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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 21

ANO DE 1950 27 DE JANEIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 21 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 26 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com emendas, o Diário das Sessões n.º 19.
Deu-se conta do expediente.
Usaram, da palavra os Srs. Deputados Moura Relvas, que se referiu ao porto da Figueira da Foz e à necessidade de este ser melhorado; Joaquim, Brandão, para chamar a atenção do Governo para o estado em que se encontram as estradas do distrito de Aveiro, e Marques Teixeira, que traduziu algumas aspirações da cidade de Viseu.
O Sr. Deputado Duarte Silva foi autorizado a depor como testemunha.

Ordem do dia. - Continuação do delate, na generalidade, sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Galiano Tavares.
Usaram da palavra os Sr. Deputados Manuel Lourinho, Sousa da Câmara, Henrique Tenreiro e Matos Taquenho.
O Sr. Presidente deflorou encerrada a sessão às 19 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes. Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Finto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.

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Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Pinto Meneies.
José Soares da Fonseca.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 92 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 19.
O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 19: a p. 238, col. 1.ª, 1. 59, a seguir à palavra «decreto» acrescentar: «17:774».

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: no Diário das Sessões n.º 19, a p. 244, col. 2.ª, 1. 3, está registada uma intervenção minha com o nome do Sr. Deputado Manuel Cerqueira Gomes.
Desejo que seja feita a devida rectificação.
Como nessa intervenção estão várias palavras a mais, desejo que ela seja. corrigida, para que fique assim: «V. Ex.ª dá-me licença? Nos números que tive ocasião de observar numa conta reguladora do preço do venda a lá representava o mínimo. O máximo resultava das percentagens desde a fábrica até ao retalhista».

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovado o Diário das Sessões n.º 19, com as alterações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte

Expediente Telegrama

Da Casa do Povo de Oledo apoiando o discurso do Sr. Deputado Santos Carreto sobre desemprego o as Casas do Povo.

Ofícios

Da Casa do Alentejo pedindo interesse para a crise rural daquela província.
Da Câmara Municipal da Calheta, S. Jorge, pedindo seja mantido o cartório notarial com sedo em Vila do Topo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Moura Relvas.

O Sr. Moura Relvas: - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez nesta legislatura, é com o maior prazer que apresento a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as minhas sinceras e respeitosas homenagens.
Não desejo abusar da paciência de V. Ex.ª mas não posso eximir-me, por outro lado, ao dever que me impõe a qualidade de Deputado pelo circulo de Coimbra.
Quero referir-me ao que se passa com a Figueira da Foz, cujas condições actuais constituem um obstáculo à indústria da pesca, onde os barcos encalham, onde os prejuízos se amontoam, onde as iniciativas morrem, definhando uma cidade que empobrece, quando podia e devia ser um dos primeiros portos do nosso país.
Há quatro anos o navio de pesca Henrique Tenreiro incendiava-se na margem esquerda do Douro, consta que por curto-circuito na casa das máquinas. Há alguns dias outro navio, da mesma empresa da Figueira da Foz, o Bissaia Barreto, incendiava-se nas mesmas condições e no mesmo local.
Cada um destes barcos custara à empresa cerca de 8:000 contos, cada um deles era de 75.0 toneladas líquidas.
Como se verificava a actividade destes navios? Por causa das deficiências da barra da Figueira da Foz, estes barcos regressavam a Portugal com a sua preciosa carga e deixavam-na no Douro, donde era transportada em pequenas embarcações para a Figueira.
Demoras, prejuízos, contrariedades, complicações desta ordem não podem deixar de repercutir-se sobre o moral das entidades, companhias e pessoas empreendedoras da Figueira.

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A actividade e o espírito de empresa, as melhores qualidades dos grandes povos modernos, sofrem na Figueira uma inibição que afecta gravemente o centro do País, ou sejam as Beiras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou relatar com alguns pormenores a ânsia sempre viva dos beirões em se acolherem em torno de velhas aspirações, como gente hospitaleira por excelência, gozando *o fruto duma sociabilidade simpática e sempre correcta.
Assisti em 1932 e presidi à sessão de encerramento do V Congresso Beirão.
Ali foram tratados os mais importantes problemas das Beiras; apareceram muitas teses e comunicações, todas revelando o empenho da valorização das Beiras.
Sobre fomento foram apresentadas teses dizendo respeito à irrigação dos campos da Idanha, às comunicações telegráficas e telefónicas, ao aproveitamento das quedas de água do Zêzere, ao «angustioso problema das estradas D, à viação interessando a serra da Estrela.
A sagacidade dos membros do congresso tinha os feito descobrir as nossas deficiências e as bases da nossa revalorização.
Aqueles problemas, cruciais em 1932, estuo integralmente resolvidos hoje pelos Governos de Salazar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Torna-se curioso notar que a ilustre poetisa D. Branca de Gonta falou da necessidade de agremiações de recreio e cultura, quando hoje, em vez dessa aspiração modesta, temos a F. N.º A. T., que constitui em larga escala a projecção desdobrada e ampliada dos desígnios da ilustre escritora.
O nosso património artístico, de que se ocuparam diversos oradores, está hoje acautelado, restaurado e acarinhado, graças à acção da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
A criação e funcionamento da Direcção-Geral de Urbanização ajustam-se plenamente à necessidade que um dos oradores via de «estudar e organizar planos de urbanização, com ordem e método, técnica e estética». , Sobre assuntos administrativos, sociais e económicos a teso de maior relevo referia-se à necessidade dum novo Código Administrativo, para apor termo à confusão actualmente existente, que muito prejudica a boa marcha administrativa». Pois temos hoje o Código Administrativo e uma excelente administração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também obteve solução o difícil problema do abastecimento de água a Castelo Branco.
Falou-se de desastres de trabalho, código e horário de trabalho, reforma dos trabalhadores, então uma utopia democrática e hoje uma das coroas de glória da organização corporativa.
Um ilustre colega meu mostrou-se preocupado, com toda a razão, com as condições sanitárias da cultura do arroz; essas preocupações pertencem felizmente ao passado, com a actual e proficiente organização de serviços médicos especializados e coordenados, para aquele efeito, sob a égide da Direcção-Geral de Saúde.
Um congressista falou sobre frutas; agora podemos afirmar que a Junta Nacional das Frutas tem cumprido brilhantemente o seu dever, merecendo aplausos unânimes de produtores e consumidores, criando ao mesmo tempo uma importante fonte de receita na nossa exportação, que deixou de nos envergonhar com as antigas fraudes.
A Junta Nacional do Vinho, o crédito agrícola e a arborização das terras incultas foram outras conquistas do Estado Corporativo na solução prática dos problemas nacionais e regionais.
Já podemos olhar para trás, rever a obra feita, verificar que temos um Governo nacional, porque a Nação não são as palavras que se dizem, visto que há aspirações suicidas, há aspirações ilógicas, há aspirações irrealizáveis.
A Nação é tudo o que interessa materialmente e espiritualmente a cada um de nós, dentro de um conceito de equidade, justiça e bom senso; a Nação é a nossa religião, são os nossos hábitos tradicionais, é a nossa arte, a nossa agricultura, a nossa indústria, o nosso comércio e o nosso trabalho. Assim o tem entendido sempre o nosso Governo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas com tão grandes e vantajosas realizações, com tantas aspirações satisfeitas, fica um problema de pé, interessando o Centro do País, porque é necessário que as Beiras tenham o seu pulmão, isto é, o porto da Figueira.
Na medida em que se for obtendo a melhoria das condições agrícolas e industriais das Beiras, graças às grandes obras nelas realizadas e em curso, à medida que a sua riqueza aumentar, mais apertadas elas ficarão, sem saída para o mar.
Torna-se oportuno pensar nas consequências asfixiantes da falta do porto da Figueira, para não termos de lamentar uma indesculpável imprevidência.
Sem o porto da Figueira as Beiras são uma casa sem porta.
O Governo deve abrir essa porta sem demora, para permitir que as Beiras escoem os seus produtos para o lado marítimo e do mar recebam, a tempo e horas, entre outros produtos, uma parte que devo tornar-se importante na sua alimentação, que é o peixe.
O porto da Figueira é o complemento lógico do que o Estado Corporativo tem feito por terras das Beiras.
Isto não é uma simples questão particular interessando homens de negócios ou empresas comerciais.
Os exemplos que apresentei no começo das minhas considerações são apenas um sintoma, vincam a questão como uma gravura num livro.
Francisco Maria Pereira da Silva, director das Obras Públicas, afirmava em 1865, há quase um século, que o porto da Figueira concorrerá «para o engrandecimento do nosso comércio e indústria», sendo o «receptáculo natural e mais económico para a exportação de tantos produtos agrícolas de que abundam as duas Beiras».
O porto da Figueira tornar-se-á, com efeito, um dos primeiros de Portugal, elevando o nível de vida da laboriosa população das nossas Beiras.
Sei que o Governo está empenhado em solucionar este assunto, que os estudos prosseguem, mas os factos ocorridos obrigaram-me a lançar este grito de alarme para aplaudir o Governo e para lhe pedir que a Figueira não fique esquecida no Plano Marshall.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Joaquim Pinho Brandão: - Sr. Presidente: pedi a palavra antes da ordem do dia para chamar a atenção do Governo, e especialmente do Sr. Ministro das Obras Públicas e da Junta Autónoma de Estradas, para o mau estado em que se encontram algumas estradas nacionais do distrito de Aveiro.

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É este distrito, Sr. Presidente, um dos de maior relevo e de mais vincada importância do País. Distrito de uma enorme densidade de população, entre esta se contam alguns dos melhores valores sociais e políticos da Nação.
A economia do distrito de Aveiro, Sr. Presidente, exerce vincada influência e desempenha singular papel no conjunto da economia nacional; a sua indústria, tão variada e fecunda - de cerâmica, de chapelaria, do máquinas de costura, vidreira, de lacticínios, de adubos químicos, de conservas, de sal, de pesca -, e a sua agricultura, tão rica em produção de milho, vinho, arroz e madeiras, fazem indubitavelmente do distrito de Aveiro uma das maiores forças económicas da Nação.
Por isso, Sr. Presidente, o distrito de Aveiro não pode ser esquecido pelos Poderes Públicos, não pode ser ignorado pelos altos representantes da administração pública. Pelo contrário: esse distrito, cuja população excede já o meio milhão de habitantes, tem o direito de ser olhado pelos governantes com especial atenção, de forma que lhe seja feita a justiça que merece.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora alguns concelhos deste laborioso distrito, Sr. Presidente, não são servidos por caminhos de ferro e as estradas que os servem atingem assim uma importância e um relevo muito maiores.
Mas acontece até que os concelhos que não são servidos por caminhos de ferro têm piores estradas do que os concelhos que gozam daquela regalia. Estão neste caso, por exemplo, os concelhos de Vale de Cambra, Castelo de Paiva o Arouca.
E, todavia, Sr. Presidente, o progresso destes concelhos, o seu desenvolvimento e a elevação do nível de vida da sua população dependem, em grande parte, do número das suas estradas e do estado de conservação destas.
São as estradas, nesses concelhos, que asseguram e garantem o transporte dos produtos que interessam aos mesmos, pois por elas se tem de fazer a importação das mercadorias de que esses concelhos necessitam e a exportação dos produtos que, fabricados aí, se não consomem na região e se destinam, por isso, a outros concelhos.
É o transporte dos mencionados produtos que interessam a tais concelhos feito exclusivamente em camionetas, que, neste caso, não fazem concorrência aos caminhos de ferro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há necessidade urgente, Sr. Presidente, de proceder à reparação e construção das estradas nacionais constantes do plano rodoviário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34:593, de 11 de Maio de 1945, e que interessam aos concelhos a que já fiz referência.
Seja-me permitido fazer uma breve referência a algumas dessas estradas.
A estrada nacional n.º 224, de 2.ª classe, que vai de Entre-os-Rios a Estarreja e passa por Castelo de Paiva, Arouca, Vale de Cambra e Oliveira de Azeméis, no troço compreendido entre Arouca e Vale de Cambra, encontra-se em péssimo estado de conservação, é estreita e com curvas de pequeno raio.
Urge, pois, que se proceda imediatamente à grande reparação desta estrada, fazendo-se desaparecer aí uma grande parte das suas curvas, alargando-a, pavimentando-a e alcatroando-a, pelo menos.
Esse troço, na sua maior extensão, assenta em terreno enxuto, que, por isso, oferece ao trânsito maior resistência, tornando-se mais económica a sua grande reparação, porque, à excepção de poucos quilómetros, dispensa o pavimento em paralelepípedos.
Acaba, Sr. Presidente, de ser concluída a grande reparação desta estrada no troço compreendido entre Vale de Cambra e Oliveira de Azeméis, com pavimento em paralelepípedos, e esta obra de relevo e de tanto interesse para o concelho de Vale de Cambra e outros deve ser continuada sem demora no troço entro Vale de Cambra e Arouca.
Também nesta mesma estrada n.º 224 e no troço compreendido entre Oliveira de Azeméis e Estarreja se anda a proceder a grande reparação, sendo uma parte dele, a compreendida entre Estarreja e Tonce, com pavimento em paralelepípedos e a outra parte, a compreendida entre Tonce e a vila de Oliveira de Azeméis, com pavimento a macadame.
Aproveito a oportunidade de falar nesta estrada para dizer que a parte da estrada compreendida entre Tonce e a vila de Oliveira de Azeméis acabou há meses de ser reparada com pavimento a macadame; mas, porque o terreno aí é excessivamente húmido e argiloso, esse pavimento já começou a ficar inutilizado e dentro de três ou quatro anos, mesmo sem invernos rigorosos, ficá-lo-á completamente, com grande prejuízo para o Estado, que gastou na reparação dessa parte de estrada algumas centenas de contos.
No interesse, pois, do próprio Estado e no interesse dos povos que aproveitam com essa estrada é conveniente que o pavimento em paralelepípedos entre Estarreja e Tonce seja continuado sem demora entre Tonce o Oliveira de Azeméis, aproveitando-se para isso o pavimento já ai feito em macadame; impõe-se para já o pavimento em paralelepípedos nesta estrada o entre Tonce e a vila de Oliveira de Azeméis, pelo menos na parte que não obrigue à alteração do traçado da estrada.
Se assim se não fizer imediatamente, ficarão perdidas algumas centenas de contos que o Estado acaba de gastar aí.
A estrada nacional n.º 326, de 3.ª classe, que vai de Espinho às proximidades da vila de S. Pedro do Sul e atravessa as freguesias de Nogueira, Lourosa, Fiães, Lobão, L oure do, Vale e Eomariz (do concelho da Feira) e de Fermedo, Escariz, Mansoros, Tropeço, Rossas, Santa Eulália, Burgo, Arouca, Moldes e Cabreiros (do concelho de Arouca) e Manhouce e Bordonhos (do concelho de S. Pedro do Sul), encontra-se também em péssimo estado de conservação, é estreitíssima e tem numerosas curvas de pequeno raio.
Esta estrada, Sr. Presidente, serve assim directamente os interesses de muitos concelhos e é de importância relevante para o concelho de Arouca por constituir a via directa entre este concelho e a cidade do Porto. Ora é precisamente com esta cidade que Arouca mantém a quase totalidade das suas transacções.
Acaba de ser concluída uma pequena reparação nesta estrada, no troço existente no concelho da Feira, mas essa reparação não resistirá por muito tempo ao respectivo trânsito, devido à natureza do terreno, que é argiloso o excessivamente húmido.
Impõe-se, Sr. Presidente, que seja levantado com urgência um novo traçado dessa estrada, alargando-a, fazendo desaparecer as suas perigosíssimas curvas e construindo nos troços de terreno húmido e argiloso um pavimento em paralelepípedos e nos restantes troços um pavimento alcatroado, e ainda que no troço entre Arouca e S. Pedro do Sul se proceda o mais depressa possível ao levantamento do respectivo projecto do construção e à consequente abertura desse troço.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Do plano rodoviário aprovado pelo citado decreto faz parte um ramal a esta estrada, o qual tem o n.º 326-1 e vai da vila de Arouca à importantíssima freguesia de Alvarenga, cuja construção foi iniciada há três anos com a abertura do primeiro troço, na extensão de 5 quilómetros.
Impõe-se também, Sr. Presidente, que se conclua com urgência a construção deste ramal, já porque o mesmo vem estabelecer uma ligação directa e rápida entre a populosa freguesia do Alvarenga e a sede do seu concelho (Arouca) e sem essa construção terá de fazer-se, por estrada, um percurso superior a GO quilómetros, com demora de perto de duas horas para que se possa ir de Alvarenga a Arouca-, já porque, estando a projectar-se o aproveitamento hidroeléctrico do rio Paiva, a construção desse ramal facilita a das obras do referido aproveitamento.
Também desejo referir-me, Sr. Presidente, à estrada n.º 222, de 2.ª classe, que no plano rodoviário aparece como indo de Vila Nova de Gaia às proximidades de Vila Nova de Foz Côa.
É esta uma estrada de grande percurso, cujo troço compreendido entre Canedo (Feira) e Pedorido (Castelo de Paiva) foi construído há cerca de dez anos.
Sucede, porém, Sr. Presidente, que as pontes deste troço ainda não foram construídas, fazendo-se o respectivo trânsito por provisórias pontes de madeira, que não oferecem segurança alguma e por virtude das quais se verificam contínuos acidentes de viação. Urge, pois, a construção das pontes definitivas, para desaparecimento do perigo que oferecem as pontes provisórias de madeira.
Daqui, desta Assembleia Nacional, faço, pois, apelo ao Sr. Ministro das Obras Públicas e ao Sr. Presidente da Junta Autónoma de Estradas para a construção das mencionadas obras nas estradas a que venho fazendo referência, as quais são do tanto interesse económico para o País e para as respectivas regiões, certo de que do estado dessas estradas muito depende o nível de vida das populações por elas servidas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Começa a aparecer, Sr. Presidente, em algumas regiões que essas estradas atravessam uma crise de desemprego.
Ora com a construção das obras nas mencionadas estradas essa crise não chegaria a desenvolver-se.
Certamente porá toda a sua boa vontade na realização das obras que aqui deixo mencionadas o Sr. Ministro das Obras Públicas, ao qual não posso deixar de prestar a minha respeitosa homenagem e de afirmar os meus sentimentos de viva admiração pela obra verdadeiramente nacional que vem realizando em todo o País, obra essa que o impõe como um dos maiores obreiros do ressurgimento nacional e cujas qualidades de estadista insigne são reconhecidas por todos os portugueses.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Marques Teixeira: - Abruptamente, Sr. Presidente, fui conduzido a pedir a V. Ex.ª que se dignasse dar-me a palavra, porque verifiquei, aliás com imenso agrado, que o nosso querido colega Sr. Deputado Pinho Brandão, no elenco das suas tão brilhantes como pertinentes considerações, interferiu - e ainda bem - com uma questão que diz respeito e também interessa, em grande medida, a uma região componente do distrito que mais uma vez me honrou com o mandato de Deputado.
Na realidade, Sr. Presidente, S. Pedro do Sul nomeadamente a parte setentrional do concelho de S. Pedro do Sul - está seriamente afectada pela inexistência dum sistema rodoviário, sendo gravemente desservidos sérios interesses, de natureza social e económica, de uma multiplicidade de povoações, e, consequentemente, nem das suas actuais riquezas se extrai o rendimento que comportam, como muitas outras ficam por fomentar.
Permito-me pôr em destaque, Sr. Presidente, o grande potencial de possibilidades, no campo agrícola e mineiro, da região de Carvalhais, na planície, de Coelheira, Póvoa das Leiras, sobretudo Candal e Manhouce, na serra, umas e outras por mim bem conhecidas porque as palmilho frequentemente quando fruo o gosto dos exercícios venatórios - possibilidades essas, Sr. Presidente, que, a manter-se aquela espécie de «cortina de ferro» que as isola do exterior, privadas de qualquer meio razoável de comunicação, ficarão lamentavelmente por explorar, o que é um mal para as povoações em causa, para a região que as enquadra e para a própria economia geral do País.
Acresce ainda, Sr. Presidente, que não é humano deixar de ir, urgentemente, ao encontro dos anseios legítimos, da legítima ambição da melhoria do nível de vida e até da comodidade natural desses povos rurais, desses povos, Sr. Presidente, que são o grande elemento estabilizador, pelas suas intrínsecas virtudes, da sociedade portuguesa e o valioso ponto de apoio para as arrancadas da boa política, ligadas aos actos eleitorais, não os deixando cair no desespero, nem estiolar pelo cerceamento daquelas regalias, tão compreensíveis, tão comezinhas, a que têm, em verdade, incontestável direito.
Sr. Presidente: ouvi com merecida atenção os comentários judiciosos produzidos pelo ilustre Deputado Pinho Brandão, filho dilecto e distinto da pitoresca e tão louçã vila de Arouca, a tão conhecida terra de Santa Mafalda, com a qual o meu concelho de S. Pedro do Sul aspira a estreitar mais os seus laços de relações, se o Governo o ajudar, como ansiosamente espero e serenamente confio.
Ouvi atentamente, repito, as palavras do ilustre Deputado.
Aprecio-as pela sua base de justiça; muito bem compreendo e exalto a finalidade de interesse público que visam.
Sr. Presidente: fiz este ligeiro apontamento inesperado para marcar ostensivamente a minha inteira adesão ao espirito condutor das considerações acabadas de formular pelo nosso distinto colega Dr. Pinho Brandão.
Apelo, outrossim, para o alto critério do Sr. Ministro das Obras Públicas, rogando a S. Ex.ª que, com a sua proverbial solicitude, se debruce sobre o problema exposto e lhe dê pronta solução.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pedi ainda a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para fazer um apontamento provocado pela razão determinante da estada ontem em Lisboa de uma ilustre comissão presidida pelo Sr. Governador Civil do distrito, composta por filhos queridos da cidade de Viseu, ou que, pelo menos, nela desempenham cargos de responsabilidade política e administrativa ou exercem actividades de natureza comercial.
Sr. Presidente: a coincidência do meu contacto pessoal neste último fim de semana com algumas individualidades que naquela cidade residem e se interessam, apaixonam e vivem tudo quanto se reflicta na fisionomia da vida citadina, quer rasgando-lhe a perspectiva de novas possibilidades e consequentes sintomas de euforia, quer, ao contrário, vinculando-a a uma situação estagnadora ou até de retrocesso, esse contacto directo, Sr. Pre-

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sidente, com a nobre gente de Viseu deu-me, a mais de um título, a percepção nítida da vibrante ansiedade e da grande preocupação que a domina e sobressalta por força do grave problema que lhe surge com a dissolução do grupo de artilharia ali aquartelado.
Em virtude das indiscutíveis razões superiores preestabelecidas, que presidem, decerto, a questões de estratégia ou de táctica militar, o facto consumar-se-á, ao que consta, muito brevemente.
Daí, Sr. Presidente, que seja fácil prever a forte repercussão de grande intensidade e de certa gravidade para o condicionalismo da vida económica da cidade e do distrito, abalando-o, afectando-o, prejudicando-o profundamente.
. Por tal motivo, impõe-se e urge, Sr. Presidente, que se vá pensando atentamente na busca do processo, de efectivação rapidamente possível, que recomponha a fácil degradação do nível económico da cidade, seriamente comprometido, como é óbvio, pela supressão da unidade militar referida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É fácil de adivinhar, Sr. Presidente, que para nós, católicos, essencialmente para os filhos de Viseu, é muito grato, por outro lado, verificar que se abre agora a possibilidade de sor praticamente concretizado o sentido da votação desta Assembleia ao corroborar a feliz e justíssima moção apresentada pelo ilustre Deputado Ulisses Cortês no sentido de que a casa do Seminário de Viseu, com a sua igreja e a sua cerca, apenas desocupada, fosse entregue à diocese.
Isto passou-se singular coincidência! - como V. Ex.ª, Sr. Presidente, muito bem sabe, a bem dizer nas vésperas de se ter levantado aquele grandioso quadro de glória, reafirmação maravilhosa do poder do espírito, da missão apostólica, da acção civilizadora, da consciência histórica de Portugal eterno; refiro-me, Sr. Presidente, às inolvidáveis comemorações do duplo centenário!
Isto passou-se na muito memorável sessão do dia 25 de Maio de 1040, em que a Assembleia Nacional aprovou a Concordata e o Acordo Missionário, assinados no Vaticano em 7 de Maio do mesmo ano, a cujos textos «alguém desta Câmara deixou ligado o seu nome e muito do seu talento», após nela se ter feito ouvir num notabilíssimo discurso, em que uma vez mais se revela a superior unidade de pensamento do «semeador de certezas» que é o nosso ilustre Presidente do Conselho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É consabido, Sr. Presidente, que esta Assembleia Nacional tem a assinalar e a sobre dourar a grandeza e a solenidade de muitos actos da sua existência grandes momentos, singulares momentos da maior projecção interna, da maior repercussão internacional.
Sem hesitação, Sr. Presidente, coloco aquele que foi vivido no ambiente desta Camará em toda a extensão da matéria, tão rica de reflexos, não só de ordem puramente religiosa, mas até social e moral, objecto de apreciação e de notação na já aludida e célebre sessão de 25 de Maio de 1940.
Não vale a pena fazer história antiga. Não vale a pena bolir nas tristezas de um passado em que a filosofia materialista e um estreito racionalismo procuravam estiolar as almas. Torvas blasfémias se bolsaram contra a Igreja, sopradas por um sectarismo odiento e odioso!
As oligarquias que se apossavam do Poder tinham a fobia da religião. Foi promulgada uma legislação verdadeiramente jacobina e até houve quem se jactanciasse de acabar com o catolicismo em Portugal no prazo de duas gerações ...
E não faltaram, por essa época, os atentados pessoais e os atropelos aos sagrados direitos da consciência.
E todos sabemos que muitas associações religiosas foram vítimas de latrocínios e templos profanados e igrejas saqueadas ... e, como resultante final de tão inqualificáveis prepotências e execráveis violências, vexado, aviltado, ferido, profundamente ferido, o espírito religioso do povo português!
O Estado estava divorciado da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, repito, Sr. Presidente, não vale a pena fazer história antiga; não vale a pena falar nas tristezas de um passado felizmente já remoto.
- Mas o que quero é ainda fruir o prazer de recordar a exaltação de júbilo e sentido de reconhecimento com que nós, os católicos da diocese de Viseu, acolhemos a notícia da votação da moção, flagrante de elegância moral e de justiça, apresentada nesta Câmara.
Ela revestiu-se, sem dúvida, do relevante significado da alta dignidade de uma devida e merecida homenagem pessoal, sendo também um acto legítimo de reparação, do mesmo passo que inundou, decerto, de alegria a alma de tantas personalidades ilustres neste país que devem a formação do seu espírito ao ambiente educativo e instrutivo que respiraram nos amplos salões de estudo do antigo Seminário dos Néris.
Dou agora a palavra ao Jornal da Beira, da proficiente direcção do meu distinto amigo cónego Manuel Correia, de 31 de Maio de 1940, o qual fazia estas brilhantes e belas considerações terminais no artigo em que apreciava a ideia da restituição do Seminário à diocese e do motivo que a inspirou:
Mas é também notável verificar-se que a Assembleia pressentiu que na alma do prestigioso Presidente do Conselho e antigo seminarista vive ainda uma saudade e uma gratidão pela primeira escola séria da sua educação, o, pressentindo-o, julgou homenageá-lo votando o que ele quereria fazer, mas a inflexibilidade da sua conduta, em obediência a normas gerais, não lho consentiria que fizesse.
Toma assim proporções de singular relevo, de nobreza e de delicada sentimentalidade, este acto, que, enchendo-nos de justificado contentamento, ao mesmo tempo nos faz pensar que a Pátria quis agradecer a Viseu ter-lhe dado o seu salvador.
Sr. Presidente: a comissão de dedicados visienses já referida esteve ontem na Presidência do Conselho e avistou-se pessoalmente com o Sr. Ministro da Guerra
- beirão muito ilustre -, que se dignou ouvir com atenção as pretensões, de que os jornais hoje publicados se fazem eco, formuladas pela voz idónea do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Viseu, como compensação das graves perdas sofridas pela cidade no domínio das instituições militares.
Foram ponderosos, Sr. Presidente, as razões e os esclarecimentos contidos na franca resposta de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra.
Mas é evidente que o problema não é de forma alguma insolúvel; poderá, porventura, ser até brevemente resolvido com a adopção de medidas de emergência, e a população de Viseu continua a ter motivos para confiar, tão eloquentes são as provas -que me escuso de dar delas exemplo do carinho e do interesse com que o Governo Nacional vem olhando para as suas legítimas aspirações.
Apelo no entretanto, Sr. Presidente, para o prestígio do alto concurso de V. Ex.ª e para a comprovada força de simpatia com que V. Ex.ª - sei-o bem - honra a cidade e o distrito de Viseu, a fim de que se viabilize o

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mais rapidamente possível a estudada solução definitiva que integre a grande lacuna aberta no sistema da vida económica o social do distrito de Viseu, profundamente o afectando, pela dissolução do grupo de artilharia de montanha. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte:

Requerimento

«Desejando em breve tratar, no período regimental de antes da ordem do dia, de questões que se prendem:

1.º Com a industrialização da agricultura do latifúndio português e o respectivo problema de crédito;
2.º Com a organização racionalizada do trabalho agrícola em Portugal, a coordenação do trabalho colectivo e o estudo de soluções de técnica agronómica, em que devem avultar singularmente as modificações de afolhamentos e rotações do cultura, tudo ponderado de modo a dar uma constante, normalizadora e melhor utilização à massa de mão-de-obra rural no decurso do ano nas regiões típicas do cultura extensiva ou de regime mono-cultural;
3.º Com o desenvolvimento e prosperidade agro-económica das empresas rurais de tipo familiar:

Requeiro que me sejam fornecidos pelo Ministério da Economia, pelo seu Subsecretariado de Estado da Agricultura, quaisquer relatórios oficiais impressos sobre este assunto, ou, caso não os haja nestas condições, as cópias, ou, pelo menos, as suas conclusões principais, e se, pela sua extensão, não for fácil nem rápido obter o traslado, a indicação da sua existência e a autorização, nos termos constitucionais, para a sua consulta nas repartições respectivas.
Outrossim roqueiro, pelos Ministérios do Interior, Negócios Estrangeiros e Colónias, que seja informado, guardadas as necessárias conveniências internacionais, acerca das medidas tomadas ou a tomar para absorção do excedente populacional que a crise do reconversão desbloqueou e descongelou em Portugal, numa demografia lusitana pletórica, adentro do enquadramento económico português».

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um oficio do tribunal do 2.º juízo criminal de Lisboa pedindo a comparência, no próximo dia 6 de Fevereiro, pelas 10 horas, do Sr. Deputado Duarte Silva, para ali depor como testemunha. O Sr. Deputado Duarte Silva informa que não vê qualquer inconveniente para o exercício das suas funções parlamentares na satisfação do pedido.
Vou consultar a Assembleia sobre se concede a necessária autorização.
Consultada a Assembleia, foi concedida.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Galiano Tavares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lourinho.

O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente nas considerações que dizem respeito ao problema que me obrigou a subir os degraus desta tribuna, preciso de explicar à Assembleia Nacional, e por intermédio dela ao Pais, a razão por que estou aqui e a que venho.
Há muito tempo que me interessam os problemas da terra, há muito tempo que me interessa a sorte dos trabalhadores e, em consequência destes factos, desde há muito tempo, também, que me habituei a ler coisas sobre os assuntos da terra e dos seus trabalhadores.
Ia dizer que estava habituado a debruçar-me sobre estes assuntos, como é de uso mencionar-se agora, mas esta ideia de debruçar traz me à mente o receio de que à força de me debruçar possa cair para dentro do problema e nunca mais de lá sair.
Vim a esta tribuna para dar conhecimento das conclusões do inquérito pessoal que realizei junto dos lavradores e dos trabalhadores.
As ideias que vou expor são as de uns e outros; apenas algumas delas foram coadas. E então, Sr. Presidente, passo a expor o que diz o meu inquérito.
Num problema de ordem económico-social não quero abstrair do estado de espírito em que seria útil encontrarem-se as forças que nele intervêm.
Se fosse possível a cada uma delas colocar-se dentro dum sentir puramente cristão e no amor de Deus, ser-lhes-ia bem mais fácil conseguir a harmonia dos seus interesses, que em luta no campo económico se medem, se enfrentam o só combatem, com certa e elevada dose de animalidade.
A Igreja tem afirmado, pela voz dos seus condutores, que conhece o mal. Desde há muitos anos que ela chama os homens à observância dos preceitos cristãos e especificadamente nas relações dos trabalhadores com os que detêm as diversas formas do capital. Com algumas dessas fórmulas-preceitos desejo abrir a exposição do meu modo de ver neste problema. Quero, assim, marcar uma concordância que apraz ao meu espírito e que se me afigurava eficaz se a humanidade caminhasse para Deus.
Em 15 de Maio de 1891 o Papa Leão XIII dizia:

Que o Estado se faça, pois, sob um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre (encíclica Rerum novarum).
Favorecer a sorte dos humildes não é atitude facultativa, mas um dever (encíclica Grave de comuni).
E por último a doutrina dos sociólogos católicos; confirmada pelo Papa Pio XI:
1.º A terra com todos os seus bens foi dada aos homens, não para regalo de uma parte deles, mas para utilidade de todos, sem excepção;
2.º A melhor maneira de a terra servir a todos é repartir os bens em propriedades privadas, sendo esta forma, aliás, a mais conforme com a natureza humana;
3.º Ao Estado, auxiliado pelas instituições sociais, pertence velar por que os bens não se acumulem em proveito de uns com prejuízo dos outros;
4.º O Estado deve, portanto, para cumprir a sua missão, tomar medidas aptas a que os bens se repartam equitativamente por todos, podendo, por isso, determinar a divisão das grandes propriedades sempre que estas prejudiquem o incontestável direito que cada um tem de possuir o necessário à sua conveniente sustentação. Pode também expropriar em seu favor os grandes poderes industriais ou comerciais quando estes atentem contra as necessidades do bem comum;
5.º Ninguém pode usar do direito de propriedade como lhe apetece, mas deve regular o seu domínio pelo bem geral, porque a propriedade privada, além do fim particular que tem, possui o fim mais nobre de assegurar a toda a comunidade maior quantidade de bens.

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Que belo e formoso catecismo de caridade cristã e espírito evangélico, Sr. Presidente!
Não haverá alma bem formada e crente em Deus que o não aceite, perfilhe e deseje pôr em prática.
Porém, a prática da vida conduz-nos à apreciação do problema no campo exclusivamente económico-doutrinário.
A alma dos homens não está pura e imaculada para se iluminar com a fé em Deus, na convivência dos preceitos salutares que tão prodigamente emanam da doutrina e moral cristãs.
Sr. Presidente: em que consiste o problema?
Os trabalhadores que empregam o seu labor na faina dos campos são atingidos, com regularidade cíclica, pelo fenómeno social do desemprego.
Nada de novo neste fenómeno. Ele é a consequência derivante do grupo profissional a que pertence o homem que se dá à terra.
O mister de agricultor pode colocar os homens em duas posições: o dador do trabalho e o trabalhador rural.
Nos grandes latifúndios a extensão da terra sujeita à exploração agrícola torna impossível que ela seja trabalhada por empresa de exploração familiar. Destarte, o lavrador-proprietário ou o empresário-agricultor é obrigado a contratar com outros homens a prestação de trabalho, mediante a remuneração deste por meio do salário.
Criam-se assim, por mútuo consentimento, duas posições: a posição da empresa que explora a terra e a do jornaleiro que a trabalha, mediante a jorna. A exploração da terra, em regra, e especificadamente em regime de monocultura, não exige permanentemente o mesmo número de homens para a sua laboração. E concretizando, no caso que nos interessa - o Alentejo:
A seguir à colheita da azeitona, fins de Dezembro - ou até meados de Janeiro nos anos de safra -, o número do homens absorvidos pelos trabalhos da lavoura diminui constantemente. Até à segunda quinzena de Maio não há trabalhos, ou, melhor, os que há determinam a ocupação dum reduzido número de trabalhadores. Seguem-se depois trabalhos que se prolongam até ao fim da primeira quinzena de Julho, na melhor das hipóteses, com ceifas, debulhas e armazenagem de cereais.
Segue-se novo período de desemprego intenso até Outubro, seguindo-se as sementeiras, a colheita da azeitona, a laboração de lagares, para continuar o ciclo anterior no mesmo ritmo, sempre igual, mais ou menos volumoso, conforme o ano agrícola é melhor ou pior. Temos, assim, que o desemprego dos rurais é um fenómeno normal. Ele resulta das condições exigidas pelo ciclo rotativo das germinações. Houve em todos os tempos desemprego rural. O fenómeno não é novo nem era desconhecido para os que conhecem assuntos económicos. Ele tentou os homens desde sempre, em ordem ao seu estudo no campo em que eu entendo que ele deve ser situado.

O Sr. Abrantes Tavares: - E nessas alturas das crises eles podem viver sem comer?

O Orador: - Nem eles nem nós.
Praticamente, o trabalhador rural, no Alentejo e nos concelhos dos distritos de Setúbal e de Santarém, com feição alentejana, pouco mais tem em cada ano civil que cento e oitenta dias de trabalho remunerado.
Com salários baixos, cria-se, assim, um complexo de inferioridade social, com repercussão no presente e no futuro.
Sr. Presidente: como se situa o problema?
Actualmente encontra-se no Alentejo, sem trabalho, um volume de homens que vai para a casa de algumas dezenas de milhares.
As razões desta acuidade do problema, ou, melhor, de tal intensidade volumétrica, num fenómeno normal, com carácter pré-sabido, são de ordem económica e social.
No campo económico temos um factor de importância primária no regime da produção agrícola, que vem a ser o clima. Nomeadamente o volume e épocas das chuvas.
Anos secos - más colheitas.
Más colheitas - lucros insuficientes ou perdas. Este factor, que está na base dos meios que fomentam a produção, é exclusivamente filho da madre natureza. Contra ele ou a seu favor nada podem os homens, actualmente. E se o podem diminuir ou aumentar é em quota tão pequena que pouca influência poderá ter no resultado final.
Anos secos - más colheitas.
Más colheitas - lucros insuficientes ou prejuízos.
Prejuízos - impossibilidade de empregar homens.
Primeiro factor de ordem económica, que conduz a licenciamento de braços que não fazem falta. Desemprego.
A política dos preços, por sua vez, intervém também. E de que maneira!
Em períodos anormais não é possível, dentro do nível de vida da maioria da população, adquirir os géneros de consumo, a começar pelo pão, aos preços de um mercado livre.
Mas a terra só cria se for trabalhada, adubada, semeada e tratada nas melhores condições técnicas, para bem produzir.
Mas os produtos da terra não podem ter qualquer preço. Só podem ter o preço justo. E o preço justo é aquele que dá ao produtor a margem legítima para cobrir todos os encargos da sua exploração.
Não vale a pena enumerá-los aqui. Mas, além da margem indicada, o lucro normal líquido deve ser considerado para o cálculo do preço justo.
Quando assim não for a produção não pode actuar, ou, melhor, não actua, porque ninguém trabalha para perder ou sequer para não ganhar.
O Estado intervém no mercado dos preços. E, quando essa intervenção não toma em conta o condicionalismo económico da cultura, dá-se o envilecimento dos preços, com todos os inconvenientes que dele resultam: diminuição das áreas cultivadas, da colheita dos géneros tabelados, aproveitamento das terras para outras culturas, abaixamento de salários, atitudes à margem das disposições legais.
Nos tempos normais, as restrições ou, melhor, as intervenções do Estado em ordem a alterar a lei económica são em regra ilegítimas. Ilegítimas no campo da economia pura. Ou ainda a sua ilegitimidade se traduz por soluções erradas quando as premissas das soluções são deformadas pela intervenção do Poder.
Todas as restrições ilegítimas, em relação com a fixação arbitrária dos preços, são uma fonte de diminuição da produção ou, pelo menos, de desvio da produção. Anote-se bem que venho referindo-me a restrições ilegítimas.
E o que são no meu entender restrições ilegítimas nos preços? São todas aquelas que pretendam estabelecer aos bens de consumo preços que não sejam compensadores.
Pouco importam os fins que se pretendam atingir.
Preços não compensadores, criando a base do lucro insuficiente ou negativo, determinam limitações da parte da produção. E isso é legítimo. Lembro que mo estou colocando no campo da economia pura.
Uma das limitações é a diminuição da admissão da mão-de-obra ou licenciamento da absorvida.
Os preços não justos dos produtos da terra originam, pois, novo factor de desemprego rural. Dá-se em Portugal um fenómeno de ordem social em manifesta concordância com o fenómeno geral sucedido em todo o Mundo. Esse fenómeno, que se começou a desenhar há

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duas ou três dezenas de anos para cá, tem vindo a acentuar-se cada vez cora maior intensidade.
As massas têm um mais fácil acesso ao gozo dos bens de consumo. Este fenómeno, que é do conhecimento geral, é até do consenso geral. As massas e o Poder estão em concordância.
Mas foram elas que conquistaram o direito assinalado. Tornou-se assim mais imperioso o aumento dos salários, que para determinados grupos profissionais atingiu quotas desproporcionadas.
Deu-se a corrida para o prazer, para a vida fácil, para o gozo do dia de hoje apenas.
E este último desequilíbrio, que atingiu primeiro as classes dirigentes, tocou também os detentores da propriedade rústica e finalmente os trabalhadores.
Nem outra coisa era do esperar.
Perdeu-se o hábito da modéstia no viver. E daí a necessidade de ganhar mais, ganhar muito e sempre mais. Ou, melhor, a necessidade de gastar mais.
Explorou-se a terra tirando dela o maior lucro, sem importar à custa de que era feito.
E, sacrificando-se a terra, era óbvio que teria também de se sacrificar aquele que não tem e só a trabalha. Assim se organizou outro factor económico produtor do desemprego rural.
A concentração da grande propriedade determina explorações agrícolas de grande volume.
O regime da monocultura obriga, nas terras do Alentejo, ao ciclo chamado das rotações. Este regime determina que certas extensões de terreno apenas sejam cultivadas em cada três anos.
Acontece que numa determinada propriedade A hectares de terra são destinadas a pousio. Outro número, Z, de hectares faz cultura de cereais ou cultura arvense, de forragens, pastagem, terra do horta, pomar, etc.
Se à grande exploração agrícola citada se juntar, por aquisição, arrendamento ou por outro qualquer meio, não importa qual, uma outra exploração também agrícola, não se necessita, para que os resultados sejam bons, de aproveitar todas as terras que anteriormente eram aproveitadas.
E, quanto maior for o número de explorações que se agruparem, menor será proporcionalmente o volume de mão-de-obra a absorver. Daqui um novo factor económico produtor do desemprego rural.
Quando no regime de exploração da terra chamado patriarcal a terra servia apenas como meio de obter a auto-suficiência familiar. E assim foi durante muito tempo.
Porém, a intensificação da sua exploração teve como consequência tornar visível o lucro, quando o volume da terra explorada ou a procura dos produtos dela determinava sobras para além da auto-suficiência familiar.
Assim nasceu a ideia do lucro comercial, e portanto a venda dos produtos da terra. Daí também a cultura intensiva da terra, com emprego de adubações, maquinaria e propaganda, dos produtos colhidos.

O Sr. Carlos Borges: - A maquinaria não é um encargo; é uma supressão de mão-de-obra e de adubo.

O Orador: - Eu sei. Mas há mais. Continuando com o meu raciocínio:
Novos encargos para a exploração, como transportes do centro de produção aos centros de consumo - aos mercados. Selecção dos produtos, para satisfazer as exigências do consumidor, exigências essas sempre crescentes em qualidade e em quantidade.
Maior volume de capital circulante, mais capital de exploração vivo o morto. A modernização de processos de comércio trouxe consigo, por exigência normal, o fenómeno de Durkeim a divisão do trabalho. Depois a especialização profissional, em consequência da divisão do trabalho, e consequente estandardização dos métodos de cultura, de colheita e de venda. E, última consequência, diminuição de absorção de mão-de-obra, novo factor do desemprego rural.
Aproveitamento das terras de 3.ª ordem, tornando mais oneroso o custo da produção por unidade o consequente diminuição do lucro geral da exploração. Menor volume de reservas financeiras para ocorrer aos anos agrícolas maus. Maior encarecimento do capital fundiário-terra, sua dificuldade de aquisição pelo trabalhador, que fica eternamente ligado ao salário. Maior volume dos homens sem terra, novo factor económico de desemprego.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vejamos agora quais os factores sociais culpados do fenómeno desemprego.
Estes factores parecem fáceis de definir.
Em consequência das medidas de protecção na doença e sua profilaxia, aumento da melhoria do nível de vida e facilidade de uso dos bens de consumo, o que sucedeu? A população portuguesa aumentou consideràvelmente, a um ritmo que eu não posso deixar de citar em números, embora não deseje fatigar VV. Ex.ªs, Srs. Deputados (não apoiados). Segundo os últimos dados, fornecidos pelos serviços de estatística, a população do continente aumenta por ano à roda de 100:000 pessoas.
É óbvio que este factor social traz como consequência uma procura de trabalho por um volume maior de mão-de-obra. Factor de ordem social como determinativo de desemprego rural.
A vida fácil dos grandes aglomerados populacionais tem ultimamente negado aos que se deixaram entontecer pelas luzes da cidade a miragem do emprego fácil e o maior salário. O regresso à terra faz-se, embora a um ritmo lento, mas constante.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
Pareceu-me compreender que V. Ex.ª considera o aumento da população rural como uma razão do desemprego e de progresso.

O Orador: - Evidentemente que o aumento da população rural é uma razão de desemprego. De progresso, só do número!

O Sr. Carlos Moreira: - Quando a população vinha do campo para a cidade é que se notava a falta de mão-de-obra.

O Orador: - Agora dá-se o contrário. É alguma população que vai da cidade para o campo, e daí esse factor de desemprego rural.

O Sr. Carlos Moreira: - Vem muito mais gente do campo para a cidade do que vai da cidade para o campo. Isto é o que eu julgo.

O Orador: - O que sucede agora é o regresso ao campo de alguns elementos que tinham procurado as luzes da cidade. Alguns elementos voltam para os campos. Isto é insofismável.
E essa a minha opinião, e, assim, julgo que a diminuição da emigração do campo para cidade, as dificuldades do comércio e da indústria, com menor absorção de mão-de-obra, trouxeram o licenciamento de homens.
Estes tiveram de procurar no trabalho não especializado, que a laboração da terra pode dar, o sustento para si e para os seus. Novo factor social de desemprego rural.
O problema situa-se, pois, Sr. Presidente, em plano onde as lamentações não têm cota. Mas as lamentações,

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filhas de espíritos bondosos, demagógicos ou ignorantes, não são chamadas, nem, que o fossem, poderiam contribuir mais do que para lançar a confusão e o sentimentalismo em um problema puramente do domínio da ciência económica, embora em sector limitado da sua projecção geral.
Sr. Presidente: qual a solução ou soluções para o problema?
Antes de mais, peço licença para, neste salve-se quem puder de todos aqueles que abordam o problema com vontade de o esclarecer, definir com clareza a minha posição neste momento delicado a que o problema chega.
Contaram-me há dias que uma ilustro personagem da nossa terra, fazendo parte da Assembleia Nacional numa legislatura- anterior, teria declarado, num desejo de fazer imagem de novidade: «O orador que ao subir a esta tribuna não lhe tremam as pernas é mentecapto». Acrescentou o contista que um temível fundibulário parlamentar desta Assembleia, abeirando-se do discursante quando este atingia o último degrau da escada, lho perguntou, com ares ...
«Então, hein? não lhe tremeram as pernas».
A lição vai-me servir. A solução do problema que se discute?! É agora, Sr. Presidente, que as pernas me tremem !...
Mal comparado, o problema é igual ao da cura de certas doenças. Há para elas muitos medicamentos, mas em geral nenhum presta para nada.
Mas, já agora, que estou cá no alto do muro das lamentações nacionais, vamos ao sacrifício. Peço a VV. Ex.ªs que ao descer daqui não me façam perguntas que me inferiorizem, quando se verificar que pouco ou nada de novo trouxe para o debate e para a melhoria do mal que nos aflige e neste momento nos interessa tão profundamente.
Sr. Presidente: para o estudo do problema do emprego total da mão-de-obra rural são preconizadas soluções a distância o soluções de emergência.
As soluções a distância são em maior número de carácter técnico, e nessas tenho um certo pudor e acanhamento em provocar uma discussão sobre elas. A outros com o conhecimento exacto da matéria competirá trazer a esta Assembleia os seus ensinamentos.
Mas das soluções a distância podemos auscultar algumas com boa conta, situando-as no puro campo da economia.
Peço a VV. Ex.ªs que não se assustem com o que vou enunciar. O irremediável tem de ser aceite tarde ou cedo.
É necessário e urgente que se publique, para uso do povo português, um código do modus vivendi da propriedade rústica. Desse código constaria a obrigação de ser geometricamente definida a propriedade.
A constituição do solo e a sua aptidão cultural seriam obrigatoriamente impostas.
O regime do grande latifúndio seria mantido, como possível factor de progresso e desenvolvimento das culturas.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Seria mantido onde fosse necessário.

O Orador: - Exactamente.
Não seriam permitidas explorações agrícolas com área superior a um determinado número de hectares.
Não seria permitido ao empresário-proprietário, ou, melhor, à empresa agrícola, utilizar terras para semeadura diferente daquela para a qual estaria definida na carta de aptidão cultural.
Seria obrigatoriamente imposta a cultura ou aproveitamento agro-pecuário de todas as terras consideradas aptas e úteis à economia nacional.
Seriam inscritas em base jurídica as cláusulas de um tipo standard de contrato de arrendamento.
Seriam inscritas as normas jurídicas para funcionamento da parceria perfeita e abolido o uso, ou, melhor, os abusos que sobre esta fórmula de exploração agrícola são cometidos.
Seriam tomadas as medidas necessárias para ligar à terra o maior número de casais agrícolas, por intermédio da Junta de Colonização Interna.
Seriam lançadas as bases de uma reforma agrária e ali inscritas as normas jurídicas dessas bases, para inteira e completa execução.
Todas as normas que possam interessar à estrutura económica e social da propriedade rústica ali seriam inscritas.
Fora desta constituição jurídica da terra agrícola o Governo promoveria com urgência mas urgência efectiva, entenda-se- um estudo de aproveitamento de todos os meios materiais - os bens da Natureza - susceptíveis de conduzir a um melhor aproveitamento da terra e em ordem à cultura intensiva, com o fim de fixar mais homens à terra.
Todos estes pontos e outros foram focados pelos meus ilustres colegas Deputados pelo círculo de Portalegre, nada tendo a acrescentar.
Na divisão de trabalho coube-me focar em especial o arrendamento dos prédios rústicos. É dessa modalidade que me vou ocupar com um pouco mais de pormenor.
O regime de exploração da terra à base de arrendamento constitui a modalidade mais frequente no Portugal continental. E a coisa apresenta-se assim. Perdoem-me VV. Ex.ªs que neste capítulo a minha intervenção jogue com números.
Procuro, porém, cora eles demonstrar que o arrendamento dos prédios rústicos interessa a um grande volume da população e, por esse facto, necessita de ser observado, medido com exactidão e regulado dentro de bases que interessam os três factores económicos: proprietário, rendeiro e comunidade nacional.
Vamos a isto.
Numa zona de terreno com a área de 571:000 hectares submetida a regime de grande e média exploração agrícola e situada ao sul do rio Tejo à roda de um quarto é explorada por arrendamento.
No distrito de Évora, em 1:095 proprietários da terra, 471 arrendam toda a terra que possuem e 90 arrendam uma parte.
No distrito de Portalegre, em 809 proprietários rurais, 372 arrendam a terra que possuem e 61 arrendam parcialmente. Neste último distrito a exploração da terra em regime de arrendamento atinge a percentagem de 42,2 por cento, não entrando para este cálculo com o volume das propriedades com menos de 60 hectares.
A forma de exploração situa-se em especial na grande e média propriedade, atingindo no citado distrito respectivamente 48 e 56 por cento das áreas respectivas.
Nos concelhos da Covilhã, Belmonte, Penamacor e Fundão 70 por cento da média e pequena propriedade e 30 por cento da grande vivem em regime de arrendamento.
Na Beira transmontana o arrendamento é a forma predominante.
Em Alvalade 60 por cento da propriedade é explorada por arrendamento.
Em Santo Tirso mais de 70 por cento da propriedade rural em igual regime.
Duma maneira geral, por elementos informativos embora não controlados oficialmente pode afirmar-se que o regime de exploração agrícola por arrendamento é o mais generalizado no amanho da propriedade rústica em Portugal.

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O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª está a fazer uma análise em primeiro lugar relativa a grandes traços de propriedade e em segando lugar em relação ao Alentejo e a parte da Beira. Ora não pode, portanto, tirar uma conclusão em relação a todo o País. Eu tenho até a impressão do contrário: em cortas regiões do País, pelo menos, julgo que a maior parte da propriedade é explorada directamente pelo lavrador, que é o que sucede, por exemplo, no Minho.
De maneira que se V. Ex.ª quer tirar uma conclusão relativamente a todo o País é uma coisa; em relação aos dados alentejanos é outra.

O Orador: - Eu ainda nada concluí; estou a dizer o que li pelo que respeita à propriedade rústica.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas V. Ex.ª, mais ou menos, disse estas palavras: «... donde se conclui que no País a forma mais generalizada da exploração agrícola é a do arrendamento. E eu, em relação a essa frase de V. Ex.ª, entendi que não se pode concluir isso em relação a todo o País.

O Orador: - Eu já disse a V. Ex.ª que não falei em concluir.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª não tinha apresentado uma conclusão final, mas tirou uma conclusão. Se ela é conclusão final ou intermédia não sei, e peço desculpa de o ter interrompido.

O Orador: - Eu não concluí nem parcialmente nem finalmente. E nada tem de que me pedir desculpa. Tenho até muito prazer em trocar impressões com V. Ex.ª
O Sr. Carlos Moreira: -Perdão, a figura do raciocínio foi a de uma conclusão; agora se V. Ex.ª lhe não chama assim, não sei.

O Orador: - Eu volto a repetir novamente o que disse, e V. Ex.ª verá:

De uma maneira geral, por elementos informativos, embora não controlados oficialmente, pode afirmar-se que o regime do exploração agrícola por arrendamento é o mais generalizado no amanho da propriedade rústica em Portugal.
Isto lê-se nos relatórios feitos pelos agrónomos, num grande número de regiões do Pais, agrónomos que fizeram esses trabalhos na Junta de Colonização Interna. Se V. Ex.ª quer mais informações, eu, de momento, não posso dar-lhas, mas a Junta o poderá fazer. Isto é o que eu sei.
Agora pergunto: porque sucede este fenómeno? V. Ex.ª dirá: na minha terra não sucede assim; mas eu digo que sucede em muitas outras.
Mas, continuando:
Causas relacionadas com o detentor do capital fundiário:

a) Proprietários rurais que não têm capital circulante para explorar o terreno que possuem;
b) Proprietários recebendo maiores proventos com o exercício de funções estranhas à terra;
c) Proprietários não tendo capacidade técnica para a exploração ou não possuindo extensão de terreno cuja exploração possa suportar o encargo de administrador;
d) Proprietários que adquiriram terra para colocação de capitais;
e) Proprietários que vivem longe dos locais de exploração.
Causas ligadas ao arrendatário:

a) Empresas familiares de camponeses tradicionalmente ligados à terra;
b) Indivíduos dispondo de capitais insuficientes para aquisição de terras;
c) Indivíduos com necessidade de terras além das suas, para completo de uma unidade de exploração com base económica;
d) Trabalhadores de comércio e indústria procurando com o amanho de terras acrescentar um suplemento ao rendimento do seu trabalho especializado.
Sr. Presidente: cabe perguntar: pode a modificação do actual regime contratual dos prédios rústicos determinar um maior volume de homens a fixar na terra? Creio que sim. E em ordem a esta certeza poderia apresentar sugestões.
Mas o assunto exige um estudo aturado para soluções variáveis com o condicionalismo agro-pecuário das diversas regiões do País. Assim as soluções têm de ser tantas e quantas! O Ministério da Economia fará o bastante para equacionar este problema da terra.
E quais as soluções de emergência?
Sr. Presidente: as soluções de emergência só podem ter um carácter assistência!.
Por muito que pese aos teóricos, aos ingénuos e aos clássicos dos sistemas económicos, a solução primeira reside nas disponibilidades financeiras. Sem elas não há soluções de emergência. Fora disto navega-se na estratosfera da fantasia.
Os elementos que pedi servem-me de base para rectificar a distribuição -se disso houvera necessidade - que o meu ilustre colega e amigo Dr. Galiano Tavares apresentou e que, conforme sua declaração, tem uma base arbitrária.
Assim, sabendo-se o número de rurais distribuídos às casas agrícolas em cada um dos distritos e o rendimento colectável da propriedade rústica respectiva, poder-se-ia determinar, com aproximação, qual a percentagem absorvida pela lavoura por unidade de distribuição - 1.500$.
Da mesma forma, conhecendo as quantias gastas pelas câmaras municipais e o volume de rurais que elas absorveram, conhecer-se-ia a percentagem absorvida em relação ao total dos desempregados em cada distrito e a sua relação com a unidade de distribuição atrás referida.
A soma dos rurais absorvidos pelas câmaras municipais e pelas casas agrícolas, deduzida do total dos desempregados, dar-nos-ia o resto que o Estado absorveu.
Teríamos pois, Sr. Presidente, os números-base que serviriam de ponto de partida para a modificação das cláusulas dos contratos colectivos de trabalho.
Ao Ministério das Obras Públicas, e deste lugar, apresento os meus agradecimentos, e os meus parabéns ao Sr. Ministro das Obras Públicas. Não me causou estranheza, e confirmou a boa conta em que tenho os serviços daquele Ministério.
Assim sucedeu no Ministério das Finanças e no Ministério das Comunicações. Aos respectivos Ministros os meus agradecimentos e os meus parabéns.
Mas, apesar destas poucas boas vontades, é possível calcular os números que exprimem a provável capacidade de absorção dos sectores que receberam a mão-de-obra em crise.

O Sr. Melo Machado: - Muito obrigado pela parto que toca às câmaras municipais.

O Orador: - Já lá vamos.

O Sr. França Vigon: - V. Ex.ª dá-me licença?
Não quero roubar muito tempo àquele que o Regimento confere a V. Ex.ª mas há duas notas que mo parece conveniente ferir neste passo do discurso que estamos ouvindo.

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A primeira é esta: nós não podemos aceitar a ideia de que os trabalhadores distribuídos às casas agrícolas são no total um encargo sem compensação, porque é preciso considerar que entre esses trabalhadores há uns tantos cujo trabalho é necessário à empresa agrícola ou, pelo menos, é trabalho realmente útil.
Em segundo lugar, há alguma coisa a prevenir no que respeita à abolição do sistema de distribuição, optando-se pelo da livre escolha dos trabalhadores.
Sn este for o processo, escolherá os melhores quem se apressar a fazer a escolha. Os piores ficarão para os que escolherem em último lugar e... para os trabalhos públicos. Não me parece, portanto, justo banir em absoluto o sistema de distribuição, seja pelos grémios, seja pelas Casas do Povo.

O Orador: - Mas não vejo qualquer desvantagem nisso, pois, pelo contrário, acho que o resultado seria que os melhores trabalhadores teriam melhores salários, isto é, um salário diferenciado, e eu sou partidário do salário de mais valia.
Verifico, no entanto, e com muito prazer, que as minhas ideias interessam todos VV. Ex.ªs, pois as discutem e isso me basta.

Risos.

Mas continuando, Sr. Presidente, eu direi que a lavoura do meu distrito aceita os contratos colectivos de trabalho. Que remédio tem ela! E eu não vejo outra modalidade na distribuição da mão-de-obra a mais às casas agrícolas.
Certamente não podem ser aceites os contratos com as cláusulas actuais. São duas as restrições apresentadas. Base económica da distribuição e imposição dos homens pelas Casas do Povo.
Mas, Sr. Presidente, a lavoura não tem actualmente capacidade económica para acudir à crise de desemprego dos rurais.
Este é o facto concreto. E, se assim é, pertence às autarquias locais e ao Estado absorver os que a lavoura não comporte. Para isso se faria:

1.º Planificação de obras a realizar pelos trabalhadores em crise de trabalho;
2.º Estudo local das necessidades dos povos, em ordem a, em comparticipação com as autarquias, continuar a realização de melhoramentos rurais;
3.º Facilidades de empréstimos às câmaras municipais em especial e às outras autarquias em geral, em ordem à realização de obras de fomento;
4.º Desburocratizarão dos serviços técnicos que intervêm na concessão de pareceres, licenças especiosas e agréments desnecessários;
5.º Autonomia rasgada, com responsabilidade, às câmaras municipais;
6.º Diminuição ou desaparecimento dos enormes encargos que o Estado lançou sobre as câmaras municipais, imputando-lhes o pagamento de serviços que em boa moral são obrigação dele;
7.º Cancelamento das dívidas das câmaras aos hospitais, ficando a cargo do Estado, como lhe compete, o pagamento integral da assistência aos indigentes.
E finalmente, Sr. Presidente, as Casas do Povo.
Já tive ocasião, nesta Assembleia, de manifestar o meu assentimento à instituição social assim chamada.
Considero útil a sua continuação e contínua adaptação à nossa gente e à melhoria do seu nível de vida material e espiritual.
O seu problema principal é o de direcção. E tempo de passar por cima de velhas fórmulas.
Não eleição, mas escolha!
O resto é tudo bom.
E tão bom que, apesar de toda a guerra movida, até às vezes pelos próprios que delas recebem assistência,
graças a Deus, têm-se mantido. E hão-de manter-se, se Deus quiser! Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa da Câmara: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: com surpresa primeiro, com satisfação depois o alegria a seguir, temos verificado, no decurso dos trabalhos da Assembleia Nacional, que vivemos num ambiente agrário, que as discussões sobre assuntos agrícolas são frequentes, que há receptividade particular para tudo que possa representar um anseio da nossa indústria mãe - a agricultura.
Creio que em nenhum momento da história desta Casa se respirou uma atmosfera tão propícia à terra e à gente que nela trabalha como agora. Ouvindo as vozes de tantos paladinos, que com insistência martelam aqui, com larga cópia de argumentos, os problemas, candentes da ruralidade, chegamos a essa grata conclusão. Não me consta que em qualquer outra ocasião se consumisse tanto tempo dos debates em assuntos agrícolas.
Apesar de agrónomo, naturalmente apaixonado por tudo o que respeita à agricultura, desejaria manter-me apartado destas lides, uma vez que elas encontram tantos e tão bons defensores da causa agrária.
Para quê cansar as atenções se aquilo que poderia dizer já foi dito ou pode ser tratado e muito melhor por outros?

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Para quê cansar as atenções se outros Deputados, analisando este problema, não poderão ser tomados como exagerando a sua importância, levados por compreensível ou mesmo desculpável deformação profissional?
Seria meu desejo manter-me mais f como ouvinte do que participante activo na discussão. É que tenho a convicção de que este problema é dos tais que não se resolvem facilmente com medidas de ocasião, antes necessitava, e de há muito, estudo cuidado, que levasse à elaboração de planos bem definidos, com objectivos concretos bem determinados.
Porém, o assunto de que estamos a tratar é de tal natureza, envolve-se de tal complexidade e delicadeza e apresenta-se com notas tão angustiosas e desoladas que ficaria mal com a minha consciência se não viesse a esta tribuna apresentar também o meu depoimento.
Não tenho desejo de criticar, nem de propagandear qualquer método, qualquer nova solução, apenas pretendo, simplesmente, analisar este grave problema por outro ângulo - diferente dos que têm sido considerados até agora.
Não quisera ser pessimista, senhores, mas a experiência da vida, os contactos que tenho tido com os problemas agrários, tanto no nosso país como noutros, não me animam a formular grandes esperanças, sobretudo quando vejo, quando sinto que há uma espécie de cansaço e de tristeza, uma tendência para nos curvarmos ao peso da fatalidade.
Para encontrar remédio pronto à crise de desemprego não podemos esperar que surja uma solução perfeita em todos os aspectos. Tratada a doença assim à pressa, perante a urgência dolorosa da ocasião, sem tempo para estudar, planear e organizar, a solução tem, infelizmente, de ser mal.
É que, se não a encontramos imediatamente, atiramos para a fome e para a miséria uma importantíssima parto da nossa população, e isso é contra a Revolução Nacional.

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Pretender atacar uma doença atenuando apenas as dores que ela causa não é aplicar tratamento algum.
Quando muito, é obra de humanidade.
Afinal, o que podemos fazer agora contra as crises do desemprego não é mais do que minorar as dores de um grande mal que existe.
Sabemos que estas crises de desemprego se repetem assustadoramente, em fases cíclicas, como se fossem perigosas febres que arrasam a saúde já de si precária do corpo enfermo do nosso meio rural.
Procurando analisar as causas e as possíveis consequências deste mal, sentimo-nos embaraçados.
Não é que faltem os elementos de estudo. Pelo contrário, existem em abundância.
Assistimos a exposições tão brilhantes e tão completas que me veria em dificuldades se quisesse destacar qualquer delas.
Se faço unia referência especial, embora muito breve, a determinado discurso, não é porque ele me tocasse mais profundamente que os outros, mas talvez por ser de um Deputado do meu círculo.
Refiro-me à exposição do Sr. Deputado Nunes Mexia, que foi de um equilíbrio absoluto, de um bom senso a toda a prova, que exprime decerto em toda a amplitude a maneira de pensar da lavoura e dos trabalhadores.

Vozes: - Muito, bem!

O Orador: - Sr. Presidente: suponho que neste problema do desemprego há a considerar os fenómenos de que ninguém tem culpa e uma série de culpas que vêm de muito longe. Vejamos esses fenómenos de que ninguém tem culpa.
Em primeiro lugar figura, e todos o sabem, o acréscimo populacional. Não sei se nos deve entusiasmar ou entristecer. É certo que por norma nos entusiasmamos com ele, dizendo que é prova de vitalidade, garantia segura da continuidade da Nação.
Mas, se filosofasse, talvez dissesse, à maneira de Santo Agostinho: anão sei se o nosso acréscimo populacional é causador do nível baixo de vida do povo ou se o nível baixo de vida do povo é causa do acréscimo- populacional».
É um fenómeno que não está nas nossas mãos evitar.
Logo a seguir vem o outro fenómeno, também posto aqui, em poucas linhas, de forma concisa, e que é a estrutura agrícola do nosso país. Perguntar-se-á: mas não é possível modificar essa estrutura? È, é possível, mas quantos anos não serão necessários para operar tal transformação? E poderá ainda perguntar-se se haverá conveniência em modificar essa estrutura.
Depois destes fenómenos de que ninguém tem culpa, vamos ver as culpas que vêm de longe e que são muitas.
Vejam VV. Ex.ªs os defeitos em que temos caído e dos quais ainda não fomos capazes de nos defender.
Em primeiro lugar, a falta do conhecimento do que é agricultura. Creio que estou na boa razão quando tal afirmo.
O português não sabe exactamente o que é a importância enorme da agricultura, seja ele analfabeto ou universitário. Creio que é bastante prova desta afirmação o verificar-se como a agricultura tem sido tratada através dos tempos.
Muitos dirão que a agricultura é importante para abastecer a Nação. Outros dirão que a agricultura fixa trabalhadores, valoriza capitais. Outros ainda lhe conferem certo pitoresco, tornando-a como a melhor representação do folclore nacional...
Mas afirmo francamente: a agricultura é a razão de ser da Nação, é o meio onde se prepara gente, a forja
da nossa raça, o cadinho onde se temperam as grandes qualidades de um povo, a garantia da continuidade de Portugal. Isto é que muito poucas vezes se diz.
Todas as actividades do País se deviam congregar em torno da agricultura. Sabe-se que ela será a solidez, a rocha que resistirá aos grandes vendavais. Muita coisa naufragará no Mundo, nesta encruzilhada dramática da História. Mas nunca poderão naufragar esses valores agrários! Se desaparecessem, desapareceria a parte mais sadia da Nação.
Sabem VV. Ex.ªs, tão bem como «u, como se assistiu à desintegração da Igreja no nosso meio rural. A impregnação religiosa diluiu-se de forma assustadora nas primeiras décadas deste século. Por erros cometidos, a religiosidade do nosso camponês sofreu rudes golpes. Estamos, infelizmente, longe dos tempos em que o espírito cristão norteava todos os trabalhadores dos campos, fazendo-os compreender a grandeza da sua missão, embora de aparente humildade.
E, infelizmente, tem tardado a introdução da boa doutrina dentro da nossa grei. Em muitos pontos do País quase estamos na situação de pedir de novo missionários. Hoje a missão do padre, em tantas das nossas regiões agrícolas, não se limitará a conservar a Fé, mas defendê-la e até conquistá-la!
Mas não é só a educação religiosa que nos falta, é a agrícola.
Já pensaram, senhores, que nós somos o pais mais atrasado da Europa em ensino agrícola? Isto admite-se?
Enquanto no ensino primário agrícola temos poucas centenas de estudantes, no ensino comercial e industrial correspondente há dezenas de milhares.
O número de escolas agrícolas é baixíssimo e, sabe-se o pouco interesse que desperta na grande massa da Nação o ensino agrícola. Em 1887 criaram-se seis escolas de agricultura. Pois logo no ano de 1891 uma fúria de insensata poupança fez retrogradar em muito o estado da nossa instrução agrícola.
Compare-se a nossa situação, nesta matéria, com a de outros países, como a Bélgica, Holanda, Dinamarca e Suíça.
Na Holanda, por exemplo, um país pequeno, mas um pais que tem indústria próspera, que não carece de protecções alfandegárias, indústria que é servida por uma investigação científica activa e de primeira ordem, todos os anos desfilam pelas suas escolas agrícolas para cima de 40:000 alunos.
Presentemente o nosso ensino agrícola não satisfaz às necessidades da Nação. Apesar das dedicações dos que o orientam, dos seus professores, as faltas são tantas que só por prodígios de vontade, e à custa de sacrifícios de toda a ordem, podemos dizer que temos um ponto de partida para o ensino agrícola.
E o melhor que encontrámos até agora para debelar tantas deficiências foi levar essas escolas para a dependência do Ministério da Educação Nacional. Creio que com isso não se ajudou nada a solução do problema. Uma escola agrícola não tem só funções de educar o trabalhador que se destina aos meios rurais e que há-de trabalhar nós vários escalões que a actividade oferece. Tem também funções, e importantíssimas, de extensão agrícola.
E assim tenho de mo referir a outro aspecto da nossa situação agrária: se nós não sabemos o que é ensino agrícola muito menos sabemos o que é «extensão agrícola».
O que em quase toda a parte se chama «extensão» chamamos nós assistência técnica.
A «extensão» para nós é ainda uma palavra bárbara. Existe uma espécie de indiferença por esta ferramenta de progresso agrário. Quando, em toda a parte, a «ex-

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tensão» - enfim, a organização que leva a técnica e a ciência ao agricultor - se multiplica em esforços e dedicações, para que o lavrador seja sempre acompanhado, em Portugal esse problema não interessa os meios políticos, educacionais ou agrários. Pelo contrário, temos visto como a técnica e a agricultura estão distanciadas, como a interpenetração de ambos - que devia ser permanente e eficaz é tão vaga que nem se sente.
Portanto, não temos educação religiosa, não temos educação agrícola, não temos extensão agronómica.
Desta tribuna quero fazer justiça a todos os colegas que tanto o tão bem tom trabalhado em favor da agricultura em Portugal.
Mas «extensão agronómica» com a importância que devia ter, com a amplitude e profundidade que a agricultura reclama, não a conhecemos em Portugal.
Num escrito que publiquei há três anos dizia que a lavoura se encontrava, desde que se não verificasse a sua interdependência com a agronomia, na pendente da rotina,.com o atraso lá em baixo à espera o, com ele, a ruína o a miséria.
A agronomia, sem contacto com a lavoura, encontra-se noutra pendente, esta a da burocracia, tendo lá em baixo à espera a incompreensão pelas angústias da vida agrária. Com esta incompreensão vem a quase indiferença perante as políticas dos preços dos produtos, certa apatia frente às dificuldades que as condições económicas podem criar aos agricultores e até por vezes desinteresse em lhes proporcionar apoio o estímulo aos seus esforços e iniciativas.
Será, enfim, uma burocracia, que não compreende nem sente as necessidades da lavoura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Srs. Deputados, os agrónomos não têm este espírito. Pelo contrário, querem que essa dualidade não exista. Sabem muito bem que é em grande parte por não haver interpenetração da técnica e da lavoura que se tem assistido a tantas dificuldades.
Eles querem trabalhar a favor da agricultura, do trabalhador e do lavrador, a favor do pobre e do rico, de todos, enfim, que, por força do sen trabalho ou dos seus capitais, exploram a terra, para bem de Portugal e da sua gente.
Por outro lado, senhores, não temos ainda suficientemente desenvolvido o serviço social rural, quer dizer que não temos a possibilidade de auxiliar e educar as mulheres dos trabalhadores. Existe, é certo, mercê das dedicações desveladas de um grupo de pessoas, trabalhando em verdadeiro apostolado, um Instituto de Serviço Social. Ele é orientado seguramente pelo melhor espírito, pela orientação mais acertada, mas esse Instituto não pode ainda desempenhar com a amplitude que se desejava as suas funções nos meios rurais.
Outra organização, também muito interessante, a Obra das Mães, tem procurado levar a educação familiar a alguns centros rurais. Mas tudo isso é uma gota de água no oceano.
Para intervir decididamente nesta grande empresa é preciso multiplicar os meios de ataque. Em suma, não temos possibilidade de agir imediatamente, de modificar a situação dos nossos camponeses, porque, no fundo, o problema é um problema de educação, e nós não dedicamos o interesse preciso nem aos homens, nem às mulheres, nem às crianças. Temos escolas, sem dúvida, escolas primárias, mas essas, ao contrário do que convinha, afastam muitas vezes as crianças da agricultura para outras tarefas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se não dedicamos as nossas atenções à educação rural, nem aos homens, nem às mulheres, nem às crianças, então do que estamos à espera?
De um milagre? Eu também acredito num milagre, mas primeiro é preciso que o mereçamos. Ora com muito pesar confesso: não sinto que por este andar o possamos merecer!
É evidente que não podemos ficar por aqui, temos de ir mais longe, muito mais longe.
Senhores, nós estamos confiados em que o problema do desemprego tenha, em certa medida, solução com o advento da indústria em Portugal. Todos nós ansiamos, na verdade, que se estabeleça na nossa terra uma indústria vigorosa e próspera; mas não nos iludamos, não vamos imaginar que possa absorver toda essa massa de gente que temos para empregar.

O Sr. Domingues Basto: - Nem vai, nem isso convinha.

O Orador: - E então pensamos que com o desenvolvimento das obras de hidráulica agrícola, que o Governo em tão boa hora tem procurado levar a cabo, se consiga resolver grande parte do desemprego.
Eu não posso ser pessimista, pois também tenho grande fé no alcance social e económico da rega.
Sei que a hidráulica agrícola é uma das mais poderosas alavancas do futuro, mas também sei que a rega leva muito tempo a preparar, a instalar, a ensinar os agricultores, até a educar e propagandear entre os lavradores, e requer o respeito e obediência a certo número de preceitos agronómicos que são de uma importância indiscutível. Não é de um instante para o outro, sem a realização de grandes dispêndios, que se pode aumentar a produtividade de uma terra. Tudo leva tempo, dinheiro e trabalho. São verdades tão evidentes que não as vou desenvolver aqui.
Quer dizer, senhores, que para acabar de vez com essa nódoa triste do desemprego não podemos contar só com a indústria nem com a rega, por melhores e mais fecundas que sejam.
Decerto ajudarão no futuro a absorver grandes contingentes de população. Mas não chegarão. São armas necessárias, mas não suficientes, para a grande batalha que se tem de travar.
Poderemos pensar ainda na colonização interna. Com certeza que a obra da colonização interna, nascida também em tão boa hora neste país, tem largo porvir na sua frente; mas não nos iludamos, porque ela apresenta-se, naturalmente, com as suas limitações. Se virmos o número de famílias que podem fixar se, havemos de ver que ainda não será com a esplêndida obra de colonização metropolitana que conseguiremos o nosso objectivo capital aquele que está na raiz deste problema do desemprego- fixar o nosso excedente populacional.
E então perguntar-se-á: como vamos nós encarar o futuro ? Como vamos dar trabalho a essa massa incessantemente crescente da nossa gente? Como evitar as consequências catastróficas desse processo demográfico em curso, que nos traz um milhão de almas a mais em cada dez anos?
Suponho não haver outra maneira de olhar para o problema senão de frente, a valer, com audácia, para o lado da colonização e da emigração.
Apoiados.
Naturalmente, como português, desejaria que a nossa gente emigrasse primeiro para as nossas províncias ultramarinas, para valorizar essa terra que a espera, com a mesma ansiedade com que um campo em cultura espera a chuva benéfica que o há-de vivificar. Mas também, como português, desejaria que nunca perdêssemos o costume de enviar gente para os pontos tradicionais da

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nossa emigração. Quero-me referir a vários países que têm acolhido os nossos irmãos de raça, que tom compreendido o valor dos nossos trabalhadores, como eles são activos, resistentes, sóbrios, hábeis, humildes, enfim, países que têm sido segundas pátrias de portugueses, entre os quais sobressai muito especialmente o Brasil.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Brasil precisa da nossa boa gente.
O Brasil é a segunda casa lusitana, a Pátria de além-Atlântico. Para ela olham sempre os portugueses com entranhada simpatia. Ora o Brasil precisa de agricultores, de bons e valorosos trabalhadores da terra. Não sei, senhores, de outro país que esteja em melhores condições para os dar do que Portugal. Sobre o Atlântico se têm do estabelecer os traços fraternos de íntima união. E não sei de melhores traços do que os criados pelo sangue português que esteja no Brasil.
Com o nosso irmão -o Brasil- a necessitar de fortes contingentes de agricultores, com as nossas províncias ultramarinas a reclamarem trabalhadores, custa-nos a compreender que possamos ter aqui um problema de desemprego.
Como a emigração tem de ser de qualidade, é indispensável promover a educação dos colonos e emigrantes. Escolas de emigração terão de surgir, onde os homens se eduquem e preparem para as tarefas que se espera possam executar ou no nosso ultramar ou nos países que os acolham.
Sabe-se que os nossos emigrantes se encontram, por via de regra, em situação de inferioridade em relação aos dos outros países-educados, orientados, preparados, treinados. Os nossos -pobres deles!- vão entregues à sua boa estrela.
Temos de educar o nosso colono e o nosso emigrante. Assim, com mais garantias de triunfo poderemos continuar a manter, e até melhorá-la, a posição galharda do emigrante português.
Mas tudo isto é para o futuro!
E para o presente?
Como se vai resolver o problema que aflige o País, que nos é trazido nas múltiplas cartas e telegramas aflitivos que recebemos dia a dia, nesses brados angustiados a lembrarem que há já milhares de famílias sem pão? Como dar trabalho a essas muitas centenas de trabalhadores que estão - como diz o povo numa ironia amarga- «à boa vida»?
O vocábulo «desemprego» tem uma sonância que arrepia, traduz o seu quê de incompreensão, de indiferença perante as amarguras dos outros, de egoísmo, de apática atitude.
Por experiência - dura e cruel experiência - conhecemos bem a gravidade da situação. Sabemos que as soluções de ocasião, inventadas à pressa, porventura com reflexos nefastos noutros problemas, estão longe de satisfazer.
Sabemos que a lavoura e os proprietários de muitos pontos do Alentejo deram trabalho aos desempregados da crise anterior. Essa foi a maneira que se encontrou de dar o pão a quem tinha fome.
Foi, sem dúvida, norteado por um bom princípio cristão de ajudar o seu semelhante, mas hoje verifica-se que esse sistema não estava certo, que acarretou complicações várias, que foi afinal mais pensado «com o coração do que com a cabeça».
Não é que isso lhe tire mérito; muitas vezes penso que Pascal estava na verdade quando disse que «o coração tem razões que a razão não conhece».
Não se podia consentir que irmãos nossos passassem fome.
Por bem, cometeu-se um erro.
Repetir o erro agora, quando nada fizemos entre as duas crises para atalhar a situação, que aliás toda a gente previa, é que parece demais.
A medida adoptada de distribuir os desempregados conduziu à desorientação, deu motivo, porventura, a uma dissociação entre o capital e o trabalho, e - o que é ainda mais grave- promoveu a desmoralização de muito trabalhador com o facto do receber uma jorna sem o trabalho que dignifica.
Por último este método, a prosseguir, há-de fatalmente arruinar a lavoura, com todo o cortejo de desgraças que é fácil prever.
Se me perguntassem se é de repetir o sistema, eu diria que ele é errado, mas, para que não haja fome em Portugal, deveríamos reincidir no erro, se acaso é impossível que por parte do Estado se dê trabalho imediato aos desempregados.
Mas acrescentaria, deverá acreditar-se: com estes métodos lançaremos a agricultura na ruína.
E cada passo que dermos nessa direcção mais nos distanciará da solução conveniente do problema.
Para que não haja um lar sem pão temos de fazer todos os sacrifícios. Aceite-se, porém, como facto indiscutível que o Estado tem de ser, não só o primeiro a dar o exemplo na colocação de desempregados, como a ordenar já o estudo das medidas necessárias para evitar os desemprego s futuros, planeando as obras de interesse nacional que se poderão efectuar nessas ocasiões.
Sabemos que tudo isto é difícil. Por isso mesmo, torna-se preciso mobilizar todas as competências, tudo que possa contribuir à determinação das soluções.
Porque o problema é difícil e demorado, só uma situação política com continuidade pode aspirar a resolvê-lo. Por isso temos confiança em que vivemos o clima favorável à determinação do bom caminho.
Sem dúvida, o Governo está atento a estes problemas e tem a potência suficiente para os atacar.
Dispõe dos meios para enfrentar a crise com audácia e com imaginação - duas condições essenciais do êxito. Tenhamos fé na sua potência realizadora! Estejamos seguros de que a nossa orgânica não se encontra fossilizada, sem entusiasmo criador e sem energias de combate!
Sabemos muito bem -e nunca o poderemos esquecer que o direito ao trabalho é uma consequência do dever imposto ao homem por Deus! O trabalho deverá ser fornecido a todos os portugueses.
Senhores: lembro-me de ver na Alemanha o problema do desemprego resolvido de forma deliberada e em tempo quase fulgurante com o chamado «serviço do trabalho». Lembro-me de ver o interesse que ele despertou em vários meios, a extraordinária obra educativa que conseguiu realizar, a par do extermínio do desemprego. Lembro-me de haver lido como a grande América do Norte, no mais aceso da crise económica que se verificou entre as duas guerras, conseguiu lutar corajosa e eficazmente contra o desemprego.
Com formações de trabalhadores, educados e treinados, sujeitos a disciplina militar, realizaram-se grandes obras de indiscutível interesse nacional. Os homens não se desmoralizavam com a falta de trabalho; pelo contrário, melhoravam na sua maneira de ver, graças à obra de educação que simultaneamente se ia efectuando.
Vou terminar.
Para eliminar o desemprego precisamos de considerar as medidas imediatas e as mediatas. Tratar só das primeiras é, como dizia há pouco, apenas procurar o alívio momentâneo das dores duma grave enfermidade. Tem de se cuidar já das outras medidas, para que não tenhamos depois mais surpresas dolorosas.

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Umas e outras medidas requerem muito trabalho, muita persistência e muito dinheiro. Sem dúvida nenhuma, muito dinheiro!
Senhores, vão-se os anéis, mas fiquem os dedos!
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Assumiu a Presidência o Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Tenreiro.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: é esta a primeira, vez que, na presente legislatura, tenho a honra de usar da palavra.
Permita-mo pois V. Ex.ª que, não só em obediência aos princípios de cortesia, mas, sobretudo, por imperativo de consciência, principie por apresentar a V. Ex.ª as minhas mais sinceras homenagens e vos diga quanto me apraz ver-vos no exercício das vossas altas funções.
A presença de V. Ex.ª na Presidência constitui segura garantia de que a lealdade, a imparcialidade e a justiça continuarão presidindo ao exercício da Assembleia Nacional.
Conceda ainda, Sr. Presidente, que eu saúde também os ilustres Deputados - os que ficaram da legislatura anterior, como os que chegaram agora.
A todos afirmo a minha maior consideração e a todos uno no mesmo abraço de fraternal camaradagem.
Sr. Presidente: pedi a palavra para juntar a minha voz e o meu esforço ao de quantos, nesta Assembleia, têm pugnado por uma solução ou, pelo menos, por uma atenuação substancial da crise do desemprego rural que alastra em algumas regiões do País, acentuando-se, sobretudo, no Alentejo.
Sabem VV. Ex.ªs e o País que de um modo especial me têm preocupado os problemas ligados à economia do mar. Mas nem por isso sou menos sensível aos outros problemas da economia da terra, mormente quando atingem uma acuidade gravo ou revestem aspectos sociais delicados e se reflectem na vida dura das classes trabalhadoras.
A lavoura da terra e a lavoura do mar são as grandes fontes da nossa riqueza pública e os grandes pilares da nossa prosperidade nacional. Seria vão e injusto, porém, Srs. Deputados, se imputássemos toda a responsabilidade ao Governo.
Infelizmente a ciência não pôde dominar ainda os fenómenos meteorológicos por forma a adaptar as condições climáticas às conveniências das culturas.
Não pode atirar-se toda a responsabilidade a um Governo que todos reconhecem ter-se preocupado sempre com os altos interesses da Nação. Juntar o nosso concurso o seu, fornecer as nossas sugestões, trazer ao assunto o falar de quem vive no meio em que os sofrimentos se produzem e se caldeiam-é o nosso dever.
É esse o meu apelo ao Governo, no qual inteiramente confio.
Mas a crise da lavoura alentejana pode considerar-se uma manifestação de depressão económica geral, consequente da guerra.
Na lavoura do mar, por exemplo, a pesca da baleia atravessa também uma situação gravíssima.
Não é que o Governo também se tenha desinteressado deste ramo da nossa actividade piscatória, mas antes porque a crise assume aspectos graves para os pescadores baleeiros, que bem justificam se lhes conceda todo o possível auxílio.
Neste momento essa crise entrou já na sua fase aguda. E quer nos Açores, onde, como no Pico, a maior parte da população vive quase exclusivamente da pesca à baleia, quer na Madeira, ou aqui, no continente, está a indústria atravessando um período critico que, ou se lhe acode com remédio pronto e eficaz, ou se perderão todos os capitais nela investidos pelos armadores, além do risco proveniente das consequências sociais, que não quero por forma alguma exagerar, mas não devo deixar passar em claro.
O problema põe-se, Sr. Presidente, com absoluta clareza e a maior simplicidade. A indústria baleeira viveu até há pouco do produto das exportações do óleo para diversos países estrangeiros, especialmente da Europa Central.
Quando, porém, os prenúncios da crise que temos atravessado começaram a adensar-se sobre o Mundo e os governos decretaram múltiplas restrições, a exportação parou. Foi há duas campanhas que isto sucedeu.
Não obstante, e sempre esperançados no dia de amanhã, os armadores e os pescadores baleeiros não cruzaram os braços e prosseguiram na sua faina penosa e arriscada. Entretanto, mais um ano passou, e ao findar a última campanha havia uma produção de 4:000 toneladas de óleo de baleia armazenado e para o qual não apareciam compradores.
Este volume de óleo significa, se não tiver rápido escoamento, que esta importante indústria, esgotados já todos os recursos, paralise a sua actividade por falta de meios - ou, mais exactamente, porque faliu.
Creio, porém, que se não. pode nem deve deixar perder esta actividade piscatória nem abandonado o capital que representa o óleo armazenado, pois são valores que intervêm no equilíbrio económico do País. Tão-pouco podemos nós -que pugnamos pela justiça social- permitir que pereçam à míngua centenas de pescadores especializados o as suas famílias.

O Sr. Linhares de Lima: - V. Ex.ª dá-me licença?
A maior parte desses pescadores - é o que sucede, por exemplo, na ilha do Pico - não recebe salários ou soldos, mas sim o produto da venda do óleo. São associados.

O Sr. Cymbrom de Sousa: - V. Ex.ª dá-me licença?
E, portanto, quando se não vende o óleo, não recebem nada. E devem estar actualmente na ilha do Pico cerca de 600 pescadores sem ganhar nada. Numa população de cerca de 18:000 almas é alguma coisa.

O Orador: - A organização corporativa da pesca já tentou, como VV. Ex.ªs calculam, todas as fórmulas de ordem técnica e económica que, dentro das suas possibilidades, pudessem obstar ao desenvolvimento da crise. E, certamente, a ela se deve que os armadores e os pescadores baleeiros tenham podido manter-se até à data, esgotando todas as suas reservas.
Mas a sequência dos factos, caminhando mais rápida do que os seus esforços, conduziu a pesca da baleia a um ponto crucial que exige agora um auxílio mais forte e eficaz, tal como só o Governo da Nação lhe pode proporcionar.
Assim, é necessário que pelo Fundo do Desemprego ou pelo Fundo de socorro social se acuda desde já, por intermédio das suas organizações sociais, aos numerosos pescadores que, privados da pesca e esgotadas as suas economias, se vêem agora a braços com a própria miséria.
É necessário também que à indústria da pesca da baleia só forneçam os meios de manter a sua actividade, não só em defesa do avultado património nacional que

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representa, mas ainda porque dela dependem centenas de lares portugueses, agora mergulhados na mais sombria indigência.
Temos de atender aos magnos problemas económicos e ao bem-estar das laboriosas populações piscatórias e saber dominar situação tão angustiosa e prover à sorte destes trabalhadores do mar.
Impõe-se ainda que, além de todo o auxílio e todas as eficientes medidas que o Governo julgue oportunas, seja levada a efeito a concentração da indústria e revista a sua actual regulamentação, na base de estudos já feitos o apresentados.
É isto apenas o que pretendo ao falar nesta Assembleia.
E faço-o confiando em absoluto que tais medidas não deixarão de ser adoptadas e aplicadas a tempo de constituírem remédio para as crises presentes.
Tenhamos confiança em que o Governo, sob a direcção superior de Salazar, encontrará para estas crises as soluções possíveis e mais uma vez triunfará das enormes dificuldades do momento.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Matos Taquenho: - Sr. Presidente: em Setembro do ano findo, justamente alarmado pela situação da lavoura, procurei dar o meu contributo no estudo aos seus angustiosos problemas, publicando uma série de artigos num jornal de Beja, fechando o primeiro deles com as seguintes palavras: «Calma e reflectidamente procuraremos analisar em artigos a seguir vários problemas que interessam à lavoura alentejana».
Escrevi então « calma e reflectidamente », quando longe estava da ideia de que o homem da terra, improvisado plumitivo, poderia ser chamado a este alto posto de representação nacional, onde, a não querer contradizer-me, tenho de seguir a orientação que há muito sigo, e que traduzi nas seguintes palavras, que servem de pórtico a unia separata dos já referidos artigos, a que o nosso ilustre colega Dr. Melo e Castro teve a gentileza de se referir em palavras de imerecida apreciação, que aqui muito me apraz agradecer:
Filho do Alentejo, sinto-me com a obrigação de todos os filhos, e, tanto quanto a minha inteligência o permite e até onde a minha vontade pode chegar, por ele tenho lutado e continuarei a combater.
Terra de heróis ignorados, que, sem desfalecimento, debaixo de sol inclemente ou de chuvas impiedosas, trabalham a terra, para passar triste existência entre casas inóspitas e fomes duramente curtidas.
Planície heróica lhe chamou Manuel Ribeiro; povo heróico, acrescentarei, pois só com heroísmo forjado na dura luta ancestral podia conseguir condições de frugalidade bastantes para se manter com as duras condições da sua vida. Heroísmo na desdita, bem mais triste que heroísmo na glória; em todo o caso heroísmo, que merece o respeito a que têm direito os que sofrem.
Lutadores são trabalhadores e lavradores, estes últimos sofrendo outras contrariedades, filhas também da Natureza, heróicos também na sua tenacidade de remar contra as más marés que de tempos a tempos aparecem a querer fazer submergir as suas vidas. Coragem indómita têm mostrado em todos os tempos para vencerem as suas fatalidades; por isso mesmo são credores da admiração dos que tenham condições para apreciar o esforço alheio.
Julgando-me dentro dos problemas da lavoura, por imposição cia própria consciência, não devo furtar-me a procurar ajudar a esclarecer o que até aqui parece não ter sido compreendido, e, em consequência, subi mais uma vez a esta tribuna para procurar cumprir o a meu dever.
Talvez por apenas iniciado, não quero acreditar na «eutanásia prematura» que referiu há dias a eloquência arrebatante do nosso colega Ricardo Durão, (porque, como escreveu ou disse algures S. Ex.ª o Presidente do Conselho, e nenhum povo do Mundo pode amar mais Portugal que os Portugueses, nem instituição ou Governo pode haver que melhor o defenda do que o Governo da Nação».
Ao meu espírito acodem considerações que tantas vezes se fazem na cidade aos que no campo vivem, ao campo dedicam a sua actividade e a sua inteligência e onde muitas vezes o apego à terra- leva a situações angustiosas. Na cidade os que se dedicam a actividades que decorrem com uma certa uniformidade ou regularidade não lograram compreender a inquietação constante do lavrador e as suas opiniões, variáveis de momento a momento, consequência imediata de dependerem os seus interesses de factores vivos.
Eu atrevo-me, Sr. Presidente, a comparar a vida do lavrador à vida de um médico de clínica geral que tenha a seu cargo a vigilância da saúde de seres de todas as idades, desde os recém-nascidos até à velhice, e ainda os cuidados a ter com as mães- e os nascituros. A medicina, encarada em larga visão de todo o seu significado humanitário, é necessariamente um sacerdócio. E nunca ninguém, achou motivo para gracejos os cuidados e as inquietações que causam ao médico os casos complicados da sua clínica.
Pois bem; a vida do lavrador resume-se em fazer nascer, em vigiar o crescimento e preparar para a morte as sementes que lançou à terra, ou cuidados idênticos com as várias espécies de pecuária que explora. E não se julgue ser fácil fazer viver o trigo ou a cevada, e não se imagine que basta lançar a semente à terra e recolher quando chegar a maturação.
Por serem vivas as plantas, carecem as suas vidas de ser acompanhadas de perto, com solicitude e, quantas vezes, com tratamentos de emergência, que se aplicam com largos dispêndios, com o propósito de lhes melhorar a saúde.
E os gados são outras tantas vidas que reclamam (preocupações com a alimentação, assistência sanitária, cuidados, enfim. E as árvores, que também vivem, carecem dos mesmos cuidados, porque quando delas se não trata passam, fácil e rapidamente, à categoria de lenha.
E a própria terra, que se rasga constantemente, cujas entranhas são revolvidas impiedosamente, também não é inerte, também tem a sua vida, é um vasto laboratório, cuja fauna microbiana também tem de ser cuidada u alimentada.
A vida do lavrador é de luta constante com milhares de vidas que estão ao seu cuidado, confiadas à sua dedicação, e que dependem da sua inteligência, da sua dedicação, da sua intuição e ainda dos seus conhecimentos técnicos. Mas tudo isto de nada serve quando a Natureza se compraz em oferecer condições adversas.
É esta verdade que a cidade não pode compreender, pelo visto, nem entre nós, nem nos outros países. Darei, neste passo, a palavra ao Sr. Artaud, que em França escreveu:

Em geral quando se fala em indústria figura-se imediatamente uma série de imagens: fábricas, máquinas, metalurgia, electricidade, etc., enquanto
que, ao falar-se dê agricultura, se vê um camponês

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na terra com a charrua e a foice, como se se tratasse de um bruxo capaz de tirar do nada a imensa variedade dos produtos agrícolas. Nada menos verdadeira do que a simplicidade desta imagem.
Estou surpreendido como uma actividade tão complexa, too cheia de segredos, carecendo de uma tão grande intuição, possa parecer simples e fácil. Falar-se de regresso a terra como de um passeio; do arroteamento de incultos como de uma brincadeira. Como são belos certos discursos, artigos ou livros cheios de ideias animadoras, de poesia e ... de asneiras.

Mas foi um pouco mais longe na sua apreciação o autor acima referido, pois coloca o problema da valorização dos produtos da terra perante esta autêntica realidade:

Quando a colheita estiver terminada e armazenada, representando o trabalho, as despesas e a sorte de um ano, o camponês pedirá aos outros homens para a avaliar. Responder-lhe-ão com as cotações de Chicago, com a colheita do arroz na Indochina, com a das batatas da Califórnia, com o tempo que faz nos antípodas, com a especulação da política dos câmbios. Tudo isto constitui a famosa lei da oferta e da procura.
Mas o que coloca a actividade do agricultor muito à parte das outras actividades é que uma colheita perdida ou consideràvelmente diminuída não é reconhecida como devendo alterar em nada a marcha das coisas que lhe dizem respeito. O lavrador deve imediatamente voltar a trabalhar sem perder a esperança ou a coragem e preparar-se cuidadosamente para produzir novamente para o futuro. Ele deverá especular de novo, a prazos de um, dois, ires ou mais anos, conforme a natureza da cultura de que se trate.
Não há outra actividade que comporte ao mesmo tempo tantos riscos e tanto desprezo pelos riscos. Sobre tais bases não é possível construir nada de sólido.
Sr. Presidente: eu julgo que nenhum lavrador português teria dúvida em subscrever estas, palavras do Sr. Artaud, como se elas tivessem sido propositadamente escritas para o caso português.
Postas estas palavras à guisa de intróito, entro na matéria, do aviso prévio do ilustre Deputado Galiano Ta vares.
Trata-se do problema crucial de toda a lavoura nacional, porque dele depende a vida de milhares de seres que ao seu braço, ao seu esforço, ao seu trabalho apenas devem o sustento seu e de suas famílias.
listamos perfeitamente à vontade para tratar com toda a largueza este problema, que desejaríamos ter visto pôr em toda a sua extensão para poder permitir um largo debate que o esclarecesse completamente.
Não perderei esta oportunidade para, julgando interpretar o sentir de todos os membros desta Assembleia, agradecer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a forma como têm sido orientados os nossos trabalhos, isto é, a liberdade que os Deputados têm tido para expor os seus pontos de vista neste mogno problema, que durante o período eleitoral último levou a que se pusesse esta circunstância em dúvida. Pode já afirmar-se que não há nesta Casa «independentes - dependentes», como se quis fazer acreditar para os lados de Castelo Branco.
Há uma dependência, sim, que é a de se não adoptarem atitudes que não estejam de acordo com o decoro que cabe manter a quem quer que tenha um mandato da
Nação, a quem tenha uma representação, que se não destina, fundamentalmente, a procurar derrubar o Governo. A liberdade de expressão ma ética do Estado Novo não compreende, é certo, a linguagem empregada no Parlamento dos partidos políticos que o Estado Novo aboliu; interessa uma liberdade construtiva a bem da Nação, ao contrário da outra, em favor de um determinado agrupamento político, sempre uma minoria dentro da própria Nação.
Neste grande problema - em que se enfrentam interesses que Marx queria resolver pela luta de classes e Leão XIII mostrou poder ser resolvido por princípios cristãos - estou perfeitamente à vontade porque durante cerca de oito anos servi os interesses dos trabalhadores agrícolas, chefiando uma Casa do Povo, e, em consequência, tive a honra de representar o trabalho agrícola na Câmara Corporativa. Por outro lado, como autoridade administrativa, também o problema me é familiar, mas isto só facilita a sua melhor visão em conjunto e não obsta a que, no que respeita aos interesses, «direitos e obrigações dos trabalhadores, pense hoje como sempre tenho pensado.
O aviso prévio que vem sendo apreciado é de natureza estruturalmente social e constitui imperativo do mundo em que vivemos, é base da vida dos maiores colaboradores da actividade agrícola, que se hão-de avaliar pelas seguintes palavras, do Prof. Amorim Girão, publicadas em 1941:

As formas de actividade industrial que entre nós atingem maior desenvolvimento são, como é natural, as que se destinam a- transformar 09 produtos da agricultura, da criação de gados e da pesca, pois toda a gente, para viver, tem de alimentar-se e vestir-se. É para ver o papel das indústrias de transformação na economia nacional basta considerar que a elas se dedicam os portugueses em número não muito superior a um milhão, ou seja a terça parte dos que se empregam em trabalhos agrícolas.

Não esqueçamos, pois, que neste debate tratamos da vida de 3 milhões de portugueses e que se calcula que o recenseamento geral da população a realizar em Portugal no decurso deste ano atinja 10 milhões de habitantes.
Dissemos ser o problema social imperativo destes nossos tempos, mas não estamos, na verdade, em. presença de nenhum problema novo; direi mesmo que ele talvez tenha existido desde que o homem saiu do Paraíso.
As três grande revoltas de escravos que se verificara III antes de Cristo mostram à saciedade a antiguidade do problema. Os quase dois mil anos de Cristianismo, com a sua bela doutrina de amor entre os homens, não lograram ainda fazer as necessárias modificações que levariam os homens a consentir livremente numa justiça equitativa na distribuição dos bens terrenos.
Se as mais pequenas necessidades do homem só podem ser satisfeitas por meios materiais, o problema social, que em grande parte consiste na melhoria de situação material dos económicamente débeis, é fundamentalmente um problema duplo, um problema económico-social. Daqui se tem de deduzir imediatamente que a uma economia doente tem forçosamente de corresponder um estado social doentio. Há que resolver o problema económico antes de se poder pensar em avançar com passos seguros no campo social.

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Entre nós o problema é outro, graças à Revolução Nacional. Lançadas as bases, em 1933, para uma experiência de organização social, decorridos como estão dezassete anos, torna-se necessário tirar desta longa lição as necessárias consequências.
Todos os que se interessam por este problema e com interesse têm seguido a sua evolução se encontram insatisfeitos na parte que diz respeito aos trabalhadores agrícolas.
Porque os princípios abriram falência e se desacreditaram, por inoperantes? Não; de maneira nenhuma! Os princípios estão certos. O que falhou foi a execução!
Fortim então os executores que se mostraram inábeis, foram os delegados do Instituto Nacional do Trabalho que falharam ao pôr em prática os princípios? Por forma alguma e muito pelo contrário!
Aqui presto a mais rendida homenagem à heróica plêiade de rapazes por certo me perdoarão a classificação- que se atiraram à dificílima tarefa de transformar um país individualista por excelência em nação orgânica, especialmente na actividade agrícola, forçosamente individualista. A confirmar esta afirmação está a vasta série de autênticos valores que têm passado de delegados do Instituto Nacional do Trabalho a ocupar altos postos da Administração, levando para o campo político a chama viva do seu entusiasmo, autênticas criações da génese da Revolução Nacional, nascida na Sala do Risco, depois da marcha gloriosa de Braga a Lisboa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se alguma coisa há a lamentar é que o ritmo inicial se não tenha podido manter e sem desvios.
Onde falhou então?
Haja a coragem de se chamarem as coisas pelo seu verdadeiro nome: o mal reside unicamente na política económica, e não na política social.
O liberalismo, de tão nefastas consequências na política e na economia, tem na economia agrária uma influência decisiva, porque alterou e perturbou as circunstâncias que durante largos séculos caracterizaram a vida agrícola, em que o meio ambiente fez o homem e este se afez a ele. Não regatearemos louvores a Reniy Gousssault quando diz:

O homem na natureza é o camponês. Ele sabe, sente e pressente a natureza, adaptou-se-lhe, como ao mar o marítimo, seu semelhante. O camponês está de tal forma adaptado à natureza que ela pode variar segundo as terras e os climas. Ele adaptou-se às terras e aos climas. Cada região natural modelou o carácter e o temperamento dos homens e constituiu as raças. Mas por toda a parte, quaisquer que sejam as suas terras ou* os céus, os camponeses parecem-se. Assemelham-se porque todos são dominados pela natureza. Todos sabem lutar com ela para a sujeitar.
Sobre a economia liberal escreve Karl Thalheim, professor de Ciências Económicas da Escola de Altos Estudos Mercantis de Leipzig:

Pode afirmar-se, sem exagero, que a época da economia liberal foi uma madrasta para a agricultura.
A orientação unilateral das concepções do liberalismo económico que tinham como único objectivo a obtenção individual de bens em condições de máxima amplitude e baratesa teve de dar, no ponto de vista da produção agrícola, um resultado particularmente desfavorável.
Do mesmo modo que a criação de uma economia orgânica apareceu com a finalidade primordial da política económica, assim mesmo requer aquela uma produção agrícola própria, como único procedimento seguro que a preserve de ser abandonada, órfã de protecção, à voragem das transformações estruturais da economia. Em consequência -, uma produção agrícola suficiente é indispensável, antes de tudo, para assegurar o aprovisionamento do mercado interno, e ainda, especialmente, para garantir à nação uma base própria de subsistência.
"Não só a existência de uma agricultura própria e com vida é imprescindivelmente necessária para a realização de uma economia nacional orgânica, mas ainda o é assim mesmo para a organização social da vida do povo.
Finalmente, a experiência histórica ensina-nos de maneira constante com absoluta clareza nos destinos do Império Romano - que sem uma classe agrícola forte e enraizada, se económica, e socialmente, não pode perdurar a vitalidade de nenhum povo.

Apenas uma boa repartição da riqueza, produzida pode conduzir à justiça social, e, em actividade incerta como é a agrícola, a repartição justa só é possível tomando em consideração a produção real, e não a possível ou predeterminada, que será ou não alcançada, ou mesmo excedida.
A «riqueza das nações», quer em capital, quer em rendimentos, segundo Charles Gide, deveria antes chamar-se «pobreza das nações», em vista de um cálculo por ele feito em 1930, aliás falível, no qual obteve os seguintes resultados: Estados Unidos da América, 18:500 francos; Inglaterra, 10:200; França, 5:000; Alemanha, 4:750, Itália, 2:900; Japão, 1:650; índia, 920.
Os que propõem a divisão igualitária dos bens terrenos certamente não se deram ao trabalho realizado por Gide, porque teriam desistido, em face do minguado quinhão. No entanto é impossível deixar de dar à terra o seu verdadeiro significado, e Van Der Post afirma:
Sem a agricultura o homem nunca se teria afastado muito do estado selvagem, como mostram u evidência as condições existentes entre aquelas raças que ainda hoje não praticam a agricultura.
A Sociedade das Nações, em 1927, reconheceu:

Que a agricultura é a ocupação da maioria dos trabalhadores do Mundo; que os seus vários produtos representam, em valor, a maior parte do trabalho humano, e que a troca destes pelos produtos industriais constitui de facto a base do comércio mundial.
Entre nós, o Prof. Lima Basto, em 1934, avaliava a produção directamente proveniente da agricultura num valor de mais de 5 milhões de coutos, montante este que excedia o quíntuplo das produções industrial e mineira. Talvez, não obstante a desorientação em matéria de preços, presentemente se deva avaliar em cerca, de 10 milhões de contos, segundo o cálculo do Prof. Henrique de Barros.
Sr. Presidente: tão altos valores dos produtos da actividade agrícola são obtidos na maior incerteza, dada a índole particularmente aleatória da actividade agrícola, em consequência de o resultado dela ser mais biológico que técnico, e ainda a influência climática, cau-

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sailora de raros anos excepcionalmente bons, que ficam de saudosa memória, entre a série dos «particularmente maus, agravados pela acção tantas vezes perturbadora de conjunturas económicas, traduzidas nas constantes oscilações de preços, tantas vezes imprevisíveis ou incompreensíveis. Acertadamente anda O. VV. Willcox quando diz:

... o agricultor nunca pode prever os seus preços de custo e os seus preços de venda e ainda acrescenta:

... é forçado a trabalhar na incerteza mais completa quanto aos lucros ou perdas que lhe trará a exploração ...

Vejamos agora quanto ao trabalho. No sentido económico o trabalho tem de ser consciente, no que se distancia da utilização dos animais, que é meramente instintivo, e ainda das máquinas, puramente mecânico.
O trabalho tem de ser encarado com carácter produtivo e retributivo, é um factor essencial do equilíbrio da personalidade, e, quando em relação com as possibilidades físicas, capaz de servir a saúde e a moral. Mas mais: o trabalho, encarado um pouco mais de alto do que na esfera económica, como função da pessoa humana, tem de compreender relação harmónica entre três factores: eficiência do esforço, salário subjectivamente compensador e centro de interesse para o homem.
Mais que o fabril, o trabalho agrícola ajusta-se, pela sua natureza, muito melhor à eficiência do esforço e representa muito maior interesse para o homem.
O salário subjectivamente compensador tem de ser examinado em função do empresário que dá o trabalho e dos restantes factores do meio rural.
Entre estes grupos, quer agrícolas, quer não agrícolas, há interesses antagónicos em relação ao trabalhador agrícola.
O grupo dos empresários que pagam todo o trabalho tem vantagem no salário baixo e na competição entre trabalhadores, quando a mão-de-obra abunda.
Ao grupo do médio empresário convém valorizar o seu próprio trabalho, mas, em contradição, deseja pagar pelo mínimo preço o trabalho alheio.
O pequeno empresário deseja a jorna elevada, porque, acabado o seu próprio trabalho, irá auferir uma maior vantagem na casa alheia.
O trabalhador agrícola deseja sempre o salário máximo, que só logra quando há carência de mão-de-obra.
As actividades não agrícolas sentem a vantagem dos salários elevados, por ser a forma de se manter a capacidade de compra do trabalhador rural.
Vejamos agora em que posição se encontra o trabalhador agrícola enquadrado no trabalhador rural.
A falta de destrinça destas duas posições tem levado a erros que as entidades patronais da lavoura têm pago bem caros - pelo preço que o ilustre Deputado Nunes Mexia evidenciou, e por isso mesmo importa e urge corrigir.
O Código Administrativo classificou os concelhos em urbanos e rurais. A última designação é, evidentemente, consequência da natureza dos componentes dos aglomerados populacionais e suas actividades. Predomina II actividade agrícola, que se exerce no meio rural, sem dúvida, mas esta é unia das que constituem a pluralidade das actividades rurais.
Dada a natureza do trabalho agrícola, o trabalhador em nada se assemelha .ao operário e não deve, por princípio algum, com ele ser confundido e muito menos com os proletários. Mal avisados andam os que lhe
chamam operário rural, e este deslize tem certamente a sua quota-parte de responsabilidade na forma como se procuram soluções para as crises de trabalho agrícola, geralmente chamadas crises de trabalho rural, como se fossem operários industriais.
Por o trabalhador agrícola ter sido confundido em absoluto com o trabalhador rural se atirou todo o peso das crises de trabalho rural para cima da actividade agrícola e se esqueceu que esta actividade tem uma capacidade económica, como qualquer outra, e é apenas uma parte da actividade rural e que, dentro do articulado do Estatuto do Trabalho Nacional, não lhe podem ser impostos maiores encargos que os legalmente cominados.
A empresa agrícola tem pessoal contratado ao ano e ao mês, que forma o pessoal certo.
Além deste, toma pessoal eventual, em maior ou menor quantidade, segundo a época do ano e as necessidades dos serviços a executar. Porém, no distrito de Beja, nas épocas das mondas e das ceifas, faz a maior chamada de mão-de-obra eventual, especialmente nas ceifas, que em certas regiões se não satisfazem com a mão-de-obra local, recorrendo aos ranchos migratórios, cujo estudo, infelizmente, ainda está por fazer, e que, segundo os melhores cálculos, deve andar à volta de 14:000 a 15:000 pessoas.
Pelo recenseamento geral da população efectuado em 1940 diz-nos o Instituto Nacional de Estatística qual a percentagem das situações na profissão, no ramo agrícola e nos outros ramos de actividade, que nos distritos que formam o Alentejo eram as seguintes:

[Ver Quadro na Imagem].

Se em qualquer dos três distritos alguma vez a distribuição de trabalhadores, pelos contratos colectivos de trabalho, foi de 100 por cento, podem deduzir-se os encargos indevidos pedidos à actividade agrícola pelas percentagens indicadas de trabalhadores que se dedicam a outras actividades. Se, porém, a distribuição não foi nunca de 100 por cento, nem por isso a situação melhorou, pois as Casas do Povo, em conformidade com o preceituado no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 23:050, são organismos de cooperação social e de organização profissional não diferenciada, e inscreveram nas crises,

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todos os sócios efectivos, fossem ou não trabalhadores agrícolas.
E acontecia que um lavrador encontrava no pessoal que lhe era atribuído serventes de pedreiro, sapateiros que não apreciam o ofício, barbeiros fie aldeia que exercem a sua profissão apenas ao sábado à noite, indivíduos que normalmente se empregam a apanhar pássaros e tantos outros que apenas pedem trabalho nestas épocas e que são bem conhecidos em todos os meios rurais.
Não resisto à tentação de referir um bilhete endereçado a um delegado do Instituto Nacional do Trabalho no Alentejo, que mostra bem a latitude que se atribuía a estas distribuições de desempregados:

Só temos que aplaudir e louvar as soluções geniais e desinteressadas do Governo, por intermédio desse departamento do Estado, sacrificando-se até ao último lavrador e patenteando mais uma vez o carinho e o interesse que lhe merece a lavoura. Sou, como tantos outros, também desempregado, um artista teatral, que, como V. Ex.ª também deve saber, faz parte de uma classe que atravessa uma crise pavorosa. Recorro a V. Ex.ª na esperança de que, também por intermédio da lavoura - que está provando que não está tão mal como apregoam -, o Governo encontre para os artistas teatrais a solução dos nossos problemas.

Se é compreensível e justificável o que levou o legislador a criar um organismo único nos meios rurais, já a mesma justificação se não encontra para serem incluídos nas listas de desempregados agrícolas os sócios que o não são. Aos organizadores das listas é que necessariamente cabe a responsabilidade.
A atribuição de trabalhadores a cada empresa agrícola foi feita em função do rendimento colectável rústico que consta nas Casas do Povo para o lançamento das quotas dos sócios contribuintes. Ora esta base também não é suficientemente clara para que não resultem situações diferentes, embora para rendimentos colectáveis idênticos.
O exame de alguns exemplos é necessário para esclarecer este ponto da base da distribuição.
Tomemos dois contribuintes com valores matriciais de cerca de 35 contos:

[Ver Quadro na Imagem].

O primeiro possui doze prédios, tendo o maior 1ha,3250 e o menor Oha,1750. O segundo contribuinte possui um único prédio com 5ha,7500. Em ambos os casos se trata de propriedades que ou são vinhas ou terras submetidas a cultura intensiva, onde não é possível aplicar mão-de-obra fora das épocas normais de trabalho requerido pela exploração.
Outro exemplo, para valçores matriciais de cerca de 65.000$:

[Ver Quadro na Imagem].

O primeiro destes contribuintes possui treze prédios, sendo o maior de 14ha,7524 e o menor de Oha,2250. O segundo possui três prédios, sendo o maior de 3ha,3700 e o menor de 1ha,3750. Quanto à possibilidade do emprego de braços, está no mesmo caso do anterior.
Outro exemplo, para valores matriciais de cerca de 120 contos:

[Ver Quadro na Imagem].

O primeiro contribuinte possui dezassete prédios, sendo o maior de 5ha,3000 e o menor de Oha,4375, num total de 29 hectares. O segundo contribuinte possui oito prédios, sendo o maior de 4ha8750 e o menor de Oha,5000, num total de 18 hectares. Nenhum pode ocupar braços fora do tempo normal.
Outro exemplo, para valores matriciais de cerca de 130 contos:

[Ver Quadro na Imagem].

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O primeiro contribuinte possui dez prédios, sendo o maior de 5ha,5125 e o menor de O ha,4250. Não suporta distribuição de mão-de-obra. O segundo contribuinte tem apenas dois prédios, tendo o maior 50ha,8500 e o outro 6ia,9000. O total deste é de 57 hectares e o total do outro apenas de 18 hectares. O segundo contribuinte pode suportar mão-de-obra, pois a propriedade de 50 hectares já é afolhada e portanto não está integralmente semeada todos os anos, como toda a propriedade do primeiro.
Note-se que já andamos com valores matriciais de 130 contos, e chegaram a fazer-se distribuições à razão de um homem por cada 1.500$ de rendimento colectável, ou seja por cada 21 contos de valor matricial.
Não se julgue, porém, que as anomalias ficam apenas por valores baixos, pois para valores de maior grandeza verifica-se o mesmo, em consequência da divisão da propriedade, conforme passamos a exemplificar.
Dois contribuintes com mais de 430 contos de valor matricial:

[Ver Quadro na Imagem].

O primeiro destes contribuintes possui dezoito prédios, dos quais um, com 146 hectares, admite pessoal distribuído; os restantes dezassete não o admitem, pela sua exiguidade e natureza. Dispõe do total de 159 hectares.
O segundo contribuinte tem quatro prédios; em dois deles pode receber pessoal distribuído. O total de hectares que lhe pertencem é de 258 e o rendimento colectável é, análogo ao do primeiro, que tem apenas 159.
Dois contribuintes com cerca de 1:060 contos de valor matricial:

[Ver Quadro na Imagem].

O primeiro destes contribuintes possui doze prédios, com uma superfície total de 152 hectares; tem um único que poderá suportar distribuição de pessoal, por ter 112 hectares, e os restantes prédios são de cultura intensiva, pela sua exiguidade. O segundo contribuinte tem apenas três prédios; apenas um suporta distribuição, visto ter 434 hectares, e possui o total de 437 hectares, enquanto que o primeiro apenas possui 152 hectares na totalidade dos seus prédios.
Parece-nos ter demonstrado cabalmente que a base do rendimento colectável é, em absoluto, inadequada paru se determinar uma distribuição de mão-de-obra desempregada sem grandes injustiças. E que o rendimento colectável, visto na totalidade, não mostra nem a possibilidade de emprego da mão-de-obra distribuída nem se se trata de terras campas, se de olivais, se de vinhas, e portanto é. impossível determinar a sua natureza e a viabilidade de empregar os trabalhadores. Não mostra tão-pouco se o proprietário ou rendeiro está onerado com encargos que lhe reduzem o valor dos seus bens, visto que em muitos poucos casos as dívidas estão registadas.
Quando falamos em possibilidade de emprego de mão-de-obra é tendo em vista o princípio da possibilidade de pagar trabalho, e não pagar dias. A primeira hipótese nem sempre se verifica; a segunda é sempre possível desde que o responsável tenha dinheiro, mas julgamos que os princípios que orientam a nossa legislação se lhe opõem, ao contrário do que supõem certos distribuidores de mão-de-obra nas crises.
Outro factor que perturba a solução deste caso é a densidade da população, pois em freguesias rurais diferentes, se houver a mesma natureza de terrenos e culturas, admitindo a hipótese de divisão de propriedade análoga, se a densidade de população for muito díspar, a distribuição da mão-de-obra, tendo em vista o número de desempregados, levará a uma carga muito diferente de freguesia para freguesia, e no fim os produtos da terra serão vendidos ao mesmo preço, o que altera o rendimento das explorações, não podendo ao empresário ser imputada a responsabilidade do povoamento mais ou menos denso. Ora, segundo o recenseamento geral da população de 1940, já referido, as densidades dos diferentes concelhos de cada um tios três distritos que forniam o Alentejo variam entre os seguintes pontos:

Beja:

Cuba .................................. 48,6
Barrancos ............................. 18,4

Évora:

Borba ................................ 65,6
Portel ............................... 18,7

Portalegre:

Portalegre ................. 61,1
Avis ....................... 14,9

Necessariamente que não é possível fazer uma distribuição equitativa, sabendo-se, como se sabe, que a natureza da exploração, sem ser inteiramente igual, é bastante análoga. Os números referidos excluem, portanto, um tratamento igual, visto as variações serem tão grandes.
À lavoura têm sido feitas distribuições de desempregados tomando em consideração os que à Casa do Povo vão inscrever-se, no uso de um direito que não discriminou que à actividade agrícola apenas devem ser atribuídos trabalhadores agrícolas, e não a generalidade dos trabalhadores rurais. Os contratos colectivos que foram celebrados entre o grémio da lavoura e a Casa do Povo

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necessariamente que não podem incluir todos os que na respectiva área se encontram desempregados.
Os recenseamentos da população nos Estados Unidos da América têm uma classificação de «rural não agrícola», que tem plena justificação e que ilustra bem a nossa tese.
Sr. Presidente: procurámos dar uma ideia do panorama geral da vida agrícola, com especialização em determinados aspectos para o Alentejo. Nada dissemos quanto às razões que determinaram a crise que se procura analisar e para a qual se tentam soluções.
Causas da crise. - Em leituras referentes a épocas passadas temos encontrado referências a várias crises da lavoura nacional em consequência de adversas condições climáticas ou de ataques como o da filoxera, que dizimou as vinhas há cerca de cem anos. Porém, em nenhuma dessas descrições encontramos o caso de uma crise generalizada ao País inteiro, como a presente.
Estamos em presença de um caso que se tem de dividir em razões várias e que, por formas diferentes, concorreram para a actual conjuntura e, até onde a nossa, vista alcança, verificamos as seguintes:

a) Influência nefasta do liberalismo económico, que foi lentamente corroendo a economia;
b) Fraco volume das produções arvenses em consequência dos maus anos agrícolas;
c) Fraco volume de produções de frutos em virtude da seca prolongada, que prejudicou os arvoredos;
d) Desequilíbrio das receitas por motivo do aparecimento da camionagem, accionada por carburantes, que ocasionou a desvalorização dos cereais e legumes, que constituíam os arraçoamentos, e diminuição da procura por virtude da motoriza cão do Exército.
c) Desequilíbrio das receitas por virtude do aumento do custo de ferragens, adubos, alfaias, etc;
f) Desequilíbrio das receitas em virtude da baixa de valor do gado muar em consequência da motorização do Exército e transportes rodoviários;
ff) Aumento de encargos por virtude dos vários aumentos nas tarifas de caminho de ferro;
h) Encargos novos da organização corporativa e previdência social, que se presumiam sair de lucros que não existiram;
i) Impossibilidade de defesa contra os cambões organizados pelos .negociantes de gados nos mercados e feiras quando as pastagens entram a secar, ocasionando avilta mentos de preços para o produtor e de que o público não beneficiou;
j) Durante bastantes anos aviltamento do preço das lãs;
I) Oscilações pronunciadas no valor das cortiças;
m) Aumentos substanciais das. rendas da propriedade rústica em virtude de ao proprietário não ter sido reconhecido o direito legal de beneficiar de um aumento correspondente ao subsídio de cultura;
II) Por todas as razões acima apontadas, desaparecimento da maioria dos produtores designados por «seareiros», completamente arruinados, e que passaram à categoria de trabalhadores rurais;
o) Desaparecimento da indústria local de fretes em carros de muares, consequência imediata da camionagem rodoviária, mais rápida e económica.
y} Diminuição do valor das palhas em consequência de menor procura, devido à camionagem;
f) Esgotamento de reservas monetárias em consequência das deficientes condições económicas;
r) Aumento dos encargos da exploração em consequência dos juros dos empréstimos necessários à continuação da exploração;
s) Perturbação consequente da exigência de prestações de empréstimos, reembolsadas fora da época prevista;
t) Limitação dos montantes e número de empréstimos da Campanha da Produção do Trigo;
u) Limitação para o empréstimo hipotecário por parte da Caixa Geral de Depósitos; Crédito e Previdência ;
y) Limitação dos descontos por parte dos bancos;
v) Aumento de encargos em consequência de recurso forçado à banca particular; z) Aumento demográfico constante.
Por se terem acabado as letras do alfabeto nacional damos por terminada a enumeração dos factores que concorreram para a crise e que tiveram enorme reflexo na vida económica do empresário.
Nada dissemos ainda sobre a vida económica do trabalhador agrícola. Este não obteve protecção alguma nas suas jornas por parte do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, a não ser nas indústrias agrícolas, tais como lagares de azeite e debulhas de cereais, onde foram fixados salários mínimos. Não obteve protecção alguma, como os seus pares das empresas industriais, porque o referido Instituto sabia bem que não eram de exigir mais encargos à lavoura, como a esta não foi cobrado nenhum imposto sobre lucros extraordinários de guerra.
Esta circunstância mostra bem que, tendo a lavoura nacional, durante alguns anos, tido quase que o monopólio do abastecimento do continente, não logrou durante os anos do conflito aumentar os seus réditos ou o seu capital, enquanto prosperou a indústria transformadora dos seus produtos. E aqui já se esclarece que esta declaração não contém o travo de uma inveja, mas apenas um termo de comparação.
A lavoura não importa que a indústria tenha lucros; muito pelo contrário, com isso só se pode regozijar, visto ela lhe comprar alguns dos seus produtos e a sua prosperidade poder auxiliar o levantamento da agricultura.
O que importa à lavoura é poder viver, e para isso carece de que os seus produtos sejam pagos por forma a que entre as suas despesas e receitas lhe fique algum lucro com que possa cobrir os prejuízos dos anos deficitários, que são tão certos como o nascer e pôr do Sol.
O que interessa à lavoura é poder pagar ao trabalhador agrícola uma jorna humanamente justa, para e furtar ao sofrimento moral de ver o seu maior auxiliar constantemente com o espectro da miséria a bater-lhe à porta.
O que interessa à lavoura é não andar sobrecarregada de dívidas, porque pagou pelo justo valor tudo quanto lhe fez falta para cumprir a sua missão e depois vendeu com prejuízo toda a sua produção, porque o nível de vida dos seus compradores não suportou encargos maiores.
O que interessa à lavoura não é a categoria de casta privilegiada, mas sim a posição idêntica à de outra qualquer empresa, para o que carece de uma protecção especial, no sentido de ser diferente da das outras actividades, como diferente é a sua vida e a sua economia, porque, de contrário, encaminha-se para uma rampa cuja. inclinação é muito perigosa, como o reconhece o Prol. António Câmara, Deputado a esta Assembleia, que escreveu as seguintes palavras:
A evolução agrária é função da actividade dos povos. Se estes são empreendedores, activos, cuidadosos, se se empenham em conhecer os mistérios da vida das terras, plantas e animais, se são governados por gente interessada pela agricultura, que, a considera como a existência da própria nação, então é certo que a evolução se dará no sentido progressivo, para felicidade da grei, bem-estar da colectividade e elevação do nível de vida dos homens.

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Se, pelo contrário, se deixam dominar por hábitos ou vícios enraizados há muito na psicologia do povo, se a ignorância campeia, se os Governos olham a agricultura como actividade de 2.ª ordem, se não a tomam como a indiscutível forja da raça, que reclama os melhores cuidados, a política mais atenta e até sacrifícios de toda a ordem, se tanto for preciso, então é fatal que a evolução se verificará no sentido retrógrado, as produções baixarão consideràvelmente, a terra diminuirá de fertilidade, a riqueza será cada vez menor e o nível de vida descerá cada vez mais.
Todos os dramas agrários, desde os espectaculares aos aparentemente insignificantes, se verificam porque, os homens os desencadearam, e nunca porque o destino assim o quis.

Sr. Presidente: estas palavras não são de nenhum lavrador, embora todos os lavradores as sintam como correspondendo a uma autêntica realidade. São palavras de um investigador, de um cientista consagrado. Julgo que merecerão a esta Assembleia o crédito a que tem direito o seu autor.
Julgamos que uma parte da gravidade da crise se poderia ter evitado com medidas, apropriadas e tomadas nos momentos próprios.
Assim, na enumeração das causas facilmente se distinguem as circunstâncias que são independentes ou dependentes da vontade dos homens. Para as primeiras temos: condições climáticas e aumento demográfico. Para as segundas temos as restantes causas, que todas são vários problemas de economia, para os quais o homem poderia ter encontrado soluções, se não eliminadoras de todos os prejuízos, pelo menos de forte atenuação. Não sabemos em que proporção justa devemos colocar o que cabe em responsabilidade à Natureza e ao homem, mas optamos por dar a maior quota de responsabilidade ao homem porque, se tivesse seguido um outro critério económico, as resultantes teriam sido outras, menos gravosas para a economia agrária e, partindo das palavras do Prof. Câmara, em conclusão, menos gravosas para a economia nacional. Ao fim e ao cabo, concluímos pela responsabilidade na parte económica, como principiámos por afirmar.
Como resolver ou atenuar a crise. - O Prof. Oliveira Salazar, ao tomar posse da pasta das Finanças, teve pela frente um trabalho hercúleo para arrumar o que estava desarrumado. Tratava-se de finanças então, e, segundo o que nesse tempo se lia das entrevistas, parece que o segredo do ressurgimento esteve apenas no emprego de fórmulas clássicas de finanças, e não tentativas de teorias modernas, não experimentadas, assim como pulso forte nas despesas.
Agora trata-se de economia a arrumar. Não somos economistas, apenas homem da terra, que tem vivido e sentido a crise por várias formas, a que não é alheio o sofrimento moral dos que vivem junto das massas desocupadas. Se é certo o que da lavoura dizem Van Der Post, O. VV. Willcox e o Prof. Câmara, a base do ressurgimento da economia nacional deverá consistir em tratar convenientemente a agricultura, e esse tratamento não pode ser outro que dar-lhe condições de vida, que, como mínimo, deverão consistir em anular, por acção contrária, o que os homens poderiam ter feito e não fizeram, a saber:

a) Proteccionismo que fomente a produção nacional, até ser atingido o equilíbrio;
b) Preços dos produtos agrícolas que permitam pagar ao trabalhador agrícola uma jorna estimulante para o esforço a desenvolver, a fim de que volte a haver bons trabalhadores, que estão a desaparecer em consequência, de uma. política social que não resultou como se esperava;
c) Restabelecimento de créditos, utilizáveis nos casos possíveis, e alargamento dos prazos nos empréstimos já concedidos, por forma, a tornar mais fácil a sua amortização;
d) Estudo do problema das carnes, por forma a retirar do mercado a oferta maciça dos gados, antes da secagem dos pastos e sem dependência do matadouro da (amara Municipal de Lisboa, que mantém, por assim dizer, um exclusivo contrário aos interesses da lavoura;
c) Estudo da possibilidade da montagem rápida de frigoríficos nas regiões mais convenientes, por forma a permitir o abate e refrigeração ou congelação das carnes, com vantagem para o produtor e consumidor, embora sem o propósito de inutilizar o intermediário;
f) Economia corporativa que faça desaparecer o que lesta da economia liberal, individualista;
g) Cancelamento de todos os contratos colectivos de trabalho celebrados entre os grémios da lavoura e as Casas do Povo, substituindo-os por um ónus, com ,is características de um foro, que acompanhe o prédio nas suas transmissões, incidindo sobre todos os prédios rústicos, calculado em relação com a função social que cabe à terra.
No caso dos prédios arrendados o senhorio pagará o dobro do ónus e o rendeiro metade do que caberia o prédio se fosse explorado directamente pelo proprietário.
A determinação do volume do ónus seria em função das possibilidades económicas do prédio, e não em relação com o número actual dos desempregados.
O ónus, cobrado conjuntamente com a contribuição predial rústica, constituiria um fundo em cada concelho para realização de obras apenas de interesse para a propriedade rústica do respectivo concelho, tais como reparação de caminhos vicinais, abertura de poços e construção de bebedouros para gados, etc.
A administração do fundo seria feita por uma comissão composta pelo presidente da câmara do respectivo concelho, pelo delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Pi evidência e pelo presidente do grémio da lavoura. As obras seriam feitas mediante projecto aprovado oficialmente o comparticipadas pelo Estado ou pela Junta de Colonização Interna;
h) Este fundo não poderia ocupar mais trabalhadores do que os que houvessem de ser empregados presentemente (pôr atribuição a cada exploração agrícola, em função das suas possibilidades económicas;
g) Satisfeita pela alínea g) a responsabilidade social da terra, os restantes trabalhadores rurais ficariam a cargo do Estado;
j) Dado que as necessidades dos algarvios e minhotos mais cedo os levaram a encaminhar-se para a emigração, nada justifica que o alentejano não faça sobre si o mesmo esforço, pelo que o excesso de mão-de-obra deverá ser encaminhado para o Império Colonial, procurando-se transformar modestos trabalhadores agrícolas em prósperos proprietários coloniais, quando houvessem reunido o seu encargo para com o Estado;
l) Estudar as possibilidades, por parte do Estado, de opção para aquisição dos prédios rústicos de proporções latifundiárias nas heranças sem herdeiros forçados;
m) Estudar as possibilidades, para opção por parte do Estado, nas vendas de prédios de proporções latifundiárias, devendo o comprador fazer a respectiva participação à Junta de Colonização Interna, que decidirá no prazo de sessenta dias se opta ou não, e, em caso afirmativo, reembolsar o comprador de todas as despesas. No caso de falta de resolução dentro do prazo estabele-

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cido, o comprador considera-se definitivamente na posse do prédio.
n) Estudo de um regime jurídica para arrendamento da propriedade rústica, tendo em vista a salvaguarda dos interesses do senhorio e do rendeiro. Se para os prédios urbanos foi estabelecida uma renda em equivalência com o rendimento colectável, nada justifica, em face das rendas e encargos exigidos por alguns proprietários dos prédios rústicos, que se mantenha u mais larga liberdade para explorar indevidamente quem tudo arrisca. Desse regime deve constar:
Forma de relacionar a renda com o rendimento colectável, assegurando ao rendeiro o direito a não pagar mais que o legalmente estabelecido.
1razõ mínimo de arrendamento, em função da natureza da terra, ser ou não povoada de arvoredo e tamanho do prédio.
Condições a estabelecer, por forma a fomentar-se a melhoria das instalações agrícolas e casas de residência para os trabalhadores, com possibilidade de as obras a realizar o poderem ser mediante acordo entre rendeiro e senhorio, ouvida a Junta de Colonização Interna.
Referência a condições indispensáveis de garantia para o rendeiro, tendo em vista não ser vítima de uma habilidade do senhorio quando tenha feito as obras à sua custa e esteja desembolsado de qualquer verba.
Penalidades- sérias contra o rendeiro que devaste o povoamento florestal do prédio ou se prove ter feito o esgotamento do solo por culturas repetidas inconvenientes.
Sr. Presidente: a V. Ex.ª o aos Srs. Deputados tomei muito tempo com estas longas considerações, mas VV. Ex.ªs por certo relevarão, pois na. terra tudo é lento e moroso e o homem que a ela se dedica acaba por lhe tomar os hábitos.
Sentir-me-ia muito feliz se tivesse concorrido em alguma coisa, pouco que fosse, para esclarecer este importante problema da crise .da lavoura e tivesse logrado trazer à Assembleia alguma ideia aproveitável.
Nunca a lavoura, teve outro propósito que não fosse ser a melhor colaboradora do Governo -seu ponto de apoio permanente-, e julga poder orgulhar-se de assim sempre ter procedido, como no ano findo se verificou mais uma vez. Continua, como sempre, desejando viver em concórdia com os trabalhadores agrícolas, seus preciosos colaboradores.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

Reassumiu a Presidência o Exmo. Sr. Dr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
Carlos Mantero Belard.
Diogo Pacheco de Amorim.
Herculano Amorim Ferreira.
Jorge Botelho Moniz.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Paulo Cancela de Abreu.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Henriques de Araújo.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Domingos Alves de Araújo.
Domingos Rosado Vitória Pires.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
José Maria Braga da Cruz.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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