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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
ANO DE 1949 13 DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º7 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 12 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Os Srs. Deputados Lima, Faleiro, Sousa da Câmara e Cerqueira Gomes falaram sobre a atribuição do Prémio Nobel ao Prof. Egas Moniz.
O Sr. Deputado Melo e Castro ocupou-se das crises de desemprego rural no Alentejo e distrito de Setúbal.
O Sr. Deputado Galiano Tavares apresentou um aviso prévio sobre contratos de trabalho e salários rurais.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre a Lei de Meios. Usaram da palavra os Srs. Deputados Jacinto Ferreira, Vás Monteiro, Botelho Moniz e Salvador Teixeira. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Alves de Araújo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
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Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates cia Cosia.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação sobre este Diário, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Via ser lido o seguinte
Expediente
Ofício
Da Associação Interparlamentar de Turismo comunicando a sua constituição e enviando os respectivos estatutos e referindo-se ao 2.º Congresso Interparlamentar de Turismo, que se realizará em Paris e Versalhes no próximo mês de Setembro. Manifesta por fim o desejo de que a Assembleia Nacional nele se faça representar por uma delegação.
Telegrama
Da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso apoiando a exposição da sua congénere de Braga acerca do feriado do dia 8 de Dezembro.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os esclarecimentos à proposta de lei sobre as receitas e despesas para o ano que vem, enviados pelo Ministério das Finanças, os quais vão ser remetidos às Comissões de Finanças e Economia, ficando, entretanto, à disposição dos Srs. Deputados.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Lima Faleiro.
O Sr. Lima Faleiro: - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez na presente legislatura cumpre-me reafirmar a V. Ex.ª os sentimentos da minha alta admiração pelas nobres qualidades de carácter, saber e inteligência que concorrem em V. Ex.ª pela competência política, extremada gentileza, inexcedível aprumo e sábia experiência no trato dos homens de que V. Ex.ª tem dado sobejas provas, qualidades e predicados que há pouco foram consagrados por uma reeleição tão expressiva, quanto merecida e honrosa.
Aos meus ilustres colegas, já aos que, como eu, transitaram da anterior legislatura, já aos que pela primeira vez tomam assento nesta Câmara, entre os quais avultam alguns dos valores mais categorizados e representativos no quadro mental e político português, apresento rendidas e calorosas saudações e asseguro que sobremaneira me desvanece a honra de ser seu modesto e desvalioso colaborador.
Sr. Presidente: Portugal inteiro continua a vibrar de intenso júbilo pela atribuição ao sábio Prof. Egas Moniz do Prémio Nobel, um dos mais altos galardões, uma das mais nobres distinções de quantas pode ambicionar e merecer a virtude, a bondade, o engenho, o esforço ou a inteligência humana.
Não me proponho traçar aqui -não seria este lugar adequado, nem eu a pessoa indicada para o fazer- o elogio da obra e personalidade do famoso neurologista português, que neste momento atrai sobre o seu nome e a sua pátria, que é a nossa, a curiosidade, o respeito e a admiração mundiais.
Já outros o fizeram, com notável elevação e brilho incomparável, a propósito de ocorrências anteriores, que assinalam horas altas de triunfo na carreira ascensional do Mestre; assim a obtenção em 1945 do Prémio da Universidade de Oslo, pelo valor dos seus trabalhos sobre angiografia cerebral, assim a sua elevação em 1946 a académico de mérito, que é a mais alta categoria que o Estatuto da Academia prevê; vozes mais autorizadas do que a minha o têm feito ultimamente, em artigos de jornais e de revistas da especialidade, em nobilitantes homenagens e mensagens; e estou certo de que outras virão a fazê-lo, nesta Assembleia e fora dela, quando o País se dispuser a saldar condignamente a imensa dívida de gratidão que tem em aberto para com o sábio investigador e a celebrar com a devida solenidade um acontecimento que é da mais alta transcendência, porque reconhece valor internacional à actividade científica portuguesa.
Limitar-me-ei a acentuar que o homem de ciência que o colégio dos professores do Instituto Carolino de Estocolmo acaba de premiar é, pela variedade e multiplicidade das suas aptidões, pelo brilho da sua inteligência
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fulgurante e pelo mérito verdadeiramente universal dos seus trabalhos de investigação científica, uma personalidade marcante e inconfundível na sociedade portuguesa.
Médico especialista de reputação mundial, professor e neurologista que honra a ciência médica portuguesa e a ciência contemporânea, orador e publicista de avantajados recursos, conferencista e polígrafo inspirado e primoroso, diplomata magnífico, académico eminente, há muito que o nome do sábio português brilha, como estrela de primeira grandeza, no rutilante firmamento dos autênticos valores nacionais e internacionais.
Deputado em várias legislaturas, antes e depois de implantada a República, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Ministro Plenipotenciário em Madrid, no consulado do saudoso e malogrado Presidente Sidónio Pais, primeiro presidente da delegação portuguesa à Conferência da Paz, em Paris, se passageira e intermitente, nem por isso deve haver-se de insignificante ou despicienda a intervenção de Egas Moniz na vida pública portuguesa.
Foi, todavia, no campo da pura actividade científica, como genial criador da psicocirurgia, que o eminente cientista se notabilizou e ganhou renome universal, rasgando novos horizontes à Ciência e prestando à Humanidade serviços relevantes e de inestimável valia.
Devo salientar -e faço-o neste lugar com indizível aprazimento - que o Governo da Nação, sempre pronto e presto para tributar justiça àqueles que verdadeiramente a merecem, sem inquirir da posição política ou ideológica dos beneficiários dela, o Governo da Nação, dizia, com inteiro reconhecimento das prerrogativas do talento e perfeita compreensão dos supremos interesses do País, soube antecipar-se ao juízo do estrangeiro - o que nem sempre acontece - na pública e oficial consagração do eminente cientista, que é a figura mais nobre, mais complexa, mais representativa da investigação e da ciência médica portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, comemorando a última lição magistral do insigne catedrático, atingido pelo limite de idade em plena pujança do seu fecundo talento, o venerando Chefe do Estado, sob proposta do Sr. Ministro da Educação Nacional, que era ao tempo o eminente Prof. Caeiro da Mata, figura notável de político, de diplomata, de homem de ciência e de homem de leis, condecorou Mestre Egas Moniz com a grã-cruz da Ordem de Santiago da Espada, em reconhecimento dos relevantes serviços prestados pelo agraciado à Nação, à Ciência e à própria Humanidade.
E efectivamente, na tarde de 6 de Fevereiro de 1945, perante um escol de políticos, de intelectuais e de homens de ciência, entre palavras nobremente laudatórias dos seus invulgares méritos e faculdades, o sábio português recebia das mãos do ilustre Ministro da Educação Nacional as insígnias da mais alta Ordem portuguesa de mérito científico, numa cerimónia tão discreta quanto memorável, à qual a distinção sóbria do ambiente, a categoria das individualidades presentes e a natureza da consagração emprestaram particular realce e luzimento.
E é de louvar que, ao ser-lhe comunicado, por uma comissão de neurologistas portugueses, que o 1.º Congresso de Psicocirurgia. reunido em Lisboa o ano passado, resolvera aprovar uma moção dos delegados brasileiros no sentido de ser pedida a atribuição do Prémio Nobel ao sábio professor português, o Governo da Nação, representado pelo Sr. Prof. Caeiro da Mata, agora ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, haja prontamente prestado a tão justa e oportuna iniciativa o seu decidido apoio e valiosa solidariedade.
Sr. Presidente: considerando-me a cumprir indeclinável dever de patriotismo e de gratidão e crendo interpretar exactamente os sentimentos desta Assembleia, que são, aliás, os sentimentos unânimes do País, congratulo-me pelo facto de ter sido conferido a um português insigne o Prémio Nobel da medicina e rendo as minhas homenagens ao ilustre homem de ciência que, tendo atingido os altos cumes do espírito, onde a inteligência se revela e afirma em todo o esplendor da sua invencível força criadora, aí firmou um padrão imorredoiro do valioso contributo lusitano para o progresso da Ciência e para o bem da Humanidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Comunico à Assembleia que se encontra nos Passos Perdidos o Deputado por Macau, Sr. António Maria da Silva. Convido os Srs. Deputados Sarmento Rodrigues e Adriano Duarte Silva para o introduzirem nesta sala.
O referido Sr. Deputado deu entrada na sala.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa da Câmara.
O Sr. Sousa da Câmara: - Sr. Presidente: tenho a honra de apresentar a V. Ex.ª as minhas saudações. Estas palavras não são ditadas por mera praxe parlamentar, nem mesmo por formal cortesia. Provêm do desejo de afirmar a V. Ex.ª a minha admiração pela obra que tem realizado dirigindo esta Casa, elevando-a, dignificando-a e criando nela o espírito de uma genuína Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E essa tarefa é sem dúvida muito difícil, complexo como é encontrar um meio termo entre o silêncio benévolo que condena e a crítica malévola que destrói, alcançando-se a justa medida, o bom senso esplendoroso que dê crítica desassombrada e construtiva, que constitua estímulo e apoio, que prestigie a Nação e seja garantia de continuidade.
Creio que tenho razão em dizer que todos devemos render as nossas homenagens a quem tão bem tem dirigido os destinos desta Casa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar uma sugestão - que outra coisa não posso fazer, segundo o nosso regimento, antes da ordem do dia. Creio que, depois do brilhante discurso do Sr. Deputado que me antecedeu, é inútil qualquer palavra, qualquer comentário, em defesa da sugestão que vou submeter a VV. Ex.ªs Sinto que, pela sua textura e espírito, pelas transparentes intenções que a inspiram, é supérflua toda a argumentação que a justifique. Ela deve representar o sentir de muitos milhares, senão de milhões, de portugueses que vivem dentro dos nossos territórios ou dispersos pelo Mundo- de toda a gente portuguesa, que vê no prestígio nacional a razão da sua vida, fonte de mais coragem para o labor quotidiano.
A Assembleia Nacional acaba de ouvir, pela boca do ilustre Deputado Lima Faleiro, que o nome de Egas Moniz merece uma consagração nacional. A minha sugestão é, pois, no sentido, justamente, de abrir caminho a essa consagração.
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Egas Moniz conseguia para a sua pátria um grande triunfo! Conquistou o maior prémio - o Prémio Nobel - que, dentro da investigação científica, um homem de ciência pode ambicionar.
Eu creio que não há propaganda mais eficaz, acção mais esplendorosa, serviço mais útil que a propaganda, a acção e o serviço que um homem pode prestar à nação por força da sua inteligência e do seu génio na descoberta da verdade. Quando avança vitoriosamente nos domínios do desconhecido, quando encontra soluções para os problemas que afligem a Humanidade, quando, por força do seu engenho, lhe diminui os sofrimentos, consegue debelar males e doenças, um homem merece a gratidão cia colectividade.
Sr. Presidente: quando medito no que foi a obra de Egas Moniz recordo a vida de um grande espanhol - Ramón y Cajal -, que foi exemplo e guia do nosso Mestre, inspirador das suas investigações, modelo de trabalho e virtudes.
No meu espírito vejo ligados, os dois nomes: Egas Moniz e Ramón y Cajal, ambos Prémio Nobel da medicina. Vejo-os completando-se, assim como a Espanha e Portugal se completam. Vejo-os ligados, embora separados no tempo e no espaço, solidários da mesma obra.
Deus quis que dois homens da Península, justamente dos países que mais espiritualidade lançaram no Mundo, fossem os que haviam de dar a maior e a mais valiosa contribuição para o aclaramento de alguns problemas dos centros complexos da origem do pensamento humano.
Talvez haja observadores acreditando que as obras de Ramón y Cajal e de Egas Moniz se traduzem num passo vitorioso do materialismo, mas eu vejo-os ao contrário, como exprimindo a potência de aclarar mistérios profundos da vida e do espírito, desses mistérios com que a Providência Divina sempre deslumbrou os homens e que continuarão a deslumbrá-los, por maiores que sejam as conquistas do homem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ramón y Cajal conseguiu fazer vibrar a Espanha pela sua obra científica, pelo Prémio Nobel que alcançou, pelo interesse patriótico que transpira das suas palavras, pelos conceitos profundos de humanidade de muitas das suas publicações e livros.
Os seus magníficos trabalhos de vulgarização científica, sobretudo as Regias y Consejos de la Investigación Científica -breviário admirável-, deviam andar nas mãos da juventude, fosse científica ou não, como livros educadores de primeira ordem, páginas brilhantes que entusiasmam e convencem.
Ramón y Cajal conseguiu, como Cid, o Campeador, ganhar vitórias mesmo depois de morto. Quando a Espanha vence a sua cruzada, quando Franco, o glorioso libertador da Espanha, cria condições favoráveis para o renascimento da Espanha, vê-se um sopro de renovação científica cobrir o país de lés a lés. Realiza-se então um Consejo Superior de Investigaciones Científicas, que é orgulho da Espanha e deve sê-lo de todos os países que anseiam pelo progresso científico.
Ramón y Cajal foi compreendido pelo Governo de Franco e é esse Governo que consegue dar ao Mundo uma lição de organização, de poder, de força e de vontade.
A Espanha está hoje equipada, dispõe das instituições, dos homens e dos valores suficientes para a sua grande obra de reconstrução. E, se houver necessidade, há-de saber encontrar, depois do que fez com o seu Consejo, as instituições e os homens de que precisar para a sua defesa ou para a sua salvação. Esse foi um milagre: acordai a Espanha do torpor científico em que mergulhara. Mas tal milagre obteve-se, em grande parte, porque Cajal existiu!
A Espanha foi grata. Construiu um magnífico instituto de investigação cientifica, a que deu o nome de Cajal, criou um museu, onde se guardam recordações sobre a vida do sábio, e ergueu-lhe um monumento no Retiro, à sombra protectora das grandes e lindas árvores.
Quando o Outono chega e os ulmeiros se despedem das suas folhas douradas, que vão caindo lentamente sobre a figura de mármore que perpetua Cajal, dir-se-ia que são lágrimas da Espanha agradecida pelo quinhão de glória que o grande cientista lhe conquistou.
Sr. Presidente: parece-me que nós, portugueses, temos para com Egas Moniz um dever similar àquele que os espanhóis tinham para com Ramón y Cajul.
Creio que saldaríamos a dívida que porventura temos em aberto para com Egas Moniz se sugeríssemos ao Governo a criação de um laboratório que tivesse o seu nome e onde se encontrassem condições favoráveis de trabalho para que ele continuasse a obra admirável dessa escola que forjou com o seu talento e entusiasmo.
Gostaria de ver nesse laboratório, criado em homenagem ao sábio português, umas palavras que traduzissem a nossa maneira de pensar actual, a nossa confiança e a nossa esperança no futuro, palavras, enfim, que traduzissem bem a maneira como Egas Moniz trabalhou e triunfou.
Creio que não encontraríamos melhores palavras do que essas que vejo à entrada da Estação Agronómica Nacional e que são palavras do nosso Chefe: «Estudar na dúvida, realizar na fé».
É uma máxima de autêntico espírito científico, e é também uma norma de estudo ponderado que se executa sem desfalecimentos e que, assim, se encontra o caminho aberto, se executa com inteligência e energia, com audácia e decisão, com entusiasmo e esforços sempre renovados - em suma, com fé -, tal como Egas Moniz procedeu, razão por que agora se encontra em pleno triunfo.
Gostaria ainda que se procurasse evidenciar nesse laboratório o elo que une espiritual e cientificamente esses dois grandes homens: Ramón y Cajal e Egas Moniz.
E, já que pensei numas palavras que se encontrassem gravadas em lápide nesse laboratório, seja-me permitido lembrar que outras -essas do próprio Cajal- poderiam estabelecer a ligação entre as duas grandes figuras da ciência peninsular.
Talvez pudessem ser essas palavras as seguintes: «La más pura gloria dei maestro consiste, no en formar discípulos que le sigan, sino en forjar sabios que le superen».
Justamente com esse espírito, tenho a honra de apresentar a seguinte sugestão:
Sr. Presidente: a Assembleia Nacional, congratulando-se com o triunfo alcançado pelo Prof. Egas Moniz, sugere ao Governo que seja cedido ao citado professor um laboratório, adequado à natureza das suas investigações, onde as possa prosseguir, e em escala ascendente, para bem da Humanidade e para honra do Pais.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sousa da Câmara: transmitirei com muito prazer ao Governo a sugestão que V. Ex.ª acaba de apresentar e estou certo de que o Governo lhe dispensará o justo acolhimento que merece.
Pausa.
O Sr. Manuel Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: quero primeiro cumprimentar V. Ex.ª e certificar o meu
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agrado por o ver novamente presidir aos trabalhos da Assembleia Nacional, em cuja função estou certo de que mais uma vez testemunhará o valor da sua inteligência.
Depois, em nome dos médicos da Assembleia, quero associar-me ao regozijo que hoje aqui se exprime pela concessão do Prémio Nobel de medicina ao Sr. Prof. Egas Moniz.
É a primeira vez que um Prémio Nobel cabe a Portugal; e este facto alegra-nos, aos médicos, como aos restantes membros da Assembleia, porque todos igualmente queremos o bom nome da Pátria, elevamos o seu culto para cima das diferenças doutrinárias e celebramos, como festa comum, a glória com que alguns dos seus filhos lhe beijam a fronte, já mil vezes gloriosa e por tantas gerações enobrecida.
Mas o primeiro Prémio Nobel que vem para Portugal é um prémio de medicina, galardoa o trabalho de um médico, e nós, os médicos, temos aqui a legítima razão de uma nova alegria.
Dobradamente saudamos o Sr. Prof. Egas Moniz. Conhecemos, pela luz da profissão, a sua curva científica, com os dois vértices culminantes da angiografia cerebral e da leucotomia pré-frontal, que decidiram a seu favor as votações do cenáculo nórdico. E felicitamo-lo por ter, com eles, trazido uma assinalada recompensa para a medicina portuguesa.
Bem a merece ela, no esforço e na devoção de muitos que a servem. Dentro dos nossos recursos é notável a obra das Faculdades, dos institutos e dos hospitais, tanto no ensino como na investigação. Valem como amostra, até porque se correlacionam com um dos feitos que o Prémio Nobel veio consagrar: os trabalhos portugueses de angiografia, citados e lembrados por toda a parte, a que muito se prenderam alguns dos nossos nomes mais ilustres. É consoladora ainda a vontade de sempre progredir e melhorar o nível científico; crescem as revistas, multiplicam-se os cursos de aperfeiçoamento, irrompem novas sociedades, alarga-se o intercâmbio com os valores mundiais de expoente mais rico.
E ao lado dos que investigam, dos que ensinam, dos que espalham dentro e fora de fronteiras quanto aprendem e quanto encontram há os mais, os muito mais, que exercem, tratam, vivem, para o combate do sofrimento. São milhares empenhados de norte a sul num trabalho sem par: ou na freima esbraseante das cidades, onde os sacrifícios se diluem, os aprendizados custam anos de esforço e os prestígios se pagam com a escravidão total, ou na tarefa áspera das aldeias e das serras, onde o valor, o carinho, a devoção, têm de transpor-se para cima da pobreza dos recursos e da técnica.
Infelizmente, aqui e lá fora encrespam-se as ameaças contra os princípios seculares e basilares da medicina. Ciência do homem, do indivíduo, da unidade desigual e irredutível à massa, a medicina fica, por natureza, do lado do indivíduo no pleito crucial da época entre o indivíduo e a massa. E, uns por doutrina, outros por falta dela, arrastam, cada vez mais, a medicina para a massificação que representa, quase invariavelmente, o que hoje se chama social; sem repararem, os primeiros como os segundos, que a medicina se empalidece no trabalho, na qualidade, na preparação dos quadros e das elites, sem nenhum se importar que se destrua na medicina o que ela teve de amparo, de conforto, de real sentido humano, para a vida e para a morte de tantas gerações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é esta a hora -e outra virá- de pedir ao País que salve a sua medicina, não deixe perder a magnífica sentinela dos seus valores morais e espirituais; mas é hora de dizer ao País que pode orgulhar-se da sua medicina, agoira altamente premiada e sempre boa embaixatriz quando representa Portugal nos cenáculos científicos do Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: honramo-nos todos que um Prémio Nobel galardoe, pela vez primeira, um nosso concidadão; é duplamente festiva a honra do corpo médico português ao receber, num dos seus pares, louros de tão alta valia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para tentar alinhar também algumas considerações sobre, o grave, vasto e melindroso problema das crises de desemprego da lavoura alentejana.
Serão considerações muito singelas e sem quaisquer pretensões, visto não possuir qualquer especial competência para o assunto, nem como técnico, nem como economista, nem sequer como alentejano, pois nada disso sou.
Mas o problema afigura-se-me tão grave e reclamando tão urgentes soluções que penso não dever calar-se quem tiver uma palavra construtiva para sobre ele dizer.
Mercê de diversas circunstâncias da minha vida, beirão embora de nascimento e criação, foi-me dado, nos últimos anos, viver confrangidamente a atmosfera de verdadeiro pânico e profundo mal-estar que se estende por todo o Alentejo durante as crises que ciclicamente se repetem, nas quais, faltando trabalho nos campos, a miséria e a fome entram imediatamente em milhares e milhares de lares de trabalhadores.
Legitimidade para tratar deste assunto invoco a que me advém de estar aqui na Câmara com mandato do círculo de Setúbal e me parecer dever reivindicar uma maior atenção para os problemas que, em aproximado paralelismo com os dos distritos de Beja, Évora e Portalegre, afligem a vasta zona alentejana do distrito de Setúbal.
É ali o jovem distrito de Setúbal uma verdadeira manta de retalhos, onde administrativamente emparceiram «muitas e desvairadas gentes»: bairros da capital, bairros difíceis da capital, como Almada e Barreiro, Ribatejo, e do mais castiço, como Alcochete, Estremadura, uma grande cidade como Setúbal, ímpar nos seus problemas e nas suas características, e toda uma vasta zona, constituída pelos concelhos de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacem e Sines, que é alentejana geogràficamente, etnogràficamente, quanto à divisão provincial, pois pertence ao Baixo Alentejo, e desventuradamente alentejana também quanto às dominantes características da sua economia.
Excepção feita ao pequeno concelho de Sines, onde a maioria da população vive da pesca e da indústria corticeira (soprando-lhe as desgraças, portanto, de outra banda), o cariz económico e social desta zona do distrito de Setúbal é bem alentejano; basta atentar nas percentagens da população activa que se dedica à agricultura e que são aproximadas das dos distritos de Évora, Beja e Portalegre: 70 por cento no concelho de Grândola, 73 por cento no concelho de Santiago do Cacem e 75 por cento no concelho de Alcácer do Sal.
É certo que há nesta parte alentejana do distrito de Setúbal, a par da cortiça, algumas zonas de policultura - com arroz, milho, um pouco de vinha e até um pouco de cultura intensiva-, que atenuam a aridez da monocultura arvense extensiva. Mas também nos distritos de Évora, Beja e Portalegre, para os quais vejo convergirem sempre as atenções quando se trata deste problema das crises de trabalho, esses oásis existem.
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É certo também que da monumental obra que em conjunto vão constituir as barragens do Pego do Altar, Vale do Gaio e Campilhas, obra nunca bastante louvada e encarecida, antevemos já com enfunada esperança considerável soma de trabalho e estabilidade económica para muita gente da região.
Mas por ora são ali dominantes as características económico-sociais do restante Alentejo, e daí vem que os problemas daquela região se aproximam dos dos distritos de Évora, Beja e Portalegre, e durante as crises de trabalho há ali muita miséria e muita dor, que reclamam também urgentes remédios.
Trago isto porque vejo, em regra, este problema das crises de desemprego referido apenas aos distritos de Portalegre, Évora e Beja, com quase sistemática preterição da zona alentejana do distrito de Setúbal.
E esta preterição verifica-se quer em livros ou revistas que do assunto têm tratado, quer - e isto tem sido mais gravo - na distribuição de verbas que, às vezes, o Ministério das Obras Públicas destina para abertura de obras públicas no Alentejo durante as épocas de crise.
Eu exemplifico: correndo-se a colecção dos últimos anos do Boletim do Comissariado do Desemprego, serviço que legalmente, em face do Decreto-Lei n.º 21:699, de 30 de Setembro de 1932, que o criou, é o responsável principal pela solução de todos e quaisquer problemas de desemprego, uma vez ou outra, raramente, é tratado o caso das cíclicas de desemprego no, Alentejo; mas só ali se vêem referidos os distritos de Évora, Beja e Portalegre.
No livro do ilustre Deputado Sr. Dr. Águedo de Oliveira Portugal perante as Tendências da Economia Mundial, a pp. 177 e segs., onde o assunto é notavelmente tratado, não se encontra qualquer referência à zona do distrito de Setúbal em que também impera a monocultura trigueira.
Idêntica omissão se encontra no recente folheto que acaba de publicar o lavrador bejense e ilustre Deputado Sr. António de Matos Taquenho - Problemas da Terra.
Em parênteses devo referir que este livrinho do Sr. Deputado Matos Taquenho, notável pela soma de interessantes elementos que nele acumula para o estudo dos problemas da lavoura alentejana, e designadamente para o das crises de desemprego, fruto da sua experiência de lavrador, constitui na sua publicação, além do mais, uma boa acção, pela sinceridade, realismo e desinteresse com que encara tão candente problema e lhe procura as soluções.
Mas mais graves que as omissões dos publicistas são as do Ministério das Obras Públicas quando, sob a pressão do ambiente de pânico que se desenha no Alentejo durante as crises, às vezes, se debruça sobre os seus problemas e manda abrir algumas obras para dar emprego aos rurais desocupados.
Sistematicamente as atenções desse Ministério, neste particular, só muito insuficientemente se estendem à zona alentejana de Setúbal. No passado Inverno, por exemplo, em que sofremos uma pavorosa crise de desemprego rural, designadamente no concelho de Santiago do Cacem, crise que coincidiu com a tempestade ali particularmente estrondosa da chamada «Oposição», não conseguimos que um só trabalho público fosse aberto para debelar a crise!
Muita fome e muita miséria campeou, nessa época, naquele concelho, atingindo alguns milhares de lares humildes.
Manda a justiça e a gratidão que eu refira neste passo a compreensão então encontrada no ilustre Sr. Subsecretário da Assistência, que concedeu nessa altura subsídios do Fundo do socorro social, com os quais minorámos algumas dores e alguns estados de extrema carência entre aquela pobre e boa gente.
Mas afinal o que se distribuiu foi esmola e transgrediu-se assim o princípio que vejo proclamado como lema do Comissariado do Desemprego: «Dar trabalho em lugar de esmola», sendo certo, repito, que o Comissariado do Desemprego continua a ser legalmente, embora desintegrado do departamento competente para a política social e anexado a um Ministério técnico, o órgão responsável pela solução de todos os problemas de desemprego.
Em conclusão, portanto, Sr. Presidente, eu queria apenas solicitar a sistemática extensão das soluções dadas às crises de desemprego rural à zona alentejana do distrito de Setúbal, onde, embora com menor volume numérico, elas causam prejuízos sensivelmente idênticos aos causados nos distritos de Évora, Beja e Portalegre.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Queria ainda acrescentar algumas palavras de apoio à intenção manifestada nesta Assembleia antes de ontem pelo Sr. Deputado Galiano Tavares de que este assunto das crises de desemprego do Alentejo seja tratado em aviso prévio.
Trata-se, com efeito, de um problema que se está tornando cada vez mais agudo e clamoroso não só por as suas causas terem sido acentuadas nos unimos anos pelos reveses climatéricos, mas também pela hesitação que tem havido na escolha das soluções adequadas.
E não sofre dúvidas que se trata de um problema grave, vasto, melindroso e de grande acuidade político-social, que bem merece a demorada atenção da Assembleia e do Governo.
Grave problema, Sr. Presidente, porque se trata de encarar de frente esta realidade lastimável: devido à dominante monocultura dos cereais, durante cerca de metade do ano não há no Alentejo trabalho para a grande maioria da sua população activa.
Vasto problema, porque é muito grande o número de trabalhadores portugueses que todos os anos fatalmente sofrem essas paralisações de trabalho e a consequente e imediata miséria - o Sr. Deputado Matos Taquenho. no seu folheto que atrás citei, considerando apenas os distritos de Évora, Beja e Portalegre, dá-nos o número de 87:010.
Se a este número acrescentarmos os rurais das regiões dos distritos de Setúbal, de Santarém e de Faro, que, por participarem das características económico-sociais do Alentejo, normalmente também sofrem as crises de desemprego, depararemos, nos anos mais adversos, com o facto aterrador de cerca de 100:000 portugueses poderem atravessar metade do ano a braços com a miséria.
Melindroso problema, porque, se o considerarmos, como devemos, com a sinceridade e o realismo que impõem quer o condicionalismo da época em que vivemos, quer a ética do regime que nos governa, nós temos de ir bulir com muitos preconceitos enraizados e arvorados em verdades para muita gente. Nós temos de ir bulir com muito empedernido conservadorismo e rotineira mentalidade, e isto quer no terreno técnico da exploração e melhor aproveitamento das terras alentejanas, quer quanto aos pontos de vista político-sociais dos quais este problema ainda é avistado.
Nós temos de ir bulir com a própria decadente e ultrapassada concepção individualista do direito de propriedade, que ainda é a de muitos dos directamente interessados neste problema, nós temos de ir tirar as necessárias consequências do conceito social da propriedade, e proclamar que ela hoje engendra mais deveres que direitos para o proprietário. Nós temos de encarar de frente o problema do absentismo e da atrasada regulamentação, no nosso direito, do contrato de arrendamento dos prédios rústicos, sabido que cerca de 40 por cento das terras do Alentejo andam ainda dadas de renda pelos
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seus proprietários, que da sua beneficiação e condições de exploração se desinteressam.
Grave problema, pois, este das crises de desemprego no Alentejo; vasto e melindroso, ele é também de grande acuidade política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: por não ter sido até hoje estudado com sinceridade e profundidade e não ter sido planificado, como é urgente, um sistema de soluções imediatas e a longo prazo, ele tem sido objecto da especulação, sem escrúpulos, da propaganda comunista entre os rurais.
A generalização de situações de extrema carência a muitos milhares de lares humildes cria estados de espírito de verdadeiro desespero e de natural aceitação, portanto, para a propaganda subversiva.
Além da miséria que em prolongadas épocas atravessa, pelo baixo nível da sua instrução e educação, pois até o sentimento religioso, em grande parte, lhe foi roubado, o rural alentejano encontra-se sem defesa contra a propaganda subversiva, às vezes contra as mais pueris balelas que o Avante e o Camponês insistentemente lhe vão fornecendo.
Há, pois, meus senhores, com urgência, que opor um dique à degradação física, pela miséria, e espiritual, pelo comunismo, em que vai caindo o povo do Alentejo.
For isso reputo da maior oportunidade e urgência a realização do aviso prévio anunciado no sábado pelo Sr. Deputado Galiano Tavares.
Transcendendo o problema das crises de desemprego, a Assembleia terá ocasião de encarar o problema, mais vasto, da necessária e urgente modificação que se impõe na situação geral económico-social do Alentejo.
Para tanto não faltam aqui lavradores experimentados, agrónomos e economistas ilustres.
Eu não esqueço, Sr. Presidente, nem quero menosprezar a soma considerável de trabalho que vários serviços públicos têm já realizado em vista à progressiva valorização do agro alentejano, nomeadamente os serviços de hidráulica agrícola e de colonização interna. Eu sei também, meus senhores, que nestes serviços e nos postos experimentais dependentes do Ministério da Economia há já acumulado vasto cabedal de experiência e de estudo, que permitirá instruir o lavrador alentejano nas tarefas que se lhe vão impor de promover por si próprio, com os necessários auxílios oficiais, os possíveis pequenos aproveitamentos de águas subterrâneas e de superfície, de mecanizar a lavoura, de arborizar terras pobres.
Mas, Sr. Presidente, ainda não vi assente e sistematizada a doutrina que há-de reger esse hercúleo, mas necessário, esforço de transformação do Alentejo, e ainda não vi suficientemente vulgarizados os resultados dos trabalhos científicos e experimentais do Ministério da Economia sob a forma de ensinamentos concretos acessíveis ao lavrador comum, de maneira que o Estado possa pedir responsabilidades aos lavradores que quiserem manter-se rotineiros e, portanto, parasitários.
Alguma coisa do que poderá vir a ser essa programática não esqueço também que já foi há pouco exposta, aliás com muito brilho, pelo Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura, em Beja, no passado dia 30 de Novembro. Mas, Sr. Presidente, se por um lado tenho visto entre lavradores alentejanos que esse discurso deixou certa insatisfação por conter apenas um delineamento geral de algumas soluções, por outro lado a insatisfação aumenta por nele apenas serem indicadas soluções a longo prazo, deixando pairar a incerteza quanto às soluções imediatas que hão-de ser praticadas na próxima crise de desemprego de Inverno, que está à porta.
Isto me obriga, Sr. Presidente, pela necessidade de exprimir o que penso sobre as soluções imediatas para as próximas crises de desemprego, a solicitar por alguns momentos mais a benevolência de V. Ex.ª e da Assembleia.
Como soluções imediatas para a crise que se avizinha há, portanto, novamente que optar entre suportarem as empresas agrícolas os encargos de manutenção dos desempregados, através do cumprimento dos contratos colectivos, ou abrir o Estado obras públicas que absorvam o grande excedente de mão-de-obra.
A primeira solução, aplicada no Verão passado, já hoje não sofre dúvidas de que não foi uma boa solução, pois a lavoura, depauperada por uma série de maus anos agrícolas, não está realmente em condições de suportar tão pesados encargos.
Em todo o caso, devo frisar que, não sendo boa, essa solução foi preferível - a não ter sido adoptada qualquer outra- a ter-se deixado livremente campear a fome e a miséria no Alentejo.
Repeti-la é que seria obrigar a retesar demasiadamente as possibilidades das empresas agrícolas e seria certamente fonte de grave e generalizado mal-estar.
Penso por isso, Sr. Presidente, ser necessário pró ceder-se à revisão desses contratos colectivos e dos dês pachos que lhes alargaram o âmbito de aplicação, e que se torna urgente - pois a crise avizinha-se- que o Instituto Nacional do Trabalho, em esforço concertado com o Comissariado do Desemprego, com os grémios da lavoura e com as Casas do Povo, elabore desde já novas normas de acção, embora de vigência limitada apenas à próxima crise.
Em franca discussão com os representantes da lavoura se veria até onde poderia legitimamente fazer-se suportar por esta os encargos da crise. Deveriam, em cada freguesia, ser consideradas e discutidas, caso por caso, as possibilidades de cada casa agrícola, e eu suponho que assim, em média, a lavoura poderia vir a assumir dos encargos da crise uma parte superior à de 20 por cento indicada pelo Sr. Deputado Galiano Tavares.
Cada lavrador escolheria, de entre os desempregados, aqueles que queria tomar ao seu serviço e que ficariam constituindo uma espécie de quadro permanente.
Os restantes seriam organizados em brigadas por cada freguesia ou por cada concelho, para, segundo planos concertados entre o Instituto Nacional do Trabalho e o Comissariado do Desemprego, serem empregados em obras públicas.
De preferência seriam empregados em obras públicas na região, cujo início se faria coincidir com a crise, coincidência que não tem sido procurada; mas, quando isso fosse difícil, seriam deslocados para outras regiões, até para fora do Alentejo.
Contra isto tenho visto levantar-se a objecção de que o alentejano não emigra, não quer abandonar a sua terra e o seu lar. Trata-se dum hábito que deveria começar-se a contrariar; com o tempo e sob a orientada pressão das necessidades outro hábito se criaria. Agora, que o alentejano está a sentir dura a luta pela vida, como de há muito a sentiram o beirão e o nortenho, se o orientarem tomará também o hábito de emigrar.
De resto, poderiam atenuar-se os inconvenientes do afastamento dos que fossem chefes de família, sendo remetida à família, através das Casas do Povo, parte dos salários ganhos.
A principal parte, portanto, a tomar nos encargos para debelar as crises de desemprego creio, Sr. Presidente, que, por ora, deve caber ao Estado, e não creio que as câmaras municipais possam, na sua maioria, assumir neste momento compromissos de monta.
Assim o impõem as circunstâncias deficitárias em que a lavoura se encontra, assim o impõem até disposições
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legais vigentes e as obrigações que o Estado contraia cobrando, desde 1932, a contribuição para o Fundo de Desemprego.
Até Maio de 1948 tinham sido concedidas comparticipações pelo Fundo de Desemprego no montante de 698:590 contos.
Suponho não carecer de demonstração que a máxima parte destas comparticipações concedidas não o foram para debelar directamente fenómenos específicos e declarados de desemprego. Aquele Fundo tem funcionado sobretudo como um fundo para obras públicas - não quero dizer mal aplicado, mas, mais ou menos, à margem do seu desuno legal.
É indiscutível que as comparticipações pelo Fundo de Desemprego têm contribuído para a extraordinária política de obras públicas que é orgulho do País.
Mas a verdade é que, perante tão graves e extensos fenómenos de desemprego, como são estes das crises periódicas do Alentejo, Lá sobrado motivo para reservar grande parte da aplicação desse Fundo na resolução directa de casos de desemprego, conforme ao objectivo procurado pelos diplomas que o criaram.
Com efeito, percorrendo o relatório do Decreto-Lei n.º 21:699, de 30 de Setembro de 1932, verifica-se que o legislador se preocupou expressamente, e em grande parte, e em o problema das crises de desemprego no Alentejo.
De resto, a lavoura não pede assim um favor, pois, como se vê do artigo 22.º do citado Decreto-Lei n.º 21:699, a propriedade rústica também tem contribuído para o Fundo de Desemprego com 2 por cento de adicional sobre a contribuição predial.
Suportados os encargos pelo Comissariado do Desemprego ou por outra forma encontrada solução, o que me parece é que o assunto mereça urgentemente as atenções do Governo, pois está outra crise à porta e seria muito inconveniente que se deixasse renovar a atmosfera de intenso mal-estar político e social que tem dominado no Alentejo nas crises anteriores.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito tem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para. a Mesa um aviso prévio e um requerimento ao mesmo referente.
O aviso prévio é o seguinte:
Ao abrigo do artigo 49.º do Regimento da Assembleia Nacional, desejo tratar em aviso prévio:
a) Os contratos colectivos de trabalho no Alentejo;
b) As Casas do Povo e o salário familiar dos trabalhadores rurais.
O requerimento é o seguinte:
Requeiro, e em relação com o aviso prévio que acabo de apresentar, que me sejam fornecidos os seguintes elementos :
a) Pelo Ministério das Obras Públicas, nota das verbas concedidas nos últimos cinco anos para cada um dos distritos de Portalegre, Évora e Beja, especialmente para atenuação do desemprego rural nas crises, com a indicação da natureza e das obras e trabalhos em que foram aplicadas;
ò) Pelo Ministério da Economia, nota discriminada do movimento das caixas de crédito agrícola no distrito de Portalegre, quer directamente da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, quer por intermédio dos grémios da lavoura.
O Sr. Presidente: - Vou dar imediato conhecimento do aviso prévio ao Governo e oportunamente ele será marcado para ordem do dia.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1950.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jacinto Ferreira.
O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: não quero que as palavras que vou proferir, em apreciação da proposta de lei que estamos discutindo, sejam tomadas como acto de oposição. Não sou dessas coisas; mas não é verdade que as assembleias de representação nacional têm como principais funções as de fiscalizar os actos do Governo, para que se cumpram integralmente as leis, e ainda a de votar os impostos? De facto assim é e sendo assim não se justifica essa ideia, puramente artificial, da existência de Deputados da maioria e de Deputados da oposição; deve apenas haver Deputados, delegados do povo, o qual, por intermédio deles, pretende ser defendido dos abusos do Poder.
Vozes: - Muito bem.
O Orador: - Assim deveria ser, mas assim não é, de facto, e todos sabemos que nestas assembleias democráticas - e esta também o é - há sempre pessoas que estão ligadas aos êxitos e aos desaires da administração pública e outras que nela não têm responsabilidades especiais. Eu agora sou destas últimas. Não tenho interesses particulares nem responsabilidades nos actos da Administração. Mas, se de facto não tenho estes cuidados, tenho responsabilidades na existência do Estado Novo, que ajudei também a instaurar e que tenho ajudado a manter, do que não estou arrependido.
Seria, no entanto, pouco sincero se dissesse a VV. Ex.ªs que sou adepto do Estado Novo pelo Estado Novo. De facto assim não é. Sou adepto do Estado Novo porque ele representa uma metamorfose necessária ao surgimento do regime natural e tradicional da Nação, e à sombra do qual nos fizemos grandes entre os grandes do Mundo, como disse aqui há poucos dias o Sr. Dr. Lopes de Almeida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E como eu sei que essa metamorfose será tanto mais breve quanto mais perfeita for a sua evolução, tenho que contribuir para esse aperfeiçoamento; assim, eu não ralho, exponho razões, e, dizendo aquilo que sinto, não deixo de ser amigo, amigo até dos melhores, porque sou dos mais conscientes e dos menos volúveis.
Começo por pedir desculpa a VV. Ex.ªs de nesta apreciação que faço da Lei de Meios, não referir abundantemente a legislação dos países mais longínquos em matéria de finanças e até de não citar, eruditamente, as opiniões dos mais ilustres financeiros do Mundo, e de nem sequer me apoiar na citação de alíneas e de artigos deste e daquele decreto, desta e daquela lei.
É que eu não sou financeiro e de finanças não percebo quase nada, pois de finanças apenas conheço o sen aspecto cáustico, como contribuinte que sou, como toda a gente em Portugal, e como delegado de contribuintes. E é nessa qualidade que falo.
O contribuinte o que sabe é que paga, que paga muito e que, muitas vezes, paga demasiado.
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Eu sei, porque já tenho lido muitas vezes, que em determinados países se paga muito mais do que em Portugal. Com certeza; simplesmente, eu raciocino de uma maneira mais simples, tão simples que até tenho certo acanhamento em expô-la: a percentagem de 10 em relação a 120 deixa livres 108, o que pode não ser suficiente, mas uma percentagem de 25 sobre 1:200 leva 300 e ficam livres 900, que podem ser mais do que suficientes.
Parece-me, por consequência, que a percentagem não é um valor real a que possamos abordar-nos. Interessam mais que a percentagem o nível dos rendimentos e o nível de vida.
Quatro pontos essenciais desta proposta merecem o meu reparo:
1.º Pelo seu artigo 7.º pretende o Ministério das Finanças manter para o ano de 1900 os limites estabelecidos em 1946 para o imposto profissional -imposto profissional dos empregados por conta de outrem-, e isso não me parece que possa ter justificação, em vista do aumento do custo de vida ultimamente verificado.
Considera-se, então, o vencimento mensal de 1.000$ em Lisboa coisa tão choruda que mereça a intervenção do fisco?
Com certeza que não se pode estar de acordo com este ponto, nem mesmo em vista da previsão de dificuldades urgentes que surjam, porque haverá outros meios de adquirir as respectivas receitas.
Com o imposto sobre as profissões liberais acontece coisa idêntica.
Generosamente - e digo-o sem ironia - o Estado dispensa a cobrança do imposto nos três primeiros anos seguintes àquele em que o indivíduo formado por cursos superiores exerce a sua profissão, mas nos anos imediatos desforra-se.
Eu pergunto se haverá algum indivíduo formado por um curso superior e que exerça pulso livre nos três primeiros anos da sua actuação capaz de tirar proventos que justifiquem a colecta respectiva.
O imposto profissional de empregados por conta de outrem não deveria incidir sobre ordenados inferiores a 2.000$ mensais, sendo de aconselhar que sobre aqueles vencimentos muito elevados, superiores aos que o Estado atribui a director-geral, seja de facto lançada uma colecta capaz de compensar o Tesouro das falhas que possam resultar-lhe da isenção dos ordenados de menos de 2.000$.
Admito, porém, a impossibilidade dum tal saldo momentâneo. Mas então deveria no relatório do orçamento o Governo focar este assunto, ainda que mais não fosse como reparação moral, para que ele se não apresentasse ao contribuinte como uma sanguessuga insaciável, e antes se pudesse considerar o Estado como um organismo capaz de exercer uma acção supletória, em relação à colectividade, das impossibilidades e incapacidades individuais dos cidadãos.
É necessário ainda que nas profissões liberais os que chegam de novo não sejam sufocados em relação aos que já estão instalados. Eu sou suspeito, porque estou, por assim dizer, a meio caminho. Mas, na realidade, os que exercem as profissões liberais há muitos anos podem tirar delas proventos avultados -e toda a gente sabe que os tiram - e suportar o excesso de tributo dentro do contingente geral atribuído a cada profissão, e que iria beneficiar os recém-chegados, chamemos-lhes assim.
2.º A proposta de lei não faz qualquer referência ao imposto sobre gasolina - imposto chamado de salvação nacional.
Naturalmente não considera a gasolina instrumento de trabalho, em virtude do que dispôs o recente Decreto n.º 37:444, de 9 de Junho último. Não posso concordar com tal critério. Moralmente, não devem ser considerados objecto de colecta os materiais de trabalho, a não ser a partir do momento em que passem a ser um bem móvel, uma propriedade susceptível de por si proporcionar rendimento nas mãos de outrem.
Mas o Estado Novo, que em matéria de impostos tem seguido o critério de que «o povo deve e pode pagar mais», não considerou a gasolina material de trabalho para os motoristas profissionais-e vá de a colectar com impostos pesados.
É certo que não cobra outras contribuições sobre os automóveis, mas segundo a lei actual, tanto paga o rico como o pobre - ou, por outra, paga mais o pobre do que o rico, pois gasta mais o proprietário que possui um ou dois carros para ganhar o pão de cada dia do que o proprietário de um «espada» que passeia no fim da semana ou vai veranear na estação calmosa.
É preciso, é justo, que se volte ao imposto sobre os automóveis, colectados estes desigualmente, consoante a sua qualidade de instrumentos de trabalho, de auxiliares do trabalho ou de elemento de prazer, embora de prazer lícito. Uma distinção honesta entre estas classes de carros, não se considerando utilitários aqueles acima de determinada categoria, como se fez aquando do racionamento da gasolina, e nem tào-pouco aqueles de residentes nas principais cidades, onde há táxis a todas as esquinas, daria satisfação aos que labutam dia a dia, não. prejudicaria os que gastam como entendem o seu supérfluo e talvez fosse susceptível de trazer para o erário público receita superior à actual.
3.º Desde há muito que a Assembleia Nacional, nos seus pareceres sobre a Conta Geral do Estado, alvitra que nela seja incluído o imposto do desemprego. Mas o Estado não se tem deixado convencer, e, quanto a mim, está na boa doutrina.
O imposto de desemprego, que melhor seria designado por imposto especial para obras públicas, porque quase para outra coisa não tem sido a sua aplicação, não tem de ser tornado definitivo. O que tem é de ser abolido, ou, pelo menos, de ser modificado na sua incidência.
O desemprego é um risco do trabalhador, e, por consequência, deve estar abrangido pela previdência social.
Segundo o critério oficial, subsidiar o desemprego será estimular o seu desenvolvimento maciço. Mas ocorre perguntar se subsidiar a doença não concorrerá também para estimular o contágio maciço.
Poderão dizer que a doença é uma coisa que se pode provar, e eu responderei que o desemprego também se pode comprovar. Um dos males desta organização é a sua falta de articulação.
Se aos sindicatos fosse atribuído, devidamente regulamentado, o fornecimento exclusivo da mão-de-obra, cada um deles estaria, em cada momento, em condições de poder elucidar o Estado sobre o nível do desemprego em cada oficio ou profissão ou sobre a carência de mão-de-obra mobilizável.
Resolve-se melhor o problema, diz o critério oficial, proporcionando o trabalho. Mas então, digo eu, proporcione-se trabalho a todos os que pagam. E está o Comissariado do Desemprego em condições de proporcionar trabalho digno a um empregado bancário, por exemplo? Penso que não. pois tenho ouvido dizer a alguns que, quando desempregados se dirigiram àquele Comissariado, e lá lhes foi dito que só podia dar trabalho numa estrada a britar pedra. Já não falo nas profissões liberais, que também pagam, mas para as quais está decretado que não existe desemprego. Mas este assunto ficará para outra ocasião.
Simplesmente, este critério oficial não é sincero. Na crise recente de trabalho no Alentejo o Estado não tratou de arranjar trabalho aos rurais, mas sim de os distribuir, de os arrumar, para casa de uns lavradores, sem, que estes tivessem que lhes dar que fazer.
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Quer dizer: o Estado considera fomentar o desemprego subsidiá-lo com fundos saídos do erário público. Mas já, não admite iguais consequências se o subsídio sai - contra todas as regras da moral e da justiça- da depauperada bolsa do lavrador.
Mesmo integrado na previdência, o imposto poderia manter-se se fosse modificado na sua incidência.-
Há pouco tive conhecimento do seguinte caso: pessoa que vive em casa própria resolveu empregar algumas economias em arranjá-la mais a seu gosto. Fez as respectivas obras, e, passadas duas semanas sobre a sua conclusão, dirigiu-se-lhe um fiscal, que lhe disse que ela teria de depositar tanto de imposto do desemprego. Quer dizer: enquanto essa pessoa teve o dinheiro a render no banco viveu alegre e despreocupada, mas quando deu trabalho foi colectada para o desemprego.
O imposto do desemprego poderia manter-se desde que fossem colectados, por exemplo, os que acumulam empregos, os que trabalham em dias de descanso, os que fazem horas extraordinárias sem motivo justificativo de carência de trabalhadores aptos, os que, em condições não muito regulares, suprem o trabalho dos homens pelo trabalho de mulheres e menores.
O Sr. Santos da Cunha: - Mas V. Ex.ª abandona o critério de que o desemprego é um seguro?
O Orador: - Isso é mais um risco. Parece-me que não será necessário colectar de novo. Pois se ouço dizer que as caixas tom um milhão de contos disponível!...
O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª defende um imposto para fazer face ao desemprego?
O Orador: - Não senhor! Defendo isto: que o que se paga para a previdência seja também para prevenir o desemprego.
O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença? Ou V. Ex.ª detende a necessidade de haver o seguro contra o risco do desemprego do trabalhador, ou não defende, e então o desemprego nada tem que ver com a previdência, ou V. Ex.ª continua a desejar que o risco do desemprego seja coberto pela imposição do seguro, e isso é outra técnica. V. Ex.ª no sou discurso já defendeu duas técnicas diferentes.
O Orador: - Lembro-me do que disse. O imposto do desemprego deve ter uma intenção diferente daquela que tem actualmente.
O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª continua a chamar-lhe imposto !...
O Orador: - Pois se ele é de facto um imposto!...
O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª, quando se refere a expressões técnicas, continua a chamar imposto àquilo que o não é.
O Orador: - Mas a incidência e diferente. O desemprego é um risco do trabalhador, e, portanto, deve ser coberto pela previdência.
É que já só paga suficientemente para a previdência.
O Sr. Santos da Cunha: - De facto para a previdência já se paga o suficiente, mas não se paga prémio para o desemprego...
Evidentemente, temos de estabelecer um prémio novo para o desemprego.
O Orador: - O que sei é que está tão ligada a previdência com o desemprego que àquelas pessoas que pagam para a previdência foi descontado 0,5 por cento no imposto do desemprego.
O Sr. Santos da Cunha: - O desemprego deve ser coberto como uma doença, como V. Ex.ª defende. Simplesmente, o que se cobra para a previdência não chega.
O Orador: - Então que se cobre mais. Isso não afecta as minhas considerações.
O Sr. Santos da Cunha: - A cobertura desse risco, se necessária, deve ser feita acabando-se com um imposto que muitas vezes é para tudo menos para cobrir o desemprego.
O Orador: - O que disse, ou poderia ter dito, é isso mesmo. Naturalmente eu exprimo-me tão deficientemente que não me fiz compreender, mas a intervenção de V. Ex.ª teve esta vantagem: foi a de esclarecer o meu ponto de vista.
Na Feira das Indústrias Portuguesas, uma feliz iniciativa em boa hora realizada, fui chocado por diversas fotografias onde estão mulheres de fato-macaco trabalhando com diversas máquinas.
Ora eu compreendo que na indústria de conserva de peixe as mulheres escabecem a sardinha e a metam nas latas porque é um trabalho de paciência; compreendo que na indústria farmacêutica as mulheres façam as embalagens dos medicamentos por ser trabalho delicado e meticuloso e as mulheres costumam ser mais delicadas do que os homens.
Mas mulheres a trabalharem com máquinas - só se forem de costura ou de pinar carne.
Aos sindicatos deveria competir a discriminação dos trabalhos que devem ser exercidos pelas mulheres e pelos menores, e assim não sue aderia estar a mulher empregada numa fábrica e o homem desempregado, a passar o dia na taberna. E assim, dizia eu, de posse deste Fundo de Desemprego, a previdência ou outro qualquer organismo poderia fazer face a essas crises súbitas que surgem, sem perigo de esgotar as suas reservas ou de aumentar o desemprego, porque a própria incidência do imposto iria contribuir para reduzir a crise de desemprego.
4.º e último ponto:
O artigo 9.º desta proposta de lei estabelece: «Os serviços do Estado e os organismos corporativos...».
Ora quem deve autorizar os impostos não é o Ministro das Finanças, mas sim a Assembleia Nacional.
Eu cito a V. Ex.ªs o que se passou com uma empresa que conheço.
Em 1947 pagou 9.600$ de contribuição ao Estado e 900$ de imposto à respectiva câmara; em 1949 pagou ao Estado 11.200$, ou soja mais 1.600$, e a câmara atribuiu-lhe 3.100$ de licença, ou soja mais 2.200$.
Este contribuinte reclamou e foi-lhe dito que o aumento de imposto verificado foi estabelecido em virtude de um despacho do Sr. Ministro ias Finanças.
Perante este abuso e esta falta de consideração pelo contribuinte, são de admitir concessões tão latas como a do artigo 9.º
Tenho aqui à mão documentos que me dizem o seguinte: um proprietário do Alentejo pagou em 1941 4.300$ de contribuição e 360$ para a Casa do Povo; em 1949 pagou 4.900$ ao Estado e 2.000$ à Casa do Povo.
Não se sabe a razão destes aumentos, mas certamente que resultaram de despachos do Ministro das Finanças e até do Subsecretário de Estado das Corporações, que também tom competência para aumentar impostos.
Ao contribuinte não interessa que o que tem de pagai-se intitule contribuição, imposto, taxa, licença ou quota. Interessa-lhe é saber que tem de pagar e quanto tem
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de pagar, e este último ponto nunca tem conseguido ser esclarecido.
A esta Assembleia é que deve competir a autorização de novos impostos, e o Governo está no direito de a convocar sempre que necessite de novas autorizações, que decerto nunca lhe serão negadas, por serem sempre devidamente justificadas.
A Nação não é nenhuma criança a quem não se possa dizer a verdade, a não ser quando esteja tão doente que não possa, sem perigo, tomar conhecimento do seu estado.
Eis, resumidamente, o que se me oferece dizer a respeito da Lei de Meios.
Penso que é esta a missão desta Assembleia-sugerir ao Governo, em nome dos que lhe confiaram o mandato, aquilo que constitui as aspirações da grei, sem prejuízo da obtenção dos meios necessários à Administração.
Pedir ao Governo a sua benevolência, como quem pede esmola, parece me pouco digno de qualquer das partes.
Mando para a Mesa duas propostas de alteração em harmonia com as considerações que acabo de fazer. V. Ex.ª, Sr. Presidente, lhes dará o destino que entender, porque nem sei se elas são legais, se elas são regimentais. Sou um principiante e suponho que de principiante nunca passarei.
As propostas dizem o seguinte:
Proponho que o artigo 7.º da proposta de lei em discussão tenha a seguinte redacção:
Artigo 7.º Os limites de isenção do imposto profissional dos empregados por conta de outrem são elevados para 18.000$ anuais em Lisboa e Porto, compreendendo Vila Nova de Gaia; 15.000$ nas outras capitais de distrito, e 12.000$ nas restantes localidades.
§ único. Fica o Ministro das Finanças autorizado a lançar sobre os contribuintes desta categoria, com vencimento anual superior a 54.000$, uma taxa progressiva compensadora da quebra de receitas proveniente desta elevação de limite de isenção.
Proponho que o artigo 9.º da proposta de lei em discussão passe a ter a seguinte redacção:
Artigo 9.º Durante o ano de 1950 os serviços do Estado, os corpos administrativos e os organismos corporativos e de coordenação económica não poderão criar nem agravar qualquer taxa ou receita de idêntica natureza, de carácter permanente ou temporário.
Quer dizer: é excluída esta última parte em que se diz «sem prévio despacho do Ministro das Finanças, etc.».
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª então entende que essas alterações devem vir à Assembleia Nacional?
O Orador: - Sim; é da própria Constituição que a Assembleia deve votar os novos impostos, e eu entendo que novo imposto é não só o que tem nova designação, mas também aquilo que vem aumentar os encargos que já existem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: sendo a primeira vez que faço uso da palavra na Assembleia Nacional, é com a maior satisfação que apresento a V. Ex.ª os meus cumprimentos respeitosos e protestos da minha mais alta consideração pelas qualidades de carácter, inteligência e bom senso que em V. Ex.ª há muitos
anos sempre tenho reconhecido e o elevaram pela segunda vez à alta posição de Presidente da Assembleia Nacional.
Os meus cumprimentos são como Deputado e são também como amigo e antigo subordinado que teve a honra de servir sob as ordens de V. Ex.ª no Governo Civil de Portalegre, quando V. Ex.ª sobraçou a pasta do Interior.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, eu prometo, como é meu dever e desejo manifestado por V. Ex.ª, colaborar com espírito de lealdade e tolerância.
Na pessoa ilustre de V. Ex.ª eu desejo ainda saudar os Exmos. Srs. Deputados, a quem ofereço sinceramente a minha camaradagem, para satisfazer o nosso desejo comum de manter à Assembleia Nacional uma vida política de dignidade e prestígio, para bem servir a Nação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: durante a última campanha eleitoral e durante esta discussão, na generalidade, da proposta de lei de autorização de receitas e despesas muito se tem falado da crise dos maus anos agrícolas e, portanto, da situação grave da classe dos agricultores, e também da crise do trabalho agrícola, donde resulta a situação angustiosa dos trabalhadores rurais do Alentejo.
Porque alguns conhecimentos obtive e alguma experiência adquiri quando, no cargo de governador civil de Portalegre, procurei debelar a crise dos trabalhadores rurais, julgo que posso e devo contribuir com alguns esclarecimentos e com a minha opinião pessoal para de algum modo esclarecer a Assembleia sobre estes dois momentosos problemas, que, não selado apenas locais, são também, como disseram os ilustres Deputados Galiano Tavares e Melo e Castro, problemas nacionais.
O assunto vai ser devidamente tratado no aviso prévio apresentado na sessão de hoje por aquele Sr. Deputado, mas para já eu sinto o dever de dizer que, embora seja necessário legislar sobre o assunto dos rurais, certo é que o Estado Novo durante toda a sua vigência tem procurado anualmente acudir com solicitude às crises periódicas do trabalho agrícola no Alentejo, através das autoridades administrativas, das autarquias locais, de comparticipações do Estado, de verbas para reparação de estradas nacionais, de contratos colectivos de trabalho e das Casas do Povo.
As deficiências havidas são provenientes, em grande parte, da falta de oportunidade na actuação, da preparação prévia que se deveria executar para oportunamente se acudir à falta periódica de trabalho agrícola, mas a culpa não cabe ao Governo, que tudo tem feito para que nas épocas de crise não falte pão na casa dos trabalhadores rurais.
O Estado Novo nunca desamparou os laboriosos trabalhadores agrícolas do Alentejo.
E quando eu, como governador civil de Portalegre, desenvolvi uma campanha contra a miséria dos rurais, na época terrível da crise do trabalho agrícola, fui imediata e espontaneamente auxiliado pelos proprietários e pelos trabalhadores, dividindo-se o sacrifício pelas duas classes: os rurais baixaram o salário e sujeitaram-se a recebê-lo em dinheiro ou géneros, conforme as possibilidades dos proprietários, e estes abriram trabalhos de que não havia necessidade urgente, tais como limpeza de terrenos, abertura e limpeza de poços, construção e reparação de muros e caminhos, submetendo-se a despesas com que não contavam e para que muitos não estavam preparados. Foi uma solução de emergência, mas não pode constituir uma norma.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais uma vez tenho oportunidade para revelar a uns e outros a minha enorme gratidão pelo
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sacrifício que então fizeram para debelar o pavor da crise, que lançaria na miséria muitos trabalhadores rurais.
A Direcção de Estradas do distrito e os presidentes das câmaras municipais auxiliaram em tudo que foi possível para dar trabalho a centenas de braços que excediam a capacidade dos proprietários agrícolas. Justo é reconhecer que todos cooperaram com a melhor vontade nesta campanha contra a miséria que surgia por falta de trabalho nos campos.
Como era conveniente estarmos precavidos para debelar crises futuras, tornou-se imperiosa a interferência do Governo Civil junto dos respectivos presidentes das câmaras para estes organizarem antecipadamente projectos de obras locais destinados a obter comparticipação do Estado pura serem sómente executadas nas épocas da crise de trabalho.
Este problema é antigo no Alentejo e vai-se agravando cada vez mais se não tomarmos medidas legislativas. Mas o problema tem solução, como se vê pelo esboço que deixo à apreciação dos Srs. Deputados. Resolver tão grave problema social no Alentejo já era ura dos objectivos de muitos oficiais do glorioso Exército Português quando este em 28 de Maio se ergueu em defesa dos sagrados interesses da Nação. Muitas vezes tenho trocado impressões acerca deste problema com um oficial do Exército dos mais activos no movimento militar de 28 de Maio, o antigo Ministro da Guerra e heróico vencedor do 7 de Fevereiro, coronel Passos e Sousa.
E, para esclarecimento da Assembleia Nacional, devo informar que a minha acção em benefício dos rurais desempregados encontrou eco na imprensa diária, de Lisboa e, sobretudo, recebi o maior apoio e incitamento por parte do Governo, de Salazar e de Carmona. Servirá esta minha afirmação para mostrar à Assembleia Nacional quanto interesse e carinho têm sido dispensados pelo querido e venerando Chefe do Estado e pelo genial e prestigioso Presidente do Conselho para que no lar de cada trabalhador rural do Alentejo não entre a miséria por falta de trabalho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E tanto assim é que já hoje se encontra determinado que as câmaras municipais devem entregar no Ministério das Obras Públicas, até 30 de Junho de cada ano, os projectos de obras de interesse local destinados a receberem comparticipação do Estado.
Além desta determinação, o Estado Corporativo, que tem atendido a todas as classes, não se esqueceu da classe dos trabalhadores rurais, pois para ela criou as Casas do Povo.
Se todas as freguesias rurais tivessem em execução e plena actividade a respectiva Casa do Povo, com os seus sócios efectivos e protectores e com os seus estatutos aprovados pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, não seria tão flagrante a miséria que sofrem os rurais desempregados na época das crises anuais do trabalho agrícola.
As Casas do Povo são organismos prestimosos de cooperação social que fazem honra à organização corporativa portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O seu programa de vasto alcance social tem, entre outros fins, o da cooperação social, da solidariedade e previdência para garantir aos associados um mínimo de auxílio na doença, na velhice, no desemprego.
Seria altamente vantajoso que uma propaganda activa e consciente, talvez dirigida pelas respectivas comissões da União Nacional, dosse até junto dos trabalhadores rurais, dos proprietários e das juntas de freguesia para todos esclarecer acerca das vantagens que resultam da criação e regular funcionamento da Casa do Povo em cada freguesia rural.
Cabe-me nesta ocasião citar um exemplo frisante do meu conhecimento e outros haverá para frisar bem o que pode e deve fazer uma Casa do Povo em benefício dos seus associados.
Quero referir-me à Casa do Povo da freguesia de Santa Eulália, do concelho de Eivas, cujo presidente da assembleia geral e seu principal animador desde a sua criação é o capitão de ca vaiaria Manuel Rodrigues Carpinteiro, que é também Digno Procurador à Câmara Corporativa como representante das Casas do Povo.
Dispõe este organismo corporativo de um posto de socorros muito bem apetrechado e de uma importante cooperativa de consumo. Vai construir-se uma pequena maternidade, com seis camas para parturientes, mulheres de sócios efectivos necessitados, uma biblioteca e dois gabinetes de leitura, sendo um para sócios contribuintes e protectores e outro para sócios efectivos.
Com auxílio do Estado e devido ao grande dinamismo do referido oficial do Exército construiu-se um bairro de casas económicas destinado a trabalhadores rurais que, sendo sócios efectivos da Casa do Povo de Santa Eulália, não professem ideias contrárias aos princípios do Estado Novo e tenham exemplar comportamento moral e civil.
Além destes e doutros benefícios, a Casa do Povo de Santa Eulália ainda tem fornecido subsídios na doença e na invalidez.
Se em cada freguesia rural houvesse unia Casa do Povo e à frente dos seus destinos estivesse um homem com o dinamismo do capitão Rodrigues Carpinteiro, que obra extraordinariamente grande de cooperação social se realizaria nos meios rurais do nosso país, onde ainda é muito baixo o nível de vida dos trabalhadores campesinos !
Pode-se avaliar até onde iria o seu alcance social quando temos o prazer de ouvir o agradecimento dos trabalhadores do mar pula obra que têm realizado as Casas dos Pescadores e pela actividade dinâmica do comandante Henrique Tenreiro.
Parece-me, pois, estar naturalmente indicado que as respectivas comissões da União Nacional difundam entre os mais directamente interessados, que são as juntas de freguesia, os proprietários e arrendatários e os trabalhadores rurais, todos os conhecimentos de organização e fins das Casas do Povo, estabelecidas pelo Decreto n.º 23:051, de 23 de Setembro de 1933.
Sob este aspecto da vida agrária o problema está perfeitamente resolvido pelo Governo de Salazar com a mais adequada legislação; o que não tem havido é a verdadeira compreensão das suas altas vantagens por parte daqueles que são mais directamente interessados.
Muito ainda haveria que dizer relativamente ao abono de família e à criação da caixa de previdência dos trabalhadores rurais; à necessidade da existência, mas em novos moldes, dos contratos colectivos de trabalho; à distribuição dos rurais, na época das crises, pelas obras do Estado e dos municípios e pelos proprietários, devendo caber a estes apenas uma percentagem mínima e só no caso de nem todos os braços disponíveis ficarem absorvidos por aquelas obras.
Não quero, porém, prolongar-me mais sobre esta parte das minhas considerações para não maçar muito a atenção de VV. Ex.ªs, e tanto mais que o assunto das crises periódicas do trabalho rural vai ser discutido no aviso prévio do Deputado Sr. Dr. Galiano Tavares.
Tudo leva a crer que o Governo está a estudar o problema para lhe dar a melhor solução possível: mas,
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seja qual for a solução que vier a ser tomada, eu julgo que se deverão ter na devida consideração as palavras proferidas recentemente pelo Exmo. Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura, engenheiro agrónomo Pereira Caldas, na presença dos lavradores de Beja:
A solução do problema do assalariado rural consiste mais em garantir trabalho permanente do que, propriamente, em aumentar o valor do salário.
Porém o problema não ficará inteiramente resolvido se a lavoura não for apoiada pelo Governo na situação grave em que presentemente se encontra.
Pelo que se tem ouvido na Assembleia Nacional, pode-se concluir que todos estamos de acordo em que o Governo não deverá faltar com o seu apoio à agricultura; e é isto mesmo o que o Governo tem feito, como afirmou o ilustre Deputado Sr. Melo Machado, reconhecendo «que o Governo tem seguido para com a lavoura uma política de crédito que pode classificar de generosa, de generosíssima».
Onde não estamos de acordo é na maneira de o Governo prestar o seu apoio.
Eu entendo que nem sempre dará resultado proveitoso recorrer demasiadamente ao crédito. Todo o auxílio que o Governo possa dispensar à lavoura merecerá a concordância geral dos portugueses. Alas esse auxílio deverá recair mais em sementes tecnicamente seleccionadas, em adubos necessários e aconselhados pelos técnicos, em trabalhos e obras de irrigação, em material agrícola e assistência técnica, em assegurar mercados e valorizar os produtos agrícolas, em procurar diminuir as despesas de cultura, em providências de carácter corporativo, de tal maneira que se possam reduzir as importações e a lavoura possa produzir mais e melhor, do que facilitar créditos, cuja aplicação é difícil fiscalizar.
Na hora difícil que atravessamos, em que o Governo de Salazar é o primeiro a dar o exemplo na redução de despesas, é aconselhável que se reduzam ao mínimo indispensável os empréstimos em numerário.
Temos a franqueza de falar claro e desassombradamente, porque é para bem de todos, é a bem da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Restam-me umas considerações de justo agradecimento ao Governo pelo carinho dispensado ao desenvolvimento económico da colónia da Guiné, por onde eu fui eleito Deputado.
Logo que terminou a guerra e tendo-se reconhecido a insuficiência dos nossos transportes marítimos para transportar com regularidade os produtos coloniais que se iam acumulando no litoral sem as firmas exportadoras obterem toda a praça necessária, as empresas de navegação apresentaram ao Governo planos de renovação das suas frotas, que, depois de aprovados por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Marinha, começaram a ser melhorados uns navios e construídos outros, concedendo o Governo importantes facilidades às empresas armadoras.
Crê-se que dentro de dois anos a colónia da Guiné ficará servida por três navios mistos, assegurando-se assim completamente o transporte de passageiros e mercadorias.
Devido a um avultado empréstimo que a metrópole fez à colónia da Guiné, por intermédio do Ministério das Colónias, é provável que a ponte de Ensalmá, que ligará a ilha de Bissau ao continente, e a ponte-cais do porto de Bissau estejam concluídas também no fim de dois anos. E, então, com a ponte de Ensalmá, a obra portuária de Bissau e o aumento da frota mercante, não haverá dúvida de que na Guiné se farão sentir imediatos e benéficos resultados.
A colónia da Guiné tem, pois, forte razão para manifestar, pelo seu representante na Assembleia Nacional, a gratidão que deve ao Governo.
E maior será a sua gratidão se na margem sul do Tejo, no Montijo, vier a ser estabelecida uma zona franca do porto de Lisboa onde as mercadorias coloniais entrem, podendo ser manipuladas e transportadas e ainda possam ser exportadas para o estrangeiro sem pagamento de direitos. Se vier a ser uma realidade a obra grandiosa, mas muito dispendiosa, que o Governo pretende erguer na banda sul do Tejo e fora do regime fiscal aduaneiro, então poderemos afoitamente dizer que a produção agrícola da Guiné, que constitui os grandes contingentes de exportação, acusará imediatamente um incremento digno das possibilidades daquela exuberante colónia.
Os nossos votos são, pois, para que a projectada zona franca do porto de Lisboa seja mais uma das grandes realizações do Estado Novo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: na minha estreia como orador na actual legislatura tenho o prazer infinito de saudar V. Ex.ª Não o faço por simples dever protocolar. Move-me a justificada admiração pelas qualidades notabilíssimas que elevaram V. Ex.ª ao alto cargo nacional que, para orgulho e vantagem de todos nós, novamente desempenha.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Sr. Presidente: entre os homens que servem a Nação (e porque servem a Nação defendem o Estado Novo) há-os que provêm das mais variadas origens políticas.
V. Ex.ª, antes de 28 de Maio de 1926, tinha empenhado a sua vida no combate político ao partido que então desfrutava das alegrias do Poder. Digo alegrias porque, para os senhores de então, as agruras eram muito poucas - as agruras eram para o País.
Batalhou V. Ex.ª contra a ditadura de um partido em época na qual pertencer à oposição representava coragem perante riscos de todos às dias, lutou galhardamente nesta sala, perante galerias cheias de multidões, que umas vezes buscavam os ecos do escândalo público e outras, ao mando de agitadores, se manifestavam brutalmente, pretendendo coagir os Deputados das oposições...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Exerceu V. Ex.ª o seu mandato parlamentar com raríssimo brilho e em condições de grande perigo.
Mas, se alguém considerar que é fácil fazer oposição e brilhar por meio dela, ninguém duvidará de que se torna muito mais difícil realizar obra construtiva. E V. Ex.ª, para bem do País e glória sua, conseguiu ser igualmente útil tanto na luta contra maus Governos como, uma vez derrubados estes, na grande tarefa de regeneração da administração pública.
Para servir Portugal sob a égide da Revolução de 28 de Maio, V. Ex.ª permaneceu fiel a todo o seu passado político. Só não o compreende quem negue a inteligência e a lógica, porque,- afinal, V. Ex.ª, como eu, encontra-se hoje no campo onde sempre esteve.
E assim conseguiu realizar, nos últimos vinte anos, obra construtiva e patriótica, que o impõem ao respeito e à gratidão do País.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Quando um dia os espíritos andarem menos anuviados ou menos irrequietos pelas lutazinhas políticas, eleitorais ou não eleitorais, próprias de todos os países, e se fizer o balanço das actividades públicas, e principalmente das realizações, das grandes figuras de estadistas deste nosso Portugal, estou convencido de que juiz f s imparciais ou consciências de patriotas hão-de preferir sempre os homens que têm produzido trabalho eficaz e obra construtiva àqueles que só possuem o talento vão de destruir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: pronunciadas estas palavras, que V. Ex.ª sabe serem perfeitamente sinceras e que não correspondem apenas ao meu sentir, mas ao de todos que me escutam (apoiados), entro directamente no assunto e prometo demorar-me pouco tempo.
São dois, unicamente, os casos que pretendo tratar a propósito, e não a despropósito, da Lei de Meios.
E conhecida a minha atitude na última sessão legislativa acerca daqueles que no passado serviram a Nação. Refiro-me aos reformados, aos reservistas, aos inválidos de guerra e, consequentemente, a todos os pensionistas do Estado.
Não pode a Assembleia Nacional legislar no sentido de actualizar pensões ou criar outros encargos ao Estado por virtude da lei-travão, que já vem de outros tempos e que nos limitámos a transformar em princípio constitucional.
Recordo a impossibilidade passada, isto é, anterior ao nosso regime, para que ninguém diga que, neste capítulo, os Deputados de hoje possuem poderes inferiores aos de ontem.
Entretanto, é-nos possível, e constitui acto de justiça, convidar o Poder Executivo a actualizar essas pensões, no sentido de que elas sejam, quanto a subsídio extraordinário, iguais em percentagem ao subsídio das classes activas.
Em consequência do dispêndio que isso representa, deixará em cada ano o Estado Corporativo de erguer alguma nova obra material, a acrescentar às muitas que ornam o seu caminho glorioso?
Certamente. Todavia, em compensação, pelos anos fora, terá praticado obra de humanidade, de justiça e de gratidão pelos serviços prestados ao País por funcionários humildes e hoje desamparados. Assim elevará o prestígio e a força moral dos seus governantes.
Não emprego a justificar a minha sugestão o argumento conhecido de que (reformados e outros pensionistas pagaram em moeda forte as suas quotizações.
Acima dos cálculos actuários e das leis matemáticas coloquemos as leis do coração. Elas obrigam-nos a ser gratos, a ser humanos, a ser cristãos.
Ao apresentar mais uma vez esta opinião declaro que a emito com tranquilidade perfeita de consciência, visto que também nos tempos anteriores ao 28 de Maio protestei constantemente contra o facto de os Governos de então, quando da desvalorização vertical da moeda posterior à guerra de 1914-1918, não haverem actualizado as pensões das chamadas classes inactivas na proporção dos novos vencimentos da classes activas. Quem não teve responsabilidades nos Governos anteriores a 28 de Maio possui direito a acompanhar-me nesta crítica. Não podem formulá-la os elementos das oposições responsáveis, depois da primeira Grande Guerra, pela manutenção de pensões ião actualizadas. Eis uma verdade completa que submeto à apreciação de quem me acusa de sómente dizer meias verdades: como os esquimós e os selvagens dos trópicos, que deixam morrer à míngua de alimentos os velhos e os inutilizados, depois da Grande Guerra as oposições de hoje colocaram à margem da vida os pensionistas do Estado e aqueles que viviam de rendimentos de papéis do Estado.
Não queiramos seguir tão maus exemplos.
Também hoje a grande maioria dos pensionistas oficiais vive entre dificuldades e misérias.
Mas, se pedirmos constantemente ao Estado que despenda mais dinheiro com o seu funcionalismo, a algum lado ele terá de ir buscar as receitas indispensáveis para fazer face a tais encargos.
Todos compreendemos as dificuldades em que se encontra o Executivo para pagar aquilo que às classes inactivas é devido.
Mas julgo -e agora entro imediatamente no outro capítulo que me propunha tratar- que anda por aí uma fonte de receitas muito desprezada. Quero referir-me às pautas aduaneiras.
Não sou daqueles que pretendem que a indútria ou a agricultura portuguesas vivam em regime parasitário, defendidas por elevada pauta alfandegária que permita a lavradores e industriais, medrarem comodamente sob a protecção do Estado.
Entendo que a protecção aduaneira é indispensável, como forma de defesa da economia nacional, para activar as iniciativas particulares, mas sómente indispensável até ao limite em que não crie regimes parasitários nem atrofie injustamente o desenvolvimento de indústrias subsidiárias das protegidas aduaneiramente.
Ora temos de confessar, e todas as estatísticas o confirmam, que Portugal é das nações do Mundo menos defendidas por pautas alfandegárias.
Apesar disso, está a realizar-se no nosso país um grandioso esforço industrial, de que temos testemunho vivo em Lisboa, na Feira das. Indústrias Portuguesas, erguida simbolicamente em plena Praça do Império.
Para corresponder a esse esforço titânico e corajoso precisamos de auxiliar a indústria e a agricultura da nossa terra na sua concorrência com o estrangeiro, que muitas vezes usa do dumping ou de artifícios monetários para invadir o mercado português, sem que, em contrapartida, nos deixe maneira de efectuarmos as exportações dos nossos produtos na medida necessária ao nosso progresso económico.
Há meses, muito sensatamente, o Governo publicou um decreto-lei que agrave u de cerca de 20 para 50 por cento os adicionais às pautas, e isto provocou protestos por parte de alguns importadores, tendo, por outro lado, dado lugar a agradecimentos vivos e entusiásticos de industriais e agricultores.
Entretanto, mesmo considerando esse aumento recente, ainda as pautas aduaneiras em Portugal ficaram muito aquém da generalidade dos países do Mundo, principalmente da América do Norte e de todas as nações da Europa.
Esta situação não é de hoje. Já em 1927, na primeira Conferência Económica Internacional, em Genebra, tive ocasião de fazer notar que era então Portugal o país menos protegido por barreiras aduaneiras, e isso ficou patente nos mapas e estatísticas da Conferência.
Mas a situação agravou-se, e agravou-se em virtude do sistema pautai português, em que quase todas as mercadorias são taxadas por tonelada, e não em relação ao seu valor.
Para os direitos-ouro mantém-se ainda o coeficiente 24,44 da reforma monetária. E como, na maior parte dos casos, incidiu sobre ele apenas o adicional de 50 por cento, os direitos pautais de hoje são muito inferiores, em relação ao valor dos produtos, ao que eram anteriormente à guerra, porque quase todos os artigos de importação, pelo menos, duplicaram de preço.
Urge corrigir o sistema por meio de taxas ad valorem, que acresçam as receitas do Estado e contribuam para evitar o desmoronamento da agricultura e da indústria
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Além de realizar assim a indispensável política de poupança de divisas e de defesa da economia nacional contra as importações, o Estado compensará a diminuição de cobranças alfandegárias devida à redução quantitativa dessas importações. Entretanto, torna-se preciso não esquecer que ao progresso da produção nacional o erário público deve, em grande parte, o montante cada vez mais avultado da contribuição industrial e do conjunto dos impostos complementar e suplementar.
Aquilo que perde em importações ganha-o, com bem maior utilidade nacional, na produção interna.
Por outro lado, sem tibiezas nem hesitações, há que pensar também na atitude a tomar quanto a direitos de exportação.
Andamos constantemente falando na necessidade de o País exportar mais e melhor. Contudo, quando estudamos qualquer caso concreto de produto a exportar, notamos que os direitos de exportação são geralmente excessivos. Como se isto não bastasse acham-se ainda aumentados por taxas corporativas ou, o que ainda é pior, por pagamentos para fundos de compensação ou por encargos de assistência social que noutras nações concorrentes não existem.
Se entrarmos profundamente na questão e estudarmos até que ponto tais direitos aduaneiros, juntamente com os outros encargos citados, influem no preço da mercadoria, verificaremos que algumas vezes a impossibilidade de exportação provém quer dos direitos de exportação, quer da soma destes com encargos sociais que oneram o produto nacional e que não oneram o produto concorrente estrangeiro.
Isto não significa censura ao Ministério da Economia.. Conheço, por acompanhá-los quase diariamente, os esforços inteligentes e profícuos de quem assumiu a ingrata responsabilidade de equilibrar a vida económica da Nação. Contudo, só a cooperação e coordenação mais estreitas entre aquele e os Ministérios das Finanças e das Colónias ajudarão a resolver o problema para que a agricultura, a indústria e o comércio possuam vida sã e progressiva.
Concluindo: ao justo e patriótico aumento das taxas aduaneiras no que se refere a direitos de importação de produtos, que não de matérias-primas, poderá o Estado ir buscar importante acréscimo de receitas, que contribuirá simultaneamente para melhorar as condições de vida dos seus pensionistas e para defender da crise e do desemprego os trabalhadores da indústria e da agricultura.
Quanto à agricultura, o assunto tem sido versado, não só na actual sessão legislativa, como nas anteriores, com largueza e brilhantismo, por oradores que me têm antecedido. Eles disseram o bastante para que os lavradores lusitanos, hoje como ontem, se sintam bem representados. Faltava unicamente esta minha desataviada referência à indústria para que todos nos convencêssemos de que é preferível, em ambos os casos, produzir em Portugal a importar do estrangeiro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: estando em discussão nesta Assembleia, a proposta de lei para autorização de receitas e despesas para o ano de 1950, julguei de meu dever pedir a V. Ex.ª que me autorizasse a subir a esta tribuna a fim de proferir algumas palavras em cumprimento do mandato honroso recebido o círculo eleitoral n.º 4 (Bragança), por onde fui eleito.
A gratidão ali é grande pelo volumoso activo de realizações do Estado Novo, em contraste flagrante com o zero anterior, de que partimos ao dealbar da patriótica jornada iniciada em Braga em 1926.
Deve-se em muito ao prestígio inconfundível dos grandes chefes da Revolução Nacional: Carmona e Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas - e porque não dizê-lo? - tem fundas raízes ali também a certeza de que o Governo, por todos os seus departamentos, continuará a acarinhar e a resolver com a maior possível celeridade - e sempre com acerto - as suas mais importantes e imperiosas necessidades.
E é para delas eme fazer eco neste debate sobre a proposta da Lei de Meios que eu estou roubando a generosa atenção de V. Ex.ª e dos Srs. Deputados.
Não apoiados.
Tendo feito cuidadoso estudo da proposta em questão e do douto parecer sobre ela emitido pela Câmara Corporativa e ouvidas as considerações judiciosas proferidas pelos ilustres colegas que me precederam nesta tribuna, julgo de meu dever dar-lhe o meu voto de plena aprovação.
E, ao afirmar a minha conformidade, devo referir-me a vários assuntos que, sendo de interesse geral para a Nação, o são muito especialmente para o distrito de Bragança.
Uma grande parte da população da metrópole faz ainda uso - e felizmente - do pão de centeio e do de milho.
Para os cultivadores de trigo tem havido facilidades de crédito, que ultimamente foram cerceadas e, no entender do nosso ilustre colega Sr. Melo Machado, que aqui o frisou na sua magistral intervenção de 9 do corrente, por forma injusta. Associo-me ao pensamento de S. Exa.
Se nós temos necessidade de intensificar a produção de cereais panificáveis -e não só de trigo-, porque razão se não estabelecem, com toda a justiça, pelo menos, as mesmas facilidades de crédito aos cultivadores do centeio e do milho?
E porque se faz distinção entre os cultivadores que utilizaram o crédito no último ano e os que o utilizaram em anos anteriores?
Os grémios da lavoura têm os seus orçamentos de despesas muito sobrecarregados com os encargos das rendas dos prédios que ocupam com os seus armazéns e escritórios.
Não será possível conceder-lhes empréstimos para construírem as suas sedes por fases, segundo a sua maior necessidade, evitando completamente o supérfluo, desde que se averigúe que a economia resultante do não pagamento de rendas chegaria para a liquidação da amortização e juros de tais empréstimos, nos termos da lei de melhoramentos agrícolas, que aqui aprovámos?
Não será possível, se necessário, facilitar a construção referida, concedendo para ela a comparticipação do Estado pelo Fundo de Desemprego?
A mecanização da agricultura é uma necessidade urgente para os terrenos onde ela seja possível.
Para as regiões onde o regime da grande propriedade não existe - e é o caso da região transmontana - não será possível prover as brigadas técnicas do Ministério da Economia ou os grémios da lavoura da aparelhagem indispensável ao início de tal mecanização, facultando-a, com o pessoal adestrado, aos lavradores, mediante o pagamento do que for reputado justo pelo trabalho prestado, para a amortização das somas investidas e renovação do material?
Por todo o distrito são inúmeros os melhoramentos rurais levados a efeito ou em curso, mas as necessidades são ainda muitíssimo grandes, e, de quando em vez.
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aparece mesmo um surto epidémico a atestar o atraso em que nos encontramos. Não nos esqueçamos de que o material humano, iluminado pelo espírito, é o mais valioso de todos e de que, por isso, é necessário defendê-lo com toda a decisão.
E para tal não será possível intensificar ainda mais os melhoramentos rurais e outros que àqueles meios interessam naquela região, pelo menos até que ela atinja o nível das regiões rurais mais progressivas do País?
A falta de edifícios para escolas primárias no distrito é notório, se bem que alguns -e não poucos- se tenham construído dentro do chamado Plano dos Centenários e até pelos recursos locais.
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E, assim, não será possível actualizarmo-nos na construção lê edifícios escolares?
Sr. Presidente: há tempos um esperançoso moço transmontano, aluno de um curso superior, a quem o cumprimento rigoroso doa deveres escolares não impede de se interessar pelo progresso da sua e nossa região, dava um brado em prol de uma aspiração já velha, mas cada vez de maior acuidade, no jornal que o devotado nacionalista e jornalista de garra Pedro Correia Marques dirige.
Refiro-me à ligação rodoviária directa da ponte sobre o Sabor à ponte sobre o Douro, no Pocinho, ambas no concelho de Moncorvo, que reduz a um terço a distância a percorrer pela estrada que entre aquelas duas pontes liga todo o distrito de Bragança à margem esquerda do Douro e, por ela, ao Centro e Sul do País.
Tal aspiração já foi objecto de uma larga e bem fundamentada exposição, dirigida há mais de uma dúzia de anos às instâncias superiores por todas as câmaras do distrito, exceptuando a de Moncorvo, que, ao tempo, por melindres bem compreensíveis, pareceu não dever assinar, embora concordasse com a importância e interesse geral que a envolvia.
Já se encontra mesmo -e não podia ser de outra forma- incluída no plano rodoviário.
Não será possível que tal estrada seja mandada estudar e construir rapidamente, sem prejuízo das que estão em execução ou já estudadas no distrito?
Sr. Presidente: a montante da ponte do Pocinho, que liga as duas margens do Douro nos concelhos de Moncorvo e Foz Côa, não existe qualquer outra ponte, apesar de ser muito importante o tráfego por barcos em Barca de Alva, onde as estradas nacionais chegam às margens do rio e esperam a ponte que ali há-de ligar os dois distritos: Bragança e Guarda.
Encarecer a necessidade e urgência de uma ponte no local .indicado seria redundância, incompatível com o valor que o tempo tem nesta Assembleia.
Por isso limito-me a perguntar: não será possível construir, dentro em pouco, uma ponte em Barca de Alva, a ligar as estradas nacionais que ali já afluem dos distritos de Bragança e da Guarda, embora tal ponte, para maior urgência, seja construída com a armadura metálica de uma ponte já fora de uso na Régua e que seria muito preferível ter aquela aplicação imediata a ser destinada simplesmente a sucata?
Pelo que respeita a comunicações, apreciáveis melhorias se vão notando: redução de tempos de percurso dos comboios correios e directos, uso de automotoras na linha do Tua, para ligação com os rápidos Porto-Lisboa, condução de malas de correio de e para o Porto nas automotoras e sua distribuição bastantes horas mais cedo, início da construção de pistas nos campos de emergência para aviões e melhoria, pelo aumento de circuitos, das ligações telefónicas. Mas ... não será possível:
Fazer circular também automotoras entre Tua e Pocinho e desta estação até Duas Igrejas?
Construir com a maior urgência o campo de aviação do Nordeste, localizado nas proximidades de Mirandela, a que aludiu o nosso ilustre colega Sr. Dr. José Pinto Memores, e concluir as pistas iniciadas nos outros campos de emergência?
E estabelecer com urgência postos telefónicos públicos nas localidades que foram já há muito tempo indicadas como as mais necessárias para, em cada concelho, servirem as freguesias que lhes são mais próximas e de que ficariam provisoriamente a constituir o centro das comunicações telefónicas?
Pelo que respeita à electrificação, o distrito de Bragança está ainda muitos anos atrasado.
Quase me sinto envergonhado de aqui dizer a verdade nua e crua sobre o estado actual de tão importante factor económico.
Mas a verdade é que no distrito, que é dos maiores, em extensão, na metrópole, só existem presentemente os abastecimentos de energia eléctrica às sedes dos concelhos, e, nelas, só durante parte da noite, com excepção de Bragança, que a tem durante toda a noite, e de Mirandela, que desfruta de tal benefício de dia e de noite, mas a título provisório.
E dá-se até o caso inverosímil, mas verdadeiro, de Freixo de Espada à Cinta a estar recebendo -até parece que é por contrabando- do país vizinho e amigo: a Espanha.
E tudo aquilo, e só para iluminação -e não é muito -, de origem térmica, salvo Bragança, que tem uma instalação mista termoídrica de possibilidades limitadíssimas, mas que tem apenas uma rede de distribuição, servindo simultaneamente a iluminação pública, e a particular. E, a propósito, muito de desejar seria que os serviços respectivos aprovassem rapidamente a solicitação, feita pela Câmara Municipal daquele concelho, para poder melhorar a instalação da central e a r
A necessidade de energia eléctrica abundante e a baixo preço é tão evidente que me parece não dever aguardar-se os dez anos que foram fixados à Empresa do Távora para fazer o seu aproveitamento hidroeléctrico e instalação da rede de distribuição na província de Trás-os-Montes.
É à luz desta realidade -direi, com mais propriedade, nesta escuridão cerrada - que pergunto se não valerá a pena pôr em andamento rápido a execução do projecto do aproveitamento hidroeléctrico do rio Sabor, no concelho de Moncorvo, já estudado e pronto a ser executado pela Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola, e instalar, a tempo de poder ser «utilizada rapidamente, a rede de distribuição do distrito de Bragança?
Na serra do Reboredo existe um colossal jazigo de minério de ferro, que, na sua parte já pesquisada, dá
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uma garantia de fornecimento muito volumoso durante uma exploração de séculos.
Na região de Guadramil prosseguem os trabalhos de pesquisa de minério do mesmo metal. Destes trabalhos depende, ao que me dizem, o estabelecimento do plano de aproveitamento dos minérios existentes nos referidos jazigos. E simultaneamente parece prosseguirem trabalhos de pesquisa de outros minérios, levados a efeito pelo Repartição de Fomento Mineiro na região.
Não será possível que tais trabalhos se intensifiquem por forma a rapidamente se poderem tirar da sua conclusão os melhores resultados para a economia nacional?
Se os Ministérios respectivos responderem afirmativamente por palavras, mas principalmente por obras, com ou sem o auxílio do Plano Marshall, às perguntas que venho de formular, contribuirão grandemente para aumentar de maneira muito apreciável a matéria colectável do Nordeste transmontano, que também é Portugal, e facilitar a manutenção do equilíbrio orçamental, que todos reconhecemos ser indispensável, como Lord Keynes, Stafford Cripps, François Perroux, Ragnar Trisch, Trygvie Haavelmo, Laufenburger, ou sem tão conspícuos cidadãos, anãs sempre com a orientação forte, sábia e justa de Salazar.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
António Maria da Silva.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Pereira dos Santos Cabral.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António, de Matos Taquenho.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Herculano Amorim Ferreira.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA