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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 22

ANO DE 1950 28 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 22, EM 27 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 20.

O Sr. Deputado Morais Alçada requereu vários elementos sobre barcos de pesca de arrasto e de pilotagem.
O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu apresentou um aviso prévio sobre a crise do turismo em Portugal.
Sobre o mesmo assunto falou o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
Os Srs. Deputados Ribeiro Cazaes e Cortês Pinto falaram sobre os seus discursos acerca da estátua do Santo Condestável.
O Sr. Deputado Tito Arantes apresentou um projecto de lei de alteração à Lei n.º 2:030 (inquilinato).

Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Galiano Tarares sobre os contratos colectivos, as Casas do Povo e o salário familiar dos trabalhadores rurais. Falaram os Srs. Deputados Amaral Neto, Melo e Castro, Águedo de Oliveira, Antunes Guimarães, Cortês Lobão, Bartolomeu Gromicho e Sousa Rosal. Foi aprovada uma moção da autoria do Sr. Deputado Manuel Lourinho.
O Sr. Presidente declarou interrompido o funcionamento da Assembleia até ao fim do mês de Fevereiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.

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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Cauto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Galvão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 20.

O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: a intervenção que eu fiz nesta Câmara e que vem registada a p. 205 do Diário das Sessões não está inteiramente conforme, porque o que eu disso foi o seguinte: "Bastaria estabelecer a comparação entre a evolução do preço do produto industrial e a do preço do produto agrícola, ou do produto agrícola industrializado", e não o que vem no mesmo Diário das Sessões.

O Sr. Presidente: - Aceito a rectificação do que V. Ex.ª acaba de indicar.

Pausa.

O Sr. Presidente:- Visto mais nenhum dos Srs. Deputados desejar fazer qualquer reclamação sobre este Diário, considero o aprovado com a reclamação apresentada pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Morais Alçada.

O Sr. Morais Alçada: - Sr. Presidente: a fim de ser convenientemente esclarecido a respeito dum problema de interesse económico nacional, roqueiro que, pelo Ministério da Marinha, através dos organismos que respectivamente orientam, disciplinam e fomentam a marinha mercante e de pesca, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.º Quais os navios de pesca do arrasto, transporto de passageiros o ainda os destinados a serviços de pilotagem construídos e adquiridos na Holanda por entidades portugueses desde 1945 até à presente data;
2.º Quais as condições de fornecimento desses barcos, bem como quais as garantias de que se procuram rodear os respectivos contratos do fornecimento e de aquisição;
3.º Se sim ou não, no momento das entregas dos referidos barcos, fórum verificadas anomalias e deficiências técnicas de construção e se, em consequência disso, no caso afirmativo, alguns desses barcos estão impedidos do navegar por determinação das autoridades marítimas;
4.º Se, depois de verificadas essas possíveis deficiências, foram ou não encomendadas novas construções em estaleiros holandeses, às mesmas firmas e por meio dos mesmos intermediários, e, no caso afirmativo, quais foram essas firmas e esses intermediários;
5.º E, por último, quais as sociedades de registo que classificaram os barcos desde a data acima referida e quais as classificações que lhes foram dadas.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: são já numerosos os avisos prévios apresentados nesta legislatura por ilustres Deputados, todos, na verdade, de grande importância e utilidade.
Verifica-se, assim, que a Assembleia Nacional se está, cada vez mais, integrando na sua principal função: a de fiscalizar os actos do Poder Executivo e colaborar na sua acção.
Nesta ordem de ideias, e porque o assunto é também importante e de grande actualidade, tomo a liberdade do anunciar um aviso prévio, cujos termos, com a devida vénia, passo a ler:

Aviso prévio

"Ao abrigo do artigo 49.º do Regimento, desejo ocupar-mo urgentemente da crise do turismo em Portugal.
Não bastam para atrair os estrangeiros, as belezas naturais da nossa terra, a amenidade do clima, o carácter bondoso, sociável e hospitaleiro do nosso povo. São matéria-prima de grande envergadura, sem dúvida. Mas nem aliada ao universal prestígio do País, à paz que nele se desfruta, à notável política do espírito do Secretariado Nacional da Informação, aos grandes melhoramentos, a facilidades concedidas pelo Governo, etc.,

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se tom revelado suficiente para restabelecer e aumentar o movimento turístico anterior à última guerra.
E não podemos atribuir a gravidade da situação só ou propriamente ao momento incerto e conturbado da Europa, porquanto, nos dois últimos anos, o turismo tem-se desenvolvido extraordinàriamente na Suíça, na Suécia, na Bélgica, na Espanha, na Inglaterra e especialmente na França, país onde em 1949 atingiu a cifra, nunca igualada, de perto de 3 milhões de visitantes, o que levou o Ministro Pineau a considerar o turismo "a sua primeira indústria de exportação".
A principal causa externa é, na realidade, outra e grave, pois está afastando de Portugal, quase por completo, a afluência de países donde fora sempre mais frequente e numerosa. Sem reciprocidade porventura legítima, é quase total a interdição da saída dos espanhóis do seu pais, e as limitadas cambiais de que os ingleses podem munir-se impossibilitam uma estadia suficientemente longa para justificar o encargo de viagens a país distante.
As causas internas depreendem-se dos aspectos de que me proponho ocupar-me.
Urge encarar o problema do frente, urgentemente e com largueza do vistas. Recuperemos o tempo perdido. O turismo, como fonte abundante das "receitas invisíveis", contribui notavelmente para a recuperação económica e financeira, por reflexo na balança comercial. E, admitindo, sem conceder, que não interessava demasiadamente este aspecto, havia a ponderar a grave crise na indústria hoteleira e em numerosas outras actividades relacionadas com o turismo, onde se empregam dezenas de milhares de portugueses.
Quer dizer: toda a renúncia a receitas directas e todos os encargos que o Estado suporte na indústria do turismo são, em última análise, económica, financeira e socialmente reprodutivos em larga escala.
Proponho ocupar-me, entre outros, dos seguintes aspectos:

Turismo e regionalismo;
Reorganização dos serviços de turismo e sua completa dotação, cuja falta tem sido o maior obstáculo;
Propaganda intensiva através da nossa representação diplomática, das Casas de Portugal, da radiodifusão, da imprensa, das agências estrangeiras de viagem, de maior tiragem e divulgação de folhetos, fotografias e cartazes de propaganda e de especial difusão de documentários cinematográficos;
Crédito hoteleiro, desenvolvimento, aperfeiçoamento e fiscalização rigorosa da indústria hoteleira e criação de escolas de hotelaria, com frequência obrigatória;
Mínimo de exigências e máximo de facilidades burocráticas, fiscais e aduaneiras, nas fronteiras e nos portos, em relação às pessoas o aos transportes automóveis, particulares ou colectivos;
Simplificação e unificação das taxas de aterragem o de desembarque, trânsito e embarque nos aeroportos ; redução particularmente no que se refere à incidência no preço total das passagens desde o país do origem até ao de destino, elevando, por vezes, o encargo a muitas centenas de escudos; supressão nas passagens de regresso;
Simplificação e barateamento dos "vistos" e sua supressão quando possível e mesmo sem reciprocidade em relação a alguns países americanos, para se tornarem mais relevantes e em proveito nosso as diligências pendentes para, através do Plano Marshall, se aumentar o afluxo de estrangeiros (turistas Marshall) como instrumento de redistribuição internacional de divisas, em que se empenha a O. E. C. E.;
Cumprimento, pelas autoridades consulares, das instruções do Ministério dos Estrangeiros no sentido de facilitarem e abreviarem os "vistos" nos passaportes;
Acordos turísticos com os outros países;
Câmbio turístico;
Outras medidas, mesmo de emergência, com vista ao Ano Santo decorrente.

Este enunciado, meramente exemplificativo, é suficiente para justificar a importância do assunto o a utilidade de uma análise construtiva pela Assembleia Nacional, em possível generalização do debate.
É mister o Estado e os particulares colaborarem confiadamente no grande empreendimento, porque a boa vontade e os esforços do todos têm terreno propício. Escreveu o ilustre professor Ferreira de Mira: "O Mundo é como um espelho: sorri-nos quando lhe sorrimos". Nós sorrimos ao Mundo, porque, na expressão recente de um magistrado americano. "Portugal é um belo país e a gente portuguesa é a mais generosa, sincera e hospitaleira do Mundo".
Sr. Presidente: confio em que, cumpridos os preceitos regimentais, este aviso prévio será incorporado na ordem do dia com a brevidade possível.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - O aviso prévio de V. Ex.ª será oportunamente marcado para ordem do dia.

O Sr. Alberto de Araújo:- Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª pede a palavra para falar sobre que assunto?

O Sr. Alberto de Araújo: - Desejava fazer algumas, considerações sobre o anúncio de aviso prévio que o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu acaba de fazer.

O Sr. Presidente: - Tomo a devida nota do pedido do V. Ex.ª

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: anteontem mesmo, se não fosse o adiantado da hora e se V. Ex.ª o permitisse - e não o fiz ontem por deliberação de V. Ex.ª -, depois de ouvir o discurso do Sr. Deputado Cortês Pinto, teria dito o seguinte: julgo conveniente que nos Anais desta Assembleia fique registado que muito mo impressionou a intervenção do Sr. Deputado Cortês Pinto no assunto respeitante à estátua que, segundo é voz corrente, a Câmara Municipal de Lisboa deliberara erigir na capital ao Santo Condestável, principalmente por verificar que S. Ex.ª ultrapassou as minhas provisões.
Requeri, em 15 de Dezembro do ano findo, que me fossem fornecidos elementos que mo habilitassem a tratar nesta Casa dessa deliberação - até porque o assunto não mo parece estar, como se diz, limitado exclusivamente à Câmara Municipal de Lisboa.
Surgiu então na imprensa larga discussão em redor deste caso.
Embora instado para nela intervir, entendi que era meu dever limitar sòmente à Assembleia Nacional a minha acção. E em 19 do mês corrente voltei a pedir os elementos que em 15 de Dezembro requererá.

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Anteontem o Sr. Deputado e ilustre vereador da Câmara Municipal de Lisboa Dr. Cortês Pinto julgou do seu dever tratar nesta Assembleia do monumento a erigir na capital ao Santo Condestável.
Atribuiu-me S. Ex.ª atitudes que não tomei, respigou do meu discurso do dia 19 palavras e frases que, olhadas isoladamente, não definem o meu pensamento, marcou a sua posição perante a polémica que a imprensa regista e, finalmente, fornecendo à Assembleia Nacional indicações sobre planos ou projectos de urbanização em que o monumento a Nun'Alvares deve ser integrado, deu-me uma ligeira visão da projectada estátua.
Acabo de ler o discurso do Sr. Deputado Cortes Pinto no Diário das Sessões; responderei logo que V. Ex.ª me permita, Sr. Presidente, como devo, ao ilustre vereador da Câmara Municipal de Lisboa.
E peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, mais uma vez, se digne insistir perante o Ministro do Interior para me serem fornecidos os elementos que em 15 de Dezembro do ano findo requeri.
Permita V. Ex.ª que, aproveitando o facto de estar no uso da palavra, me refira ao Diário das Sessões do dia 25 do corrente.
Não pedi a palavra para serem rectificadas expressões que pronunciei aquando da intervenção do Sr. Deputado Cortes Pinto porque elas são tantas e de tal ordem que dariam origem a uma larga dissertação.
Basta que cite a V. Ex.ª esta passagem: «Vês aquela bandeira que está no combro daquele monte? E a do S. Prestes de Santiago. Vamos até lá. Cada um de nós chega para quatro».
Juro sobre os Santos Evangelhos que não disse nada disto e não poderia pôr na boca de Nun'Álvares tais palavras, de Nun'Álvares que para mini é tão alta figura da história que há cerca de dois anos propus nesta mesma Casa que o dia de Portugal fosse o do Santo Condestável.
Como esta passagem, muitas havia a rectificar.
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para ser chamada a atenção da revisão e dos estenógrafos da Assembleia para que a pobre linguagem de que posso dispor não seja ainda diminuída com expressões e pontapés na gramática que não dê.
Disse.

O Sr. Cortês Pinto (para explicações): - Sr. Presidente: quero apenas tocar em dois pontos que me parecem absolutamente necessários, visto que eu próprio me senti tocado com as palavras que o ilustre Deputado Ribeiro Cazaes acaba de pronunciar.
Disse S. Ex.ª que no meu discurso eu havia retirado tendenciosamente algumas frases.

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Eu não empreguei a palavra «tendenciosamente».

O Orador: - Eu não decoro palavras, decoro pensamentos.
V. Ex.ª disse, enfim, que eu dera uma expressão diferente ao seu pensamento, diferente do que na verdade representava.
Tais palavras não se revestem daquele espírito de cavalaria que eu desejava encontrar sempre nas palavras do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.
Não pretendo justificar-mo. Os dois discursos aí estão impressos no Diário das Sessões.
Basta-me apenas chamar a atenção da Assembleia para o discurso do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes e para o meu.
Lidos um e outro o caso fica arrumado.
Diz o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes que eu, com conhecimentos particulares sobre o assunto, por ser vereador da Câmara Municipal de Lisboa, usei de elementos que ele não possuía.
Ainda desta vez o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes falou som conhecimento perfeito do assunto. Porque eu no meu discurso nesta Assembleia não exibi conhecimentos alguns particulares ou quaisquer conhecimentos que não fossem já do domínio público.
Apenas me referi ao local, mas esse é já do conhecimento público, pois até já estão erguidas as colunas que hão-de ladear o monumento. E, no que se refere ao facto de erigir uma estátua a pé ou a cavalo, isso também tem sido objecto de interesse do conhecimento público.
Eu não falei aqui como representante da Câmara Municipal de Lisboa. Falei como representante apenas de uma parte da opinião pública, e a circunstância do eu ser vereador do Município não quer dizer que fale aqui como representante da Câmara Municipal. De outro modo teria de admitir que o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes falou aqui, não como Deputado da Assembleia, mas como oficial do regimento a que pertence.
Tenho dito.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: não tencionava falar nesta sessão, mas a circunstância de o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu ter anunciado hoje nesta Assembleia um aviso prévio sobre questões de turismo leva-me a usar da palavra para dar a S. Ex.ª o meu melhor aplauso - demais a mais com a autoridade do seu nome - ao aviso prévio que vai trazer a esta Assembleia.
Não ignora V. Ex.ª que represento nesta Assembleia uma das terras do Pais que é centro mundial de turismo e que no turismo tem encontrado contrapartida para as suas dificuldades e para as suas deficiências de ordem económica no período grave que acabamos de atravessar.
Depois das brilhantes considerações do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, e como Deputado pela Madeira, quero prestar o meu aplauso ao anúncio do seu aviso prévio.
O turismo é hoje em toda a parte elemento essencial à valorização da balança económica dos respectivos países e alguns deles, como a França, têm encontrado na grande soma de divisas estrangeiras provenientes do turismo uma contrapartida valiosa para o déficit das suas exportações.
Merece pois o melhor carinho e interesse.
Concordo inteiramente com as considerações feitas pelo Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu relativamente às facilidades a conceder em matéria de «vistos» consulares. Recentemente foram abolidos os «vistos» entre Portugal e a Suíça.
É de desejar que esse regime seja generalizado e os «vistos» abolidos relativamente à Inglaterra, à Suécia e a outros países que tão importante papel desempenham no turismo nacional.
E, falando da Madeira, não quero deixar de aqui louvar a Direcção-Geral das Alfândegas e a Polícia Internacional e de Defesa do Estado pelas facilidades que têm concedido a todos quantos desejem visitar aquela ilha atlântica, revelando um grande espirito de compreensão e o propósito de auxiliar uma actividade que é elemento essencial da sua riqueza e do seu progresso.
De desejar é que essas facilidades sejam ainda aumentadas, por forma a que se estabeleça uma corrente turística que torne possível o conhecimento completo e recíproco do Portugal continental e do Portugal insular.
A Madeira tem sido ultimamente visitada por numerosos estadistas estrangeiros, entre estes o antigo Primeiro-Ministro da Inglaterra Mr. Winston Churchill.
Como madeirense, não posso deixar de orgulhar-me com o facto, pois isso significa que aquela nossa ilha

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atlântica continua, como sempre, a ser expressão e símbolo da paz e da hospitalidade portuguesa.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um projecto de lei do Sr. Deputado Tito Arantes que se propõe resolver certas dúvidas que surgiram na aplicação da lei do inquilinato, votada nesta Assembleia, e introduz algumas alterações nesse diploma.
O projecto de lei será publicado no Diário das Sessões e seguirá para a Câmara Corporativa.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Galiano Tavares. Tem a palavra o Sr. Deputado Amaral Noto.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: nem só no meio rural há no País desempregados, nem só no Alentejo eles são muitos.
Porquê então, perguntar-se-á - e tem-se de facto perguntado, senão do alto desta tribuna, ao menos em murmúrios bem audíveis de alguns Srs. Deputados -, porquê singularizar o Alentejo (com seus vizinhos e afins) e consagrar-lhe trato e atenções de região martirizada?
Direi que por na verdade o ser, como bem creio que nenhuma outra, pois o seu caso se apresenta ao mesmo tempo tão saliente na acuidade e tão peculiar de circunstâncias que fortemente se individualiza e destaca. Onde, com efeito, se manifestam de há tanto tempo as faltas de trabalho rural, onde se prolongam mais, onde atingem em tão largas proporções a população jornaleira ou a deixam mais desamparada? Onde, sobretudo, reflectem elas tantas contingências fatais ou impostas dum tipo de cultura e dum regime de exploração da terra como aqueles a que o Alentejo aparece ligado, pouco menos do que indissoluvelmente, pelas suas condições de clima e do terrenos?
Esta antiguidade das crises, as suas crescentes permanência e acuidade, a particularidade das suas causas, as somas de sofrimentos o de prejuízos e a extensão das zonas afectadas, com tudo o que delas pode repercutir-se pelo País além, tornam o problema do lhes dar remédio verdadeiramente urgente e verdadeiramente de interesso nacional, o que nem por estar já muito dito será demais relembrar.
Mas, se o problema é grave, se o problema é instante, poderá dizer-se que é novo? Poderemos afirmar que, por ter vindo de súbito e inopinadamente, só agora ele surge, na sua plena realidade, só agora foi tempo de o considerar?
Ai, Sr. Presidente, ai de quantos sofreram fomes que pudessem ter-se evitado, ai de quantos a ruína espreita: não será que o mal vinha já de longe a desenhar-se e bem visto por prudentes, de quem a intercorrência de alguns anos climatèricamente calamitosos não fez senão apressar a espectaculosa demonstração da verdade dos vaticínios?
Deixo a interrogação, a que qualquer do nós poderia decerto responder, a que respondem bem alto certas páginas já amarelecidas do Diário desta Casa. Deixo-a, e dar-me-ia por satisfeito se ela pudesse chegar, com o sou potencial de dúvida fecunda, a alguns dos que parecem mostrar crerem que só fundada em diplomas do Instituto de Agronomia, avalizada pelos de funções públicas, e não sei se acrescente que, abonada pela aderência a ideias predeterminadas, há experiência agrária útil em Portugal!
Tão-pouco me atardo na consideração das causas da crise. Facilmente se sintetizam, e tem sido enunciadas aqui as mais evidentes e influentes delas, com uma relativa unanimidade de compreensão, a que me é fácil aderir.
Quero, quando muito, precisar, de passagem, a importância do factor demográfico, certamente um dos primordiais.
Talvez nem todos tenham presente que os distritos do Alentejo são onde, dentro do Portugal rural, mais rapidamente tem crescido a população: a percentagem do aumento excede a média geral do País em mais do 10 por cento no período de 1864 a 1940 e nas últimas quatro décadas dele anila por vez e meia essa média.
Posto isto, aceite a pintura do triste fenómeno e admitida a exposição das causas dele - que tudo outros fizeram com brilho e propriedade -, resta a consideração dos remédios possíveis.
Dos já tentados há alguma coisa que dizer ainda.
Do processo de distribuir os trabalhadores pelas lavouras é difícil, bem difícil, dizer algo de bem senão que do momento não havia outro. A soma dos seus defeitos e malefícios é impressionante e está feita com inteira justificação de todas as parcelas: quase que só esqueceu uma, e não desprezível.
Quero referir-me ao dano feito às próprias Casas do Povo, que, ainda em franca aclimatação, tiveram de suportar o choque das dificuldades, das lutas, dos azedumes despertados na execução de missões verdadeiramente superiores às suas forças.
Mas vejo que alguns Srs. Deputados ainda mostram simpatia pelo outro recurso experimentado: pelo emprego dos rurais em obras de interesse público.
Contra este quero eu prevenir a Assembleia, advertindo-a de que só em modesta escala, e como mero complemento de medidas de outra natureza, ele é digno de consideração dentro de um programa, de fôlego. Com efeito, quer se atribua aos municípios - como se pudessem ... - quer se confie ao Estado a promoção de obras públicas para absorção de desempregados, é preciso ter presente que estes não tem preparação além da lida da terra, e assim só em trabalhos do movimentação de terras podem eficazmente ser ocupados.
Tais trabalhos podem não abundar, podem não ser urgentes, e uma vez executados suscitam problemas de conservação ou complemento que tem tendência a jamais se resolverem. Aliás, não podem indefinidamente empreender-se: há limites para as necessidades de caminhos em qualquer região, para as de limpezas de valas e ribeiros, para as de reperfilamento de estradas; há-de havê-los até para as pequenas obras de rega, que em boa hora parece ter-se resolvido empreender.
Ainda por cima é preciso considerar que nem a marcha dos trabalhos só pode ordenar inteiramente ao sabor dos vagares da vida rural, nem quem quer que entidade seja pode manter à espera de oportunidades de emprego as verdadeiras multidões do pessoal dirigente indispensáveis à condução dos trabalhos.
Assim, estes terão tendência a correr em desordem, resultante, ao mesmo tempo, da admissão de gente em excesso e da falta ou impreparação de capatazes e condutores, e os fundos gastar-se-ão sem o devido proveito, tanto mais que o pessoal cuidará de não deixar render muito o trabalho...
Certamente, há obras úteis a fazer em toda a parte, e algumas até susceptíveis de absorverem bastante mão-de-obra não especializada. Mas poupem-se, vá-se usando delas em pequena escala, para não se correr o risco de o dinheiro ou as obras, ou aquele e estas, se acabarem muito antes de terminarem as crises!

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Mais ficaria muitas vezes, melhor rendimento teriam os dinheiros públicos - que do bolso particular vieram -, melhor proveito tiraria a comunidade, enfim, ficando antes os trabalhadores em serviços privados.
E isto me leva a considerar que onde as bolsas particulares estejam mais esvaziadas bem poderia ponderar-se a possibilidade, a conveniência de o Estado as ajudar, comparticipando na mantença de trabalhadores distribuídos por força da crise.
Com eleito, ninguém duvida de que um dos caminhos a seguir no futuro é o da modificação dos regimes de cultura no Alentejo. O Estado já anunciou o propósito de fomentar, de auxiliar mesmo, trabalhos de interesse privado nos domínios da pequena hidráulica e da arborização. Na o percamos tempo a deplorar que só agora apareçam tão evidentes os méritos dos modestos aproveitamentos de água; confiemos antes em que na fomentação deles se mobilizem todos os possíveis recursos de dinheiro, de técnica, do organização, se ocupem todos os braços utilizáveis - ainda que trazendo-os de longe -, para que bem depressa esta nova e louvável política possa dar frutos e entretanto dê trabalho.
Para já, para já, não vejo que mais se possa sugerir capaz de resolver a necessidade primordial, a necessidade inadiável, a que justificará todos os sacrifícios, ato e talvez sobretudo os do Estado, se os particulares não podem mais, como todos temos de convencer-nos ante a evidência dos factos.
Para futuro que lembrarei eu que não esteja já proposto?
Alvitraram-se muitas soluções, apontaram-se muitos caminhos, ofereceram-se muitas sugestões.
Todas serão construtivas, em maior ou menor proporção; todas serão úteis, se bem que me pareça que algumas de pouco valerão.
Nos grandes caminhos que se nos abrem, porém, que certamente serão as avenidas do futuro, não posso deixar de destacar o da deslocação das populações para regiões do vida mais possível, senão mais fácil.
Esta rota, que a rolha e tão rica de tradições Associação Central da Agricultura Portuguesa ainda há tempo preconizou, não sem que isso lhe valesse incompreensões e críticas injustas, é certamente das que mais longe podem levar-nos no sentido do equilíbrio da vida do nosso Alentejo.
A terra do Alentejo não podo alimentar a população, que ali cresce mais do que no próprio Minho.
Não tenho realmente a acrescentar nada mais do que aquilo que aqui disse o Sr. Deputado Sousa da Câmara. Não sei se ele convenceu a Assembleia; a mim não precisou de convencer-me, porque eu já estava convencido.
De entre o rol das medidas que os oradores neste debate têm já citado, o Governo saberá, como sempre, julgar e aproveitar as mais construtivas. Muitas elas são; porventura nem todas igualmente carregadas de alcance eficiente; mas tenho por certo que som a colocação de gente nas colónias e nessa segunda pátria que é o Brasil não haverá solução completa e duradoura.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente: subindo pela primeira vez à tribuna nesta Casa do Parlamento, o visto que os cumprimentos já dirigidos por mim a V. Ex.ª não ficaram no Diário das Sessões, quero renovar e reforçar a expressão da muito profunda admiração que cada vez mais me vai inspirando a superior maneira com que V. Ex.ª preside a esta Assembleia, zelando ciosamente pela sua dignidade, enformando a marcha dos seus trabalhos para deles colher os melhores frutos, interpretando com finíssimo e experimentado critério a paisagem por vezes esfumada e outras vezes até conturbada em que aqui se desenham o contrastam as opiniões e as atitudes, para, da sua variedade, trazer ao primeiro plano o que é essencial, o que tem de ficar, o que importa ao bem comum.
Melhor Presidente do que V. Ex.ª creio que não nos era possível escolher. Para V. Ex.ª vão as minhas homenagens sinceras e rendidas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Subo pela primeira vez a esta tribuna e, não obstante, as circunstâncias forçam-mo a não trazer aqui o tradicional discurso de estreia, para o qual, embora a míngua dos meus recursos, sempre havia de lograr expor algumas teses porventura de não despicienda utilidade e sempre havia de encontrar certos brincos de estilo que não parecessem mal do todo...
Pela primeira vez nesta tribuna me encontro e é, no entanto, para a ocupar por muito pouco tempo e nela esboçar apenas ligeiros apontamentos.
É que, Sr. Presidente, vai-se estirando bastante este debate sobre as cíclicas crises de desemprego no Alentejo, estirando-se, em tempo e discursos, porventura para além do que desejaríamos, e, por outro lado, como tive ocasião de dizer na intervenção antes da ordem do dia que sobre a matéria fiz em 12 do mês passado, não me acredita qualquer especial competência, por não ser agrónomo, nem economista, nem sequer alentejano. Não ser alentejano quero dizer no sentido de ali não ter nascido, nem me ter criado, mas vivamente preocupado pelos seus problemas e pelas suas angústias.
Dizia eu então que a acuidade social e política deste triste caso das crises de desemprego rural põe à mostra a urgente necessidade de se encarar de frente o vasto problema da modificação da situação geral económica, social, moral e política das províncias alentejanas. Fiquei à escuta, Sr. Presidente, para ouvir os distintos agrónomos, os abalizados economistas, os experimentados lavradores que ilustram esta Assembleia.
Fiquei à espora, Sr. Presidente, que se transcendesse a discussão das soluções imediatas das crises do desemprego no Alentejo, que os doutos viessem aqui desenhar a doutrina que à há-de presidir ao esforço de transformação do Alentejo, esforço sem dúvida hercúleo, mas necessário e possível, como tenho visto afinal todos reconhecerem, já que, como naquela minha intervenção também referia, da parte do Governo tal doutrina ainda também não foi revelada.
Eu desejei ver aqui estadeado o cabedal do estudo o experiência que já existe em várias estações do Ministério da Economia e nos estabelecimentos de investigação científica; desejei ver aqui debatido, por exemplo, o problema geral de transformação da excessiva cultura arvense extensiva do Alentejo no que for possível e conveniente de regadio; desejei ouvir o que se planeia sobre aproveitamento dos grandes rios alentejanos, já que suponho só do Sado alguma coisa sor conhecida; desejei ter notícia, ao menos, dum esboço de planificação das tarefas, que ouço dizer vão ser sugeridas aos lavradores, de intensificação dos melhoramentos fundiários, dos pequenos aproveitamentos de águas subterrâneas o até de superfície, da mecanização da lavoura, da arborização das terras pobres. Isto é só para exemplificar, pois creio que os não doutos não podem seriamente ir além duma enumeração exemplificativa.
Eu desejava o desprendimento dos espíritos da atmosfera de pressão provocada pela crise de desemprego, que já campeia de novo, e a elevação à formulação de programas de fundo às alturas da doutrina.

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É que, Sr. Presidente, sem a doutrina, sem o verbo que está no princípio de todas as coisas, o prático, a acção, fica sem suporte, os passos a dar hão-de ser sobre o incerto mover das areias.
Aconteceu que a emergência grave da crise já deflagrada solicitou as atenções de preferência para o debate das suas soluções imediatas, impediu porventura o estudo da articulação destas com programas de fundo, mas, se por um lado não houve demasiado alimento espiritual ao nosso alcance, não deixou, no entanto, de se mostrar um altamente meritório afã de vários ilustres Srs. Deputados em buscar remédios prontos para tão grave mal e não impediu (só para continuar a exemplificar) que houvéssemos o dom de estudos profundos, como os dos Srs. Deputados Nunes Mexia e Matos Taquenho, e da bela oração do Sr. Deputado Sousa da Câmara, predominantemente sobre a necessidade da educação e da aprendizagem agrícolas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: na ordem de ideias que foi preferida vi incidir a atenção dos oradores sobre a crítica das convenções colectivas de trabalho entro grémios da lavoura e Casas do Povo, especialmente sobre o aspecto da sua aplicação, que determinou, na passada crise de Verão, a distribuição em massa dos desempregados pelas casas agrícolas.
Ninguém, suponho, deixou do sentir a procedência da maior parte dessas críticas. A elas também me não furtei quando falei em Dezembro e, em complemento delas, formulei sugestões concretas acerca da revisão dos contratos colectivos.
Mas, Sr. Presidente, precisa mento porque o fiz, sinto-me agora no dever de vir chamar a atenção da Câmara para a justiça que julgo ser devida ao Instituto Nacional do Trabalho, especialmente ao ilustro Sr. Subsecretário de testado das Corporações, pelo senso governativo com que, em não procurada antecipação às críticas expendidas no debate deste aviso prévio, mas antes no natural desenvolvimento dos estudos que os serviços sob o seu comando vinham fazendo, determinou já a revisão dos contratos colectivos e estabeleceu novas normas, provisórias embora, do vigência limitada até àquela revisão.
Está já, com efeito, exarado um despacho no qual, enquanto a revisão dos contratos colectivos se não efectua, revisão que nele é expressamente determinada, e tendo em vista precisamente melhorar a forma de atingir os elevados objectivos de política social que aquelas convenções pretendem, são corrigidos alguns dos principais inconvenientes verificados na sua aplicação durante o Verão passado.
Dos traços salientes desse despacho desejo destacar os seguintes:
É abandonado o critério exclusivo do tomar como base da distribuição de desempregados o rendimento colectável da propriedade. Evita-se assim, entre outros aspectos de injustiça verificados, o do o encargo de sustentar trabalhadores recair sobre proprietários ou rendeiros às vezes de minifúndios - gente pobre também, em tantos casos vivendo em nível idêntico ao dos desempregados. Passa a funcionar como critério principal para a distribuição o das possibilidades económicas do cada empresa, avaliadas caso por caso - critério flexível, que permite uma melhor justiça.
Deixa-se neste critério flexível a possibilidade de ser a própria propriedade que fique vinculada à obrigatoriedade de aceitar desempregados, pretendendo atingir-se assim o proprietário absentista, que, na fruição longínqua dos rendimentos entre os fofos cómodos desta capital, muitas vezes nem ao de leve tem notícia dos problemas e das dores que afligem a vida dos campos alentejanos durante as crises.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estabelece-se como critério principal para a determinação dos desempregados que a cada casa agrícola hão-de caber o da escolha, sob a orientação dos grémios da lavoura, pelo próprio produtor agrícola, dos trabalhadores a que há-de dar trabalho. E tudo isto é novo, é doutrina nova deste despacho. Evita-se assim o estúpido geometrismo com que a distribuição foi imposta no Verão passado por tanta Casa do Povo, critério que só fomentou discórdias o trouxe achas para a fogueira, que mãos estrangeiras fomentam, da luta de classes.

O Sr. Amaral Neto: - Isso dará lugar a que se consigam anular alguns altos que haja na planura económica alentejana; quer dizer que onde, porventura, haja ainda alguma resistência vai-se lá buscar e ficarão então todos igualmente arruinados.

O Sr. Domingues Basto: - Não, não é isso.

O Sr. Amaral Neto: - Eu quero dizer que para a distribuição dos trabalhadores agrícolas se vão escolher as casas que ainda tenham recursos e distribuir numa razão crescente os trabalhadores em crise por um número de casas cada vez menor.

O Orador: - Não creio que, como consequência deste despacho, venha a ser esse o resultado. Mas, só vier a ser, trata-se de uma forma diferente do tal erro piedoso a que a gravidade da emergência obriga, e este despacho não pode deixar do se articular a outras providências de importância, como as que há-de ter do vir a tomar o Comissariado do Desemprego, por exemplo.
Muito por alto, são estas as linhas gerais da decisão que acaba de tomar o Sr. Subsecretário do Estado das Corporações.
Em grande parte vem ao encontro doía muitas das sugestões que têm sido apresentadas neste debate, designadamente a revisão dos contratos colectivos assim já ordenada, e não há dúvida de que também em parto ela satisfaz, muito embora a sua forma provisória e de emergência, as reclamações concretas que aqui se fizeram em Dezembro.
Eu creio, meus senhores, não dever regatear-se justiça a quem, na deficiência de meios eficientes de política social, sobretudo os financeiros, mostra por seu lado tanta preocupação em corrigir e melhorar as soluções.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dir-se-á que qualquer forcada distribuição de trabalhadores quando não há serviços necessários para lhes dar é sempre antieconómica, e, portanto, é sempre um erro. Responderei. Sr. Presidente: não vi que os representantes qualificados da lavoura, de entre os oradores que têm intervindo neste debate, tenham rejeitado em absoluto as cláusulas dos contratos colectivos respeitantes à distribuição de desempregados, e nisso deram um exemplo de espírito de solidariedade social. Devo fazer excepção para as sugestões ontem apresentadas pelo Sr. Deputado Matos Taquenho, nas quais, se rejeita a forma, não rejeita a essência dos contratos colectivos.
E ainda repetirei o que exprimi em Dezembro, louvando-me agora na opinião do Sr. Deputado Sousa da Câmara: se é um erro, deve-mos com coragem reincidir nele, só tanto é necessário para tomar o passo, ao menos pa-

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liativamente, à fome e à miséria em que neste momento estão sepultados milhares do lares alentejanos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Meus senhores: eu não queria deixar finalmente de frisar que nesta insistência, porventura impolítica, no que política pode querer dizer popularidade, nesta insistência em manter os contratos colectivos, corrigindo-os embora como se impunha, o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência revela que não está nele extinta aquela chama de justiça social que desde a alvorada duma política social séria em Portugal, em 1933, ali se acendeu para bem dos trabalhadores portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com as considerações que acabo de fazer, Sr. Presidente, eu não quereria se supusesse ter abandonado a tese, que aqui sustentei em Dezembro, de que ao Comissariado do Desemprego cabe moralmente, e legalmente em virtude de disposições legais expressas, a principal responsabilidade pelas soluções destas crises do Alentejo como de quaisquer outras crises de desemprego.
Eu não posso ter o gosto de, como para o que ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência se refere, aqui registar qualquer satisfação que esse departamento, não sei porquê anexado ao Ministério das Obras Públicas, tenha dado às reclamações e sugestões aqui apresentadas em Dezembro. Ao menos, de nada tenho notícia.
Queira Deus que as reclamações agora apresentadas no debate decorrente venham a encontrar algum eco nesse departamento governativo.
O Sr. Deputado Melo Machado, há dias, nesta tribuna, confessando sinceramente a perplexidade que sentia ao procurar soluções para estas crises da lavoura alentejana, confiou à Câmara: «é que para qualquer lado que olhe não encontro dinheiro!». E não há dúvida de que qualquer solução de emergência implica predominantemente um problema financeiro - o vil factor...
Eu vejo, porém, meus senhores, que no ano do 1947 a receita do Comissariado do Desemprego foi de 289:497 contos o não se me afigura que uma receita de tal natureza sofra diminuições consideráveis de ano para ano.
De novo repito: abrigue-se o Comissariado do Desemprego sob o imperativo do seu fim legal, bem claramente consignado no Decreto n.º 21:699; abrande-se o ritmo da política de obras públicas no que não respeite a obras de fomento, política que àquele Fundo tem ido buscar parte da sua seiva; atente-se na natureza que tem aquela contribuição de prémio de um seguro social como qualquer outro, embora deficientemente organizado, como muito bem aqui frisou o Sr. Deputado Santos da Cunha; digne-se aquele departamento olhar a bem este triste problema das crises do desemprego rural, como lhe cumpre, o não com o ar maçado de quem só por favor, importunado, altera os seus planos, e nós veremos, meus senhores, luzir, e verá o Sr. Deputado Melo Machado luzir, razoável soma de contos de réis para dar trabalho aos desempregados dos campos sem forçar à ruína as empresas agrícolas.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
É preciso considerar se esse dinheiro que hoje se despende não vai fazer falta em outras partes.

O Orador: - Mas eu estou a preconizar precisamente um ajustamento a este fim da política de obras públicas. Não se descurem as obras públicas de fomento e faça então falta, como V. Ex.ª diz, nas que o não são e que, nesta emergência, podem ter-se por supérfluas.

O Sr. Melo Machado: - Também não digo que seja tudo para a lavoura.

O Orador: - V. Ex.ª deve compreender que em perto de 300:000 contos anuais há com que ajudar decisivamente a resolver as crises do Alentejo, e ainda restam muitos milhares de contos.

O Sr. André Navarro: - E não irá V. Ex.ª, por esse processo, criar uma crise de desemprego na construção civil, ainda muito mais grave?

O Orador: - V. Ex.ª parece ter compreendido que eu pretendia um ataque cerrado às obras públicas, quando, afinal, eu também pretendo obras, mas, sobretudo, obras que tenham em vista, quer regionalmente, quer quanto ao tempo, atacar os fenómenos declarados e específicos de desemprego.

O Sr. André Navarro: - Eu digo a V. Ex.ª que poderia diminuir o valor cíclico do problema do Alentejo, mas que, implicitamente, iria criar um problema mais grave na construção civil.

O Orador: - Implicitamente não vejo porquê, em vista da resposta há pouco dada ao Sr. Melo Machado. O Ministério das Obras Públicas não dispõe só do Fundo de Desemprego...
Nem de longe considero como erro o cumprimento do citado o bem vigente Decreto n.º 21:699. Admitamos que alguém entende de maneira contrária e reputa sagrado o simples critério dos técnicos para planificação das obras públicas, insusceptível de ser influenciado por urgentes necessidades de política social; cometamos então, meus senhores, com coragem, também mais esse erro - esse erro piedoso, se quiserem.
Volto ao que frisou o Sr. Deputado Sousa da Câmara. A emergência é de tal forma aguda que se impõe errar sem remorsos para salvar o maior capital duma nação - o homem.
E não apenas por impulso sentimental, mas reflectidamente, por ditame do próprio bom senso, por conclusão da concepção de filosofia política personalista e cristã que informa a nossa Constituição!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: como é da praxe, mas cedendo a um natural impulso, devo acompanhar os meus colegas nos justos e sinceros votos já aqui formulados e prestar a minha homenagem às altas qualidades de inteligência e carácter de V. Ex.ª Quero porém destacar, nesta minha homenagem, o homem político da primeira linha que, pelo seu talento penetrante, polo sentido da medida, pelo conhecimento das realidades portuguesas, pela natural sagacidade, pela posição superior às correntes, tem contribuído para demarcar os rumos e dissipar os obstáculos de muitos negócios públicos.
Apresento pois a V. Ex.ª, como homem, como talento, como político e como Presidente desta Assembleia, os meus maiores respeitos.
Este aviso prévio foi apresentado pelo Sr. Dr. Galiano Tavares duma maneira bastante sóbria e desenvolveu-se até aqui no terreno prático.
Pôde chegar-se assim a grande profusão de detalhes e atingiu-se um catálogo imponente de medidas o de soluções que só julgaram capazes de debelar as crises. Adquirimos assim um grande poder de minúcia em es-

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tudo atento e sério da situação no seu complexo o chegámos depois a uma programática compreensiva de meios e soluções.
Claro que a política é uma técnica do ideias gerais. Para conduzir homens, os governantes precisam sobretudo de directivas claras e simples - do princípios e critérios que ditem a Administração.
Mas não formulo uma critica.
Suponho que, se sair daqui uma recomendação substancial que solicite a atenção do Governo para a sério de problemas encadeados na questão do desemprego rural, esse problema não deixará de merecer o seu cuidado e atento estudo, entrando-se depois no campo das soluções positivas, onde o depoimento dos Srs. Deputados se mostrará contributo valioso.
Afastar-me-ei portanto da lógica posta no trabalho para me encontrar apenas num terreno muito amplo e sucinto do aspecto superior da questão rural. Deixo portanto aos meus antecessores, que aqui puseram com toda a complexidade o problema, a questão dos contratos colectivos, das Casas do Povo e outros aspectos particulares do chômage rural.
A crise rural é repetidamente mais crucial e destrutiva do que qualquer outra espécie de crise - dizem os mestres. Assim, a crise bancária, pela elasticidade própria e solidariedade do crédito, pelas condições do próprio crédito como regulador e factor da solução da própria crise, contém em si elementos de elasticidade e de atenuação suficientes para lhe fazerem face, salvo nas grandes liquidações.
Por outro lado, a crise comercial, com os seus altos e baixos, com as suas flutuações, em corto modo também está na lógica profissional do comerciante e no carácter do exercício do próprio comércio.
Por outro lado, ao industrial, pela sua iniciativa e posição, é-lhe facilitado em certo modo o poder de transferir o reconverter a sua actividade de maneira a, uma voz atingido pela. crise, poder reforçar, alterar ou substituir o seu género de vida.
A crise dos campos é diferente. E é diferente porque há a terra e a terra é a companheira implacável o ir removível de todas as horas e o trabalho e iniciativa, a sua organização mesmo, têm de contar com a sua rigidez.
Endividamento, vendas de terra e bens, nova repartição de fortunas, a terra passando às mãos do empresários improvisados, sacrifícios inenarráveis, mas obscuros, adensam o seu triste cortejo. Para os pequenos lavradores e rendeiros a crise rural, além da venda do capital vivo, é a miséria e a dispersão familiar.
A crise do campo, portanto, representa maior dose de sofrimento e de sacrifícios do que qualquer outra. Ela é o principal índice da conjuntura social em grande escala. Primeiro, a lavoura, atingida, pela crise, não tendo poder do compra, não resiste tão facilmente como qualquer outra actividade, como a que tom os outros criadores e organizadores da vida económica.
Quais os principais índices da conjuntura nos campos?
Atrevo-me a enumerá-los sucintamente.
Primeiramente, a debilidade do poder económico do empresário. Vêem-se uns no limite das disponibilidades, encontramos outros no extremo limite das possibilidades do recurso ao crédito.
Depois, para as massas rurais, a incerteza e instabilidade do assalariamento agrícola angustiam a tristeza, do seu viver.
Depois, a baixa nas construções e benfeitorias agrícolas atinge ainda uma mão-de-obra que vive no campo.
Por fim, as apreensões sobre o horizonte económico estagnam a iniciativa, e a organização, substituem a «carolice» da terra pelo desgosto da terra.
Uma palavra só - depressão!
Mas depressão moral, material e até fisiológica!
Assim, a evolução da crise agrária começa por um chômage, que parece estacional, alarga ao chômage de engasgamento e acaba depois por revestir a forma patológica e desgraçada do chômage quase permanente.
Porque é que a crise agrária não se pode explicar única e exclusivamente pela conjuntura geral?
As duas não coincidem.
E que as colheitas variam de país para país, de região para região. As colheitas podem ser abundantes aqui e deficitárias além. Raramente, a não ser em regiões privilegiadas, as colheitas só apresentam medianas.
O azeite este ano foi torrencial na grande maioria do País e foi quase nulo na zona do Nordeste. Onde habitualmente havia dois e três meses de assalariamento. houve regiões este ano que tiveram oito dias.
Portanto, a crise agrária está relacionada com os factos da Natureza.
Por isso houve já quem procurasse relacionar as manchas solares com o que se passava realmente em relação às crises agrárias e à conjuntura geral.
O que é verdade é que abundância e déficit de produção agrícola afastam-se enormemente como variáveis.
Em todo o caso, podem dar-se duas hipóteses:
A crise agrária coincide com a crise geral - é o caso actual, o que só complica e agrava a situação:
A crise agrária acentua os movimentos cíclicos dos negócios, mas não coincide no tempo.
A crise agrária limita-se simplesmente a acentuar a vida cíclica que é própria de todas as sociedades modernas, quer dizer, que os negócios têm altos e baixos: a um período de crise segue-se um período de alta. e a crise agrária, intervindo lateralmente, acentua todos esses movimentos estatísticos: na alta dos negócios acentuará o seu voo ascensional e na baixa carregará ainda mais as dificuldades do momento.
Portanto - e em conclusão - a uma agricultura em crise correspondo uma economia agrária instável.
Causas? Tem-se discutido se as más colheitas podem conceber-se realmente como estando na origem e na raiz das próprias crises.
Portanto, esta forma alternada do viver social e agrícola não resulta apenas do movimento natural dos negócios agrícolas, com altas e baixas; as suas flutuações resultarão também da projecção da vida nacional, derivam das más colheitas.
Durante três ou quatro anos seguiram-se más colheitas o não me lembro de que no meu tempo tivesse sucedido algo de parecido. Estarão de acordo comigo.
As más colheitas significam para os portugueses importações importantes e, portanto, vassalização à economia estrangeira, dependência dos mercados estrangeiros. Significa mais - para a hipótese de não haver mercados compensatórios para os vinhos do Porto, para as resinas o para a cortiça -, significa perda nacional de poder do compra e, portanto, prejuízo electivo e incompensável para o País.
Quando desce o rendimento do empresário, em virtude das más colheitas, quando a remuneração da exploração da terra é reduzida, desce sobre as herdades, as quintas e as leiras um grande drama silencioso do salário reduzido que o homem citadino ignora ou não conhecerá.
É claro que a isso dirão os liberais: esta é a ordem natural e harmoniosa das coisas!
Os socialistas dirão: planifiquemos a vinha, a seara e o pomar, planifiquemos as chuvas da Primavera, planifiquemos o sol do Verão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - O sol também?

O Orador: - Até o sol!

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Os cristãos dirão: faça-se a vontade de Deus, haja um pouco mais de solidariedade entre as classes, haja um pouco mais do caridade dos ricos para com os pobres.
Mas más colheitas houve em todos os tempos - disse-se aqui -, e isto merece um pouco do análise.
Ainda as más colheitas:
Quando a crise se acentua no Alentejo e no Ribatejo, os comerciantes da Baixa vendem menos tecidos, menos bugigangas, menos livros o menos prendas para o Natal. Isto quer significar apenas uma coisa: o grande poder aquisitivo está ainda no campo o grande parte dele, na vida portuguesa, resulta ainda da exploração agrícola.
Os prejuízos da lavoura significam menos compradores, menos negócios, diminuição dos negócios, baixa de nível de réditos, baixa do nível de consumo do País, ocasionando uma série de vendas ao desbarato no sentido de suprimir o atenuar as perdas.
Portanto, economia forçadamente instável.
Toquemos agora outro aspecto:
Mas a lavoura portuguesa não ganhou com a guerra.
Portugal ora um país pequeno, mal abastecido, sem ter uma marinha mercante capaz de se alimentar bastantemente nos mercados coloniais, e, em virtude disso, um governo esclarecido e enérgico, um governo inteligente e forte, zelador do bom comum, não permitiu que os empresários agrícolas se pudessem compensar e reparar velhos prejuízos.

Uma voz: - Mas houve quem enriquecesse à custa da lavoura!

O Orador: - Em todas as guerras, pela alta de preços, a posição da lavoura costuma melhorar-se e refazer-se de prejuízos e até mesmo constituir reservas. Mas o lavrador português não pôde acompanhar a alta, serviu o bem comum, mas, servindo-o, enfraqueceu-se. Raros pagariam as suas dívidas, raros saldaram compromissos anteriores, raros se compensaram de prejuízos o deficits de exploração.
Para a política de bem comum do Governo, só tivesse havido boas colheitas, tudo teria marchado bem, mesmo muito bem.
Continuemos no exame das causas.
São altos os preços ou são baixos os preços? Os preços agrícolas direi simplesmente que não têm sido considerados satisfatórios. Que são baixos - dizem os meus eleitores. E em todas as assembleias eleitorais em que me foi dado recolher essa nota - em freixo de Espada à Cinta, em Alfândega da Fé, em Vila Flor e em todos esses concelhos rurais do Nordeste - era sistemática a repetição de que os preços não eram compensadores, de que os preços oscilavam sim, mas que não mantinham um nível seguro sobre o chamado custo do produção. Em relação ao centeio, ao azeito o até aos borregos o a outras fornias do actividade agrícola, a remuneração parecia insuficiente. Só o vinho dava dinheiro, mas o seu poder não permitia acudir ao resto.
Por outro lado, tenho aqui a nota, e não valo a pena fatigar VV. Ex.ªs, mas os dados são interessantes. Vê-se que é apreciável a diferença entre os salários profissionais e os salários agrícolas. Vem de longe o desequilíbrio, mesmo anteriormente a 1939, isto é, antes da guerra. E então já era sensível a diferença entre o salário pago ao trabalhador do campo e o salário pago ao artista. Isto na província; já não falo nos salários das cidades.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª refere-se só ao carpinteiro, ao pedreiro, ao serralheiro, ao operário propriamente dito?

O Orador: - Sim, e vou ler a VV. Ex.ªs alguns elementos a este respeito.
Leu.
Ao princípio não é grande o contraste com os salários industriais dos carpinteiros, serralheiros e outros trabalhadores semelhantes.
Leu.
Mas convém explicar que, quando em 1939 um cavador ganhava 7$35, um carpinteiro, por exemplo, ganhava já 21$13. E esta percentagem de duplicação mantém-se.
Mas, por outro lado, é preciso notar que o salário agrícola ficou em regra congelado pelos preços, e, desde que o preço não tem certa firmeza ou ostenta pouca elasticidade, o salário agrícola tom tendência para congelar em volta do mesmo preço E fatal. O contraste entre a indústria agrícola e a indústria propriamente dita, a indústria fabril, é maior. Houve entro as duas actividades um desequilíbrio nítido e saliente que se agravou já depois da grande depressão mundial de 1929, o qual, quando a guerra mundial começou, adquiriu nova agudeza e que ultimamente se faz sentir mais ainda.
Não faço aqui, porque já vários oradores o fizeram, notar as diferenças enormes que há entre a alta dos salários agrícolas e a alta da alfaia agrícola. Tenho aqui o preço do sabão Offenbach e da sardinha de conserva. E quanto a estes produtos temos:
Leu.
Devo advertir VV. Ex.ªs de que as batatas em 1946 tiveram um índice de 493; acompanharam a alta e suplantaram-na.
Quanto a estas e quanto ao azeite temos:
Leu.
Só o vinho de consumo mantém uma alta esplendorosa no meio de todos estes produtos. Ora vejamos:
Leu.
Mas tenho aqui a prova dos novos nesta questão do desequilíbrio agrário e industrial. É dado como Índice pela própria contribuição predial.
A contribuição predial não tem acompanhado a alta. Todos sabemos como o fisco é pronto e zeloso em ir buscar o dinheiro onde ele existe. E se a contribuição predial não acompanhou a alta dos preços, isso quer dizer que, por outro lado, foram exigidos sacrifícios à lavoura, que tornaram delicadas as exigências do Estado-Fisco, que não é outro senão o próprio Estado.
Ora os preços considerados insatisfatórios têm efeitos desagradáveis, o seu sentido não é banal, tem eloquência, tem significado.
Para os consumidores os preços baixos significam duplo negócio - consomem mais e pagam menos. Portanto, é em volta deste fenómeno tão simples - preços insatisfatórios, consumo a mais e por menor preço - que gira o problema. Eu sei, todavia, que os preços dão uns para os outros e que no campo, muitas vezes, para se obstar a estos aspectos de crise que representam os preços insatisfatórios, se passa da cultura intensiva a uma cultura menos intensiva ou extensa. Depois o campo não absorvo o excesso de gente, deixam-se sem trabalho algumas pessoas. O problema é do facto complexo, mas esta ordem do consequências mostra que a tendência para agravar não é caminho para resolver.
Eu estou a focar aspectos mais genéricos o não me ponho a apontar aspectos desnorteantes ou isolados, resultantes das mesmas crises agrárias. Farei apenas um apontamento acidental.
As mesmas medidas tomadas contra a mesma crise deram resultados diversos na Inglaterra e em França. Na crise de preços de 1920, se não estou em erro na data, nós vimos o seguinte: a Inglaterra, porque era latifundiária, deixar a exploração cerealífera pela exploração pecuária e a França, de propriedade dividida, passar à cultura hortícola e irrigada.
As repercussões longínquas ou mediatas são muito complexas e necessitam de uma análise penetrante, mas

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não valo a pena estar aqui a faze-la, dispersando a nossa atenção.
Em suma: a uma economia flutuante acresce uma economia pouco remuneradora!
Vejamos agora a crise do Alentejo.
No Alentejo o apetite geral da terra vai até à fome da terra.
No Alentejo o amor à «planície heróica» toca pelo exclusivismo.
Nos contratos de arrendamento, tão importantes no regime cerealífero, a multiplicidade de concorrentes levanta as rendas até à ruína.
Vários discutem a utilização duma propriedade; disputam, oferecem mais e só se podem salvar em anos de colheita pingue, que ultimamente não surdiram.

O Sr. Carlos Borges: Isso só nas grandes propriedades.

O Orador: - Os homens da planura não querem deslocar-se do seu burgo, não sabem emigrar.
Querem estar encostados à praça de Reguengos do Monsaraz ou à praça de Arraiolos, a praça de Estremoz, quando não têm assalariamento, e não sabem buscar trabalho remunerado fora dos lugares de nascimento.
É possível que nas urinadas de Pedro Alvares Cabral e de Vasco da Gama tivessem ido bastantes alentejanos! Mas hoje o alentejano emigra com dificuldade. E até há pouco tempo os próprios filhos de famílias abastadas do Alentejo não queriam sair das terras. Este fenómeno hoje está em declínio porque esses filhos dessas famílias já procuram outras actividades fora das terras, já vão para as Universidades e para as escolas de Lisboa e Coimbra.

O Sr. Carlos Borges: - Isso verificou-se nestes últimos dez anos.

O Orador: - Mas não há crise só no Alentejo; há crise na Beira e em Trás-os-Montes.

O Sr. Carlos Borges: - Na Beira não há crise; eles nunca, se queixam, emigram paru toda a parte, paru Trás-os-Montes e para o Alentejo, embarcam para a Argentina e para o Brasil, governam e não se governam.

O Orador: - V. Ex.ª está a fazer antecipadamente o sumário das minhas considerações.
Na Beira e em Trás-os-Montes o pequeno arrendamento, o lavrador, o pequeno rendeiro, o trabalhador com um quintal, entre a classe rica e a classe pobre, atenuam ou obscurecem os sintomas da crise. A solidariedade é grande entre os que podem e os que, precisam.
A fragmentação da propriedade permito que realmente uma grande massa, que as contribuições e impostos muito bem conhecem, mantenha uma solidariedade, tão grande como dificilmente se encontra no resto do País. È por isso que as crises do desemprego e outras não vêm para a praça, não fazem soar suas reclamações nas arcadas do Terreiro do Paço. Mas também ali há desempregados, subnutrição e debilidade de salários.
Há um mal peninsular a que cabe agora fazer uma pequena referência, um mal tão grande que Joaquim Costa e Flores Lemos, insignes escritores falecidos, concretizaram na imagem sinistra, da irmandade entre Abel e Caim. É a separação entre a exploração pecuária, e a exploração cerealífera. Esse tem sido um grande mal peninsular.
Tenho ouvido a lavoura alentejana formulando as suas queixas contra a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, mas na região do Nordeste não há queixas, não se dá pela sua existência. Culpas?
Dizem que existem tabelas que racional mente não se explicam muito, tabelas que oscilam com saltos, tabelas que se não cumprem.

O Sr. Carlos Borges: - E fortunas enorme feitas à sombra dessas tabelas.

O Orador: - Parece-me, Sr. Presidente, que, se a cultura cerealífera e a exploração pecuária estão naturalmente associadas, não podem viver separadas corporativamente.
A Junta Nacional dos Produtos Pecuários e a Federação Nacional dos Produtores de Trigo não são compartimentos estanques.
A Federação Nacional dos Produtores de Trigo e a Junta Nacional dos Produtos Pecuários têm de trabalhar paralelamente, em conjunto, e não independentemente.

O Sr. Abrantes Tavares: - V. Ex.ª dá-me licença?
Pela experiência que tenho, por ter passado pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários, o problema dos gados apresenta-se nos seguintes termos: no Norte e na Beira compram-se, fazem as lavras, engordam-se e vão para o matadouro. No Alentejo o gado engorda durante o Inverno e a Primavera, e na 1.ª ou 2.ª quinzena de Maio, logo que o calor aperta e os pastos secam, dá-se a oferta maciça em Lisboa, com a consequente queda de preços. De resto, o matadouro municipal só tem capacidade de matança para 100 bois diários.
Ora acontece que os marchantes aproveitam a ocasião para fazer as suas compras a baixo preço, transferem os gados para as pastagens do Ribatejo e aguentam o gado até que, passada a oferta maciça, o preço melhora.
Sucede o mesmo com os borregos.
A Junta nada pode fazer enquanto não haja frigorífico capaz de armazenar a carne nas épocas de abundância para a lançar no mercado nas épocas de escassez. Vislumbra-se agora essa possibilidade com a construção do novo matadouro de Lisboa.

O Orador: - Agradeço os esclarecimentos de V. Ex.ª, que são muito interessantes, mas a minha referência, era de ordem muito mais genérica e desenvolvia-se noutro plano.
O que eu digo é que não se pode perder no trigo e na carne ao mesmo tempo. Pode exigir-se um sacrifício no trigo, mas há-de legitimamente compensar-se esse sacrifício na carne.
Só há um dirigismo.
Ponham-se os dois organismos a trabalhar em conjunto e... veremos!
Apoiados.
Examinadas as causas, tentemos as interpretações.
As crises apresentam interpretações várias, que conduzem a noções substanciais, a consequências e tácticas diferentes.
A primeira interpretação que alguns escritores defendem é que as crises resultam sempre do factor monetário. Quer dizer: o aspecto fundamental da crise agrária seria dado pela restrição dos meios monetários, pelo fraco poder de compra existente no campo, pela limitada capacidade de recorrer ao crédito e a outros meios extraordinários. Aqui há simplesmente que fazer uma breve nota; é a de que a função do crédito consiste em elasticizar a vida económica, produzindo uma circulação mais rápida, e, se o crédito falta na óptica própria, a crise apresenta dificuldade de ser vencida.

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Por outro lado, a falta de crédito leva necessariamente à liquidação dos stocks e do capital investido na empresa agrícola, provocando a pressão fatal dos compradores sobre os vendedores.
Esta é, um termos demasiadamente simplificados, a interpretação monetária do que se passa.
Na interpretação das crises entra também o aspecto da falta de elasticidade no salário agrícola - da sua rigidez, que cristaliza na proximidade do mínimo indispensável.
Os liberais entendiam que baixando os salários agrícolas era possível vencer as crises.
Ora os salários são humana e moralmente incompressíveis.
Desde que o limite mínimo de elasticidade é ultrapassado, os salários tornam-se desumanos. Portanto, verifica-se, à face da civilização e das imposições morais da nossa época, que os salários não podem ser restringidos além de um certo limite, tornando-se absolutamente impossível ocorrer a uma solução de emergência como essa.
Por muito que os salários subissem, por desproporcionados que fossem na alta com o nível médio de viver, os salários, prontos a subir, seriam tardos a descer, senão se vissem inteiramente travados.
Sòmente um regime de liberdade alucinada consentiria que tal vexame se propagasse - resolver a crise diminuindo o poder de compra da remuneração do trabalho.
E sobre esta matéria depõe um proprietário alentejano:
«Há poucos anos atenuavam-se de certo modo as crises estacionais no Alentejo; sustentavam-se os trabalhadores, não só porque eles eram poucos, mas também porque as suas exigências eram diminutas. Mas agora o número de desempregados aumentou extraordinariamente, bem como as suas exigências, e, portanto, torna-se muito mais difícil, já não digo resolver, mas ao menos atenuar, essas crises que, demais a mais, vão sendo cada vez mais intensas e repetidas».
Eu tenho aqui a nota da população agrícola do País, e por ela se vê quis essa população vai baixando, em percentagem sobre o conjunto, contra aquilo que se podia supor, e isto porque a população portuguesa começa, a surgir do trabalho da terra e a exploração agrícola a racionalizar-se no sentido da economia de mão-de-obra.
Diz essa nota:
Leu.
Encontramo-nos aqui perante uma dificuldade enorme, porque do censo de 1930 para 1940 não há uma nomenclatura homogénea quanto à designação da «população activa».
Mas, mesmo assim, podemos tirar daqui um entendimento: que a população agrícola não tem aumentado, ao contrário do que sucede noutros sectores da vida portuguesa.
Se assim é, a crise do Alentejo e a crise agrária das outras províncias têm mais significado e muito maior expressão, e é certo o que se diz que os concelhos rurais voem a SUFI população desempregada aumentada pelos trabalhadores adventícios.
Tudo isto mostra que há qualquer coisa que não está bem.
Pois a crise revela, pela sua pertinácia, defeito de organização, verificando-se, pois, que ela sofre de um certo vício de constituição jurídico-agronómica.
É um defeito de estrutura e um vício de organização, que atinge a riqueza na produção, sobretudo na distribuição e no consumo, e só se acode a ela melhorando a própria estrutura.
Este ponto é muito delicado, e eu trato-o com todo o cuidado.
Suponho que será necessário com o tempo mexer nesta organização, por ela ser, repito, defeituosa.
Logo, necessidade de aperfeiçoar a estrutura, mas não esquecendo as recomendações de Lê Play sobro as repercussões, de um «toque» no regime da propriedade.
Não podemos burocratizar o Alentejo, mas não podemos também entregá-lo a agrónomos incipientes, pois os técnicos também cometem erros, não obstante supor-se neste país que todos cometem erros menos os técnicos.
E os erros dos técnicos saem mais caros do que os dos práticos da lavoura.
Há qualquer coisa que não está bem, mas essa qualquer coisa há-de ser difícil de realizar.
Falta ventilar um aspecto que também apresenta importância.
Caminhamos para um mundo conhecido pelo mundo da eutanásia do rendistia, no qual o homem que viva apenas dos juros dos capitais está condenado, não digo a desaparecer, mas a morrer de mãos abertas e sem dinheiro.
Teóricos dos mais distintos, que se impuseram debelar a crise, como Keynes, recomendam que o juro descerá aio «quase zero».
A teoria é complicada, mas basta dizer que o «quase zero» dos juros corresponde à doutrina dos teólogos, desde S. Tomás até ao mestre canonista da Universidade de Coimbra Dr. Navarro. A eliminação do juro, ou o degredo do juro para o quase zero, resolverá um certo número de problemas porque permitirá um investimento útil de capitais.
Muita gente não poderá ouvir esta recomendação dos teóricos.
Infelizmente a crise alentejana motivou um recrudescimento da usura naquela província. Há, todavia, a bela política do Governo Nacional e a legislação contra a usura - a última é do meu falecido condiscípulo Manuel Rodrigues. Têm sido levantados depósitos enormes dos bancos que não reflectem, como à primeira vista podia parecer, falta de disponibilidades, mas antes significa que se. vai emprestar por juro alto às empresas em crise. Mais de 10 por cento. Este aspecto é desastroso e careço de ser visto e remediado.
Infelizmente, portanto, a usura voltou, se é que alguma vez desapareceu.
Chegamos agora ao terreno das soluções.
Como é que se obtém unia cultura capaz de absorver mais homens, mais braços, de absorver desempregados: Primeiro pela policultura. E eu sei que nalgumas zonas alentejanas é possível estabelecer outras culturas além das que lá se fazem.

O Sr. André Navarro: - Eu gostaria de saber qual é o trabalho em que V. Ex.ª se fundamenta para fazer essa afirmação?

O Orador: - Tenho-o ouvido a empresários do Alentejo e, tendo passado com vagar por essa província, tenho visto que há zonas susceptíveis de implantar outras culturas, que de resto nalguns pontos já houve.

O Sr. André Navarro: - Onde não é Alentejo.

O Orador: - É possível levar mais longe a policultura. E é possível intensificar algumas empregas. Também será permitido organizar mais racionalmente as explorações sem estas expelirem a mão-de-obra. As soluções agronómicas, acrescentadas das soluções pecuárias, não são muitas. E a política a longo prazo?

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A política a longo prazo para, acudir às crises, a política de soluções destinada a absorver os excedentes da mão-de-obra agrícola, terá lugar numa sociedade de emprego pleno e de exploração integral do solo. Não tem aqui o seu lugar, mas tê-lo-á dentro de dias, quando se ventilar o aviso prévio anunciado pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral (apoiados). Planificar-se-á, ou programar-se-á, para o futuro e de forma decisiva. Nós temos de fazer de Portugal um país em que se surpreenda a utilização directa dos recursos naturais e onde haja emprego completo, como se diz agora.
Para acudir, porém, ao desemprego até hoje apenas se descobriu um meio: gastar - gastar, dar que fazer e comprar. Gastar o Estado, gastarem as camarás municipais e os organismos corporativos, fazerem-se grandes obras e trabalhos públicos e gastarem também os particulares. Mas estes últimos não podem gastar senão desencontradamente com aqueles, porque são as primeiras vítimas da insuficiência. Gastar, mas gastar no tempo mau, e não em tempo bom, porque as reservas devem ser para utilizar nesses dias maus e não deverão ser para desbaratar nos dias bons.
Portanto, suponho que é preciso levantar e pedir emprestado e despender marginalmente nos tempos maus. Temos de instalar, para ocorrer directamente às crises, uma verdadeira política anticíclica.
Gastar nos maus tempos e ser menos dispensador e despreocupado nos bons tempos. Este conselho dos especialistas não se impõe só ao Governo, não é só para os municípios nem para as grandes organizações, mas impõe-se também aos bancos e casas bancárias. Nos anos maus é que é preciso acudir com o crédito, facilitar levantamentos, para obviar às contracções da economia, às compressões de despesas, porque, de contrário, longe de se resolverem ou atenuarem, as crises só se duplicam.
Vou terminar.
A agricultura não é a arte de enriquecer especulativamente, mas também não será, como disse Mariano de Carvalho, a arte de empobrecer alegremente.
Entre os cordões verdes reseda das vinhas, ao longo de leivas sem fim dos barros vermelhos, nos montados elegíacos, cuja rude beleza anda nos versos do conde de Monsaraz, pelos pomares das Hespérides que o árabe prodigioso ensinou a regar, na melancolia cínzea e prateada com o que os olivais erguem os braços torturados, passam os homens curvados pelo seu esforço, desalentados pelas preocupações, à espera do milagre de que falou o Sr. Deputado Sousa da Câmara.
Esse milagre não vem, mas muito se teria conseguido se entendêssemos a lição tomada contra os elementos e contra os homens.
A agricultura tem de ser estável e remuneradora.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: desde os tempos de rapaz me habituara a ouvir falar nas crises do Alentejo, e, pelo que já sabia através da imprensa, verifiquei que a terra do Alentejo mais uma vez se revelou ingrata para o lavrador que nela investira suas economias e o mais que lhe haviam, emprestado, mercê do seu crédito, bem como o esforço perseverante de braços com que a revolvera.
Mas agora, depois de ouvir os números impressionantes apresentados pelos ilustres Deputados que me precederam nesta tribuna e as considerações desenvolvidas sobre tão momentoso problema, fiquei conhecendo outras facetas que me permitem mais completo conhecimento da situação económica da nossa mais vasta província metropolitana.
Vai para vinte anos eu alimentara, a esperança de ver, senão debeladas, pelo menos atenuadas as tradicionais dificuldades com que topava a lavoura alentejana, sobretudo relativamente à sua principal cultura, representada polo trigo.
Fazia então eu parte do Governo em que a pasta da Agricultura fora providencialmente entregue ao espírito inteligente e esclarecido, por longa prática na gerência da Manutenção Militar, do hábil político, agora nosso colega nesta Assembleia, Sr. Coronel Linhares de Lima.
Os lavradores que ele sistematicamente ouvia e respeitava, e que na sua actuação política nunca deixaram, de encontrar o melhor estímulo às suas iniciativas e esforços, tinham por ele um verdadeiro culto, a que agora se junta bem demonstrada saudade.
Por seu lado, nunca os técnicos do seu Ministério foram mais úteis do que no trabalho sob a sua direcção, tenaz e inteligentemente desenvolvido, sempre em íntima e equilibrada colaboração com a lavoura.
E a esta actividade foram permitidos preços compensadores do valor da terra, acrescido do capital investido e do trabalho desenvolvido.
Desta forma se venceu a campanha da produção trigueira, demonstra II d o que a nossa torra, que diziam quase safara e sofrendo as inclemências de um clima pouco propício à cultura daquele cereal, era capuz de abastecer o País.
E tudo se conseguiu sem a realização de grandes obras hidroagrícolas e de centrais hidroeléctricas produtoras de energia para movimentar bombas que elevassem a água dos mananciais subterrâneos, porque então ainda não existiam.
E tudo se conseguiu sem contratos colectivos de trabalho, abonos de família, Casas do Povo, grémios da lavoura, numa palavra, sem a intervenção do qualquer fórmula corporativa, que só mais tarde teve as realizações que todos conhecemos.
E, se os proprietários se mostravam satisfeitos, não me constou que a mão-de-obra, por qualquer forma adstrita à lavoura, o não estivesse também.
É certo que a Providência nos ajudara, mercê de condições climáticas favoráveis.
E a fartura foi tanta que, de importadores de trigo que sempre fôramos, nos vimos incluídos no rol dos exportadores.
Não seguíramos o prudente conselho de José do Egipto: guarda o excesso das colheitas fartas para os anos de carestia.
Não o pudéramos fazer à falta de silos para desinfecção e armazéns de retém aconselhados pelo Ministro iniciador da campanha do trigo.
Mas o luxo do ingresso entre os exportadores traduzira-se em grande prejuízo, que a lavoura teve de aguentar.
E lá se foi o entusiasmo dos primeiros tempos da arroteia do trigo.
Com os grandes prejuízos assim verificados começou o período de desânimo da lavoura.
Nesta altura assumiu a Presidência o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.

O Orador: - Sr. Presidente: no Governo instalara-se a tecnocracia, com o dirigismo que lhe é inerente, passando os técnicos a tudo mandar.
Simultaneamente, as iniciativas privadas, fonte primacial de uma economia compensadora, foram esmorecendo.
O dirigismo foi alastrando dos domínios da técnica para o dos tabelamentos, e assim o arbitrariamente se iam fixando preços nada compensadores do complexo

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esforço da lavoura. As contingências climáticas, que tão incerta tornam a exploração agrícola, somaram-se as derivadas do arbítrio de técnicos quase sempre livrescos e sem contacto com as duras realidades da vida.
Por outro lado, importações maciças de géneros que a nossa lavoura produzia causaram avultados prejuízos em numerosos casais, cuja economia, a custo mantida, não era compatível com tais concorrências.
E, assim, a falta do confiança foi substituindo o entusiasmo com que os lavradores haviam correspondido ao apelo do Governo em prol do aumento de produção.
Passaram a sor temerários investimentos além do estritamente indispensável à vida dos casais e da capacidade do consumo local, não só no que respeita a cereais, mas às batatas, oleaginosas, produtos zootécnicos e outros artigos das actividades agro-pecuárias.
A situação que se vem registando na lavoura alentejana e, de uma maneira geral, em toda a lavoura nacional, se derivou de uma série de anos em que as condições climáticas foram seriamente agressivas, é também consequência do manobras dirigistas, que, se durante a guerra eram de acoitar, agora, que vamos regressando a uma economia de paz, tem de ceder o lugar à iniciativa privada que uma longa experiência valoriza o que a contingência do risco defende de operações temerárias sem consistência financeira nem justificação económica.
De tudo o que fica dito resultou um mal-estar que a todos - patrões e operários - obceca. «Em casa onde não lia pão todos ralham e ninguém tem razão».
Sr. Presidente: as providências que até agora ouvi defender nesta tribuna para remover a crise em que a lavoura em geral, o muito especialmente a alentejana, se debate são quase todas do carácter emergente, para que se valha, sem demora, a dificuldades que importa remover sem mais delongas: obras a executar pelo Estado, pelas câmaras, pelos organismos corporativos e pelos proprietários.
Facilidades de créditos, distribuição de bónus e outros auxílios.
Distribuição dos desempregados pelas diferentes empresas agrícolas na proporção das respectivas possibilidades.
Emigração do excesso do braços, de preferência para as colónias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outras soluções visam a substituir em grandes áreas ora afectadas a culturas de sequeiro as de regadio, sugerindo-se, para garantia do indispensável concurso da água, o emprego de bombas movimentadas por electricidade e o recurso a albufeiras de grande capacidade e também as de pequenas proporções, e, portanto, ao alcance de modestos proprietários.
Alvitra-se a aquisição, pelo Estado, de grandes latifúndios, para, após a garantia de rega, sofrerem a divisão em casais, para serem afectos a famílias do agricultores.
Aludiu-se a conveniência de se modificar a orgânica das Casas do Povo, para as tornar mais proveitosas aos habitantes rurais.
E até só falou em modificar profundamente o inquilinato rústico.
Sr. Presidente: é incontroverso que a população cresce em ritmo acelerado e com ela crescem também as exigências da vida, não bastando hoje a extrema parcimónia que caracterizava a vida rural há algumas dezenas de anos.
E, se há quem aceite o recurso quase exclusivo à emigração, eu entendo que, sem excluir aquela solução, constitui nosso dever ir preparando o território metropolitano para instalação condigna, e na medida do possível, dos
aumentos demográficos que se forem registando, tanto mais que a emigração é agora diferente da feita noutras épocas, em que os emigrantes regressavam à Pátria com as suas economias. Hoje é bom diverso. Em grande parte da metrópole, sobretudo no Alentejo o na Beira Baixa, não faltam extensões susceptíveis de irrigação e de arroteamento e, assim, capazes de eficiente colonização.
Recordo a citação aqui feita pelo nosso antigo, inteligente e simpático colega engenheiro João Nunes Mexia, irmão do actual e ilustre Deputado Sr. Nunes Mexia, que tomou parte brilhante nos debates deste aviso prévio, acerca dos resultados obtidos pelo censo ordenado pela velha Roma, nos tempos de César Augusto, à antiga Lusitânia, cujos limites, embora não coincidindo totalmente com os do nosso país, definiam- uma área quase equivalente à da nossa metrópole.
Pois daquele censo resultara a verificação de existirem ali 4 ou 5 milhões de chefes do família, correspondentes a uma população do cerca de 20 milhões de habitantes.
E nesses remotos tempos não era possível o recurso aos cereais e à carne americanos, nem ao arroz asiático e africano, nem às oleaginosas exóticas e outros artigos que figuram entre as actuais importações.
Vivia-se então em nível de que os monumentos do Évora e Condeixa e tantos outros nos dão uma ideia bastante elevada.
Não é, pois, exagerada a esperança de podermos vir a instalar no território metropolitano uma população bastante superior à actual.
Sr. Presidente: se os êxitos que coroaram a Campanha da Produção do Trigo, lançada pelo antigo Ministro da Agricultura Sr. Coronel Linhares de Lima, foram possíveis, como já afirmei, sem o concurso de obras hidro-agrícolas e hidroeléctricas, nem a colaboração de organismos corporativos e outros factores de que agora dispomos ou vamos dispor, uma vez que se lance, como eu entendo, a política de colonização do território da metrópole, para fixação dos nossos aumentos demográficos, a colaboração de todos aqueles elementos torna-se, não só vantajosa, mas indispensável.
A colonização não seria possível sem a água para usos domésticos* irrigação da horta, do pomar e outros fins essenciais à constituição dos casais e manutenção das famílias.
Salvo algumas zonas privilegiadas, a água dos mananciais subterrâneos do Alentejo é dali elevada por essas admiráveis bombas naturais constituídas pelo sistema radicular das azinheiras, dos sobreiros, figueiras e outras espécies vegetais, cujas raízes penetram fundo no solo e de lá trazem a preciosa linfa indispensável à formação das bolotas, que alimentam a montanheira, dos figos e doutros frutos deliciosos e, sobretudo, da cortiça, que, sendo um dos principais produtos da nossa exportação, já vai fornecendo matéria-prima à laboração de importantes indústrias nacionais.
Mas isso não basta à colonização.
Abundam no Alentejo pequenos vales apropriados para a construção de albufeiras, que poderão garantir a irrigação de áreas extensas e fornecer a água indispensável à fixação ali de quantidade de famílias.
Sr. Presidente: vou citar à Assembleia um alvitre do antigo e muito ilustrado Deputado Sr. Engenheiro Mira Galvão, profundo conhecedor do problema alentejano, que nos enriqueceu com valiosos conhecimentos nos seus frequentes discursos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O ilustre agrónomo entendia que, mediante um aumento de despesa comportável e que não deixaria de ser compensado por benefícios alvejados, se poderia, ao atravessar pequenos vales com estradas, suba-

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tituir as pontes e aterros vulgares por barragens com a solidez precisa à retenção de muitos milhares de metros cúbicos de água.
A natureza do solo alentejano é em muitos pontos compatível com a formação de vastos e abundantes lençóis de água subterrânea, abrigada do sol e dos ventos, e assim defendida da evaporação.
A instalação de bombas movidas por electricidade permitirá elevá-la para abastecimento e irrigação de vastas regiões.
Se não tivessem sido anulados pelo Ministro que me sucedeu no Governo em Julho de 1932 a concessão do aproveitamento do Zêzere em Castelo do Bode, feita à Companhia de Viação e Electricidade, bem como o concurso que eu abrira para o primeiro aproveitamento do Douro nacional, poderíamos ter à nossa disposição, por volta de 1937, electricidade a jorros e a tarifas baixíssimas.
Vamos tê-la agora, é certo.
Mas porque preço terá a economia nacional de a pagar?
Seja como for, haverá que recorrer a esse factor para obter em muitas áreas a água precisa para a respectiva colonização, pois onde ela passa logo a vegetação surge, os casais vão-se sucessivamente construindo e animando a paisagem, e até a propriedade se divide em lotes proporcionados às possibilidades e exigências das famílias, sem que para isso haja de recorrer-se à legislação agrária compulsiva do parcelamento da terra, a qual nem estaria de acordo com a nossa tradição nem se harmonizaria com os princípios sãos que informam a nossa civilização.
Toda a cautela é pouca ao mexer-se com diplomas relativos à terra, seja no que respeita à propriedade, aos arrendamentos, à fixação do número de trabalhadores e respectivos salários. Adeus direito de propriedade, uma das grandes colunas da civilização.
Sr. Presidente: seria um primeiro passo para a fixação em vastas zonas onde o expoente demográfico se mostra escassíssimo de muitas famílias que ainda levam vida errante e dos aumentos populacionais que vierem a registar-se.
Não quer isso dizer que simultaneamente lhes seja assegurado o nível de vida corrente na época em que vivemos noutros países e entre nós em certos meios citadinos e nas aglomerações industriais.
Salvo raras excepções, a lavoura por si só não garante o preciso para o sustento condigno de uma família.
Importa, por um lado, conseguir organizações que a defendam da ganância de certo comércio; e, simultaneamente, proporcionar-lhe outras actividades de cujo exercício resulte para a família um complemento dos magros rendimentos da lavoura estreme.
Na constituição de cooperativas de produção e consumo encontrarão os rurais defesa, já sobejamente demonstrada em vários países, sobretudo nos nórdicos, contra os desmandos de certos intermediários.
E na laboração de pequenas indústrias, que também se poderiam agrupar em cooperativas, estaria a garantia da colocação de braços da família sobrantes das fainas agrícolas e o indispensável reforço do salário familiar.
A energia eléctrica, por um lado, e modificações na técnica e maquinismos no sentido de tornar económicamente possíveis as pequenas indústrias, tanto as complementares da agricultura como outras que nos moios rurais encontrem o ambiente indicado à sua laboração, assegurarão a sua viabilidade.
Com estas providências que sumariamente venho de enumerar, iremos preparando o habitat indispensável à fixação e sustentação condigna de muitos portugueses actualmente sem trabalho, ou com trabalho precário o irregular, ou condenados aos precalços duma vida errante.
Sr. Presidente: mas há que valer, e desde já, à situação preocupante de muitos trabalhadores alentejanos.
A solução proposta, e já em plena execução, da distribuição dos desempregados pelos diversos lavradores, só a título muito transitório poderá recomendar-se, visto como dela resultaria o desequilíbrio económico das explorações agrícolas, que é absolutamente indispensável evitar-se, porque a solidez das empresas está na base de toda a vasta organização da lavoura.
A concessão de créditos tem de ser feita com muita cautela, para não expor os lavradores a surpresas o a dificuldades futuras, incomportáveis para a respectiva liquidação.
A realização do obras de incontestável utilidade está indicada, mas desde que daí não resulte prejuízo para outras regiões também delas indiscutivelmente carecidas.
Poderia recorrer só à transferência transitória dos desempregados para obras em zonas, onde a disponibilidade de mão-de-obra fosse menos notória. E, como aqui já foi dito, fazer coincidir a sua realização, tanto quanto possível, com os períodos de mais notório desemprego.
Em suma: há que debelar o mal desde já. Importa, sobretudo, ir pensando, mas a valer, em preparar o futuro, para que estas crises se vão espaçando e diminuindo de intensidade, e, finalmente, garantir a todos os portugueses habitat condigno na pátria portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: este problema é de tal magnitude e tão urgente que justificaria o prolongamento das minhas considerações.
Urge, porém, terminá-las, e assim vou fazer.
Mas permita V. Ex.ª ainda algumas palavras sobre outros problemas aqui aflorados.
Já aludi, muito de passagem, à emigração, afirmando que, se tal recurso está na tradição portuguesa, nem por isso ele nos dispensará de ir preparando o território metropolitano de molde a instalar condignamente os portugueses que prefiram não atravessar o oceano.
Também, de corrida, mostrei o perigo de se mexer em diplomas concernentes ao direito de propriedade, forçando o seu desmembramento, generalizando aos prédios rústicos certos preceitos inconvenientíssimos e inadaptáveis do inquilinato urbano, sobretudo nos seus capítulos relacionados com actividades industriais ou comerciais; a obrigatoriedade de aceitação de certo número de agricultores, e, sobretudo, daqueles que não sejam indiscutivelmente indispensáveis à faina agrícola; fixação arbitrária dos respectivos salários e outros remédios que daqui ouvi receitar.
Sr. Presidente: foram abordados também outros problemas, dos quais destaco o ensino agrícola no sou grau elementar, naquele que deve fazer-se junto da escola primária, lado a lado com a complicada, trabalhosa e exaustiva faina agro-pecuária em todos os seus variadíssimos capítulos.
Nado e criado em pleno campo, a ouvir as cantigas das lavradeiras, a chiada dos carros de bois e tudo quanto concorre para a singular orquestra rural, eu desde cedo reconheci a insuficiência do ensino teórico, que de uma maneira geral dificilmente se adapta às realidades de cada região.
Por isso me bati por essa modalidade de ensino, chegando até a trazer a esta Assembleia um projecto de lei com o título de Casal da Escola, instituição que visava a constituição de pequenas quintas criadas com áreas dos baldios, de bens patrimoniais do Estado ou outros alugados ou adquiridos para esse fim, onde os alunos aprendessem, junto de suas famílias, e orientados por competentes, tudo quanto se relacione cora a faina agrícola, e produzindo o bastante para alimentar a respectiva cantina e outros fins de incontestável vantagem colectiva.

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Não sei porquê, o projecto de lei sobro o Casal da Escola não logrou parecer favorável da Câmara Corporativa.
Mas sempre teimoso, apesar dos meus 72 anos, que me tom permitido muito aprender das realidades da vida, que, se tem seus encantos, é, no seu conjunto, dura, tudo sendo preciso para a amaciar, quando se discutiu nesta Assembleia a proposta, de lei sobre o ensino técnico, voltei a aludir àquele, problema e enviei para a Mesa uma proposta, que foi aprovada, autorizando o Ministro da Educação Nacional a utilizar baldios e bens patrimoniais do Estado para a conveniente instalação do ensino técnico agrícola elementar e doutros graus.
Até agora nada se fez.
E os baldios continuam a dividir-se.
E os bens patrimoniais do Estado a ter outro destino.
Receio que se deixo passar esta magnífica oportunidade, como os nossos avoengos perderam há cerca de um século a da extinção dos conventos, anexos aos quais havia magnificas quintas, e já na vigência da República se perdeu a da extinção dos passais, para instalação condigna do ensino agrícola.
E tudo se teria conseguido quase sem encargos, porque, na sua generalidade, conventos e passais foram vendidos por tuta-e-meia. e sem qualquer proveito directo para a colectividade.
Quanto a. dizer sobre este momentoso problema...
Mas, adiante.
Sr. Presidente: também aqui se falou, e para o condenar sistemática e irremissivelmente, de absentismo.
Reconheço verificarem se casos, mas raríssimos, de absentismo francamente nocivo, interpretado como falta de residência e permanência constante junto da exploração agrícola da parte dos respectivos proprietários.
Do que conheço do nosso país, e devo afirmar que o conheço quase todo, tenho concluído que as importantes benfeitorias, tanto no que no respeita a casas senhoriais como dos caseiros e pessoal trabalhador, as grandes explorações de águas, os vastos arroteamentos, as plantações de vulto, a utilização de máquinas e o emprego da técnica mais aperfeiçoada não resultam de economias provenientes da exploração agrícola, mas da aplicação de rendimentos auferidos em actividades alheias à lavoura, e geralmente situadas longe dela, aquém e além fronteiras.
Mas há mais e muito mais.
As instituições de beneficência de instrução, as de carácter religioso, obras públicas variadíssimas, sobretudo no que respeita à rede rodoviária, têm sido da iniciativa e em grande parte custeadas por indivíduos residentes noutras terras, e, geralmente, com dinheiro ali ganho.
E compreende-se que assim seja, porque, salvo casos excepcionais, a exploração agrícola nunca permitiu vida farta aos respectivos senhores, quanto mais sobras para os fazer progredir ou pagar substanciais afirmações no capítulo da solidariedade humana.
Nos grandes morgadios, em que os bens da família cabiam apenas a um filho, e quando a manutenção da vida era muito menos exigente, ainda havia um ou outro caso de melhoria de situação doméstica e agrícola e raríssimas afirmações de generosidade.
Agora, com a sua extinção, a propriedade vai-se parcelando de geração para geração, obrigando seus donos, para fugirem à penúria, a procurar noutras actividades o em terras estranhas o preciso para uma decente manutenção das respectivas famílias.
Sr. Presidente: afinal, sempre assim foi através da História.
Grandes solares e certas obras de vulto, atestam que um antepassado fora feliz na sua estada nas índias Orientais.
Mais tarde foi do Eldorado de Minas Gerais que para cá veio muito dinheiro. Depois os proventos ganhos com esforço heróico na brilhante colonização do Brasil. Mais recentemente, os africanistas também marcaram sua época.
E agora e sempre são os filhos das famílias que têm seus troncos nos meios rurais quem, ou seguindo a vida eclesiástica e militar, ou exercendo a multiplicidade de profissões liberais - médicos, advogados, engenheiros, arquitectos, professores, etc. -, vão ganhando e poupando o bastante para garantir o progresso, a prosperidade e corto bem-estar a suas famílias, aos seus conterrâneos, aos torrões em que nasceram, o que eles nunca esquecem, e a que querem tanto como aos que mais queridos lhes são.
Nos tempos de agora - época da indústria - são os grandes industriais, e comerciantes também, que das suas actividades vão insistentemente tirando o bastante para alindarem, melhorarem e fazerem prosperar suas terras natais.
E há que notar a circunstância de os meios de transporte - automóveis, comboios, aviões - permitirem o rápido acesso dos que trabalham longe das terras natais às suas quintas, onde, como dizem os lavradores, «as plantas agradecem sempre a sombra do dono e até o seu peso, porque não calca, mas aconchega...».
Sr. Presidente: o amor com que os que são forçados a deixar a sua terra a recordara, a acompanham em suas aspirações e a ajudam a viver!
O carinho revelado por vários portugueses que lutam no Brasil por todos os problemas do nosso país e, recentemente, após terem concorrido para a construção e manutenção de escolas primárias, como é valioso o seu concurso para dotarem suas terras natais com cantinas escolares!
E as suas remessas de fundos e grandes capitais investidos em títulos brasileiros, que, noutros tempos, tanto concorreram, sob a forma dê importações invisíveis, para o equilíbrio da nossa balança de pagamentos!
Mas tudo tem mudado nos últimos tempos, com prejuízo para as suas famílias, suas terras e para o reforço indispensável do nosso fundo de divisas estrangeiras.
Tanto ainda para dizer... Mas não tenho o direito, nem o nosso Regimento o consentiria, de tomar mais tempo à Assembleia Nacional.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: V. Ex.ª pediu-me e eu prometo cumprir, ser breve na exposição que vou fazer, primeiro porque muito já foi dito e melhor, pelos meus ilustres colegas que me antecederam na tribuna, de forma a esclarecer este grave problema, e depois, a falta de brilho (não apoiados) leva-me a resumir a exposição, como é meu costume, ao indispensável, tentando fazer-me compreender.
Porque intervenho neste assunto?
Por ser um assunto que sempre me tem apaixonado e hoje considero de interesse nacional.
Desde 1920 que tenho contacto directo com os problemas da terra do Baixo Alentejo.
Esse contacto directo tem-me levado a viver com ela os momentos de prosperidade e os de decadência, os de abundância e os de faltas, os de esperanças e os de desilusões, numa palavra todos os bons e maus dias por onde esta lavoura tem passado desde essa data.
Não pretendo com o meu depoimento apresentar a solução do assunto; desejo simplesmente, modestamente, contribuir, se for possível, para o esclarecimento deste magno problema.

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Considero o momento de particular gravidade. Hoje ele tem de ser encarado sob o duplo aspecto: o económico e o social.
Sempre houve crises na lavoura alentejana.
É uma exploração que, como aqui já foi dito e muito bem, tem períodos normais de trabalho onde emprega o pessoal permanente, e os períodos intensos de trabalho, como ceifas, debulhas, apanhas de azeitona, etc., para os quais tem de recorrer aos trabalhadores adventícios, em número muito superior àqueles, os quais, terminados estes trabalhos, de dois a três meses, têm de ser despedidos, visto a exploração não comportar a sua permanência.
Uma exploração nestas condições, não tendo forma de absorver o maior número de trabalhadores da região, tem de se encontrar fatalmente com as crises periódicas de trabalho.
Antigamente, porém, eram essas crises atenuadas porque havia outras explorações que absorviam uma grande parte dos trabalhadores adventícios: eram as vinhas que víamos pelo Baixo Alentejo, onde se empregavam muitos deles, era o desbravar de terras de mato, etc., e juntava-se a isso mais a existência de uma numerosa classe média, praticamente desaparecida da exploração agrícola do Baixo Alentejo, u que, intercalada entre o proprietário e o trabalhador rural, absorvia muitos braços.
Era a classe dos seareiros.
Tinha, essa boa gente uma ou mais parelhas de mulas, com as quais trabalhava as terras que lhe eram entregues, em parceria, pelos proprietários. Terra, onde trabalhavam eles, os filhos, as mulheres e até pessoal estranho à família.
Era uma classe numerosa que vivia da terra, de onde tirava o bastante para se manter e às famílias.
Na época, em que não tinham trabalho na terra tinham geiras dos proprietários.
Assim viviam, sem outra aspiração que não fosse, o seu sustento e dos seus.
Veio a crise e com ela vieram as dificuldades.
Encontrou esta classe sem recursos e sem amparo; foi por isso a primeira a cair.
A parelha de mulas foi primeiro substituída por uma parelha de burros, e por fim tudo foi vendido, carro e parelha, para irem engrossar, ele e a família, o número de jornaleiros.
Porque acabou esta classe tão útil?
Evidentemente por não ter reservas para na crise saldar as suas dificuldades.
Mas foi também por culpa do proprietário, que não o amparou nesse momento difícil.
Afirmo isto porque ainda hoje conheço, e deve haver muitos mais, um caso de seareiros que se mantêm a trabalhar por terem recebido esse amparo do dono da terra no momento da queda.
No ano agrícola agora terminado, quando não podiam, pela fraca colheita, pagar as rendas e ao mesmo tempo os encargos dos adubos adquiridos, foram autorizados a pagar os adubos, deixando para mais tarde o pagamento das rendas.
Foram, assim umas famílias mais arrancadas ao numeroso grupo dos desempregados.
E continuou, com as suas parelhas, a trabalhar a terra, para o futuro, e com uns magros bagos de trigo amealhados a sustentar-se e à sua família.
Foi em parte a falta de compreensão de alguns proprietários que ajudou a afundar-se grande parte desta classe, tão útil à lavoura alentejana.
A relutância do trabalhador do Sul em sair da sua região para procurar trabalho noutra é certa.
Nós vemos o algarvio e o beirão deixar a família, ir só procurar trabalho longe dos seus.
O alentejano do Sul sai, sim, mas acompanhado da Família; raro sai só.
Isto, acrescido do aumento de população, vem dificultar a solução das crises naquela região.
Para dar saída ao excedente de mão-de-obra, e aproveitando o facto de o alentejano não se deslocar sem ir acompanhado da família, julgamos que deveria esse excedente ser encaminhado, com as necessárias condições de existência, para o Império Português, transformando-os em modestos, mas prósperos proprietários coloniais.
Sr. Presidente: julgo que entre os factores que contribuem para a aflitiva crise da lavoura do Baixo Alentejo três há de importância e que desejo destacar:
1.º Uma série de anos agrícolas francamente maus;
2.º O não ajustamento dos preços de venda dos produtos da terra ao seu custo de produção;
3.º As dificuldades de crédito.
Quanto ao primeiro factor, não esta na mão dos homens a sua solução.
E somos injustos quando dizemos que o lavrador do Alentejo é rotineiro.
Não se poupa a sacrifícios, faz tudo e que humanamente pode para tirar da terra os bagos de cereal.
Luta até cair contra a adversidade do clima e a pobreza do solo. Não está, porém, na sua mão modificar este clima.
Passa o ano vivendo na esperança de um futuro melhor, esquecendo as tristezas do passado, até que os meses de Abril e Maio lhe trazem a alegria ou outras tristezas.
Quanto ao segundo factor, do ajustamento de preços julgamos que se deveria a tempo, e antes de a crise económica nos ter batido a porta, quando a lavoura tinha tinha algumas reservas para se aguentar, ter estudado, com todo o cuidado e um toda a sua extensão, os preços na produção dos produtos dessa lavoura para assim termos, com verdade, uma base.
Quando em 1948 tratei aqui, em colaboração com o meu querido amigo e antigo colega nesta Assembleia Nacional o engenheiro João Nunes Mexia do problema do trigo e do pão, pedi ao Governo que estudasse o custo deste cereal para termos nós e ele Governo uma base de seguro na fixação dos preços. Esse estudo está a ser feito.
A entidade encarregada desse estudo entregou-o a uma das maiores autoridades portuguesas em economia agrícola.
Aguarda-mos com confiança que esse trabalho, que já está adiantado, termine, para podermos verificar então se a lavoura trigueira tinha ou não razão quando pedia a actualização dos preços do trigo.
Hoje o problema é muito difícil de solução, pois, além da falta de recursos dai lavoura cerealífera, tenros a concorrência do estrangeiro, onde se acentua todos os dias a tendência para a baixa, desde a carne até ao cereais.
Como poderemos nós suportar esta concorrência sem uma grande protecção?
Quanto ao terceiro factor, as facilidades de crédito que o Estado deu a lavoura em época anterior à crise, essas facilidades desorientaram uma parte da própria lavoura.
O Estado prestou à lavoura trigueira um grande auxílio, mas, como disse, uma parte dela desorientou-se, supôs que o acerto de contas só muito mais tarde se faria, não pensando na crise que se aproximava.
Usou e abusou desse crédito, criaram-se hábitos de vida, muitas vezes incompatíveis com os verdadeiros rendimentos de muitos.

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Em face rias -facilidades dadas, levantou-se dinheiro para tudo, até para cultivar o trigo, no dizer de um lavrador com quem falei hà poucos dias.
Chegou a inevitável crise, e grande parte da lavoura alentejana, encontrando-se sem reservas, debatendo-se numa luta aflitiva, volta-se para o Governo pedindo auxílio.
São então concedidas moratórias para os pagamentos das dívidas, e assim vivemos na esperança de que um ano agrícola bom possa ajudar a saldar as responsabilidades atrasadas.
Isto é assim.
É difícil a solução no momento, mas há-de ser resolvida, dependendo do Estado e da verdadeira compre a 11-são da lavoura.
Torna-se indispensável, depois de atenuada a crise, uma revisão lenta dos créditos, de forma a servirem os interesses da tenra e só esses interesses.
Quanto à crise de trabalho que de novo se aproxima, julgamos não ser admissível a repetição da solução dada no Verão passado, em que a lavoura do Baixo Alentejo suportou 90 por cento do peso da mesma, e executada de forma tal que cavou mais. fundo o abismo entre as duas classes, entregando às Casas do Povo o encargo da distribuição dos desempregados pelos lavradores, em casa de quem se apresentavam, com guia de marcha passada, pela sua Casa do Povo, e nem sempre em atitude correcta.
Parece que na próxima distribuição a percentagem atribuída à lavoura será menor, como diferente será na sua execução.
Isto satisfaz-nos como medida de emergência, mas pede-se que o problema seja estudado em toda a sua extensão, desejando que se faça um inquérito, possivelmente através dos grémios da lavoura, sobre as possibilidades de absorção em trabalhadores de cada uma das propriedades do Baixo Alentejo, base no estudo para as futuras distribuições.
Para podermos avaliar o peso da última crise do Verão passado sobre a lavoura, direi que numa propriedade do distrito de Beja onde o cadastro já está feito, segundo as contas dadas pelo seu proprietário, este pagou aos trabalhadores que lhe distribuíram, durante os meses da crise, mais do que a contribuição paga ao Estado por esta propriedade, limitando-se os trabalhos a uma limpeza de valas, apanho de matos e de pedras.
Como o Estado deve reservar várias obras a fazer para os momentos de crise, deve a lavoura orientar a sua exploração no sentido de ter também obras de seu interesse particular para essas crises, pois que tão cedo não deixará de suportar uma parte desse peso, e, assim, passará a ver em parte recompensada a despesa feita, e digo em parte porque o trabalho produzido nestas condições é muito inferior ao dos períodos .normais.
Sr. Presidente: este problema deixou de ser um problema local para ser um problema nacional.
Não é do distrito de Beja, do distrito de Évora ou do distrito de Portalegre, mas sim um problema que atinge milhares de famílias e, com elas, uma grande parte da riqueza nacional.
E, porque assim o considero e porque hoje mais do que nunca confiamos no Governo Nacional, tratei deste assunto, apresentando ideias, sem outra pretensão que não fosse a de colaborar com o Governo.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Gromicho: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, diz um provérbio latino: este brevis et placebis.
Eu penso que, apesar de ser breve, não posso agradar, não só pelo nenhum valor intrínseco do que vou dizer (Não apoiados), como pelo cansaço que atinge a todos.
Não era minha intenção intervir neste debate, onde tem pontificado com extraordinário brilho os mestres dos temas agrícolas; uns mestres pela dura experiência do cultivo das terras; outros, mestres pelos conhecimentos científicos da especialidade, que começaram por beber na escola-mãe o notável e douto Instituto Superior de Agronomia e completaram na aplicação efectiva e útil, no contacto com as realidades da vida agrícola.
Não tenho nenhum título que me autorize e me sirva de esteio à minha aparição neste momento para me imiscuir neste tão oportuno e necessário debate, e muito menos depois de tão numerosas e brilhantes intervenções.
Não sou agrário, no limite em que esta expressão significa labora dor da terra, por via directa ou indirecta.
Não sou agrário, dentro do significado pejorativo que se pretendeu dar, é claro que fora desta Câmara, a um pensamento político restrito e faccioso que parecia fazer acreditar que no Alentejo só havia interesses agrários.
No entanto, como alentejano dos quatro costados e vivendo a minha já não curta vida, graças a Deus, na cúpula do Alentejo, que é, sem desdouro para as outras, a cidade de Évora, observo, sigo e sinto o drama da lavoura alentejana.
O aviso prévio em discussão é um verdadeiro S. O. S. de províncias e de regiões, onde o fenómeno é semelhante e traz à colação anseios e tormentos de outras províncias, onde, pelos vistos, se impõem também certas providências.
Mas não façamos confusões: o que se passa ciclicamente no Alentejo tem características próprias, e não façamos generalizações a regiões onde as premissas são diversas.
Podemos associar nesse S. O. S. zonas afins do Alentejo. Neste caso estão alguns concelhos do distrito de Setúbal e uma boa parte da província da Beira Baixa.
É aí que se verificam as mesmas causas e os mesmos efeitos.
Embora pareça paradoxal e contrário aos métodos normais de investigação, comecemos pelos efeitos: as crises cíclicas.
Desde que me entendo que ouço falar nas crises de trabalho e elas são tão velhas como a própria lavoura, por isso que elas derivam em linha recta da periodicidade natural dos trabalhos agrícolas, segundo o também velho e tradicional sistema de cultura de sequeiro.
Simplesmente, nos tempos da lavoura patriarcal, e não são tão recuados como podem parecer, o lavrador era, não só o patrão, mas o protector dos seus auxiliares e vizinhos necessitados. O forno aumentava de laboração e a despensa diminuía sensivelmente de recheio nas fases esperadas da falta de trabalho.
Eu sei que há ainda muitas casas agrícolas que seguem estes princípios cristãos do auxílio ao próximo. Não há estatísticas a tal respeito, mas, se as houvesse, ver-se-ia qual o esforço e assistência que, por esta forma, um certo e benemérito sector da lavoura exerce silenciosamente.
Por outro lado, como subsidiários dos trabalhos mais volumosos da lavoura, havia em larga escala, precisamente nesta época, as desmoitas, as roças e os cortes.
As desmoitas ainda absorvem alguns braços porque os matos, pràticamente desaparecidos nestes últimos cinquenta anos, teimam em reaparecer na exuberância da sua vida latente.
As roças, pelas razões anteriores, quase não existem.
Os cortes (entenda-se nesta expressão a limpeza e desbaste de arvoredo) estão reduzidos a um terço porque as áreas de montado sofreram grave redução com o arranque total de azinhais e até sobreirais em herdades

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inteiras, principalmente a partir da primeira guerra mundial. Sei que há leis restritivas, mas sei também que o desmonte de alguns montados foi autorizado sob condição de plantio de olival, o que e admissível, em substituição, mas passaram anos e nenhum sinal de replantação se vislumbra em muitos casos.
Desde a guerra de 1914 que as crises se têm vindo avolumando nos seus efeitos o significado, desde os pequenos grupos de trabalhadores batendo às portas em jeito de mendicidade, até às massas volumosas e impacientes que se aglomeram nas praças públicas em frente das casas das câmaras, dos governos civis ou das delegações do Comissariado do Desemprego.
Este é o panorama real, neste momento, em todas as sedes de concelho e de distrito no Alentejo. Do presidente de uma câmara do meu distrito recebi um telegrama em que se traduz a sua aflição e a sua perplexidade perante 600 rurais sem trabalho e acrescenta: «3 a 4 mil pessoas sem pão». Isto num concelho de pouco densa população - o concelho de Alandroal Fenómeno idêntico se passa nos restantes.
Sr. Presidente: todos sabemos que é ao Governo que compete a solução ou o encaminhar das soluções de emergência que o problema instante impõe.
Não me conformo com o que já aqui ouvi de que esta crise não tem solução.
Não há problemas insolúveis desta natureza.
Pode haver soluções difíceis, talvez dolorosas e drásticas, mas tem de se encontrar uma solução de emergência, e a única, seja qual for a modalidade que se adopte, é o dinheiro, através de trabalhos públicos e particulares, de que se possa tirar o máximo rendimento.
É claro que uma coisa é a solução da crise do momento, outra é a solução dos complexos problemas que a originam e que a tom tornado crónica e aguda.
Nas soluções a longo prazo algumas aqui foram apresentadas sabiamente.
O distinto engenheiro agrónomo Sr. Deputado Domingos Vitória Pires, na sua brilhantíssima exposição, alvitrou que os débitos actuais da lavoura sejam consolidados a prazo longo e juro baixo, para poderem receber novos créditos no sistema corrente. É óbvio que, por motivos que é ocioso esclarecer, esses novos créditos devem ser convenientemente condicionados e até fiscalizados.
Não concordo, porém, com S. Ex.ª quando afirmou, se bem interpretei as suas palavras, que a causa da crise não é demográfica apenas, mas tem a sua origem também no uso, creio que quereria dizer no abuso, da máquina.
Quanto ao uso ou abuso da máquina, está-se longe das necessidades e muito mais da saturação. Sabe se que um dos objectivos do Plano Marshall é precisamente o fornecimento em larga escala de ferramenta agrícola. Essa ferramenta não implica a clássica enxada ou apenas a charrua, o arado civilizado. Implica, sim, o fornecimento de tractores, debulhadoras, gadanheiras, trituradores de feno, etc.
Se as máquinas que existem ao serviço da lavoura desaparecessem por força de mágica, a extensão da cultura agrícola e o avanço da pecuária teriam de regressar aos tempos que eu ainda conheci há cinquenta anos, dos matagais até às portas das vilas o aldeias, às searas de 20 ou 30 meios de colheita e ao pascigo exclusivo dos pastos naturais e muitas vezes precários.
Não sou pela mecanização excessiva da lavoura, sem que a par e passo se desenvolvam outros ramos de indústria que absorvam gradualmente os braços rurais excedentes.
Sobre a questão demográfica também peço licença para discordar do ilustre agrónomo e também do nosso muito considerado colega Sr. Melo Machado, que preconizou a emigração para os excedentes da população do Alentejo. Também ontem, na sua magistral intervenção, o Sr. Deputado Sousa da Câmara advogou com entusiasmo a emigração. Estou de absoluto acordo com S. Ex.ª no que respeita ao problema nacional de excedentes de população, mas discordo quanto à província do Alentejo. Se há províncias de população rarefeita em relação ao espaço, o Alentejo é um exemplo vivo, não obstante o seu acréscimo de ano a ano. A sua densidade média por quilómetro quadrado é de 28 habitantes. Nos distritos de Évora 28, Beja 26, Portalegre 30.
Também peço licença para discordar da afirmação de que o alentejano é avesso à emigração.
A emigração não é uma vocação deste ou daquele povo ou região. A emigração é uma necessidade que surge e que se segue sempre que as circunstâncias proporcionam ou impõem. As regiões de Portugal onde a percentagem de emigrantes é elevada são aquelas onde a densidade do população é intensa: Minho, Beiras e Algarve.
O alentejano, sempre que a aventura, a necessidade nacional ou outros factores o impelirem, lá vai em busca de novas terras, de novas perspectivas.
Vasco da Gama, Diogo Cão e tantos outros deram o exemplo. Há quem afirmo que Camões, o vagabundo da poesia e da bravura por além-mar, era oriundo de uma família que tinha o seu solar no Alto Alentejo. Deixemos os exemplos clássicos.
Eu podia, de cor, citar dezenas de nomes de pessoas alentejanas que nas nossas colónias e no Brasil desenvolvem a sua actividade. Ainda há poucos dias, nesta sala, falei casualmente a um ilustre colega e distinto colonialista de um pequeno lavrador alentejano que é hoje um grande agricultor angolano.
E de tal maneira cuidou da primeira concessão que lhe confiaram que ela foi expropriada para aproveitamento agronómico.
São as condições naturais do ambiente vasto e rico em que nasceu que leva o alentejano a emigrar em pequena escala.
Não vejamos o problema demográfico através das crises cíclicas e remediáveis no futuro, devidamente preparado e apetrechado. Não há braços sobrantes no Alentejo nos períodos de trabalho intensivo da safra agrícola. Pelo contrário, são muitas as centenas de rurais da boa gente portuguesa das Beiras e do Algarve que ali vão em suprimento do trabalho, salvo os abusos a que se referiu na sua brilhantíssima exposição o Sr. Deputado Nunes Mexia.
O problema é outro. O problema está em criar actividades, ou condições de vida, com vista às épocas em que têm surgido periodicamente as crises de trabalho.
A solução a longo prazo não é rarefazer ainda mais a escassa população, mas sim criar fontes de riqueza para a fixar e alimentar, porque o Alentejo está longe de ter esgotados os seus maravilhosos recursos.
A irrigação do Alentejo, de que se fala há décadas como num mito, começa a ser uma realidade, embora titubeante.
O Governo, através da extinta Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola e da Junta de Colonização Interna, já deu largos passos nesse sentido.
O ilustre Chefe do Governo, na cerimónia da inauguração da barragem que tem o seu nome, no Pego do Altar, terminou o seu como sempre, lapidar discurso por uma simples palavra, que encerra um vasto programa: «Regai, regai».
O que se está concluindo no vale do Sado e noutra região gémea do Alentejo, nas campinas de Idanha-a-Nova, é simplesmente assombroso, habituados como estávamos à tal «vil tristeza».
Apraz-me neste momento prestar ao Governo as minhas homenagens pela obra grandiosa realizada e em via de realização nesse sector.
Não posso esquecer o nome, notável a todos os títulos, da pessoa ilustre que soube encarnar a vontade do Go-

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verno e realizar uma obra que as futuras gerações hão-de bendizer: o Sr. Engenheiro António Trigo de Morais.
Neste capítulo de obras de hidráulica agrícola executadas pelo Estado só é pena que a Junta de Colonização Interna não possa, ou não tenha podido, actuar com mais rapidez. Ou, se esta não tiver de intervir, que o Estado não tenha definido com rapidez as condições em que a rega, onde já é possível - e é-o em muitos quilómetros de canais, principalmente em Idanha-a-Nova -, deverá ser executada.
Por outras palavras: tenho visto na campina da Idanha quilómetros de canal utilizável com o contraste paradoxal de cultura de searas de sequeiro dum e doutro lado.
Desinteresse do dono da terra?
A esta pergunta já ouvi responder. Não em grande parto, porquanto há proprietários que desejariam construir casais para dar terras de arrendamento a famílias que as cultivassem em cultura intensiva por regadio. Receiam, porém, que em dada altura inesperada venha a expropriação para o sistema de colonização interna e a possível perda de valores investidos na expropriação a baixo preço.
Ora, Sr. Presidente, é este um ponto importantíssimo a ser esclarecido pelo Governo, porque se está perdendo o usufruto de um benefício de largo alcance social e económico.
Na obra em referência há já, felizmente, mais de 1:000 hectares irrigados e aproveitados, porque um ramal de canal-mestre foi logo, numa extensão de mais de 30 quilómetros, encaminhado no sentido do Ladoeiro, zona, por acaso, já dividida tradicionalmente por muitos pequenos proprietários, os quais, segundo sei de observação directa, têm colhido os mais remuneradores resultados, sobretudo na cultura do milho.
Pareço, ao falar da barragem da Idanha, que me desviei do problema do Alentejo. Ilusão, por isso que aquela zona da Beira Baixa é, sob o ponto de vista geográfico, quer panorâmico, quer mis culturas cerealíferas, uma exacta réplica do Alentejo.
Do rosto, o problema da irrigação do Alentejo está em estudo o dele existem até anteprojectos, de que tive conhecimento no Governo Civil do Évora.
Há dois vastos planos: um que, tendo três barragens no distrito de Santarém, a principal no Sorraia, se destina a irrigar 25:000 hectares do distrito do Évora; outro com barragem no rio Dejebe, no distrito do Évora, visa irrigar, não me recordo do número exacto, mas também largos milhares de hectares no distrito de Beja.
Só estas obras forem para o campo da execução, que soma de braços não virão a ocupar na realização propriamente da obra e depois nas exigências do seu aproveitamento!
Se a isto aditarmos as obras de pequenas barragens particulares, das quais já existem alguns florescentes exemplos - no distrito de Évora, pelo menos duas, e noutros pontos mais algumas construídas e outras em construção - a solução do trabalho e da paz social aproximar-se-á do êxito.
Oiço também falar do estabelecimento de algumas indústrias, logo que a energia eléctrica atinja o Alentejo em suficiência.
Emfim, não faltam perspectivas optimistas; assim não falte a iniciativa e a coragem àqueles a quem o problema do trabalho no Alentejo mais afecta e interessa.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

Reassumiu a Presidência o Exmo. Sr. Dr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que subo a esta tribuna, cumpro gostosamente o dever de apresentar a V. Ex.ª os meus cumprimentos muito respeitosos, com a expressão da minha alta consideração pelas excelsas virtudes de que V. Ex.ª tem dado brilhantes provas nesse alto lugar.
Para os Srs. Deputados vão também os meus mais cordiais cumprimentos e a oferta de uma leal camaradagem nesta luta em que os homens bons de Portugal andam empenhados para servir a Nação e o bem comum.
Sr. Presidente: porque este debate na sua generalização não se manteve nos limites dos interesses exclusivamente da lavoura alentejana e tomou o rumo dos interesses da lavoura em geral, e muito bem, visto que a crise, que atinge com impressionante angústia as terras do Alentejo, se estende a toda a terra portuguesa, com maior ou menor intensidade e com aspectos que variam de região para região.
Achei por isso de certa utilidade trazer para este processo da crise da lavoura um depoimento de um homem do Sul, do extremo sul, da província do Algarve, onde nasci e fui criado e que nesta Assembleia represento, e ainda um apontamento sobre o problema da hidráulica agrícola, que se considera um dos factores essenciais para a resolução da crise da lavoura em certas regiões, nas quais o Algarve está incluído como campo mais propício.
Não vá julgar-se que nessa encantadora província do Algarve, de clima privilegiado, de praias encantadoras e de gente alegre e activa, as coisas correm bem nas lides da agricultura.
Por lá também a lavoura tem a sua crise, menos espectaculosa e gritante do que a que provém das terras alentejanas, mas não menos intensa e impressionante.
A terra é pobre e cultiva-se sem preocupações de lucro e apenas para prover ao sustento dos seus filhos, tão incertas são as chuvas, garantia de uma boa colheita. Sem elas as terras ressequidas do Algarve são quase estéreis.
Quem o visitar nesta altura do ano encontra tudo semeado, e, como choveu, os campos por toda a parte estão verdejantes, dando a sensação de riqueza e de fartura. Até mesmo na árida e agreste charneca verdejam entre pedras canteiros de favas e ervilhas, pois é necessário aproveitar todos os bocadinhos, porque somos muitos, a terra é pouca e temos de viver.
Porém, raramente as coisas correm bem até ao fim. Semear ali é como que jogar na lotaria, muito raramente a sorte grande, algumas vezes o mesmo dinheiro e quase sempre o número sai branco.
Mas o algarvio, persistente como é, não desanima e lá continua, cheio de fé e de esperança, a lançar a semente à terra, porque é dela que há-de vir alguma coisa para se alimentar. Tão dividida está a terra que são muito poucos os que, vivendo só dela, não a têm de regar com o suor do seu rosto.
Na grande maioria, proprietários e trabalhadores não se diferenciam nas suas actividades e preocupações.
Paru dar a noção de grandeza da propriedade algarvia basta dizer que, segundo um estudo feito pela extinta Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, na região de Silves, Lagoa e Portimão, para um projecto de obras de irrigação a que adiante me referirei, verificou-se, numa área de 1:900 hectares, haver cerca de 1 :700 proprietários. No resto da província é assim, pouco mais ou menos.
A riqueza agrícola do Algarve vem-lhe dos frutos produzidos pelas árvores, e não das sementeiras. As suas condições mesológicas, que lhe advêm do clima e das influências meteorológicas do Norte de África, fazem do Algarve uma região privilegiada para o desenvolvimento de árvores de fruto de carácter mediterrânico. A amendoeira, a figueira e a alfarrobeira

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desenvolvem-se e frutificam como em parte alguma do País.
Nos frutos secos residia a sua prosperidade. A exportação destes representou certas vezes um valor superior a 100:000 contos, o que muito contribuía para o equilíbrio da balança comercial.
A última guerra veio dificultar muito a exportação, criando assim sérias dificuldades ao agricultor. Terminada ela, as coisas não voltaram aos bons tempos, não só pela economia depauperada e a política de restrições dos países que constituíam os seus mercados habituais - Inglaterra, Bélgica e Holanda -, mas também pela concorrência que encontraram feita por países como a Itália, Grécia, Turquia e do Norte de África, que começou a bater os seus produtos em qualidade e apresentação, mercê de medidas legislativas oportunas, conscientemente aceites e rigorosamente cumpridas. A maior dificuldade de colocação surgiu para a amêndoa, considerada, até certo ponto, artigo de luxo. Em 1947 havia no Algarve 100:000 quilogramas de miolo de amêndoa para exportar, de colheitas anteriores. Naquele ano a colheita tinha sido praticamente nula.
Para o figo tem sido procurada colocação no mercado interno. Calcula-se que este pode absorver cerca de 80 por cento da produção, mas com preço considerado baixo. Apenas a alfarroba tem tido comprador e a preços remuneradores.
Este estado de coisas tem-se reflectido grandemente na cotação externa destes produtos, a qual tem descido abaixo dos limites considerados mínimos para um rendimento compensador.
Ao abaixamento da cotação no mercado externo correspondeu um aumento das despesas ligadas à colheita, transporte e embalagem.
É certo que a Junta Nacional das Frutas desenvolveu, no abrigo de determinações legais e instruções técnicas, uma actividade digna de apreço em favor de uma melhor apresentação dos frutos secos, de resultados já visíveis, mas muito longe de contrariarem, de maneira, eficaz, a concorrência feita pelos países já citados, e ainda porque os últimos anos secos depauperaram as árvores, prejudicando a boa qualidade dos frutos.
Como VV. Ex.ªs acabam de ouvir, a crise da lavoura no Algarve tem, sem dúvida, no económico um aspecto mais grave, porque há a considerar nela dificuldades de produção, penúria de preços, crise de colocação dos produtos. Temos, contudo, de constatar que no social a crise alentejana tem repercussões mais dolorosas.
É com o dinheiro da venda dos frutos que o proprietário conta pura pagar as contribuições, as dívidas contraídas durante as sementeiras e os arranjos da propriedade, necessários à sua conservação. Quando os frutos são poucos e não se vendem ou se vendem a preços baixos, como agora é corrente, dificuldades desconcertantes surgem e quantas vezes o apertar do cinto é para alguns o remédio que resta.
As imposições que resultam para o lavrador alentejano do cumprimento dos contratos colectivos de trabalho verificam-se noutro aspecto para o proprietário algarvio, na repartição voluntária ou Consentida dos seus próprios rendimentos, mercê do regime de exploração da propriedade e da acomodação dos seus trabalhadores.
Este dá-lho casa e terra para semear e participação na colheita >dos frutos e na criação de gado.
É nesta comunhão de interesse? e preceitos cristãos que se mantêm as boas relações entre o proprietário e trabalhador, dividindo entre si, num espírito de compreensão, o mal e o bem que lhes vem da terra. A restrição imposta à emigração é um dos grandes factores que contribuem para as dificuldades de trabalho.
As crises não se exteriorizam no aspecto confrangedor de grupos de homens percorrendo as ruas das povoações de braços caídos e a dor no rosto. São sofridas no silêncio do lar sem lume, e tantas vezes às refeições alguns figos secos e um copo de água para dar a sensação de saciedade.
O algarvio, que por índole é aventureiro e tem grandes qualidades de adaptação, quando o trabalho faltava não se mantinha inactivo; emigrava para Espanha, Norte de África e França, procurando onde empregar a sua actividade e voltando à terra logo que tinha arranjado algum dinheiro ou havia melhores notícias.
Muitos emigravam mesmo para as Américas. O Alentejo conhece a sua presença durante as ceifas e as mondas; para estas vão mesmo muitas mulheres. Hoje, em virtude das restrições impostas à emigração, alguns não se detêm e fazem-se ao mar em pequenos barcos, com destino ao Norte de África, passando depois a outros países. Preferem correr uma aventura perigosa a manterem-se inactivos, por falta de trabalho.
Foi não só pela situação geográfica do Algarve, mas também pelo conhecimento que tinha o Infante D. Henrique do espírito de aventura da sua gente, que o levou a deslocar-se até Sagres, para instalar a sua escola náutica.
Quando o fez já sabia que o algarvio tinha entrado em contacto com o continente africano e com ele transaccionava. A solução para o problema da crise da lavoura no Algarve está em dar à sua terra ressequida a água que lhe falta e que transformaria em fonte de riqueza, e de alegria o que hoje é motivo de pobreza e de tristeza.
Todas as espécies frutícolas e hortícolas podem ali desenvolver-se com pleno êxito devido aos seus estios quentes, que amadurecem os frutos precocemente e os invernos suaves, que os não molestam.
A sua cultura podia então ser orientada na produção de primores, que, pela sua maturação têmpora em relação a outras regiões do País, podiam ser levados a ioda a parte e exportados sem concorrência, não surgindo por isso o problema da superprodução, um dos inconvenientes que se apontam como podendo contrariar os efeitos económicos resultantes da beneficiação das terras irrigadas.
Pelas circunstâncias apontadas, julga-se que se ao Algarve for dada, a água de que necessita, o algarvio, com as suas possibilidades de trabalho e de empreendimento e o carinho que tem pelas árvores, reminiscências dos árabes que ali dominaram cerca de quinhentos anos, fará da sua província um elemento seguro paro o ressurgimento económico do País.
A propósito de crise no Algarve deixai-me aproveitar esta oportunidade para pedir sentidamente deste lugar ao Governo que acuda aos lavradores do mar na crise pavorosa que atravessam presentemente pescadores, operários das conservas e industriais, paralisados por falta de sardinha, essa fada do mar, como alguém lhe chamou, e que. fugindo dos seus pesqueiros habituais, provoca, a miséria e a ruína num dos grandes ramos da actividade nacional, fonte produtora de ouro para a nossa economia.
A crise que afecta toda a costa portuguesa tem particular intensidade no Algarve, tornando ali a vida mais difícil, em coincidência com a endémica crise da lavoura da terra, e tudo se está reflectindo já de maneira sensível nas outras actividades, porque é em volta destes dois ramos de riqueza que gira toda a economia da província. Vou agora referir-me ao problema da hidráulica agrícola, apresentando uns ligeiros apontamentos, que podem interessar à lavoura em geral e interessam ao caso particular do Algarve.

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A extinta Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola apresentou em 1937 um plano de estudos de obras de hidráulica agrícola, que foi submetido ao parecer da Câmara Corporativa, em cumprimento da base IV da Lei n.º 1:914. Esta deu-lhe parecer favorável, com justo louvor. Este parecer foi publicado no Diário das Sessões de 12 de Maio de 1938. Tanto este relatório como o parecer são documentos notáveis, que honram as entidades que os elaboraram e revelam uma alta cultura técnica, aliada a um poder de concepção, ao serviço dos grandes problemas nacionais.
Tudo foi devidamente ponderado, quer no técnico, quer no financeiro, quer no económico, quer no social. A extensão desta obra aos 400:000 hectares de terras continentais possíveis de irrigar muito contribuiria para a solução dos problemas aqui tão vigorosamente e persistentemente apresentados sobre a lavoura e o trabalho rural.
Teríamos ainda a acrescentar aos benefícios trazidos à agricultura com estas obras os aproveitamentos hidroeléctricos resultantes delas, que, com a energia sobrante, iriam ajudar a resolver esse outro magno problema da electrificação do País, que está na base do nosso ressurgimento.
Interrompo aqui as minhas considerações para fazer um pequeno comentário ao discurso do Sr. Deputado António Gromicho.
Eu pergunto se a sua fé na realização dessa obra de hidráulica agrícola a que acaba de referir-se no seu discurso será inteiramente coroada de êxito.
Nós do Algarve já a sentimos um pouco abalada pela paralisação em que as obras se encontram, nomeadamente a de Silves, Lagoa e Portimão, parada há mais de dois anos.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Tenho absoluta fé em que essa obra vá por diante, para proveito do Algarve.

O Orador: - O plano a que me estou a referir incluía vinte projectos de obras a executar em todo o território continental, até ao fim do corrente ano, abrangendo uma área de 125:442 hectares. O custo das obras projectadas e de algumas já em execução à data do plano seria de 1.978:627 contos, conforme valores corrigidos em 1943. A Junta declara no seu relatório para 1937 que tomou como norma orientadora da sua acção as seguintes palavras de Salazar: «Há que pôr de lado o nosso tradicional método dispersivo e fazer com que a rapidez da execução de cada obra permita tirar das somas gastas a utilidade possível. E pensamento dominante da Administração nada se fazer sem planos, de não os modificar em plena execução e de não os demorar em meio, para trocar por programas que chamarei de apetite».
Porém, neste momento verifica-se que nem tudo correu como foi .previsto, e compreende-se que assim seja. Uma obra desta vastidão, que excedeu tudo o que tínhamos concebido até hoje, tinha necessariamente de realizar-se com precauções, para evitar surpresas de ordem técnica, não experimentada neste campo de acção, e pela necessidade de ver confirmadas as previsões económicas, designadamente o custo da produção depois de onerada viu os encargos resultantes das obras e a possibilidade de colocação dos produtos, vindos ao mercado em maior quantidade. Esta precaução foi, aliás, recomendada por esta Assembleia em 1944, quando pediu cuidado, a propósito de reclamações apresentadas pelos interessados e a que a Junta respondeu no seu relatório de 1941-1944, com elementos elucidativos. Ainda é de considerar o imponderável que foge à acção dominadora do homem e às suas previsões. Houve que sofrer
as consequências do período incerto da guerra, que se reflectiram em todos os sectores da previsão.
Os planos de 1937, apresentados pela extinta Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola e aprovados «pela Câmara Corporativa, encontram-se presentemente na seguinte situação:
Obras concluídas: paul de Magos, paul de Cela, campos de Loures, campos de Burgães, campos de Alvega, campina da Idanha (1.ª parte) e veiga de Chaves.
Obras a concluir no corrente ano: vale do Sado (1.ª e 3.ª partes).
Obras em curso: vale de Campilhas e campina da Idanha (2.ª parte).
Obras paradas: campinas de Silves, Portimão e Lagoa.
Projectos concluídos: campos do Mondego, vale de Vilariça e do Sabor e vale do Sorraia e lezíria de Vila Franca.
Projectos em estudo e organização: campinas de Taro, campinas de Tavira e Vila Real de Santo António, campos do Ribatejo e vale do Sado (3.ª parte e curso superior).
No fim do corrente ano, último do plano, verifica-se o seguinte:
Que dos vinte planos podem considerar-se concluídos oito, incluindo o do vale do Sado (1.ª e 2.ª partes) a concluir até ao fim de 1950;
Que da área de 125:442 hectares a beneficiar ficarão beneficiados 14:050 hectares;
Que dos 1.978:627 contos se gastaram até 1944 209:536 contos;
Que dos 466 milhões de kWh serão produzidos 14 milhões depois de concluídas as obras do vale do Sado (1.ª e 2.ª partes).
A Lei n.º 1:949, de 15 de Fevereiro de 1937, e os Decretos n.ºs 28:652 e 28:653, de 16 de Maio de 1938, vieram regular a situação jurídica e administrativa desta obra de fomento agrícola. Nem tudo, porém, tem corrido conforme o legislado, tendo havido mesmo certa resistência na constituição da Associação dos Regantes.
O relatório da extinta Junta de 1941 a 1944 dá acerca dos resultados obtidos nas obras concluídas e em exploração detalhadas indicações. Pode-se concluir, pelo que diz, que são satisfatórios.
Paul de Magos. - A obra beneficia uma área de 535 hectares. Os resultados para a Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, que aproveita deste melhoramento cerca de 450 hectares, parece que só a partir de 1945 passaram a ser visíveis, pela elevação das rendas. Para os rendeiros o saldo de receitas, depois de abatidas as despesas de renda e rega, foi em 1944 7.424$ por hectare ou, referida a produtos, 3:334 quilogramas de arroz, que era antes da obra, respectivamente, 1.581$ ou 1:265 quilogramas de arroz.
Paul de Cela. - A obra beneficia uma área de 455 hectares.
O saldo da receita, depois de descontadas as taxas e contribuições, foi em 1943 4.425$67 ou, referido a produtos, 2:097 quilogramas de trigo, o que era antes da obra, respectivamente, 307$49 ou 159 quilogramas de trigo.
Campo de Loures. - A obra beneficia uma área de 736 hectares. O saldo da receita, depois de descontadas as taxas ê contribuições, foi em 1944 de 9.557$47 ou, referido a produtos, 4:016 quilogramas de trigo.
Campo de Burgães. - A obra beneficiou uma área de 168 hectares. O saldo da receita, depois de descontadas as taxas e contribuições, foi em 1944 de 10.812$ ou, referido a produtos, 8:009 quilogramas de milho, o que era antes da obra, respectivamente, 2.328$59 e 1:973 quilogramas de milho.

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Campos de Alvega. - A obra beneficia 422 hectares. O saldo da receita, depois de descontadas as taxas e contribuições, foi em 1941 de 2.358$ ou, referido a produtos, 2:752 quilogramas de milho, o que era antes da obra, respectivamente, 1.577$ e 2:084 quilogramas de milho.
Estes números-índices representam escudos e produtos para evitar conclusões erradas em resultado de diferenças de preço dos produtos da produção, e é esta que interessa. Estes números dão uma ideia de que se está num bom caminho e que merece a pena continuar com fé e coragem.
No plano a que me referi constavam três projectos de obras de reconhecido interesse para o Algarve e a eles me vou também, muito resumidamente, referir:

Campinas de Silves, Lagoa e Portimão.
Campinas de Faro.
Campos de Tavira.

Escreveu-se nesse plano o que o ilustre professor engenheiro agrónomo Rui Mayer disse numa conferência que fez na Universidade de Coimbra: «Não faltam em Portugal as zonas onde os melhoramentos hidráulicos poderiam oferecer proveitosíssima transformação, estando neste caso toda a costa sul do Algarve, na qual a água não abunda, mas permite mesmo em pequena quantidade que se obtenham resultados maravilhosos». E acrescentou: «Em verdade, cremos que não existe em Portugal, incluindo o caso especial do Minho, região onde a água de rega exerça maior acção fomentadora de riqueza e onde o trabalhador da terra tenha pela sua utilização maior apreço do que no Algarve».
E, depois de uma referência ao regime de pequena propriedade e à excelência dos produtos hortícolas e frutos do Algarve, e a propósito da obra projectada para as campinas de Silves, Lagoa e Portimão, o que pode muito bem aplicar-se para quase toda a região do Algarve, escreveu-se ainda: «São factores de ordem económica e social que imprimem ao problema da rega algarvia feições distintas das de outras zonas irríguas do continente e dão ao custo das obras de obtenção i1 distribuição de águas da rega aspecto económico inteiramente diverso dos outros projectos apresentados pela Junta, aprovados e em execução».
Posto assim o problema em 1937, pareceria que as condições d« preferência de ordem social e económica que os recomendavam lhe tivessem dado impulso tal que hoje já a água regaria as terras ressequidas do Algarve, dando-lhe a prosperidade merecida e prevista e ao País a satisfação de poder utilizar os seus primores com abundância. Temos de constatar, apesar de tudo, e com tristeza, que a situação é bem diferente.
A obra de irrigação dias campinas de Silves, Portimão e Lagoa foi aprovada em 10 de Abril de 1937 por S. Ex.ª o Presidente do "Conselho.
Devia estar concluída em 1941, beneficiando uma área de cerca de 1:900 hectares de terra bastante árida. Da sua execução estavam (previstos os seguintes índices de valorização para as terras a beneficiar:

Para valor de produção......................... 2,86
Para rendimento líquido........................ 3,27
Para contribuições............................. 8,15
Para lucro líquido de exploração agrícola...... 1,46
Para beneficiação total........................ 1,65

Além da valorização daquelas terras e da riqueza nacional, resultava da sua execução a solução de um problema de ordem higiénica e económica que muito aflige os povos das regiões a beneficiar.
Quero referir-me à falta de água para a satisfação das suas necessidades mais elementares, a qual tem de ser procurada longe, com prejuízo do labor normal dos Campina de Faro. - Esta obra propunha-se irrigar cerca de 750 hectares de terrenos férteis, porém impossibilitados de produzir o máximo pela escassez das chuvas. Tem características diferentes, destina-se a colher água em poços artesianos não repuxantes. Segundo o projecto que foi apresentado em 1939, a água pesquisada tinha capacidade para regar toda a campina. A obra devia estar terminada em 1942. Julgo que esta obra já não está na preocupação das entidades dirigentes deste sector de ressurgimento, pelo facto de alguns proprietários, em virtude da demora na execução da obra e sabendo que na sua terra havia a água de que necessitavam, a colheram por sua conta e ainda pela cedência de um dos furos para abastecimento de água à cidade de Faro. Julgo que só por isto não deve ser abandonado o projecto, mas sim revisto à luz da situação presente.
Foi previsto o seguinte resultado económico, aumento de:

Percentagens

Rendimento líquido.............................. 316
Contribuições................................... 316
Lucro líquido................................... 214

Campos de Tavira. - O estudo inicialmente feito propunha-se irrigar uma área de cerca de 3:000 hectares, entre Tavira e Fuseta, tendo sido alargada para 7:500 hectares com a inclusão das campinas de Vila Real de Santo António. O projecto devia estar concluído em 1943, mas ainda está em organização.
Foi previsto o seguinte resultado económico no aumento de:

Percentagens

Rendimento líquido......................... 239
Contribuições.............................. 243
Lucro líquido.............................. 148

Pelo que acabo de expor muito resumidamente e apenas o que me parece necessário para chamar a atenção do Governo, verificam VV. Ex.ªs a pouca sorte da província do Algarve na execução do plano de hidráulica agrícola de 1937. Isto apesar do que disseram distintos técnicos da extinta Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola. O Algarve é região recomendada para a execução de obras desta natureza e é exactamente no Algarve onde existe a única obra paralisada.
A distância que separa o Algarve do Terreiro do Paço é grande e as suas aspirações e queixumes não se ouvem ali. O espírito de resignação dos seus filhos, endurecidos na luta diária com a terra ingrata para lhe arrancar o pão de cada dia, fá-los aguardar ainda com angélica paciência que o Governo mande que as entidades competentes também cuidem deste canto da terra portuguesa.

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E eu, que nesta Assembleia os represento, ergo a minha voz em seu nome, pedindo ao Governo que ao Algarve seja dado o que justamente necessita, numa acção política em que não haja filhos e enteados. Nós às vezes sentimo-nos enteados.
Nós bem merecemos da situação a que demos no seu raiar valiosa contribuição e que só a modéstia dos seus filhos tem conservado em silêncio.
Eu quero referir-me àqueles soldados algarvios de infantaria n.º 33, aquartelados em Lagos, que na madrugada de 28 de Maio já estavam às portas de Alcácer do Sal, enquanto nas outras guarnições, incluindo Urtiga, justamente chamada, berço da Revolução porque foi lá que ela se ganhou com a arrancada do marechal Gomes da Costa, à frente dos valentes e briosos soldados do Minho. Mas aos soldados do Algarve cabe a honra de terem sido os primeiros a arrancar e depois a entrar em Lisboa, ainda quando a guarnição dessa cidade se mantinha esfíngica. Foram estas tropas do Algarve que no Sul deram vida à Revolução. Tal como no Norte as do Minho.
Nós bem merecemos da Situação, ainda porque lhe demos um dos nossos comprovincianos mais ilustres, que foi unidos mais ilustres Ministros. Inteligência superior, alta visão dos problemas nacionais, faculdades incomparáveis de realizador. Tão grande foi que em toda a terra portuguesa há alguma coisa a assinalar a sua passagem pelo Governo. A Revolução deu tudo o que trazia no pensamento e no coração e até a própria vida.
Vou terminar com resumidas considerações, pois não desejo abusar por mais tempo da benevolência, de V. Ex.ª, Sr. Presidente, que recomendou que fosse breve, nem da paciência dos Srs. Deputados que me escutam.
A crise da lavoura afecta de maneira geral a terra portuguesa, apresentando, porém, formas diferenciadas de região para região, e por isso têm de ser encontradas soluções e tomadas providências também diferenciadas, em hora orientadas para um objectivo comum. Promover d progresso económico e dar segurança social.
Soluções perfeitas não as há num mundo imperfeito e muito menos onde temos elementos que o homem não domina. Não apresento uma solução, o que seria pretensioso.
Mas atrevo-me a fazer uma afirmação e uma pergunta.
A afirmação: a rega é elemento seguro e experimentado de valorização da produção e de mais trabalho.
Se for encontrado um elemento de solução, deve-se explorar o sucesso.
A pergunta: tratando-se de um emprego de capital ao serviço de uma obra de tanta projecção económica e social, reembolsável com juros e garantido pela própria terra valorizada, não é de admitir fazer vir a ela o capital necessário, mesmo recorrendo a crédito externo?
Não devemos ser pessimistas e confiemos em que o Governo, ouvindo os nossos alvitres e sugestões, sentindo o desejo e dedicação que nos anima, resolverá como for possível e com oportunidade. Só ele, com os elementos de informação que possui e nós não dispomos, com os meios que pode utilizar, com o saber de experiência feito, tantas vezes posto à prova, pode dar-lhe remédio conveniente na sua urgência, interdependência económica e dependência financeira.
A nós cabe continuar colaborando activamente e estabelecer o contacto entre o povo que nos elegeu e o Governo, trazendo até aqui a sua voz no que tiver de justo, digno e construtivo.
Diz-se que a voz do povo é voz de Deus. Nem sempre assim é. Neste caso podemos afirmar que é bem a voz de Deus que se ouve nesta sala pedindo pão para todos os portugueses.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Declaro interrompida a sessão por alguns minutos.
Eram 19 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lourinho.

O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: em nome dos Deputados que intervieram no debato peço licença para apresentar a moção que passo a ler:

Moção

«A Assembleia Nacional, considerados o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Galiano Tavares e a existência de uma grave crise de trabalho rural no Alentejo e regiões limítrofes, por um lado, e, por outro, a impossibilidade de a empresa agrícola continuar a suportar os efeitos do desemprego, na medida ou nos termos em que tem sido obrigada a suportá-los, exprime o voto de que o Governo:
1.º Reveja com urgência os contratos colectivos de trabalho;
2.º Estude as medidas adequadas à modificação da economia agrícola, de modo a eliminar por forma estável a acuidade das crises;
3.º Tome, no entretanto, as disposições possíveis para acudir à emergência.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 27 de Janeiro de 1950. - José Garcia Nunes Mexia, António Cortês Lobão, António Bartolomeu Gromicho, Jaime Joaquim Pimenta Prezado, António de Matos Taquenho, Francisco Cardoso de Melo Machado, Manuel Hermenegildo Lourinho o João Antunes Guimarães.

O Sr. Presidente: - Não está inscrito mais nenhum Sr. Deputado para usar da palavra sobre o aviso prévio em discussão. Considero, portanto, encerrado o debate.
Vai passar-se à votação da moção apresentada polo Sr. Deputado Manuel Lourinho, que a Assembleia acabou de ouvir ler.
Submetida à aprovação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão, mas antes quero dizer à Assembleia que, para melhor eficiência dos seus trabalhos, é de aconselhar a interrupção do seu funcionamento efectivo por algum tempo.
Com efeito, estão na Câmara Corporativa alguns diplomas importantes, propostas de lei que o Governo enviou àquela Câmara, como sejam a proposta de lei sobro a reorganização do ensino das belas-artes, a proposta de lei relativa à constituição do Fundo de teatro e ainda uma proposta sobre a luta antituberculosa.
Passaram também àquela Câmara recentemente, como VV. Ex.ªs sabem, duas propostas de lei em que se transformaram dois decretos-leis que vieram à ratificação da Assembleia: um relativo à reforma dos serviços de registo e do notariado e outro sobre a reorganização do serviço meteorológico nas colónias e ainda hoje à mesma Câmara foi remetido o projecto de lei do Sr. Deputado Tito Arantes, sobre alterações na lei do inquilinato.
Por outro lado, é conveniente dar tempo aos serviços para a organização dos elementos indispensáveis ao

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esclarecimento de certas questões e avisos prévios anunciados nesta Assembleia.
Para que, pois, o trabalho desta Assembleia seja eficiente, quer dizer, para que ela possa aproveitar bem o tempo que ainda lho resta, é indispensável que se interrompam, repito, os trabalhos desta Assembleia.
E para que os incómodos que do facto resultam para os serviços e aos Srs. Deputados sejam reduzidos ao mínimo, essa interrupção só produzirá efeitos a partir de 1 de Fevereiro e durará todo este mês.
Assim, usando da faculdade conferida pelo § único do artigo 94.º da Constituição, declaro interrompido o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional a partir de 1 de Fevereiro e durante todo esse mês.
Esta interrupção não prejudica a duração fixada no mesmo artigo para as sessões da Assembleia e produz os efeitos constitucionais do encerramento da sessão legislativa pela expiração do tempo legal do seu funcionamento.
Oportunamente será. indicada a ordem do dia da primeira sessão a realizar quando a Assembleia retomar os seus trabalhos.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António de Almeida.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Antão Santos da Cunha.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourao.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Alves de Araújo.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Projecto da lei a que se referiu o Sr. Presidente durante a sessão:

A Lei n.º 2:030, de 22 de Junho de 1948, trouxe ao regime de inquilinato que antes vigorava, incontestáveis vantagens.
Mas, como era inevitável, apesar dos notáveis trabalhos que acompanharam a sua elaboração, contém algumas lacunas e injustiças que em ano e meio de vigência melhor houve tempo de se revelarem.
Por outro lado, às vexes, mesmo onde a lei é explícita e justa, têm surgido nos tribunais várias decisões que manifestamente não se coadunam nem com a sua letra nem com o seu espírito. Nesses casos é, pois, conveniente interpretar autenticamente a vontade do legislador.
Não há a pretensão de resolver todas essas dúvidas e deficiências no presente projecto de lei. inclusivamente porque melindres de ordem especial forçam o signatário a abster-se de focar determinados sectores da Lei n.º 2:030.
Por outro lado, houve, como é natural, a preocupação de não alterar nada de substancial nos princípios fundamentais que informam aquele diploma.
Porém, supomos que as inovações propostas são susceptíveis de introduzir sensível melhoria na meia dúzia de pontos a que respeitam.
Assim, quanto à avaliação de estabelecimentos comerciais ou industriais, um que as comissões avaliadoras actualizam as rendas sem curar de saber se a natureza do comércio exercido nos locais comporta tal elevação, propomos uma solução que, sem ferir os interesses dos senhorios, tende contudo a tornar menos aflitiva a situação de numerosos inquilinos.
Quanto à livre fixação de renda em caso de sublocação, resolveram-se dúvidas sobre a obrigatoriedade do seu pagamento e o processo de despejo a adoptar.
Sobre casos de compropriedade definiu-se em que termos é possível aos senhorios obter o despejo por carecerem da casa para sua habitação.
Definiram-se os limites, que parecem justos, do despejo imediato intentado pelos herdeiros dos senhorios, com o fundamento de carecerem da casa.
Com referência a esta acção de despejo, proibiu-se expressamente determinada forma de fraude à lei.
Finalmente, acerca das formalidades dos arrendamentos de prédios rústicos anteriores à Lei n.º 2:030, onde estavam instalados estabelecimentos comerciais e industriais com assentimento do senhorio, tomou-se idêntica atitude à que fora adoptada, para os mesmos estabelecimentos quando instalados em prédios urbanos.
É natural que, além destes pontos tratados no presente projecto, outros surjam aquando da sua discussão, trazidos por outros Srs. Deputados, inclusivamente sobre aspectos da lei que, com grave desprestígio para os tribunais, estes estão desde já interpretando pela forma mais oposta.
E todos estes materiais que se forem carreando talvez contribuam para convencer o Governo da necessidade, cada mais urgente, da publicação de um Código de Inquilinato.

ARTIGO 1.º

1. Quando as comissões de avaliação referidas no artigo 57.º da Lei n.º 2:030 reputarem que a natureza do comércio ou indústria exercidos no local pelo arrendatário não é de molde a suportar a renda actualizada resultante da nova avaliação, os avaliadores indicarão, além dessa renda, qual a máxima compatível com o aludido ramo de comércio ou indústria, e será esta que o senhorio poderá logo exigir.
2. Contudo, o senhorio terá direito à renda integral actualizada desde que notifique judicialmente o inquilino de que o autoriza a utilizar ou fazer cessão do local para qualquer ramo de comércio ou indústria, salvo os insalubres, incómodos, perigosos ou manifestamente impróprios da categoria e localização do prédio.

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3. Neste caso a renda integral principiará a ser exigível no semestre seguinte àquele em que tiver terminado a actualização da renda correspondente ao ramo exercido, mas nunca antes de decorridos sessenta dias sobre a efectuação da notificação.
§ único. Nas avaliações já efectuadas o arrendatário poderá requerer que a comissão declare, se for caso disso, qual a renda compatível com o ramo exercido, nos termos do n.º 1.
Se tal renda for inferior à já fixada pela comissão de avaliação, o inquilino poderá passar a pagar a renda mais baixa, observando-se depois, na parte aplicável, o disposto nos n.ºs 2 e 3.

ARTIGO 2.º

À renda, que, nos termos legais, for livremente fixada pelo senhorio, nos casos de sublocação, torna-se obrigatória para o inquilino, e o seu não pagamento pode ser alugado como fundamento e acção de despejo, salvo se o montante dessa renda revelar abuso de direito.

ARTIGO 3.º

Em caso do compropriedade, o despejo facultado pela alínea b) do n.º 3.º do artigo 69.º da Lei n.º 2:030 só pode ser exercido com referência a um único arrendatário, e por aquele ou aqueles dos com proprietários que representem por si, ou pela concordância dos consortes, mais de 50 por conto de interesse na causa comum.

ARTIGO 4.º

O n.º 1.º da alínea b) do artigo 69.º da Lei n.º 2:030 é alterado, aditando-se no final, em seguida à palavra «sucessão», a palavra «legitimária».

ARTIGO 5.º

Para a procedência da acção de despejo, nos termos da alínea b) do artigo 69.º da Lei n.º 2:030, o senhorio tom de provar, além do mais, que se deixou de ter casa própria ou arrendada há mais de um ano, nos termos do n.º 2.º da citada alínea, não foi com propósito deliberado de obter com tal fundamento o despejo do inquilino.

ARTIGO 6.º

Aos arrendamentos de prédios rústicos ou mistos celebrados antes da publicação da Lei n.º 2:030 onde funcionem com assentimento do senhorio estabelecimentos comerciais ou industriais é aplicável o n.º 4.º do artigo 81.º da referida lei, desde que a data da sua aplicação não houvesse litígio pendente.

ARTIGO 7.º

Esta lei é aplicável aos arrendamentos de pretérito.

O Deputado Tito castelo Branco Arantes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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