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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 41
ANO DE 1950 1 DE ABRIL
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º41 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
Em 31 de MARÇO
Presidente: Exmo. Sr.Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho a proposta de lei sobre a luta contra a tuberculose, já com o parecer da Câmara Corporativa, c o Decreto-Lei n.º 37:796, para o efeito do § 3.º do artigo 109.º da Constituição; e da Câmara Corporativa o parecer sobre o projecto de lei de alterações à lei do inquilinato, da autoria do Sr. Deputado Tito Arantes.
O Sr. Deputado Pimenta Prezado ocupou-se da situação dos pequenos lavradores e seareiros que não podem pagar as suas dividas à Caixa Nacional de Crédito.
O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu sugeriu ao Governo que na sala dos Passos Perdidos seja perpetuada a memória do insigne orador António Cândido, para comemorar a passagem do centenário do seu nascimento.
O Sr. Presidente reforçou a sugestão daquele Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Abel de Lacerda requereu vários elementos pelo Ministério da Educação Nacional.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Tito Arantes efectivou o seu aviso prévio sobre o Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Escritório. Generalizado o debate, usaram da palavra os Srs. Deputados Caetano Beirão, Melo Machado, Bustorff da Silva e Mário de Figueiredo, que apresentou uma moção. A moção foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente interrompeu o funcionamento efectivo da Assembleia de 2 a 10 de Abril.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 36 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - Pareceres n.ºs 4/V e 7/V, respectivamente acerca da proposta de lei n.º 501 (luta contra a tuberculose) e do projecto de lei n.º 58 (alterações à Lei n.º 2:030 - inquilinato).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 48 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
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Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Pinto Meneres.
José Soares da Fonseca.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho e para efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 37:796, inserto no Diário do Governo n.º 64, de 29 do mês corrente.
Enviada pelo Sr. Presidente do Conselho, está na Mesa a proposta de lei sobre a luta contra a tuberculose, que tem já parecer da Câmara Corporativa.
Vai baixar à Comissão de Assistência desta Assembleia e vai ser publicada no Diário das Sessões, bem como o respectivo parecer da Câmara Corporativa.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Jacinto Ferreira na sessão de 11 de Janeiro.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pimenta Prezado.
O Sr. Pimenta Prezado: - Sr. Presidente: perdoe V. Ex.ª, perdoem-me os ilustres Deputados, que venha ocupar tempo, mais uma vez, para focar um assunto da lavoura alentejana, assunto da lavoura nacional.
Vou referir-me à exigência feita pela Caixa Nacional de Crédito para que os mutuários procedam à liquidação dos seus débitos em curtos prazos, sob pena de recurso à cobrança coerciva, pelos tribunais das execuções fiscais.
Muitos destes empréstimos tiveram o seu vencimento em 30 de Setembro. A Caixa tem vindo a insistir com os seus devedores, imprimindo nos últimos tempos - ao que me informam - maior consistência às suas ameaças de execução.
Eu desejava ser suficientemente persuasivo para transmitir a V. Ex.ªs, bem viva, a dolorosa impressão há dias recebida, quando me procurou um modestíssimo e honrado seareiro do concelho de Avis; lágrimas nos olhos, trémulo, aflito, porque se via executado, perdidas a sua casota de habitação e a parelha, auxiliar no amanho da terra, para poder pagar a sua dívida, porque encontrara fechadas todas as portas a que batera para conseguir os poucos contos que devia.
Situação absolutamente angustiosa a desse trabalhador da terra, afinal idêntica à de muitos outros, da mesma modesta classe, mas que afecta também pequenos e médios proprietários e, pode afirmar-se, até alguns grandes proprietários.
Na passada legislatura o Sr. Deputado Figueiroa Rego apresentou um aviso prévio sobre este mesmo assunto, que foi largamente discutido e apreciado.
Do discurso desse ilustre Deputado colhi leves apontamentos do muito e bem que disse e esclareceu.
Para esta minha intervenção podia, é certo, ter requerido farta documentação para apresentar trabalho bem fundamentado, mas afigura-se-me que ia fazer perder muito tempo a VV. Ex.ªs e pouco se ganharia para o esclarecimento das medidas urgentes que, em meu entender, se impõem.
Disse o Dr. Figueiroa Rego no seu discurso:
Não há exagero em asseverar que sobre a propriedade rústica e a agricultura pesa uma montanha de encargos, cuja altitude atinge cerca de 2,5 milhões de contos!
Se as facilidades de obter os créditos foram ou não exageradas ou perniciosas, se os créditos foram ou não inteira e exclusivamente gastos para fins agrícolas, são outras tantas questões que foram focadas e debatidas nesta Assembleia e que agora pouco elucidariam.
Estamos perante o facto: a lavoura portuguesa devia em 1948 2,5 milhões de contos; em 1950, pode afirmar-se, deve ainda mais, pois tem atravessado uma série de maus anos.
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Nesta quadra do ano agrícola, o grande, o médio, o pequeno, o pequeníssimo lavrador ou o seareiro não têm possibilidade de realizar capital, nem mesmo arrancado às garras do usurário.
A Caixa insiste no pagamento das dívidas e então ou as ameaças se consumam e os devedores são executados, ou não o são.
Apreciemos, numa rapidíssima análise, as duas hipóteses.
São executados, vendidos em hasta pública os imóveis, móveis e até semoventes. Triste espectáculo, reduzidamente rendoso para o Estado, quando se trata de pequenos proprietários ou seareiros; se são médios ou grandes lavradores, então a execução já pode ser mais compensadora para o Estado, mas cria-se uma situação paradoxal: aquilo que não se consente ao lavrador, ao homem dedicado à terra, que a trabalha, que para ela vive, vai facilitar-se ao comprador, que na maioria das vezes não é o lavrador; pode ser, quando muito, o lavrador capitalista.
Ao comprador faculta a Caixa o pagamento apenas de 50 por cento do capital da arrematação e prolonga o pagamento dos restantes 50 por cento por dez prestações.
Não se percebe lá muito bem a razão por que se dão facilidades de pagamento ao comprador e não se podem dar mais prazos ao lavrador, que deveria ser merecedor da maior protecção do Estado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na segunda hipótese, é apenas ameaça; não se efectua a execução, a Caixa quis só amedrontar, compelir à liquidação.
Ponho perante VV. Ex.ªs um pequeno lavrador aterrorizado, a perder dias a procurar os fundos para liquidar a dívida, inquieto, cheio de angústia, buscando a solução para o seu caso, para a sua negra sorte provocada por um anódino papelinho, endereçado por um funcionário indiferente à sorte e às dores de quem o recebe.
Devo esclarecer VV. Ex.ªs - e faço-o com a garantia da minha afirmação - que não contribuí, nem pouco nem muito, para aquele astronómico número de 2,5 milhões de contos da divida da lavoura.
Sr. Presidente: peço encarecidamente a V. Ex.ª que transmita o meu pedido, que é o pedido de muitos lavradores alentejanos, e insista especialmente, em nome dos pequenos, dos humildes, para que o Governo da Nação atenda o meu apelo.
Estamos esperançados, graças a Deus, num bom ano agrícola.
Se o Sr. Ministro das Finanças, a quem o País tanto deve, mandar suspender as execuções até à nova colheita, mandar cessar as ameaças, que criam intranquilidade, presta, num bondoso acto, bom serviço ao País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E se as colheitas não forem fartas e mais um ano de miséria se somar aos passados, parece-me que não deveríamos continuar no mesmo caminho e se deveriam rever essas dívidas. Se se chegar à dolorosa conclusão de que muitos dos devedores estão insolventes, atrevo-me a lembrar ao Governo que as dívidas dos pequenos lavradores, dos seareiros, sejam perdoadas e facilitado o pagamento das dívidas dos médios e até dos grandes lavradores.
Não pensem VV. Ex.ªs que o procedimento do perdão de dividas agrícolas é inédito; outros países, em situação semelhante, tomaram idêntica medida.
Preconiza-se tal solução suave; mais além impõem-se outras fortemente drásticas, ameaçadoras da paz, da tranquilidade e do equilíbrio das nações.
Sr. Presidente: tenho a certeza de que a minha fraca voz não chegará a impressionar o Governo da Nação, se V. Ex.ª não a levar, reforçando-a com o seu incontestável prestígio pessoal e valioso interesse.
Eu lho agradecia.
Tento dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não posso acompanhar V. Ex.ª na falta de confiança na eficácia da sua voz junto do Governo, antes devemos crer que o Governo considerará o vosso apelo. E para isso conte V. Ex.ª com a minha boa vontade.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: passa agora o centenário do nascimento de António Cândido. Se ao País não é indiferente esta data, mais deve recordá-la o Parlamento, em cuja tribuna foi o maior orador de todos os tempos do século XIX e neste meio século decorrido depois.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É impossível traçar em breves palavras o perfil de António Cândido; e pretendê-lo seria jactância imperdoável, pois não se conciliava com a insuficiência dos meus recursos para tão elevado empreendimento, nem com a escassez de tempo para tão vasta biografia do grande orador, que se revelou também como ministro, conselheiro de Estado, lente catedrático, deputado, par do Reino e presidente da Câmara dos Pares, procurador-geral da Coroa, etc.
Como ministro do Reino, foi por sinal ele quem jugulou a revolta de 31 de Janeiro, e, no conceito de um biógrafo, «fê-lo com energia e firmeza; e, sem sobressaltos, não ouvindo vozes que lhe falavam a linguagem do ódio, nem se atemorizando com os gritos aterradores, procedeu serenamente ao apuramento de responsabilidades. Ao deixar de ser ministro estava extinto o pânico que passara nas regiões da política e a ordem inteiramente restabelecida».
Sr. Presidente: nem sempre é triste o jus da nossa idade, pois ficam a acompanhá-la indeléveis recordações de factos e de homens que a marcha implacável do tempo vai deixando pelo caminho e a morte - lei da vida - para sempre vai extinguindo.
Vivem, por mercê de Deus, muitos das gerações posteriores à de António Cândido, mas ainda suas contemporâneas; e, dos que nasceram antes da era de 900, fui dos novos que tiveram a rara ventura de ouvir e conhecer o eminente orador sagrado, académico e político.
Morto José Luciano de Castro em 1914, ouvi-o no Monte Crasto, que domina a minha terra, junto da sepultura do chefe e amigo, proferir a sua última oração em público ainda em pleno fulgor de todos os seus recursos. E recordo-me destas palavras eloquentes e profundas:
Não sei, em vista dos sinais do Céu, se a maior compaixão é devida aos que ficam, se aos que partem. Que nos trará o dia de amanhã na revolta incerteza das suas horas? O que sei é que na própria morte há um fundo de imensa piedade, cujo sentido oculto nos escapa quase sempre ...
Depois, frequentei um pouco a sua casa para nos ocuparmos dum número especial de O Direito, que José Luciano fundara e dirigira durante quarenta e sete anos.
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E pude apreciar a demorada atenção, o cuidado e escrúpulo que António Cândido punha nos seus escritos, e que, aliás, eram os mesmos que empregava nas modelares orações, formosíssimas, impecáveis na correcção, na forma, na dicção empolgante e sugestiva.
Sim: sob todos estes aspectos, António Cândido foi sem dúvida príncipe da oratória portuguesa, grande mestre da Língua e da arte de dizer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sua estreia parlamentar leve um sucesso clamoroso.
Descrevem-na os Perfis Contemporâneos:
António Cândido pareceu, durante essas palavras, que sucumbia numa síncope, tal era a palidez do seu rosto, o descorado dos seus lábios, a tremura das suas mãos. Pois mal se ergueu, transfigurou-se.
Como que uma augusta e calma serenidade lhe transluzia no olhar, da gentilíssima cabeça, e as primeiras palavras, na sua cadência dominadora e doeu, empolgaram logo, venceram todo o auditório.
A pouquíssimas frases, a sermo corporis, na frase de um grande escritor, a linguagem do corpo, que não é toda a eloquência, mas sem a qual não há eloquência, exercia o seu influxo poderoso. Que assombroso e colossal triunfo! Velhos parlamentares, duros e afeitos aos violentos combates da Câmara, enterneciam-se até às lágrimas ao apertá-lo nos braços.
Nos corredores, nas escadas, muitos que o não conheciam saudavam-no com entusiasmo. A oposição, pela voz do Sr. Hintze Ribeiro, declarou, como um preito de homenagem, cerrar sobre este discurso o debate, em que estavam ainda inscritos alguns dos mais notáveis oradores.
Em 1922 António Cândido recebeu uma consagração nacional, e na Câmara dos Deputados, em 6 de Março, o engenheiro Cunha Leal, sabendo da exiguidade dos seus recursos, num gesto nobre, apresentou um projecto de lei que equiparava a sua pensão de reforma como procurador-geral da Coroa ao total do vencimento do procurador-geral da República em exercício.
António Cândido, em muito atenciosa carta de 16 dirigida à Comissão de Finanças, rejeitou, altivamente, a concessão, alegando «estar inteiramente impossibilitado de aceitar qualquer beneficio público complementar da sua aposentação»; mas na sessão do dia 26, por proposta minha aprovada unânimemente, depois de lhe terem dado o seu apoio os representantes de todos os partidos, a Câmara dos Deputados decidiu que a Mesa, acompanhada desses representantes, tomasse parte na romagem pública do dia 31 a casa do tribuno.
Tamanho era o prestígio deste homem que a Câmara dos Deputados, composta de adversários intransigentes, não hesitou em compartilhar ostensivamente naquela consagração nacional.
Pois bem, Sr. Presidente:
Se o Parlamento da anterior República prestou tão expressiva homenagem a António Cândido, quando não se ignorava ter sido ele o ministro do Reino que dominara o 31 de Janeiro, mal parecia que, no seu centenário, não se manifestasse o Parlamento do Estado Novo, que nas glórias de antanho encontra fundas raízes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E ó, por coincidência, o mesmo Deputado que, na mesma sala e precisamente no mesmo lugar, lhe presta novamente homenagem, vinte e oito anos decorridos, já quando - ai de mim! - me estariam a fraquejar as forças, se me não iluminasse ainda o espírito e aquecesse o entusiasmo o calor irradiante da chama da Pátria, da minha Pátria, que amo cada vez mais estremecidamente ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E julgo que, perante aquele exemplo do pretérito, a nossa homenagem a António Cândido não deve limitar-se a estas palavras singelas e descoloridas, que seriam uma profanação se não tivessem um objectivo mais elevado e transcendente. É ele sugerir a V. Ex.ª e, se tanto é necessário, ao Governo de Salazar que na sala dos Passos Perdidos da Assembleia Nacional seja perpetuada, no bronze ou no mármore, a memória gloriosa do grande tribuno, num busto, na medalha do seu perfil romano ou na águia simbólica - pois «águia do Marão» o chamou Camilo -, que exprima nas suas asas os voos da eloquência que o elevaram aos fastígios da glória, culminada com fulgurância inigualável, ao encerrar em público a sua boca, desta forma lapidar:
E diante das tentações do nada, diante das visíveis destruições da morte, acreditemos firmemente na imortalidade do espírito: e ante as desordens da hora presente, os aparentes retrocessos da história, os eclipses do mundo moral, que passam como sombras, proclamemos bem alto a ininterrupta continuidade da civilização e a suprema realidade de Deus.
De onde se conclui que António Cândido, ao despojar-se do munos sacerdotal, depois de ter sido o maior orador sagrado do seu tempo, não negou Deus, não apostatou: secularizou-se por compreensível escrúpulo, pois - disse-o - «não possuía as qualidades e virtudes precisas à vida eclesiástica». Sem embargo, supõe-se que Pio IX, em presença da sua vida virtuosa e da palavra mágica, que tanto prestigiava o púlpito, teria pretendido evitar a renúncia.
Ah! Sr. Presidente, se V. Ex.ª, sempre compreensivo e solicito na defesa do prestígio deste poder do Estado, se dignar conceder-me a honra de aceitar e dar corpo e vida àquela sugestão, que suponho traduzir o pensamento da Assembleia Nacional, não glorifica apenas o homem e, através dele, a bela arte da oratória: glorifica também a instituição parlamentar, que todos e cada um de nós, dentro de ideais e condicionalismos próprios, desejamos enobrecida e prestigiada.
Mas relevem-me, senhores, as deficiências do patrocínio nesta causa sublime.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu: segui com emoção a comovida homenagem que V. Ex.ª quis prestar nesta Assembleia Nacional à memória de António Cândido e recebi do mais íntimo do meu coração a sugestão que V. Ex.ª fez para que a memória de António Cândido seja perpetuada dentro desta Assembleia Nacional. Fez muito bem V. Ex.ª em assinalar a passagem do centenário do nascimento dessa grande figura de parlamentar e de português que foi o eminente orador António Cândido, que, se foi grande orador, se foi grande parlamentar, foi um carácter eminente, que na austeridade da sua vida, na arte inigualável da sua eloquência e na correcção e dignidade das suas atitudes conseguiu o respeito dos seus adversários e a veneração de toda uma geração. Foi-me grato ouvir, por
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isso, a voz oportuna e justiceira de V. Ex.ª, Sr. Deputado Cancela de Abreu. Não me escapou a comoção enternecida com que V. Ex.ª evocou a homenagem há vinte e oito anos prestada à memória de António Cândido.
É bom, de vez em quando, esmaltar a vida destas instituições com incidentes desta natureza, que põem uma nota de serenidade, uma nota de compreensão, uma nota de solidariedade em frente do mérito e da virtude, uma nota de paz nas nossas paixões e nas nossas lutas. E até como prelúdio duma sessão em que, pressinto, porventura, que os sentimentos e as ideias atingirão uma elevada temperatura, V. Ex.ª foi hoje rigorosamente oportuno. Felicito V. Ex.ª e estou certo de corresponder ao pensamento da Câmara associando-me em nome dela à homenagem ao grande orador que foi António Cândido Ribeiro da Costa, cujo desaparecimento foi um luto inextinguível para a arte de dizer - a grande arte, a maior de todas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para agradecer a V. Ex.ª as suas palavras generosas e a forma como acolheu a minha sugestão, o que é para nós grande esperança duma realidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: pretendendo tratar de alguns problemas relacionados com o ensino primário, pedi a palavra a fim de enviar para a Mesa um requerimento.
Antes, porém, e atendendo ao facto de ser a primeira vez que uso da palavra nesta Casa, quero testemunhar a V. Ex.ª a minha maior admiração e respeito, bem como a todos os meus colegas, a quem apresento cordiais saudações.
O requerimento a que aludi é o seguinte:
Requerimento
«Requeiro que me sejam fornecidos, petos estações oficiais competentes, os seguintes elementos:
N.º 1):
a) Número de professores e professoras do ensino primário nos anos lectivos de 1936-1937 e de 1949-1950;
Idem de regentes escolares;
b) Respectivas remunerações em 1936-1937 e actualmente;
c) índice do custo de vida de então e de agora;
d) Na política de protecção ao trabalho desenvolvida pelo Subsecretariado das Corporações, a quem correspondem tais vencimentos?
N.º 2
a) Número de escolas primárias (salas de aula) existentes em 1926;
b) Construídas pela Situação;
c) Ainda a construir, ao abrigo do Plano dos Centenários.
N.º 3
a) Rendimento escolar:
Exames do ensino primário em 1936-1937 e no último ano lectivo;
Qual a matricula?
b) Idem em 1925-1926».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Tito Arantes, para efectivar o seu aviso prévio sobre a carteira profissional dos empregados de escritório.
O Sr. Tito Arantes: - Sr. Presidente: ao pedir para tratar em aviso prévio do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Escritório não tive a pretensão de trazer a esta Assembleia qualquer elemento novo de esclarecimento.
Com efeito, o ilustre Sr. Deputado Melo Machado, nas suas duas intervenções sobre o assunto, já focou, com o costumado brilho e independência, os aspectos primaciais da questão, que, aliás, já anteriormente foram também sublinhados nesta Casa pelo nosso distinto colega Sr. Dr. Antunes Guimarães.
Se apesar disso me decidi a trazer novamente, e por uma forma mais solene, digamos assim, o problema à colação, foi sómente porque me parece indispensável, tal a importância e alcance das teses em debate, que a Assembleia Nacional possa ter a oportunidade de manifestar, querendo, por um modo mais expresso, o seu sentir acerca do diploma aprovado por S. Ex.ª o Sr. Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.
Por mim, desde já digo que considero o citado regulamento um diploma manifestamente infeliz e inconveniente, tanto na sua generalidade (salvo no tocante à criação da carteira) como na maior e principal parte das disposições respeitantes a sua especialidade.
Antes, porém, de entrar na crítica deste diploma, quero prestar gostosamente a minha homenagem ao Sr. Subsecretário de Estado que o assina.
Há que fazer justiça às suas boas intenções, ao seu desejo de cumprir, ao esforço, a que não se poupa, de produzir trabalho útil.
Desta vez, porém, salvo o devido respeito, S. Ex.ª errou, o que é humano. E errou - estou persuadido - porque outros, que tinham por dever elucidá-lo, o informaram mal (apoiados), convencendo-o de que a regulamentação apresentada constituía uma aspiração veemente da grande maioria da classe dos empregados de escritório, quando, ao contrário, tal regulamentação é repelida - excepção feita dos diplomados com cursos de comércio - pela quase totalidade das pessoas a quem se dirige e pela totalidade das empresas patronais.
Apoiados e não apoiados.
Grande parte da imprensa de todo o País - O Século, o Diário Popular, a República, O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto, jornais de Évora, Setúbal, Espinho, etc. - tem-se feito eco dos protestos, das queixas, das revoltas, que por toda a parte a publicação do novo regulamento suscitou.
Alguns desses jornais - tenho disso pessoalmente conhecimento - têm recebido dos seus leitores numerosíssimos aplausos e incitamentos por motivo da atitude assumida.
Ao nosso ilustre colega Sr. Melo Machado tem chegado também de todos os pontos do País as mais entusiásticas e valiosas adesões; e até eu próprio as tenho recebido sòmente pelo simples anúncio deste aviso prévio.
Para contrabalançar estas manifestações desinteressadas, independentes e espontâneas, já V. Ex.ª, Sr. Presidente, sabe qual foi a táctica da comissão administrativa - nem sequer é uma direcção eleita - do Sindicato Nacional dos Empregados de Escritório do Distrito de Lisboa: oficiar para todos os outros sindicatos, a pedir para promoverem o envio de muitos telegramas de protesto contra a atitude do Sr. Deputado Melo Machado!
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Nós aqui não precisamos de claque para representar o sentido da vontade nacional!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O interesse levantado à volta deste regulamento dispensa-me, Sr. Presidente, de referir desde já pormenorizadamente em que é que ele consiste.
Todos sabem que se trata de um diploma que burocratiza todos os empregados no comércio, de advogados, médicos, engenheiros, etc.
Para ingressar normalmente na profissão é necessário satisfazer a determinados requisitos; para se ser promovido dentro das sete categorias hierárquicas estabelecidas é necessário normalmente fazer determinados exames, versando, entre muitas outras matérias, geografia económica, organização corporativa, direito comercial, economia política, estatística e orçamentologia; em caso algum os patrões podem dar aos seus empregados categoria superior à constante da sua carteira profissional, sem a qual não pode exercer-se a profissão, etc.
Como V. Ex.ª vê, Sr. Presidente, os donos dos escritórios deixam de ser patrões dos seus empregados: outros lhes estabelecem as condições de ingresso; outros os examinam; outros os classificam e promovem; os patrões ... apenas pagam. Só isso.
A primeira consideração que salta ao espírito ao aflorarmos esta questão é que um problema de semelhante magnitude, que na sua extensão abrange dezenas e dezenas de milhares de portugueses, espalhados pelo País inteiro, e que em profundidade representa uma autêntica revolução nos nossos hábitos tradicionais, nunca devia ser resolvido pela forma por que o foi, através dum simples despacho, eclipsado na penumbra da 2.ª série do Diário do Governo.
Matérias de muito menor projecção, de muito menor importância, são todos os dias decididas por decretos, ou até por decretos-leis, de que todos os interessados logo tomam conhecimento pela 1.ª série do Diário do Governo.
Não aconteceu assim desta vez porquê?
Porque o Sr. Subsecretário de Estado entendeu poder usar, na hipótese, da faculdade conferida pelo artigo 3.º do Decreto n.º 29:931, de 15 de Setembro de 1939.
Mas poderia?
Diz esse artigo 3.º:
Compete ao Subsecretário de Estado das Corporações determinar as profissões em relação às quais a carteira profissional é título indispensável ao respectivo exercício.
Mas que profissões suo essas cujo acesso o Sr. Subsecretário pode vedar de uma simples penada?
O relatório do decreto elucida sobre qual era a intenção do legislador:
A par desta faculdade, atribui-se também competência ao Subsecretário de Estado das Corporações para conceder a carteira profissional a profissões mais especializadas.
A profissões mais especializadas.
Ora não há profissão menos especializada, isto é, mais genérica, mais amorfa, mais indistinta, que a dos empregados de escritório.
Por conseguinte, não podia estar, pelo menos, no espírito do Decreto n.º 29:931 estabelecer uma carteira profissional como título indispensável ao exercício de semelhante profissão.
Note-se que me parece razoável a criação da carteira, mas a autorização invocada pelo Sr. Subsecretário de Estado ao proferir o seu despacho afigura-se-me, pelo menos, de duvidosa legalidade.
Mas será mesmo constitucional?
Nos termos do n.º 7.º do artigo 8.º da Constituição, constitui direito e garantia individual dos cidadãos portugueses
... a liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, salvas as restrições legais requeridas pelo bem comum.
Pergunto: as gravíssimas restrições que o despacho publicado em 14 de Fevereiro último impôs à liberdade de escolha de uma das profissões mais vulgares e acessíveis de que podiam lançar mão os cidadãos portugueses foram realmente requeridas pelo bem comum?
Respondo convictamente: não foram.
Foram requeridas por certo grupo de profissionais, ou, melhor dizendo, pelos diplomados de certas escolas, que pretendem transformar o campo aberto da profissão dos empregados de escritório em feudo exclusivo seu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Logo as restrições do regulamento são inconstitucionais.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª diz que não são constitucionais porque não são harmónicas com o bem comum?
O Orador: - Nem mais nem menos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Assim está certo, dada a interpretação do bem comum feita por V. Ex.ª Se não fosse a ligação com o bem comum que V. Ex.ª faz, chegaríamos a esta conclusão: que não era preciso o diploma de engenheiro para se exercer esta profissão, ou o de médico ou o de advogado, etc.
Mas, com base na consideração feita por V. Ex.ª, é impossível demonstrar que o regulamento é inconstitucional, porque não cabe a V. Ex.ª determinar por forma autêntica o que é o bem comum.
O Orador: - A mim não. Mas esta Assembleia é que tem poderes para o fazer.
O Sr. Santos da Cunha: - Desejava que V. Ex.ª me demonstrasse que os empregados não tinham reclamado no sentido de serem postos a coberto da falta de justiça de certas entidades patronais.
O Orador: - Isso é um problema completamente distinto. Não me parece que a esse respeito se possa fazer qualquer prova nesta Câmara num sentido ou noutro.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu desejaria olhar o problema a outra luz.
Pode ser do maior interesse para a entidade patronal que se exija um condicionamento de ingresso na profissão, porque é evidente que um empregado com preparação suficiente pode produzir um rendimento muito maior do que um empregado com preparação insuficiente; e, sendo assim, a falta de um certo condicionamento para ingresso na profissão, a falta da carteira profissional, pode conduzir-nos a este resultado: o empregado não pode ser razoàvelmente pago, porque o ordenado atingiria todos os que estão nas mesmas condições de facto e que não produzem rendimento correspondente ao que se lhes paga.
Isto conduz a que, em matéria de salários, se tem de ficar aquém do que, em absoluto, seria justo, porque
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o rendimento do trabalho não permite que à justiça se ligue a economia da empresa.
Isto no ponto de vista da entidade patronal.
No ponto de vista do operário, ele pode não ver satisfeitos os seus pedidos de elevação de vencimento, não porque, em absoluto, o seu vencimento seja suficiente, mas porque o rendimento do trabalho de muitos é insuficiente, e, como a todos aproveitaria o aumento, a empresa não poderia suportá-lo.
O problema visto a esta luz pode conduzir-nos à conclusão de que o interesse patronal e o interesse do trabalhador exigem um mínimo de conhecimentos cara o exercício da profissão.
O Orador: - Estou em parte de acordo com as considerações de V. Ex.ª; porém, para que um patrão possa escolher aqueles que são aptos não é necessário que haja uma imposição regulamentar. O patrão que precisa de um empregado com habilitações mais elevadas do que o normal vai procurá-lo onde ele exista, e não há necessidade de que o Estado intervenha para lhe impor condições.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Aí está V. Ex.ª em contradição consigo próprio, porque já disse que admitia, em princípio, a carteira profissional.
O Orador: - Perdão, não há contradição nenhuma. Eu posso concordar com a criação da carteira profissional, até como simples meio de identificação, e discordar da regulamentação respectiva.
Ora, na verdade, o regulamento não veio satisfazer nenhuma necessidade da classe; veio, sim, criar um problema que não existia: nem os patrões se queixavam da falta de preparação ou competência dos seus empregados, nem estes se queixavam de que o patrão, absurdamente, contra os seus próprios interesses, ajudasse a subir e promovesse apenas os maus empregados e prejudicasse intencionalmente os bons.
Não. Se havia sector onde se vivia em calma, onde a luta pela vida se travava pacìficamente e sempre triunfavam os melhores, fossem pobres ou fossem ricos, era na classe dos empregados de escritório.
Ninguém a tal respeito fazia reclamações.
O Sr. Melo e Castro: - Mas V. Ex.ª tem a certeza de que a classe dos empregados de escritório, especialmente na cidade de Lisboa, vivia plenamente satisfeita com as suas condições de vida e com as suas remunerações?
O Sr. Deputado Melo Machado disse aqui, a propósito da carteira profissional, que melhor do que ninguém o patrão sabe premiar e que se devia deixar ampla Uberdade aos patrões na determinação das condições de vida dos seus empregados.
Hoje, por acaso, encontrei um empregado de escritório de Lisboa que me prestou umas informações e me proporcionou uns números bastante curiosos: em nove mil empregados de escritório que há em Lisboa, fora os de organismos corporativos e os de grandes empresas em regime especial, mais de quatro mil ganham menos de 1.000$. Parece-me que a classe não deve estar muito satisfeita com a forma de premiar dos patrões.
O Orador: - Mas o regulamento veio resolver este problema?
Não veio.
São duas coisas absolutamente distintas: o problema dos salários mínimos e o problema da escolha dos empregados e sua classificação pelos patrões.
Repito: o regulamento veio criar um problema que não existia.
Além disso, veio resolvê-lo por uma forma injusta.
Injusta porque, se havia profissão onde os mais desfavorecidos pela fortuna podiam ainda suprir com as suas qualidades inatas de inteligência, de honestidade, de energia, de perseverança e de dedicação as desvantagens que lhes advinham da falta de cultura, essa profissão era a dos empregados de escritório.
Lê-se no relatório do diploma que estou apreciando:
Infelizmente, a profissão tem sido, a cada passo, considerada como simples recurso, à disposição daqueles que noutras não conseguiram fazer carreira ou que de todo careciam de habilitações para ganhar a vida.
Claro que há aqui um exagero grande.
Mas aceito a crítica.
Que mal há em que a profissão de empregado de escritório tenha servido para aqueles que em outras não conseguiram fazer carreira ou que careciam de melhores habilitações para ganhar a vida?!
O que querem os diplomados que façam aqueles que não tiveram a sorte de o poder ser?
Que peçam esmola? Que emigrem? Que vão roubar carteiras, mesmo profissionais? Que se revoltem contra uma sociedade que praticamente ainda não lhes pode garantir toda a instrução necessária, mas que os pune por não a terem?!
O Sr. Santos da Cunha: - Simplesmente V. Ex.ª quer punir os diplomados por terem um curso ..
O Orador: - Se o facto de terem um diploma os torna mais valiosos para a profissão, então não precisam de regulamentos.
Apoiados.
O Sr. Pinto Barriga: - Precisam de outro contrato.
O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª, Sr. Dr. Tito Arantes, nega então todo o sistema de preparação profissional? V. Ex.ª chega à conclusão de que deve dificultar-se o acesso aos que possuem um curso.
O Orador: - Não. Mas também não deve dificultar-se aos que o não têm.
O patrão escolhe, mas não pode ser obrigado a escolher.
Que maravilhosa profissão, quando livre, é esta dos empregados de escritório, onde cabem, lado a lado, tanto os licenciados em Ciências Económicas e Financeiras, como o groom quase analfabeto, que às vezes, à força de valor e de vontade, com o tempo se transforma em dono da empresa, onde o licenciado, se não morreu, continua cada vez mais licenciado!
O Sr. Pinto Barriga: - É por isso que há muitos advogados - não é o caso de V. Ex.ª, que é um advogado muito ilustre - que vão através de solicitadores encartados.
O Orador: - O regulamento é impolítico.
Todos nós, Sr. Presidente, estamos de acordo em que o Estado tem de intervir para coordenar e dirigir todas as actividades sociais.
Mas creio que estamos também todos de acordo em que tem de existir um limite a essa intervenção, sob pena de se cair no puro socialismo ou no mais despótico dos regimes totalitários, o que, felizmente, não é o caso de Portugal.
Quando há dias o Sr. Deputado Melo Machado fez afirmação igual a esta, o Sr. Deputado Santos da Cunha interrompeu-o para observar que também não vivemos num Estado liberal, e queria com isto, segundo parece,
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defender a existência duma regulamentação na matéria que estamos discutindo, embora não, talvez, nos termos em que esta se acha elaborada.
Ora, em meu entender, se não estamos num Estado totalitário e também não vivemos em puro liberalismo, mas sim num sistema intermediário, em que se procura limitar a liberdade individual apenas na medida imposta pelas necessidades do bem comum, o que me parece lógico é que haja matérias regulamentadas e matérias que fiquem isentas de qualquer regulamentação.
Porque, se temos de sofrer uma regulamentação para toda a espécie de actividade, então caímos na escravatura.
É de meditar o paradoxo profundo de Cruet: «beaucoup d'anarchie c'est le désordre, mais un peu d'anarchie c'est le progrès».
É preciso ter a coragem de afirmar, como a teve o Sr. Prof. Marcelo Caetano na sua bela conferência de há dias, que a excessiva burocratização, a excessiva regulamentação, ameaçam tornar-se pesadas, para não dizer odiosas, à Nação.
Esta aceita de bom grado todas as restrições e todas as directrizes que lhe são impostas, mas quando ditadas pelo interesse nacional e comum. E a Nação tem uma sensibilidade agudíssima, que lhe faz sentir quando a regulamentação é ou não útil, é ou não necessária.
Neste caso particular da carteira dos empregados do escritório todos sentiram que a sua regulamentação ora, mais do que inútil, prejudicial e insuportável.
E se hoje, a título de dignificar essa classe de empregados, o Estado se arroga o direito de me dizer onde devo ir recrutar o pessoal para o meu escritório, que ele examina, que ele classifica, que ele promove, que garantias temos nós de que amanhã a invasão depuradora não atinja também a nossa própria casa particular e que seja o Instituto Nacional do Trabalho ou o Sindicato das Criadas de Servir a catalogarem-nos o pessoal, fazendo exames e promoções, quanto a quem há-de abrir a porta, arrumar quartos, fazer cozinha ou lavar roupa?
O Sr. Santos da Cunha: - Aí vigora a anarquia ...
O Orador: - Mas por este caminho também lá chegará a regulamentação!
O Sr. França Vigon: - V. Ex.ª dá-me licença?
Afinal de contas, pode qualquer com o exame de instrução primária, e às vezes nem isso, chegar a qualquer posto aonde chega um diplomado.
O Orador: - Eu já vou referir-me a esse ponto.
O que agora vou dizer não se aplica ao caso presente. Mas tenho pensado com frequência que, se houvesse uma 5.ª coluna comunista a trabalhar em certos sectores da administração pública ou corporativa, com o fim de semear descontentamentos, ela não agiria, em determinadas emergências, de modo diverso, nem com mais eficácia, do que às vezes o fazem certas individualidades integradas no Estado Novo!
O presidente da comissão administrativa do Sindicato dos Empregados de Escritório de Lisboa, referindo-se aos que combatem o regulamento que estou apreciando, mencionou destacadamente como um deles o jornal República - isto decerto para dar a entender que o ataque de tal jornal era motivado por considerações de ordem sectária.
Devo, porém, ponderar que, se tal jornal adoptasse como táctica política o lema do grande jornalista que foi Moreira de Almeida «Quanto pior, melhor!», em vez de atacar, defenderia este regulamento da carteira profissional, porque a sua subsistência constitui a pior propaganda política que é possível fazer do Estado Novo!
O regulamento é ainda por cima inoportuno.
Em qualquer momento seria sempre mal vindo.
Mas, numa época de crise e de grandes dificuldades como aquela que estamos atravessando, dificultar ainda mais, e justamente àqueles que menos condições têm para resistir e lutar, o acesso a uma das suas carreiras mais naturais é na verdade, e salvo o devido respeito, de uma lamentável falta de visão.
Eu sei que no relatório se justifica a publicação do regulamento com a afirmação de que se pretende prestigiar a categoria profissional.
É bonito dizê-lo.
Mas o prestígio da função depende, em primeiro lugar, da forma como é exercida; não depende de mais exames ou menos exames.
E, em segundo lugar, supondo que o regulamento contribuiria realmente para prestigiar a classe, resta saber se a perda da sua liberdade não seria preço demasiado caro para a obtenção de um pouco mais de prestígio ...
Sr. Presidente: expostas estas noções sobre a generalidade do regulamento, é já tempo de apreciarmos na especialidade as suas disposições fundamentais.
Antes, porém, de entrar propriamente na análise do articulado do despacho, convém determo-nos num dístico que encima o respectivo pórtico, isto é, inserto no relatório, e que não é mais tranquilizador do que o Lasciate ogni speranza com que o poeta assinala a entrada para o Inferno. Diz assim:
Não se pode deixar de ter em conta as quase nulas garantias da competência profissional existentes no regime em vigor, que abandona a admissão dos empregados e a sua classificação ao puro arbítrio das entidades patronais.
Isto explica tudo!
O Sr. Pinto Barriga: - V. Ex.ª dá-me licença?
E os contratos colectivos de trabalho como os encara V. Ex.ª adentro da sua exposição, adentro do seu «titoísmo sindicalista» ?
O Orador: - Peço a V. Ex.ª para agora não me desviar do rumo das minhas considerações.
Quer dizer: os autores deste regulamento consideram como uma monstruosidade inadmissível o facto de até aqui terem sido os patrões que escolhiam os seus empregados e que os classificavam e promoviam.
Dentro deste espírito, dentro deste clima, como é moda dizer, claro que tudo o que vier depois já não é de espantar.
Se ao direito do patrão de escolher e recompensar livremente os seus colaboradores se chama arbítrio, não espanta que ao arbítrio das comissões que vêm mandar na casa de cada um se chame direito.
A primeira observação que o regulamento sugere nasce logo no artigo 2.º, onde se determinam quais as entidades patronais que ficam sujeitas à regulamentação.
Desde a maior companhia, com centenas de empregados de escritório até ao mais modesto comerciante ou industrial, que tenha meia dúzia de empregados, passando pelo advogado, procurador ou engenheiro, que tenha um empregado só, não há nenhuma distinção.
Todos ficam sujeitos à regulamentação e terão de assistir, mesmo estes últimos, à ascensão nominal do seu único empregado, que acabará por se denominar chefe de secção, muito embora ele, sozinho, seja o empregado, o chefe e a secção.
Por outro lado, quanto a espaço, o regulamento também não poupa vila nem aldeia.
Está V. Ex.ª a ver, Sr. Presidente, como é que numa terra remota de Trás-os-Montes, do Minho ou do Alentejo, onde não há escolas comerciais e onde não há sin-
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dicatos para se efectuarem os exames, se há-de cumprir o presente regulamento!
O Sr. França Vigon: - Está prevista no regulamento a dispensa das provas para esses casos.
O Orador: - Onde?
O Sr. França Vigon: - No regulamento; a não ser que V. Ex.ª queira um regulamento em que o artigo 1.º diga que ficam dispensados estes e aqueles casos, em que o artigo 2.º diga que ficam dispensados estes e aqueloutros casos, etc.
O Orador: - O que me parece é que este regulamento não devia aplicar-se senão a quem tivesse mais de vinte ou trinta empregados, por exemplo, ou às empresas que pagassem mais que um tanto de contribuição industrial. O que achava indispensável era que se atendesse a certos casos em que o regulamento não pode ser aplicado.
O Sr. Melo e Castro: - Mas para quê um critério rígido se se pode adoptar um critério flexível, com o qual se poderá fazer maior justiça?
O Orador: - Eu sei o que é essa flexibilidade. É para se ficar nas mãos de comissões ou de organismos que às vezes deferem ou indeferem consoante as suas simpatias.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Melo e Castro: - Isso não é crítica ao regulamento, passa a ser crítica a um sector do Estado.
O Orador: - É criticar à face das realidades.
O Sr. França Vigon: - Peço desculpa, mas muitos sabem que não é assim. Inclusivamente nesta Casa, muitos sabem que não é como V. Ex.ª está a dizer.
Apoiados.
O Orador: - Podem muitos saber que não é assim, mas no caso presente o deferir ou indeferir um requerimento fica ao arbítrio de determinadas pessoas, e, implìcitamente, estamos sujeitos a que petições justas sejam indeferidas e que outras sejam deferidas.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. França Vigon: - Não acontece isso às vezes nos tribunais e em outros sectores do Estado?
O Orador: - Justamente; mais uma razão para que procuremos limitar o campo do arbítrio e das possíveis injustiças.
Continuando: se V. Ex.ª, Sr. Deputado França Vigon, me consente, eu pergunto: acha que é justo aplicar-se este regulamento a quem tiver um, dois ou três empregados?
O Sr. França Vigon: - Porque não ?!
O Orador: - Eu não acho.
O Sr. Melo e Castro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Lembro aos Srs. Deputados que ainda não foi lida a resposta do Governo ao aviso prévio do Sr. Deputado Tito Arantes e que, portanto, VV. Ex.ªs, com essas interrupções, podem estar a antecipar-se àquela resposta.
O Sr. Melo e Castro: - Mas V. Ex.ª dá-me licença apenas para um esclarecimento?
Esse empregado único de hoje para amanhã pode estar numa grande organização, onde haja mil empregados, para onde já interessa que a sua categoria esteja indicada na respectiva carteira. Veja V. Ex.ª que interessa ter na carteira esses averbamentos. Isto é só para responder à hipótese do escritório com um empregado único.
O Orador: - Vou prosseguir nas minhas considerações.
Creio que o mais elementar bom senso aconselhava, querendo fazer-se uma regulamentação, a que esta, mormente de início, apenas se aplicasse nas cidades ou nos centros populosos mais comerciais e industriais do País, e que, em qualquer hipótese, só abrangesse as empresas comerciais ou industriais que tivessem ao seu serviço mais do que um certo número de empregados.
O artigo 9.º enumera quais são as diversas categorias profissionais. Começando por baixo: aspirante, terceiro-escriturário, segundo-escriturário, primeiro-escriturário, chefe de secção, chefe de divisão, chefe de escritório ou chefe de serviços.
Como o patrão, dentro desta febre de prestígio que anima o regulamento relativamente aos empregados, é o único que pode continuar a ser analfabeto, o primeiro problema que para ele se levanta é o de saber como há-de classificar o seu pessoal.
Também não é coisa fácil determinar em que condições é que se pode ingressar na profissão.
O mínimo, pelo corpo do artigo 10.º, é:
a) O curso geral de comércio, 2.º ciclo dos liceus ou habilitações equivalentes.
mas também pode entrar quem
b) Obtiver aprovação no exame profissional (alínea a) do § l.º do artigo 10.º).
ou
c) Quem tenha instrução primária e até aos 21 anos haja feito um mínimo de dois anos até um máximo de seis anos de aprendizagem (alínea b) do § 1.º do artigo 10.º).
Porém:
d) Estes também tem depois de fazer exame para aspirantes (§ 55.º do artigo 10.º), requerendo ao sindicato.
Contudo:
e) O exame pode ser dispensado aos candidatos que apresentem atestados dos patrões de que podem entrar para aspirantes e entretanto tenham ou concluído o curso complementar de aprendizagem ou o curso elementar de comércio.
Como VV. Ex.ªs vêem, isto é de uma transparência cristalina.
Este regulamento tem a grande vantagem de que o empregado ou patrão que o ler e o compreenda fica Jogo meio formado em Ciências Económicas e Financeiras.
Tudo isto, já se vê, é para ingresso na profissão pela categoria mais rasteirinha: a de aspirante.
Mas os diplomados com o curso médio de comércio podem logo entrar com a categoria de primeiros-escriturários e os diplomados com o curso superior de ciências económicas e financeiras com a categoria de chefes de secção (n.ºs 2.º e 3.º do artigo 11.º).
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Toda esta hierarquia de funcionários tem por cúpula o chefe de divisão e ainda acima dele o chefe de escritório ou chefe de serviços.
Pois estes ... podem ser escolhidos pelo patrão sem habilitações absolutamente nenhumas!
Embora me parecesse que era assim, à face do que dispõe o artigo 16.º, quis crer, tal era o ilogismo, que eu estava a interpretar mal.
Mas não. Um dos primeiros tratadistas da matéria, o Sr. Presidente da Comissão Administrativa do Sindicato de Lisboa, em carta publicada na imprensa esclareceu peremptòriamente que para as categorias de chefes de divisão ou de serviços os patrões «ficam com liberdade para admitir as pessoas que bem entenderem».
O Sr. França Vigon: - Esse empregado tem vinte e dois anos de escritórios e durante esse tempo tirou o curso de ciências económicas e financeiras.
O Orador: - E agora está a habilitar-se para o lugar da comissão de exames.
O Sr. França Vigon: - Esse é um grande lugar ...
O Orador: - Já vou mostrar que é!
Estamos pois entendidos: para se ser aspirante, terceiro-escriturário ou primeiro-escriturário é indispensável ter muitos diplomas.
Agora para se ser chefe de divisão, chefe de serviços ou patrão... isso então não é preciso ter diploma nenhum.
Como se ascende na hierarquia funcional?
Através de exames e do transcurso de certos lapsos de tempo nas categorias imediatamente inferiores.
Mas esses exames asseguram realmente uma selecção entre os empregados?
Já vimos atrás algumas das disciplinas que eles abrangem - desde a geografia económica à organização corporativa, desde o direito comercial à orçamentologia.
Perguntamos: é o conhecimento dessas matérias que torna um empregado colaborador valioso e indispensável do seu patrão?
É certo que a ciência não ocupa lugar, e só há vantagem em que os empregados de escritório, podendo ser, tenham um determinado grau de cultura.
Mas a realidade é que aquilo que torna o empregado de escritório um colaborador querido e eficaz do seu patrão não pode ser avaliado com exames: é a sua fidelidade, a sua dedicação, o seu zelo, o seu entusiasmo, o seu dinamismo, a sua esperteza - em suma, tudo aquilo que num ponto escrito não pode deixar rasto.
Ao contrário, quantas vezes aqueles que triunfarão num exame sobre estatística, direito comercial ou organização corporativa não passarão de teóricos jeitosos e utópicos, mas na prática detestáveis empregados, desinteressados, preguiçosos ou trapalhões no seu trabalho!
Por outro lado, os empregados de escritório de um armazém de víveres, de uma fábrica metalúrgica, de um advogado ou de um grande jornal são inteiramente diferenciados, cumprindo-lhes saber especialmente a técnica particular do ramo onde trabalham.
Sujeitá-los todos à mesma bitola de exames pode servir para aferir do seu grau de cultura geral, mas nunca para formar um juízo acerca da sua competência especializada na actividade a que se dedicam.
Ainda dentro desta matéria, há que estranhar o seguinte: para ascender à categoria superior, todos - regra geral - têm de fazer os seus exames, mesmo os diplomados com o 2.º ciclo do curso dos liceus; sómente estão isentos os diplomados com o curso geral de comércio (alínea a) dos artigos 12.º, 13.º e 14.º).
Quer dizer: um rapaz com o 5.º ano do curso dos liceus está para este regulamento em condições de inferioridade relativamente ao que possui o curso geral de comércio, que é apenas de quatro anos!
E nem se diga que para a profissão que escolheram o curso geral de comércio dá uma preparação mais vantajosa.
Admitamos que de início é assim; mas o rapaz que tem o 2.º ciclo dos liceus possui uma preparação geral muito mais vasta, que lhe permite, com o tempo de estágio a que é obrigado em cada categoria, adquirir ràpidamente os conhecimentos práticos que porventura se tornem necessários.
Não se compreende, portanto, esta desigualdade de tratamento, em que uns, os comercialistas, são filhos e os outros enteados.
Este acesso automático, digamos assim, dos diplomados com o curso geral de comércio à categoria superior faz com que todos os comercialistas que entrarem num escritório como aspirantes ao cabo de catorze anos de duração - pois não precisam fazer mais senão durar - estejam chefes de secção!
Ao fim de dois anos de aspirantes estão terceiros-escriturários.
Ao fim de três anos de terceiros-escrituráros ficam segundos-escriturários.
Ao cabo de quatro anos de segundos-escriturários passam para primeiros-escriturários.
Após cinco anos de primeiros-escriturários ascendem a chefes de secção.
Total: em catorze anos, tutti marchesi!
Será agradável, ter-se-á realmente prestigiado grandemente a classe, entrar-se num escritório e desde o aspirante ao terceiro, ao segundo e ao primeiro-escriturários ... serem todos chefes de secção!
Eu sei que o direito ao acesso à categoria superior está também dependente de os empregados terem bom e efectivo serviço.
Mas como se faz a prova deste requisito?
Nos exames? Evidentemente, não.
Não é matéria susceptível de ser apreciada ... num ponto escrito.
Só, portanto, por declaração do patrão.
Mas o que há-de o patrão declarar quando o empregado lhe pede um atestado nesse sentido?
Que ele é mau e não tem efectivo serviço? Então mandava-o para a rua, em vez de passar o atestado!
O certificado do patrão resume-se, pois, a uma pura inutilidade. E assim parece reconhecê-lo o próprio regulamento, pois no artigo 17.º manda os candidatos à promoção instruírem os pedidos com a declaração abonatória da sua competência, «sempre que possível». Portanto, não é indispensável juntar qualquer declaração patronal.
Em caso de mérito excepcional, o patrão pode propor o acesso dos empregados às categorias superiores com dispensa do requisito do tempo de prática na categoria inferior (artigo 19.º).
Esta disposição é daquelas que não significam nada ou significam demasiado.
Qual o espírito com que essas propostas vão ser apreciadas pela comissão técnica profissional ou pelo Instituto Nacional do Trabalho, sabido que nenhum deles tem elementos para controlar a verdade do alegado pelo patrão?
É o de dizer sempre que sim, desde que o patrão proponha?
Então lá rui todo o regulamento, quando exige certos períodos de estágio para se poder ascender aos lugares superiores!
É o de dizer sempre que não?
Então a disposição é pura inutilidade!
É o de dizer umas vezes sim e outras não, conforme o patrão proponente tenha ou não lâmpada acesa na tal comissão técnica profissional?!
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Receio que seja isto o que aconteça: a consagração da cunha e da empenhoca, dando aos futuros membros da comissão a força e o prestígio de serem eles os ditadores de toda a organização dos empregados de escritório em Portugal!
Não admira, por isso, que já se faça o caciquismo sindical que o Sr. Deputado Melo Machado aqui denunciou para o preenchimento dos lugares dessa comissão...
O artigo 5.º encerra uma das disposições do regulamento que mais devem ser meditadas.
Nele se diz que os patrões não podem atribuir aos seus empregados categoria superior à que constar da sua carteira profissional. Só podem, portanto, atribuir-lhes categoria inferior.
O objectivo imediato da disposição é evidente: obrigar o patrão, que tem de manter os seus quadros organizados, a ir buscar comercialistas, contabilistas, licenciados em Ciências Económicas e Financeiras para o preenchimento das funções superiores dos seus escritórios.
É certo que na exposição que o Sr. Subsecretário de Estado das Corporações enviou a esta Assembleia sobre o assunto - e da qual quis ter a grande gentileza, que eu aqui rendidamente lhe agradeço, de me remeter hoje uma cópia - se afirma que não é essa a intenção do legislador: o patrão pode livremente colocar os empregados mesmo em categorias superiores às que constam das suas carteiras profissionais.
Isto é, sem dúvida, exactamente o contrário do que está escrito no artigo 5.º do regulamento.
O Sr. Melo Machado: - Como há-de o patrão perceber isto?
O Orador: - Registo, contudo, com satisfação, a mudança operada no ânimo dos seus autores.
Realmente as coisas mudaram. O artigo 5.º dizia que as entidades patronais não podiam dar categoria superior e agora já se diz que podem.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
«Categoria profissional» pode entender-se como diploma de habilitações profissionais, e como este diploma não é passado pela entidade patronal, mas é passado por outras entidades oficiais ou oficiosas, pode perfeitamente afirmar-se que o patrão ou entidade patronal não pode modificar a categoria profissional dos empregados, porque «categoria» significa habilitação profissional, e não cabe à entidade patronal pronunciar-se sobre se o indivíduo A, o indivíduo B ou o indivíduo C tem ou não tem certa categoria profissional.
O Orador: - Mas isso não pode ser posto em dúvida.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu estou a reproduzir a exposição que o Sr. Subsecretário de Estado das Corporações mandou para a Mesa.
Mas, como ia dizendo, a categoria, assim entendida, não tem nada com a posição que o patrão atribui ao empregado dentro da empresa. A carteira é um título, que não cabe ao patrão passar, mas a uma entidade diferente. Várias disposições do regulamento denunciam isso de uma maneira clara:
Leu.
Acesso na categoria profissional..
Quem é que marca este acesso? É uma entidade diferente da entidade patronal.
Diz-se depois noutra disposição, mais adiante:
Têm direito a acesso para segundos-escriturários...
Quem marca a categoria? A entidade patronal? Não. É uma entidade diferente.
O Sr. Carlos Moreira: - Ai é que está o mal!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Quem fixa a categoria profissional é uma entidade diferente da entidade patronal. Portanto, a entidade patronal não está presa, para efeitos de distribuição dos seus empregados nos quadros da empresa, à categoria profissional.
Visto a esta luz, o artigo 5.º diz uma coisa muito diferente do que V. Ex.ª lá vê.
O Orador: - Eu vou explicar.
Sintetizarei a argumentação, de que V. Ex.ª se fez eco, do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social desta maneira ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Para seguir o raciocínio de V. Ex.ª pedia-lhe para ler a última alínea do artigo 5.º
O Orador: - Eu também tinha pensado lê-la, porque ela só é a meu favor.
Leu.
A dúvida que poderia levantar-se era esta: qual o significado da expressão «categoria»?
Categoria é equivalente à classificação que, o empregado tem, dada pela entidade oficiosa ou oficial? Ou significa o lugar que ele desempenha numa empresa? Esta é a segunda interpretação da palavra «categoria».
Mas, quando o artigo 5.º diz que o patrão pode sor livre na escolha do empregado, sem restrições, não podendo atribuir-lhe categoria superior à que constar da carteira profissional, já esta expressão «categoria» não pode ter dois sentidos.
Porque em todo o regulamento está expresso que quem classifica os empregados, quem inscreve a sua categoria na carteira profissional são as entidades oficiais ou oficiosas, é evidente que o patrão não podia ir rasurar a carteira e pôr lá classificação diferente. Logo, quando o artigo 5.º proíbe o patrão de atribuir ao empregado na empresa categoria superior, só pode ter querido referir-se à categoria efectiva, isto é, à função ou lugar exercido.
O que, porém, no artigo 5.º mais me assusta - depois de rectificado pelo Sr. Subsecretário - não é aquilo que hoje lá está, mas o que lògicamente há-de vir depois.
Hoje escreveu-se que o empregado não pode ter categoria superior à que resulta da sua carteira profissional.
Mas amanhã há-de estipular-se que o empregado não pode mas é ter categoria inferior ou pelo menos ordenado inferior ao correspondente à sua categoria.
Com efeito, no dia em que os empregados tiverem nas suas carteiras a categoria de primeiros-escriturários ou de chefes de secção, eu pergunto, Sr. Presidente, se não será uma sua reclamação inevitável e irresistível deixarem de servir como terceiros-escriturários ou aspirantes, ou, pelo menos, passarem a ganhar de harmonia com as habilitações que lhes são superiormente reconhecidas?!
Eu sei, Sr. Presidente, que a esta minha consideração se há-de responder que eu vou tão longe na crítica do diploma que até o censuro por aquilo que lá não está, sòmente porque profetizo que um dia lá há-de estar.
Efectivamente é assim.
Quando analisamos, um diploma temos obrigação de o apreciar, não apenas à face da sua redacção actual, mas principalmente de harmonia com os sentimentos e as reacções que ele há-de despertar, ou seja a sua projecção futura.
Ora, desde que se levam os empregados a adquirir certos conhecimentos, a fazer certos exames, a ter certos estágios, para ascenderem na hierarquia profissional, é óbvio que se cria legìtimamente no seu espírito a ideia de que passam a ter direitos correspondentes aos graus alcançados.
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Só a expectativa desses direitos é gorada, ai teremos mais uma coorte de descontentes e de revoltados.
Em resposta ao coro de protestos que se tem levantado contra o regulamento, os seus autores salientam que não há ofensa de direitos adquiridos, porque quem está actualmente na classe continua, quer tenha habilitações, quer não tenha, e a sua classificação é feita de harmonia com o que for proposto pelas entidades patronais.
É realmente assim.
Porém, em primeiro lugar, nós não temos, egoìsticamente, de preocupar-nos apenas com a situação de quem está. A vida continua. E para os que vierem todos os males que temos apontado se verificam na mesma.
Mas respondendo à questão dos direitos adquiridos:
Se para aqueles que já estão na classe não se levanta o problema das habilitações necessárias ao seu ingresso, subsiste na mesma para eles a exigência vexatória e inútil dos exames, salvo na hipótese de já terem ultrapassado os 45 anos ou, em certos casos, os 35.
No fim de vinte anos de prática de escritório, qualquer empregado normalmente dotado é um bom funcionário.
Contudo, se for sujeito ao exame, mesmo para segundo-escriturário, com certeza fica chumbado quando lhe perguntarem geografia económica, organização corporativa ou direito comercial.
Uma coisa é a prática, outra a teoria. Esta não supre aquela.
Mas a prática pode suprir a teoria.
Por mim confesso: se hoje fosse fazer exame, já não digo do l.º ano de Direito, mas do 3.º ano do liceu, o me mandassem descrever o aparelho respiratório dos batráquios, indicar todos os afluentes do Dnieper ou dizer como se dividem as talófitas, garanto que não passava.
Há-de haver óptimos guarda-livros práticos, capazes de ensinar um licenciado em Económicas e Financeiras a montar uma escrita, que não resistiriam aos exames mais elementares estabelecidos por este diploma.
Sr. Presidente o Srs. Deputados: vou terminar.
De tudo quanto disse creio poderem extrair-se algumas conclusões:
A carteira profissional instituída por este despacho, como mero título de identificação do empregado, parece-me louvável e por isso de manter, à semelhança do que já acontece com os empregados de escritório dos serviços de navegação e das companhias de seguros, para os quais existe a carteira, sem que isso indique num caso qualquer habilitação especial e no outro apenas exame de instrução primária. Porém, o complicado regulamento aprovado pelo despacho de 4 de Fevereiro último, com as suas numerosas categorias de empregados, com o acesso à classe gravemente dificultado, com os seus vários exames sobre matérias desnecessárias, com a classificação dos empregados feita por entidades estranhas às empresas patronais, é inteiramente inconveniente e inoportuno.
É inconveniente para os empregados, porque lhes dificulta primeiro o ingresso e depois o avanço, numa profissão que tradicionalmente tem sido, e felizmente, o recurso aberto a uma das classes mais sacrificadas da sociedade portuguesa: a classe média;
É inconveniente para os patrões, porque representa uma intromissão insuportável no seu direito de escolher o galardoar o sou pessoal pela forma que julgar mais justa e conveniente aos seus interesses;
É inconveniente para todos, porque nos dá a acabrunhadora sensação de que certos sectores da administração pública, em vez de afrouxar, insistem na sua crescente e ilimitada ingerência nos domínios mais privados das liberdades individuais.
Lê-se no último artigo do regulamento que ele se considera em regime experimental durante seis meses.
Já decorreu mês e meio. Creio não ser preciso esperar mais tempo para todos se convencerem de que a experiência não resulta.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vão ler-se os esclarecimentos fornecidos pelo Sr. Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, através da Presidência do Conselho, que os remeteu à Assembleia Nacional, acerca do assunto em debate.
Foram lidos. São os seguintes:
«Sr. Presidente do Conselho. - Excelência. - 1. Na sessão da Assembleia Nacional do dia 14 do corrente o ilustre Deputado Sr. Melo Machado fez uma apreciação crítica do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Escritório, aprovado por despacho deste Subsecretariado de 4 de Fevereiro último e publicado no Diário do Governo, 5.º série, de 14 do mesmo mês.
Na sessão do dia 24 o ilustre Deputado Sr. Tito Arautos anunciou um aviso prévio sobre o aludido regulamento, «por o considerar tão prejudicial para os patrões como para os empregados».
A intervenção do primeiro daqueles ilustres Deputados, que foi certamente ditada pelo propósito construtivo de encontrar para os problemas as melhores soluções, requer algumas palavras de rectificação e de esclarecimento.
Por outro lado, parece útil habilitar a Assembleia Nacional com elementos elucidativos sobre o assunto, que, embora referidos de modo especial às críticas formuladas, possam também servir à discussão do anunciado aviso prévio e contribuir para o completo esclarecimento dos problemas em causa.
A estes dois objectivos visam as Considerações que só seguem.
2. Afigura-se conveniente, antes do mais, fazer breve referência aos antecedentes da regulamentação agora estabelecida e aos princípios gerais que a inspiraram.
Como é sabido, o Decreto-Lei n.º 29:931, de 15 de Setembro de 1933, conferiu, pelo seu artigo 3.º, ao Subsecretário das Corporações competência para «determinar as profissões em relação às quais a carteira profissional é título indispensável ao respectivo exercício». E no § l.º deste artigo diz-se que:
... as carteiras profissionais são passadas pelos sindicatos nacionais e visadas pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, depois de aprovados os respectivos regulamentos pelo Subsecretariado das Corporações.
Quais os objectivos que teve em vista o Estado corporativo ao instituir o regime da carteira profissional? Essencialmente os seguintes:
1.º Exigir, para o exercício de certas profissões cuja natureza ou qualificação o justificassem, determinado nível de habilitações ou de preparação profissional, dando assim às empresas garantias de recrutamento de trabalhadores aptos e promovendo o aperfeiçoamento técnico da respectiva actividade;
2.º Conceder a esses trabalhadores um título de identificação e de reconhecimento da sua categoria e do seu curriculum profissional, válido erga omnes;
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3.º Proporcionar aos organismos sindicais um meio eficiente de promover a elevação do nível profissional dos seus associados e a defesa da disciplina e da dignidade da profissão que representam;
4.º Acessòriamente, permitir aos sindicatos assegurar a perfeita organização do registo individual dos seus representados, como base indispensável ao cabal desempenho das funções que a lei confia a esses organismos, quer em períodos de pleno emprego, quer sobretudo quando mantenham serviços de colocação de desempregados.
Na consecução destes objectivos foram aprovados pelo Subsecretariado das Corporações, desde 1939 até hoje, vinte e sete regulamentos de carteiras profissionais, correspondentes a outras tantas profissões, tanto manuais como intelectuais, cuja importância na vida económica da Nação se procurou valorizar através da elevação do nível profissional e moral das seus membros.
Todos esses regulamentos têm funcionado, duma maneira geral, por forma inteiramente satisfatória, tanto para empresas como para, os trabalhadores.
fim todos eles estão consignados os mesmos princípios que orientaram a carteira agora instituída para os profissionais de escritório: o princípio da exigência de determinadas habilitações e garantias; de idoneidade moral e profissional para o ingresso na profissão, o princípio da exigência de exames profissionais para a admissão em certas condições ou para o acesso aos graus superiores da profissão, o princípio de que esses exames são de natureza essencialmente prática e feitos perante júris de que fazem parte, entre outros, representantes do Instituto Nacional do Trabalho e do sindicato respectivo.
3. A carteira dos empregados de escritório não traz, pois, princípios novos: representa apenas mais um passo neste capítulo da política social do Estado corporativo.
A este respeito deve notar-se que, mesmo dentro da profissão de empregado de escritório, já em dois importantes ramos de actividade estava de há muito em vigor a exigência da carteira profissional. É o caso dos empregados de escritório dos serviços de navegação, cujo regulamento da carteira profissional foi aprovado em 31 de Julho de 1941, e dos empregados de escritório das companhias de seguros, com carteira profissional desde 8 de Abril de 1946.
Quer dizer: o actual regulamento não é mais do que o alargamento aos restantes profissionais de escritório dum princípio já aplicável em dois grandes sectores de actividade, onde a experiência da regulamentação dera os melhores resultados.
Por outro lado, fora publicado em 23 de Dezembro de 1943 um despacho que regulamentou as condições de trabalho dos empregados de escritório ao serviço de quaisquer empresas, definindo as várias categorias profissionais e fixando os respectivos ordenados mínimos.
Posteriormente foram celebrados inúmeros contratos e acordos colectivos de trabalho que abrangiam profissionais de escritório e regulamentavam as suas condições de admissão, promoção e remuneração do trabalho.
Esta série de medidas permitiu acumular uma larga soma, de experiência e de resultados sobre as condições de trabalho dos profissionais de escritório. Faltava, porém, uma peça fundamental do sistema que permitisse colocar a profissão em nível idêntico ao de outras, certamente menos qualificadas do que esta. Essa peça era, indiscutìvelmente, o regulamento da carteira profissional.
Vinham de longe as petições formuladas insistentemente pelos representantes legais da profissão nesse sentido. Abonava-se a reivindicação em fundadas razões, que podem, presumir-se nas seguintes:
a) Necessidade de elevar o nível de preparação dos profissionais de escritório, como meio de acrescer o seu rendimento económico e promover a melhoria das suas remunerações;
b) Necessidade de velar, simultâneamente, pela disciplina e nível deontológico da profissão:
c) Conveniência em dignificar uma classe numerosa que, constituindo elo natural entre o operariado e o patronato, havia, vantagem social em elevar e fortalecer por meio de regulamentação adequada.
Estas razões eram reforçadas pelo depoimento das próprias empresas, que sistemàticamente alegavam não poder remunerar melhor o pessoal de escritório em vista da sua deficiente preparação e produtividade.
Em face do exposto, foi decidido encarar de frente o problema, no propósito sincero e honesto de lhe encontrar solução satisfatória, embora se reconhecessem desde logo as suas dificuldades.
Para esse efeito, nomeou-se uma comissão composta por representantes do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, do Ministério da Educação Nacional e da organização sindical dos empregados de escritório. A comissão apresentou oportunamente um projecto de regulamento, cujas bases essenciais não diferem do que veio a ser aprovado. As alterações introduzidas tiveram em vista simplificar a regulamentação, embora procurando que esta fosse tão completa quanto possível, dada a experiência obtida nas profissões que já possuíam carteira profissional e na regulamentação das condições de trabalho dos empregados de escritório através do despacho de 1943 e das convenções colectivas em vigor.
Apesar disso, desde logo se estabeleceu (artigo 38.º do regulamento) o princípio de que o primeiro período de seis (meses seria de experiência, findo o qual se deveria proceder a revisão das normas adoptadas, com vista a corrigir erros e deficiências, inevitáveis em tarefa tão complexa, a fim de que a regulamentação se adequasse inteiramente aos seus objectivos.
Procedeu-se deste modo em face da dificuldade prática de ouvir prèviamente sobre o assunto todos os organismos e sectores interessados, dado que existem empregados de escritório na generalidade dos ramos de actividade, e muitos destes ainda não estão organizados corporativamente.
Preferiu-se assim publicar o regulamento em regime experimental, a fim de que sobre o seu texto se pronunciassem todos os que quisessem contribuir, através de observações e sugestões úteis, para o aperfeiçoamento da regulamentação proposta.
Chama-se a atenção para este ponto, cujo alcance parece não ter sido justamente compreendido.
4. Examinemos agora, mais de perto, as apreciações críticas formuladas pelo Sr. Melo Machado ao regulamento em causa.
Diz aquele ilustre Deputado que o regulamento deve ter posto «em alvoroço» todos os empregados de escritório e respectivos patrões e que a neste momento ... não havia necessidade de pôr perante essa gente este enorme ponto de interrogação sobre o futuro».
Parece que os factos atrás expostos documentam suficientemente a necessidade de regulamentar o exercício da profissão de empregado de escritório. Vejamos se a regulamentação adaptada foi ou não a mais conveniente.
Das palavras do ilustre Deputado, acima citadas, julga-se deduzir um receio - aliás bem compreensível - quanto ao respeito dos direitos adquiridos e das legítimas expectativas dos actuais empregados de escritório.
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Deve dizer-se, porém, que tais receios só podem resultar de uma interpretação menos exacta do texto do regulamento.
Em primeiro lugar, vê-se claramente dos artigos 32.º a 34.º do mesmo diploma que os indivíduos que já exercem a profissão de empregados de escritório se limitam a requerer a carteira, tendo para isso o prazo de noventa dias, e que a respectiva categoria profissional lhes será atribuída de acordo com as indicações fornecidas pelas entidades patronais.
Não haverá, pois, qualquer ofensa de direitos adquiridos, nem sequer a exigência de outra documentação que não seja o impresso com o pedido de passagem da carteira. Se algum profissional se julgar prejudicado com a categoria que lhe for atribuída, são-lhe facultados os recursos competentes, sem dependência de qualquer prazo (artigo 30.º).
Quanto às legítimas expectativas para o futuro, é necessário fazer a este respeito uma distinção muito importante. Trata-se da distinção entre acesso às categorias profissionais, nos termos do regulamento, e produção por iniciativa da entidade patronal ou por virtude de cláusulas de convenções colectivas de trabalho.
É neste ponto que reside a maior parte das confusões e das interpretações erradas quanto ao exacto alcanço do regulamento.
As categorias profissionais reconhecidas pelo artigo 9.º do regulamento não representam mais do que graus teóricos de preparação ou especialização profissional e são, em princípio, independentes das junções ou cargos efectivamente desempenhados na empresa, isto é, da qualificação atribuída ao empregado pelo empresário.
Quer dizer: às categorias do regulamento não correspondem funções determinadas. A carteira, como se diz no artigo 5.º, é simples título de habilitação, ou seja um meio de prova de que o seu titular tem determinadas habilitações, determinado grau de preparação profissional, e nada mais.
É assim que, por exemplo, as funções de guarda-livros, do caixa, de contabilista ou de simples escriturário podem ser desempenhadas por um titular de carteira profissional independentemente da categoria que dela conste, desde que o empresário considere suficientes as respectivas habilitações para o desempenho de qualquer das funções indicadas.
É assim também que, como sucede nos estabelecimentos bancários, em face do respectivo contrato colectivo, o pessoal é classificado por classes, desde A a M, sem dependência da categoria que caída empregado vier a ter na carteira profissional.
Nestas condições, é evidente que nada mo regulamento da carteira impede que o patrão promova o empregado, confiando-lhe funções de maior responsabilidade ou de natureza diferente das que exercia, e aumentando-lhe correspondentemente o ordenado.
Por isso se diz, ma segunda parte do artigo 5.º, que as empresas «ficam livres de recrutar e promover os empregados ao seu serviço». A única restrição que se põe é a de não lhes poderem atribuir, formalmente é claro - quer dizer, para efeitos de inscrição na carteira - categoria superior à que dela consta, pois esta categoria, sendo um grau de habilitação, só deve ser atribuída aos profissionais que satisfaçam certas condições, objectivamente determinadas mo regulamento - tempo de prática, habilitações literárias, aprovação em exame profissional, etc.
Por outras palavras: o regulamento em nada impede que, por exemplo, um empregado com carteira de primeiro, seguindo ou terceiro-escriturário desempenhe funções de chefia ou quaisquer outras que o patrão entenda dever confiar-lhe. O que este não pode - pelo menos na redacção actual do regulamento - é fazer inscrever na carteira do empregado uma categoria diversa da que dela conste, senão nos termos que o mesmo regulamento prevê.
Em casos desses é o empregado que terá interesse em que a promoção feita pelo empresário seja consagrada na carteira, através do acesso a categoria mais elevada, a fim de que esta lhe seja reconhecida quando porventura vier a desempregar-se ou a mudar de entidade patronal.
A mesma observação deve fazer-se com respeito a classificações por virtude da com posição de quadros mínimos de escriturários, nos termos do despacho de 1943 ou de convenções colectivas em vigor. O regulamento da carteira é, em princípio, independente do regulamentação das condições de trabalho, e, por isso, aqueles quadros só interessam para o efeito de determinadas escalas de ordenados mínimos e nada tem que ver com as categorias inscritas mas cateiras, as quais - mais uma vez se repete - são apenas títulos de habilitação profissional.
A estes princípios admite o regulamento várias excepções: a primeira para os empregados com funções de direcção - chefes de divisão e chefes de serviço -, que, por exercerem lugares de confiança, têm as respectivas-categorias atribuídas por livre designação da empresa (artigo 6.º) ; a segunda para os empregados com mais de 45 anos à data da publicação do regulamento, cujo acesso a qualquer categoria é feito mediante simples proposta da entidade patronal (artigo 31.º); a terceira para os que tenham entre 33 e 45 anos, cujo acesso às categorias de segurado e terceiro-escriturário é também permitido nos mesmos termos (§ l.º do citado artigo 35.º); e ainda uma quarta excepção para os casos de falta de profissionais em qualquer das categorias (como pode suceder, por exemplo, aros pequenos centros ou em épocas de pleno emprego), casos em que o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência pode autorizar o acesso com dispensa de qualquer dos requisitos exigidos no regulamento (artigo 20.º).
Em resumo: o regulamento em nada impede que as empresas promovam os seus empregados, no sentido de lhes aumentar os ordenados ou de lhes atribuir as funções que entenderem.
Não há, pois, qualquer ofensa de legítimas expectativas, quanto a promoções por iniciativa das empresas, nem qualquer limitação abusiva ao direito de o patrão melhorar a situação dos empregados que o mereçam.
Ficam assim esclarecidas os críticas feitas a tal respeito. A interpretação que tem sido dada ao regulamento, quanto a este ponto fundamental, resultou certamente de falta de clareza do texto, que em próxima revisão se procurará remediar.
5. Esclarecidas as dúvidas quanto a pretendidas ofensas de direitos adquiridos e legítimas expectativas dos actuais empregados, vejamos agora o que se refere às condições exigidas, de futuro, para o ingresso na profissão. São os artigos 10.º e 11.º do regulamento.
Parece depreender-se das observações formuladas que se considera excessiva a exigência do curso geral do comércio ou do 2.º ciclo dos liceus para ingresso de futuros candidatos a empregados de escritório.
A este propósito parece que a crítica resulta de não se haver reparado no § l.º do artigo 10.º, que permite o ingresso com a instrução primário, desde que o candidato faça a sina aprendizagem durante dois anos, não tenha idade superior a 21 e seja aprovado em exame profissional. E no § 4.º dispensa-se este exame aos que entretanto façam o curso complementar de aprendizagem ou o elementar de comércio, de harmonia com a recente reforma do ensino técnico.
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Não parece que estas habilitações sejam excessivas, tendo em conta que só são de exigir aos que de futuro pretendiam ingressar na profissão. E nada impede que na redacção definitiva se procure simplificar a regulamentação quanto a este ponto, se a revisão do assunto o mostrar aconselhável.
Vem a propósito esclarecer que no sistema do regulamento não se pretende reservar qualquer categoria para diplomados com, cursos secundários ou superiores. Como se vê das alíneas d) dos artigos 12.º a 14.º e da alínea f) de artigo 15.º, basta o tempo de permanência na categoria, independentemente das habilitações literárias para que o empregado tenha direito a acesso à categoria imediata, desde que faça com aprovação o respectivo exame profissional. E no artigo 19.º dispensa-se, em certos casos, o requisito do tempo de prática, mediante proposta da entidade patronal.
Resta acrescentar que o que se acaba de expor nado, tem que ver, como há pouco se demonstrou, com as promoções por iniciativa das empresas.
6. O ilustre Deputado Sr. Melo Machado apreciou também desfavoràvelmente a nomenclatura das categorias profissionais reconhecidas pelo regulamento. E comentou: "Perfeitamente a nomenclatura do Estado; a casa de cada um tornada repartição pública".
É evidente que se trata de um equívoco. Em primeiro lugar, não há correspondência entre a nomenclatura do regulamento e a do Estado, designadamente, quanto a este, a que consta do mapa n.º 1 anexo ao Decreto-Lei n.º 26:115, cujas designações são diferentes das do regulamento e cuja lista abrange vinte e quatro categorias.
Em segundo lugar, como atrás já se aludiu, a classificação feita no regulamento é fundamentalmente a mesma que foi consagrada no despacho de ordenados mínimos de 1943 e que não parece ter chocado ou trazido qualquer espécie de complicação às empresas, não obstante estar em vigor há mais de seis anos.
A razão é simples e resulta do que há pouco dissemos quanto à distinção entre categorias - graus de habilitação - e funções ou qualificações atribuídas pelo patrão em cada empresa.
Fica assim este ponto também esclarecido.
7. Os programas dos exames profissionais mereceram igualmente comentários ao Sr. Deputado Melo Machado. Depois de citar os programas dos exames para aspirante, segundo-escriturário e chefe de secção, perguntou: "Prosseguindo neste caminho, não se virá a exigir que os patrões tenham necessàriamente um curso universitário?!".
A esta pergunta respondeu pertinentemente o ilustre Deputado Sr. Dr. Santos da Cunha. Acrescentar-se-á apenas que os donos das empresas podem e devem saber dirigi-las, mas não têm, na generalidade dos casos, nem precisam de ter, habilitações técnicas especializadas para desempenhar a maior parte das funções que confiam ao seu pessoal de escritório. Isto é tanto mais exacto quanto maior a dimensão das empresas. Nas grandes empresas (é o caso das sociedades anónimas) o patrão está muitas vezes tanto ou anais ausente do que no Estado (para nos servirmos de uma expressão do Sr. Melo Machado), e nada têm que ver as habilitações dos administradores dessas empresas com as do pessoal - de escritório ou qualquer outro - que esteja ao seu serviço.
Mas, voltando aos exames profissionais, deve dizer-se que a elaboração dos respectivos programas foi orientada pelos serviços competentes do Ministério da Educação Nacional, tendo em vista a sua adaptação, na medida do possível, à linha geral da última reforma do nosso ensino técnico, cujos programas dos cursos comerciais se tomaram por base.
O critério pareceu tanto mais lógico quanto é certo tratar-se de um ramo de ensino destinado precisamente, não a fazer doutores ou letrados, mas a preparar trabalhadores aptos para uma profissão especializada.
Trata-se, de resto, como se diz no regulamento, de exames acentuadamente práticos, que constam apenas de provas escritas. A apreciação destas é confiada a júris cuja composição não está prevista expressamente, mas que serão constituídos com as necessárias garantias de competência e independência, como de resto sucede na generalidade dos regulamentos das carteiras profissionais.
Parece ter provocado reparos o facto de os exames se efectuarem nos sindicatos. Mas a observação não impressiona se nos lembrarmos que é o próprio Estatuto do Trabalho Nacional, no seu artigo 46.º, que confere aos sindicatos competência para "desenvolver as habilitações técnicas e as qualidades disciplinares dos seus associados" e que o Decreto-Lei n.º 29:931 lhes atribui igualmente competência específica para passar as carteiras profissionais. Na mesma orientação, o Decreto-Lei n.º 23:050, no seu artigo 12.º, declara que o estudo e a defesa dos interesses profissionais obrigam os sindicatos a criar e manter, entre outros serviços, escolas profissionais dentro daqueles organismos, com programas superiormente aprovados.
A este respeito deve acrescentar-se que, para facilitar a execução do regulamento no que se refere aos exames profissionais, está prevista a adopção de certas medidas complementares, tais como: manutenção de cursos de aperfeiçoamento profissional junto dos sindicatos (em Lisboa, no Porto e em Braga já estão em funcionamento) para todos os empregados que pretendam valorizar a sua preparação; divulgação dos conhecimentos exigidos para os exames profissionais, através de publicações acessíveis, a editar pelos próprios sindicatos.
Resta dizer que com os exames profissionais e as medidas complementares que acabamos de referir se teve simultâneamente em vista proporcionar meios de elevação cultural e profissional aos empregados que não tenham possibilidades materiais para frequentar escolas técnicas ou tirar um curso.
8. Ao concluir as suas considerações o ilustre Deputado Sr. Melo Machado afirmou não ter "a mais pequena dúvida em classificar este regulamento de um erro legislativo, económico e até político".
Salvo o devido respeito, afigura-se que semelhante classificação peca, pelo menos, por injusta.
Em primeiro lugar, "erro legislativo" porquê? Porque - diz o Sr. Deputado Melo Machado - "não estamos num regime socialista puro nem num regime totalitário".
Parece dever concluir-se desta frase que o ilustre Deputado é contrário ao próprio princípio da regulamentação, considerando-o em desacordo com o espírito do regime.
Não é decerto este o momento assado para recordar princípios fundamentais da economia corporativa, nomeadamente quanto à posição do Estado nessa economia e ao seu confronto com os regimes socialistas e liberais.
Basta que tenhamos presente a norma que a nossa Constituição inscreveu no seu artigo 31.º, segundo a qual "o Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social", visando entre outros objectivos o de "estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho".
Negar o princípio da regulamentação do exercício profissional equivale a negar toda a intervenção do Estado corporativo em matéria de política social, desde
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a determinação do horário de trabalho à fixação de ordenados e salários mínimos, à regulamentação das condições de prestação do trabalho, à instauração da previdência social obrigatória ...
Mas, se, à face da doutrina corporativa e das normas constitucionais vigentes, não pode negar-se o princípio da regulamentação do exercício profissional, também se não afigura justo considerar menos conveniente a forma como esta só efectuou no presente caso, sobretudo depois dos esclarecimentos que acabam de prestar-se.
Resta verificar só, no ponto de vista formal, o regulamento em causa constitui "erro legislativo". O ilustre Deputado Dr. Pinto Barriga parece sustentar a este respeito a opinião de que o regulamento deveria revestir a forma de decreto e ser publicado na 1.ª série do Diária ao Governo.
Salvo o devido respeito, permitimo-nos chamar a atenção para o § 3.º do artigo e para o artigo 4.º do Decreto- Lei n.º 29:931, que expressamente afirmam ter o Subsecretário das Corporações competência para aprovar regulamentos de carteiras profissionais e que a aprovação é feita por despacho.
Trata-se, afinal, de regulamentos que, em direito administrativo, se designam por independentes ou autónomos, por isso que não se propõem assegurar a execução de certa Lei anterior, mas são elaborados no exercício de competência própria do Governo, reconhecida por norma legal expressa.
9. O regulamento não constitui, pois, salvo melhor opinião, um "erro legislativo". Mas será, como afirma o ilustre Deputado Sr. Melo Machado, um "erro económico"?
Seja permitido negar o bom fundamento da afirmação. Foi precisamente para pôr ao serviço da economia trabalhadores aptos que se criou a carteira profissional. A nossa economia sofre, entre outros, justamente do mal que deriva de um baixo rendimento do trabalho, por falta de adequada formação do trabalhador. O fenómeno não é específico do pessoal de escritório, mas comum aos mais variados ramos de actividade. Julga-se meritório todo o esforço que se faça no sentido de combater o mal.
A regulamentação do exercício profissional servirá, além disso, de factor de correcção doutro desequilíbrio de que enferma a nossa organização económica e a que já se aludiu no relatório do diploma em causa. Referimo-nos ao desvio de muitos trabalhadores de outras profissões para os serviços de escritório, considerados mais leves e mais fáceis do que a preparação para um ofício ou profissão especializada, de natureza manual ou artística. Numa economia -como a portuguesa - que pretende elevar o seu grau de industrialização e de aperfeiçoamento técnico não parece que este desvio deva desprezar-se.
Por outro lado - e chama-se a atenção também para este ponto -, o regulamento em causa não traz para as entidades patronais qualquer novo encargo. Expressamente se afirmou no artigo 5.º que a carteira não importa qualquer alteração nos quadros do pessoal das empresas, permitindo-se até que o empregado tenha no quadro classificação inferior à registada na carteira, desde que a organização desses quadros o imponha.
Se, por um lado, a carteira vai proporcionar no futuro às empresas e à economia a selecção e o aperfeiçoamento progressivos dos seus profissionais e se, por outro, não acarreta para essas empresas qualquer novo encargo, como pode o regulamento classificar-se de "erro económico"?
10. Alega-se, por último, que o regulamento constitui "erro político", no sentido de trazer "mais uma inquietação grave que pode ser explorada polìticamente", e que se aguardou "o pior momento" para mandar o referido diploma para o Diário do Governo.
Certamente se quis aludir aos receios sobre a situação dos actuais empregados de escritório e sobre os seus legítimos direitos e expectativas. Julga-se ter feito atrás a clara demonstração do infundado desses receios. O regulamento respeita todas as situações adquiridas e não inibe as expectativas de melhoria de situação por iniciativa das empresas. Dá ao trabalhador um título de reconhecimento da sua categoria e proporciona-lhe o meio de se valorizar profissionalmente. Garante aos que estejam desempregados o direito à carteira com a categoria que tinham à data em que se desocuparam, possibilitando-lhes assim a reocupação sem quaisquer outras formalidades.
A inquietação e as preocupações existem de facto quanto ao dia de amanhã, não por virtude do regulamento da carteira, mas em consequência de circunstâncias de natureza económica e social de todo estranhas a esse documento.
Ora um dos objectivos da regulamentação do exercício profissional é precisamente, como vimos, o de defender os verdadeiros profissionais das contingências da crise económica, a que nem sempre anda alheia, tanto do lado dos patrões como dos trabalhadores, a intervenção de certos "milicianos" de todo impreparados para as exigências da vida do nosso tempo.
Não se vê, pois, em que é que a carteira constitui motivo de "inquietação gira vê". Justo seria considerá-la antes como um instrumento de segurança e de valorização do futuro dos profissionais de escritório. Daí a sua oportunidade no momento actual.
11. Afigura-se ter ficado claramente demonstrada a improcedência dais críticas formuladas ao regulamento da carteira profissional doa empregados de escritório.
Isso não significa, porém, que se julgue perfeita e acabada a regulamentação nele contida. O assunto é por demais complexo e melindroso, e, apesar de todo o esforço e boa vontade postos no sem estudo e na sua resolução, há certamente erros a corrigir e deficiências a eliminar.
Mais uma vez se faz notar que as normas propostas não tem carácter definitivo, mas meramente experimental, como ficou expresso no artigo 38.º do regulamento em causa.
A este respeito convém ainda esclarecer que foram, dadas instruções aos serviços competentes no sentido de que durante o período de experiência do regulamento este vigore apenas para os efeitos dos artigos 32.º e 33.º, isto é, no que se refere à recolha dias situações actuais dos empregados de escritório.
O Subsecretariado das Corporações mais liana vez também afirma que vê a maior utilidade em que todos os interessados - organismos corporativos, empresas e profissionais - colaborem, através de sugestões e críticas construtivas, no aperfeiçoamento do que se fez.
Este Subsecretariado considera inestimável a cooperação que, no mesmo sentido, se propõe dar-lhe a Assembleia Nacional, certo de que este prestigioso órgão do Estado, como fiel intérprete dos interesses gerais, saberá encontrar nesta matéria a definição do melhor caminho a seguir.
Apresento a V. Ex.ª os protestos do mais elevado respeito e consideração.
A bem da Nação.
Subsecretariado de Estado das Corporações e Previdência Social, 28 de Março de 1950. - O Subsecretário de Estado, António Jorge Martins da Mota Veiga".
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O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: requeiro a generalização do debate.
O Sr. Caetano Beirão (ao mesmo tempo): - Requeiro a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate requerida por VV. Ex.ªs
O Sr. Caetano Beirão: - Sr. Presidente: era meu propósito ocupar-me nesta Assembleia do regulamento que estabelece a carteira profissional dos empregados de escritório, quando o ilustre Sr. Deputado Melo Machado aqui levantou a questão e lavrou o seu protesto. E fê-lo com tanto cuidado e proficiência, tocando os pontos essenciais do diploma e chamando a atenção para eles de modo tão claro e tão justo, que me pareceu ter ficado o assunto suficientemente esclarecido.
Factos supervenientes levaram o Sr. Deputado Melo Machado a voltar à matéria; e agora veio o ilustre Sr. Deputado Tito Arantes apresentar o seu aviso prévio, no interessantíssimo discurso que acaba de proferir.
Aberto e generalizado o debate, entendo de meu dever trazer a esta Assembleia um depoimento e um testemunho.
O meu depoimento pessoal e o testemunho de quem vive em contacto com grande número de empregados abrangidos pelo referido regulamento.
Também sou corporativo, no duplo sentido da palavra: porque pertenço a uma corporação e porque perfilho a doutrina da Nação organizada em corporações - já a perfilhava muito antes de haver Estado Corporativo em Portugal.
Ora qual é a finalidade primacial do sistema corporativo? Em duas palavras, pode dizer-se que é:
Coordenar a produção;
Proteger os que produzem.
O português, ou por índole própria ou transviado por um século de liberalismo, é muito personalista; poder-se-á afirmar que é muito pouco agremiativo.
Nestas condições, a organização corporativa inaugurada há vinte anos não podia deixar de ser feita e encaminhada pelo Estado.
No entanto, a intromissão do Estado na hierarquização e regulamentação da actividade dos vários ramos da produção não deverá asfixiar a iniciativa particular e o livre exercício das funções privadas, desde que estas contribuam para o bem comum.
No caso que hoje aqui se discute estamos precisamente em face de um exagero da intromissão do Estado nas relações que devem existir entre as empresas e os seus empregados e na selecção destes entre si.
A carteira profissional dos empregados de escritório, tal como aparece regulamentada, nem salvaguarda a posição das entidades patronais nem defende convenientemente os interesses dos empregados.
A intenção do diploma é, evidentemente, louvável: dignificar a profissão - "elevar o nível profissional neste relevante sector da actividade", como nele se diz. Mas pelas normas estabelecidas é que não vejo que se atinja o fim em vista.
Logo no preâmbulo se faz referência ao "puro arbítrio das entidades patronais"; e os empregados também não são muito mais bem tratados quando se afirma que a profissão é, a cada passo, "simples recurso, à disposição daqueles que noutras (profissões) não conseguiram fazer carreira ou que de todo careciam de habilitações para ganhar a vida".
Mas deixemos isso e passemos a vista pelo articulado:
Estabelece-se no artigo l.º que a carteira é obrigatória para todos: "título indispensável ao exercício da profissão". O artigo 3.º admite excepções, mas só para "secretários de direcção, administração ou gerência", e "em caso algum poderá haver na mesma empresa mais de dois empregados" em tais condições.
Já aqui se estatui uma restrição que toma o aspecto de violência. Porque não há-de haver numa empresa, sobretudo numa grande empresa, mais de dois empregados superiores dispensados da carteira profissional? Porquê dois e não três ou quatro?
O artigo 5.º é típico: as empresas ficam livres de recrutar e promover os empregados ao seu serviço, com a restrição de não poderem atribuir-lhes categoria superior à que consta da carteira. Mas ao mesmo tempo estabelece que a carteira, por si só, não importa qualquer mudança de categoria no quadro do pessoal das empresas e que, por conseguinte, "o empregado pode ter no quadro classificação inferior à registada na carteira". Se assim é, eu pergunto: onde está a defesa do empregado perante o "arbítrio das entidades patronais."?
A restrição de não poderem os patrões atribuir categoria superior à que consta da carteira profissional entendi-a eu como não se podendo confiar ao empregado funções superiores à categoria consignada na carteira. É o que parece estar lá escrito. Mas não. O Sr. Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social explica agora na exposição que a Presidência do Conselho enviou à Assembleia Nacional e que foi aqui lida há pouco que:
O regulamento em nada impede que, por exemplo, um empregado com carteira de primeiro, segundo ou terceiro-escriturário desempenhe funções de chefe ou quaisquer outras que o patrão entenda dever confiar-lhe. O que este não pode -pelo menos na redacção actual do regulamento - é fazer inscrever na carteira uma categoria diversa da que dela conste, senão nos termos que o mesmo regulamento prevê.
No regulamento está: "atribuir-lhes". Deveria estar: afazer inscrever". Ou então neste ponto se ganhou muito com o esclarecimento do Subsecretariado das Corporações.
Prossigamos neste breve exame ao diploma em discussão.
A medida mais vexatória para os empregados é a que se encontra na alínea b) do artigo 8.º Reza assim: "Louvores conferidos e penalidades aplicadas pelo sindicato ou por outras entidades competentes" - entender-se-ão os patrões? - serão averbados na carteira. Quer dizer: a carteira será uma espécie de caderno de notas dos meninos de colégio, ou então como aquelas cadernetas que em tempos se pensou em aplicar às criadas de servir e contra as quais foram tais os protestos que houve necessidade de não prosseguir no intento.
Caderneta profissional nestas condições não a tem os funcionários públicos, os operários, os trabalhadores de outras profissões, creio. Porque a hão-de ter os empregados de escritório?
Sr. Presidente: determina o regulamento quais "as habilitações mínimas para o ingresso na profissão de empregados de escritório" (artigo 10.º): curso geral de comércio, 2.º ciclo dos liceus ou habilitações equivalentes.
Esta disposição, assim rígida, iria ferir os interesses de tantas famílias que precisam de empregar os filhos e não têm meios para lhes dar um curso, ou eles não têm faculdades para o tirar, sem que por isso deixem de poder ser bons empregados, e ainda daqueles rapazes que precisam de se empregar, pelas precárias circunstâncias em que se encontram, mas que estão dispostos a estudar à noite, a tirar um curso comercial ou industrial.
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Para isso, porém, necessitam justamente de ganhar o pão de cada dia, do emprego no escritório, que lhes permita pagar as matrículas, comprar livros, andar bem arranjados, etc. Para estudar, precisam de estar empregados; para estar empregados, precisam de ter o curso. Seria um círculo vicioso. Então o regulamento abre duas excepções: "será permitido o ingresso na profissão aos indivíduos que, não estando naquelas condições, obtenham aprovação no exame profissional"; "tenham instrução primária e hajam Jeito até aos 21 anos a sua aprendizagem como praticantes por tempo não excedente a seis anos e não inferior a dois".
É uma saída: em todo o caso precária, porque o exame profissional, como veremos, se for feito a rigor, é difícil, sobretudo para quem não tenha um curso comercial ou os primeiros anos de liceu, e, sem o exame profissional, há-de o praticante estar habilitado aos 21 anos nas condições atrás referidas; condições tais que, se o praticante, antes de concluir o período máximo de estágio ou do completar 21 anos, não obtiver a carteira profissional como aspirante, ser-lhe á apreendido o cartão de estagiário (§ 5.º do artigo 10.º). E fica assim impedido de seguir a carreira de empregado de escritório seja onde for e em que condições forem? Parece bem que sim!
Será, em muitos casos, o descalabro, a degradação, a miséria para o empregado o para a família - pais impossibilitados, mulher e filhos menores, se os houver. E isto justo? Quer-se fazer do pessoal de escritório uma classe de elite à força? Deixe-se que a escolha se faça por selecção natural.
Meus senhores: vejamos agora, sucintamente, quais as condições em que os empregados podem subir de categoria, isto é, transitar de aspirante a terceiro-escriturário, de terceiro a segundo, de segundo a primeiro, até chefe de secção.
Além do "bom e efectivo serviço", que é sempre exigido, como se isto não bastasse, é preciso: curso geral de comércio e um certo número de anos na categoria, ou 2.º ciclo dos liceus e o mesmo tempo de categoria, ou o curso complementar de aprendizagem e maior número de anos na categoria, ou ainda simplesmente que hajam permanecido certo número de anos na categoria - período maior do que os anteriores. Isto, porém, não basta.
Exceptuando o caso de o empregado ter o curso geral de comércio e uns tantos anos de categoria, o acesso faz-se mediante aprovação em exame profissional efectuado nos sindicatos das respectivas actividades, perante júris propostos pela comissão técnica profissional e aprovados pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (artigos 18.º e 21.º).
Há três excepções a esta regra: o caso de "mérito excepcional devidamente demonstrado", que permite dispensa do preenchimento do requisito do tempo de prática, mas parece que não do exame; o caso de "o interesse geral o aconselhar, por falta de profissionais", e então é permitido o acesso "com dispensa de qualquer requisito", e ainda o que se encontra consignado no artigo 31. º e seu § l.º:
O acesso dos empregados que, exercendo efectivamente a profissão há mais de um ano, tenham à data da publicação deste regulamento mais de 45 anos de idade dependerá de simples proposta da entidade patronal, sem prejuízo do disposto nos artigos 13.º a 19.º quanto ao tempo de permanência na categoria. O mesmo regime poderá, mediante proposta da comissão técnica profissional, ser extensivo aos empregados com mais de 35 anos de idade, naquela data quanto ao acesso às categorias de terceiros e segundos-escriturários.
A este propósito diz a referida exposição do Sr. Subsecretário:
A interpretação que tem sido dada ao regulamento neste ponto fundamental resultou certamente da falta de clareza do texto, que em próxima revisão se procurará remediar.
Ainda bem.
Por conseguinte, na grande maioria dos casos, o exame é indispensável, e esse exame é tão complicado e direi mesmo tão absurdo como o demonstraram já aqui suficientemente os Srs. Deputados Melo Machado, da primeira vez que se ocupou do assunto, e Tito Arantes, na sua brilhante oração de há pouco.
Trata-se de um verdadeiro concurso, do qual a entidade patronal se conserva perfeitamente afastada, concurso comparável àqueles a que estão sujeitos os funcionários públicos. Com a diferença, porém, de que no caso destes é o único meio que o Estado tem para avaliar da legitimidade da promoção dos seus servidores e é o próprio Estado-patrão a julgar os seus funcionários; ao passo que na hipótese dos empregados de escritório, servidores do entidades particulares, que têm melhores elementos do que ninguém para aquilatar do valor dos seus funcionários, da conveniência das suas deslocações, são essas entidades obrigadas a entregai-os seus empregados a uma instituição alheia, oficial ou quase oficial, a uma entidade estranha, enfim, à qual compete julgar do aproveitamento e competência desses empregados, como colegiais ou como se vivêssemos em socialismo de Estado e este fosse, em última análise, o único, o verdadeiro patrão.
Isto é vexatório para as entidades patronais e para os empregados, e eu posso testemunhar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Assembleia que, se o descontentamento na classe patronal é grande, o alarme entre os profissionais de escritório é enorme.
Empregados que tom vinte e trinta anos de casa, que já prestaram as suas provas de zelo e competência nos serviços que lhes foram confiados, que se sentem aptos, ou que os patrões podem amanhã reconhecer aptos, a ascender, por exemplo, de segundos-escriturários a primeiros, para o conseguir têm de se sujeitar, com 40 anos ou mais, a um exame com provas e disciplinas teóricas e complicadas, e muitas vezes inúteis para o ramo de actividade em que eles trabalham, e nas quais podem não dar, nem precisam dar para o bom desempenho dos seus serviços, conta do recado.
E note-se que, como já acentuei, todo este esforço pode ser inútil ou prejudicial ao empregado, pois, pelo que dispõe o artigo 5.º do regulamento, a empresa onde ele trabalhe tem a liberdade de não o promover à categoria para a qual ele fez exame e foi aprovado. Mais: um empregado que saia de uma casa, tendo já ascendido à categoria de primeiro-escriturário, por exemplo, pode ver-se obrigado a aceitar colocação noutra como terceiro-escriturário, ou até como aspirante, se no quadro do pessoal desta nova empresa não houver vaga na categoria para a qual ele está oficialmente habilitado e diplomado ou o patrão não o quiser admitir como tal.
Este estado de coisas, Sr. Presidente e meus senhores, cria um afastamento e um mal-estar entre patrão e empregado que é contrário a todo o espírito corporativo.
Caminharemos também porventura em Portugal para o homem-número, o homem-ficha, o cidadão em série, sem personalidade, de que nos fala Gheorghiu no seu livro já célebre, tão torturante como actual, A Hora 2õ? Não posso acreditar; e só a um excesso de zelo corporativo - aplicado, aliás, com todo o desejo de acertar - se deverão atribuir certas disposições incongruentes do regulamento de 14 de Fevereiro de 1950.
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Eu pergunto se, para assegurar os direitos dos empregados de escritório, para o bom entendimento entre esses empregados e as entidades patronais, e ainda para lhes garantir protecção nos casos de doença, inabilidade, etc., não bastarão os contratos colectivos de trabalho e os institutos assistenciais.
Vou encerrar estas considerações.
O mal não estará em existir a carteira profissional dos empregados de escritório, mas na uniformização dessa carteira sem se atender, não só às diferentíssimas espécies de empresas onde esses empregados trabalham, como à própria diferenciação de serviços dentro da mesma empresa, que exige habilitações e conhecimentos completamente diversos.
Legislou-se em sentido horizontal, quando me parece que se deveria legislar no sentido vertical, isto é, diferentemente para cada ramo de produção, especializadamente em relação aos vários serviços dentro do mesmo ramo.
Que já se reconheceu a necessidade de o problema ser revisto sem demora prova-o o comunicado da comissão administrativa do Sindicato Nacional dos Empregados de Escritório do Distrito de Lisboa e da direcção do Sindicato similar do Porto, publicado há dias nos jornais, no qual se declara, em nome daqueles e de muitos outros sindicatos do País:
... necessárias e indispensáveis algumas alterações no regulamento, que (...) serão objecto de exposição fundamentada ao Sr. Subsecretário (...)" de forma a não serem prejudicados os direitos dos actuais profissionais no seu livre acesso.
E prova-o a exposição do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações, onde se diz que:
Este Subsecretariado considera inestimável a cooperação que se propõe dar-lhe a Assembleia Nacional, certo de que este órgão do Estado (...) saberá encontrar nesta matéria a definição do melhor caminho a seguir.
Confio pois em que o aviso prévio do Sr. Deputado Tito Arantes e a discussão que em volta dele se vai desenvolver servirão para esclarecer as entidades competentes e fazer com que a execução do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Escritório seja suspensa até se estudar melhor o assunto e se eliminar dele tudo o que se reconheça ser inconveniente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: se a minha intervenção, antes da ordem do dia, numa das últimas sessões, sobre a carteira profissional dos empregados de escritório não tivesse tido outro mérito que não fosse o de podermos ter ouvido a brilhantíssima oração que fez aqui o Sr. Deputado Tito Arantes - um discurso verdadeiramente parlamentar, vivo, incisivo, cheio de inteligência e de clareza -, eu já me teria dado por bem compensado. Mas este problema tem uma tal importância, assumiu uma tal acuidade, que não é perdido todo o tempo que gastarmos com ele.
Nesta Assembleia, onde, graças a Deus, não há partidos, onde, consequentemente, não há discussões acirradas, onde não há murros nas carteiras ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Discussões acirradas há, felizmente.
O Orador: - ... aguerridas, queria eu dizer, nem conflitos pessoais, os Deputados norteiam-se pelo interesse nacional e pela verdade e, norteando-se por esses dois sentimentos, têm a certeza de corresponder ao pensamento do homem providencial que felizmente nos governa. E deste modo, meus senhores, nesta malfadada questão da carteira profissional dos empregados de escritório não me orientei por outra norma que não fosse a de servir o interesse nacional e a verdade.
O País precisa de trabalhar com o mínimo de peias possível, visto que a iniciativa individual é, seguramente, a origem do desenvolvimento e progresso económico de qualquer país.
Nós vimos como a iniciativa individual fez a grandeza da Inglaterra, que, até mesmo por esse meio, conseguiu adquirir extensos territórios para o seu império, o só admiramos vê-la neste momento encarreirar por outros processos que estão em oposição com aquilo que na verdade fez a sua grandeza.
De entre as muitas cartas que recebi, vou ler apenas três, que tem, realmente, algum significado neste assunto que estamos a debater.
A primeira é de uma firma chamada Fábrica da Granja, que não conheço, e cujo proprietário escreve o seguinte:
Leu.
Outra carta põe o seguinte problema:
Sempre o signatário foi empregado de escritório, que conseguiu, pelo seu esforço, chegar a patrão. Se por qualquer percalço da vida tiver de perder a minha posição actual não poderei voltar a ser empregado de escritório.
Vejam VV. Ex.ªs a que absurdos pode conduzir o regulamento que estamos discutindo.
Finalmente, e ainda sobre estes embaraços que se põem a todas as classes, uma pessoa que conheço muito bem, grande proprietário, por quem tenho a maior consideração, mandou-me ontem esta carta, que é muito curiosa:
Foi este meu respeitável amigo a um latoeiro desta cidade encomendar uma medida e escreve: "pedi ao dono da latoaria que ma enviasse para casa logo que calhasse o aprendiz ter de ir para os meus sítios. Respondeu-me o homem: aprendiz é coisa que não tenho, nem ninguém pode ter, pois a lei não consente que para tal fim admitamos rapaz que não tenha pelo menos 18 anos e possua curso industrial"!
Se com este regulamento se pretende acabar com os autodidatas, pergunto se neste país está tão disseminado o ensino industrial para que em qualquer parte haja a facilidade de tirar um curso.
Pergunto se, por muitas e variadíssimas circunstâncias, se não encontram algumas pessoas que são autodidatas e que, em determinado momento, podem ter necessidade de ganhar a sua vida.
Pergunto se os autodidatas neste país só poderão ser moços de esquina, vadios ou pedintes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Até para esclarecer muitos dos novos Srs. Deputados que constantemente me estão doutorando, eu direi que sou um autodidata, mas suponho que não os tenho envergonhado.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Pinto Barriga: -Discordo deste regulamento sob o ponto de vista jurídico. Porém, sob o ponto de vista económico tem o meu aplauso, porque vejo que ele dá a possibilidade de encontrar, por meio dos tais exa-
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mês, uma forma de recurso e dá a possibilidade de fazer ingressar esses autodidatas na vida profissional.
O Orador: - É a opinião de V. Ex.ª
Mas, continuando, eu direi a VV. Ex.ªs, a respeito deste regulamento, que ele foi uma espécie de conspiração de palácio.
Em tempos, já bastante recuados, fez-se um estudo, nomeou-se uma comissão, o essa comissão ouviu muito discretamente uma ou outra pessoa, especialmente dirigentes de sindicatos. Mas, eu direi daqui a pouco a VV. Ex.ªs a forma como foram ouvidas essas pessoas.
Porém, agora a coisa surgiu, como eu digo, depois de uma conspiração de palácio.
Foi um número restrito de pessoas que estava no segredo dos deuses que conseguiu convencer o Sr. Subsecretário da ansiedade que havia neste país por este regulamento.
Depois de eu aqui ter levantado a minha voz, protestando e mostrando os inconvenientes deste regulamento, fez-se à pressa uma convocação dos sindicatos, convocação essa que foi feita pelo Sindicato dos Profissionais de Escritório do Porto, para que descansasse um pouco o de Lisboa.
Para tal não teve certamente este Sindicato do Porto os verdadeiros sentimentos da classe que pretende representar, pois posso informar VV. Ex.ªs de que é precisamente no Porto que este regulamento levantou o mais vivo protesto, o que pude verificar pelas inúmeras cartas e telegramas que daquela cidade tenho recebido até hoje, além de que toda a sua imprensa diária ao assunto se tem referido, verberando-o.
Isto mesmo no-lo tinha afirmado o Sr. Deputado Antunes Guimarães, e não admira, dada a importância industrial e comercial da capital do Norte.
Teremos nós, o Sr. Deputado Tito Arantes e eu, fundamento nas afirmações que fizemos?
Suponho que sim, e, quanto mais não fosse, por esta razão muito simples: pretendeu-se tornar o caso um facto consumado.
Logo após a minha intervenção, os jornais do Porto publicaram em grandes letras um comunicado em que se dizia que era indispensável preencher uns papéis, que efectivamente foram enviados aos interessados, e que depois de determinada data nenhuma entidade patronal poderia admitir, manter ou promover empregados sem que todas aquelas formalidades tivessem sido rigorosamente cumpridas, sem esquecer a infalível ameaça das multas.
Tudo isto tinha por fim atemorizar os interessados e pô-los diante de um facto consumado, contra o qual já não valesse a pena protestar.
Depois disto fez-se a reunião dos sindicatos em Lisboa, à qual todavia não compareceram seis sindicatos: os de Viseu, Coimbra, Castelo Branco, Évora, Beja e Portalegre.
Apenas se reuniram em Lisboa onze, e esses onze mandaram para os jornais o seguinte comunicado:
Reuniram-se ontem em Lisboa, a convite do Sindicato do Porto, os representantes dos Sindicatos Nacionais dos Empregados de Escritório de Viana do Castelo, Braga, Vila Real, Porto, Aveiro, Guarda, Leiria, Santarém, Lisboa, Setúbal e Faro. Depois de larga troca de impressões, reconheceram haver vantagem em tornar público que consideram necessária e indispensável a existência da carteira profissional, pela qual há muitos anos vinham pugnando. Julgaram necessárias e igualmente indispensáveis algumas alterações ao regulamento, que já haviam sido ventiladas e serão objecto de exposição fundamentada ao Sr. Subsecretário, para solução de certos problemas, ainda dentro do período experimental do referido regulamento, de maneira a não ficarem prejudicados os direitos dos actuais profissionais no seu livre acesso.
Estas resoluções tiveram a adesão de antigos dirigentes do Sindicato dos Empregados de Escritório de Lisboa.
Suponho que ninguém nesta Casa disse que era inconveniente a carteira profissional.
Os mesmos sindicatos tinham sido tão pouco ouvidos que, na primeira reunião que se efectuou, apavorados pelo barulho que à volta do assunto se tinha feito, vieram logo dizer que era preciso alterar o regulamento.
Se eu pudesse estar mais convencido do que estou de todas as razões que me levaram a impugnar este diploma, a nota que acabei de ler era absolutamente bastante para confirmar que eu tinha inteira e completamente razão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, estes sindicatos, que pressurosamente acorreram à chamada do Sindicato do Porto, que por sua vez promoveu a reunião em Lisboa, tudo quanto encontraram para dizer sobre o diploma foi que ele precisava de ser emendado.
E não suponham VV. Ex.ªs que é fácil a esses sindicatos ou às suas direcções terem uma opinião desassombrada.
Tenho aqui na minha mão um relatório, que foi feito em Dezembro de 1946, já pretendendo defender as conclusões a que se chegou neste regulamento.
O referido relatório é assinado pelo Sr. Dr. António Gonçalves Lourenço, que é o presidente da comissão administrativa do sindicato.
O Sr. Melo e Castro: - Creio que V. Ex.ª está equivocado. Esse senhor é funcionário do Instituto Nacional do Trabalho.
O Orador: - Agradeço o esclarecimento e peço desculpa do equívoco, dada a semelhança dos nomes, mas isso não invalida nada daquilo que vou dizer.
Leio a VV. Ex.ªs uma passagem deste relatório:
Depois de recolhidos os depoimentos escritos, de harmonia com o que se solicitara, e de verificadas por eles as muitas incompreensões que revelavam as críticas formuladas, entendeu a comissão convidar todos os discordantes do projecto a tomarem parte em reuniões, realizadas sucessivamente, para discussão aberta dos pontos em divergência, nas quais, deve dizer-se, não foi difícil, trocadas as necessárias explicações, chegar-se a uma quase geral aceitação do projecto, mesmo no que for objecto de forte crítica. Diz-se quase geral, porque, como não podia deixar de ser, houve um ou outro discordante que se manteve na sua e se não dispôs a transigir.
Aqui têm VV. Ex.ªs como é que, com um bocadinho de boa vontade, se conseguem modificar as opiniões.
O Sr. França Vigon: - Agradecia que V. Ex.ª concretizasse o seu pensamento. Trata-se do relatório da comissão que estudou este assunto. O funcionário do Instituto Nacional do Trabalho que presidiu a essa comissão fez um relatório para o Subsecretário das Corporações, onde dizia que não tinha havido completa unidade. Alguns não se consideraram vencidos e mantiveram o seu ponto de vista. É isto que V. Ex.ª quer dizer?
O Orador: - Não quero dizer nada. Quero apenas dizer o que lá está. Eles foram apertados bastante, mas não se chegou a unanimidade.
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O Sr. França Vigon: - V. Ex.ª gosta de fazer romance.
O Orador: - Não gosto de fazer romance.
O Sr. Botelho Moniz: - VV. Ex.ªs gostam de apertar, mas nós não gostamos de ser apertados!
O Sr. Santos da Cunha: - Mas alguns precisam de bons apertos ...
O Sr. Botelho Moniz: - Não compreendo como foi manifestada opinião contrária quando outro dia V. Ex.ª se referiu ao intervencionismo do Estado.
O Sr. Santos da Cunha: - Já lá vamos. Eu defendi o princípio da organização e da regulamentação das condições do trabalho e condenei o excesso de intervencionismo do Estado, especialmente certas formas mais abusivas desse excesso. Não há, pois, qualquer contradição.
O Orador: - Sr. Presidente: este regulamento tinha e tem um período de seis meses para experiência; mas já outro dia disse a razão por que esse período não serve para nada.
Lembro, todavia, que no contrato de trabalho com o Grémio dos Armazenistas de Mercearia foi também estabelecido o prazo de seis meses e ele já dura há seis anos.
Sr. Presidente: volto a afirmar, sem nenhum receio de contestação, que ninguém quer este regulamento.
Não estou a pretender tirar efeitos. VV. Ex.ªs compreendem que eu não tenho nenhuma influência na classe dos empregados de escritório, ninguém me conhece, e neste assunto não tenho outro interesse que não seja o interesse nacional, o interesse de que cada um trabalhe com o mínimo possível de peias e que cada um possa valorizar as suas possibilidades.
Diz-se que é preciso dignificar u empregado de escritório ...
O Sr. Mendes Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?
Por deformação profissional, não quero deixar de sublinhar que as provas que são exigidas para os exames no novo regulamento são deploràvelmente antiquadas, porque são apenas provas de cultura, a qual é necessária, mas não pròpriamente para aquela actividade. Provas psicotécnicas de selecção não existem lá.
Eu também quero instrução, também acho que as pessoas devam ter facilidades para se instruírem. Agora o que quero também é que os cursos sejam efectivamente práticos, que realmente possam dar empregados de escritório imediatamente utilizáveis.
Suponho que mesmo que fiquem em confronto os rapazes que têm o curso com os que não tem, isso só serve para valorizar a profissão, em lugar de dizer que não se valoriza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque em primeiro lugar acabará por estimular as escolas a ensinar convenientemente o que é preciso. Seria na verdade chocante que os saídos das escolas fossem no desempenho da sua função menos eficientes do que os que não têm instrução. Todos VV. Ex.ªs sabem que é mesmo assim: o curso não dá as qualidades (apoiados), o talento ou a inteligência que torna os homens notáveis e distintos.
Ainda há pouco acabámos de discutir o teatro. Julgo que uma das principais causas da sua decadência foi ter-se exigido que para se ser actor ou actriz fosse necessário ter um curso, Ora, sucede normalmente que quem pode tirar o curso não tem talento e os que têm talento não podem tirá-lo.
O Sr. Santos da Cunha: - Mas também há actores de talento com curso.
O Orador: - Naturalmente são as excepções, que justificam a regra.
O Sr. Mendes Correia: - Os mineiros negros do Rand, de Joanesburgo, são submetidos a provas psicotécnicas com o objectivo do selecção profissional ...
O Sr. Jacinto Ferreira: - Estou inteiramente de acordo com as considerações do Sr. Deputado Melo Machado, mas é preciso cuidado, porque podemos cair em excesso no perigo do empirismo.
O Orador: - Absolutamente. Mas o que é verdade é que o empregado tem de estar em condições de dar satisfação no trabalho que há a fazer.
É evidente que o patrão o que quer é um bom empregado. Se o rapaz que sai da escola pode ser bom empregado, melhor do que outro qualquer, é evidente que o patrão o prefere. Não vimos quando a guerra deu origem a um largo desenvolvimento da nossa economia queixarem-se o Estado e as autarquias de que os particulares lhes roubavam os melhores empregados?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é indiferente que o Pais viva satisfeito ou que, ao contrário, se lhe acrescente em cada dia preocupações e cuidados. Sabem VV. Ex.ªs muito bem que nem sempre é preciso contrariedades muito vivas para transtornar a boa disposição. Às vezes basta apenas uma gota de água. Devo agradecer ao Sr. Subsecretário as explicações, aliás correctíssimas e amáveis, que teve a amabilidade de mandar a esta Assembleia e em que, naturalmente porque fui eu o promotor da questão, o meu nome vem citado muitas vezes.
Devo dizer a V. Ex.ª que não estava no meu espírito, nem na minha intenção, nem no meu ânimo, ser desagradável a S. Ex.ª Simplesmente não posso dizer que está bem uma coisa que eu entendo estar mal, porque na nossa função de Deputados temos uma missão de altíssima importância a cumprir, pois somos o traço de união entre o Governo e a Nação. Temos por isso necessidade, às vezes, de dizer à Nação aquilo que o Governo quer e as razões que o conduzem, e do mesmo modo temos também, por vezes, de dizer ao Governo aquilo que a Nação pensa sobre as medidas que toma. Esta é a nossa missão, e só interpretando-a assim cumprimos o nosso dever.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Procurei, Sr. Presidente, trazer aqui esta questão, melindrosa sem dúvida, e digo melindrosa porque assim a encontrei classificada no relatório, parecendo porém que, porque a questão era melindrosa, se lhe pegou com uma facilidade, com uma agilidade, que realmente espanta.
Ora eu suponho, Sr. Presidente, que haveria toda a vantagem em nunca se pôr um documento desta natureza em execução antes de só ouvirem os interessados. Não podemos continuar neste sistema de arredar pura e simplesmente os interesses particulares. Suponho que todos têm o direito de ser escutados quando as medidas que se pretendem tomar lhes dizem respeito.
O Sr. Botelho Moniz: - Nem é processo corporativo proceder como se procedeu com a regulamentação da carteira profissional.
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O Orador: - Ninguém como os interessados pode fornecer os elementos de estudo, dado o conhecimento profundo que têm dos assuntos que lhes dizem respeito. O Governo, depois de ouvir os interessados e depois de recolhidos todos os elementos, poderá então decidir-se com segurança. Mas lançar um documento destes, que diz respeito não só à classe numerosíssima de empregados do escritório, mas genèricamente ao comércio e à, indústria, por uma conspiração de palácio não o posso aceitar de maneira nenhuma.
Vozes: - De conspiração de palácio?
O Orador: - VV. Ex.ªs desculpem, mas é assim.
Nos tempos antigos havia certas pessoas que estavam junto do poder e com ele determinavam as coisas, que, por uma hábil e restrita conspiração, lançavam a solução de gravíssimos assuntos.
O Sr. França Vigon: - Por esse critério, então conspira-se todos os dias nos Ministérios.
O Sr. Botelho Moniz: - De facto, não se procedeu corporativamente.
O Sr. França Vigon: - Mas os contratos colectivos são uma coisa e este despacho é outra.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª entende que nós vivemos para sermos apertados.
O Orador: - Se se tivessem ouvido todos os interessados, este regulamento não tinha saído. Logo na primeira reunião dos sindicatos, a primeira coisa que se disse foi sobre a necessidade de emendar o referido regulamento.
Suponho, Sr. Presidente, que nesta matéria não vale a pena dizer mais nada. O que eu desejo é que, por uma vez, esta Assembleia aprove uma moção que seja a nítida expressão do debate que se travou e traduza, efectivamente, os sentimentos que a animam, para que não deixemos o País na convicção de que os nossos actos não correspondem às palavras que proferimos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: subo à tribuna porque não estou suficientemente esclarecido com a exposição enviada a esta Assembleia pelo Sr. Subsecretário de Estado das Corporações e desejo explicar porquê.
Afasto, por conseguinte, do meu objectivo uma análise detalhada, quer do relatório, quer do próprio texto do despacho. Está feita pelos Srs. Deputados que me precederam no uso da palavra. Mas quero acentuar que me não preocupam tanto como a SS. Exas. algumas das passagens daqueles documentos que mais escandalizaram esses comentadores. Em contrapartida, antevejo perigos e vou apontar inconvenientes que - esses, sim! - trazem justificadamente alarmados milhares e milhares de portugueses.
Referiu-se o nosso brilhante e distinto colega Sr. Deputado Tito Arantes, com implacável severidade, a determinadas passagens do relatório que precede o despacho, destacando em primeiro lugar aquela frase em que se profligava o arbítrio dos patrões na admissão dos seus empregados.
Aqui entendo que não vale a pena demorar-me em considerações. Sem me arrogar o direito de adivinhar o que andava no pensamento do relator daquele documento,
estou sinceramente convencido de que o "complexo" do ambiente traiu as intenções do escritor. Escreveu-se "arbítrio" no sentido, digamos, técnico de decisão unilateral, dependente apenas da vontade do patrão; mas a verdade é que para a grande massa do Pais tomou-se a palavra no sentido de arbitrariedade, prepotência ou abuso. E um banal deslize de redacção teve polìticamente o mais desastroso dos efeitos, porque foi considerado como um insulto lançado à cara de uma classe a todos os títulos respeitável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Noutra passagem do relatório já não foram os patrões quem esteve em causa, mas sim toda a classe dos empregados de comércio. Sem mais ressalvas, apontou-se essa classe como uma espécie de caixote do lixo para o qual são despejados todos os que noutras profissões não conseguem fazer carreira, porque carecem em absoluto de habilitações para ganhar a vida.
Ora aqui há, a par de um exagero evidente, uma injustiça cruel. Esqueceu-se que na profissão de empregados comerciais não ingressam apenas aqueles que não se impuseram o esforço de levar a termo o curso ou que preferiram o remanso de um escritório e uma actividade monótona, mas sem sobressaltos, ao sacrifício de uma luta exaustiva e permanente, em que o esforço mental e o esforço físico se combinam e a ansiedade do dia de amanhã perturba o sono, arrasando os nervos.
Perdeu-se de vista que dezenas, milhares de rapazes são obrigados a abandonar as escolas superiores, ou por falta do chefe da família (apoiados), ou porque os azares da vida fizeram escassear os meios. O braço do pai, só por si, já não chega; todos tem de contribuir para a manutenção do lar e, como derradeiro recurso, há que transigir com o sonho de um curso superior, abandonando as aulas, procurando o primeiro emprego possível e entregando-se a ele de alma alanceada pelo trágico imperativo de estrangular ambições que fizeram o sonho de horas e horas de cogitação ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quero, todavia, repetir e insistir em que tais infelicidades de linguagem não prejudicam de forma nenhuma o alto pensamento, no sentido da elevação de uma classe, que orientou o Sr. Subsecretário de Estado das Corporações na altura em que assinou o despacho a que estou aludindo. E já agora, que a S. Ex.ª me referi, com aquele espírito de justiça que preside a todas as minhas atitudes, entendo que não realizo senão uma obra de sinceridade ao afirmar que se trata de um membro do Governo que, pela sua acção, pela sua actividade, pela obra que vem realizando e, acima de tudo, pela acção moderadora que soube continuar exercendo sobre certas fantasias rebeldes que por vezes têm perturbado a genuína actuação do Instituto Nacional do Trabalho, é inteiramente merecedor do nosso mais perfeito agradecimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Obrigações das actividades que exerço têm-me forçado nos últimos vinte anos a um contacto, que posso dizer quase permanente, íntimo e directo, com o Instituto Nacional do Trabalho.
Não foram raras as ocasiões em que tive de rebelar-me, de protestar, e protestar veementemente, contra histerismos de natureza político-social manifestados por jovens funcionários daquele Instituto. Mas, em boa verdade, nunca apelei para a intervenção das entidades responsáveis, nunca levei o meu justificado protesto junto daque-
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les a quem cabiam funções de direcção que não visse restabelecida a disciplina, o reconhecimento dos direitos alheios e a dignidade e a disciplina de uma importante instituição.
Os altíssimos resultados obtidos no capítulo das relações pacíficas entre patrões e operários constituem um saldo activo no balanço e contas do Instituto Nacional do Trabalho, que seria ingrato não evocar neste momento e imperdoável que fosse esquecido por esta Assembleia Nacional.
Mas pode concluir-se daqui que estou de acordo com o despacho ou com as explicações trazidas hoje a esta Assembleia pelo Sr. Subsecretário de Estado das Corporações? De nenhum modo. Tenho de fazer, tão ràpidamente quanto possível, algumas observações tão breves quanto possível.
Sr. Presidente: o grande alarme cansado pelo despacho e pelo debate aqui travado anda ao redor - é curioso! - exactamente de disposições que os defensores do despacho proclamam exaltadoras dos méritos o futuros benefícios dos empregados comerciais.
Assim, assegura-se que os exames, as hierarquias ou categorias criadas não seriam mais do que simples medidas de valor ou de classificação do pessoal de cada empresa e que a actividade dos patrões, a sua liberdade de nomeação para cima ou para baixo da categoria que constar da carteira profissional ficava inteiramente livre.
Diz-se e escreve-se nestes termos. Mas no relatório e no despacho deparamos com coisa diferente.
Mas o que está no despacho é diverso do quanto se diga ou exponha.
O indivíduo que, como é sabido, apresente sempre uma atitude desconfiada, receosa, perante cada nova providência legal que surge mais suspeitoso se encontra - e com perfeita razão - quando vê que lhe afirmam como clara e nítida matéria diversa da que o seu espírito simplista recolhe da leitura do texto legal.
E no caso controvertido vê pior, muito pior!
O seu primeiro receio é o de que das categorias que agora vai atribuir a cada um dos seus empregado - libèrrimamente - não venham amanhã a cair-lhe em cima - tràgicamente - os efeitos de um despacho sobre salários mínimos. Neste momento ou dentro dos próximos sessenta e tal dias, quer por generosidade, quer por ignorância, o patrão atribui ao seu pessoal categorias que permitam a entrega de uma carteira profissional com qualquer das categorias previstas nas primeiras alíneas do artigo 9.º do despacho. Semanas, meses volvidos, um despacho de salários mínimos força-o a um aumento do encargos com o pessoal, incomportável, ruinoso.
Bem sei, meus senhores, que também esta questão está explicada na exposição do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações. Mas as explicações não fazem lei, e daí a atmosfera de suspeições e receios por parto das entidades patronais do nosso país.
Há, contudo, mais grave, mesmo muitíssimo mais grave.
Por agora, diz-se, não se trata senão de concessão de categorias profissionais que não representam mais que "graus teóricos de preparação ou especialização profissional".
Quais "graus teóricos"?!
Quais simples diplomas de especialização profissional?!
Quer-me parecer que, neste ponto, o Sr. Subsecretário de Estado das Corporações foi induzido em erro e arrastado para uma posição de futuro insustentável.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: sem qualidades ou condições para "bruxo", antevejo como certo, como inevitável, fatal, que, se o despacho em debate não for radicalmente modificado, a breve trocho, e como lógico e natural complemento desta ... inocente e anódina classificação teórica de capacidade, há-de seguir-se a imposição de quadros dentro de cada uma das empresas comerciais.
E, francamente, aceito u despacho, não será fácil descobrir razões concludentes para condenar essa imposição de quadros.
No escritório de um grande advogado, médico ou engenheiro é claro que não poderá deixar, razoàvelmente, de existir um chefe de escritório ... E as palavras de justificada censura do nosso distinto colega Sr. Melo Machado terão perfeita confirmação.
Ora não é prudente nem justo que isto se faça neste momento, em que comércio o indústria navegam através de escolhos e dificuldades sem conta, em que as possibilidades de crédito estão muito restringidas e quando sobre todos já pesa uma tributação fiscal que está longe de ser suave.
Em matéria de reivindicações sociais sabe-se que cada nova reivindicação conseguida constitui ponto de partida para nova reivindicação a formular. Todos o sabemos. Juntemo-nos, portanto, para desfazer o espectro de futuras organizações profissionais, que implicarão agravamentos das despesas gerais, com todos os inconvenientes que VV. Ex.ªs podem calcular.
O Sr. Melo Machado: - Até porque no relatório se diz que isto não é senão um começo cauteloso ...
O Sr. Tito Arantes: - Quando isso é cauteloso, que faria se não fosse ...
O Orador: - Pois esse começo cauteloso, de um fim desastroso, foi ràpidamente compreendido pela nossa política nacional, e os dois pontos principais que referi influíram da mais decisiva forma na impopularidade do despacho, na sua inoportunidade política e na necessidade particular do uma intervenção imediata desta Assembleia no sentido de acudir a tempo com a indicação de linhas do conduta que ressalvem o interesse geral.
A exposição do Sr. Subsecretário das Corporações a que V. Ex.ª, Sr. Presidente, aludiu - digo-o sem quebra da particular amizade que nos une a S. Ex.ª e da grande consideração que tenho pelas suas altas qualidades de trabalho - não diminuiu, antes manteve integralmente, os meus sobressaltos.
Informa S. Ex.ª que ao instituir a carteira profissional dos empregados do comércio teve como objectivo exigir determinado nível de habilitações ou de preparação profissional, dando assim às empresas garantias do recrutamento de trabalhadores aptos e promovendo o aperfeiçoamento técnico da respectiva actividade.
A seguir observa que na consecução destes objectivos foram aprovados desde 1933 até hoje vinte e sete regulamentos de carteiras profissionais, correspondendo a outras tantas profissões, e que "em todas elas estão consagrados os mesmos princípios que orientaram a carteira agora instituída", terminando por concluir que "a carteira dos empregados de escritório não traz, pois, princípios novos".
Peço licença para divergir.
O despacho agora proferido cria uma orientação inteiramente nova no capítulo da concessão da carteira profissional.
Pessoa amiga fez o favor de me facultar elementos de informação acerca da orientação seguida pelo Instituto Nacional do Trabalho precisamente neste capítulo.
Em matéria de concessão de carteiras profissionais seguiu o Instituto Nacional do Trabalho três critérios ou fases nitidamente diferenciados. No primeiro, adoptou-se a regra de só estabelecer a carteira profissional mediante despacho curto, contendo as regras de concessão, manutenção e privação de carteira e quotização. Anos volvidos, numa segunda fase, admitiu-se a possibi-
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lidado de exames apenas para a hipótese de reclamações ou divergências acerca da categoria profissional mencionada na carteira. E só agora, nesta terceira fase, inovou, criou ou autorizou aquela série de exames destinados ao acesso às inúmeras gradações de uma escala de hierarquias, de que VV. Ex.ªs têm conhecimento.
Vou demonstrar este asserto.
O primeiro despacho sobre concessão de carteiras profissionais que encontro nos documentos que estou analisando vem de Outubro de 1939, quando era Subsecretário de Estado das Corporações o Sr. Dr. Rebelo de Andrade.
Está precisamente nas condições que apontei como características da primeira fase seguida pelo Instituto Nacional do Trabalho: a quem se concede a carteira; o que tem de fazer para se manter com direito a ela; obrigações inerentes e casos em que a carteira pode ser apreendida ou retirada. Vinte linhas na totalidade.
Vem depois um despacho de 30 de Dezembro de 1939, ainda precisamente na mesma orientação; temos a seguir o despacho sobre a carteira profissional dos electricistas, com data de 15 de Março de 1940, também nos mesmos termos sucintos.
Em 31 de Dezembro de 1940 encontro o despacho que aprovou o Regulamento para a Carteira Profissional dos Ajudantes de Farmácia do Distrito de Lisboa, que não se afasta, nas suas linhas gerais, daquilo que acabo de referir, e em 15 de Agosto de 1941 o despacho regulador da carteira profissional dos empregados dos serviços de navegação, em cujo artigo 9.º se inova o princípio característico da segunda fase que referi: no caso de dúvidas sobre a classificação do empregado, direito a exame.
Este critério mantém-se durante bastantes anos. Vejo-o afirmado no despacho que regula a carteira profissional dos tipógrafos, publicado em 15 de Dezembro de 1942, no despacho aprovando o Regulamento da Carteira dos Profissionais de Cinema, com data de 14 de Agosto de 1943, e na carteira profissional dos operários de litografia e rotogravura, de 29 de Abril de 1944.
Já no tempo em que era Subsecretário de Estado das Corporações o Dr. Castro Fernandes se repetiu a orientação no Regulamento da Carteira Profissional dos Toureiros, com a data de 15 de Março de 1946, na carteira profissional dos profissionais de seguros, na dos protésicos dentários, com data de 30 de Abril de 1946, no Regulamento dos Médicos Veterinários, no dos Construtores Civis e no regulamento que aprovou a carteira profissional para os profissionais da indústria hoteleira e similares. A primeira referência a exames aparece quando o actual Subsecretário de Estado das Corporações, Sr. Dr. Mota Veiga, profere o despacho regulamentando a carteira profissional dos trabalhadores da indústria de tanoaria e, depois, a carteira profissional para os profissionais de enfermagem.
Mas, mesmo quanto a estas, o critério adoptado agora no despacho objecto do aviso prévio é novo, original, sem precedentes.
Logo, não se trata de alargar um princípio já consagrado por largos precedentes, mas sim de criar uma orientação nova, marcada por todos aqueles inegáveis inconvenientes aqui apontados e que modificam por completo as tradições prudentemente seguidas pelo Instituto Nacional do Trabalho em problemas de tamanha transcendência, pelas projecções que de futuro virá a ter na vida e encargos das empresas comerciais e industriais portuguesas.
Sr. Presidente: linhas adiante desta primeira explicação que acabo de rectificar, o Sr. Subsecretário das Corporações esclarece que para o estudo da concessão da carteira profissional dos empregados do comércio se nomeou uma comissão composta de representantes do Instituto, do Ministério da Educação Nacional e da organização sindical dos empregados de escritório.
Nesta fonte do despacho vislumbro a sua condenação.
Quero acreditar que todos os vícios, todas as dificuldades, todas as violências arguidas contra o despacho de que se trata provieram exclusivamente deste vício de origem: um regulamento estudado, concebido, orientado desde as suas primeiras fases com absoluta exclusão das entidades patronais, exclusão tanto mais injustificada quanto é certo que nesta mesma exposição, na sua última folha, o Sr. Subsecretário de Estado das Corporações reconhece, e mais uma vez afirma, que vê a maior utilidade em que todos os interessados - organismos corporativos, empresas e profissionais - colaborem, através de sugestões e de críticas construtivas, para o aperfeiçoamento do que se fez.
Se a colaboração das empresas, isto é, das entidades patronais, é da maior utilidade, porque se não solicitou logo desde o início? Porquê?
Pois então que as aspirações do Sr. Subsecretário das Corporações se harmonizem com as realidades; e que um despacho saído do seio de uma comissão de que havia sido tão inexplicável como injustificadamente excluída a representação patronal seja revisto com a intervenção dessas mesmas entidades patronais, de modo a reformá-lo numa atmosfera de equilíbrio e de recíproca compreensão.
As palavras da exposição implicam, necessariamente, a suspensão e a remodelação do despacho.
Mas, se hesitações ainda há, então o que vai seguir-se desfá-las.
Em explicações ou esclarecimentos das dúvidas criadas ao redor do texto do artigo 9.º do despacho, em confronto com a disposição contida no respectivo artigo 5.º, diz a exposição que, afinal, a categoria profissional reconhecida pelo artigo 9.º do regulamento não representa mais do que graus teóricos da especialização profissional, duma qualificação independente do exercício da função, e afirma que é assim também que sucede nos estabelecimentos bancários.
Admitida em absoluto, com a rigidez que resulta destas palavras, a explicação de S. Exa., a regulamentação prevista no despacho será então uma completa inutilidade. Estar-se-á "brincando aos diplomas" sem utilidade prática. E não vale a pena agitar os interesses e provocar impopular idades e agitação política ao redor de uma regulamentação que, no fim de contas, visa a - perdoe V. Ex.ª a expressão, Sr. Presidente - "canudo" a mais ou "canudo" a menos.
Por último, o Sr. Subsecretário de Estado das Corporações conclui que ficam assim esclarecidas as interpretações que têm sido dadas ao regulamento quanto a estes pontos fundamentais, resultantes certamente de falta de clareza do texto, que em próximas revisões se procurará remediar.
E, patenteando ainda melhor o seu pensamento, a p. 14, o Sr. Subsecretário de Estado acrescenta que mais uma vez se faz notar que as normas estabelecidas não tem carácter definitivo, mas meramente experimental, como ficou expresso no artigo 28.º do regulamento em causa.
Ora, Srs. Deputados, por mais que o Sr. Subsecretário afirme o aspecto experimental destas normas, os orientadores do sindicato respectivo é que não pensam de igual modo.
VV. Ex.ªs ouviram ler as circulares aqui referidas pelo Sr. Deputado Melo Machado. VV. Ex.ªs viram que imediatamente os sindicatos se puseram em contacto com os patrões, não para que com eles colaborassem numa experiência, mas já com o ar intimativo de ou cumpres ou és multado.
Dê por onde der, temos de desfazer imediatamente estes equívocos.
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Desde que o Sr. Subsecretário de Estado reconhece que se trata de uma medida em estudo, desde que reclama a colaboração desta Assembleia e das entidades patronais, desde que se propõe rever e reconsiderar o assunto, há uma solução que se impõe, qual seja a da suspensão imediata do despacho em tudo aquilo que não respeite directamente à concessão da carteira, com a suspensão de todas as medidas referentes a hierarquias e a provas de exames.
Esta última matéria deverá ser regulada preferìvelmente - porque isso seria o mais razoável para a satisfação de todos os interesses - num diploma legal sobre o qual incida ampla discussão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: espero não ter de cansar por muito tempo a atenção da Assembleia.
Do debate resulta que a Assembleia se não insurge, antes aceita o princípio da carteira profissional.
A Assembleia aceita o princípio, mas não concorda com a organização do princípio tal como foi feita no regulamento que tem estado em discussão. Melhor direi: alguns Srs. Deputados não aceitam a organização do princípio tal como foi feita no regulamento em debate.
E eu compreendo perfeitamente a posição destes Srs. Deputados, sobretudo depois de ter lido e reflectido sobre as explicações mandadas à Assembleia pelo Sr. Subsecretário de Estado das Corporações.
Não vou discutir, porque entendo que não é este o momento de discutir este problema.
É boa a interpretação que por aqueles Srs. Deputados foi feita das disposições do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Escritório ou é boa a interpretação que desse regulamento e das respectivas disposições dá o Subsecretário de Estado das Corporações?
Não vou emitir juízo sobre isto. Vou dizer que, desde que o executor qualificado do regulamento dá um certo sentido a esse conjunto de disposições, a critica há que fazê-la, não tanto sobre as próprias disposições em si mesmas, mas sobre esta interpretação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E a verdade é que, se é naquela base que a critica deve ser feita, as explicações trazidas à Assembleia pelo Sr. Subsecretário de Estado das Corporações como que tiram, conteúdo às criticas que ao regulamento foram dirigidas.
Como disse, não estou a discutir se é boa a interpretação dada pelo Sr. Subsecretário de Estado das Corporações, se é melhor outra ou outras interpretações que tenham sido dadas ao regulamento. Digo: há uma certa interpretação do regulamento que, uma vez admitida, dá de um modo geral satisfação às ansiedades expressas nesta Assembleia: é a interpretação do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações. Se, portanto, o problema se apresenta nestes termos, dispenso-me de cansar VV. Ex.ªs a repor de novo, para de novo serem discutidas, as várias interpretações do regulamento.
Do debate resulta que se aceita o princípio da carteira profissional, mas se entende que ela não deve ser sujeita a um regime muito apertado; ao contrário, deve tornar fácil às entidades patronais, no capítulo da escolha dos seus empregados, no capitulo de promoção e acesso aos seus empregados, o recrutamento e colocação destes.
Os esclarecimentos prestados dizem que é essa a posição que defende a pessoa particularmente responsável pela execução do diploma.
Creio que não me poderá ser dito, nem mesmo pelo nosso querido camarada Sr. Melo Machado, depois do conhecer os termos da moção que vou apresentar, que ela não conseguiu exprimir a orientação geral do debate. Não me demorarei mais tempo nas minhas considerações, porque não tenho o direito de estar a cansar VV. Ex.ªs (não apoiados). E não traria, de resto, nada de novo; todos aceitam o princípio da carteira profissional e a necessidade ou conveniência de que exista. A moção que vou apresentar traduz o condicionalismo geral a que deve ser sujeita, refere os princípios a que deve obedecer a organização do seu regime.
A moção é a seguinte :
"A Assembleia Nacional, considerando o debate sobre o Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Escritório e os esclarecimentos prestados pelo Subsecretário de Estado das Corporações, emite os votos expressos nas alíneas seguintes, que, de um modo geral, coincidem com a interpretação dada às disposições do regulamento por aqueles esclarecimentos:
1.º Não deve o regulamento ser executado para efeito da passagem da carteira profissional, mas só para efeito da recolha dos elementos de facto que aquela passagem pressupõe;
2.º Volvidos os seis meses em que o regulamento se considera, nos termos do seu artigo 38.º, em regime experimental, só por diploma legal poderá estabelecer-se o condicionamento da atribuição da carteira profissional;
3.º O condicionamento legal a que se refere a alínea anterior não deverá afectar a situação e possibilidades de promoção dos actuais empregados de escritório;
4.º As condições de ingresso na profissão devem ser fáceis e independentes das de promoção dentro dos respectivos quadros, e só às entidades patronais cabe julgar das últimas".
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum orador inscrito para a ordem do dia. Considero, portanto, encerrado o debate e vai passar-se à votação da moção apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Submetida à cotação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: os trinta dias da prorrogação da actual sessão legislativa abrangem as próximas férias. Assim, o período útil de trabalho parlamentar é diminuído e os objectivos da prorrogação, em parte, frustrados se a Assembleia continuar virtualmente aberta, embora sem sessões, durante as férias.
Para que assim não suceda só há um recurso, que se impõe: o da interrupção do funcionamento efectivo da Assembleia durante o período das próximas férias. E, assim, sem prejuízo da prorrogação da sessão legislativa já declarada, e usando da faculdade que me confere o § único do artigo 94.º da Constituição Política da República Portuguesa, declaro interrompido o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional pelo período das próximas férias da Páscoa, ou seja desde o dia 2, inclusive, até ao dia 10, inclusive.
A próxima sessão será no dia 12 de Abril, à hora regimental, e terá por ordem do dia a discussão da proposta de lei sobre o ensino das belas-artes.
A Comissão de Legislação e Redacção continuará a funcionar durante a interrupção dos trabalhos da Assem-
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bleia, para dar a redacção definitiva aos diplomas já aprovados por esta Assembleia.
O Sr. Melo Machado (para interrogar a Mesa): - Gostava que V. Ex.ª me esclarecesse se já há conhecimento do parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei que se refere aos serviços do notariado.
O Sr. Presidente: - Informo V. Ex.ª de que o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei que reforma os serviços de registo e do notariado deverá, provavelmente, estar concluído depois de amanhã. Logo, a Câmara poderá começar os seus trabalhos sobre esse diploma imediatamente depois da reabertura da sessão legislativa.
O Sr. Melo Machado: - Muito obrigado pela informação de V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Hoje chegou à Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Tito Arantes relativo a alterações à lei do inquilinato, que foi mandado baixar às Comissões de Legislação e Redacção e de Economia e será publicado no Diário das Sessões. Chamo a atenção dos Srs. Deputados para este assunto.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 36 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Carlos Borges.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Alves de Araújo.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Documentos a que o Sr. Presidente se referiu no decurso da sessão de hoje:
1. A Lei n.º 2:036, de 9 de Agosto de 1949, ao criar os elementos fundamentais da luta contra as doenças contagiosas, exclui na base I o combate à lepra e à tuberculose, que deveria ser regulado por diplomas especiais.
Quanto à primeira destas doenças, foi publicado o Decreto-Lei n.º 36:450, de 2 de Agosto de 1947, cujas soluções foram definitivamente consagradas no Congresso Internacional da Lepra, realizado em Havana em Abril de 1948, nada havendo por isso a rever ou a acrescentar.
A presente proposta destina-se a enfrentar o problema da luta contra a tuberculose.
Doença espalhada por todo o Mundo, tanto afecta o pobre como o rico, e nenhuma outra atinge mais profundamente a economia das nações pelo número das suas vítimas, pela diminuição do rendimento do trabalho nacional - atenta a circunstância de o flagelo ferir de preferência os indivíduos no período mais fecundo da sua existência -, pelos encargos que dela resultam e ainda pelo elevado custo do armamento antituberculoso e da sua manutenção. Por isso, Ricardo Jorge considerava a tuberculose "o mais jurado inimigo da vida colectiva, praga por excelência da Humanidade temporânea, entregue sem remissão à sua corrosão incessante e implacável".
Doença social por excelência, as suas repercussões de ordem demográfica, económica e financeira só poderão ser atenuadas à custa de um grande esforço colectivo.
Compreende-se, pois, que o Estado assuma a função de orientar, coordenar e fiscalizar a acção a desenvolver no combate à tuberculose, procure estimular e favorecer as iniciativas privadas que visem a mesma finalidade e supra, na medida do possível, as deficiências destas.
2. Toda a luta pressupõe a existência de armas adequadas e de um plano de acção a executar de harmonia com os meios postos à disposição das entidades responsáveis.
Com o fim de discutir, elaborar e aprovar os programas de luta contra a tuberculose, sucedem-se os congressos e as conferências e tomam-se medidas legislativas; para executá-los abrem-se sanatórios e criam-se serviços de assistência.
Descoberto em 1882 o bacilo de Koch - no dizer de Sousa Martins "o mais perseverante e insaciável inimigo patológico do homem" -, e assente que a tuberculose é uma doença adquirida por contágio, e não por hereditariedade, foi possível organizar em bases científicas a luta contra o terrível flagelo, realizando-se entre nós, ainda no século passado e com essa finalidade, o Congresso de Coimbra.
No campo legislativo, em 1899, o Deputado Moreira Júnior, fazendo-se eco da opinião pública, chamava a atenção do Governo para a gravidade do problema, rucebendo do Presidente do Ministério a promessa de que em breve seria enviada à Câmara uma proposta relativa à criação de um fundo especial destinado à luta contra a tuberculose, proposta que veio a converter-se na Lei de 17 de Agosto de 1899.
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No mesmo ano, a Rainha D. Amélia convocou uma reunião a fim de se estabelecer, em bases legais, a Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Explicando os fins da nova associação de beneficência, a Bainha disse que se tornava necessário:
1.º Construir hospitais marítimos, onde se modificasse o organismo das crianças que mais tarde seriam as vítimas preferidas da doença;
2.º Fundar sanatórios em clima de montanha, para tratamento dos tuberculosos curáveis;
3.º Estabelecer em todas as capitais de distrito institutos que servissem, não sòmente para o estudo do tratamento da física, mas também para socorro aos doentes que precisassem de trabalhar para ocorrer às necessidades de suas famílias, socorros que deviam consistir em subsistências, aplicações terapêuticas e conselhos de higiene;
4.º E, principalmente, criar hospitais para tuberculosos que permitissem evitar a sua promiscuidade com os outros doentes que entram nos hospitais ordinários para se tratarem de qualquer outra doença e que deles saem afectados de um mal terrível que em breve os mataria, depois de terem, contaminado as famílias.
Graças ao generoso impulso que, desde a primeira hora, lhe foi dado, a Assistência Nacional aos Tuberculosos, decorrido um ano, criou uma sucursal no Porto e inaugurou o primeiro estabelecimento da luta contra a tuberculose - o -Sanatório Marítimo do Outão, logo seguido da abertura do Sanatório de Carcavelos, também para tuberculose óssea, dos Sanatórios de Sousa Martins, na Guarda, e de Rodrigues Gusmão, em Portalegre, e, finalmente, da construção do Hospital de Repouso D. Carlos I, em Lisboa, que só veio a ser inaugurado alguns anos depois.
No mesmo ano - 1901 - em que Calmette criava em França o primeiro dispensário abriu também o de Lisboa, a que se seguiram outros, em Bragança, Porto, Faro e Viana do Castelo.
De 1910 a 192G a campanha contra a tuberculose entrou em franco declínio, explicável em parte pelas dificuldades financeiras, pela instabilidade dos governos e pela desorientação dos espíritos, tendo sido aberto neste período um único dispensário - o de Ponta Delgada - e concedida assistência aos militares tuberculosos pelo Decreto n.º 3:471, de 20 de Outubro de 1917.
A partir de 1926 as coisas modificaram-se.
O Decreto n.º 14:192, de 31 de Agosto de 1927, atendendo à conveniência de evitar tanto quanto possível a difusão da tuberculose, concedeu a todos os funcionários públicos, quando tuberculosos, o direito à assistência, que ainda se mantém, com as modificações introduzidas pelo Decreto n.º 33:549, de 23 de Fevereiro de 1944.
Pelo Decreto n.º 14:476, de 26 de Outubro de 1927, foram aprovadas as bases a que devem obedecer os diplomas a publicar, tendo em vista a necessidade de opor uma barreira ao desenvolvimento da tuberculose.
Ainda no mesmo ano, pelo Decreto n.º 14:798, foi tornado extensivo às pessoas de família dos oficiais, sargentos e seus equiparados que não possuam rendimentos próprios para ocorrerem ao seu tratamento o direito concedido aos militares tuberculosos.
Em 1928, pelo Decreto n.º 15:497, de 21 de Maio, foi criada a comissão de profilaxia da tuberculose, com o fim de estudar as medidas necessárias a combater esta doença e estabelecer a respectiva organização, e em 9 de Janeiro de 1931, pelo Decreto n.º 19:217, foi encarregada outra comissão de elaborar um projecto de reorganização dos serviços de combate à tuberculose, incluindo os da assistência particular. Finalmente, em 1942, foi nomeada uma nova comissão para rever as soluções adoptadas e propor as directrizes convenientes.
Nas conclusões do relatório elaborado pela última comissão definia-se a acção do Estado e preconizava-se a criação de um Conselho Superior de Luta Contra a Tuberculose e de um instituto autónomo especializado.
O Decreto-Lei n.º 35:108, de 7 de Novembro de 1945, que criou o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, no qual se integrou a prestimosa instituição criada pela Rainha D. Amélia, e a presente proposta dão, em grande parte, satisfação aos votos formulados pela referida comissão.
Pelos Decretos-Leis n.ºs 35:191 e 37:286, respectivamente de 24 de Novembro de 1945 e 18 de Janeiro de 1949, foram organizados os serviços de assistência aos tuberculosos do Exército e da Armada.
O estudo das normas a adoptar na luta contra a tuberculose foi acompanhado do aumento dos meios de combate, abrindo-se novos sanatórios e dispensários, cujo número e capacidade mais rio que decuplicaram nos últimos vinte anos.
3. A luta antituberculosa abrange, nos termos da proposta, a acção profiláctica, a terapêutica e a recuperadora.
Embora sejam diferentes as normas a observar relativamente a cada uma das referidas modalidades e os estabelecimentos e serviços necessários à sua execução, todas essas normas e organismos estão ligados pela identidade do fim, constituindo peças da mesma engrenagem.
O conjunto das formações sanitárias destinadas à luta contra a tuberculose é constituído por dispensários, brigadas móveis, preventórios, hospitais especiais, sanatórios e centros de convalescença e de readaptação.
Os primeiros estão especialmente afectos à acção profiláctica; os restantes à terapêutica e à recuperadora.
Estando há muito assente «haver mais economia em prevenir o alastramento do mal do que em curar a doença», compreende-se que a presente proposta dê especial relevo à acção preventiva.
A peça fundamental do sistema é, pois, o dispensário, cujas funções são múltiplas.
Em contacto directo com a população, cumpre-lhe examinar os suspeitos, as crianças, as pessoas que convivam com tuberculosos e ainda os trabalhadores cuja profissão acuse grande morbilidade tuberculosa.
Feito o exame, compete-lhe enviar os doentes para o estabelecimento adequado, chamar a atenção do médico assistente para os suspeitos e afastar as crianças das fontes de contágio.
Em relação aos doentes que não necessitem de ser internados, procede ao seu tratamento em regime ambulatório ou domiciliário.
Por outro lado, compete-lhe vigiar os doentes que tenham tido alta. organizar o cadastro radiológico, sistemático e periódico, a fim de distinguir os que têm saúde daqueles que a não possuem e (porventura ignoram a doença, vigiar debilitados e suspeitos, diagnosticar a tuberculose na fase inicial das lesões, para que, com esse diagnóstico precoce, possa coincidir o tratamento imediato, e, por último, divulgar os preceitos de higiene pertinentes à profilaxia daquela doença.
Numa palavra: nado do que respeita aos tuberculosos, desde a casa que habitam à profissão que exercem, pode ser estranho ao dispensário.
Directamente ligadas à sua acção, as brigadas móveis, espécie de dispensários ambulantes, completam o trabalho daquele no que respeita à profilaxia da doença e à investigação epidemiológica.
Os resultados obtidos por meio destas brigadas na campanha antiviriólica e no combate à lepra aconse-
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lham que se prossiga na mesma orientação, levando ato aos meios rurais os recursos postos pela ciência e pela técnica à disposição do homem para combater a mais grave das endemias.
Mas, se interessa isolar e tratar os indivíduos bacilíferos, não importa menos evitar a eclosão da doença. A isso se destinam os preventórios, auxiliares preciosos do dispensário, onde se fortalecem as crianças e adolescentes, preventivamente afastados do meio contaminado em que viviam.
Os preventórios podem ainda ser utilizados para isolar as crianças vacinadas pelo B. C. G. dos tuberculosos com quem conviviam, enquanto não se revelar a alergia resultante da vacina.
A adopção generalizada das medidas profilácticas pressupõe o conhecimento da morbilidade tuberculosa.
Com esse fim, a proposta prevê a inclusão de certas formas de tuberculose na tabela das doenças contagiosas de declaração obrigatória.
Atento o perigo de contágio, deve ser vedado aos tuberculosos o exercício de certas profissões, tais como as de professor, barbeiro, padeiro, leiteiro, criada de servir e criado de hotéis, restaurantes e cafés, o que só se pode conseguir mediante a declaração obrigatória da tuberculose, quando aberta ou bacilífera.
Por último, não pode deixar de ter-se em conta que a acção profiláctica desenvolvida pelos estabelecimentos e serviços referidos é sensìvelmente favorecida pelo emprego de uma nova arma - a vacinação pelo bacilo de Calmette-Guérin, que, passada a fase de incerteza sobre os seus resultados, está a ser usada como elemento essencial na prevenção da doença.
4. No que respeita propriamente à acção terapêutica, é forçoso reconhecer que a cura da tuberculose não regista o êxito obtido no tratamento de outras doenças.
O número de decepções é quase igual ao dos medicamentos experimentados. As sulfamidas, a penicilina, a própria estreptomicina não corresponderam às esperanças nelas depositadas.
A tuberculose é, efectivamente, uma doença curável, mas, por enquanto, as probabilidades de cura são tanto maiores quanto menos tempo mediar entre o início da doença e o respectivo tratamento.
Na base da terapêutica estão o diagnóstico precoce e o internamento em estabelecimentos adequados, em que a medicação destinada a fortalecer o organismo possa ser auxiliada pelo repouso e pela acção do clima.
Deste modo, os sanatórios são o centro principal de tratamento. Estabelecimentos cuja manutenção é onerosa, neles só devem ser admitidos os doentes cujo estado permita esperar a cura.
Para os hospitais especiais deverão ser dirigidos os doentes com lesões profundas e cujo isolamento seja necessário para evitar a transmissão da doença ou aqueles que devam ser sujeitos a intervenções cirúrgicas. E, assim, estes estabelecimentos são simultâneamente meios de profilaxia e centros de tratamento activo, atentos os progressos verificados nos últimos anos nos métodos de compressão pulmonar.
5. Na luta contra a tuberculose deve ainda ser considerado um outro aspecto: o da assistência pós-sanatorial.
A grande percentagem de doentes que, tendo obtido alta dos sanatórios, neles reingressam passado pouco tempo e a dos doentes falecidos dentro de dois a três anos após a saída do sanatório chamou a atenção para a necessidade daquela assistência.
A par dos doentes que em seguida à cura adquirem realmente a sua anterior capacidade profissional enfileiram os que só poderão ocupar-se em trabalhos moderados ou diversos dos que executavam antes do internamento.
A adaptação do doente a uma nova profissão ou ambiente de trabalho pode conseguir-se por duas formas:
a) Ocupação gradual no próprio sanatório em trabalho compatível com a sua idade, sexo e aptidões, tanto quanto possível idêntico aquele que terá de executar após a alta;
b) Colocação em centros de convalescença e de readaptação em regime interno ou externo.
A proposta prevê estes centros entre as ipecas do armamento antituberculoso. Constituem eles entre nós uma inovação, mas a experiência alheia há muito ensinou que a recuperação clínica do tuberculoso é insuficiente, pelo que, ao lado dela, é preciso preparar a sua recuperação social.
Além disso, a terapêutica ocupacional constitui no tratamento da tuberculose adjuvante de valor que, quando bem orientada, pode servir de ligação entre o sanatório e o centro de convalescença e readaptação e entre este e a vida normal.
A readaptação do tuberculoso só será completa quando este possa exercer uma profissão de que aufira o suficiente para viver sem detrimento da sua saúde. A isso visam os referidos centros.
6. A luta antituberculosa tem por elemento superior de orientação e coordenação o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, funcionando o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social como órgão consultivo.
7. A tuberculose é uma doença cara.
Contando os dias perdidos para o trabalho e as despesas que o seu tratamento ocasiona, calcula-se que o seu custo representa cerca de uma quarta parte da importância despendida com todas as outras doenças.
Assim, o Estado não pode suportar isoladamente todo o volume das despesas pertinentes à luta contra a tuberculose. Integralmente a seu cargo deverão ficar apenas os indigentes e inaptos para o exercício de qualquer actividade útil e colocados por isso à margem de qualquer seguro social.
Na verdade, seja qual for a extensão deste, haverá sempre um grupo que não poderá ser abrangido por ele, pelo que há-de forçosamente constituir encargo da colectividade.
Em relação, porém, aos trabalhadores o problema é outro.
Da mesma forma por que devem satisfazer os encargos com o tratamento das doenças os que possuam bens suficientes, não devem depender da assistência oficial os que pelo seu trabalho auferem o suficiente para viver. A sua remuneração deve bastar não só à satisfação das suas necessidades normais, mas ainda à prevenção e cobertura dos riscos susceptíveis de comprometer a economia familiar, entre os quais a doença figura em primeiro plano. Durante ela o trabalhador deixa de receber o salário, diminuindo ou até desaparecendo assim os recursos com que normalmente contava.
De harmonia com estes princípios a proposta prevê que os encargos da assistência aos tuberculosos sejam suportados pelos próprios assistidos, seus cônjuges, ascendentes, descendentes e irmãos, com obrigação legal de alimentos, em conformidade com as possibilidades da respectiva economia familiar.
Por outro lado, prevê-se a intervenção das companhias de seguros, à semelhança do que acontece em outros países, na cobertura do risco relativo à tuberculose.
Da mesma forma, pelos encargos relativos aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares respondem em princípio as mesmas instituições ou aquelas em que estas se acharem integradas para efeito da prestação de assistência na doença.
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Assim se estabeleceu na base XXIV da Lei n.º 2:036, relativa à luta contra as doenças contagiosas; e, sendo a tuberculose, além de contagiosa, a mais importante das doenças sociais, nada justificaria a mudança de orientação.
Mas pode dar-se o caso de a maioria das instituições de previdência não estar em condições financeiras de suportar qualquer aumento de encargos.
Verificada essa impossibilidade, poderá optar-se por uma de duas soluções: aumento das contribuições actualmente pagas pelas empresas e pelos beneficiários ou revisão do esquema de seguro em vigor na modalidade de doença.
O assunto é complexo e carece de cuidadoso exame.
Se, por um lado, o aumento de contribuições não está indicado, dado o seu reflexo na produção, por outro, o seguro social, sob pena de se negar a si próprio, não pode deixar de participar nos encargos da luta contra este flagelo social.
Há assim que encarar a segunda solução: rever o esquema do seguro, tendo em vista a necessidade de cobrir principalmente o risco que não possa ser suportado pela economia familiar. Na verdade, se os beneficiários das instituições de previdência podem normalmente suportar, ainda que com algum sacrifício, as despesas com doenças de curta duração, o mesmo não acontece com a tuberculose, que, além de afectar a sua capacidade de ganho durante um longo período, ocasiona despesas de tratamento incompatíveis com os seus recursos. Fixado o princípio da responsabilidade das instituições de previdência, a sua efectivação tem, porém, de ficar dependente da medida em que esta modalidade de assistência for prevista nos regulamentos das referidas instituições, não deixando de se ter em conta as maiores ou menores possibilidades destas.
8. A construção, adaptação ou ampliação dos edifícios necessários à instalação dos estabelecimentos e serviços devem obedecer aos planos aprovados pelo Governo e ao princípio da maior economia, desde que esta não seja incompatível com a eficiência dos serviços.
No sentido de estimular a acção das Misericórdias e a iniciativa privada, estabelece-se que as obras empreendidas por umas e por outra poderão beneficiar de comparticipação do Estado até 75 por cento do seu custo.
Com a mesma finalidade se isentam de impostos e emolumentos todos os actos e contratos relativos à constituição e desenvolvimento das instituições destinadas à luta contra a tuberculose.
9. A fim de evitar duplicação de serviços e o consequente encarecimento das realizações, alarga-se a competência de uma comissão já existente - á Comissão das Construções Hospitalares -, estendendo-se aos edifícios de que se ocupa a presente proposta.
Estas as linhas gerais da proposta que o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional.
Proposta de lei sobre a luta contra a tuberculose
BASE I
A luta contra a tuberculose abrange a acção profiláctica, a terapêutica e a recuperadora.
BASE II
1. Ao Estado incumbe:
a) Estimular e favorecer as iniciativas particulares que contribuam para a realização de qualquer das modalidades previstas na base I, autorizando e auxiliando a construção e manutenção dos estabelecimentos e serviços respectivos;
b) Orientar, coordenar e fiscalizar a acção relativa à luta contra a tuberculose;
c) Criar e manter os estabelecimentos e serviços necessários à luta contra a tuberculose a que a iniciativa privada, não possa dar satisfação.
2. Ao Ministro do Interior, sob proposta da Direcção-Geral de Saúde, compete definir as formas de tuberculose que devem ser incluídas na tabela das doenças de declaração obrigatória a que se refere o n.º 1 da base IX da Lei n.º 2:036, de 9 de Agosto de 1949.
BASE III
1. Na orientação da política de assistência social relativa à luta contra a tuberculose funciona, como órgão consultivo, o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social.
2. Para o efeito do disposto nesta base, farão parte do Conselho o director-geral da Previdência do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e dois tisiólogos de reconhecido mérito, escolhidos pelo Ministro do Interior de entre os que tenham revelado especial interesse pelos problemas da luta contra a tuberculose.
BASE IV
1. A acção do Estado, no que respeita às atribuições fixadas na base II, é exercida através do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, que funciona na dependência do Ministério do Interior, e em colaboração com os serviços de saúde, de assistência e de previdência.
2. O Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos goza de personalidade jurídica e de autonomia técnica e financeira, podendo adquirir bens e usufruir os que lhe forem entregues para a realização dos seus fins.
3. A alienação dos bens imóveis depende de autorização do Ministro das Finanças.
BASE V
1. Ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos compete:
a) Promover a criação e funcionamento dos estabelecimentos destinados à acção profiláctica, terapêutica e recuperadora, de harmonia com as necessidades da luta contra a tuberculose;
b) Orientar e coordenar a assistência aos tuberculosos e fiscalizar o funcionamento dos estabelecimentos e serviços em que é prestada;
c) Orientar a formação técnica do pessoal especializado de médicos e enfermeiros, promovendo a organização e funcionamento de cursos e estágios de ensino e aperfeiçoamento ou de investigação tisiológica nos estabelecimentos que reúnam melhores condições para este fim;
d) Divulgar os preceitos de higiene e de profilaxia antituberculosa, orientando a respectiva propaganda;
e) Promover a vacinação pelo bacilo de Calmette-Guérin (B. C. G.) ou por outros meios de imunização, assim como a preparação ou a aquisição da vacina e a sua distribuição pelos diferentes serviços;
f) Coordenar a acção dos estabelecimentos próprios e dos particulares com a desenvolvida pelas Misericórdias e outros organismos de assistência e de previdência;
g) Fixar, de acordo com a Direcção-Geral de Saúde, as condições mínimas de abertura e funcionamento dos estabelecimentos e serviços destinados à luta contra a tuberculose, e bem assim as condições de admissão dos tuberculosos nos serviços, pavilhões ou enfermarias que lhes são destinados nos hospitais gerais;
h) Dar parecer sobre a concessão de subsídios de cooperação às Misericórdias e entidades particulares
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que mantenham ou se proponham construir e manter estabelecimentos e serviços destinados à luta contra a tuberculose;
i) Cooperar com a Direcção-Geral de Saúde e com o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência no estudo dos problemas relativos à alimentação, condições de trabalho, habitação e mais factores higiénicos, económicos ou sociais que influam na morbilidade e mortalidade pela tuberculose;
j) Efectuar os exames a que se refere o artigo 1 .º do Decreto-Lei n.º 33:549, de 23 de Fevereiro de 1944;
l) Prestar aos funcionários públicos a assistência a que tiverem direito.
2. Os serviços de saúde e assistência prestarão ao Instituto o concurso que for julgado conveniente ao desempenho das suas atribuições.
BASE VI
1. Para a realização dos seus fins, o Instituto terá como receita:
a) O rendimento dos bens próprios;
b) O produto de heranças, doações, legados e donativos instituídos a seu favor;
c) O produto da venda do selo antituberculoso;
d) Aã pensões e percentagens de compensação pagas pelos doentes e suas famílias, autarquias, instituições e previdência, companhias de seguros e outras entidades;
e) O produto de percentagens sobre os honorários respeitantes a serviços clínicos, radiológicos e laboratoriais prestados a pensionistas;
f) Os subsídios do Estado e das autarquias locais.
2. O selo antituberculoso, cujo valor não excederá 1$, poderá ser utilizado não só na correspondência postal, como em quaisquer documentos, facturas ou recibos.
BASE VII
1. A luta contra a tuberculose é assegurada por:
a) Dispensários;
b) Brigadas móveis;
c) Preventórios;
d) Hospitais especiais;
e) Sanatórios;
f) Centros de convalescença e de readaptação.
2. Os hospitais gerais deverão dispor de serviços, pavilhões ou enfermarias destinados ao internamento temporário de tuberculosos, excepto nas localidades onde existam hospitais especiais.
BASE VIII
1. Aos dispensários cabe:
a) Exercer a acção profiláctica, examinando os suspeitos, as crianças e as pessoas que convivam com tuberculosos ou que exerçam profissão que acuse grande morbilidade tuberculosa;
b) Propor a admissão dos doentes que devam ser internados, indicando o estabelecimento adequado;
c) Observar e tratar os doentes que não necessitem de internamento ou aguardem vaga nos estabelecimentos adequados;
d) Sugerir as providências a adoptar com as crianças em perigo de contágio;
e) Vigiar os doentes que tenham obtido alta;
f) Prestar, em regime ambulatório ou domiciliário, a assistência a que os funcionários públicos tenham direito;
g) Organizar o cadastro radiológico;
h) Divulgar por meio de cursos, conferências, folhetos e cartazes os preceitos de higiene relativos à profilaxia da tuberculose.
2. Os dispensários autituberculosos poderão constituir uma secção de dispensários polivalentes.
3. Na dependência dos dispensários principais poderão funcionar postos rurais e secções de dispensários polivalentes, destinados a assegurar na respectiva área a assistência aos tuberculosos.
BASE IX
1. Às brigadas móveis incumbem, nas áreas visitadas, as funções cometidas aos dispensários nas alíneas a), b), d), g) e h) n.º 1 da base anterior.
2. Os delegados e subdelegados de saúde, os médicos municipais, os médicos das instituições de previdência, das Casas do Povo e dos Pescadores e as autoridades administrativas e policiais prestarão às brigadas móveis a colaboração de que as mesmas careçam para o bom desempenho da sua missão.
BASE X
1. Os preventórios destinam-se à defesa e fortalecimento de crianças e adolescentes em perigo de contágio e bem assim ao tratamento dos afectados de tuberculose de natureza não evolutiva ou contagiosa.
2. Os preventórios devem assegurar, na medida do possível, assistência escolar aos menores neles internados.
BASE XI
1. Os hospitais especiais para tuberculosos destinam-se ao tratamento e isolamento de doentes para os quais não esteja indicada zona climática especial.
2. Os serviços, pavilhões ou enfermarias dos hospitais gerais destinados ao internamento de tuberculosos desempenham, a título temporário, as funções dos hospitais especiais.
BASE XII
1. Os sanatórios destinam-se a proporcionar hospitalização aos tuberculosos cujo estado aconselhe a acção adjuvante do clima.
2. O internamento dos doentes em sanatórios far-se-á normalmente por proposta da direcção dos dispensários ou dos hospitais especiais.
BASE XIII
Os centros de convalescença e de readaptação destinam-se aos doentes que necessitem de um longo período de convalescença ou de readaptação a trabalho compatível com o seu estado ou resistência física.
BASE XIV
1. Os encargos da assistência aos tuberculosos competem:
a) Aos próprios assistidos, seus cônjuges, ascendentes, descendentes e irmãos, quando tenham obrigação legal de alimentos, de harmonia com as possibilidades da respectiva economia familiar e quando os assistidos não estiverem seguros contra a tuberculose;
b) Às companhias de seguros que tenham assumido a inerente responsabilidade;
c) As instituições de previdência social previstas no artigo 1.º da Lei n.º 1:884, de 16 de Março de 1930, ou às instituições em que aquelas se acharem integradas para efeito da prestação de assistência na doença, relativamente aos sócios ou beneficiários e pessoas de família por elas abrangidos;
d) Ao Estado, por força das dotações destinadas à luta contra a tuberculose e à assistência aos doentes indigentes e aos pobres, na parte não coberta pelo seguro;
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c) Aos estabelecimentos e serviços que prestem assistência aos tuberculosos, por força das suas receitas próprias ou dos subsídios do Estado.
2. As Casas do Povo e dos Pescadores não são abrangidas pelo disposto na alínea c) do número anterior.
3. Para os efeitos da alínea c) desta base, os encargos com a assistência especializada aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares, quando tuberculosos, serão devidos na medida em que essa modalidade de assistência estiver prevista nos regulamentos das mesmas instituições.
4. O pagamento aos estabelecimentos o serviços referidos nesta proposta pela assistência prestada aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares regular-se-á por acordo celebrado entre o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos ou outros estabelecimentos de assistência e as instituições mencionadas na alínea c), ou, na falta de acordo, por tabelas aprovadas pelo Ministro do Interior e pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, nas quais se terão em conta as maiores ou menores possibilidades daquelas instituições.
BASE XV
1. Os edifícios previstos na alínea c) da base II, necessários à instalação dos estabelecimentos e serviços da luta contra a tuberculose, serão de construção quanto possível económica, podendo proceder-se à adaptação ou ampliação dos que para tanto reúnam as condições indispensáveis.
2. A construção, adaptação ou ampliação serão feitas de harmonia com planos prèviamente aprovados pelo Governo.
BASE XVI
1. As obras de construção, ampliação ou adaptação dos estabelecimentos destinados à luta contra a tuberculose, quando da iniciativa das Misericórdias, ou de outras instituições de assistência privada ou de previdência poderão, se obedecerem ao preceituado nesta proposta, beneficiar da comparticipação do Estado, pelo Fundo de Desemprego, até 75 por cento do seu custo total, incluindo neste os encargos de expropriação ou de aquisição de terrenos e prédios, bem como da primeira aquisição de mobiliário e equipamento necessário ao seu funcionamento.
2. Para efeito do disposto nesta base, serão declaradas de utilidade pública as expropriações necessárias.
BASE XVII
1. As Misericórdias e outras instituições que tenham a seu cargo a administração de estabelecimentos construídos, adaptados ou ampliados com a comparticipação do Estado ou que dele recebam subsídios de cooperação, ou ainda as que recebam doentes a cargo da assistência oficial, obrigam-se a mante-los em perfeito estado de funcionamento e a submeter à aprovação do Ministro do Interior as condições de admissão, tratamento e alta dos doentes e, bem assim, as tabelas das diárias e dos honorários clínicos e cirúrgicos a cobrar pelo tratamento dos funcionários públicos e dos doentes que beneficiem do seguro contra a tuberculose ou a cargo da assistência pública.
2. O número de camas reservadas para os doentes a que se refere esta base será estabelecido por acordo entre o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e a administração do respectivo estabelecimento. Em caso de divergência, será aquele número fixado pelo Ministro do Interior, tendo em atenção a capacidade do estabelecimento e a importância concedida a título de subsídio.
BASE XVIII
Todos os actos, contratos e respectivos registos que tenham por objecto a aquisição, construção, adaptação, ampliação e arrendamento de edifícios destinados à luta contra a tuberculose são isentos de impostos e emolumentos.
BASE XIX
1. A competência da comissão criada pela base XXI da Lei n.º 2:011, de 2 de Abril de 1946, passa a abranger a que respeita à construção, adaptação, ampliação e equipamento dos estabelecimentos a que se refere a presente proposta de lei.
2. Para o efeito do disposto nesta base farão parte da comissão um vogal designado pelo Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e outro pela Direcção-Geral de Saúde.
Lisboa, 5 de Janeiro de 1900. - O Ministro do Interior, Augusto Cancella de Abreu.
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CÂMARA CORPORATIVA
V LEGISLATURA
PARECER N.º 4/V
Proposta de lei n.º 501/75
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 501, elaborado pelo Governo, sobre luta contra a tuberculose, emite, pelas suas secções de Interesses espirituais e morais e Política e administração geral, às quais foram agregados os Dignos Procuradores Alfredo Vidigal das Neves e Castro, Armando Coelho Sampaio, José Bulas Cruz, Júlio Dantas, Manuel Alfredo e Reinaldo dos Santos, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
l. O presente projecto de proposta de lei visa completar a legislação posta em vigor na luta contra as doenças contagiosas, tratando um dos problemas que a Lei n.º 2:036 deixou paia mais tarde - o da tuberculose.
Pelo elevado número de doentes com lesões activas, atingindo de preferência os indivíduos na pujança da vida, entre os 20 e os 40 anos, e dando causa a mais de 12:000 óbitos por ano, a tuberculose continua a ser a doença contagiosa que mais desgaste causa nas populações e na economia do País.
Dada a sua larga extensão, abrangendo todas as classes e, em especial, os maiores aglomerados populacionais, a campanha contra a tuberculose, além de muito onerosa, tem de ser intensa e geral, e por isso o Governo, ao mesmo tempo que procura estimular mais proficuamente e por todas as formas as iniciativas privadas, toma deliberadamente sobre si, na medida do possível, o encargo de atender as necessidades que excedem os recursos de que essas iniciativas possam dispor.
Para melhor podermos avaliar a presente proposta convém fazer prèviamente uma revisão geral do problema.
Por isso vejamos o que se tem feito entre nós na luta contra a tuberculose; necessidade de intensificar esta luta; como deve ser feita; o que temos e o que nos falta; e, finalmente, que medos nos fornece esta proposta de lei.
2. A LUTA CONTRA A TUBERCULOSE EM PORTUGAL. - Deve-se a Sousa Martins o início desta campainha no nosso país.
Partidário da opinião, que começava a estabelecer-se na Europa, da acção benéfica do clima de altitude no tratamento dos tuberculosos, realizou, sob o patrocínio da Sociedade de Geografia, uma primeira visita de estudo à serra da Estrela em 1881, visita que repetiu dois anos mais tarde, levando por companheiros Carlos Tavares e Emídio Navarro. Este conhecido político e notável jornalista, em artigos sucessivos no Correio da Noite e em um livro depois publicado, fez larga propaganda do clima da serra da Estrela, despertando no público o interesse pela luta contra a tuberculose.
Mercê desta campanha, poucos anos depois, em 1888, o Clube dos Hermínios inaugurava naquela serra, junto ao posto meteorológico próximo da Covilhã, um grupo de vinte e quatro casas para alojamento ide tuberculosos. Até 1891 os doentes foram ali tratados por Basílio Freire. A Sousa Martins se deve a ida deste médico e a instalação daquele posto para o estudo das condições climatéricas da serra da Estrela.
O prestígio do seu nome e o entusiasmo da sua campanha em prol dos tuberculosos despertaram o interesse da classe médica, e em 1895 realizava-se em Coimbra o I Congresso Nacional da Tuberculose, que foi o primeiro da península e início da generalização da campanha em Portugal.
A Sociedade de Ciências Médicas, que imediatamente se interessou pelas novas ideias sobre o contágio da tu-
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benculose e a recente descoberta do bacilo por R. Koch, acompanhou activamente este movimento, promovendo conferências e organizando uma comissão para o estudo da construção de sanatórios populares. Daqui surgiu em 1899, e sob proposta de Miguel Bombarda, a Liga Nacional contra a Tuberculose.
Nesse mesmo ano, por iniciativa e sob o alto patrocínio da Rainha D. Amélia, que desde a sua chegada a Portugal, em 1890, muito se interessou pela campanha iniciada por Sousa Martins, fundou-se a Assistência Nacional aos Tuberculosos, associação de benemerência iniciada com tal êxito que, no fim do seu primeiro ano, contava já 1:921 sócios efectivos e 141 subscritores auxiliares e avultada quantia para o início das suas realizações.
A campanha estava generalizada e conduzida assim por duas entidades diferentes, independentes nos seus meios de execução e que se completavam: uma, científica e doutrinária, para o estudo dos métodos de tratamento e das medidas fundamentais a estabelecer; a outra, de realizações práticas, mercê do apoio régio e dos avultados donativos que colhia.
Em 1900 a Assistência Nacional aos Tuberculosos fundou o Sanatório Marítimo do Outão e um outro em Carcavelos, no Forte do Junqueiro. Em 1901 abriu o primeiro dispensário, na Rua do Alecrim, e organizou colónias marítimas para crianças, que manteve regularmente durante dez anos. Outros dispensários foram sucessivamente criados em Bragança, Porto, Faro e Viana do Castelo e construídos os sanatórios da Guarda e de Portalegre e o Hospital de Repouso de D. Carlos I, no Lumiar, que, concluído em 1910, só veio a ser inaugurado dois anos mais tarde, com o nome de Sanatório Popular de Lisboa.
Ao mesmo tempo, por iniciativa particular de duas senhoras - D. Amélia Biester e sua tia D. Claudina Chamiço - foi construído em 1904 e mantido a suas expensas o Sanatório Marítimo de Santana, em Carcavelos. No Hospital do Rego, construído pelo Governo para os doentes infecto-contagiosos, reservou-se o edifício principal, com cerca de 300 camas, para os tuberculosos.
A par desta acção da Assistência, que durante os seus primeiros onze anos foi dirigida por D. António de Lencastre, a Liga Nacional contra a Tuberculose, fundada sob os auspícios da Sociedade de Ciências Médicas e presidida por Silva Amado, desenvolveu também larga actividade, levando a efeito o seu primeiro congresso em Lisboa, em 1901, um ano depois o segundo congresso, em Viana do Castelo, e dois anos mais tarde, em 1904, um terceiro congresso, em Coimbra.
Foi o período de maior actividade na lula contra a tuberculose em Portugal e ao qual, por motivo de instabilidade política dos Governos que se seguiram e das dificuldades económicas mais acentuadas após a primeira guerra mundial, se sucederam largos anos de franco declínio, com a consequente repercussão sobre o índice de mortalidade, que até 1930 não cessou de subir.
Após á guerra, de 1914 o número de casos de tuberculose no exército que regressava de França era tão elevado que levou o Governo u publicação do Decreto 11.º 3:471 de 20 de Outubro de 1917, concedendo assistência em sanatórios aos militares tuberculosos, sem prejuízo dos seus vencimentos.
Nove anos mais tarde, pelo Demito n.º 11:485, de 8 de Março de 1926, foi concedida idêntica assistência aos tuberculosos da Armada e, no ano seguinte, pelo Decreto n.º 14:192, de 31 de Agosto de 1937, igual concessão foi feita aos funcionários tuberculosos.
Para a admissão nos quadros estabeleceu este mesmo decreto a obrigatoriedade da apresentação de um atestado médico certificando que o candidato, além da capacidade física para o exercício do cargo, não tem qualquer forma de tuberculose evolutiva.
Em 1916, pela Lei n.º 573, os Caminhos de Ferro do Estado foram autorizados a criar um fundo para a construção de sanatórios para os seus empregados. Com este fundo construiu-se o Sanatório Vasconcelos Porto, em S. Brás de Alportel, para 20 camas, que foi inaugurado em 1918, e outro, com igual número de camas, o Sanatório General Carmona, em Paredes de Coura, inaugurado em 1934.
Pelo Decreto n.º 9:551, de 28 de Março de 1924, foram tomadas as mesmos .medidas para a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, que construiu na Covilhã um sanatório que não chegou a utilizar, continuando a internar os seus doentes em sanatórios particulares.
Em 1922, e porque o índice da mortalidade se mantinha em alto nível, foi nomeada uma comissão para o estudo das medidas de profilaxia a tomar na luta contra a tuberculose. Dela faziam parte o administrador-geral dos Seguros Sociais, que era o vice-presidente, o director-geral de Saúde, o presidente do Conselho Geral de Assistência, o presidente da Assistência Nacional aos Tuberculosos e dois médicos especializados.
Esta comissão foi sucessivamente reorganizada pelos Decretos 15:497, de 21 de Maio de 1928, e 19:217, de 9 de Janeiro de 1931.
Com a entrada nesta mesma data do Sr. Prof. Lopo de Carvalho para a direcção da Assistência Nacional aos Tuberculosos novo incremento tomou a campanha contra este verdadeiro flagelo nacional, cujo índice de mortalidade no ano anterior tinha atingido o seu mais alto nível - 191,6 por 100:000 habitantes. Acima de nós, na Europa, tínhamos apenas a Hungria, com 225, e a Finlândia, com 241.
Através de uma activa e continuada acção de propaganda em todo o País, superiormente dirigida pelo Sr. Prof. Lopo de Carvalho, a Assistência recebeu donativos tão importantes que; somados aos auxílios do Governo, lhe permitiram reorganizar e melhorar largamente os serviços. De 1932 a 1937 foram ampliados os sanatórios, acrescentando-se-lhes 346 camas, e construídos 43 dispensários. (La lutte contre la tuberculose au Portugal, por Ferreira de Mira e Lopo de Carvalho).
Em 1937 a Assistência Nacional aos Tuberculosos contava com uma rede de 50 dispensários. 25 dos quais tinham raios X e alguns estavam dotados com laboratórios de análises clínicas, e com 1:241 camas em sanatórios, sem contar com os sanatórios da Junta de Província da Beira Litoral, em Coimbra, nem com a estância sanatorial do Caramulo, que, começada a construir em 1920, tinha já cerca de 370 camas.
Baseando-se no estudo da taxa média da mortalidade por tuberculose, de 1930 a 1932, em cada um dos concelhos e distritos de Portugal, e partindo assim da base mais segura para se estabelecer um plano de assistência hospitalar, complemento inadiável dos dispensários, Lopo de Carvalho organizou o programa para a construção, que só o Estado podia custear, de hospitais-sanatórios nas capitais de distrito cuja mortalidade pela tuberculose era superior a 250. Nas outras cidades e concelhos em que a mortalidade em menor e até 50 construíam-se simples pavilhões ou, quando existissem hospitais locais, destinavam-se a este fim duas enfermarias devidamente isoladas.
Estes hospitais receberiam os doentes tuberculosos directamente dos dispensários a eles ligados e eram ali tratados ou, e por intermédio do Instituto Central, transferidos para os sanatórios.
O plano apresentado mereceu a aprovação do Governo e em 1936, data da saída de Lopo de Carvalho, tinham-se iniciado as construções dos sanatórios do Porto e Abraveses e o do Funchal estava quase concluído.
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Por Portaria de 7 de Maio de 1942 nova comissão foi nomeada para rever as soluções adoptadas na luta contra a tuberculose e propor as directrizes julgadas mais convenientes.
Pista comissão, no relatório que apresentou, verifica «que os moldes do armamento para a luta antituberculosa o as normas gerais em que tem de ser empreendida se encontram já assentes» e estuda a sua aplicação prática às nossas necessidades mais urgentes.
Como órgão superior de consulta sobre a orientação rural da luta antituberculosa, que ao Estado compete orientar, coordenar e fiscalizar, propôs a criação de um Conselho Superior da Luta Antituberculosa como secção do Conselho Superior de Higiene e, como órgão executivo, a transformação da Assistência Nacional aos Tuberculosos em instituto autónomo especializado.
Para prover aos recursos financeiros para a sua execução sugere «a possibilidade de intensificar o regime de previdência já adoptado em parte para os funcionários civis, tornando-o porventura extensivo não só a outras classes, como à defesa preventiva contra outros flagelos sociais» e na sua conclusão n.º 14 «a comissão preconiza a adopção de um sistema segurador, preferìvelmente de tipo obrigatório, pelo qual seja garantido o benefício da assistência aos atacados pela tuberculose, o qual poderá ser extensivo a outras doenças ou causas de invalidez adquiridas durante a vida, e a desenvolver por instituições de previdência oficiais ou particulares».
Para a indispensável preparação do pessoal médico julga conveniente a criação de cadeiras de Tisiologia nas três faculdades de Medicina e propõe o reajustamento das condições em que era prestada a assistência aos funcionários civis tuberculosos, dando-lhe maior amplitude. Verificando, no entanto, que nada poderia fazer-se sem que o número de camas para doentes pobres com tuberculose pulmonar fosse elevado, pelo menos, a 5:000, e a 1:500 para a tuberculose cirúrgica, propôs a nomeação de uma comissão, composta pelo director-geral de Saúde, o director do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e um engenheiro indicado polo Ministério das Obras Públicas, para a conclusão das construções em curso e das novas a fazer.
E, finalmente, conclui que é tão grave e urgente o problema da falta de leitos para internamento, que se impõe, como medida de interesse geral, a adaptação, a título provisório, de edifícios que possam satisfazer a esse fim.
Pelo Estatuto da Assistência Social (Lei n.º 1:998, de 10 de Maio de 1944), regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 30:108, de 7 de Novembro de 1945, foi remodelado o Conselho Superior de Higiene e criados o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, constituído por várias secções, sendo uma delas a de tuberculose, bem como o instituto proposto em 1942, que ficou com a designação de Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos e ao qual (artigo 140.º) compete orientar, coordenar e fiscalizar a luta contra a tuberculose, estimular as iniciativas particulares e criar e manter os estabelecimentos necessários.
Para a execução da luta a seu cargo este Instituto disporia (artigo 145.º) de um dispensário central em cada distrito, dispensários concelhios, postos rurais, preventórios, hospitais-sanatórios, sanatórios e centros de convalescença e readaptação.
De então para cá construíram-se e entraram em serviço mais seis dispensários e os sanatórios seguintes: Vaz de Macedo, na Covilhã, era 1943; de Abraveses, em ]945; D. Manuel II, em 1947, e o da Flamenga, em Dezembro último, e acrescentaram-se três pavilhões no Sanatório Popular de Lisboa, que novamente voltou a ser designado Sanatório D. Carlos I, em justa homenagem a quem o criou. Quanto a centros de convalescença e readaptação, nenhum foi criado.
Com estas construções o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos tem actualmente em serviço 2:343 camas em sanatórios e 63 dispensários, cuja distribuição desde 1912 tem sido a seguinte:
[Ver Tabela na Imagem]
Na Faculdade de Medicina de Lisboa, e por proposta do seu conselho escolar, já havia a cadeira, de Doenças Pulmonares, criada pelo Decreto n.º 24:943, de 10 de Janeiro de 1935. Porém, o Decreto-Lei n.º 37:040, de 7 de Setembro de 1948, que reformou os estudos das Faculdades de Medicina, não a incluiu na constituição dos cursos, que consta do seu artigo 1.º, mantendo, no entanto, todas as demais especialidades, cujos professores, como se diz no preâmbulo, devem dedicar-se fundamentalmente a ministrar os rudimentos indispensáveis ao policlínico. Com esta supressão acabou a cadeira de Doenças Pulmonares na única Faculdade onde existia.
Acerca deste assunto, o Sr. Dr. José Rocheta, no seu estudo O Estado Actual da Luta contra a Tuberculose em Portugal, p. 151, diz o seguinte:
A nossa maneira de ver é decididamente favorável à criação de uma cadeira própria, onde se professe especialmente a tisiologia, para ensino do estudantes e por muitas razões, entro as quais avulta desde logo a circunstância de não se poder pedir à medicina interna, já por si tão sobrecarregada, o ensino eficaz daquela matéria; por outro lado aquela própria condição infecto-contagiosa da doença obriga a serviços especiais com pessoal próprio. Além disso a tuberculose abarca hoje um número tão considerável de doentes e uma massa tão extensa e singularizada de problemas, que decididamente o próprio ensino universitário só por si não basta para criar clínicos absolutamente senhores de todos os aspectos da doença: o que por outras palavras implica a criação de cursos de aperfeiçoamento, com possível estágio dispensarial e sanatorial para os médicos que queiram dedicar-se em particular à clínica da tuberculose. O exemplo positivo desta necessidade é dado pela confissão de Sir Robert Philip, o criador dos dispensários, que ocupava a cadeira de Medicina Interna no Hospital Real de Edimburgo, ao mesmo tempo que dirigia um curso de Tisiologia na mesma Universidade. Durante os primeiros anos ainda lhe foi possível dar aos estudantes, durante o estágio destes no Hospital, a instrução correspondente às condições que iriam encontrar durante a sua carreira, mas depois reconheceu como deste modo era insuficiente, em virtude do desenvolvimento da ciência da tuberculose no domínio bacteriológico, patológico, clínico, epidemiológico, assim como sob o ponto de vista da medicina preventiva e da medicina social, o que obrigou a insistir cada vez mais para que a tuberculose fosse reconhecida como um ramo especial da medicina geral. Depois, quando se iniciou a luta
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contra a tuberculose na Inglaterra de modo geral e sistemático (1911-1913), verificou-se bem depressa que ela não seria efectiva enquanto os médicos que nela participassem não estivessem à altura da sua missão; foi por isso criada em 1917 e na mesma Universidade de Edimburgo a primeira cadeira só para o ensino da tuberculose. O curso tornou-se obrigatório para todos os estudantes e o titular da cadeira passou a fazer parte do corpo dos examinadores para o exame do diploma final. De facto a tisiologia tem em si elementos mais do que suficientes para a sua completa autonomia e especialização.
3. NECESSIDADE, DE INTENSIFICAÇÃO DA LUTA ANTITU-BERCULOSA. - Apesar do aumento verificado do número de dispensários e de sanatórios o nosso índice de mortalidade pela tuberculose mantém-se muito elevado, conforme os dados fornecidos pelo Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Taxa de mortalidade por todas as formas de tuberculose nos últimos trinta anos em Portugal
[Ver Tabela na Tabela]
(a) População calculada por interpolação aritmética, baseada nos recenseamentos de 1920,1930 e 1940.
(b) São desconhecidos os óbitos por tuberculoso.
Como se verifica, o índice da mortalidade começou a subir após a primeira grande guerra, atingiu o máximo em 1930, para descer gradualmente até 1939, mantendo-se de então para cá entre 160 e 148 por 100:000 habitantes. A razão fundamental deve ser a de que para o tratamento da tuberculose pulmonar, que é a causa do maior número de óbitos, o número de camas para internamento de doentes pobres é diminuto. Das 4:091 camas actualmente existentes para o tratamento da tuberculose pulmonar, pouco mais de metade, 2:082, são para o tratamento dos doentes pobres. É este número que é preciso aumentar. Na verdade, para os que têm possibilidades, por si ou por instituições de assistência ou previdência, de internamento precoce, o problema por ora não existe.
Para esses, normalmente, há camas vagas. O difícil é para os outros, os pobres, que constituem as centenas de inscritos aguardando longos meses o internamento em sanatório, diàriamente procuram em vão nos hospitais o lugar ou a cama que não lia e continuam disseminando a doença nos quartos alugados em sociedade com outros, nos albergues, nos bairros de miséria e, finalmente, nos bancos do entrada de urgência do Hospital Curry Cabral, onde, gradualmente, o desemprego e a doença os conduzem.
Com esta falta de camas uns perdem a possibilidade de uma cura que seria rápida se fosse oportuna, e o maior número perde-a mesmo de vir a curar-se.
A Assistência Nacional aos Tuberculosos não os pode então internar porque as poucas camas que tem nos seus sanatórios as reserva lògicamente para os recuperáveis; os hospitais gerais não os recebem porque clìnicamente nada lhes podem fazer, além de que não dispõem de condições para o seu isolamento dos outros doentes. Por isso, alguns só no fim da vida logram ser internados nos hospitais gerais, quando o seu estado é tão grave que humanamente não pode deixar de se lhes dar guarida.
Actualmente, em Lisboa, estes doentes só são internados na secção de tisiologia do Hospital Curry Cabral por admissão de urgência e em metade do número das vagas. A outra metade tem de reservar-se para a admissão, pela consulta externa, dos doentes recuperáveis.
Contudo esta admissão em partes iguais é ilusória. Na prática as vagas devem ser preenchidas alternadamente pela consulta e pela urgência, mas muito frequentemente esta ordem se altera: uma cama vaga a preencher pela consulta na manhã seguinte teve forçadamente de ser dada a um doente que na véspera apareceu em tal estado que a sua admissão pula urgência se tornou imperiosa. É, infelizmente, com muita frequência, nos dias subsequentes vai acontecendo o mesmo. Desta maneira, por um doente incurável cujo internamento lhe poderá prolongar a vida por uns escassos meses ou dias apenas, há que deixar de admitir outros que, internados a tempo, poderiam ser recuperados, e vão juntar-se deploràvelmente ao número dos que, sem cura possível, são outros tantos disseminadores do implacável mal.
Este número não pode avaliar-se nem pelo movimento do Hospital Curry Cabral, em cujas consultas, em 1948, se inscreveram 2:208 doentes cura tuberculose pulmonar evolutiva, e, em 1949, 3:889, nem pelos dispensários da Assistência Nacional aos Tuberculosos, onde, em 1948, foram inscritos 5:296 doentes por tuberculose.
Além dos que andam em tratamento noutros serviços e hospitais, há muitos mais sem qualquer tratamento, ou porque nem suspeitam da doença por estar em início, ou pela impossibilidade de se tratarem, ou porque já perderam a esperança de cura.
O número total de doente? costuma avaliar-se tomando por base o dos óbitos anuais por tuberculose. Por cada um que morre há mais três a cinco doentes tuberculosos.
Por este cálculo, que deve aproximar-se da verdade, podemos afirmar que em Portugal há para mais de 60:000 tuberculosos, dois terços dos quais, certamente, serão doentes pobres. O número é tão grande e o índice de mortalidade mantém-se tão elevado que é indubitável a necessidade da intensificação da luta contra a tuberculose.
4. MÉTODOS A EMPREGAR. - Segundo as normas gerais do combate a qualquer doença contagiosa, os meios a empregar na luta contra a tuberculose, de há muito
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estudados e definidos em toda a parte, são fundamentalmente dois:
a) Isolar e tratar os doentes;
b) Proteger os sãos, defendendo-os do contágio pelas medidas profilácticas.
a) A campanha deve ser conduzida no sentido de diagnosticar a tuberculose o mais precocemente possível, e é essa a função primacial dos dispensários e das brigadas móveis.
O dispensário constitui o órgão essencial na luta contra a tuberculose, cabendo-lhe especialmente a organização do cadastro radiológico da população a seu cargo, para deparar os sãos a proteger pelas medidas profilácticas, e classificar os doentes a tratar em regime ambulatório ou a internar em sanatórios.
Para isso devem estar eficientemente equipados com laboratório que lhes permita a pesquisa rapada do bacilo na expectoração e de um aparelho de (raios X para o diagnóstico precoce das pequenas lesões que o doente não sente e de que muita vez nem suspeita e só por esta forma é possível descobrir e identificar. Dado, porém, o elevadíssimo número de observações a fazer, porque a campanha para ser eficiente, deve ser feita em massa, há que recorrer ao método do tisiologista brasileiro Manuel de Abreu, dotando alguns dispensários ou mesmo brigadas móveis com aparelhagem portátil de microrradiografia, o que permite executar mais de 1 milhar de radiografias por dia e a um preço muito barato, de $30 a $40 cada uma.
Identificados e classificados os doentes pelas dispensários, deve proceder-se ao seu interanamento em sanatórios.
Os sanatórios, à parte a acção adjuvante do clima, consoante a sua localização, devem estar convenientemente apetrechados por forma a poderem prestar toda a assistência médico-cirúrgica aos seus internados, condição indispensável para um rendimento útil.
Para os doentes de cura sanatorial tão prolongada que lhes faça perder os hábitos de trabalho e para aqueles que não possam regressar à antiga profissão, por ser incompatível com o seu novo estado de saúde, cada sanatório deve ter um serviço de readaptação para treino ou para ensino dos seus convalescentes.
Este trabalho gradual, metódico, variável com a classe dos doentes ou as suas profissões anteriores, e feito sob a vigilância directa do médico que os tratou durante a doença, muito contribui para abreviar o regresso à vida normal dos tuberculosos considerados como clinicamente curados.
Os serviços de readaptação podem funcionar, independentemente dos sanatórios, como centros de convalescença e readaptação e constituindo verdadeiras aldeias fabris, onde da mesma forma todos os doentes trabalham sob cuidada vigilância médica.
b) A tuberculose propaga-se, em regra, pelo contágio directo do doente com lesões bacilíferas em actividade ao indivíduo suo e independentemente do grau de vigor físico deste.
O seu estado do saúde, o nível de vida e as condições higiénicas em que vive não influem na maior ou menor receptividade ao bacilo de Koch, mas e apenas na evolução da doença.
Nos últimos cinco anos o Ministério das Obras Públicas levou a cabo em todo o País um grande número de obras que muito irão contribuir para a melhoria da higiene, salubridade e nível de vida das populações.
Segundo o relatório de 1948 da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, de 1945 a 1948 gastaram-se para cima de 500:000 contos em obras diversas, das quais pouco menos de metade tiveram a seguinte aplicação:
Contos
Assistência social .................... 32:221
Habitações económicas ................. 68:174
Salubridade pública ................... 12:846
Abastecimento de água ................ 103:223
Esgotos e obras de saneamento ......... 21:074
Total .............. 237:538
Com tal volume de obras tão directamente ligadas à sanidade pública, a salubridade, a higiene e a vida das populações foram já altamente beneficiadas, o que certamente influenciará no seu nível de vida e melhor resistência na doença.
Identifica função, e, especialmente, a de tonificar e robustecer as crianças, têm os jardins de infância, as colónias balneares e as colónias de férias, bem como os ninhos de pequeninos e os preventórios, organismos estes que foram criados para isolar e robustecer os filhos de tuberculosos, protegendo-os assim da permanente ameaça do contágio em suas casas.
Porém, na organização da luta contra a tuberculose "a lógica não pode ser esta D (Rocheta, obra citada, p. 325). "Tem de ser diametralmente oposta. O tuberculoso é que tem de ser internado o mais depressa possível, para não infectar nem os que com ele convivem nem os seus camaradas e amigos", concluindo com Griesbach "que o preventório, como elemento da luta antituberculosa, nem tècnicamente é compreensível nem pràticamente está provada a sua eficácia". E em apoio desta opinião cita as conclusões do tisiologista norte-americano Moormann que, em 1:159 crianças com indicação absoluta para internamento em preventório e observadas por ele durante um período de dezoito anos, verificou radioscòpicamente um complexo primário em 734 e que as restantes tinham reacção positiva à tuberculina.
Das 1:159 crianças morreram 4 no decurso de dezoito anos do observação, sendo 3 com tuberculose miliar, e em mais 4 desenvolveram-se outras formas de tuberculose. Em face destes resultados, Moormiann concluiu que é muito mais importante o internamento do doente e a vigilância da família que o isolamento das crianças. De qualquer maneira, no entanto, a função do preventório mantém-se e não deixa de ser um importante ciumento acessório para proteger e tonificar as crianças ameaçadas de contágio.
Mas isto não basta, porque o isolamento dos inúmeros tuberculosos com lesões activas bacilíferas é impossível e a tuberculose continua atacando indivíduos sãos e do todas as classes, mesmo os de nível de vida mais elevado. É necessário recorrer a outros processos, que permitam imunizar as populações, criando-lhes resistência natural à infecção polo bacilo de Koch. Essa é a forma mais segura e eficaz de fazer a profilaxia. O indivíduo são e criado na maior higiene mantém uma receptividade; à tuberculose que basta por vezes um ligeiro contágio para o contaminar.
E se, como vimos, uns têm apenas primo-infecções benignas com lesões discretas que lhes servem de vacina, outros sucumbem à doença. Num recente estudo epidemiológico feito na Armada pelo capitão-tenente médico, Sr. Dr. Raul Eduardo Ribeiro, por motivo do elevado número de 30 a 40 casos novos de tuberculose que anualmente surgiam em alunos e em recrutas bem alimentados, vivendo em meio higiénico, como é o da Marinha, e devidamente seleccionados antes da incorporação por uma inspecção médica rigorosa, completada sistemàticamente com um exame radiográfico do tórax, verificou pela prova da tuberculina que a receptividade é
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maior nos recrutas do que nas praças já em serviço e, entre os recrutas, maior ainda nos que têm vivido no campo do que nos vindos da cidade.
Os resultados da reacção à tuberculina demonstraram que a percentagem das reacções positivas aumentou com A idade e o tempo no serviço.
[Ver Tabela na Tabela]
Dos 172 recrutas com reacção negativa, 43, ou seja 20 por cento, vinham da cidade, e 129, que corresponde a 75 por cento, vinham do campo.
Em complemento deste estudo indagou as terras da naturalidade ou de residência habitual dos tuberculosos registados na Armada de 1944 a 1945), verificando que a maior percentagem, 64,6 por cento, era do campo e 35,4 por cento eram da cidade.
Limitando, porém, este apuramento, no mesmo período de 1944 a 1949, ao grupo de idades entre os 18 e os 22 anos, a diferença é mais flagrante - 76,6 por cento dos casos de tuberculose surgiram em indivíduos vindos do campo e só 23,3 por cento da cidade.
Investigações idênticas levadas a cabo no Exército em 1947, pelo Sr. Dr. Santos Bessa, nas guarnições de Coimbra e Figueira da Foz, levam as mesmas conclusões. A percentagem das reacções negativas à tuberculina foi de 39 por cento em 1:057 recrutas no acto da incorporação e apenas de 18 por cento nos soldados prontos com cerca de um ano de aquartelamento.
É necessário, portanto, proceder largamente à imunização activa das populações e a vacinação pelo B. C. G. dá-nos fundadas esperanças de o conseguirmos. Em uso corrente em quase todos os países da Europa e da América, nuns tornada obrigatória, como na Suécia, Noruega e Dinamarca, na Suíça desde há seis meses e desde Outubro último em França para todos os indivíduos abaixo dos 25 anos, mantém-se noutros facultativa, mas é sistemàticamente empregada em certas profissões mais sujeitas ao contágio. A sua larga disseminação é a prova evidente dos bons resultados colhidos.
Após os primeiros passos de incerteza, de desconfiança e mesmo de pânico causado pela conhecida tragédia de Lubeque em 1921, em que uma vacina mal preparada causou a morte a 70 crianças, actualmente o emprego do B. C. G. está generalizado e é expressamente recomendado pela própria Organização Mundial de Saúde.
Segundo uma recente publicação da Comissão Nacional de Vacina B. C. G. espanhola, sobre a mortalidade pela tuberculose na Europa, em 1946, após a segunda grande guerra, só a Dinamarca e a Holanda continuaram mantendo um índice reduzido - menos de 50 casos de morte por tuberculose por 100:000 habitantes.
Em relação a 1925, a tuberculose aumentou em todos os outros países da Europa, excepto na França, cujo índice de mortalidade, próximo de 150, baixou de 50 por cento, apesar das dificuldades económicas de toda a ordem que tem sofrido desde a eclosão da última guerra. Esta baixa foi devida à intensa campanha da vacinação pelo B. C. G., que desde há anos se vem realizando naquele país.
A mesma publicação refere uma estatística de Outubro último, do chefe dos serviços de saúde do quartel-general das forças americanas no Japão, que é bem concludente sobre o valor desta vacina.
De 1945 a 1948 aqueles serviços vacinaram 31 milhões de japoneses, obtendo nestes três anos uma redução na mortalidade de 280 para 181,1 por 100:000 habitantes. Tal redução era impossível de obter tão rápida económicamente por qualquer outro processo até hoje conhecido.
Entre nós, a Assistência Nacional aos Tuberculosos iniciou há poucos meses a vacinação pelo B. C. G. em alguns dos seus dispensários. Só desde há um ano começou a ser praticada com regularidade na marinha de guerra, no acto de incorporação de alunos e recrutas. É muito cedo para tirar conclusões, além da inocuidade do processo, mas deve notar-se que, dos 38 casos novos de tuberculose registados na Armada em 1949, nenhum pertencia ao grupo dos 172 vacinados.
Com os recentes trabalhos de investigação desde há anos feitos no Brasil por Arlindo Assis e os seus colaboradores, e divulgados entre nós pelo Sr. Prof. Lopo do Carvalho, que por esse motivo ali se deslocou, a, campanha da vacina B. C. G. tende a entrar num caminho mais fácil. Em vez da injecção intradérmica, a vacina é dada por ingestão e dispensa a prévia reacção à tuberculina.
Das suas experiências de vários anos, confirmadas por outros autores, Arlindo Assis concluiu que a vacina é inofensiva quando administrada a indivíduos alérgicos com lesões residuais de antiga infecção em franca inactividade. Assim, e sem a necessidade da prova tuberculina, podem vacinar-se todos os indivíduos que pelo exame radiológico se verifique não serem portadores de qualquer lesão activa ou evolutiva de tuberculose pulmonar.
Partindo desta base, e porque tinha de vacinar elevado número de crianças filhos de tuberculosos, vivendo em bairros de miséria e na maior promiscuidade e que não tinha possibilidades de isolar, mesmo temporàriamente, tentou um método de vacinações sucessivas, aplicando a primeira o mais próximo possível do nascimento e repetindo-a com intervalos de um mês, até aos 6 meses de idade. Segundo a firma, as crianças vacinadas não tiveram qualquer micção e, entre elas, não se registou qualquer caso de morte por tuberculose.
Com este método, que vem sendo aplicado por Arlindo Assis e os seus colaboradores desde 1945, e a que chama de «vacinação concorrente», porque aumenta a imunidade das crianças, em concorrência com as sucessivas probabilidades de contágio maciço no meio em que continuavam a viver, tem sido vacinadas no Brasil inúmeras crianças.
A confirmar-se este processo, a vacinação pelo B. C. G. torna-se mais simples e económica do que pelo método norueguês, o que tem a maior importância para a sua larga expansão.
É assunto ainda em estudo e sobre o qual seguramente o próximo Congresso da Tuberculose, a realizar em Outubro na Dinamarca e de que Arlindo Assis é um dos relatores, nos esclarecerá melhor.
Para o bom funcionamento de toda esta organização, desde a perfeita e correcta interpretação radiológica para a selecção dos indivíduos a vacinar e a descoberta precoce das lesões bacilosas em actividade, até ao tratamento dos doentes nos dispensários e sanatórios, é indispensável prover todos estes serviços com médicos devidamente habilitados neste ramo especial de medicina.
Dado o seu desenvolvimento nos últimos anos e métodos especiais de tratamento de que se serve, a tisiologia constitui uma especialidade clínica bem diferenciada e como tal reconhecida de há muito pela Ordem dos Médicos.
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Além do pessoal de enfermagem como auxiliar dos exames e tratamentos a executar, são indispensáveis também as enfermeiras-visitadoras pana os inquéritos a fazer nas famílias e para a ligação a estabelecer entre estias e o dispensário. A este corpo de enfermagem social cabe toda a acção externa do dispensário, o que é da maior importância na luta contra a tuberculose.
5. MEIOS DE QUE SE DISPÕE E QUE FALTA PARA UMA LUTA EFICAZ CONTRA A TUBERCULOSE. - Actualmente em Portugal estão em funcionamento 75 dispensários anti-tuberculosos, sendo 4 em Lisboa, 2 no Porto, 2 em Coimbra, 1 em cada uma das restantes capitais de distrito e os outros nos concelhos mais populosos.
63 são do Instituto da Assistência Nacional aos Tuberculosos, dos quais 38 estão equipados com raios X e 15 com laboratório; 10 são da Junta de Província da Beira Litoral, um ideies, o de Coimbra, equipado igualmente com raios X e laboratório próprio, e os dois restantes pertencem à Assistência aos Tuberculosos do Norte de Portugal.
Todos têm pessoal clínico e de enfermagem e só é diminuto o número de enfermeiras-visitadoras, porquanto, nos 63 dispensários do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosas, trabalham apenas 16 destas enfermeiras. Para que o seu trabalho seja útil, a cada uma não deve ser distribuído encargo superior a 200 famílias.
Além dos 63 dispensários em funcionamento, a Assistência Nacional aos Tuberculosos tem mais 5 concluídos e prestes a abrir, o que vem elevar o número total para 80. Quantos mais são necessários?
Lopo de Carvalho, tomando por base a carta da mortalidade por tuberculose pulmonar, «indica o número, que seria óptimo, de 272, e que divide em três tipos: dispensários distritais em número de 18, que já estão instalados nas capitais de distrito; dispensários secundários, com dais tipos de construção: um maior, e em número de 103, para os concelhos com índice de mortalidade por tuberculose superior a 20, e outro menor, para os restantes concelhos.
Segundo outros autores, deve haver um dispensário paira 75:000 habitantes, o que para nós daria 100 a 115 dispensários (Rocheta), ou 150 (A. Paul), ou um dispensário para 50:000 habitantes (Prof. Vaz Serra, n.º 8/9 do Boletim de Assistência Social, 1943), mas este autor acrescenta que tudo depende do apetrechamento e recursos do dispensário.
É evidente que um dispensário com vários gabinetes de consulta e tratamento, instalações radiológica e laboratorial, pessoal médico e técnico especializado, um quadro de enfermagem suficiente para as observações e tratamentos e enfermeiras-visitadoras devidamente habilitadas paira a importante missão extradispensário, produz um rendimento superior a uns poucos de dispensários precàriamente equipados.
É difícil fixar esse número, e por agora deve procurar tirar-se o melhor rendimento dos que existem, dotando-os devidamente com material e com pessoal.
Onde os não haja, e nos termos desta proposta de lei, devem aproveitar-se os serviços médicos em funcionamento, utilizando dispensários polivalentes. As brigadas móveis farão o resto.
Para o cadastro radiológico, que já vem sendo feito na marinha de guerra e em alguns organismos de previdência, há que criar toda uma organização especial, trabalhando em conjunção com os dispensários.
Falta-mos também laboratório próprio para a preparação da vacina B. C. G.
Para a Marinha, dada a pequena quantidade de 200 a 300 doses em cada época de recrutamento, tem sido preparada no Instituto Câmara Pestana. O Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, que há meses iniciou a vacina em alguns dispensários, manda-a vir directamente do Instituto Pasteur de Paris.
Dado o seu curto prazo de validade - dez dias -, é indispensável que seja preparada cá em laboratório próprio a criai e com organização capaz de produzir o volume de vacina necessário e, principalmente, que pela idoneidade de quem o dirige dê garantia de qualidade.
A distribuição da vacina deve caber exclusivamente ao Instituto da Assistência Nacional aos Tuberculosos, para garantia da sua origem e período de validade.
Se os dispensários são já em número razoável para uma organização relativamente eficaz da luta contra a tuberculose, os sanatórios são manifestamente insuficientes e, sem camas onde internar os doentes, a acção dos dispensários perde-se em grande parte.
Segundo dados fornecidos pela Assistência Nacional aos Tuberculosos, possuímos actualmente 5:065 camas para internamento de tuberculosos, sendo 4:091 para a tuberculose pulmonar e 974 para a tuberculose osteoarticular, assim distribuídas:
[Ver Tabela na Tabela]
(a) São 206 dos sanatórios de Coimbra, 100 de Semide, 91 do Caramulo, 34 do Hospício da Princesa D. Amélia, no Funchal, 5 do Montachique e 268 dos Hospitais Civis de Lisboa.
Qual o número de camas necessário para o tratamento da tuberculose?
Em rigor, este número só pode ser definido quando se fizer o cadastro radiológico de toda a população e a consequente classificação dos doentes, e mesmo assim há-de sempre variar em função das múltiplas causas da disseminação desta doença.
O cálculo tem sido feito de duas maneiras: para uns deve haver uma cama por cada óbito anual pela tuberculose, o que para nós exigiria 12:000 camas; para outros bastaria uma cama por cada 1:000 habitantes, ou seja, no nosso caso, 8:400 camas.
Segundo o movimento dos sanatórios da Assistência Nacional aos Tuberculosos nos últimos cinco anos -1945 a 1949 -, com uma lotação global, nestes cinco anos, de 4:816 camas para a tuberculose pulmonar, foram tratados 10:142 doentes, o que dá uma média de 2,1 doentes por cama e por ano.
Nas mesmas condições, com uma lotação global, nos cinco anos, de 2:915 camas para a tuberculose osteoarticular, foram tratados durante este período 3:455 doentes, o que corresponde à média de 1,2 doentes por cama e por ano.
Desta forma, e supondo a mesma média para os restantes sanatórios, com as 4:091 camas que existem para a tuberculose pulmonar tratam-se nas mesmas condições 8:591 doentes por ano e com as 974 camas para a tuberculose osteoarticular podem tratar-se 1:168 doentes.
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Não há elementos para avaliar o número de doentes com tuberculose osteoarticular. Calculando os de tuberculose pulmonar num mínimo de 60:000, como se disse atrás, dos quais um terço, pelo menos, tenha lesões em actividade, paira, o tratamento destes 20:000 seriam necessárias 9:500 camas para doentes de todas as classes, e nós estamos agora em metade.
Parece-nos, no entanto, que o verdadeiro número só pode determinar-se com aproximação quando a admissão de doentes em sanatório for feita com regularidade e sem grandes esperas por parte dos inscritos para tal fim. E como isso depende tanto do número de camas como da diminuição do número de doentes - que pode obter-se, principalmente, por uma campanha, de profilaxia tenazmente conduzida-, só com o andar dos tempos poderá ser conhecido o número de camas para tuberculosos de que o País «realmente necessita. Em qualquer hipótese, esse número não deve ser inferior a 5:000, só para a tuberculose pulmonar dos doentes pobres, conforme as conclusões da comissão nomeada em 1942. Faltam-nos, portanto, à roda de 3:000 camas para doentes pobres.
Para a tuberculose cirúrgica o número é também insuficiente.
Das 772 camas existentes para doentes pobres, 189 são para adultos e 583 para crianças. Há que aumentá-las para 1:500, pelo menos, conforme a proposta da mesma comissão de 1942, contando com um terço pana adultos e dois terços para crianças, porque, ao contrário da tuberculose pulmonar, que exige um número muito mais elevado de camas para adultos, nesta o número maior deve ser para crianças.
Esta classe de doentes constitui um dos pesos mortos nos hospitais gerais.
Uma das causas do atraso na luta contra a tuberculose é o seu custo.
Sendo tão cara, não pode ser custeada só pelo Estado e pela generosidade pública.
Tem-se feito muito nestes últimos anos, pois, de 1943 para cá, pelo Ministério das Obras Públicas despenderam-se 58:137 contos na construção de novos dispensários e sanatórios. Contudo, o resultado a colher será precário se, ao mesmo tempo, se nato aumentar proporcionalmente o número de camas para o tratamento e o isolamento dos inúmeros doentes tuberculosos para os quais não esteja indicado regime especial de cura sanatorial e que até agora não têm quem os recolha.
Por isso se torna cada vez mais imperiosa e urgente a legislação do seguro contra a doença, incluindo a tuberculose sob todas as suas formas, pois somos o único país em que ela não é incluída na previdência, e abrangendo obrigatoriamente todos os econòmicamente débeis que recebem salários por conta, de outrem.
Tal medida muito ajudará a resolução do problema, reduzindo-o a, proporções razoáveis.
De que serve construir sanatórios e hospitais se não houver dinheiro para custear a hospitalização dos doentes? Presentemente, só no Caramujo (que é uma estância para pensionistas) há cerca de 400 camas vazias, e o seu movimento nos últimos três anos, em relação ao número médio de camas ocupadas, foi o seguinte: 1947, 1:000 camas; 1948, 800 camas, e 1949, 600 camas, o que não significa que o número dos tuberculosos tenha diminuído.
Vejamos o que se está passando quanto aos doentes em geral. O número de pobres (c) indigentes do concelho de Lisboa internados anualmente, só nos Hospitais Civis, anda por 32:000, porque neste número se incluem os operários, empregados de comércio, de escritório, etc., que estão obrigatòriamente abrangidos pela previdência, pois das diversas caixas de previdência apenas nove pagam a hospitalização. O mesmo se passa nos outros centros industriais, como Setúbal, Barreiro, Almada, Vila Franca de Xira, etc., caindo sobre as respectivas
câmaras um encargo incomportável e de que a previdência se tem alheado.
Quando também em Portugal o seguro obrigatório contra a doença abrangeu todos os trabalhadores e em termos que incluíam a hospitalização e o tratamento da doença prolongada, o número dos considerados indigentes, plana efeitos de hospitalização, baixará tanto que o Estado poderá, com relativo desafogo, custear o seu tratamento e a parte não coberta pelos doentes porcionistas.
O recente Decreto de 24 de Fevereiro assegura ia a hospitalização aos beneficiários das instituições de previdência durante prazo a estabelecer em diploma especial, de harmonia com as possibilidades dessas instituições.
É indispensável, porém, que esse prazo do internamento dos tuberculosos venha a ser até um máximo de quatro anos, idênticamente ao que está legislado para os funcionários militares e os funcionários civis.
O assunto é realmente complexo e a Câmara confia em que o Governo saberá resolvê-lo com justa equidade.
6. QUE MEIOS NOS FORNECE ESTA PROPOSTA DE LEI? - Exposto assim o que nos falta para a boa execução da luta antituberculosa, verifica-se que a presente proposta de lei procura satisfazer muitas das nossas necessidades mais instantes.
O problema da tuberculose é de superior interesse público e, assim, o Estado, pela presente proposta, confirma a sua resolução de assumir a chefia da luta que, pelo artigo 140.º do Regulamento da Assistência, cabe em especial ao Instituto da Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Esclarece-se e define-se mais concretamente a acção do Instituto da Assistência Nacional aos Tuberculosos, ao qual, além das funções que já tinha, cabe promover a imunização pelo B. C. G. ou por outros meios, complemento do cadastro radiológico a organizar. Atribui-se-lhe assim uma função executiva definida de profilaxia a pôr em acção, em vez da função vaga «estabelecer as modalidades de profilaxia e tratamento indispensáveis ao combate da tuberculose», como se dúzia no n.º 1.º do artigo 141.º do Regulamento da Assistência.
Desta forma, a presente proposta promete dar largo desenvolvimento à vacina das populações pelo B. C. G., medida importantíssima que, como em todos os países onde vem sendo empregada, irá influenciar nìtidamente o nosso elevado índice ide mortalidade pela tuberculose c reduzi-lo a proporções que não nos envergonhem.
Ao Instituto da Assistência Nacional aos Tuberculosos é atribuída também por esta proposta de lei a fiscalização do funcionamento dos estabelecimentos que recebem doentes tuberculosos, medida indispensável para obrigar esses estabelecimentos a acatar as regras de higiene e da profilaxia, o que, até aqui, em alguns se não tem verificado.
Quanto aos encargos da assistência, problema fundamental para a sua execução, pois de nada vale abrirem-se dispensários ou construírem-se sanatórios se não houver quem pague a hospitalização dos doentes, a presente proposta marca o único caminho a seguir, atribuindo a cada um a responsabilidade que lhe compete:
a) Aos próprios doentes, quando possam pagar;
b) Às companhias de seguros que tenham assumido a inerente responsabilidade;
c) Às instituições de previdência, relativamente aos seus beneficiários e na medida prevista nos seus (regulamentos;
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d) Ao Estado, na parte não coberta pelos porcionistas ou pelas caixas de previdência e o encargo total da assistência aos pobres e indigentes.
Satisfaz-se assim mais uma das propostas da comissão de 1942.
Finalmente, como estímulo importante para a criação de hospitais ou enfermarias para o tratamento da tuberculose, o Estado, além da isenção de impostos e emolumentos, dá aos particulares e autarquias locais uma comparticipação de 75 por cento do custo total, incluindo o primeiro reapetrechamento.
Porém, para que a presente proposta de lei possa resultar eficiente, devem ser postas em execução, com urgência, as medidas seguintes:
1.ª Organização de centros de cadastro radiológico e vacinação em Lisboa, Porto e Coimbra;
2.ª Construção de um laboratório para a preparação da vacina B. C. G. ;
3.ª Ampliação dos sanatórios de Lisboa, Porto e Coimbra;
4.ª Apetrechamento completo, em material e em pessoal especializado, de todos os dispensários e sanatórios existentes;
5.ª Reajustamento dos quadros do pessoal dos sanatórios e dos dispensários de harmonia com as suas necessidades efectivas e que permita, dentro da economia possível, obter-se maior rendimento destes estabelecimentos;
6.ª Criação de asilos para recolha e isolamento dos tuberculosos pulmonares contagiosos, pobres, sem indicação de tratamento especial.
Sem esta organização complementar da lei a luta contra a tuberculose não assumirá a envergadura que a Câmara julga necessária.
7. A Câmara Corporativa, pelas razões expostas, considera oportuníssima, conveniente e bem ordenada a proposta de lei relativa à luta contra a tuberculose, que, em seu parecer, merece a aprovação na generalidade.
II
Exame na especialidade
Passemos à sua apreciação na especialidade, referindo apenas as bases que esta Câmara julga devem ser alteradas. Como, no final deste parecer, se publica de novo o projecto de proposta de lei com as alterações que esta Câmara propõe, deixamos para essa publicação pequenas mudanças de redacção, que lhe não alteram o sentido, mas pareceram convenientes.
BASE II
1. Propõe-se a alteração da ordem das duas primeiras alíneas do n.º 1, acentuando, assim, que, nesta luta, a primeira função do Estado é orientar, coordenar e fiscalizar todos os elementos da campanha a pôr em acção, a seguir estimular as iniciativas particulares e, finalmente, suprir o que as excede.
2. Como é ainda ao Estado, pelo Ministro do Interior, que incumbe o disposto neste número, julga-se preferível transformá-lo em alínea d) a acrescentar às três primeiras.
BASE III
l. Por esta base, a secção de tuberculose do Conselho Superior de Higiene e Assistência Social é completada com dois tisiólogos o, para a indispensável colaboração entre a assistência e previdência, passa a fazer parte daquele Conselho o director-geral de Previdência do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
A coordenação dos serviços da assistência poderá assim melhorar, e é mais uma tentativa neste sentido, embora se entenda que aquela coordenação só pode ser realmente profícua quando houver um Ministério da Saúde Pública que coordene lògicamente todos os serviços de saúde e de assistência, princípio mais de unia vez defendido por esta Câmara.
A previdência cabe o encargo não menos importante do problema económico relativo aos seus beneficiários.
2. Para maior facilidade de escolha, pelo Ministro do Interior, dos dois tisiólogos a nomear para o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, entende esta Câmara que ela deve ser feita depois de ouvida a Ordem dos Médicos.
BASE IV
A luta contra a tuberculose é muito complexa e, fundamentalmente, compreende dois planos de acção distintos e independentes nos seus meios de execução, mas trabalhando em paralelo e perfeitamente integrados sob a mesma direcção superior. Um cuida de proteger os sãos; outro cuida de tratar os doentes.
Ao sector da profilaxia incumbe o cadastro radiológico, base de toda a campanha, para a separação da população em duas classes: a dois indemnes a vacinar e a dos doentes a tratar; ao sector da assistência cabe o tratamento destes últimos.
A acção no primeiro sector deve incidir principalmente sobre a protecção das crianças a partir do nascimento e em ligação, portanto, com o Instituto Maternal; a aplicação da vacina B. C. G., pelo largo volume de trabalho a que obriga, pois há que aplicá-la metòdicamente e em conjugação com o cadastro radiológico em massa das populações, necessita uma organização especial a criar que não se ocupe de outro assunto, e a quem deve caber a delicada preparação da vacina e a distribuição por todo o País, dado que o seu prazo de validade é muito curto - dez dias apenas. A sua preparação deve ser superiormente orientada por um bacteriologista competente e de reconhecido mérito.
Este aspecto da campanha do, profilaxia da tuberculose deve apoiar-se na organização sanitária, já devidamente estabelecida em todo o País pela Direcção-Geral de Saúde, a quem, pela Lei n.º 2:036, cabe a orientação da luta contra as doenças contagiosas, de que a tuberculose pulmonar faz parte. Ora, nestes termos, para que a acção a desenvolver pelo Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos seja profícua, o seu director deve ser assistido por um conselho técnico, constituído por um delegado da Direcção-Geral de Saúde, outro do Instituto Maternal, os dois tisiólogos que, pela base III, fazem parte do Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, e por um bacteriologista que dirigirá o laboratório da vacina B. C. G.
BASE V
1. c) Ao Instituto d o Assistência Nacional aos Tuberculosas cabe essencialmente a assistência aos tuberculosos sob todas as formas e, para que esta possa ser cabalmente desempenhada, deve dispor de pessoal clínico devidamente habilitado com a especialização de tisiologia.
Ao Instituto compete ainda o aperfeiçoamento do pessoal médico por meio de cursos e estágios, mas a formação inicial deste pessoal deve ser dada por cadeira própria a criar nas Faculdades de Medicina, a quem essencialmente cabe a investigação científica tisiológica.
Como já dissemos, na Faculdade de Medicina de Lisboa, e por proposta do seu conselho escolar foi criada, em 1935, a cadeira de Doenças Pulmonares, que há
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dois anos deixou de existir, pois não foi incluída na reforma das Faculdades de Medicina, feita pelo Decreto n.º 37:040, de 7 de Setembro de 1948. No entanto, mantêm-se integralmente as razões invocados no decreto que a tinha criado, tanto nas cifras de morbilidade e da mortalidade pela tuberculose, como na absoluta necessidade de ministrar aos futuros médicos conhecimentos mais minuciosos paira o diagnóstico, a terapêutica e a profilaxia desta doença.
Os cursos de aperfeiçoamento, na própria Faculdade ou em estabelecimentos do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, são o natural complemento do curso universitário. Por isso se opta por uma redacção análoga à correspondente da Lei n.º 2:036, n.º 5, da base XX: facilitar, por meio de cursos e estágios, o aperfeiçoamento do pessoal médico, de enfermagem e de serviço social.
d) e e) A aplicação da vacina B. C. G., que tão notáveis resultados tem dado em vários países, continua em estudo. Reconhece-se desde já a necessidade de revacinação, mas os períodos em que deve ser feita estão ainda em fase experimental.
A propaganda dos preceitos de profilaxia antituberculosa, nestes primeiros anos, pelo menos, tem capital importância pela necessidade de educar e preparar as populações para este novo método de profilaxia.
Por outro lado, a preparação da varina e a sua distribuição devem caber a um organismo à parte da secção de assistência e que tanto pode ficar adstrito ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos como a Direcção-Geral de Saúde.
Para melhor arrumação destas funções diferentes, se destaca pana a alínea d) a parte dia alínea e) que diz respeito à vacinação.
A alínea f) está incluída na alínea b), pelo que pode ser eliminada e substituída por cima outra, que mantenha ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos a competência para administrar os estabelecimentos e serviços a seu cargo que lhe cabe já pelo n.º 4 e § l.º do artigo 143.º do Decreto n.º 30:108.
i) Além da Direcção-Geral de Saúde e do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência há outros organismos, como a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, a dos Serviços Agrícolas, a dos Serviços Pecuários, o Comissariado do Desemprego, etc., com os quais o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos deve cooperar no estudo dos vários problemas de higiene, económicos ou sociais que interessem à luta antituberculosa.
l) Como a expressão «funcionários públicos» envolve militares e civis e os serviços militares possuem uma organização especial de assistência na tuberculose, parece mais próprio definir que se trata de funcionários civis.
BASE VI
Como receitas do Instituto há que acrescentar à alínea a) as quotas dos sócios da Assistência Nacional aos Tuberculosos, que ainda são em número apreciável.
Na alínea c) a designação do selo deve ser a de selo de propaganda antituberculosa.
A secção de Crédito e previdência, no seu parecer subsidiário, expõe dúvidas quanto à interpretação a dar ao significado das expressões «pensões» e «percentagens de compensação» contidas na alínea d) da proposta de lei e propõe nova redacção das alíneas d) e e).
Quanto à interpretação a dar àquelas expressões, «pensão» deve entender-se, na verdade, como a importância devida, por internamento, qualquer que seja o seu carácter - terapêutico, preventivo ou recupera dor. A expressão «percentagens de compensação» deve entender-se como referindo-se a porcionistas, isto é, ao pagamento de uma porção do custo real dos exames, análises ou tratamentos, e de harmonia com a classificação que vier a ser feita na escala do porcionismo ou a estabelecer no regulamento ou no acordo a que se referem, respectivamente, os -n.ºs 3 e 4 da base XIV da proposta de lei.
Quanto às novas redacções propostas nesse parecer, concordamos inteiramente com a da alínea d):
As diárias ou pensões a cobrar como compensação dos gastos efectuados com o internamento de doentes.
na alínea e) o produto das importâncias a cobrar como compensação dos gastos efectuados deve limitar-se aos serviços tabelados, e por isso se excluem os serviços clínicos - médicos ou cirúrgicos - , que dependem quase sempre de acordo entre o doente e o seu médico, e tão variável pelas circunstâncias de um e outro que nunca foi possível fixá-lo. A sua inclusão nesta alínea poderia originar situações delicadas, sem qualquer utilidade, pois a compensação para o Instituto está no preço da utilização da sala de operações e da pensão a fixar. Esta alínea ficaria, pois, com a redacção seguinte:
e) O produto das importâncias a cobrar como compensação dos gastos efectuados com os serviços radiológicos e laboratoriais prestados.
f) Além das receitas consignadas nas alíneas anteriores, outras podem vir a ser criadas, pelo que se lhe junta outra alínea que as inclui.
No n. º 2 julga-se preferível não limitar o valor do selo de propaganda antituberculosa, que será fixado e alterado superiormente, consoante as circunstâncias o aconselharem.
A parte referente à forma como este selo pode ser utilizado suprime-se por parecer evidente.
BASE VII
Para mais conveniente arrumação, o n.º 2 desta base é passado para a base XI.
Para o internamento dos doentes tuberculosos prevêem-se nesta base, na alínea d), os hospitais especiais, e, na alínea e), os sanatórios.
No relatório consideram-se estes como o centro principal de tratamento, onde só devem ser admitidos os doentes cujo estado permita esperar a cura, e (n. º 1 da base XII) aconselhe a acção adjuvante do clima.
Pela base XI os hospitais especiais para tuberculosos destinam-se ao tratamento e isolamento de doentes para os quais não esteja indicada zona climática especial e, segundo o relatório que precede esta proposta de lei, para estes hospitais deverão ser dirigidos os doentes com lesões profundas, cujo isolamento seja necessário para evitar a transmissão da doença, ou aqueles que devam ser sujeitos a intervenções cirúrgicas. Assim, acrescenta o relatório, «estes estabelecimentos são, simultâneamente, meios de profilaxia e centros de tratamento activo, atentos os progressos verificados nos últimos anos nos métodos de compressão pulmonar».
Acaba-se, portanto, com a designação de «hospital-sanatório» referida no artigo 145.º do Regulamento da Assistência, designação que vem de longa data, em uso também noutros países, e mantém-se a dualidade de hospitais com funções nìtidamente diferenciadas.
Já por ocasião da criação da Assistência Nacional aos Tuberculosos, em 1899, a rainha D. Amélia, explicando os fins a que essa associação de beneficência se destinava, afirma a necessidade da criação de sanatórios marítimos e de altitude, bem como a de institutos em todas as capitais de distrito, para o tratamento da tísica e, «princi-
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palmente, a de criar hospitais para tuberculosos que permitissem evitar a sua promiscuidade com os outros doentes que entram nos hospitais ordinários para se tratarem de qualquer outra doença e que deles saem afectados de um mal terrível que em breve os mataria, depois de terem contaminado as famílias».
Na presente proposta estes hospitais aparecem designados por hospitais especiais, destinados à cirurgia da tuberculose e ao internamento dos tuberculosos mais graves e seu isolamento, constituindo assim, simultâneamente, como se diz no relatório, meios de profilaxia e centros de tratamento activo.
Esta designação foi criada no Estatuto da Assistência Social, cuja base XIV, n.º 1, designa as modalidades por que é feita a assistência «à vida ameaçada ou diminuída», incluindo na alínea b) os hospitais, que classifica em gerais ou especializados, e sanatórios.
O Regulamento deste Estatuto - o Decreto-Lei n.º 35:l08 já referido - no seu artigo 145.º mantém a dualidade de hospitais na organização antituberculosa de cada zona, com o hospital-sanatório e o sanatório, ligando este (artigo 151.º) essencialmente à acção adjuvante do clima, como já sucedia com os sanatórios marítimos e de altitude.
Ao do Lumiar foi chamado hospital de repouso, aos da Ajuda e de Coimbra hospitais-sanatórios e, actualmente, qualquer deles é realmente sanatório de planície.
Hospital especializado é, por definição, o que se destina a uma classe especial de doentes que não possam ser tratados em hospitais gerais, conjuntamente com outros doentes, quer pelo perigo de contágio, como os infecto-contagiosos, os tuberculosos pulmonares, os leprosos, etc., quer pelo isolamento a que devem estar sujeitos, como os alienados, quer, finalmente, por uma sistematização do conjunto e melhor arrumação dos serviços que convenha manter separados, como a pediatria e a obstetrícia, ou ainda para centralizar determinadas especialidades clínicas com o fim de se obter um melhor rendimento técnico e económico pelo apetrechamento especial a que obrigam, como, por exemplo, a oncologia.
O hospital especial para os tuberculosos é indubitàvelmente o sanatório, tal qual o hospital especial para os alienados era o manicómio, designação caída em desuso porque a ela estava ligada a ideia da incurabilidade destes doentes que, actualmente, pelos modernos processos terapêuticos, são recuperados em elevado número.
Pelo contrário, a designação de sanatório mantém sempre no espírito do público a mesma noção optimista e salutar do hospital para a cura dos tuberculosos.
O conceito de sanatório está actualmente muito modificado.
Independentemente de clima especial, considera-se como sanatório todo o hospital regularmente instalado que se destina exclusivamente ao tratamento de tuberculosos, com uma zona de protecção que o isole convenientemente de ruídos, ventos predominantes e poeiras, boa exposição solar e dotado com uma boa organização médico-cirúrgica.
O repouso e, principalmente, a colapsoterapia e outros métodos cirúrgicos hoje correntes, bem como alguns dos modernos antibióticos, têm uma acção tão eficaz que, para a tuberculose pulmonar, o clima passou a ser um bom adjuvante, e não, como até aqui, o elemento principal da cura.
Para a tuberculose cirúrgica, pelo contrário, o clima marítimo mantém todo o seu valor, o que não quer dizer que ela não possa ser amplamente tratada em solários relativamente afastados do mar e, especialmente, em clima de altitude. A ele há muitas vezes que recorrer pela associação de tuberculose óssea e tuberculose pulmonar.
Por outro lado, os modernos processos terapêuticos da tuberculose aumentaram de tal modo o número dos recuperáveis que, orgânicamente, não há qualquer razão para distinguir entre hospitais especiais para a tuberculose e sanatórios, visto que são a mesma cousa e têm a mesma função.
Quanto à situação é que se distinguem, designando-se por marítimos, de altitude e de planície, mas isso interessa apenas à distribuição ou à transferência dos doentes adentro da própria organização e consoante a indicação clínica de içada caso. Todos são sanatórios ou hospitais especiais e, decididamente, optamos pela primeira designação, que está de há muito consagrada e dá a todo o doente a internar uma esperança de oura. Por isso se propõe que a alínea d) desta base seja eliminada.
Em vez dos hospitais-sanatórios acrescenta-se a esta base os asilos para tuberculosos, que tão necessários são para acolher e isolar os tuberculosos pulmonares contagiosos, pobres, e sem indicação de tratamento especial.
BASE VIII
1. Com o fim de acentuar a acção profiláctica dos dispensários, altera-se a anelem de algumas alíneas e juntam-se outras, que aqui se justificam.
e) Dada a relativa frequência da infecção tuberculosa por animais domésticos, os dispensários devem estar autorizados a solicitar dos serviços veterinários oficiais a inspecção de animais que tenham contacto com tuberculosos.
j) Actualmente é grande a falta de agentes sociais, cujo serviço é da maior importância na acção dos dispensários, e, assim, na sua falta, os dispensários devem promover a assistência moral aos doentes, facultando-a a entidades particulares.
2. Como medida profiláctica, os dispensários antituberculosos devem constituir unidades autónomas, com sala de espera, gabinetes de consulta e tratamento e respectivo pessoal, privativos. Só devem, portanto, funcionar como secções de dispensários polivalentes quando estiverem convenientemente isolados em todas as suas secções.
BASE IX
Nesta base não se propõe qualquer alteração, mas julga-se conveniente acentuar que às brigadas móveis incumbe fundamentalmente, nestes primeiros anos, pelo menos, a organização do cadastro radiológico e da vacinação. Pelas razões invocadas no n.º 2 da base anterior, todos este serviço deve ser feito fora do dispensário, ao qual cabe essencialmente o cuidar dos doentes seleccionados pelo mesmo cadastro radiológico.
BASE X
Como se disse já, o preventório tem por função proteger os filhos dos tuberculosos, afastando-os do perigo de serem contagiados, e tonificar e robustecer os débeis e os predispostos por taras ou outras doenças que lhes diminuam a resistência orgânica.
Em princípio, portanto, os preventórios só devem receber as crianças indemnes e, quando muito, os afectados por uma primo-infecção anterior que lhes deixou, como sinal, a reacção positiva à tuberculina ou uma lesão calcificada.
Quanto aos afectados de tuberculose de natureza não evolutiva ou não contagiosa, o problema é delicado, já pela dificuldade no seu diagnóstico, já porque, de um momento para o outro, por motivo de uma gripe, um sarampo ou outra causa qualquer, e aparentemente
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sem importância, estas lesões entram em actividade, constituindo assim focos de contágio.
Por isso, as crianças afectadas por estas formas de tuberculose só poderão ser admitidas em preventórios que tenham uma organização clínica tal que permita reconhecer a tempo a evolução das lesões.
E assim, no n.º 1 desta base, julga-se preferível deixar a função do preventário definida maus genèricamente - destinando-se à defesa e fortalecimento de crianças e adolescentes em perigo de contágio.
BASES XI E XII
Pelo conceito atrás exposto, na base vil, sobre hospitais especiais e sanatórios, altera-se esta base XI, fundindo-a com a base XII.
Todos os hospitais para internamento dos tuberculosos suo sanatórios e, pela sua localização, podem ser de planície, de altitude ou marítimos.
Os sanatórios de planície, nos quais deve ser feita a admissão normal de todos os tuberculosos que necessitem de tratamento, devem ser construídos próximo dos grandes centros urbanos e servir a região que lhes for determinada. A admissão de doentes nestes sanatórios é feita sob proposta da direcção dos dispensários, ou, onde os não haja, pelos delegados ou subdelegados de saúde locais.
Os sanatórios de altitude e os marítimos recebem doentes de todo o País quando o seu estado aconselhe a acção adjuvante do clima. Esta admissão é feita por intermédio do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, sob proposta dos directores dos sanatórios regionais ou de planície, bem como dos directores dos dispensários.
BASE XIII
A assistência pós-sanatorial é um dos pontos importantes tratados nesta proposta, pois, e em grande parte, desta assistência depende a recuperação efectiva de elevado número de doentes dados por clìnicamente curados.
A recuperação clínica do tuberculoso não basta, pelo que, ao lado dela, é preciso preparar a sua recuperação social, ou, gradualmente, no próprio sanatório, em trabalho compatível com a sua capacidade física, ou, posteriormente, em centros de convalescença e de readaptação.
Estes centros já vêm referidos na alínea g) do artigo 145.º do Regulamento da Assistência, fazendo parte da organização antituberculosa de cada uma das três zonas em que, pelo mesmo regulamento, o País foi dividido para o efeito de combate à tuberculose. Todavia, nunca foram criados, e é indubitável a sua necessidade para a integral recuperação dos tuberculosos clìnicamente curados e readaptação ao trabalho útil, difícil, por vezes, de obter e, outras, até impossível, após uns unos de repouso e de inteira e completa ociosidade.
Independentemente, porém, dos centros especializados a criar, útil seria começar por organizar estes serviços nos próprios sanatórios, para a readaptação ao trabalho desde que o doente é considerado clìnicamente curado, e durante o habitual período de consolidação da cura, que, assim, é feita sob a vigilância, sem dúvida mais útil, do médico que o tratou.
Desta maneira, mais reduzido será o número dos doentes que, após a alta do sanatório, necessitam de ingressar num centro especializado de convalescença, pois a maior parte sairá apta a retomar a vida anterior.
BASE XIV
No seu parecer subsidiário, a secção de Crédito e previdência expõe dúvidas quanto ao significado das expressões «assistência especializada» e «na medida», em referência aos encargos devidos com a assistência prestadas aos beneficiários, contidas no n.º 3, e propõe algumas alterações a esta base.
Quanto às dúvidas postas, a expressão «assistência especializada» abrange toda e qualquer assistência prestada aos tuberculosos nos vários estabelecimentos e serviços, independentemente do órgão que a presta, e a, expressão «na medida» entende-se como respeitando às tabelas que vierem a ser estabelecidas para os vários serviços, em regulamento a publicar.
Quanto às alterações, propõe a secção que se elimine a alínea b) do n.º l, alegando que o seguro da tuberculose não tem viabilidade com carácter facultativo, pelo que julga inoperante a inclusão das companhias de seguros e instituições de previdência de inscrição facultativa entre as entidades às quais compete os encargos da assistência aos tuberculosos.
Mas, se houver companhias de seguros - e pode havê-las - que tenham assumido essa responsabilidade, é evidente que lhes competem os respectivos encargos. Por isso, entendemos que a alínea b) é de manter.
Propõe, também, que se substitua o texto do n.º 2 pelo texto seguinte ou equivalente:
2. As Casas do Povo e dos Pescadores, bem como as instituições de previdência de inscrição facultativa não são abrangidas pelo disposto na alínea c) do número anterior,
quer dizer, não são obrigadas a suportar os encargos da assistência aos seus agremiados tuberculosos.
Não deve, porém, excluir-se a hipótese de que tanto umas como outras venham a ser susceptíveis de uma reforma que lhes permita suportar tais encargos, aspiração de que não podemos desistir.
Por esse motivo, entende esta Câmara que a substituição deve ser aceite desde que no texto proposto se acrescentem as palavras «enquanto a sua reorganização não for reformada e integrada num sistema de previdência geral».
Propõe, ainda, nova redacção para o n.º 3, que passaria a ser:
3. Para os efeitos da alínea c) desta base, a medida e a forma de pagamento dos encargos com a assistência, prevista nesta lei, prestada aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares serão definidas em regulamento a publicar, no prazo máximo de um ano, pelo Ministro do Interior, mediante proposta do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.
Esta emenda tem como fundamento o facto de se entender que a possibilidade de as instituições de previdência poderem assumir o encargo de pagar, além de um subsídio por tempo mais prolongado, também o tratamento dos tuberculosos seus beneficiários só pode ser encarada depois de um estudo minucioso e demorado, para o qual estabelece as bases; e de que só depois desse estudo concluído a previdência social poderá contribuir para a luta contra a tuberculose e o Governo estará apto a fixar normas que o habilitem à resolução definitiva do problema.
Que o pagamento do encargo já era viável mostrava-o o facto de não só a Caixa Sindical dos Seguros o ter conseguido, mas também a dos metalúrgicos, em relação aos seus beneficiários tuberculosos, e ainda outras, como a da marinha mercante e a da indústria cerâmica, pelo menos, que, além do subsídio na doença, do fornecimento da estreptomicina e de um auxílio nas intervenções cirúrgicas, pagavam o internamento em sanatórios durante nove meses.
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Corrobora-o agora o Decreto n.º 37:762, de 24 de Fevereiro, ao assegurar a utilização dos estabelecimentos ou instituições de assistência por parte da massa beneficiária das caixas de previdência, mediante acordo entre os Subsecretários de Estado da Assistência e das Corporações e Previdência Social, ou entre as próprias instituições e os estabelecimentos interessados, desde que tal acordo tenha obtido aprovação dos referidos Subsecretários de Estado.
Deste modo, o internamento em estabelecimentos hospitalares ou análogos passa a constituir regalia para todos, o que até aqui só algumas caixas concediam.
Estas disposições vêm facilitar consideràvelmente a solução do problema. Resta conhecer as condições de admissão e os prazos de internamento, que, segundo o n.º 2 do artigo 9.º, virão a ser estabelecidos em diploma especial, de harmonia com as possibilidades das instituições de previdência.
Se para grande número de casos diagnosticados no início da doença o período de nove meses pode ser o bastante para se atingir a aura, outros há, porém - a maior parte -, cujo tratamento se prolonga muito para dá deste período, e, por isso, dado o montante dos encargos, o facto de se não poderem prever e o desconhecimento da medida em que os organismos de previdência, em geral, lhes poderão fazer face, está aconselhado, efectivamente, um estudo prévio e cuidado do problema.
Julgamos, por consequência, de aprovar a substituição proposta, embora, devido à urgência de se iniciar a campanha, entendamos que o prazo de um ano deve ser reduzido para seis meses.
Propõe, finalmente, que se elimine o n.º 4.
Do mesmo modo, entendemos que se deve eliminar, visto que com a substituição proposta do n.º 3 o regulamento a publicar pelo Governo estabelecerá «a medida e a forma de pagamento dos encargos com a assistência, prevista nesta lei, prestada aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares», e, assim, o texto do n.º 4 está prejudicado.
BASE XV
A necessidade do rápido aumento do número de camas, tanto para os tuberculosos curáveis como para os incuráveis, é tão urgente que se torna indispensável prosseguir na mesma política de ampliação dos estabelecimentos existentes, com melhor rendimento dos seus serviços centrais - laboratórios, raios X, secretaria, cozinhas, armazéns, lavandarias, etc. -, construindo-se ao lado pavilhões-enfermarias, como, tão económica e ràpidamente, se fez no Sanatório do Lumiar e vai prosseguir-se em Abraveses e na Guarda.
Além disso, há a considerar que a administração de um hospital desta natureza é económica se a sua lotação for entre 500 e 700 camas. Uma lotação menor constitui desaproveitamento; maior, dificulta a administração, pela inevitável dispersão dos serviços.
É do maior interesse, por isso, e muito louvável a intenção do Governo, expressa nesta base e na seguinte, para a rápida obtenção do maior número de camas destinadas ao internamento e isolamento dos tuberculosos.
A comparticipação concedida a instituições particulares e autarquias locais, até 75 por cento do custo das construções para este fim, é uma medida da maior importância, como estímulo poderoso, e que certamente será aproveitada.
BASE XVI
Apenas foram introduzidas alterações de redacção, nomeadamente para a harmonizar com o artigo 12.º da Lei n.º 2:030, de 22 de Junho de 1948.
BASE XVII
De harmonia com a alínea d) da base V, cabe ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos a orientação e fiscalização do funcionamento dos estabelecimentos e serviços em que é prestada assistência aos tuberculosos, e por isso se lhe deve atribuir nesta base a mesma função.
BASES XVIII E XIX
Na isenção de impostos e taxas a conceder incluem-se as heranças, legados è doações.
Parece preferível que se não torne desde já obrigatória a passagem da competência para dirigir as obras referidas nesta proposta à Comissão das Obras Hospitalares, deixando ao Governo a apreciação da conveniência e, da oportunidade do o decidir.
III
Conclusões
Pelas razões expostas a Câmara é de parecer que o projecto de proposta de lei merece a aprovação na generalidade; e quanto à especialidade sugere as modificações constantes da seguinte nova redacção dada às bases:
Nova redacção
BASE I
A luta contra a tuberculose abrange a acção profiláctica, a terapêutica e a recuperadora.
BASE II
1. Ao Estado incumbe:
a) Orientar, coordenar e fiscalizar a acção relativa à luta contra a tuberculose;
b) Estimular e favorecer as iniciativas particulares que contribuam para o exercício de qualquer das actividades enunciadas na base I, autorizando e auxiliando a construção e manutenção dos estabelecimentos e serviços respectivos;
c) Criar e manter os estabelecimentos e serviços necessários à luta contra a tuberculose a cujos encargos a iniciativa privada não possa dar satisfação;
d) Definir as fornias de tuberculose que devem ser incluídas na tabela das doenças de declaração obrigatória a que se refere o n.º 1 da base IX da Lei n.º 2:036, de 9 do Agosto de 1949.
2. A definição a que se refere a alínea d) compete ao Ministro do Interior, sob proposta da Direcção-Geral de Saúde.
BASE III
1. A política de assistência social relativa à luta contra a tuberculose será superiormente orientada pelo Governo, tendo, para esse efeito, como órgão consultivo o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social.
2. Para o efeito do disposto nesta base farão parte do Conselho o director-geral da Previdência do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e dois tisiólogos de reconhecido mérito, escolhidos pelo Ministro do Interior, ouvida a Ordem dos Médicos, de entre os que tenham revelado especial interesse pelos problemas da luta contra a tuberculose.
BASE IV
1. A acção do Estado, no que respeita às atribuições fixadas na base II, é exercida por intermédio do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, que funciona na dependência do Ministério do Interior, e em
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colaboração com os serviços de saúde, de assistência e de previdência.
2. A administração do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos será exercida por um director, assistido de um conselho técnico, constituído por um representante da Direcção-Geral de Saúde, outro do Instituto Maternal, os dois tisiólogos a que se refere o n.º 2 da base III e um bacteriologista que exerça as funções de director do laboratório para a preparação da vacina B. C. G.
3. O Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos goza de personalidade jurídica e de autonomia técnica e financeira, podendo adquirir bens e usufruir os que lhe forem entregues para a realização dos seus fins.
4. A alienação de bens imóveis depende de autorização do Ministro das Finanças.
BASE V
1. Ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos compete:
a) Promover a criação e funcionamento dos estabelecimentos destinados a exercer acção profiláctica, terapêutica e recuperadora, de harmonia com as necessidades da luta contra a tuberculose;
b) Orientar e coordenar a assistência aos tuberculosos e fiscalizar o funcionamento dos estabelecimentos e serviços em que é prestada;
c) Facilitar, por meio de cursos e estágios, o aperfeiçoamento do pessoal médico, de enfermagem e de serviço social;
d) Divulgar os preceitos de higiene e de profilaxia antituberculosa, orientando a respectiva propaganda e promovendo a vacinação pelo bacilo de Calmette-Guérin (B. C. G.) ou por outros meios de imunização;
e) Promover a preparação de vacina antituberculosa e regular a respectiva distribuição;
f) Superintender na administração dos estabelecimentos e serviços sob a sua imediata dependência e naqueles que venham a ser-lhe entregues;
g) Fixar, sob parecer do conselho técnico, as condições a que fica sujeito o funcionamento dos estabelecimentos e serviços destinados à luta contra a tuberculose, e bem assim o regime de admissão dos tuberculosos nos serviços, pavilhões ou enfermarias que lhes são destinados nos hospitais gerais;
h) Dar parecer sobre a concessão de subsídios de cooperação os Misericórdias e entidades particulares que mantenham ou se proponham instalar e manter estabelecimentos e serviços destinados à luta contra a tuberculose;
i) Cooperar com a Direcção-Geral de Saúde, com o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência o com outros organismos no estudo dos problemas relativos à alimentação, condições de trabalho, habitação e mais factores higiénicos, económicos ou sociais que influam na morbilidade e mortalidade pela tuberculose;
j) Efectuar os exames requeridos para «a admissão dos funcionários civis aos benefícios da assistência na tuberculose e prestar esta assistência nos termos em que os referidos funcionários a ela tiverem direito.
2. Os serviços de saúde e assistência prestarão ao Instituto o concurso que for julgado conveniente ao desempenho das suas atribuições.
BASE VI
1. Constituem receitas do Instituto:
a) As quotas dos sócios e os rendimentos dos boné próprios;
b) O produto de heranças, doações e legados instituídos a seu favor;
c) O produto da venda do selo de propaganda antituberculosa;
d) As diárias ou pensões a cobrar como compensação dos gastos efectuados com o internamento de doentes;
e) O produto das importâncias a cobrar como compensação dos gastos efectuados com os serviços radiológicos e laboratoriais prestados a pensionistas;
f) Os subsídios do Estado e das autarquias locais;
g) Outras receitas que forem criadas.
2. O valor do selo de propaganda antituberculosa será fixado pelo Ministro do Interior.
BASE VII
A luta contra a tuberculose é assegurada por:
a) Dispensários;
b) Brigadas móveis;
c) Preventórios;
d) Sanatórios;
e) Centros de convalescença e de readaptação;
f) Asilos para tuberculosos.
BASE VIII
1. Aos dispensários cabe:
a) Exercer a acção profiláctica, examinando as suspeitos, as crianças ou quaisquer pessoais que convivam com tuberculosos ou que exerçam profissão que acuse grande morbilidade tuberculosa;
b) Organizar o cadastro radiológico;
c) Divulgar, por meio de conferências, folhetos e cartazes, os preceitos relativos à profilaxia da tuberculoso;
d) Sugerir as providências a adoptar com as crianças em perigo de contágio;
e) Solicitar dos serviços veterinários oficiais a inspecção dos animais que estejam em contacto com tuberculosos;
f) Propor a admissão dos doentes que devam ser internados, indicando o estabelecimento adequado;
g) Observar e tratar os doentes que não necessitem de internamento ou aguardem vaga nos estabeleci mentos adequados;
h) Vigiar os doentes que tenham obtido alta;
i) Prestar, em regime ambulatório ou domiciliário, a assistência a que os funcionários eivas tenham direito;
j) Promover a assistência moral aos doentes, facultando-a a entidades particulares, na falta do agentes do serviço social.
2. Os dispensários antituberculosos, quando as circunstâncias o permitam, poderão funcionar como secções de dispensários polivalentes.
3. Na dependência dos dispensários principais poderão funcionar postos rurais e secções de dispensários polivalentes, destinados a assegurar na respectiva área a assistência aos tuberculosos.
BASE IX
1. As brigadas imóveis incumbem, nas áreas visitadas, as funções cometidas aos dispensários nas alíneas a), b), c), d) e f) do n.º 1 da base anterior.
2. Os delegados e subdelegados de saúde, os médicos municipais, os médicos das instituições de previdência, das Casas do Povo e dos Pescadores e as autoridades administrativas e policiais prestarão às brigadas móveis a colaboração de que estas careçam para o bom desempenho da sua missão.
BASE X
1. Os preventórios destinam-se à defesa e fortalecimento de crianças e adolescentes em perigo de contágio.
2. Os preventórios devem assegurar, ma medida do possível, assistência escolar aos menores neles internados.
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BASE XI
(Substitui as bases XI e XII)
1. Os sanatórios destinam-se ao tratamento e isolamento dos tuberculosos.
2. Quanto à sua localização, há três espécies de sanatórios: de altitude, marítimos e de planície, destinando-se as duas primeiras a proporcionar hospitalização aos tuberculosos cujo estado aconselhe a acção adjuvante do clima.
3. Nas localidades sem sanatórios ou com sanatórios de lotação insuficiente devem os hospitais gerais em funcionamento dispor de serviços, pavilhões ou enfermarias destinados ao internamento transitório de tuberculosos.
4. Os serviços, pavilhões ou enfermarias dos hospitais gerais destinados ao internamento de tuberculosos são equiparados a sanatórios.
5. O internamento em sanatórios de altitude ou marítimos será feito por intermédio da direcção do Instituto, sob proposta das direcções dos sanatórios de planície, dos hospitais gerais referidos no n.º 3 ou dos dispensários.
6. O internamento em sanatórios de planície far-se-á normalmente sob proposta das direcções dos dispensários da respectiva área ou dos hospitais gerais referidos no n.º 3, podendo também a proposta ser feita pelos delegados ou subdelegados de saúde das localidades onde não haja dispensários ou pelos chefes das brigadas móveis.
BASE XII
(Antiga base XIII)
Os centros de convalescença e de readaptação destinam-se aos doentes que necessitem de um longo período de convalescença ou de readaptação a trabalho compatível com o seu estado físico.
BASE XIII
(Nova)
Os asilos para tuberculosos destinam-se ao isolamento e amparo dos tuberculosos pulmonares contagiosos pobres para os quais clìnicamente não esteja indicado tratamento especial.
BASE XIV
1. Os encargos da assistência aos tuberculosos competem:
a) Aos próprios assistidos, seus cônjuges, ascendentes, descendentes e irmãos, quando tenham obrigação legal de alimentos, de harmonia com as possibilidades da respectiva economia familiar e quando os assistidos não estiverem seguros contra a tuberculose;
b) As companhias de seguros que tenham assumido a inerente responsabilidade;
c) As instituições de previdência social previstas no artigo 1.º da Lei n.º 1:884, de 16 de Março de 1935, ou às instituições em que aquelas se acharem integradas para efeito da prestação de assistência na doença, relativamente aos sócios ou beneficiários e pessoas de família por elas abrangidas;
d) Ao Estado, por força das dotações destinadas à luta contra a tuberculose e à assistência aos doentes indigentes e aos pobres, na parte não coberta pelo seguro ;
c) Aos estabelecimentos e serviços que prestem assistência aos tuberculosos, por força das suas receitas próprias ou dos subsídios do Estado.
2. As Casas do Povo e dos Pescadores, bem como as instituições de previdência de inscrição facultativa, não são abrangidas pelo disposto na alínea c) do número anterior, enquanto a sua organização não for reformada e integrada num sistema de previdência geral.
3. Para os efeitos da alínea c) do n.º 1 desta base, a medida e a forma de pagamento dos encargos com a assistência prevista nesta lei, prestada aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares, serão definidas em regulamento a publicar, no prazo máximo de seis meses, pelo Ministro do Interior, mediante proposta do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.
BASE XV
1. Os edifícios previstos na alínea c) da base II, necessários à instalação dos estabelecimentos e serviços dia luta contra a tuberculose, serão de construção quanto possível económica, podendo proceder-se à adaptação ou ampliação dos que, para tanto, reúnam as condições indispensáveis.
2. A construção, adaptação ou ampliação serão feitas de harmonia com planos prèviamente aprovados pelo Governo.
BASE XVI
1. As obras de construção, ampliação ou adaptação dos estabelecimentos destinados à luta contra a tuberculose, quando da iniciativa das Misericórdias ou de outras instituições de assistência privada ou de previdência, poderão, se obedecerem ao preceituado nesta proposta, beneficiar da comparticipação do Estado, pelo Fundo de Desemprego, até 75 por cento do seu custo total, incluindo neste os encargos de expropriação ou de aquisição de prédios rústicos ou urbanos, bem como da primeira aquisição de mobiliário e equipamento necessário ao seu funcionamento.
2. Para efeito do disposto nesta base as expropriações necessárias podem ser declaradas de utilidade pública por simples despacho de aprovação, pelo Ministro competente, dos projectos do execução das obras.
BASE XVII
l. As Misericórdias e outras instituições que tenham a seu cargo a administração de estabelecimentos construídos, adaptados ou ampliados com a comparticipação do Estado, ou que dele recebam subsídios de cooperação, ou ainda as que aceitem doentes a cargo da assistência oficial, obrigam-se a manter os estabelecimentos em perfeito estado de funcionamento e ficam sujeitas à inspecção e orientação do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.
2. O número de camas reservadas para os doentes a que se refere esta base será estabelecido por acordo entre o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e a administração do respectivo estabelecimento. Em caso de divergência será aquele número fixado pelo Ministro do Interior, tendo em atenção a capacidade do estabelecimento e a importância concedida a título de subsídio.
BASE XVIII
São isentos de impostos e taxas as heranças, legados, doações, e bem assim todos os actos, contratos e respectivos registos que tenham por objectivo a aquisição, construção, adaptação, ampliação e arrendamento de edifícios destinados aos serviços autituberculosos.
BASE XIX
1. A competência da comissão criada pela base XXI da Lei n.º 2:011, de 2 de Abril de 1946, poderá abranger a que respeita à construção, adaptação, ampliação e equipamento dos estabelecimentos a que se refere a presente proposta de lei.
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2.º Quando se dê o alargamento de competência previsto no número anterior a comissão será aumentada com um vogal designado pelo Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e outro pela Direcção-Geral de Saúde.
Palácio de S. Bento, 28 de Fevereiro de 1950.
Marcelo José das Neves Alves Caetano.
Afonso d& Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
José Joaquim, de Oliveira Guimarães.
Armando Coelho de Sampaio.
José Bulas Cruz.
Júlio Dantas.
Manuel Alfredo.
Alfredo Vidigal das Neves e Castro.
Reinaldo dos Santos.
António Avelino Gonçalves.
Aurélio Augusto de Almeida.
Maria Joana Mendes Leal.
Emílio de Meneses Ferreira de Tovar Faro, relator.
ANEXO
Parecer subsidiário da secção de Crédito e previdência acerca da proposta de lei n. º 501, sobre luta contra a tuberculose.
l. Objectivo da proposta. - Luta contra a tuberculose, abrangendo a acção profiláctica, a terrapêutica e a recuperadora, dando-se especial relevo à acção preventiva.
2. Incidência deste parecer:
BASE XIV
1) Os encargos da assistência aos tuberculosos competem:
a) Aos próprios assistidos, seus cônjuges, ascendentes, descendentes e irmãos, quando tenham, obrigação legal de alimentos, de harmonia com as possibilidades da respectiva economia familiar e quando os assistidos não estiverem seguros contra a tuberculose;
b) Às companhias de seguros que tenham assumido a inerente responsabilidade;
c) As instituições de previdência social previstas no artigo 1.º da Lei n.º 1:884, de 16 de Março de 1935, ou às instituições em que aquelas se acharem, integradas para efeito da prestação de assistência na doença, relativamente aos sócios ou beneficiários e pessoas de família por elas abrangidos;
d) Ao Estado, por força das dotações destinadas à luta contra a tuberculose e à assistência aos doentes indigentes e aos pobres, na parte não coberta pelo seguro;
e) Aos estabelecimentos e serviços que prestem assistência aos tuberculosos, por força das suas receitas próprias ou dos subsídios do Estado.
2. As Casas do Povo e dos Pescadores não são abrangidas pelo disposto na alínea c) do número anterior.
3. Para os efeitos da alínea c) desta base, os encargos com a assistência especializada aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares, quando tuberculosos, serão devidos na medida em que essa modalidade de assistência estiver prevista nos regulamentos das mesmas instituições.
4. O pagamento aos estabelecimentos e serviços referidos nesta proposta pela assistência prestada aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares regular-se-á por acordo celebrado entre o Instituto de Assistência Nacional nos Tuberculosos ou outros estabelecimentos de assistência c as instituições mencionadas na alínea c), ou, na falta de acordo, por tabelas aprovadas pelo Ministro do Interior c pelo Subsecretário de Estado das Corporações c Previdência Social, nas quais se terão em conta as maiores ou menores possibilidades daquelas instituições.
A matéria transcrita é justificada no relatório da proposta pela forma seguinte:
A tuberculose é uma doença cara.
Contando os dias perdidos para o trabalho e as despesas que o seu tratamento ocasiona, calcula-se que o seu custo representa cerca de uma quarta parte da importância despendida com todas as outras doenças.
Assim, o Estado não pode suportar isoladamente todo o volume das despesas pertinentes à luta contra a tuberculose. Integralmente a seu cargo deverão ficar apenas os indigentes e inaptos para o exercício de qualquer actividade útil e colocados por isso à margem de qualquer seguro social.
Na verdade, seja qual for a extensão deste, haverá sempre um grupo que não poderá ser abrangido por ele, pelo que há-de forçosamente constituir encargo da colectividade.
Em relação, porém, aos trabalhadores o problema é outro.
Da mesma forma por que devem satisfazer os encargos com o tratamento das doenças os que possuam bens suficientes, não devem depender da assistência oficial os que pelo seu trabalho auferem o suficiente para viver. A sua remuneração deve, bastar, não só à satisfação das suas necessidades normais, mas ainda à prevenção e cobertura dos riscos susceptíveis de comprometer a economia familiar, entre os quais a doença figura em primeiro plano. Durante ela o trabalhador deixa de receber o salário, diminuindo ou até desaparecendo assim os recursos com que normalmente contava.
De harmonia com estes princípios, a proposta prevê que os encargos da assistência aos tuberculosos sejam suportados pelos próprios assistidos, seus cônjuges, ascendentes, descendentes e irmãos, com obrigação legal de alimentos, em conformidade com as possibilidades da respectiva economia familiar.
Por outro lado, prevê-se a intervenção das companhias de seguros, à semelhança do que acontece, em outros países, na cobertura do risco relativo à tuberculose.
Da mesma forma, pelos encargos relativos aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares respondem em princípio as mesmas instituições ou aquelas em que estas se acharem integradas para efeito da prestação de assistência na doença.
Assim se estabeleceu na base XXIV da Lei n.º 2:036, relativa à luta contra as doenças contagiosas; e, sendo a tuberculose, além de contagiosa, a mais importante das doenças sociais, nada justificaria a mudança de orientação.
Mas pode dar-se o caso de a maioria das instituições de previdência não estar em condições financeiras de suportar qualquer aumento de encargos.
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Verificada essa possibilidade, poderá optar-se por uma de duas soluções: aumento das contribuições actualmente pagas pelas empresas e pelos beneficiários ou revisão do esquema de seguro em vigor na modalidade de doença.
O assunto é complexo e carece de cuidadoso exame.
Se, por um lado, o aumento de contribuições não está indicado, dado o seu reflexo na produção, por outro, o seguro social, sob pena de se negar a si próprio, não pode deixar de participar nos encargos da luta contra este flagelo social.
Há assim que encarar a segunda solução: rever o esquema do seguro, tendo em vista a necessidade de cobrir principalmente o risco que não possa ser suportado pela economia familiar. Na verdade, se os beneficiários das instituições de previdência podem normalmente suportar, ainda que com algum sacrifício, as despesas com doenças de curta duração, o mesmo não acontece com a tuberculose, que, além de afectar a sua capacidade de ganho durante um longo período, ocasiona despesas de tratamento incompatíveis com os seus recursos. Fixado o principio da responsabilidade das instituições de previdência, a sua efectivação tem, porém, de ficar dependente da medida em que esta modalidade de assistência for prevista nos regulamentos das referidas instituições, não deitando de se ter em conta as maiores ou menores possibilidades destas.
Consta ainda da proposta de lei .matéria que, embora excluída do âmbito deste parecer, se refere às instituições de previdência e pode ajudar a esclarecer o problema, pelo que se transcreve:
BASE VI
Para a realização dos seus fins o Instituto terá como receita:
a) .....................
b) .....................
c) .....................
d) As pensões e percentagens de compensação pagas pelos doentes e suas famílias, autarquias, instituições de previdência, companhias de seguros e outras entidades;
c) O produto de percentagens sobre os honorários respeitantes a serviços clínicos, radiológicos e laboratoriais prestados a pensionistas;
BASE IX
1. As brigadas móveis incumbem, nas áreas visitadas, as funções cometidas aos dispensários nas alíneas d), b), d), g) e h) do n.º 1 da base anterior.
Aos dispensários cabe:
a) Exercer a acção profiláctica, examinando os suspeitos, as crianças e as pessoas que convivam com tuberculosos ou que exerçam profissão que acuse grande morbilidade tuberculosa;
b) Propor a admissão dos doentes que devam ser internados, indicando o estabelecimento adequado;
d) Sugerir as providências a adoptar com as crianças em perigo de contágio;
g) Organizar o cadastro radiológico;
h) Divulgar por meio de cursos, conferências, folhetos e cartazes os preceitos de higiene relativos à profilaxia da tuberculose.
2. Os delegados e subdelegados de saúde, os médicos municipais, os médicos das instituições de previdência e das Casas do Povo e dos Pescadores e as autoridades administrativas e policiais prestarão às brigadas móveis a colaboração de que as mesmas careçam para o bom desempenho da sua missão.
Como se verifica da matéria transcrita - incidência deste parecer subsidiário -, o problema posto consiste, essencialmente, em saber se compete ou não às companhias de seguros e às instituições de previdência contribuir para a luta contra a tuberculose e, no caso afirmativo, em que medida.
3. O seguro em geral e o risco da tuberculose. - Qualquer risco, para poder constituir matéria segurável, tem de obedecer a um mínimo de requisitos, cujo número aumenta, por razões evidentes, quando esse seguro tiver carácter facultativo.
Apreciemos o caso da tuberculose com relação ao possível seguro de tal risco em base de liberdade contratual.
A tuberculose é um flagelo social, que, segundo parece, apresenta em Portugal uma frequência anormalmente elevada.
A tuberculose é uma doença que ataca de preferência os indivíduos de idades não muito altas.
Apenas à face destas duas asserções, julgadas pelo menos certas quanto às conclusões que vamos tirar, deduz-se estarmos em presença de um risco em geral decrescente em função da idade e do tempo. Tanto bastaria para que a anti-selecção, sempre possível nestes casos, tornasse este risco não recomendável.
Ao que fica dito haveria a acrescentar: a falta de uma «experiência nacional»; a grande possibilidade de fraude por parte dos segurados; o facto de um seguro eficiente da tuberculose dever cobrir, além de encargos certos, encargos de valor absolutamente aleatório e pouco menos do que inavaliável, tais como internamentos sanatoriais, operações, etc.
A conclusão a tirar só pode ser uma: a impraticabilidade de um seguro útil cobrindo o risco da tuberculose com o carácter de facultativo.
Apreciando agora a hipótese da inscrição obrigatória, e supondo grupos de indivíduos em número suficientemente grande, como é o caso, por exemplo, das instituições de previdência, já então não custa admitir a possibilidade da cobertura do risco da tuberculose, considerando-a em conjunto com as outras doenças, especialmente no que respeita à concessão dos subsídios diários.
Quanto às despesas com tratamentos, internamentos sanatoriais e outros, o problema apresenta complicações e, pelo menos, faltariam actualmente elementos suficientes a uma previsão necessária dos respectivos encargos. Mas a cobertura das despesas com a luta contra a tuberculose, no que se refere aos beneficiários das caixas e suas famílias, efectuada através dum verdadeiro seguro, nem seria o que a proposta tem em vista nem aquilo que certamente convém nas actuais condições. O que parece indicado e se pretende é uma actuação rápida e simultânea, desencadeada por todos os meios, no sentido de reduzir a proporções normais o flagelo e, depois de obtidos os resultados, só então procurar enquadrar inteiramente no esquema geral da previdência o problema da tuberculose.
4. Legitimidade do encargo em relação às companhias de seguros e instituições de previdência. - As obrigações assumidas pelas sociedades seguradoras por virtude da aceitação de um qualquer risco resultam de contratos bem definidos - as apólices de seguro -, firmados por livre vontade das duas partes. Consequentemente, a legitimidade do encargo poderia apenas provir de bene-
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fícios efectivos que resultassem para as mesmas sociedades da luta contra a tuberculose.
Assim, e assente a impraticabilidade de uma cobertura útil do risco da tuberculose na base do seguro facultativo, afigura-se pelo menos inoperante a referência constante da proposta de lei no que se refere a encargos das companhias ide seguros com a assistência nos tuberculosos. Aliás, a própria proposta restringe tais obrigações às sociedades seguradoras «que tenham assumido a inerente responsabilidade».
Por razão análoga, julga-se que a mesma conclusão deve ser aplicada às associações de socorros mútuos e às instituições da 4.ª categoria de inscrição facultativa.
Quanto às instituições de previdência de inscrição obrigatória, o problema apresenta-se de forma totalmente oposta.
Em princípio, a tuberculose, como doença que é, deveria encontrar-se incluída entre os riscos cobertos por um seguro de carácter social. Caberia mesmo a estas instituições, além de substituir as entidades patronais no pagamento de parte substancial do salário perdido, satisfazer todos os pesados encargos que o tratamento da tuberculose acarreta, e, possìvelmente até, antecipar-se à verificação do risco, prevenindo-o.
O relatório que antecede a proposta justifica largamente a legitimidade do encargo, e apenas haverá a considerar qual a medida em que o mesmo é comportável.
Consta do relatório, quando trata do aspecto em causa em relação aos trabalhadores:
... a sua remuneração deve bastar, não só à satisfação das suas necessidades normais, mas ainda à prevenção e cobertura dos riscos susceptíveis de comprometer a economia familiar.
Aspirações como esta, muito embora definam um legítimo e verdadeiro ideal humano, não podem tomar-se como premissas de um problema, pois de contrário correr-se-ia a contingência de ver comprometida a sua solução prática.
Passemos, pois, a estudar a medida do encargo.
5. Ordem de grandeza do encargo no que respeita às instituições de previdência. - Muito pouco consta do relatório da proposta quanto a este aspecto básico. No entanto, sempre se diz que «a tuberculose é uma doença cara» e, logo em seguida, «contando os dias perdidos para o trabalho e as despesas que o seu tratamento ocasiona, calcula-se que o seu custo representa cerca de uma quarta parte da importância despendida com todas as outras doenças».
Ora, considerando-se que:
a) O salário médio diário é da ordem dos 20$;
b) O custo aproximado do actual esquema de subsídios na doença é de cerca de 2 por cento do salário;
c) A capitação mensal para a assistência médica, incompleta, presentemente prestada aos beneficiários e suas famílias anda por 25$;
conclui-se imediatamente que a ordem de grandeza do encargo é de 1,5/2 por cento dos salários - uma quarta parte da importância que actualmente se gasta por família com subsídio e tratamentos na doença (embora não incluindo operações, internamentos, nem subsídios nas doenças de longa duração).
Com o objectivo de verificar se o número obtido é pura e simplesmente de rejeitar ou, pelo contrário, se confirma, procuremos outro caminho.
Para tanto considerem-se como elementos-base os seguintes:
a) Mesmo salário diário de 20$;
b) Custo da extensão do subsídio às doenças de longa duração, 0,5 por cento dos salários;
c) Número dos componentes da família média, para este efeito, duas pessoas;
d) Percentagem de tuberculosos, da ordem dos 2 por cento da população.
Pela conjugação destes elementos é também fácil concluir-se que os dados anteriores não devem encontrar-se absolutamente fora da verdade, pois a conclusão idêntica à anterior se chegaria por este segundo processo, uma vez que não pareça totalmente de rejeitar um custo médio mensal de tratamento da ordem dos 300$/450$ por tuberculoso (entre internados e em regime ambulatório ou domiciliário, incluindo serviços clínicos, radiológicos, laboratoriais e operatórios).
Determinada, embora grosseiramente, a ordem de grandeza do encargo, passaremos a estudar a com portabilidade do mesmo.
6. Previsões e experiência quanto aos encargos do subsídio na doença. - A Lei n.º 1:884, de 16 de Março de 1935 (estatuto da previdência nacional), é informada no princípio da correspondência, em valor, entre os direitos e as obrigações constantes do regulamento de cada instituição, correspondência esta estabelecida à base de cálculos financeiros e estatísticos.
Como direitos entendem-se os subsídios na doença, os subsídios por morte, as pensões de invalidez e as pensões de velhice e como obrigações a contribuição -parte patronal parte dos próprios beneficiários.
As estatísticas usadas no cômputo das receitas necessárias ao cumprimento das obrigações das nossas instituições de previdência são estrangeiras, e das mesmas, por vezes, se tem dito que são inadequadas e estão desactualizadas. É de observar, embora ao presente caso não interesse, que faltavam estatísticas nacionais por não existirem instituições e que, a seguir-se o princípio de tais críticas, nunca chegaríamos a ter instituições por ... carência de estatísticas. Hoje, porém, uma coisa é certa, e essa é que a experiência portuguesa, tomada no seu conjunto, vem mostrando um excesso de dias de subsídios de doença pagos, em relação aos previstos segundo as tais estatísticas estrangeiras, escolhidas como ponto de partida.
Esta conclusão equivale a dizer que, como regra geral, não se deve contar com sobras - com possível aplicação a outros fins - provenientes das receitas destinadas a cobrir os subsídios em caso de doença. Antes seria de prever agravamento da taxa desta modalidade, caso o presente esquema fosse mantido.
No que respeita às modalidades de reforma e invalidez é cedo ainda para se poder tirar qualquer conclusão e quanto ao subsídio por morte, por mais favorável que fosse, pouco ou nada se adiantaria, dada a insignificância da verba.
7. Esquema do subsídio na doença, relacionado com o respectivo custo. - Não se torna possível, perante o condicionamento do tempo, passar agora em revista todas as modalidades de previdência. Também são menos discutidos e teriam pràticamente menos campo de variação no custo os esquemas, não só do subsídio por morte, como também das pensões de invalidez e de velhice.
Cingir-nos-emos, portanto, ao da doença, segundo o qual o beneficiário percebe subsídios num máximo de nove meses, caso se trate de uma mesma doença ou até de diferentes, desde .que surjam com intervalos inferiores a um ano. Os primeiros três meses são pagos à razão de dois terços do salário e os restantes seis à de metade. Em cada baixa o subsídio só é devido a partir do terceiro dia de doença.
Muito se tem dito e alguma coisa se tem escrito: segundo uns, quanto à insuficiência de tal esquema nas
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doenças prolongadas; segundo outros, contra a magnanimidade dos benefícios nos casos de doenças de curta duração.
Somos levados a pensar que alguma razão têm uns e outros e que seria possível melhorar as condições dos beneficiários atingidos por doenças prolongadas, embora à custa de algum sacrifício nas doenças mais leves. Basta, para tanto, verificar que, teòricamente, o custo dos quatro dias seguintes à franquia já existente dos três primeiros dias de doença é da mesma ordem de grandeza dos encargos que adviriam pelo alargamento a três anos do período de concessão dos mesmos subsídios, ora fixado, como vimos, no máximo de nove meses.
O exemplo dado não tem outro valor que o de simples exemplo, tanto mais que existem obrigações internacionais e o problema é por demais melindroso.
Haveria a ponderar qual a verdadeira medida do conveniente, pois num dos extremos teríamos que melhor é prevenir (ou, pelo menos, atacar as doenças logo no seu início) do que remediar e no outro que há que encarar bem de frente as consequências resultantes das doenças prolongadas, entre as quais avulta a tuberculose.
Qualquer passo dado neste sentido constituiria uma ajuda valiosa para a resolução do problema focado nesta proposta de lei.
8. Fundos de assistência e fundos nacionais de carácter social. - Nas instituições de previdência das 1.ª e 2.ª categorias previstas no artigo 1.º da Lei n.º 1:884 existe, com funcionamento autónomo e para complemento dos benefícios da previdência - necessàriamente enquadrados em sistema rígido, dado o princípio atrás enunciado -, um fundo de assistência, com receitas próprias, cuja acção parece não dever ser condicionada senão em ordem a não ultrapassar as próprias disponibilidades, ou em razão de uma maior utilidade, em proveito dos beneficiários da instituição.
Pode dizer-se que este fundo de assistência é o beneficiário de quaisquer resultados favoráveis verificados nos compartimentos da previdência e da administração, para o qual são canalizados por força da mecânica do balanço de fim de ano; e, consequentemente, pode a receita deste mesmo fundo de assistência ser considerada como o índice das possibilidades da instituição respectiva, quanto a novos empreendimentos de carácter obrigatório.
O escasso tempo de que dispúnhamos não permitiu verificar o que se passa em relação aos fundos de assistência de cada uma das caixas de previdência hoje existentes. Mas não andaremos muito longe da verdade afirmando que, por várias causas concorrentes, tais índices serão maus nas caixas em que o salário médio for baixo e podem não ser bons naquelas em que o contrário se verifique.
É conveniente, no entanto, não esquecer que às receitas destes fundos de assistência compete suportar os encargos da assistência médica, a qual parece não ter atingido ainda o custo desejável.
Do que, no entanto, não podem restar dúvidas é de que, por força do fundo de assistência, pelo menos uma caixa sindical - a dos seguros - conseguiu resolver completamente o problema do internamento sanatorial dos seus beneficiários tuberculosos.
Por outro lado, entre as modalidades de segurança social ligadas às caixas de previdência encontram-se o abono de família e o desemprego.
0 abono de família, integrado nas instituições de previdência, funcionando por meio de fundo autónomo, concede benefícios que hoje se podem considerar integrados num mesmo e único esquema.
Com o objectivo de compensar as diferenças reais existentes entre as receitas e as despesas arrecadadas e efectuadas pelos fundos de abono de família de cada uma das diversas caixas, diferenças estas provenientes das condições igualmente distintas dos beneficiários dos respectivos âmbitos, foi criado o Fundo nacional do abono de família, que, além das receitas directas, recebe ainda os saldos anuais dos fundos de abono das instituições, sempre que esses saldos sejam positivos.
O problema do desemprego, por seu lado, continua a regular-se à margem da previdência, para a qual o respectivo fundo único nacional concorre com 0,5 por cento - parte dos 3 por cento descontados sobre os salários e ordenados dos beneficiários das caixas.
Esta receita da previdência, que dá entrada nos fundos de assistência, destina-se a substituir as contribuições em falta por doença, desemprego ou prestação do serviço militar.
Por força destas três espécies de fundos - o de assistência, o de abono de família e o de desemprego - deve pelo menos admitir-se a possibilidade de uma ajuda substancial para a comparticipação que indubitàvelmente incumbe à previdência na luta contra a tuberculose; isto quer seja ou não necessário alterar, por qualquer forma, as suas actuais directrizes ou regulamentos.
No respeitante à indicação das obrigações que neste caso devem competir ao Fundo de Desemprego, basta lembrar a grande percentagem de tuberculosos existentes entre os desempregados. Na verdade, não só uma das importantes causas do desemprego é justamente a falta de robustez física, como a situação de desempregado constitui certamente por si própria uma apreciável predisposição.
9. Contribuições actualmente pagas para a previdência.- Não há dúvida de que as contribuições actualmente pagas para a previdência dos empregados e assalariados constituem pesado encargo patronal. Mas também não é menor verdade que esse mesmo encargo se traduz por forma mui diversa numa e noutra indústria, variando em função directa da percentagem da mão-de-obra empregada em relação ao custo total do produto ou do serviço. Igualmente, a repercussão do peso da previdência na economia nacional também é diferente, conforme se trata de produtos de exportação ou de consumo interno, de produtos de primeira necessidade ou de luxo.
Não deverá, pois, ser posta de parte como absolutamente contra-indicada, a possibilidade de aumento de contribuição para a previdência de todo e qualquer sector da actividade nacional, como também será de admitir a necessidade de aliviar alguns.
A nossa previdência - é bom não esquecer - assenta numa organização corporativa e deve, consequentemente, amoldar-se, dentro do possível, aos meios a que se destina.
10. Mecânica da proposta de lei quanto às receitas provenientes das companhias de seguros e das instituições de previdência. - Conforme se depreende da matéria das bases que constituem esta proposta de lei, exceptuada por agora a base XIV, julga-se que da sua aplicação prática deveria resultar o seguinte: os dispensários ou as brigadas móveis (por vezes por intermédio dos delegados ou subdelegados de saúde, dos médicos municipais ou das instituições de previdência) examinam os suspeitos de tuberculose; observam, tratam ou internam os doentes; organizam o cadastro radialógico, etc. (bases VIII e XII), e em seguida as respectivas despesas, definidas pela expressão «pensões e percentagens de compensação», são apresentadas às companhias de
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seguros ou a instituições de previdência, conforme se trate de segurado ou beneficiário (base VI).
Porém, segundo a matéria da base XIV, embora nela se estabeleça como princípio o de os encargos da assistência aos tuberculosos competirem em parte às companhias de seguros e às instituições de previdência, o mesmo princípio é condicionado:
a) Quanto às companhias de seguros - impondo-o sòmente àquelas que tenham assumido tal responsabilidade;
b) Quanto às instituições de (previdência - exceptuando as Casas do Povo e dos Pescadores; restringindo os encargos com a «assistência especializada» àquelas instituições cujos regulamentos a prevejam e, possìvelmente também, «na medida» da mesma previsão; fazendo depender o pagamento dos encargos de prévio acordo em que é interveniente a instituição em causa ou, na falta deste, da promulgação, com a aprovação do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, da correspondente tabela de preços; tomando-se em conta as maiores ou menores possibilidades da instituição, quando da elaboração da tabela de preços referida no condicionamento anterior.
Há ainda a realçar que, ao contrário do que dispõe a Lei n.º 2:036, de 9 de Agosto de 1949, que define as normas a observar na luta contra as doenças contagiosas, pela presente proposta os encargos da assistência aos tuberculosos competem, não só às instituições de previdência social das 1.ª e 2.ª categorias previstas no artigo 1.º da Lei n.º 1:884, como ainda às associações do socorros mútuos e às instituições de previdência dos servidores do Estado e dos corpos administrativos.
11. Dúvidas suscitadas. - Finalmente resta expor algumas dúvidas suscitadas no exame de tudo quanto na proposta de lei se pretende definir e interessa à finalidade deste parecer.
Enunciá-las-emos, por comodidade, pela ordem das respectivas bases.
BASE VI
d) Onde se lê «pensões», deve entender-se «pensão devida por internamento»?
Neste caso engloba todos os internamentos, quer sejam de carácter terapêutico (hospitais especiais e sanatórios), quer de carácter preventivo (preventórios), quer ainda de carácter recuperador (centros de convalescença e de readaptação)?
Onde está «percentagens de compensação», deve entender-se «pagamentos correspondentes a parle do custo real»?
Neste caso é devida «compensação» por todo e qualquer serviço prestado pelos dispensários ou brigadas móveis, quer se trate de acção terapêutica (tratamentos ou observação de doentes), quer se trate de acção profiláctica (exame a suspeitos, sugerência de providências, vigilância de ex-doentes, organização do cadastro radiológico, etc.)?
BASE XIV
3. A expressão «assistência especializada» deve ser entendida como definindo «o conjunto de mais do que uma modalidade de assistência prestada cada uma delas pelo correspondente órgão de luta contra a tuberculose», ou, pelo contrário, «toda e qualquer assistência prestada nos termos da proposta, independentemente do órgão que a presta», ou ainda «apenas a assistência prestada por algum ou alguns dos mesmos órgãos»?
A expressão «na medida» deve entender-se como respeitando apenas a instituição por instituição, ou será extensiva, dentro de uma instituição, às diferentes modalidades de assistência a tuberculosos?
Conclusões
Resumindo o que ficou dito:
I) O seguro da tuberculose não tem viabilidade com carácter facultativo, pelo que se julga inoperante a inclusão das companhias de seguros e instituições de previdência de inscrição facultativa entre as entidades às quais competem os encargos da assistência aos tuberculosos.
II) As instituições de previdência de inscrição obrigatória não têm sobras provenientes de desvios observados nas modalidades de previdência entre os resultados previstos e os da experiência, mas deveria ser encarada uma alteração do actual esquema da doença, por forma, não só a cobrir a insuficiência verificada das respectivas taxas, como ainda a alargar a concessão do subsídio às doenças prolongadas. Isto com a preocupação de não elevar - ou elevar o menos possível - as contribuições, ou seja à custa de sacrifícios que incidiriam sobre o primeiro período do esquema da modalidade referida.
Poderia desta forma resolver-se o problema na parte que interessa à economia familiar.
III) A possibilidade de as instituições de previdência concorrerem substancialmente - como é legítimo e se impõe - para a satisfação dos encargos com a terapêutica (incluindo serviços clínicos, radiológicos, laboratoriais, internamentos, etc.) dos tuberculosos que sejam sons beneficiários ou da família destes só parece viável encarando o conjunto das seguintes medidas:
a) Embaratecimento da assistência médica;
b) A título provisório - durante a fase mais cara da luta contra a tuberculose -, os fundos de assistência das caixas de previdência seriam reforçados por força do Fundo nacional do abono de família e Fundo de Desemprego, alterando-se inclusivamente as estruturas ou regulamentos dos mesmos, se tanto se verificar necessário;
c) Revisão das contribuições para as caixas de previdência, tendo em consideração as respectivas repercussões nos preços dos produtos ou serviços no plano da economia nacional (produtos de exportação ou de consumo interno, de primeira necessidade ou de luxo, etc.);
d) Cativar para o fim em vista as disponibilidades que se verifiquem nos fundos de assistência logo que se encontrem tomadas as medidas constantes das alíneas a), b) e c), considerando-se apenas com direito de preferência as despesas que já lhes competem, provenientes da assistência médica e do pagamento das contribuições dos beneficiários quando desempregados, doentes ou prestando serviço militar.
Só depois deste estudo concluído a previdência social ficará habilitada a contribuir para a luta contra a tuberculose e o Governo estará apto a fixar normas, pelo menos indiscutível mente úteis, para um bom ritmo de trabalho e indispensáveis à resolução definitiva do problema.
Reconhece-se que o tempo que este estudo levaria - digamos um ano - pode vir a atrasar, embora não muito, a data do início da campanha, mas o mesmo certamente seria recuperado pela maior facilidade de execução. Não se pode esquecer que problema bem estudado é problema meio resolvido.
Em conformidade com as razões expostas, julga-se conveniente sugerir que sejam introduzidas no texto as seguintes alterações:
A) Substituir as alíneas d) e c) da base VI pelas seguintes ou equivalentes:
d) As diárias ou pensões a cobrar como compensação dos gastos efectuados com o internamento de doentes;
e) O produto das importâncias a cobrar como compensação dos gastos efectuados com os serviços
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clínico-cirúrgicos, radiológicos e laboratoriais prestados.
B) Eliminar a alínea b) da base XIV.
C) Substituir o n.º 2 da base XIV pelo seguinte ou equivalente:
2. As Casas do Povo e dos Pescadores, bem como as instituições de previdência de inscrição facultativa, não são abrangidas pelo disposto na alínea c) do número anterior.
D) Substituir o n.º 3 da base XIV pelo seguinte ou equivalente:
3. Para os efeitos da alínea c) desta base a medida e a forma de pagamento dos encargos com a assistência prevista nesta lei prestada aos beneficiários das instituições de previdência e seus familiares serão definidas em regulamento a publicar no prazo máximo de um ano pelo Ministro do Interior, mediante proposta do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.
E) Eliminar o n.º 4 da base XIV.
Palácio de S. Bento, 26 de Fevereiro de 1950.
José Gabriel Pinto Coelho, assessor, sem voto.
António Seixas Soares Júnior.
Fernando Enes Ulrich.
Henrique José Quirino da Fonseca.
Frederico de Lemos Macedo Santos, relator.
N.º 7/V
Projecto de lei n.º 58
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 58, emite, pelas suas secções de Política e administração-geral, de Justiça e de Actividades comerciais não diferenciadas, às quais foram agregados os Dignos Procuradores António Ventura Santos Fernandes e Carlos Garcia Alves, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. O projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Tito Arantes propõe-se introduzir algumas alterações no regime do inquilinato estabelecido pela parte I da Lei n.º 2:030, de 22 de Junho de 1948, destinadas a reparar certas «lacunas e injustiças que em ano e meio de vigência melhor houve tempo de se revelarem»; e propõe-se também, fazer a interpretação autêntica do algumas disposições da mesma parte V da Lei n.º 2:030 a respeito das quais «têm surgido nos tribunais várias decisões que manifestamente não se coadunam nem com a sua letra nem com o seu espírito».
Sublinha-se, nas claras considerações que justificam o projecto, ter havido «a preocupação de não alterar nada de substancial nos princípios fundamentais que informam aquele diploma».
E reconhece-se nessas mesmas considerações que os pontos focados são apenas alguns dos que poderiam merecer a atenção do legislador.
Isto é, não se trata de uma revisão sistemática e completa dos preceitos da Lei n.º 2:030 respeitantes ao arrendamento, mas sòmente de procurar aperfeiçoar certas matérias saltas que disso careçam de modo particular.
Tais são os objectivos, a orientação e o carácter do projecto de lei em apreciação.
2. A primeira questão que se abre ao exame da Câmara Corporativa é naturalmente a da oportunidade de uma revisão das disposições da Lei n.º 2:030 sobre arrendamento e, em especial, de uma revisão parcial e fragmentária como a que se propõe.
A Lei n.º 2:030 está publicada há menos de dois anos. Precederam-na extensos e intensos trabalhos preparatórios, entre os quais são de destacar os dois pareceres desta Câmara de 1947 e de 1948 1. Os resultados sociais da aplicação das novas disposições ainda não podem divisar-se com segurança. A problemática jurídica suscitada pela prática do novo regime está a desenvolver-se e não pode por enquanto ser bem apreendida. Se a isto se acrescentar que, como orientação geral, as repetidas intervenções do legislador ma mesma matéria são desaconselháveis, compreender-se-á que se ponha em dúvida se já chegou o momento de dever empreender-se uma revisão legislativa.
A verdade é, porém, que as coisas do arrendamento urbano, por isso mesmo que tocam de modo directo a quase toda a população e respeitam a condições fundamentais da sua vida e actividades, apresentam particular acuidade social e demandam aturada diligência do legislador, que não pode deixar de intervir, mesmo isoladamente e a curtos intervalos, se verificar que há razões sociais sérias a imporem alguma modificação. Por outro lado, não se deve esquecer que a elaboração final da Lei n.º 2:030 decorreu em apertadas circunstâncias de urgência, que nem sempre permitem o apuru-
1 Primeiro parecer, de 4 de Fevereiro de 1947, in suplemento ao Diário das Sessões n.º 83, de 5 de Fevereiro de 1947, a pp. 470-(1) e seguintes.
Segundo parecer, de 31 de Março de 1948, in suplemento ao Diário das Sessões n.º 140, de 1 de Abril de 3948, a pp. 408-(1) e seguintes.
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mento do melhor trabalho legislativo. Demais, a complexidade dos assuntos era tal que, mesmo sem essas circunstâncias, difìcilmente se poderia ter atingido, em todos os domínios, a solução melhor. E, por fim, há que contar com a própria alteração das condições económicas da população nos conturbados tempos que vivemos: aquilo que ontem era razoável pode mostrar-se amanhã incomportável.
É assim que a Câmara Corporativa entende:
Que é de admitir uma revisão geral e sistemática da parte V da Lei n.º 2:030, em face das dificuldades e resultados que se revelarem na sua aplicação;
Que é cedo para se proceder a uma revisão dessa natureza;
Que podem no entanto surgir desde já certos problemas particularmente agudos que justifiquem e até imponham uma intervenção legislativa naquilo que lhes diga respeito.
3. Dentro desta orientação, se se considerar a matéria versada nos artigos do projecto de lei, logo se reconhece que ela apresenta importância muito desigual. Pode dizer-se que essa importância se apresenta em ordem decrescente:
a) No artigo l.º trata o projecto da questão grave e delicada das rendas resultantes de novas avaliações e sua compatibilidade ou incompatibilidade com as condições económicas dos inquilinos. É uma questão de manifesta projecção geral e que se apresenta hoje em termos diferentes dos que o legislador considerava em 1948;
b) No artigo 2.º ocupa-se o projecto do problema sempre melindroso e importante das sublocações. Mas, cingindo-se aos casos em que nos termos legais o senhorio pode hoje fixar livremente a renda do prédio sublocado, torna-se óbvio que o alcance social da disposição projectada é já muito mais reduzido do que o do artigo anterior, sem embargo de corresponder ainda a assunto momentoso;
c) Depois, nos artigos 3.º, 4.º e 5.º, limita-se o projecto a certos retoques de pormenor no regime do novo fundamento de despejo criado pela alínea b) do artigo 69.º da Lei n.º 2:030 - «necessitar o senhorio da casa para sua habitação»;
d) Por último, o artigo 6.º trata de determinado ponto restrito no regime dos arrendamentos de prédios rústicos ou mistos onde funcionem estabelecimentos comerciais ou industriais.
O primeiro destes assuntos, pondo um problema de ordem geral que no presente momento de dificuldades económicas exige particulares cuidados, justifica plenamente a intervenção do legislador, embora em sentido diferente do preconizado no projecto de lei, como tudo se dirá adiante no lugar próprio. A apresentação de um projecto de lei sobre o assunto só é digna de aplausos e a Câmara Corporativa entende que ele tem toda a oportunidade.
Já a respeito das outras matérias do projecto de lei se não poderá dizer o mesmo sem restrição. Se não fora a necessidade de legislar sobre o assunto das novas avaliações e sua comportabilidade, dever-se-ia pôr em dúvida a conveniência de fazer funcionar a máquina legislativa só para tomar providências de alcance relativamente limitado, como são as versadas aios artigos 2.º e seguintes do projecto (em especial as dos artigos 3.º e seguintes).
E, confrontando estes assuntos com muitos outros da parte V da Lei n.º 2:030, que também comportariam aperfeiçoamentos ou esclarecimentos de alcance semelhante, bem caberia perguntar porque escolher uns e não os outros, ou seja, porque antecipar uma revisão parcial e fragmentária, em vez de aguardar mais algum tempo para se poder realizar a revisão geral e sistemática de que se falou acima.
Dado, porém, que a matéria do artigo l.º do projecto dá incontestável oportunidade ao mal necessário do mais uma lei sobre inquilinato, a Câmara Corporativa julga que não se deve recusar a adopção das outras providências propostas no projecto - na medida em que o exame especial de cada uma delas puder demonstrar trazerem efectiva melhoria ao regime vigente. O contrario seria levar longe demais a orientação de princípio que antes se afirmou.
4. Mas, se há outros pontos no regime da Lei n.º 2:030 que por igual seriam dignos de atenção de pormenor, não deveria aproveitar-se o ensejo, aberto pelo problema dos resultados das novas avaliações, para também os suscitar e procurar-se sugerir para eles a solução mais adequada?
Formula-se assim a questão da limitação do projecto de lei aos assuntos sobre que versa.
O ilustre Deputado autor do projecto escreveu na parte final da respectiva justificação:
É natural que, além destes pontos tratados no presente projecto, outros surjam aquando da sua discussão, trazidos por outros Srs. Deputados.
E, nas muitas representações que têm chegado à Câmara Corporativa, a cada passo se solicita a intervenção do legislador a propósito de aspectos do regime do inquilinato que o projecto de lei não contempla.
Seja qual for o interesse das questões formuladas ou a formular, à Câmara Corporativa só compete ocupar-se dos assuntos efectivamente versados no projecto de lei. Essa é a sua restrita missão; não lhe cabe iniciativa legislativa.
Isto não significa todavia que, dentro de caída assunto versado, não tenha de sugerir por vezes soluções estruturalmente diversas das que o projecto adoptou.
E a sugestão dessas soluções pode levar por sua vez - mas só por necessária unidade e incindibilidade da matéria regulada - a tocar em alguns aspectos que, em si mesmos, não estavam contidos aio projecto de lei. É o que acontece com o problema dos limites às avaliações de prédios arrendados para habitação, que não pode ser afastado uma vez que se admita que limites devam ser postos às avaliações de prédios arrendados para comércio, indústria ou exercício de profissões liberais.
5. Dada a índole do projecto de lei, a apreciação na generalidade resume-se ao pouco que fica dito. Será ao fazer-se o exame na especialidade que terão de ser consideradas com desenvolvimento as diferentes matérias soltas que no projecto aparecem reunidas.
Antes, porém, a Câmara Corporativa - que, como se verá, não pode dar plena aprovação à maior parte das soluções propostas - não quer deixar de registar a elevação de propósitos e a preocupação de justiça social que manifestamente animam o projecto de lei.
II
Exame na especialidade
SECÇÃO I
Actualização de rendas resultante das avaliações autorizadas pela Lei n.º 2:030
(Artigo 1.º do projecto de lei)
6. A Lei n.º 2:030, no capítulo VI da parte V, «Actualização de rendas», adoptou o sistema fundamental que consiste em procurar fazer coincidir as rendas com o rendimento ilíquido inscrito nas matrizes prediais.
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Quando as rendas sejam inferiores a esse rendimento, poderão ser gradualmente aumentadas até atingir o respectivo montante. É o que se dispõe nos artigos 47.º a 50.º, para as diversas hipóteses que a lei entendeu dever distinguir:
a) Arrendamentos para habitação fora de Lisboa e Porto (artigos 47.º e 50.º.);
b) Arrendamentos para habitação em Lisboa e Porto (artigo 48.º);
c) Arrendamentos não destinados a habitação em todo o País (artigos 49.º e 50.º).
Permitiu a Lei n.º 2:030 que o senhorio requeira avaliação fiscal para correcção do rendimento ilíquido; e, uma vez feita a correcção, o sistema da elevação gradual da renda até ser atingido o montante do novo rendimento ilíquido volta a aplicar-se. Mas essa faculdade de requerer avaliação para correcção do rendimento ilíquido (e, indirectamente, para correcção da renda) não foi concedida em todas as hipóteses: foi-o só nos casos de arrendamento para habitação fora de Lisboa e Porto e nos de arrendamentos não destinados a habitação em todo o País.
As avaliações fiscais de prédios arrendados para comércio ou indústria estão pois genèricamente autorizadas pela Lei n.º 2:030, e os respectivos preceitos reguladores entraram em vigor em Agosto de 1948, quando começou a vigorar o Regulamento das Avaliações de Prédios Urbanos, que o Governo publicou (Decreto n.º 37:021, de 21 de Agosto de 1948) em cumprimento do disposto no artigo 57.º da Lei n.º 2:030.
É a essas avaliações, e suas consequências quanto ao arrendamento, que se reporta o artigo 1.º do projecto.
7. Considerem-se pois as avaliações e sua repercussão nas rendas em matéria de arrendamento comercial ou industrial.
Na justificação do projecto escreveu o seu autor o seguinte:
... quanto à avaliação de estabelecimentos comerciais ou industriais, em que as comissões avaliadoras actualizam as rendas sem curar de saber se a natureza do comércio exercido nos locais comporta tal elevação, propomos uma solução que, sem ferir os interesses dos senhorios, tende contudo a tornar menos aflitiva a situação de numerosos inquilinos.
Está assim desenhado o problema que o artigo 1.º do projecto se propôs resolver: haver casos em que a actividade exercida pelo inquilino não lhe permite suportar a renda - aliás justa, vista em si mesma - que resulta da correcção do rendimento ilíquido operada pela avaliação.
O problema aparece posto, concretamente, a respeito da «natureza» da actividade a que o inquilino se dedica.
Mas não se pode ignorar que na realidade vai mais longe.
Na primeira metade de 1948, quando se elaborou a Lei n.º 2:030, a situação económica geral apresentava aspecto bem diferente do de hoje. A uma sensação generalizada de prosperidade seguiu-se uma sensação generalizada de dificuldade. Para muitas actividades do comércio e indústria, e até de uma maneira gentil, o ano de 1949 foi um ano de crise. Paralisação em alguns sectores, retraimento, embaraços de crédito, outras perturbações ainda. E o signo da dificuldade não se pode dizer superado. Compreende-se assim que haja apreensões sobre a possibilidade de o comércio e a indústria sofrerem agora o encargo de aumentos de renda que em emergência mais desafogada seriam fàcilmente suportáveis.
Entre o justo, sob o aspecto do valor do imóvel arrendado, e o comportável, sob o aspecto dos recursos económicos do arrendatário, pode haver uma diferença, que solicita a atenção do legislador.
Mas há mais. Com as avaliações e seus recursos procura-se atingir um resultado justo: não há, porém, a certeza objectiva de ele ser sempre atingido. São meios de averiguação essencialmente contingentes. Por mais critérios que se formulem, numa avaliação entram sempre factores subjectivos. Há que contar, portanto, com o risco de surgirem, na prática, alguma resultados excessivos 1. Ora esse risco torna-se particularmente delicado numa conjuntura económica como a actual. Nas épocas de euforia, todos os males parecem pequenos; nas de marasmo, todos se tornam desmedidamente pesados.
8. A solução que o projecto propõe consiste em os avaliadores indicarem, além da renda que consideram justa, a renda máxima que julguem compatível com o ramo de comércio ou indústria exercido pelo inquilino. Para o senhorio ter direito àquela terá de notificar o inquilino de que o autoriza a «utilizar ou fazer cessão do local para qualquer ramo de comércio ou indústria».
O remédio estaria, pois, em o senhorio consentir que o arrendatário aplicasse o prédio a algum fim mais lucrativo, ou passasse o local (decerto remuneradamente) a quem pudesse aproveitá-lo de modo mais rendoso. Obtida aquela aplicação mais remuneradora, ou cedida com ganho a posição de arrendatário, já não haveria obstáculo ao pagamento da renda justa ao senhorio.
9. Abstractamente, a solução do projecto encontrar assim um razoável equilíbrio de interesses. E, no entanto, entende a Câmara Corporativa que devo ser rejeitada - por múltiplas razões, que se enunciam a seguir. Examinada em concreto, mostra-se decisivamente defeituasa 2:
a) Com efeito, uma vez estabelecida a faculdade de o senhorio optar pela renda mais elevada, mediante a atribuição ao inquilino do direito de mudar de actividade ou de fazer cessão do local para outro ramo, seria bem de recear que essa faculdade passasse a ser usada generalizadamente.
Ora como a mudança da própria actividade comercial ou industrial, em particular em tempos de crise, está longe de ser coisa fácil (as mais das vezes será absolutamente impraticável por falta de aptidões, de capital e de outros meios para iniciar ramo diverso), e como, por isso mesmo, apareceriam muitos arrendatários a diligenciar ceder os locais para ramos mais ricos, dar-se-ia e pronto a saturação do mercado: o excesso de oferta de locais tiraria todo o interesse prático ao direito teòricamente atribuído aos arrendatários.
Nem encontrariam com facilidade quem lhos tomasse, nem sobretudo alcançariam a remuneração compensadora da cessação da própria actividade. A obtenção de importâncias a título de chave é viável quando os locais são raros e disputados; tornar-se-ia impraticável logo que os cedentes afluíssem em inúmero excessivo.
1 O que fica dito não significa que se devam pôr de parte as avaliações. Para a averiguação directa e equilibrada dos valores das casas arrendadas constituem o meio indispensável. Mas importa reconhecer que, com serem necessárias, não deixam de envolver defeitos - que é preciso enfrentar.
2 É curioso observar que a solução do artigo 1.º do projecto parece não agradar, em regra, nem a senhorios nem a inquilinos. Das muitas representações chegadas à Câmara Corporativa, umas fazendo-se eco dos interesses daqueles, outras manifestando-se em nome destes, quase todas se mostram contrárias à alternativa de rendas que essa solução envolve, embora com base em razões nem sempre coincidentes.
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b) A providência seria socialmente cheia de inconvenientes. Estimular-se-ia (por vezes, forçar-se-ia) a mudança de actividades e da sua implantação topográfica, ao sabor do mero critério exterior da possibilidade de maior renda, sem atenção à necessidade de manter cada um no seu ofício ou mister e à conveniência dos povos em encontrarem os estabelecimentos de toda a espécie razoàvelmente distribuídos por todos os sítios das povoações. As actividades comerciais ou industriais de menor rendimento tenderiam - na medida em que a perspectiva de rendosos traspasses não fosse ilusória - a desaparecer dos lugares mais centrais e mais concorridos, com manifesto dano para a estabilidade das respectivas profissões e acentuada incomodidade para o público. Ora cabe ao legislador fomentar a continuidade dos ocupações profissionais e a disseminação dos estabelecimentos que servem o público - não o contrário.
A cessação da exploração de certos estabelecimentos industriais poderia mesmo trazer consequências sociais delicadas: pense-se, por exemplo, no caso da indústria hoteleira e nos de indústrias que ocupam elevado número do operários.
c) Não se vê bem, por outro lado, como poderiam as comissões de avaliação determinar sem arbítrio qual a renda máxima compatível com a natureza do comércio ou indústria exercidos pelo arrendatário. É certo que o projecto se refere, não às circunstâncias concretas de cada comerciante ou industrial, mas às condições gerais de cada ramo de actividade. A verdade é, porém, que, mina vez adoptado o princípio da fixação de dupla renda, essa limitação objectiva de pouco serviria na prática. Às instâncias de cada arrendatário fàcilmente corresponderia a qualificação do seu comércio ou indústria como sendo daqueles que não comportam uma renda alta.
E como as comissões de avaliação são muitas - até dentro da mesma cidade - o arbítrio sentir-se-ia de modo particular. De concelho para concelho, porventura de freguesia para freguesia, haveria juízos diferentes sobre as possibilidades do mesmo ramo de actividade.
d) Não só arbítrio. As comissões de avaliação não podem ler real competência para ajuizar de matéria tão melindrosa como essa das reais possibilidades económicas das comércios e indústrias. Averiguar de tais possibilidades? Como? Com que meios de indagação? Com que seriedade de elementos?
c) Haveria por outro lado o inconveniente sério de a determinação da segunda renda (a máxima compatível com o comércio ou indústria exercidos pelo inquilino) poder afectar o seu crédito. Como se diz numa exposição presente à Câmara:
Quantos dissabores poderiam advir para muitas empresas comerciais e industriais, já a braços com dificuldades, se as comissões de avaliação chegassem ao pormenor da averiguação da prosperidade dos inquilinos?
f) A faculdade de fixação da segunda renda mostrar-se-ia contraproducente, sob o aspecto da protecção dos interesses do arrendatário em condições difíceis. Na verdade, as comissões de avaliação - que hoje não deixam de atender de algum moldo, nos rendimentos ilíquidos que atribuem, às circunstâncias visíveis do comércio ou indústria estabelecidos no local inspeccionado - passariam inevitàvelmente a fixar a renda justa só em função das condições objectivas do prédio, deixando para a válvula de segurança, que a segunda renda representaria, o atender às circunstâncias subjectivas do arrendatário.
Os rendimentos ilíquidos normais apareceriam decerto mais elevados do que nas avaliações actuais. Ora, como o senhorio poderia sempre acabar por obter a renda mais alta, mediando a concessão do direito teórico de mudança de actividade ou cessão do local, a situação efectiva do inquilino tornar-se-ia de facto menos favorável.
g) Não se podem menosprezar também os inconvenientes de ordem prática que adviriam de um regime tão complicado como o gizado no artigo l.º do projecto. Concedida de ânimo leve pelo senhorio a faculdade de cessão do local «para qualquer ramo de comércio ou indústria, salvo os insalubres, incómodos, perigosos ou manifestamente impróprios da categoria e localização do prédio», a efectiva utilização dessa faculdade seria fonte constante de abusos, dúvidas e questões. A breve trecho, muitas vezes, senhorio e inquilino estariam, arrependidos de ter entrado em senda tão espinhosa. Não é desejável que o legislador abra às partes semelhante perspectiva.
h) Há ramos do comércio e indústria em que as instalações materiais são de tal maneira específicas que neles não é de todo em todo viável a hipótese de aplicação do prédio a ramo diverso. Esses ramos, que não raro são dos que maiores dificuldades atravessam, estariam fora da possibilidade de aproveitar de facto o regime do artigo l.º do projecto.
i) Por fim (e omitindo ainda outras razões complementares que poderiam ser aduzidas), importa observar que não se deve ser insensível ao facto de o regime criticado atribuir legitimidade à obtenção, pelo inquilino, de um ganho pela mera cedência do local arrendado, ou seja, pela mera cedência daquilo que não é seu e que, visto em si, não incorpora qualquer contribuição de esforço por parte do mesmo inquilino. A cedência do local não seria aqui um verdadeiro traspasse, dada a mudança de ramo de actividade. Sem dúvida, a coonestar o caso, haveria o próprio consentimento do senhorio, obtido embora por via de certa coacção legal: mas isso não dissipa o mal-estar que vem, em linha de princípios, de se proclamar nos textos legais - Lei n.º 2:030, artigo 85.º, alínea c) - que constitui crime de especulação o facto de o arrendatário receber quantias «pela extinção do arrendamento ou pela cessão do local em caso que não seja o de traspasse».
j) E, em suma, pode pôr-se como síntese das reflexões antecedentes esta consideração fundamental: o regime da dupla renda representaria lançar-se o comércio e indústria numa situação de inquietação, incerteza e instabilidade, que a lei deve a todo o custo evitar.
10. Acresce que, como já foi aflorado atrás, o mal que se depara ao legislador, a respeito de possíveis dificuldades dos arrendatários quanto a suportarem as rendas resultantes das avaliações, não se resume na existência de ramos do comércio ou indústria cuja natureza não comporte as Tendas justas normais. É um mal mais extenso, que pode tocar a todo o comércio ou indústria se as avaliações se traduzirem em elevação de renda para além da evolução normal das condições económicas gerais - e que vai mesmo afectar o restante inquilinato, não comercial nem industrial, na medida em que nele esteja em vigor o sistema das avaliações, como se dirá mais adiante.
11. Por tudo isto impõe-se, pois, procurar nana solução diferente da que o projecto desenhou - uma solução mais simples, eficaz e generalizável que, sem ir ao ponto de suprimir o justo princípio das avaliações, trave mestra na legislação vigente, seja capaz de assegurar que o livre funcionamento dele não poderá produzir excessos incomportáveis para os arrendatários.
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Afigura-se à Câmara Corporativa que essa solução está naturalmente em estabelecer limites máximos aos resultados das avaliações (limites determinados em função da diminuição do poder de compra da moeda, ocorrida a partir da fase de estabilidade de preços que precedeu a última guerra mundial), e em permitir que, para determinados ramos do comercio ou indústria que averiguadamente não possam suportar as rendas coincidentes com esses limites, sejam fixados pelo Governo, por via de disposição geral aplicável a cada ramo, limites mais baixos, acomodados às respectivas circunstâncias.
Tais providências assumirão obviamente carácter transitório. Ao fim de certo prazo deverão ser revistas, a fim de se manter a adequação do regime à realidade económica.
12. A Lei n.º 2:030 assentou em considerar base normal para as operações de actualização automática das rendas o rendimento ilíquido inscrito na matriz em 1 de Janeiro de 1938. É que, na verdade, as matrizes prediais urbanas, tal como se encontravam no começo de 1948, representavam o resultado de aturada revisão dos rendimentos da propriedade urbana, mediante sucessivas operações de avaliação geral 1. Constituíam assim - e constituem - o elemento mais seguro a ter em consideração se se quiser fixar um ponto de referência normal para a determinação de limites.
E oferecem por outro lado a vantagem de corresponder a averiguações e correcções realizadas numa época de perfeita normalidade e estabilidade de valores 2.
Sucede ainda que, tendo-se agora procedido nesta Câmara ao exame de numerosos mapas de resultados de avaliações em Lisboa e Porto, verificou-se que os rendimentos inscritos nas matrizes antes das novas avaliações, sendo em regra superiores às rendas que estavam a ser pagas ao entrar em vigor a Lei n.º 2:030 o que não surpreende, pois tratava-se de rendas resultantes de velhos coeficientes de actualização notòriamente baixos), não se mostram, contudo, em linha geral, muito mais elevados do que essas rendas 3. E isso é a comprovação a posteriori de ter sido moderada a revisão que levou às matrizes de fins de 1937.
Por estas razões, julga-se justificado que, para a organização de limites aos resultados das avaliações, se tome como ponto de referência os rendimentos inscritos na matriz em 1 de Janeiro de 1938, multiplicando-se esses rendimentos por factores calculados de harmonia com as variações do poder de compra da moeda.
13. Repare-se que não se trata de apurar o montante das rendas pela aplicação directa de coeficientes de actualização, mas sim de, mantendo o sistema fundamental das avaliações (capazes de apreciarem as alterações concretas de cada caso, para mais e para menos, as quais podem ser muito importantes no termo de dez ou quinze anos), colocar todavia uma prudente extrema, que mão possa ser ultrapssada, e assegure portanto, de maneira empírica mas eficaz, que o esforço económico a exigir ao inquilino não será incomportàvelmente gravoso. Trata-se de limitar, não de substituir as avaliações.
Daqui se deduzem as seguintes consequências:
a) Os multiplicadores a escolher têm de ser superiores ao coeficiente que com rigor exprima a diminuição do poder de compra da moeda de 1938 até o presente. Se se aplicasse pura e simplesmente este coeficiente, tirar-se-ia, em grande parte, senão na totalidade, a utilidade prática das avaliações e abrir-se-ia, portanto, a questão da supressão delas - o que a Câmara supõe liminarmente excluído 1;
b) Os multiplicadores não podem contudo ir muito além do referido coeficiente, sob pena de se perder o efeito do limitação que se pretende e a adaptação das novas rendas às circunstâncias económicas existentes;
c) Porque se trata de formular um mero limite, e não um dado de aplicação certa e necessária, a escolha, dos factores não tem de ser feita com o rigor de exactidão que se faria mister na hipótese inversa. É admissível certa elasticidade de critério no seu apuramento;
d) Para o fim em vista, parece perfeitamente indicado atender-se aos números-índices totais de preços publicados pelo Instituto Nacional de Estatística. Esses números, a princípio apresentados como índices do custo da vida (até 1940), e, depois, com mais desenvolvimento, como índices de preços (abrangendo um índice simples, relativo a todo o Continente) 2, dão com suficiente aproximação e nitidez a linha de evolução do efectivo poder de compra da moeda nas trocas correntes dentro da nossa economia interna;
e) Às indicações directamente fornecidas pelos índices de preços dever-se-á acrescentar certa margem calculada por prudente arbítrio, em conformidade com o que se disso nas alíneas a) e b).
14. O exame dos números-índices, de 1937 até ao fim de 1949, revela que os preços de retalho - aqueles que directamente mais interessam para a caracterização do justo da vida - subiram incessantemente até 1946. A partir de 1946 estabilizaram-se. Notam-se pequenas diferenças, ora para menos, ora para anais (sobretudo consoante os elementos a que se atende para formular os índices), mas o nível atingido mantém-se fundamen-
Foi o regime tributário de 1929 (Decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929, artigos 17.º e seguintes) que mandou proceder à avaliação geral dos rendimentos da propriedade urbana. Seguiram-se-lhe variados diplomas legais, que foram regulando as operações de avaliação, através de sucessivos aperfeiçoamentos, com larga possibilidade de reclamação (quer dos senhorios directamente interessados, quer dos inquilinos a quem ficaria cabendo pagar a parte da contribuição predial correspondente à diferença entre a renda e o novo montante do rendimento colectável), até se chegar às matrizes definitivas de fins de 1937.
Merecem citar-se, entre outros, os seguintes diplomas:
Decreto n.º 17:956, de 12 de Fevereiro de 1930.
Decreto n.º 20:549, de 25 de Novembro de 1931.
Decreto n.º 21:746, de 18 de Outubro de 1932.
Decreto n.º 23:149, de 20 de Outubro de 1933.
Decreto n.º 25:300, de 6 de Maio de 1935.
Decreto-Lei n.º 25:502, de 14 de Junho de 1935.
Decreto-Lei n.º 25:581, de 14 de Setembro de 1935.
Decreto-Lei n.º 26:338, de 5 de Fevereiro de 1936.
Decreto-Lei n.º 26:590, de 14 de Maio de 1936.
2 Os próprios números-índices do Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística aparecem hoje referidos à base 100 da média mensal de 1938, ou (caso do índice ponderado dos preços de retalho de Lisboa) à base 100 da média mensal de Julho de 1938 a Junho de 1939.
3 Sem descer ao exame impossível de caso por caso, e tomando as somas dos rendimentos inscritos e das rendas pagas por grandes grupos de casos a respeito dos quais se realizaram avaliações em Lisboa e Porto, apura-se que a soma dos rendimentos inscritos nas matrizes raras vezes atinge um excesso de 30 por cento sobre as rendas que se pagavam antes dos aumentos da Lei n.º 2:030.
1 Sobre todo o problema dos processos mais idóneos para se realizar a justa actualização de rendas e necessidade de se adoptar o processo das avaliações, apesar de alguns defeitos que lhe são inerentes, pronunciou-se extensamente a Câmara Corporativa nos seus anteriores pareceres, citados na nota 3 da coluna anterior e para eles se remete agora o leitor, sem caber reencetar aqui uma longa apreciação de vantagens e inconvenientes que já passou em julgado e culminou com a publicação da Lei n.º 2:030.
2 Vide a secção de "Síntese comparativa" do Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística.
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talmente e exprime-se, em números redondos, pelo factor 2 1.
Perante este dado basilar, entende a Câmara Corporativa que o factor a aplicar ao rendimento inscrito na matriz em 1 de Janeiro de 1938, a fim de se encontrar o limite para os resultados idas avaliações, deve cirrar-se no coeficiente de 2,5. Não se dirá que, com ele, a limitação peque por excesso; e, sem embargo dessa moderação, oferece alguma maleabilidade para além da mera actualização dos números de antes da guerra.
15. Importa, porém, considerar os casos em que a inscrição do prédio na matriz seja posterior a 1 de Janeiro de 1938. Consoante a data da inscrição, assim o rendimento inscrito se ajusta mais ou menos a um justo valor actual.
Reconhecer-se-á sem esforço não ser possível procurar aplicar a cada caso o seu coeficiente próprio. Haverá que proceder por escalões e convém que estes não sejam numerosos: nem seria prático multiplicá-los nem essa discriminação quadraria bem à realidade instável dos poucos anos que vão do começo da guerra à estabilização atingida em termos de 1946.
Sugere-se, por isso, a destrinça de dois escalões apenas.
O primeiro irá de 1 de Janeiro de 1938 até 31 de Dezembro de 1942. Compreende-se a escolha desta última data: nos trabalhos preparatórios da Lei n.º 2:030, nomeadamente no primeiro parecer desta Câmara 2, já se expuseram as razões que impõem se adapte como divisória de dois períodos diferentes o fim do ano de 1942 (entre outras razões, foi de facto a partir deste momento que as rendas estipuladas em novos arrendamentos passaram a ser sensivelmente mais altas do que as anteriores); e a própria Lei n.º 2:030 consagrou essa escolha fixando regimes diversos para as rendas convencionadas antes e depois de 1 de Janeiro de 1943.
O segundo escalão abrangerá as inscrições na matriz mais recentes. E não parece haver necessidade de marcar qualquer limite temporal: mesmo para os casos que, no tempo, estejam pouco afastados do momento presente, só há vantagem em que exista uma limitação de valor aos possíveis resultados de avaliações, muito embora seja pouco provável que estas acusem grandes diferenças a respeito de situação recentemente constituídas.
Resta fixar os coeficientes ei aplicar aos rendimentos inscritos na matriz em cada um dos dois períodos.
O exame dos números-índices patenteia que em fins de 1942 o nível dos preços era de cerca de 150 por cento em relação a antes da guerra. E é a partir do começo de 1943 que - até 1946 - se vai verificando nova alta até aos 200 por cento, mais ou menos, que acabaram por normalizar-se 1.
Daqui se tira ser razoável aplicar aos rendimentos inscritos até 1 de Janeiro de 1943 o coeficiente 2; e, para os rendimentos inscritos depois, o coeficiente 1,5. Assim se apurará, em termos simples e práticos, o limite que as avaliações em caso algum poderão exceder.
16. Cabe perguntar se os limites sugeridos, parecendo teoricamente razoáveis, não serão praticamente inoperantes, em face dos resultados de facto apurados nas avaliações.
Com efeito, poderia suceder que a experiência mostrasse ficarem por sistema abaixo daqueles limites os resultados das avaliações que estão a realizar-se. Nessa hipótese, a limitação a estabelecer por lei reduzir-se-ia a abrir uma porta aberta.
Não é assim, todavia. O estudo meticuloso a que se procedeu, sobre muitos mapas com longas listas de resultados de avaliações realizadas em 1949, evidencia que - se no geral as avaliações parecem prudentes, não fixando números que sejam grandes múltiplos dos rendimentos, matriciais e das próprias rendas que se pagavam antes da Lei n.º 2:030 - nem por isso a aplicação dos limites que neste parecer se sugerem deixaria de determinar em muitos e muitos casos considerável redução nos rendimentos fixados e, portanto, nas rendas a pagar depois de operadas as competentes elevações semestrais.
Em algumas hipóteses das que foi possível observar os resultados da avaliação representaram mais de 4 vezes, e até 5 vezes, o valor do rendimento inscrito na matriz 2.
17. O projecto de lei, depois de gizar certo regime a aplicar a futuras avaliações, cuida de fazer a acomodação dele às avaliações já efectuadas (§ único do artigo 1.º).
Também entende a Câmara Corporativa que o regime a estabelecer não deve deixar de adaptar-se a tais avaliações que formam vultosa massa de casos. As razões que abonam a intervenção do legislador nesta matéria (supra n.º 7) impõem que as suavizações que se adoptarem abranjam por igual todos os casos, pretéritos ou
1 Aos números-índices de 2:102 em 1937 (Continente, conjunto de preços de retalho) e 2:140 em Janeiro de 1938, corresponde o número-índice de 4:263 em Dezembro de 1946. À base 100, de Julho de 1938 a Junho de 1939 (no índice ponderado do custo do consumo doméstico em Lisboa, conjunto), corresponde o número 209 em Dezembro de 1946. Daí em diante aparecem pequenas flutuações, para baixo e para cima, mas está-se praticamente perante uma situação de estabilidade.
Assim:
[Ver Quadro na Imagem]
2 Vide suplemento ao Diário das Sessões de 5 de Fevereiro de 1947, a pp. 470-(22) e seguintes.
1 Com efeito:
2 Esta observação não significa crítica às avaliações em referência. Os elementos examinados não permitiam ajuizar do bem fundado ou infundado delas. Vale apenas como apontamento do alcance prático que teria a limitação proposta.
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futuros. Não faria sentido exceptuar delas os casos em que já haja avaliação definitiva.
Mas surge aqui, sobretudo à face da solução de limites que se preconiza neste parecer, uma nítida dificuldade de ordem constitucional.
Na verdade, de harmonia com a orientação salutar que a Câmara Corporativa tem defendido e que a Lei n.º 2:030 consagrou, deve-se procurar que entre as rendas e os rendimentos inscritos na matriz haja coincidência. Transitoriamente pode haver diferença entre a renda e a matriz, pela necessidade de só gradualmente se fazer u elevação daquela até ao valor inscrito nesta; mas todo o sistema tende para a igualação, e a coincidência dos dois valores será o termo normal. E se hoje se dá a hipótese inversa, de as rendas praticadas terem já por vezes descido do nível em que antes chegaram a encontrar-se, sem que, no entanto, a matriz sofra correspondente diminuição, é isso efeito de outras disposições legais de carácter puramente fiscal, que se afiguram defeituosas e deveriam ser modificadas a fim de se conseguir o justo desiderato da paridade da matriz com as rendas.
Em tal orientação, portanto, os limites aos resultados das avaliações deveriam aplicar-se sem restrições nas avaliações já efectuadas - quer para efeito do montante das rendas vincendas, quer para efeito do rendimento tributável.
Ora o artigo 97.º da Constituição veda à Assembleia Nacional a iniciativa da lei quando envolva "diminuição de receita do Estado criada por leis anteriores". Como o aumento do rendimento ilíquido determinado por avaliações já ultimadas corresponde a criação de receita criada pela Lei n.º 2:030, segue-se que na lei presentemente em elaboração não poderá a Assembleia Nacional determinar a redução de tal rendimento ilíquido.
Como vencer a dificuldade?
Um ponto se tem como certo. Seria suma injustiça aplicar limitações às rendas resultantes de avaliações já consumadas e deixar todavia que a elevação do rendimento ilíquido produzida por essas avaliações ficasse a constituir encargo fiscal para o proprietário do prédio. Se o legislador intervier para reduzir as rendas, terá de intervir também em termos de evitar que o senhorio fique agravado, em ilegítimo proveito do Estado. Está aqui um dado moralmente irremovível.
Sendo assim, depara-se à Assembleia Nacional como solução possível o regresso ao sistema detestável do Decreto-Lei n.º 25:502, de 14 de Julho de 1932, e legislação complementar posterior, segundo o qual fica o Estado a cobrar contribuições por fracções de rendimento colectável realmente inexistente (diferença entre a renda devida e o rendimento inscrito na matriz), cabendo ao inquilino suportar o encargo fiscal correspondente a essa aberrante diferença.
Dado que - especialmente depois das recentes alterações introduzidas na legislação sobre imposto complementar (vide Decreto-Lei n.º 37:783, de 13 de Março de 1950, que manda considerar matéria colectável desse imposto, não o rendimento correspondente às rendas, mas o rendimento da matriz, ainda que superior às rendas efectivas) - os encargos fiscais emergentes de excesso de rendimento matricial não se limitam ao pagamento de mais contribuição predial, e podem traduzir-se em pagamento de mais imposto complementar, afigurar-se-ia de elementar justiça deixar esclarecido na lei ficarem a cargo do inquilino, único beneficiário da limitação da renda, todos os encargos fiscais correspondentes à diferença verificada, e não sómente a parte respectiva da contribuição predial.
Mas também logo se vê o que haveria de chocante (embora não absurdo) em o inquilino ser chamado a suportar uma parte do imposto complementar imputado ao senhorio. A situação do inquilino seria sempre matematicamente mais favorável, mesmo assim, do que na hipótese de o limite de renda não lhe ser aplicado; nem por isso a anormalidade da solução ficaria menos flagrante. Ao sabor do montante dos demais rendimentos do senhorio, o inquilino teria de pagar importância maior ou menor, dado o carácter progressivo do imposto complementar.
E as deficiências não ficariam por aqui. Haveria sempre a impossibilidade de lançar sobre o inquilino o encargo relativo a aumento de sisa e de imposto sucessório quando se desse a transmissão do prédio com rendimento matricial superior à renda - o que representaria ficar o senhorio injustamente prejudicado neste ponto, também irredutível à face dos poderes da Assembleia Nacional.
Tudo isto mostra quanto é desaconselhável a solução em exame 1.
Só se descortina então outra, embora precária também. É a de confiar em que o Governo, reconhecendo a necessidade de estender aos casos pretéritos os limites que se estabelecerem, decretará a aplicação destes à própria matéria fiscal, por forma que o rendimento matricial se reduza ao montante imposto pelo limite que no caso couber.
Para tanto, pode prever-se expressamente no texto da nova lei que, nos casos de avaliações já consumadas, as limitações serão aplicadas às rendas vincendas logo que pelo Governo sejam decretadas as providências precisas para tais limitações produzirem efeitos fiscais. Haverá assim um convite ao Governo para usar da sua iniciativa em matéria de redução de receitas, e decerto o Governo não deixará de o atender, tão justa e necessária se mostra aqui a sua intervenção.
Também seria de encarar a hipótese de o Governo tomar a iniciativa de propor à própria Assembleia Nacional a providência necessária, antes de ultimada a aprovação da nova lei. E assim já esta conteria o regime completo.
18. A par dos limites gerais prevê-se a possibilidade de serem adoptados pelo Governo limites especiais para determinados ramos do comércio ou indústria (vide o n.º 4.º do artigo 1.º do novo texto). Já acima se enunciara este ponto. Com tal providência completa-se e maleabiliza-se o sistema.
Convém sublinhar que a atribuição de limites especiais deve evidentemente fazer-se só em casos excepcionais, mediante inquérito rigoroso às condições económicas particularmente precárias do ramo de actividade de que se tratar. Pode haver, efectivamente, certos ramos de actividade onde, mercê de limitações ou insuficiente actualização de preços dos produtos vendidos ou de preços dos serviços prestados, não seja comportável o pagamento de rendas elevadas até ao nível de actualização geral. Pode haver certas actividades tão pobres de rendimento que se imponha para elas uma solução particular, a estabelecer no entanto por via geral e
1 Para o caso em que, não obstante o exposto, se entendesse dever consignar na nova lei a solução criticada, caberia incluir no artigo 1.º o seguinte número:
Nos casos em que, à data da entrada em vigor desta lei, já esteja fixado novo rendimento ilíquido por avaliação de que não haja recurso, esse rendimento prevalecerá para efeitos fiscais, mas as rendas que de futuro se vencerem ficam sujeitas aos limites referidos no número anterior, cabendo ao inquilino pagar ao senhorio a parte dos encargos fiscais periódicos correspondentes à diferença entre o limite da renda e o rendimento ilíquido corrigido pela avaliação.
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objectiva, sem interferência do arbítrio das próprias comissões avaliadoras.
19. O projecto de lei, no tocante a avaliações e actualização de rendas, reporta-se exclusivamente a arrendamentos comerciais ou industriais.
As soluções que nesta matéria propõe a Câmara Corporativa tem, porém, um tal teor que não faria o menor sentido adoptá-las para os arrendamentos comerciais ou industriais e deixar fora delas as restantes espécies de arrendamentos em que do mesmo modo haja elevação de rendas por meio de avaliações.
Quanto aos arrendamentos para o exercido de profissões liberais não se compreenderia diversidade de tratamento: no assunto nada há que se oponha à equiparação de regimes para que deliberadamente tendeu a Lei n.º 2:030.
E quanto aos arrendamentos para habitação 1, dá-se até a circunstância de ser orientação fundamental da lei, em matéria de rendas, proteger mais intensamente os interesses dos arrendatários do que nas demais espécies de arrendamento. O fim de habitação, o facto de esses arrendamentos tocarem indiscriminadamente a todas as camadas populacionais, incluindo as económicamente mais desfavorecidas, a circunstância de abrangerem todos aqueles que tem os seus proventos menos actualizados - tudo isso leva o legislador a ser mais reticente na actualização das rendas. É de confrontar o regime dos artigos 47.º, 48.º, 50.º e 51.º da Lei n.º 2:030 com o do artigo 49.º da mesma lei. E à mesma ordem de ideias obedece o próprio facto de não se ter concedido ao senhorio a faculdade de requerer avaliação nos arrendamentos habitacionais das duas maiores cidades do País.
Seria pois inadmissível que o estabelecimento de limites para os arrendamentos comerciais e industriais não se estendesse aos outros casos.
Apesar de o projecto não se lhes referir, entende a Câmara Corporativa que é a própria lógica do sistema que impõe legislar-se por igual para todos: há nexo incidível entre uns e outros.
E, no campo dos dados de facto, é natural que haja ainda mais razão para fixar limites para os arrendamentos habitacionais do que para os restantes. São aflitivos alguns apelos que vieram até à Câmara Corporativa.
20. Pode contudo pôr-se a dúvida pelo que respeita aos arrendamentos feitos ao Estado, autarquias locais, serviços públicos com autonomia financeira e organismos corporativos ou de coordenação económica. Quanto a estos espécies, ou pelo menos quanto a algumas delas, não têm aplicação as considerações relativas à incomportabilidade de rendas plenamente actualizadas.
A observação é exacta, e sem embargo inclina-se a Câmara para a solução de não exceptuar tais arrendamentos do regime geral que sugere. Os limites são particularmente exigidos pelas dificuldades económicas da hora presente, mas funcionam em si mesmos como defesa contra, possíveis exageros na actividade avaliadora. Nesta base, enquanto existirem em termos gerais, devem estender-se aos próprios casos em que o arrendatário é algum organismo público, sem exceptuar o Estado.
21. Anote-se, por lembrança, que para o regime de limites às avaliações ser extensivo a todas as espécies de arrendamentos não é indispensável que a lei os especifique. Basta que esse regime se reporte a todos os casos em que os artigos 47.º e seguintes da Lei n.º 2:030 permitem requerer avaliação fiscal para correcção do rendimento ilíquido inscrito na matriz.
No entanto, para maior clareza na inteligência da lei, faz-se menção expressa deste ponto no novo texto.
22. Resta dizer que as limitações aos resultados da avaliação não devem afectar os casos em que esta seja determinada por traspasse de estabelecimento comercial ou industrial, ou por cessão de arrendamento para o exercício de profissão liberal. Em tais casos, apesar de referidos no artigo 52.º da Lei n.º 2:030, a possibilidade da avaliação, e da consequente correcção da renda vem de muito mais longe (cf., v. g., o artigo 4.º da Lei n.º 1:981, de 3 de Abril de 1940), está assente na prática estabelecida, e corresponde a uma situação que não exige os cuidados de uma limitação artificial: o aumento do rendimento e da renda onera uma actividade que vai instalar-se de novo no local objecto do arrendamento, e faz parte do cálculo geral dos respectivos encargos inicialmente previstos pelos interessados.
23. As limitações não devem também figurar na lei com carácter permanente. Provêm de uma necessidade de emergência que é de esperar se desvaneça com o tempo e assentam em dados concretos (variação do poder de compra da moeda) que com o tempo podem evoluir.
Sugere-se, pois, que as limitações a estabelecer devem ser oportunamente revistas, e não para além do prazo de três anos. Para evitar a sua continuação por mera inércia do legislador, prescreve-se que deixarão de ser aplicadas a novas avaliações se a revisão ou confirmação não tiver lugar 1.
Assim se justifica o n.º 5.º do artigo 1.º do novo texto.
SECÇÃO II
Outras matérias do projecto de lei
A) Sublocação
(Artigo 2.º)
24. O artigo 2.º do projecto de lei contém providências sobre a livre fixação de renda, pelo senhorio, nos casos de sublocação.
As providências são três:
a) Esclarecer que a renda que, nos termos legais, for livremente fixada pelo senhorio torna-se obrigatória para o inquilino;
b) Esclarecer que o não pagamento dessa renda pode ser alegado como fundamento de acção de despejo;
c) Estabelecer que os dois efeitos anteriores cessam se o montante da renda fixada revelar abuso de direito - o que corresponde a estatuir que na livre fixação de renda pode haver abuso de direito e que aos tribunais compete apreciar se sim ou não ele existe, a fim de no caso afirmativo consideraram ilícita a fixação.
Como na justificação do projecto se faz referência só aos dois primeiros pontos, e não ao terceiro 2, parece
1 Como já se observou, para estes arrendamentos existe a faculdade de avaliação, salvo em Lisboa e Porto.
1 Não se esqueça que não pode requrer-se nova avaliação sem que tenham decorrido cinco anos sobre a anteriormente feita (artigo 52.º da Lei n.º 2:030). Esta norma assegura para novas avaliações, subsequentes às primeiras realizadas à sombra da Lei n.º 2:030, uma dilação superior a três anos.
2 "Quanto à livre fixação de renda em caso de sublocação, resolveram-se dúvidas sobre a obrigatoriedade do seu pagamento e o processo de despejo a adoptar" - são as únicas palavras da justificação.
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que sE atribuiu maior importância àqueles. Não é este o modo de ver da Câmara Corporativa.
Os dois primeiros esclarecimentos são decerto úteís e oportunos. Vêm resolver, no melhor sentido, certas dúvidas que tem sido suscitadas: a Câmara dá-lhes parecer favorável, de jure condendo.
Trata-se, porém, de estatuições que não afectam a substância da livre fixação de renda, em casos de sublocação. Consistem em providências meramente instrumentais.
Já o mesmo não sucede com a afirmação expressa da possibilidade de abuso de direito. Aqui há inovação substancial e abrem-se questões delicadas.
Cumpre examinar em separado as duas matérias, dando especial atenção à Segunda.
25. Quando o senhorio, nos termos legais (artigo 60.º da Lei n.º 2:030), usa do seu direito de livre fixação de renda, põe-se a questão de saber se a renda por ele fixada fica sendo obrigatória ou não paia o inquilino, independentemente de aceitação por parte deste. De jure condendo não tem importância decisiva optar por uma ou outra solução; cumpre é deixar bem vincada qual é a solução que a lei adopta. E como de facto parece mais prático estabelecer-se que a renda livremente fixada se torna obrigatória para o inquilino, dê ele ou não a sua concordância, em vez de se ir para a solução de considerar fundamento de despejo a falta de aceitação da renda proposta pelo senhorio, julga a Câmara Corporativa que a doutrina do projecto deve, neste ponto, ser aceite.
Se porém se disser simplesmente, na nova lei, que a renda fixada torna-se obrigatória para o inquilino, esta afirmação apaga uma incerteza mas cria outra. Na verdade, dado que o n.º 1.º do artigo 60.º da Lei n.º 2:030 declara que o direito de livre fixação de renda só pode tornar-se efectivo no fim ao prazo do arrendamento ou da renovação, perguntar-se-á se aquele movo preceito está subordinado a este ou se, ao contrário, e altera, passando a renda fixada pelo senhorio a ser obrigatória para o inquilino desde que a este seja notificada, mesmo antes de findo o prazo em curso.
Esta nova duvida tem de ser evitada. Afigurando-se preferível o, solução de a renda fixada pelo alvedrio do senhorio só se tornar obrigatória no fim do prazo do arrendamento ou da renovação, tal como se estatuiu na Lei n.º 2:030, há que dizê-lo em termos expressos.
Daí, o aditamento que se sugere à redacção do projecto.
A partir do início do prazo de renovação seguinte àquele dentro do qual se fez a notificação ao arrendamento, a renda devida passa a ser o que foi fixada pelo senhorio. E, portanto, se não for satisfeita, haverá falta de pagamento de renda, que pode ser invocada como fundamento de despejo, nos termos gerais. É esta a segunda afirmação que se contém no preceito do projecto de lei e que, como se vê, parece perfeitamente justificada. Completa-se com ela um regime claro e equilibrado.
26. Passe-mos a apreciar a questão do abuso de direito. No primeiro parecer da Câmara Corporativa propunha-se que ficasse consignado na lei (artigo 23.º) 1 não poder constituir abuso de direito a livre fixação da renda. Estava nesse passo uma referencia expressa ao abuso de direito, mas só para excluir a possibilidade de ele ser invocado. Quer dizer: reconhecia-se que a faculdade de elevação da renda era de facto livre, sem limitações 1, e evitava-se que a propósito do assunto se entrasse nos meandros e complexidades da moção de abuso de direito.
O contrário se verifica na disposição do projecto: a chamada livre fixação de renda passa a ser sujeita a limitações, incertas e imprecisas - as que resultarem do conteúdo que se atribuir aqui à noção de abuso de direito - e lançam-se as partes e o tribunal na árdua tarefa de o definir.
Há critérios objectivos e critérios subjectivos para a construção do conceito de abuso de direito. Qual o aplicável aqui? O abuso consistiria sómente em a renda ser excessiva? E ser excessiva, em relação a quê? Como apurar o padrão por que o tribunal se haveria de guiar? Cumpriria atender também à intenção ou aos motivos do senhorio? Às circunstâncias objectivas e subjectivas da própria sublocação? À situação patrimonial do senhorio em face do inquilino? Etc. Dúvidas e mais dúvidas, que o legislador deve evitar, e que, se emergirem dia lei, senão fonte de estéreis questões e acabarão por entregar o regime concreto de cada caso ao puro arbítrio judicial.
A matéria não se afigura na verdade propícia para ser nela que se vá tentar a construção judicial séria do conceito de abuso de direito.
Mas importa ir ao problema de fundo. Nos casos, já restritos, em que o artigo 60.º da Lei n.º 2:030 deixou subsistir o direito de livre fixação de renda por causa de sublocação dever-se-á manter a faculdade de o senhorio fixar a renda que quiser, para o fim do prazo do arrendamento ou da renovação, por haver razões para restituir esses casos ao regime de liberdade contratual? Ou, pelo contrário, apesar da sublocação, dever-se-ão pôr restrições à liberdade contratual e conceder ao senhorio sómente a faculdade de obter determinada renda mais elevada do que a de regime normal? Qual é a solução mais justa e conveniente?
27. Revendo mais uma vez o melindroso problema de saber qual a medida em que o evento de uma sublocação legal deve influir nas situações jurídicas de senhorio e inquilino, a Câmara Corporativa mão se furta a reconhecer que, apesar dos esforços ultimamente feitos para tornar mais claro e mais justo o regime legal das sublocações, ainda este regime não se pode considerai perfeitamente satisfatório. Continua a apresentar certas deficiências e dissonâncias, sobretudo pelo que toco, ao problema social de as pequenas sublocações serem com frequência unia necessidade dos inquilinos pobres. Seria talvez de encarar uma solução geral que em determinados termos permitisse tais sublocações, independentemente de autorização do senhorio, desde que na própria lei se desse a este justa compensação sob a forma de aumento especial da renda devida.
Mas não é esse problema geral o que à Câmara compete apreciar, em face do projecto de lei. Tomemos então a questão restrita, relativa à chamada "livre fixação de renda", tal como ficou formulada no numera anterior.
Das duas soluções aí referidas, por qual se deve votar?
Entende a Câmara Corporativa, embora com algumas hesitações, que seria de adoptar o regime seguinte, em que, sem os defeitos e a indiscriminação da fórmula
1 Suplemento ao Diário das Sessões de 5 de Fevereiro de 1947, a p. 470-(51).
2 No segundo parecer da filmara Corporativa, de 1948, outra era a solução defendida (suplemento ao Diário das Sessões de 1 de Abril de 1948, a p. 408-(36): mas ela inseria-se na orientação geral desse parecer, de limitação de rendas mesmo para contratos futuros, que, tendo dado lugar a alguns votos de vencido, não prevaleceu depois na discussão e votação na Assembleia Nacional. Tal solução nada tinha que ver, porém, com o problema do abuso de direito.
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abuso de direito, se procura destrinçar quais são os casos de sublocação legal em que o direito de livre fixação de renda se mostra excessivo e deve por isso ser substituído pelo simples direito de elevar a renda em determinados termos concretamente fixados por lei. Na verdade, como aliás se reconheceu já para alguns efeitos na Lei n.º 2:030 (artigo 61.º, n.ºs 4.º e 5.º), merecem tratamento diverso, de um lado, as sublocações totais e as grandes sublocações -parciais e, do outro lado, as sublocações parciais que não cheguem a abranger a parte da casa arrendada que tenha maior valor locativo.
Quanto às sublocações totais, o próprio facto de se realizarem mostra que a casa não está actualmente ao serviço dos interesses do inquilino como tal. Ele transformou-se em simples intermediário, a sua posição é as mais das vezes parasitária. Pelo menos deixou de ser portador daqueles interesses que levam a lei a criar e manter um regime de forte protecção do inquilino em detrimento da liberdade contratual. Em tais casos, por conseguinte, justifica-se plenamente o direito de livre fixação de renda, praticado sem restrições.
Às sublocações totais equiparam-se as grandes sublocações parciais, já porque a seu respeito se verifica substancialmente situação semelhante, já porque sem essa equiparação todas as sublocações totais se transformariam, por inevitável fraude, em sublocações não totais...
Decerto envolve algum arbítrio designar a parte da casa arrendada que, se for objecto de sublocação, faz com que esta entre no regime da sublocação total. Mas a necessidade de certeza na solução impõe que se proceda dessa forma. E o critério quantitativo a eleger deverá ser, coerentemente, o que já foi adoptado no citado n.º 5.º do artigo 61.º da Lei n.º 2:030.
Posição diferente apresentam as restantes sublocações parciais. Nelas o arrendatário continua a precisar e a servir-se da maior parte da casa e a sublocação, que toca à parte sobrante, é apenas complementar. Já não há aqui a imagem do puro negócio com coisa alheia. Em regra, a sublocação não é agora o aproveitamento da circunstância de já não se necessitar da casa, mas a sujeição a um sacrifício pesado, pela redução de cómodos e até pela renúncia a viver isolado de estranhos. Estas condições aconselham que, em vez do direito de livre fixação de renda (correspondente a reconhecer-se, no fundo, o retorno à pura liberdade contratual), se assegure o equilíbrio dos interesses mediante simples elevação da renda em termos regulados pela lei, mais favoráveis para o senhorio do que os que seriam aplicados se sublocação não existisse.
28. Tais são as razões que levam a Câmara Corpora-tica a sugerir, para o artigo 2.º da futura lei, a redacção que figura no novo texto inserto no final do parecer.
O quantum de elevação da renda tem de ser fixado por prudente arbítrio do legislador. Não há aqui medida certa que possa ser demonstrada.
B) Despejo por necessitar o senhorio da casa para sua habitação
(Artigos 3.º, 4.º e 5.º)
29. Os artigos 3.º, 4.º e 5.º do projecto ocupam-se de alguns aspectos distintos de uma só realidade - o fundamento de despejo que consiste na necessidade que o senhorio tenha da casa para sua própria habitação. Todos esses três artigos são relativos ao regime deste fundamento, estabelecido pela alínea b) do artigo 69.º da Lei n.º 2:030.
Examinando-os sucessivamente:
30. O artigo 3.º do projecto encara uma hipótese que não foi expressamente prevista na Lei n.º 2:030: a de dois ou mais senhorios do mesmo prédio (situação de compropriedade) pretenderem invocar cumulativamente o referido fundamento de despejo.
Opta o projecto pela solução de, mesmo nessa hipótese, o despejo só poder ser exercido contra um dos arrendatários. E, quer haja vários arrendatários, quer haja arrendatário único, fixa o modo pelo qual se escolherá o comproprietário ou comproprietários que tomarão para si a única casa que pode ser despejada: caberá esta faculdade ao comproprietário ou comproprietários que representarem, por si ou pela concordância dos consortes, mais de 50 por cento na coisa comum.
Reconhece-se sem esforço que o problema é delicado.
De um lado pode dizer-se que a própria razão de ser do fundamento de despejo que está em causa conduz à solução de cada comproprietário dever ficar apto a reclamar uma casa para si, desde que individualmente perfaça os requisitos exigidos pela lei. Pois se, na situação de por igual carecerem da casa para nela habitar o inquilino e o senhorio, se dá preferência a este último mercê dia sua qualidade de proprietário, seguir-se-á que todos que tiverem esta qualidade devem poder prevalecer-se de tal preferência e, portanto, poder invocar em seu próprio benefício o fundamento de despejo. A compropriedade, se altera a posição quantitativa do proprietário, não prejudica a sua posição qualitativa.
Outra é, porém, a orientação que deve prevalecer. Trata-se de um fundamento de despejo que apresenta melindres especiais e deve ser concedido com cautela e moderação - a cautela e a moderação que já levaram a Lei n.º 2:030 a formular apertados requisitos condicionando o seu exercício. E que ao interesse do proprietário que pretende ir instalar-se na casa por dela precisar contrapõe-se o prejuízo do inquilino que se verá privado da habitação que tinha. O interesse daquele é qualificado pela situação de proprietário; mas o prejuízo deste tem o peso particular de consistir no desorganizar de uma situação habitacional estabelecida. Sente-se aqui, de algum modo, a presença daquela directiva que o Código Civil enuncia: quem, exercendo o próprio direito, procura interesses deve, em colisão e em caso de dúvida, ceder a quem pretende evitar prejuízos. Assim, a preferência atribuída à qualidade de proprietário tem de ser outorgada na restrita medida em que a afirmação do princípio da protecção da propriedade o exigir. Ora, se houver mais de um proprietário da mesma casa, o princípio fica afirmado com a atribuição de preferência a um deles, aquele que tiver o maior quantum, de interesse na coisa comum.
Além disso, se se atentar no que há de delicado em sujeitar ao despejo quem para ele não concorre com qualquer conduta ilícita, compreender-se-á ser chocante que a sorte dos inquilinos fique dependente da contingência, que lhes é puramente estranha, de em vez de propriedade singular haver compropriedade. Se a um proprietário único se substituir uma pluralidade de consortes, semelhante circunstância não deve ter relevância para agravar a situação dos arrendatários. É para eles como que res inter alios acta. O sacrifício de um dos arrendatários ao interesse qualificado da propriedade é suficiente para ficar reconhecida a preeminência desta; torna-se desnecessário o sacrifício de mais arrendatários ao interesse qualificado dos vários condóminos.
Aliás, na compropriedade, cada consorte não tem direito igual ao do proprietário singular: o seu direito é-lhe assinado sómente «em proporção da parte que tem na propriedade comum» (Código Civil, artigo 2176.º). E não faltam casos em que, uma vez exercido certo direito por algum dos consortes, se esgotou a possibilidade de ele ser exercido por qualquer dos outros.
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Acrescente-se ainda que a solução contrária envolveria certos riscos de fraude que é prudente evitar: o expediente de ser transmitida a propriedade do prédio a vários condóminos adrede escolhidos para todos estarem em condições de exercer o despejo com fundamento em necessidade pessoal de habitação.
Por estas razoes, a Câmara Corporativa dá a sua concordância à doutrina do artigo 3.º do projecto de lei. E limita-se a sugerir ligeiros retoques de redacção - designadamente para reparar manifestos erros materiais do texto que apareceu no Diário das Sessões.
Há que fazer uma ressalva, cuja força se impõe por si mesma, mas que para maior clareza convém deixar bem expressa: a doutrina do artigo 3.º não se aplica aos casos de propriedade por andares, também chamada propriedade horizontal. Embora nesta forma de propriedade haja por necessidade alguma comunhão (são comuns aos donos dos andares os fundamentos do prédio, a entrada deste, o telhado, certos logradouros, etc.), a propriedade de cada andar é singular, e portanto o proprietário de cada andar pode por si exercer o despejo em relação ao respectivo inquilino.
31. O artigo 4.º do projecto propõe-se alterar o n.º 1.º d a alínea b) do artigo 69.º da Lei n.º 2:030 pelo aditamento da palavra "legitimaria" à palavra "sucessão" que nele figura.
Vejamos o alcance do aditamento.
Entre os requisitos que a lei exige para permitir o despejo com fundamento em necessidade do senhorio está o que o n.º 1.º exprime assim: "Ser proprietário ou usufrutuário da casa há mais de cinco anos ou, independentemente desse prazo, se a tiver adquirido por sucessão". Isto é, para o senhorio poder despejar a casa, substituindo-se ao inquilino, necessita em geral de ter a sua situação de proprietário, perfeito ou imperfeito, constituída há mais de cinco anos: com a exigência deste prazo acautela-se a lei contra a fraude de a propriedade ser transmitida por arbitrária manifestação da vontade, só para o efeito de, verificando-se no adquirente os mais requisitos que não se verificavam no transmitente, poder ser efectivamente sacrificado o inquilino à preferência reconhecida ao senhorio. Mas, se a transmissão se opera por sucessão mortis causa, a necessidade de ter ocorrido o grave evento que é a morte faz com que aquela cautela já não faça sentido, e dispensou-se portanto neste caso o requisito da aquisição há mais de cinco anos.
Além disso, o próprio facto de nas sucessões se dar como que a substituição natural do proprietário, por ter soado a hora do termo da sua existência e ser todavia necessário assegurar a continuidade das situações existentes, levaria também a lei a este tratamento mais favorável para as transmissões mortis causa.
Com o aditamento do projecto, a dispensa do prazo de cinco anos passaria a existir unicamente nos casos de sucessão legitimaria (sucessão forçada em favor de parentes na linha recta), e dela ficariam excluídos os restantes casos de sucessão por morte: sucessão voluntária, quer testamentária, quer pactícia 1, e sucessão legítima. Só quando, portanto, o prédio se encabeçasse na legítima de algum herdeiro legitimário é que o sucessor poderia desde logo exercer a faculdade de despejo.
Em todos os outros casos os sucessores teriam de aguardar cinco anos, tal como se houvessem adquirido o prédio por acto entre vivos.
Julga a Câmara Corporativa que basta ter presentes as razões que explicam a actual doutrina da lei, e confrontá-las com estas consequências, para se dever concluir pela rejeição do aditamento proposto.
A sucessão legítima, deferida pela lei em favor de parentes e do cônjuge sobrevivo 1, tem carácter dispositivo e não injuntivo como a sucessão legitimaria, mas isso nenhuma relevância tem para justificar aqui tratamento diverso: em ambas a designação sucessória é feita pela lei, e não há, pois, qualquer risco de fraude a considerar.
E na própria sucessão voluntária, se é certo que nela a designação do sucessor resultou de um acto jurídico da vontade do de cuius, a circunstância de o facto decisivo da transmissão ser a morte, cujo evento e cujo momento não são escolhidos pela vontade 2, põe igualmente de parte o argumento da fraude.
Ficaria de pé, apenas, a ideia de que merecem menos protecção os sucessores legítimos e testamentários do que os sucessores legitimários. Os interesses, dos sucessores e os do inquilino hierarquizar-se-iam assim: primeiro, os do senhorio que se tornou proprietário por sucessão legitimaria; depois, os do inquilino; e, por fim, os dos restantes sucessores. E é essa ideia, talvez, que está na base da inovação do projecto de lei, ao dizer-se nas suas considerações justificativas ter parecido justo a solução de fazer destrinça entre os herdeiros legitimários e os restantes sucessores.
Ora encontra-se precisamente aqui a razão principal que, salvo o devido respeito por opinião contrária, leva a Câmara Corporativa a exluir o aditamento do projecto: intencionalmente ou não, ele teria o significado de considerar de classes diferentes a propriedade, consoante fosse adquirida por sucessão forçada ou por outra espécie de sucessão. Afastado o argumento da fraude, aqui sem cabimento, ficaria a aflorar uma certa orientação de se considerar de segunda classe a propriedade constituída por sucessão legítima ou testamentária. E é semelhante orientação que importa excluir.
Decerto a importância prática da matéria do n.º 1.º da alínea b) do artigo 69.º da Lei n.º 2:030 não é das mais consideráveis (mercê da dificuldade de reunir todos os requisitos postulados na lei para ser exercido o despejo). Isso é mais uma razão, porém, para evitar que desprevenidamente esteja aqui o legislador a deixar-se fazer eco daquela tendência.
Uma observação ainda. São frequentes os casos em que o autor da sucessão deixa testamentariamente determinados prédios aos seus próprios herdeiros legitimários, seja por força da legítima, seja por força da parte disponível da sucessão. Seria necessário em qualquer caso acautelar estas hipóteses, se se adoptasse a solução do projecto de lei.
32. Com o artigo 5.º intenta o projecto de lei proibir "expressamente determinada forma de fraude à lei" - a fraude que consiste em o senhorio, desejoso de prevalecer-se do fundamento de despejo da alínea b) do artigo 69.º, se colocar de propósito na situação de não ter casa na povoação considerada, a fim de assim forjar a sua necessidade de ir habitar a casa ocupada pelo inquilino.
A lei actual exige que a falta de casa se verifique "há mais de um ano". E esta exigência, conjugada com o regime complementar do artigo 70.º da Lei n.º 2:030, dá já alguma garantia de que a fraude em causa não
1 Como é sabido, a sucessão pactícia só em certos casos excepcionais é admitida no nosso país.
1 Não interessa aqui, obviamente, a sucessão legítima do Estado.
2 Claro que não merece atenção a hipótese académica de um suicídio destinado a passar o prédio para sucessor testamentário dotado dos requisitos necessários para despejar o inquilino...
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ocorrerá com muita frequência, dado ser gravosa para o senhorio que a ela queira recorrer.
Sem embargo, pode verificar-se. E tanto basta para que seja louvável que o legislador lhe ponha remédio. O já mencionado melindre deste fundamento de despejo justifica-o perfeitamente.
O projecto de lei adopta, porém, a técnica de lançar sobre o senhorio o ónus de provar que não foi com propósito deliberado de obter o futuro despejo que deixou de ter casa na povoação. Aqui é que já se afigura haver rigor excessivo. A prova de circunstâncias negativas é consabidamente muito difícil; em muitos casos o senhorio que há muito tempo tenha deixado de ter casa por factores subjectivos absolutamente estranhos a qualquer propósito fraudulento ver-se-ia na impossibilidade de fazer a prova que lhe era exigida.
Considera a Câmara Corporativa que a providência do artigo 5.º deve pois ser aceita, mas atribuindo-se o ónus de alegação e prova ao inquilino. A este é que se facultará a oposição ao despejo, se alegar e provar que por parte do senhorio houve o propósito deliberado de se colocar em situação de necessitar da casa. Ir para além disto será prejudicar o justo equilíbrio dos interesses em confronto.
A redacção a dar ao artigo 5.º deve ser aproveitada para através dela se esclarecer certa dúvida importante que se tem suscitado na aplicação do n.º 2.º da alínea b) do artigo 69.º da Lei n.º 2:030. Dizendo-se neste preceito ser necessário que o senhorio não tenha casa própria ou arrendada "há mais de um ano", discute-se se esta última restrição - há mais de um ano - se refere ao facto de o senhorio não ter casa, seja própria, seja arrendada, ou antes e sómente à circunstância de, tendo casa arrendada, o arrendamento não ser há mais de um ano.
A dúvida não tem séria razão de ser. O mais ligeiro esforço de interpretação lógica evidencia que a restritiva "há mais de um ano" só pode reportar-se à circunstância global de o senhorio não ter casa, e não ao facto anódino da duração do arrendamento de casa em que o senhorio figure como arrendatário. O entendimento contrário levaria à situação estranha de se consentir que um senhorio, com casa instalada na povoação mas por ele tomada de arrendamento há menos de um ano, pudesse despejar o seu próprio inquilino com o pretexto de precisar da casa deste, ao passo que isso seria defeso ao senhorio com casa própria, instalada há qualquer tempo, ou com casa arrendada há mais de doze meses. Não se vê que relevância deva ter para o efeito a duração do arrendamento; e vê-se, sim, que o fim da lei é negar a faculdade de despejo não só àqueles que agora não têm casa, mas também aos que ainda há pouco tempo a tinham, fosse qual fosse o título por que a tinham.
Todavia a dúvida tem sido posta, e há quem, apegado a certa interpretação gramatical, pretenda que outro é o sentido da lei.
Convém, pois, dissipar a dúvida, e isso se procurou conseguir com a nova redacção adiante sugerida para o artigo 5.º
C) Validade dos arrendamentos de prédios rústicos ou mistos onde funcionem estabelecimentos comerciais ou industriais
(Artigo 6.º)
33. O artigo 79.º da Lei n.º 2:030 dispôs que "Esta lei e os diplomas reguladores do arrendamento de prédios urbanos aplicam-se aos arrendamentos de prédios rústicos ou mistos onde funcionem, com assentimento do senhorio, estabelecimentos comerciais ou industriais, desde que o respectivo contrato conste de escritura pública". E ressalvou apenas, no n.º 2.º, o caso dos contratos celebrados antes da vigência do primeiro Código do Notariado em que se exigiu escritura pública para arrendamentos comerciais ou industriais, o Código de 1931.
As razões destes preceitos encontram-se claramente expostas no primeiro parecer da Câmara Corporativa de 19471 1, em que se sugeriu a redacção que depois só converteu no artigo 79.º da Lei n.º 2:030.
Nas disposições sugeridas pelo parecer de 1947 figuravam, porém, algumas sobre arrendamentos de pretérito - n.ºs 1.º e 2.º do artigo 42.º do texto apresentado nesse parecer - que o legislador de 1948 não acolheu. Foram substituídas pelo actual artigo 81.º da Lei n.º 2:030, em cujo n.º 4.º se estatui que todos os arrendamentos de pretérito para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, relativamente aos quais não haja litígio pendente, serão válidos quando se prove que a falta de escritura pública é imputável ao senhorio ou ao arrendatário ou quando exista recibo e tenha sido pago o imposto do selo.
E daqui resultou uma desarmonia flagrante entre o n.º 1.º do artigo 79.º da Lei n.º 2:030 e o n.º 4.º do artigo 81.º da mesma lei. Enquanto aquele, para ser aplicada a doutrina que estabelece, exige sem restrições a existência de escritura pública, este último admite a validade de arrendamentos comerciais ou industriais em que a falta de escritura pública apareça suprida por outras circunstâncias.
A desarmonia não tem razão de ser. Nasceu de simples inadvertência do legislador. Uma vez admitida a solução do n.º 4.º do artigo 81.º, a tolerância que ela envolve deverá por igual ser aplicada aos casos do n.º 1.º do artigo 79.º
34. Nada tem pois a opor a Câmara Corporativa ao justo preceito do artigo 6.º do projecto de lei. Sugere-se apenas ligeiro aperfeiçoamento de redacção.
D) Disposição final
(Artigo 7.º)
35. O artigo 7.º do projecto de lei é simples disposição de direito transitório: "Esta lei é aplicável aos arrendamentos de pretérito".
Impõe-se na verdade que a atenção do legislador se detenha no problema da aplicação da nova lei no tempo, tanto mais que - como o próprio projecto expressamente declara - os preceitos projectados procuram, em parte, modificar o direito existente e, noutra parte, interpretá-lo autenticamente. Qual é a parte interpretativa, naturalmente susceptível de aplicação retroactiva nos termos do artigo 8.º do Código Civil, e qual é a parte inovadora, insusceptível dessa aplicação a menos que a própria lei o estabeleça?
Há arrendamentos de pretérito (arrendamentos já celebrados à data em que a nova lei entrar em vigor) e há arrendamentos de futuro. A nova lei aplicar-se-á mesmo àqueles - mas em que medida? Só aos casos que, sendo relativos a arrendamentos já celebrados, nasçam em si mesmos de circunstâncias novas? Ou aos próprios casos que, carecendo de solução, sejam todavia emergentes de circunstâncias já consumadas? E, nesta hipótese, deverá a aplicação ir ao ponto de abranger os próprios casos pendentes de apreciação jurisdicional?
O preceito do artigo 7.º é, como se vê, insuficiente para acudir a esta problemática, e não é aconselhável deixá-la para as incertezas da elaboração doutrinal e jurisprudencial.
1 Suplemento ao Diário das Sessões de 5 de Fevereiro de 1947, a p. 470-(45).
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Decerto o projecto, no § único do artigo 1.º e no final do artigo 6.º, dá outros elementos para a aplicação no tempo das providências contidas nesses artigos. Mas melhor será enfrentar o assunto de maneira completa.
36. Consideremos as diferentes disposições da futura lei, tal como a Câmara Corporativa sugere que sejam redigidas.
Quanto ao artigo 1.º, já na secção I da Apreciação na especialidade se examinou com atenção o problema, aí verdadeiramente central, da acomodação dos limites às avaliações já efectuadas. Não há, pois, que repetir agora a doutrina já expressa.
Quanto ao artigo 2.º (sublocações), cumpre distinguir:
O n.º 1.º do artigo 2.º, que define um regime claro e simples para a livre fixação de renda, deve naturalmente aplicar-se a todos os casos, contanto que não estejam pendentes de apreciação jurisdicional. Se não há acção em juízo, e dado que a nova renda se torna obrigatória só a partir do novo período de arrendamento, falecem razões para deixar de fazer a sua aplicação. Se já houver acção em juízo, será mais justo que o legislador não intervenha: o tribunal conservará a sua liberdade de apreciação, interpretando o direito vigente à data em que a nova lei entrar em vigor.
Os n.ºs 2.º a 4.º do artigo 2.º, que são sem dúvida inovadores, devem aplicar-se só aos casos em que à data da entrada em vigor da nova lei não tenha ainda o senhorio usado em concreto do seu direito de fixar a renda. E, aliás, a solução que, mesmo sem preceito especial, decorreria dos princípios gerais sobre não retroactividade das leis.
Quanto aos artigos 3.º e 5.º 1, regulando-se neles certos aspectos substantivos da acção de despejo, parece prudente estabelecer que serão sempre aplicáveis, salvo se houver acção pendente.
E esta é ainda a solução que à Câmara se afigura mais justa para o preceito do artigo 6.º (arrendamentos de prédios rústicos ou mistos, celebrados antes da Lei n.º 2:030, onde funcionem estabelecimentos comerciais ou industriais), concordando por conseguinte com a própria doutrina que neste ponto o projecto enuncia.
37. Onde inserir as normas de direito transitório? As relativas às disposições do artigo 1.º, pois que são dele privativas e correspondem a um regime especial a aplicar a casos pretéritos, melhor ficam incluídas no próprio artigo a que respeitam.
As relativas aos artigos seguintes, porque se resumem na enunciação de simples regras de aplicação intertemporal, podem concentrar-se num artigo complementar - o novo artigo 7.º
III
Conclusões
A) Em síntese, a Câmara Corporativa julga que o projecto de lei deve ser aprovado na generalidade, mus sugere que lhe sejam introduzidas importantes alterações: algumas de simples redacção, outras de modificação substancial ou até substituição das soluções propostas, e ainda a eliminação de um dos artigos, o artigo 4.º
B) O novo texto completo que a Câmara Corporativa sugere para a futura lei é o que se segue 2.
Novo texto dos artigos
ARTIGO 1.º
1. Quando, nos termos dos artigos 47.º e seguintes da Lei n.º 2:030, de 22 de Junho de 1948, se proceder a avaliação fiscal, destinada a corrigir o rendimento ilíquido inscrito na matriz, observar-se-á o seguinte, quer se trate de arrendamento para habitação fora de Lisboa e Porto, quer de arrendamento não destinado a habitação em todo o País:
a) Se o rendimento estava inscrito na matriz em 1 de Janeiro de 1938, o valor fixado pela avaliação não poderá ser superior a duas vezes e meia esse rendimento;
b) Se a inscrição do prédio na matriz for posterior a 1 de Janeiro de 1938 mas anterior a 1 de Janeiro de 1943, o valor fixado pela avaliação não poderá exceder duas vezes o rendimento que estava inscrito nesta última data;
c) Se a inscrição for mais recente, da avaliação não poderá resultar valor superior a vez e meia o rendimento que estiver inscrito na matriz.
2. Nos casos em que, à data da entrada em vigor desta lei, já esteja fixado novo rendimento ilíquido por avaliação de que não haja recurso, os limites referidos no número anterior serão aplicados às rendas que se vencerem de futuro, logo que pelo Governo sejam decretadas as providências necessárias para que esses mesmos limites produzam efeitos em matéria fiscal.
3. O Governo poderá decretar limites menores para as avaliações de locais onde se exerçam determinados ramos de comércio ou indústria que, por efeito de condicionamento de preços, não possam comprovadamente suportar o pagamento de rendas actualizadas nos termos gerais.
4. As limitações referidas neste artigo não se aplicam aos casos de avaliação determinada por traspasse de estabelecimento comercial ou industrial ou por cessão de arrendamento para o exercício de profissão liberal.
5. Os limites às avaliações serão alterados ou suprimidos quando as circunstâncias económicas o aconselharem, procedendo-se em qualquer caso à sua revisão ou confirmação antes de decorridos três anos sobre a data da publicação da presente lei, sem o que deixarão de aplicar-se às avaliações que se realizarem depois desse termo.
ARTIGO 2.º
1. A renda que, nos termos legais, for livremente fixada pelo senhorio, nos casos de sublocação, torna-se obrigatória para o inquilino, no fim do prazo do arrendamento ou da renovação, e o seu não pagamento pode ser alegado como fundamento de acção de despejo.
2. Nos casos de sublocação legal que só abranja parte da cana arrendada, com valor locativo inferior à parte restante, o senhorio não poderá fixar livremente a renda. Fica-lhe reconhecido, porém., o direito de requerer avaliação fiscal, ainda que se trate de arrendamento para habitação em Lisboa e Porto, e seja qual for o tempo decorrido sobre avaliação anterior.
3. A avaliação determinada por sublocação parcial não está sujeita aos limites do artigo 1.º, e o senhorio pode fixar nova renda igual ao resultado dessa avaliação acrescido de 30 por cento.
4. Em relação a cada arrendatário, o senhorio não pode exercer mais de uma vez o direito de elevar a renda nos termos do número anterior.
ARTIGO 3.º
Em caso de compropriedade, o despejo facultado pela alínea b) do artigo 69.º da Lei n.º 2:030 só pode ser exercido contra um arrendatário, e por aquele ou aque-
1 Não se fala do artigo 4.º do projecto por estar sugerida a sua eliminação. Mas, se o seu preceito prevalecesse, aplicar-se-lhe-ia o que acima se diz para os artigos 3.º e 5.º do novo texto.
2 Compõem-se em itálico as disposições que têm nova redacção e em caracteres normais as disposições que conservam a redacção do projecto de lei.
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les dos comproprietários que representem por si, ou pela concordância dos consortes, mais de 50 por cento de interesse no prédio comum.
ARTIGO 4.º
Eliminado.
ARTIGO 5.º
As acções de despejo intentadas com o fundamento de necessitar o senhorio da casa para sua habitação serão julgadas improcedentes se o réu alegar e provar ter sido com o propósito deliberado de obter o despejo que o senhorio deixou de ter, há mais de um ano, casa própria ou arrendada, nos termas do n.º 2.º da alínea b) do artigo 69.º da Lei n.º 2:030.
ARTIGO 6.º
Aos arrendamentos de prédios rústicos ou mistos celebrados antes da publicação da Lei n.º 2:030, onde funcionem com assentimento do senhorio estabelecimentos comerciais ou industriais, é aplicável o n.º 4.º do artigo 81.º da referida lei.
1. As disposições do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 3.º, 5.º e 6.º aplicam-se a todos os casos em que não haja acção pendente à data em que a presente lei entrar em vigor.
2. O disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo 2.º só é aplicável aos casos em que, à data da entrada em vigor desta lei, não tenha sido notificada ao arrendatário a fixação de nova renda.
Palácio de S. Bento, 29 de Março de 1950.
Marcelo Caetano.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
José Maria Dias Fidalgo.
Manuel Alberto Andrade e Sousa.
Virgílio da Fonseca.
António Ventura Santos Fernandes.
Carlos Garcia Alves.
Afonso Rodrigues Queiró.
José Joaquim de Oliveira Guimarães.
António Pedro Pinto de Mesquita.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Paulo Arsénio Viríssimo Cunha, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA