de seguro, pela diminuição da mortalidade dos mesmos, 75 milhões de dólares.
E se assim é no seguro privado ou facultativo, com maioria de razão o é no seguro obrigatório e popular, circunscrito aos chamados trabalhadores economicamente fracos.
O dinheiro gasto com a assistência prestada aos doentes, e designadamente aos doentes contagiosos, que, como tais, põem em risco a saúde e a vida do grupo social a que pertencem, representa um investimento frutuoso.
Nesta matéria, como em tantas outras, há despesas reprodutivas, pois constituem no fundo uma operação económica, e despesas parasitárias.
Entre as primeiras contam-se as feitas com a assistência médica (curativa e preventiva) e medicamentosa; entre as segundas, as despesas burocráticas.
Não é difícil demonstrar que a cobertura do risco da assistência às doenças contagiosas redundará, a breve prazo, em benefício das instituições seguradoras, que, pelo tratamento dos doentes afectados e pela protecção dos beneficiários sãos ou ameaçados, verão diminuir os encargos com o pagamento de subsídios aos mesmos, quando doentes.
Toda a gente sabe - e já o recordámos - que as doenças venéreas causam graves prejuízos aos doentes, diminuindo-lhes as forças precisamente nos anos de maior capacidade de trabalho; conduzem à esterilidade e são causa de numerosas doenças, que pesam no obituário e nos subsídios relativos aos dias perdidos para o trabalho. No entanto, forçoso é reconhecê-lo, esse aspecto do problema não tem sido visto com o devido cuidado.
Mas, se o seguro social constitui, ao lado dos estabelecimentos e serviços de assistência pública e privada, o mais importante instrumento da política sanitária do País, uns e outros não podem desconhecer-se. Antes de construir estabelecimentos novos, devia pensar-se no melhor aproveitamento dos existentes.
Se em determinada localidade existe um centro de assistência social ou uma Misericórdia, com o seu hospital, serviço de banco e de consultas externas, que necessidade há de construir ao lado um posto ou delegação da Federação das Caixas de Previdência?
Se os serviços são os mesmos e os médicos que os prestam, as mais das vezes, são também os mesmos, que necessidade há de os duplicar?
A lei francesa de 18 de Agosto de 1948, relativa à organização e funcionamento da luta contra as doenças venéreas, prescreve no seu artigo 14.º:

As caixas de seguros sociais e de seguros sociais agrícolas participam nas despesas dos dispensários antivenéreos em função dos benefícios particulares concedidos por estes às ditas caixas e tendo em conta o número total de doentes que as frequentam e a proporção dos segurados do regime geral e do regime agrícola em relação à população total da área do dispensário.
A natureza e importância destes benefícios e da contribuição financeira das caixas de seguro social e de seguros sociais agrícolas são fixadas por convenções estabelecidas entre os dispensários antivenéreos e as caixas interessadas.

Não há razão para que se não adopte entre nós solução idêntica.
Da coordenação de serviços que andam desligados e da sua subordinação a princípios de economia mais harmónicos com a modéstia do nosso viver resultaria uma poupança que podia ser aproveitada, com maior interesse moral, económico e social, no pagamento das despesas com a assistência aos doentes contagiosos.
Por outro lado, como se prevê no parecer da Câmara Corporativa, o próprio esquema do seguro em vigor pode ser revisto, por forma a abranger o tratamento hospitalar dos casos em que o mesmo seja necessário.
É que não há outra maneira senão a de recorrer à hospitalização quando se trate de doenças contagiosas em período agudo ou contagioso.
Deve ainda recorrer-se à hospitalização quando as condições de habitação forem de tal ordem que o tratamento no domicílio, pela sua demora, seja mais oneroso do que o efectuado em hospital adequado.
E a hospitalização é mais necessária e socialmente mais útil do que a cobertura dos pequenos riscos, ou seja das baixas por catarro, bronquite ou amigdalite, que não excedem, em regra, oito a quinze dias.
O pagamento de dois terços do salário convida a simulação e à fraude.
Para fugir a esse inconveniente a lei estabelece que o subsídio pecuniário só pode ser concedido a partir do terceiro dia da doença verificada.
No Luxemburgo não existe limite de dias para a concessão do referido subsídio. Este é pago a partir do primeiro dia da doença. Resultado: o número de casos de doença por cem beneficiários do seguro e por ano, que na Caixa Sindical de Previdência do Pessoal da Indústria Têxtil foi, em 1945, de 19,5, é no Luxemburgo de 118 e não passa em França de 18.
Como a maioria dos beneficiários pode passar os primeiros trinta dias recebendo 50 por cento do salário, esta alteração dos regulamentos das caixas acarretaria uma diminuição de encargos suficiente para cobrir os riscos relativos ao tratamento dos doentes contagiosos.

O Sr. França Vigon: - V. Ex.ª dá-me licença?
Previu V. Ex.ª as consequências da alteração do esquema do seguros de quatro em quatro ou de seis em seis anos?

O Orador: - Disponho nesta altura dos mesmos elementos seguros para fazer as previsões que enuncio como V. Ex.ª dispõe deles para os indicar para uma previsão contrária. Mas a proposta não manda executar às cegas; contenta-se com apresentar a necessidade de se proceder ao estudo conveniente. E chega.
Sr. Presidente: por outro lado, à semelhança do que acontece em outros países, o doente, quando hospitali-

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zado e a cargo do hospital, não receberia a totalidade do subsídio, mas apenas uma parte, maior ou menor conforme as pessoas de família a seu cargo.
Mas ainda há outro aspecto a considerar.
A proporção de velhos no conjunto da população eleva-se de ano para ano.
A França, que em 1900 contava em 100 franceses com 12 pessoas de mais de 60 anos, já em 1945 tinha 16.
Em 1920 existiam em Portugal 355:895 indivíduos com mais de 65 anos, número que em 1940 subiu para 498:292 e que deve andar hoje por 678:000.
Ao passo que a população portuguesa nos anos decorridos de 1920 a 1940 subiu 28 por cento, o número de indivíduos com mais de 60 anos subiu 40 por cento, como se nota no parecer da Câmara Corporativa.
Ora, a reforma automática dos trabalhadores, atingida determinada idade-limite, designadamente se esta for relativamente baixa, é contrária não só aos interesses da colectividade, visto que diminui os recursos e aumenta os encargos, como aos próprios reformados.
Na verdade, a cessação do trabalho por parte dos homens ainda válidos acarreta-lhes perturbações psíquicas e físicas a tal ponto que o reformado envelhece mais depressa. A taxa de mortalidade nos dois anos que se seguem à reforma é mais alta do que a verificada entre os indivíduos da mesma idade que se conservam ao serviço, farto que o parecer da Câmara Corporativa aliás assinala.
O envelhecimento da população põe um problema que terá de ser resolvido, sob pena de metade ter de trabalhar para a outra.
Em 1940 a população portuguesa entre os 20 e os 64 anos representava 51,59 por cento do total.
Parece, assim, que os beneficiários das caixas deverão poder continuar a trabalhar além da idade da reforma e enquanto o desejarem, desde que não estejam inválidos. Pode o rendimento do seu trabalho diminuir em razão da idade, mas, nessa hipótese, a sua remuneração seria constituída por duas parcelas: uma correspondente ao salário a pagar pela empresa de harmonia com o rendimento do trabalho, outra correspondente ao subsídio por invalidez parcial, a pagar pela caixa em que estivesse inscrito.
Adoptando-se esta solução os encargos actuais das caixas diminuiriam sensivelmente, pelo que, sem aumento de contribuição, podiam fazer o que não fazem agora: assistência médica efectiva, abrangendo nesta a assistência em regime de hospitalização.
Aqui têm VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, as observações que a Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social julga do seu dever trazer ao conhecimento e consideração da Assembleia.
Várias outras sugestões úteis do parecer da Câmara Corporativa foram por nós integradas nas alterações que propomos à proposta governamental.
As propostas que a tal respeito temos a honra de apresentar concretizam o voto que sobre este assunto formulamos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia para a próxima sessão, que será na segunda-feira dia 25, à hora regimental, é constituída por:
Continuação do debate na generalidade e, se for possível, na especialidade da proposta de lei que actualmente está em discussão; discussão da proposta de lei sobre recrutamento e serviço militar, que tem a nota de argente; discussão da proposta de lei sobre exploração portuária.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Jorge Botelho Moniz.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Manuel França Vigon.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Borges.
D. Virgínia Faria Gersão.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

A Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social propõe as emendas e aditamentos seguintes:

I

O n.º 2 da base II da proposta de lei sobre doenças contagiosas passará a ter a seguinte redacção:

2. Incumbe às autoridades administrativas e policiais, aos serviços de assistência e de previdência e aos médicos prestar à Direcção-Geral de Saúde a colaboração necessária à maior eficiência da luta contra as doenças contagiosas.

Página 583

20 DE ABRIL DE 1949 583

II

A base III passará a ter a seguinte redacção:

No exercício das suas atribuições compete à Direcção-Geral de Saúde:
a) Orientar e coordenar tècnicamente a acção dos serviços oficiais e bem assim a das Misericórdias, instituições de previdência e entidades particulares;
b) Elaborar a tabela das doenças contagiosas em que é necessária a declaração obrigatória;
c) Promover o exame sanitário das pessoas que se entreguem à prostituição;
d) Determinar o internamento obrigatório dos doentes contagiosos, sempre que haja grave perigo de contágio e não seja possível o tratamento ambulatório ou domiciliário, com as aconselháveis medidas de isolamento e tratamento;
e) Propor a obrigatoriedade da vacinação contra determinadas doenças infecciosas, quando e onde for julgada necessária ou conveniente;
f) Publicar as instruções que devem guiar os médicos na luta contra as doenças contagiosas e fixar os períodos de isolamento para cada uma das mesmas doenças;
g) Coligir os dados estatísticos da morbilidade e da mortalidade, servindo de órgão de notação ao Instituto Nacional de Estatística;
h) Publicar anualmente um relatório do movimento dos serviços de combate às doenças contagiosas, baseado nos mapas preenchidos pelos serviços existentes na área de cada delegação de saúde;
i) Propor ao Governo as providências que julgue necessárias à maior eficiência da luta contra as doenças contagiosas e à assistência a prestar aos doentes.

III

A) O n.º 4 da base VII será substituído pelo mesmo número da base VII do parecer da Câmara Corporativa;
B) À dita base VII da proposta governamental será aditado, sob o n.º 5, o n.º 5 da base com igual número da proposta do parecer da Câmara Corporativa, ou seja:

5. Na falta de acordo a renda e a indemnização serão fixadas por arbitragem, com recurso para os tribunais, nos termos da legislação sobre expropriações por arbitragem que estiver em vigor.

IV

No n.º 3 da base X da proposta em discussão a expressão recurso para o Ministro do Interior» será substituída por recurso para o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social».

V

A alínea a) do n.º 1 da base XII passará a ter a seguinte redacção:

a) A fazerem-se observar e tratar por médicos da sua escolha, da instituição de previdência em que se achem inscritas e conceda assistência médica ou dos serviços de saúde ou de assistência e a não procederem de modo a expor outra pessoa ao perigo de infecção.

VI

A alínea b) da base XIV passará a ter a seguinte redacção:

b) Nas consultas pré-natais e nas de puericultura.

VII

A base XV passará a ter a seguinte redacção:

1. São proibidas novas matrículas de prostitutas e a abertura de novas casas de toleradas.
2. A autoridade sanitária determinará o encerramento das casas de toleradas quando se verifique que as mesmas funcionam em contravenção das normas de higiene por ela estabelecidas ou ainda quando, constituindo focos de infecção, representem perigo grave para a saúde pública.
3. Da decisão cabe recurso para o auditor administrativo.
4. O processo é de natureza reservada e só pode ser mostrado aos directamente interessados e aos seus representantes.
5. Compete à Polícia de Segurança Pública e, na sua falta, à autoridade administrativa da respectiva área executar a decisão da autoridade sanitária relativa ao encerramento das casas a que esta base se refere.
6. Para o efeito do disposto na alínea c) da base III será organizado o competente ficheiro médico-social.

VIII

A base XVI passará a ter a seguinte redacção:

A Direcção-Geral de Saúde estabelecerá, com os serviços respectivos dos Ministérios da Justiça, Guerra, Marinha e Educação Nacional e do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, com os Comandos-Gerais da Guarda Nacional Republicana, Guarda Fiscal e Polícia de Segurança Pública e ainda com a Cruz Vermelha Portuguesa, os planos que orientem e coordenem tecnicamente a profilaxia das doenças contagiosas em relação às prisões, às forças armadas, à marinha mercante, aos estudantes, aos inscritos nas instituições de previdência e aos voluntários dos serviços de saúde.

IX

O n. 1 da base XVIII passará a ter a seguinte redacção:

1. A assistência aos doentes contagiosos é assegurada pelos seguintes organismos e serviços:
a) Delegações e subdelegações de saúde;
b) Dispensários centrais em Lisboa e Porto;
c) Dispensários regionais e sub-regionais;
d) Hospitais;
e) Brigadas móveis.

X

A seguir à base XVIII deverá ser incluída uma nova base, com o n.º XIX e a seguinte redacção:

As delegações e subdelegações de saúde compete:
a) Orientar a acção profiláctica na respectiva área;
b) Proceder a inquéritos epidemiológicos com o fim de descobrir a origem das doenças contagiosas, tomando as medidas necessárias para evitar a sua
propagação;
c) Observar e tratar em regime ambulatório os doentes contagiosos;
d) Promover o isolamento ou internamento dos doentes que ofereçam grave perigo de contágio;
e) Solicitar das autoridades administrativas e policiais a colaboração necessária à eficiência da luta contra as doenças contagiosas e à organização do ficheiro a que se refere o n.º 6 da base XV;

Página 584

584 DIÁRIO DAS SESSÕES - N. 192

f) Organizar e enviar à Direcção-Geral de Saúde mapas relativos às vacinações efectuadas e à mortalidade e mortalidade causadas pelas doenças contagiosas.

XI

A base XIX passará a ter o n.º XX, devendo ser dada ao n.º 2 a seguinte redacção:

2. Para efeitos de diagnóstico, os dispensários centrais deverão possuir laboratórios próprios ou estabelecer acordos com os existentes noutros serviços.

XII

As bases XX, XXI e XXII devem passar a ter os n.ºs XXI, XXII e XXIII.

XIII

A base XXIII da proposta passará a ter o n.º XXIV e a seguinte redacção:
1. São responsáveis pelos encargos da assistência aos doentes contagiosos:
a) Os próprios assistidos, seus cônjuges, ascendentes e descendentes, de harmonia com as possibilidades da respectiva economia familiar;
b) As instituições de previdência social da 1.a e 2.a categorias previstas no artigo 1.º da Lei n.º 1:884, de 16 de Março de 1935, ou as instituições em que aquelas se acharem integradas para o efeito da prestação de assistência na doença, relativamente aos sócios beneficiários e pessoas de família por elas abrangidas;
c) O Estado, por força das dotações destinadas à luta contra as doenças contagiosas e assistência aos doentes;
d) Os estabelecimentos ou serviços que prestem a assistência por força das suas receitas próprias.
2. As Casas do Povo e dos Pescadores não são abrangidas pelo disposto na alínea b) do número anterior.
3. A responsabilidade prevista na alínea b) do n.º 1 efectivar-se-á pela manutenção de serviços próprios ou pelo pagamento aos estabelecimentos e serviços previstos na proposta dos encargos com a assistência prestada aos beneficiários das referidas instituições.
4. O pagamento aos estabelecimentos e serviços previstos nesta lei dos encargos com a assistência prestada aos beneficiários das instituições de previdência regular-se-á por acordo celebrado entre os referidos estabelecimentos e serviços e as instituições de previdência, ou mediante tabelas aprovadas pelo Ministro do Interior, ouvido o Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.
5. Para o efeito do disposto nesta base as instituições de previdência procederão, no prazo de sois meses, a reforma dos seus regulamentos, podendo mesmo alterar o esquema de seguro actualmente em vigor na modalidade de doença, de modo a ficarem habilitadas a cobrir o risco inerente ao encargo que lhes é imposto, sem que sejam aumentadas as taxas das contribuições a pagar pelas empresas e beneficiários.
6. A observação dos doentes suspeitos e as análises necessárias ao diagnóstico da doença dos pobres e indigentes serão feitas gratuitamente nos estabelecimentos e serviços oficiais.
7. As vacinações e as revacinações serão sempre gratuitas nos estabelecimentos e serviços oficiais.
8. O Estado, pela Direcção-Geral de Saúde, concederá subsídios especiais aos estabelecimentos particulares que prestem assistência aos doentes contagiosos ou comparticipará nas despesas com o isolamento e tratamento dos doentes contagiosos que as não possam pagar integralmente.

XIV

A base XXIV passará a ter o n.º XXV e a seguinte redacção:

1. As pessoas que, tendo conhecimento de estarem afectadas de doença venérea em período contagioso, a transmitirem a outrem serão punidas com prisão correccional de seis meses a dois anos e multa correspondente, sem prejuízo da responsabilidade civil.
2. A pena de prisão poderá ser substituída pelo internamento em estabelecimento de readaptação profissional por igual período e será elevado ao dobro quando o contaminado for menor de 18 anos.
3. No crime previsto no n.º 1 desta base não haverá procedimento criminal sem prévia denúncia do ofendido ou de seus pais ou tutores.
4. O procedimento judicial prescreve no prazo de seis meses.
5. A infracção ao disposto na base XVII é punida com a pena de prisão correccional até seis meses, independentemente da sanção disciplinar se o infractor for funcionário público.
6. Aquele que falsamente denunciar outrem, atribuindo-lhe a contaminação venérea, será punido com prisão de seis meses a dois anos e multa correspondente.
7. As pessoas que, entregando-se habitualmente à prostituição, deixem de comparecer aos exames determinados pelas autoridades sanitárias ou se recusem a fazer ou a prosseguir o tratamento prescrito por elas serão aplicadas as medidas de segurança previstas no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 35:042, de 20 de Outubro de 1945.
8. As infracções ao disposto neste diploma para as quais se não determina sanção especial serão punidas com multa do 200$ a 2.000$.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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