O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 83

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57

ANO DE 1950 2 DE DEZEMBRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 57 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 3O DE NOVEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta ao expediente.

Os Srs. Deputados João Ameal e Caetano Beirão referiram-se à memória do escritor Dr. Alfredo Pimenta.
O Sr. Deputado Galiano Tavares ocupou-se das reformas do ensino recentemente publicadas.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate, na generalidade, sobre a Lei de Meios. Falaram os Srs. Deputados Antunes Guimarães e Armando Cândido.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 65 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.

Página 84

84 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57

João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Galem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai dar-se conta do expediente.

Expediente

Exposição

De Alfredo Pinto, de Lordelo, pedindo providências para a situação difícil em que se encontram cerca de seiscentos regentes escolares, por virtude da extinção dos postos onde exerciam a sua actividade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado João Ameal.

O Sr. João Ameal: - Sr. Presidente: ninguém estranhará, decerto, que nesta Assembleia, onde têm natural cabimento os factos relacionados com quaisquer actividades e interesses da Nação, onde, sem dúvida, «tudo que é nacional é nosso», uma voz se erga para assinalar, em breves palavras de homenagem, a morte recente de um dos autênticos valores da actual cultura portuguesa- Alfredo Pimenta.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Foi, na verdade, um homem que dedicou a sua vida a um esforço constante de inteligência, aplicada aos mais diversos temas da cultura, e que deixou uma série de trabalhos de investigação, de esclarecimento, de crítica erudita e minuciosa, uma obra, enfim, graças à qual se tornou digno de ser colocado a par dos maiores nomes que nesses domínios se ilustraram.
Foi, também, um doutrinado! persuasivo e veemente, em cujas páginas se definiram os princípios de uma política fiel à linha soberana da nossa tradição e a um conceito positivo e realista das ciências sociais. Foi ainda, por outro lado, um polemista de espírito combativo e, algumas vezes, de agressividade implacável.
Como polemista, sobretudo, despertou vivas reacções e atraiu mesmo sérias antipatias, tanto mais naturais quanto, no ardor vivo dos combates de ideias, lhe teria porventura sucedido praticar excessos ou cometer injustiças.
O polemista, portanto - sem que se lhe possa negar o poder verbal, a força da argumentação, a vivacidade fulgurante -, tinha de ser discutido e continua a ser discutível.
O erudito e o doutrinador, esse ficou já entre os grandes da nossa história literária ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- ... e julgo que há-de crescer ainda, à medida que o tempo afaste de nós o que na imagem do homem pareceu, a alguns, demasiado agreste, à medida que a paixão ou o ressentimento dos contemporâneos se atenuem e apenas avultem a admiração e o respeito das gerações futuras.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Bastam para isso livros como os dois volumes de Estudos Filosóficos e Críticos, Elementos de História de Portugal, D. João III, os vinte e tantos opúsculos de Estudos Históricos, quantos e quantos mais!
Mas não é apenas por isto que Alfredo Pimenta tem direito a ser recordado com louvor e apreço. É também pelo tríplice exemplo que a sua vida constitui e que julgo um dever lembrar aqui.
Exemplo de trabalho. Durante cerca de meio século trabalhou sempre com um método, uma persistência, um escrúpulo singulares. Desde muito cedo iniciava todas as manhãs, sobre a sua larga mesa, que uma espessa muralha de altos volumes isolava do mundo, a tarefa quotidiana.
Horas e horas, sem um momento de descanso ou de trégua, examinava problemas, buscava informações, comparava e decifrava textos, enquanto longe, para além do abrigo claustral do seu escritório, o bulício da cidade corria e tantos inúteis perdiam o tempo na ociosidade estéril, na má língua frívola ou na luta por simples objectivos inferiores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entre nós, Portugueses - onde infelizmente são tão numerosos os gozadores e os superficiais -, o caso excepcional desse homem apenas devotado às exigentes canseiras do espírito merece relevo à parte.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Página 85

2 DE DEZEMBRO DE 1950 85

O Orador: - Exemplo de trabalho, primeiro. E, depois, exemplo de desassombro. Não cuidemos neste momento de resolver ato que ponto eram certas as ideias de Alfredo Pimenta, até que ponto eram as melhores as posições que tomava. Eu fui dos que mais frequentemente estiveram de acordo com ele, mas não ignoro que muitos estiveram em desacordo.
Seja como for, há que reconhecer-lhe uma rara intrepidez na defesa dessas ideias e dessas posições. Com um vigor, uma clareza, uma insistência que não deixavam lugar a cálculos ou reservas, precipitava-se no combate, afirmava-se em campo descoberto, era um batalhador sem escudo e sem viseira, ansioso por despedir golpes e pronto a recebê-los de frente.
Nunca foi difícil saber o que queria e onde se encontrava, tal a nitidez com que exprimia o seu pensamento, tomava as suas responsabilidades, corria os seus riscos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E numa época em que tanto abundam os obscuros, os tortuosos, os ambíguos, os que «avançam mascarados», segundo a famosa expressão cartesiana..

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... com o intuito de se manterem disponíveis para todas as mudanças, transigências e ludíbrios- não pode recusar-se a quem assim procedia a estima que inspira pela coragem que revelou.
Enfim: exemplo de desinteresse. É bem sabido que Alfredo Pimenta, na sua juventude, professou ideias anarquistas, que pertenceu depois a um dos partidos republicanos e que veio mais tarde a converter-se à religião católica e, na ordem política, a concluir pela Monarquia.
Toda a sua evolução, que sempre justificou de maneira a tornar bem claro ter obedecido a razões de puro carácter espiritual ou mental, seguiu a linha inversa dos interesses ou conveniências materiais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Republicano nos últimos anos do regime monárquico, veio a confessar-se monárquico em pleno regime republicano, quando podia colher os benefícios do seu apostolado anterior.
Fê-lo movido por imperativos de consciência e de inteligência - embora isso pesasse sobre a vida difícil que então levava e lhe pudesse mesmo valer a perseguição e o ostracismo.
Pelo tempo fora conservou-se inalteravelmente assim: incapaz de habilidades, de estratégias acomodatícias, de imposturas oportunistas ou de silêncios equivalentes a cumplicidades.
Os seus adversários poderiam acusá-lo de muitas coisas - nunca do um acto de tal espécie. E manteve-se até ao fim igual a si mesmo. Não será este, talvez, o seu máximo título de glória?
Exemplo de trabalho, de desassombro, de desinteresse - eis a tríplice lição de Alfredo Pimenta, que, além do valor da sua obra de escritor, tão nobremente concorre para nos obrigar a não esquecer o seu nome.

O Sr. Silva Dias: - Peço licença a V. Ex.ª para nova observação: é que eu não posso esquecer a injustiça praticada pelo Sr. Dr. Alfredo Pimenta em relação a um dos maiores valores da nossa geração - o Dr. António Sardinha.

Os Srs. Carlos Moreira e Cortês Pinto: - Tem V. Ex.ª toda a razão.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Sem dúvida nenhuma!

O Orador: - Isso já está contido na minha apreciação do polemista.
A última vez que falei com Alfredo Pimenta foi há poucos meses, neste mesmo edifício, no seu gabinete de director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Lembro-me do calor com que me descreveu as suas actividades desde que ali se instalara, me expôs os seus projectos de futuro, me contou os receios que o atormentavam, perante a deficiência das instalações do Arquivo, de que se deteriorassem e perdessem muitos dos preciosos documentos confiados à sua guarda.
Pediu-me até que levantasse aqui um brado de alarmo e chamasse a atenção do Governo para o perigo em que se encontram tantos desses valiosos, insubstituíveis, tesouros do nosso património cultural.
Ao ouvi-lo convenci-me da sua razão, do dever de lançar um apelo instante aos Poderes Públicos a solicitar medidas rápidas e eficazes que protejam, defendam e salvem o recheio ameaçado da Torre do Tombo e prometi-lhe que me ocuparia do assunto mal reabrisse a Assembleia Nacional.
Como havia de supor então que já não poderia ver-me cumprir essa promessa?
Aqui estou, no entanto, a cumpri-la. O facto de satisfazer assim a vontade expressa de um homem que deixou de pertencer ao mundo dos vivos dará - quem sabe? - maior projecção a estas breves palavras.
Se elas tivessem, por isso, a fortuna de serem escutadas e atendidas, estou certo - visto conhecer Alfredo Pimenta como o conheci - de que seria a melhor forma de honrar a sua memória e de recompensar de algum modo uma vida inteiramente consagrada ao serviço da cultura portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Caetano Beirão: - Sr. Presidente: desejo apenas associar-mo de todo o coração às brilhantes e sentidas palavras que o ilustre Deputado Sr. Dr. João Ameal acaba de dedicar à memória de Alfredo Pimenta.
Não são estes nem o momento nem o lugar próprios para evocar a obra imensa e a personalidade tão vincada do escritor que há mês e meio deixou um vácuo na cultura portuguesa.
Mas, já que o Dr. João Ameal aludiu à trajectória do pensamento do autor dos Estudos Filosóficos e Críticos, creio ter toda a oportunidade de sublinhar a coerência, e, direi até, a unidade que presidiu à evolução desse pensamento.
Tem-se tocado por vezes mal, de uma forma que se presta a equívocos, a tecla do escritor que mudou de ideias, que transitou de um campo para outro, como se fosse movido apenas por um temperamento irrequieto ou andasse caprichosamente ao sabor das ideias em voga. Ora isso não corresponde à verdade.
Alfredo Pimenta foi sempre, através de todas as vicissitudes, o homem superior que não transigiu com o mal da sua época e reagiu tenazmente contra as mistificações do século XIX, à procura da luz verdadeira que os mitos fascinantes da sua mocidade persistiam em ocultar. E, assim, nunca se acomodou ao formalismo da Carta, ao parlamentarismo aliciante, à ficção da Democracia. Nunca foi democrata. Isto revela que houve uma constante no seu pensamento.
Se, como reacção contra as ideias de 89 e contra a inadaptação do liberalismo ao nosso país, cultivou aristocraticamente a flor do anarquismo intelectual, dever-

Página 86

86 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57

-se-á interpretar tal posição como uma maneira visível e elegante de ser antidemocrata. Quantos altos espíritos, nossos e alheios, se poderiam invocar como exemplo de figuras marcantes na história do pensamento contemporâneo que percorreram o mesmo caminho para chegarem onde Alfredo Pimenta chegou?
Proclamada a República, esperou que o novo regime fosse uma reacção contra a falência do regime anterior e esperou confiado em que poderia contribuir para a formação duma República antiliberal, uma República autoritária, como os escritos dessa fase da sua vida claramente testemunham. Mas esperou muito pouco; cedo veio a desilusão.
O espírito de Alfredo Pimenta, ansioso de saber, ia ampliando os seus conhecimentos filosóficos, teológicos e histórico-sociais. Lembremo-nos de que era discípulo de Comte, do que toda a vida se orgulhou; lembremo-nos de que fora educado na fé da Igreja Católica, e de que, portanto, no fundo do seu subconsciente permaneciam os piedosos ensinamentos da infância; lembremo-nos ainda da sua simpatia pela Alemanha, à qual se conservou sempre fiel, apesar das suas derrotas, não tanto pela Alemanha em si, mas pelo que ela valia e pelo que ela representava como factor político dê combate ao perigo comunista.
A sua inteligência consolidou-se, pois, em volta da verdade católica e da doutrina monárquica, como pólos para os quais inevitavelmente tendia. Evolucionou, concretizou-se, mas não mudou; concluiu logicamente. Pode dizer-se que encontrou enfim aquilo que sempre buscara.
Aos 32 anos fazia pública profissão da sua fé o da sua conclusão política, e desde então até à hora da morte foi sempre à luz do lema «Deus, Pátria e Rei» que orientou toda a sua vida de erudito, do doutrinador, de chefe de família e de homem de acção.
Além da lição do seu saber ficará para as novas gerações a lição de um carácter que nenhum interesse conseguiu vergar. Oxalá elas frutifiquem e a projecção da obra e da personalidade de Alfredo Pimenta sejam ainda maiores na morte que na vida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: ao Sr. Ministro da Educação Nacional deve hoje o ensino, nas suas diferentes modalidades, uma completa renovação.
A última reforma publicada (Decreto-Lei n.º 38:025) organizou o ensino médio agrícola (Diário do Governo n.º 222, de 2 de Novembro do ano corrente).
Tem suscitado divergências e debates na imprensa a reforma do ensino liceal, já corrigida após a sua publicação. O problema havia sido exemplificadamente posto deste modo: «não são os conhecimentos sobre a vida do homem bem mais úteis do que a ciência relativa aos ciclóstomos e às criptogâmicas?»
Com efeito, se se acumulam as disciplinas e desenvolvem os programas, trucida-se a juventude -diz-se - , quase sem horas e sem tempo para outra coisa que não seja o livro, embora se deva considerar funesto estabelecer o princípio de que à escola não incumbe apenas ajudar a formação do homem, mas fabricá-lo em série.
A juventude estiola, debilita-se -comenta-se ainda-, sem ter tempo para viver - o viver significa observar.
Se se reduzem as disciplinas ou se comprimem os programas, obtempera-se que a juventude não aprende o que deve, e ao ingressar nas Universidades sente-se esmagada sob uma deplorável falta de preparação-base, isto é, o cultivo precoce da ramagem científica prejudica a consistência e a solidez.
Eu creio, Sr. Presidente, que o mal provém em grande parte de uma superpopulação escolar - o maior tormento para quem ensina.
Em França, há bem pouco, perguntava André Rousseaux: o desprestígio da escola -e eu não sei conciliar este desprestigio, quanto aos resultados, com o feiticismo, quanto aos que com sacrifício e insistência a procuram-, o desprestígio da escola, repito, provém do excesso do alunos ou da escassez de edifícios? E acrescentava: o pretexto da diplomacia é a cultura, mas haverá efectivamente relação entre a soma de conhecimentos que se transmitem e o proveito social que traduzem? O problema anda em volta da avaliação dos méritos pessoais, motivo por que o exame parece ser um fim e não um moio e por isso o mês de Julho é, geralmente, o mais crítico ... em crítica. A escola ou ao sistema até se lhe assacam culpas que não tem: o desemprego intelectual.
O ensino médio, em qualquer dos seus aspectos, repito, deve ao Sr. Ministro da Educação Nacional, com a recente reforma do ensino agrícola e relativamente ao professorado, a satisfação de aspirações que vinham de longe, pelo que me sinto em posição de poder afirmar aqui o reconhecimento geral.
Antes, porém, de analisar nesta Assembleia, o mais sucintamente possível, alguns dos aspectos derivados da reforma dos serviços no domínio do ensino médio, considero necessário fazer esta declaração prévia: não defendo uma posição pessoal nem nesta Câmara há professores destes graus do ensino que possam vir a ser beneficiados com qualquer possível correcção no sistema vigente.
Se assim fosse, não tomaria a iniciativa de o fazer.
Os Estatutos do Ensino Liceal, Técnico e Comercial e agora o Decreto-Lei n.º 38:020, que reformaram os respectivos ensinos, estabelecem, quanto a diuturnidades, que o pessoal docente terá direito a aumento de vencimento aos 10 e 20 anos de bom serviço.
Na base XXV da Lei n.º 2:205, que promulga a reforma do ensino técnico profissional, por exemplo, publicada no Diário do Governo. n.º 139, 1.ª série, de 19 de Junho de 1947, assim se dispõe, sem contudo especificar a categoria em que esse serviço foi prestado.
O artigo 336.º do Decreto n.º 37:029 (Estatuto do Ensino Profissional Industrial e Comercial) estabelece que o tempo de serviço prestado pelos professores e mestres de todas as categorias para efeito de valorização, da classificação profissional, concessão de diuturnidade ou preenchimento de condição legal que dependa da duração do mesmo é contado dia a dia, com inclusão de férias, domingos e dias feriados.
Por sua vez, o artigo 338.º diz:

Aos professores efectivos, adjuntos e contratados do quadro e aos mestres efectivos será concedida, a requerimento seu, a 1.ª diuturnidade aos 10 anos e a 2.ª aos 20 anos de bom serviço no ensino profissional naquelas categorias.

O conteúdo deste artigo 338.º do Decreto n.º 37:029 (Estatuto do Ensino Técnico) e analogamente do Decreto n.º 36:508 (Estatuto do Ensino Liceal), de 17 de Setembro de 1947, em seus artigos 146.º e 147.º, têm dado origem a situações, de facto, de notória injustiça, não obstante os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1:890 (Diário do Governo n.º 71, 2.ª série, de 25 de Março de 1944) e n.º 1:578, de 13 de Dezembro de 1941 (Diário do Governo n.º 290), este encerrando um considerando relativo ao Decreto n.º 26:115 e que assenta como doutrina «que, ao manter as diuturnidades para o professorado de qualquer ensino, onde não há possibilidades de promoção», se atende à maior soma de serviços prestados com o decurso do tempo, razão esta

Página 87

2 DE DEZEMBRO DE 1950 87

que subsiste independentemente do quadro de que o professor faça parte ou do Ministério de que dependa».
Os Acórdãos n.ºs 1:115, de 22 de Julho de 1939, e 1:243, de 2 de Abril de 1940, estabelecem, por sua vez, a doutrina de que se deve atender «ao bom e efectivo serviço prestado, sem fazer distinção entre funcionários de provimento provisório e efectivo, sendo certo que uma coisa é o provimento efectivo e outra é o bom e efectivo serviço prestado no cargo que pode ter sido provido a título provisório».
Sr. Presidente: em todos estes graus de ensino médio há professores que durante largos anos prestam serviços sem que esse tempo lhes seja contado para efeito de diuturnidades.
No ensino técnico, onde é mais notório, posso mesmo indicar número exacto de anos de serviço nestas condições: 25, 20, 18, l5, 14, 11 e 10.
Até porque, não obstante o que se consigna no artigo 47.º do Decreto n.º 20:420, e que determina que seja feito o desdobramento do quadro efectivo de qualquer escola quando dentro de três anos se tenha verificado a necessidade de admissão de professor agregado ou provisório por aumento de frequência, esses desdobramentos não têm sido feitos e a população escolar, que em Lisboa era, por exemplo, há anos de 5:000 alunos aquando da fixação do quadro, subiu hoje para 15 a 16:000.
Depois do que expus, afigura-se-me que seria um acto de justiça, Sr. Presidente, contar para a diuturnidade o tempo prestado na qualidade de auxiliar quando o professor entre na efectividade do serviço. De outro modo - é inútil acentuá-lo- há professores que jamais poderão atingir a 2.ª diuturnidade, outros muito tardiamente a 1.ª, não obstante um largo período de serviço efectivamente prestado, e no ensino não há outro processo de promoção, consoante se consigna no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1:578, de 13 de Dezembro de 1941.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1951.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: é sempre grato verificar que as leis se vão adaptando às realidades, não cristalizando em formas que, sobre constituírem anacronismos, podem não corresponder às múltiplas exigências que forem surgindo, como na época em que vivemos, essencialmente caracterizada por incessante e célere mutação na multiplicidade de aspectos e de interesses do vastíssimo conjunto nacional.
No decurso de quatro legislaturas, e já na 1.ª sessão legislativa da actual, as propostas de lei das receitas e despesas foram-se sucedendo com textos aparentemente iguais, mas aos quais nunca faltaram as características que as circunstâncias do momento impunham.
E bem diversas elas foram, por terem correspondido a situações em que se registaram valores muito afastados, por vezes até opostos, como os que exprimiram as balanças comercial e de pagamentos, as quais de grandes saldos negativos passaram aos positivos, e em grandeza nunca sonhada, para, após um período efémero, regressarem a números deficitários da ordem dos que sempre haviam pesado sobre a economia nacional.
Período efémero, sim, mas que nos permitira passar de devedores crónicos (e noutros tempos a roçar pela insolvência) a. credores de quase 100 milhões de libras. Efémero, sim, mas suficiente para nos tirar de uma mediania (que noutros tempos chegara a ser penúria) e criar no País um conjunto de facilidades que muitos exageraram, e das quais a grande maioria não soubera tirar o partido aconselhável que a levasse de ilusória euforia à posse de instrumentos de trabalho devidamente actualizados, que tão indispensáveis são para não se vir a soçobrar na luta pela vida.
Épocas de boa produção agrícola, mas por último contrariada pela mais demorada estiagem que a memória regista.
Alternativas de grande procura de mão-de-obra intermeada de sintomas de desemprego.
Crises de energia eléctrica, por falta de combustíveis e escassez de caudais, com graves perturbações do trabalho nacional.
Fartura de escritos em habitações, seguida, mercê de certos preceitos errados de inquilinato e de sintomas de urbanismo agravados no período de guerra, da maior crise de moradias e consequente agravamento de aluguéis de que há memória. Mas haja indícios de retorno. Muitas casas com escritos ...
Oscilações semelhantes se foram registando na vida nacional, apesar da inteligente e oportuna política do Estado Novo.
Mas a nossa administração financeira teve o condão de ir resolvendo dificuldades e, simultaneamente, de garantir a execução de um programa que, segundo afirma o Sr. Presidente do Ministério na exposição eloquente com que honrou e esclareceu a Assembleia Nacional- ao findar os quinze anos marcados para a política de reconstituição económica:

Sem embargo destes senões, a soma de trabalho imposta à Administração e o acervo de obras e empreendimentos ficam a marcar na época moderna, em Portugal, pelo seu volume e importância, pelo ritmo e ordem das realizações, pela soma de boas vontades que despertou no País e só prontificaram a prestar utilíssima colaboração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para tão grande obra o Governo não se limitou à verba fixada na Lei n.º 1:914, de 6.000:000 contos, pois gastou cerca do dobro, isto é, aproximadamente, 13 milhões de contos, como não se limitou ao vastíssimo programa delineado na base I da Lei de Reconstituição Económica, aprovada pela Assembleia Nacional e promulgada logo a seguir, em 24 de Maio de 1935, por isso que avultadas somas foram despendidas em empreendimentos de largo fôlego, como o do considerável reforço da marinha mercante, a reconstituição da frota de pesca, a correcção de cursos fluviais, a produção de energia eléctrica, reconhecimentos fundamentais à exploração mineira e outros tendentes à conveniente valorização do potencial do território e do esforço nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Volvidos os quinze anos fixados para a 1.ª fase de tão gigantesca obra construtiva, o relatório apresentado à Assembleia Nacional pela Presidência do Ministério conclui pela afirmação de que o Governo estimaria encontrar, com o auxílio da Assembleia, através da mais larga discussão destas questões, a orientação conveniente para a respectiva solução.

Página 88

88 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57

Sr. Presidente: a tão oportuno e nobre apelo não deixará a Assembleia Nacional de corresponder com a mais devotada colaboração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É a voz da Nação que vai ouvir-se.
Voz que nem sempre lograra ser ouvida no Terreiro do Paço, onde à burocracia que já ali pontificava veio juntar-se uma tecnocracia cultora do colossal e desdenhosa de ensinamentos colhidos em fonte diversa da livresca, isto é, dos que dimanam do assíduo e duro contacto com as realidades da vida.
Eu espero também levar modesto mas esforçado contributo para encontrar a solução mais conveniente aos altos interesses nacionais na nova fase da reconstituição económica.
Mais não farei que prosseguir na minha actuação política, já por alguns taxada de oposicionista à orientação governamental, mas que tem sido sempre e inflexivelmente orientada pelo propósito do contribuir para encontrar as soluções mais oportunas, adaptadas às nossas possibilidades financeiras, às exigências da raça, do território e do clima e capazes de garantir prosperidade material, sem prejuízo do equilíbrio social e do bem-estar da população, em todos os seus variados e transcendentes aspectos.
O assunto é de tal envergadura e envolve tão grande responsabilidade que eu entendo dever tratá-lo em intervenção parlamentar na qual êle constitua tema único, por isso que a nova fase da reconstituição económica tem de abranger toda a vida nacional na sua vasta e espalhada geografia de aquém e além-mar, não se limitando aos grandes empreendimentos, mas indo até aos aparentemente modestos e também aos até aqui quantas vezes reputados insignificantes, mas que são fundamentais para a vida nacional, como os capilares, as terminações nervosas e outros pormenores anatómicos no que respeita ao organismo humano.
É, pois, de prever que ao discutirmos esta proposta de lei na especialidade, possivelmente ao abordarmos o capítulo ali consagrado a investimentos públicos, ou noutra altura que porventura se me afigure mais indicada, eu peça a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para desenvolver tão empolgante tema e de VV. Ex.ªs, ilustres colegas, solicite a paciência e generosidade precisas (não apoiados) para escutarem as minhas considerações e alvitres.
A não ser que V. Ex.ª, Sr. Presidente, entenda que à grande transcendência da comunicação do Sr. Presidente do Conselho sobre política da reconstituição económica deve esta Assembleia consagrar, como bem merece, algumas sessões especiais, bem vistas as coisas, corresponderia ao desenvolvimento do aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral, concretizado na última sessão legislativa, sobre aquele mesmo tema.
Sr. Presidente: dissera eu, e assim se tem verificado na verdade, que nos desasseis anos de funcionamento da Assembleia Nacional as propostas de leis de meios nos têm chegado em moldes aparentemente iguais, com linguagem sóbria, sempre inspirada pelos bons princípios da defesa do equilíbrio das economias privadas e do escrupuloso emprego dos dinheiros públicos, não sómente na manutenção da máquina estadual, mas na conservação e actualização dos instrumentos de trabalho e dos factores concorrentes para a educação cultural, bem como na fundamental satisfação das múltiplas exigências da vida espiritual.
A síntese bem traçada oferecida à Assembleia Nacional pelo Sr. Presidente do Conselho define as linhas mestras do vasto acervo nas suas diversas facetas materiais.
É caso de perguntar: haveria agora necessidade de se alterar aquele rumo com a proposta de lei enviada este ano à Assembleia Nacional pelo distinto Ministro das Finanças e nosso muito ilustre colega Sr. Dr. Águedo de Oliveira?
Entendo que sim.
Foi essa a impressão que me ficara da leitura feita na imprensa daquela proposta de lei, há semanas já, e portanto com bastante antecipação da abertura dos nossos trabalhos parlamentares.
Proposta de lei orientada pelo desejo de codificar, de simplificar, e visando a indispensável justiça tributária. Não visa desde já o agravamento de impostos.
Proposta de lei que, adaptando-se aos tempos de agora, os quais, positivamente, já não são os das «vacas gordas» da época volframista, com grandes saldos positivos nas balanças comercial e de pagamentos e os cofres públicos e particulares abarrotados de disponibilidades, fartura de divisas e créditos no estrangeiro, expressos em números positivos, tiveram equivalência, na história financeira nacional, nos que nos esmagavam no capítulo dos saldos negativos; proposta de lei que, adaptando-se às realidades bem duras de agora, a contrastar com aquela fugaz pletora, exigem se continue e intensifique a política de restrições que já estava em vigor no respeitante a certas verbas de consumo corrente e notoriamente nas de carácter sumptuário.
Política de restrições, sim.
Mas política de restrições no luxo, no dispensável, nas compras a efectuar no estrangeiro, na pletora de publicações oficiais, nas missões fora do País, que nos iam levando réditos que agora nos fazem falta, e, quantas vezes, sem proveito compensador.
Política de restrições no uso dos automóveis oficiais.
Política de restrições na aplicação de certos fundos especiais, mesmo nos ainda não inscritos no Orçamento Geral do Estado, ordenando a compressão geral das respectivas despesas e, destacadamente, das relativas a gratificações, obras, instalações, mobiliários, decorações, e só permitindo o recurso ao crédito para determinadas despesas reprodutivas.
Outras restrições são indicadas no notável diploma, mas sem apertar o essencial da política de investimentos.
Assim, foi com agrado que no capítulo VI pude ler propor-se o prosseguimento da grande política de reconstituição económica definida na Lei n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935, e outros diplomas, ainda que, na enumeração de actividades assim autorizadas, não se esqueceu a rubrica de melhoramentos rurais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Rubrica introduzida no Orçamento Geral do Estado no triénio da minha passagem pelo Governo, com o carinho que a vida rural merece aos que nascem, se criam e nunca esquecem (porque, se acontece estarem distantes, o espírito nunca deixa de pairar naquelas solidões tão simpáticas) as suas terras natais, e a fé de que uma tal política, por ir até às raízes da Nação, não receia comparações com os resultados garantidos ao Estado Novo noutros sectores da Administração Pública, mas que, apesar de tudo, aconteceu não ter sido tão atendida como merecia, devido, possivelmente, às miragens do «colossal».
Agora, no artigo 17.º da proposta de lei lê-se com desvanecimento a importância dada aos pequenos melhoramentos agrícolas, ao povoamento florestal, à defesa ribeirinha, à electrificação rural e respectivo abastecimento de águas, bem como às estradas e caminhos de interesse local.
Ainda bem. Mais vale tarde que nunca, porque o fomento rural é, pelo menos, tão indispensável (na minha

Página 89

2 DE DEZEMBRO DE 1950 89

opinião muito mais) como muitas obras em que o Estado tem investido quantiosas somas.
Sr. Presidente: agradeço as palavras generosas do ilustre Deputado Sr. Melo Machado. Estou a falar sem conhecimento do parecer da Câmara Corporativa, que sómente nos foi distribuído na sessão de ontem, mas no qual, por certo, não deixarei de encontrar esclarecimentos que possivelmente me determinem a subir de novo à tribuna.
Vou, pois, terminar por hoje as minhas considerações sobre o diploma fundamental da administração pública -a autorização das receitas e despesas para 1901-, e no qual, logo de entrada, encontrei a afirmação de que «a carga tributária será proporcionada ao valor verificado do rendimento nacional e distribuída de harmonia com a sua composição».
É certo que logo adiante, no § único do artigo 6.º, li: «sistematizar-se-ão os impostos directos com base nos rendimentos, no capital e no enriquecimento».
Impostos com base no enriquecimento é assunto que estimaria ver explicado no parecer da Câmara Corporativa ou durante os debates, pois, como muito bem se diz no artigo 4.º, a carga tributária deve incidir sobre o valor verificado do rendimento nacional.
Repito a impressão favorável que me ficara do esforço bem patente na proposta de lei de simplificar e esclarecer tudo o que respeita a matéria tributária, para garantir justiça na distribuição dos impostos e defender os contribuintes dos trabalhos e riscos de uma legislação confusa e complicada.
Também foi com agrado que verifiquei que a um agravamento tributário imediato, que a economia nacional não comportaria, se preferiu a defesa dos dinheiros públicos, restringindo a sua aplicação ao iniludivelmente indispensável e organizando os serviços públicos por forma a aumentar-lhes a eficiência.
A pletora nos quadros burocráticos sufoca a Nação e está muito longe de corresponder aos sacrifícios que a respectiva sustentação exige.
Do somatório final verifica-se que o montante de benefícios colhidos da sua intervenção na vida nacional fica muito aquém da perturbação ali causada pelas suas complicações, exigências e, quantas vezes, rematadas injustiças.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: é bem de ver que o cumprimento das oportunas restrições visadas na proposta de lei, além de regulamentação clara e simples para que não possa facilmente ser iludida, carece de fiscalização eficaz.
Mas, é bem de ver, fiscalização que não degenere na invasão de atribuições que não lhe pertencem, perturbando os serviços, entravando a Administração, levando o desânimo, o aborrecimento e até protestos a bons servidores da Nação, pois que acontece tomar atitudes que dir-se-ia de autênticos perseguidores.
O que se tem passado com certas inspecções ordenadas às câmaras municipais pelo Governo, isto é, pelo sector de Finanças, e, mais acentuadamente, com as partidas da Administração Política e Civil, tem causado tal perturbação entre os homens bons que, as mais das vezes, exercem ali funções de presidentes e até de vereadores que só com dificuldade se encontra quem esteja disposto a correr tais riscos.
Compreende-se que a quase totalidade das pessoas que assumem tais funções são ignorantes das exigências e confusões frequentes nas leis e regulamentos, confiando em secretários e funcionários que lhes são impostos, mas de cujas resoluções são muitas vezes julgados responsáveis.
Não raramente são obrigados a pagar ou a repor importâncias que lhes não aproveitaram pessoalmente, e vêem-se envolvidos em processos que podem levá-los à cadeia.
E, não obstante, a administração regional não pode dispensar o valioso concurso da sua experiência e íntimo conhecimento dos variados interesses das suas terras, nem a Nação poderia criar novos quadros ou alargar os actuais de um funcionalismo cujo pagamento acabaria por devorar o produto do trabalho realizado nos diversos concelhos.
Como providência defensora dos cofres públicos estaduais e municipais e garantia de uma administração apoiada nas realidades, e, por isso, correspondendo aos verdadeiros interesses nacionais, força é continuar a contar com o concurso gratuito de homens bons.
Mas para isso há que defendê-los de tais percalços e tratá-los com o respeito que por todos os títulos lhes é devido.
Este tema, de flagrante actualidade e da maior importância, merecia debate especial, pelos aspectos graves que politicamente se vêm registando.
Enxertei-o na discussão da Lei de Meios porque, sendo fundamental para a vida da Nação, o Governo, por certo, não deixará de lhe prestar desde já a atenção que ele merece, para que a acção fiscalizadora e a assistência consultiva, que, exercidas em termos convenientes, podem ser vantajosas, não degenerem em elementos perturbadores da administração local e consequente afastamento nos homens bons de atribuições gratuitas, em que têm sido, e indispensável se torna que continuem a sê-lo, .altamente úteis às suas terras e à Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: são as minhas últimas palavras para, dentro da justiça e também por prazer, salientar a alta consideração que o Sr. Ministro das Finanças, ao enviar com bastante antecedência e acompanhada de grande soma de esclarecimentos a proposta da Lei de Meios, afirmou pelos altos interesses do Estado e pela Nação, aqui representada pela Assembleia Nacional. Consideração que retribuímos com o reconhecimento do seu valioso trabalho e os votos de que ele corresponda na prática à conciliação das exigências do Estado com a conservação integral de todo o potencial da Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: mais uma Lei de Meios que não foge, para honra e proveito nossos, ao preceito constitucional do equilíbrio das contas. Como as demais o têm feito em cada ano, esta também traduz o pensamento do Governo, as suas preocupações dominantes. Mas temos de reconhecer que nenhuma das outras propostas de lei de receitas e despesas revelou, como a que se destina ao ano de 1951 revela, tanto latejo de ansiedade.
Encontramo-nos em nítido momento de emergência grave. Não é pelos factores que generosa e previdentemente acumulámos na ordem externa e interna, mas pelos elementos de subversão desencadeados contra nós.
Toca a rebate no Mundo.
Nunca se viu tão profunda divisão entre dois blocos de povos e tamanha interdependência de interesses e vontades no bloco que terá de se defender para sobreviver. Ao mesmo tempo, e porque cada qual trata de ré-

Página 90

90 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57

forçar a sua frente, todos os sacrifícios exigidos e a exigir não são demais.
O perigo mostra-se de tal forma, com tal poder de intromissão ameaçadora, que nem sequer nos é já possível elaborar um programa de receitas e despesas de harmonia só com as exigências da própria vida.
Para além das nossas fronteiras, a todo o momento podem nascer, e nascem, situações que nos afectam e obrigam. Assim, não basta estudar os nossos problemas, torna-se forçoso reparar no movimento dos problemas alheios e estar atento a eles, não venha a imprevidência, a ambição ou a loucura de estranhos derrotar o juízo das nossas soluções e o esforço dos nossos acertos. Necessidade de todas as épocas, mas nunca tão pez manente e generalizada como agora.
Por um lado isto era fatal, desde que no Mundo se encurtaram tanto as distâncias e os interesses opostos já não esmorecem nos espaços que tinham de percorrer para se conhecerem e chocarem. Será mesmo esta, estou convencido, uma das razões por que os interesses antagónicos, ao formarem-se, logo se dotam e armam de forte espírito agressivo.
Em profunda verdade, há que mobilizar todas as reservas morais e materiais e dispô-las no campo das previsões, de modo a que tudo quanto venha a acontecer, por mais extraordinário e espantoso que seja, nos encontre dispostos em base de antemão asseguradas.
É tarefa muito difícil e muito custosa. Até o facto de o Governo ter atrás de si o inegável volume de crédito que lhe veio das administrações passadas só lhe cria maiores responsabilidade». Por isso, porque o Governo o merece, porque do apoio que lhe dermos depende a sua missão de ressurgimento e porque da compreensão que mostrarmos possuir do seu esforço resulta o argumento da unidade imprescindível para resolver todas as crises, esta hora é de inteligência e de fé, ao lado dos que comandam, dia a dia, a vida da Nação, e muito padecem na escolha dos rumos que melhor a sirvam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tal atitude não exclui, evidentemente, as notas que cada um ache por bem fazer, quer na justiça de louvar, quer na intenção de ser esclarecido, quer no propósito de oferecer o seu contributo.
Neste caminho deixarei algumas considerações, tanto quanto possível serenas, tanto quanto possível concisas.
Propositadamente, desta vez, não li qualquer referência ou apreciação até agora feitas à Lei de Meios que estamos discutindo. Quis ver, por mim, o alcance das disposições que lhe servem de texto, na sua forma, no seu espírito, na sua economia.
Poderá semelhante propósito ser tomado, por uns, à conta de pouca ou nenhuma consideração por opiniões, sem dúvida, mais autorizadas, e, por outros, por demasiada confiança nos méritos próprios, afora ainda a liberdade que fica, pára me dizerem que segui um defeituoso, senão péssimo, método de trabalho. Nada disso. O que me levou a querer estudar assim a proposta que se discute foi o intuito de ser totalmente espontâneo e totalmente responsável pelas afirmações que produzir. Não desejo a mínima sombra de sugestão.
Sr. Presidente: esta proposta de lei é dominada pela necessidade da economia máxima e pelo critério da despesa reprodutiva, visando a elevação da eficiência económica e do nível social, pelo fomento da produção, em ordem a obter-se o aumento do rendimento nacional.
Por outras palavras, o princípio - base à que obedece toda a proposta é o do ordenamento e mobilização de todos os meios financeiros, no sentido da prática económica, pela criação de bens que satisfaçam as necessidades correntes.
Não se pode afirmar que este objectivo não vinha, não obstante os enormes e forçados gastos com a defesa nacional, informando a nossa política de distribuição e aproveitamento de receitas, mas nunca, como agora, se lhe deu expressão tão viva e movimento tão real e tão amplo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Será, porventura, motivo de regozijo para os que, de há anos a esta parte, proclamam fervorosamente a prioridade do fomento económico, mas não poderá constituir razão para que se alegrem e reincidam os que julgaram ver desperdícios em certas obras públicas, ainda hoje, e sempre, justificadas pela importância da sua projecção.
Ao cabo de vinte e tantos anos de exercício o Governo pode apresentar-se no tribunal da consciência pública e provar aí, contra todas as acusações, que não arderam os dinheiros arrecadados.
Não temos uma obra de pé que não fosse, desde o esquema da sua teoria ao triunfo da sua realização, acompanhada de bom sentimento construtivo e de pura intenção patriótica.
É certo que sempre, e obstinadamente, dirá que não se construiu nenhum fontanário no País aquele que não tem um ao pé da porta, mas nós estamos aqui para sermos justos, para não regatearmos louvores ao Governo por essa sua maravilhosa capacidade de previsão, que tem sido o maior segredo da nossa vitória político-administrativa.
Em regra, o indivíduo é suspeito quando do seu sector - a cuja felicidade condiciona o bem-estar do Mundo - aprecia as grandes tarefas governativas de coordenação e hierarquização de valores. Por isso, e por vezes, o quadro justo da distribuição das possibilidades financeiras é assaltado por críticas falhas do poder da imparcialidade.
Cada coisa em seu lugar e em seu tempo, e mal é que se retirem as coisas do seu ambiente e da sua época para tis ver e julgar ao calor de outros ambientes e de outros momentos.
Temos pecado por este defeito, e não estamos curados dele.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a proposta de lei em discussão não é só uma prova da coragem com que o Governo costuma enfrentar todas as situações, é, além disso, uma prova da inexcedível prudência com que tem sabido modificar, passo a passo, e sempre para melhor, as condições de vida do País, na ascensão gradual paru um estado de melhoria compatível com a utilização plena dos nossos meios.
Toda a proposta é informada pela decisão de moralizar e de economizar: nela se anunciam os estudos necessários para que os serviços públicos adoptem métodos conducentes a um maior rendimento, com menor dispêndio, paxá que se restrinja o emprego das verbas na realização de despesas de consumo corrente ou de carácter sumptuário, para que diminua o número das publicações oficiais e o seu custo e para que sejam revistas as disposições legais e a prática sobre a existência e utilização de automóveis oficiais.
Dir-se-á que se entrou escusadamente em matéria de regulamentação, chegando-se ao pormenor de referir a nova disciplina a que ficarão sujeitos os automóveis do Estado.
Pretendeu-se certamente traduzir para o grande público o rigor da orientação seguida no regrar e comprimir das despesas. O público carece de ser informado

Página 91

2 DE DEZEMBRO DE 1950 91

e há toda a conveniência em mostrar-lhe a índole das reformas e das medidas a que o sujeitam.
Não obstante, e apesar de todo este destino de compressão em que se molda o orçamento para o ano de 1951, nem por isso se revogaram as disposições contidas nos artigos -3.º a 9.º da Lei n.º 2:038, de 29 de Dezembro de 1949, nem se desampara a conclusão, no mais curto prazo, das obras iniciadas, nem se deixa de estabelecer «que os arrendamentos de (prédios para a instalação dos serviços sejam precedidos de parecer de comissões constituídas por delegados dos Ministérios das Finanças e das Obras Públicas, com representação do serviço interessado».
Quanto a esta última determinação, é a altura de observar que nenhuma referência se faz à representação dos donos dos prédios interessados no arrendamento, dado que este assume, por vezes, o carácter de contrato imposto. No entanto, suponho que o princípio da avaliação consignado no § 1.º do artigo 12.º da proposta se destina a habilitar o Estado a pagar aquilo que for justo. Assim o espero.
A par destas disposições, tomam-se notáveis medidas de protecção à indústria nacional, pela limitação ao indispensável das compras a efectuar no estrangeiro, e de simplificação do sistema tributário, pela revisão das taxas, adicionais e encargos, de modo a reduzir-se o método de cobrança a um conhecimento único, que seja o resumo claro das várias incidências.
Que mais não fosse, só por isto, esta proposta de Lei de Meios merecia da nossa parte os maiores aplausos. A profusão de impostos e a preocupação do seu pagamento mantinham o contribuinte em estado de aflição. Quase que não podíamos ter uma hora feliz: olhe esta taxa, aquele adicional, este outro encargo; agora o imposto tal, a alcavala disto, a incidência daquilo, um autêntico processo de massacre da atenção, com a ameaça dos juros de mora, dos relaxes e das penhoras a assombrar-nos o caminho e a exigir-nos permanente e fatigante cuidado na observância de mil prazos e de mil obrigações.
Pagar impostos tem sido para nós quase um acto diário, como o de respirar.
A S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças todo o apoio da minha concordância e todo o reconhecimento da minha gratidão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: seja-me agora permitido fazer certos reparos, alguns deles particularmente ligados aos interesses do meu círculo e que nem pela circunstância de serem restritos a uma região deixam de influir no interesse geral.
Pode afirmar-se que só a partir de 1945 nas ilhas de S. Miguel e de Santa Maria, e nesta só muito depois e em menor ritmo, se iniciaram obras semelhantes às que no continente formam esse brilhantíssimo ciclo compreendido entre os anos de 1932 e 1947, que levaram S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho a traçar luminosamente, como sempre (apoiados), estas palavras que figuram na abertura do Livro de Ouro da Exposição de Obras Públicas de 1948:
São coisas muito grandes a passarem do sonho para a realidade da vida ante os nossos olhos atónitos de tanto nos haver a decadência habituado a tê-las por impossíveis.
A verdade é que para nós despontou só muito mais tarde a hora do ressurgimento. Tirante, em Ponta Delgada, a conclusão das obras do porto e uma ou outra pequena comparticipação para trabalhos de pouca monta, foi, sem dúvida, a partir de 1945 que se começou a sentir alguma coisa de novo.
De então para cá - observou um dos periódicos de S. Miguel - surgiu uma idade diferente para as pretensões locais.
Não beneficiámos, pois, em cheio do labor que compôs, no Portugal do continente, o maior e o mais belo quadro de realizações que em tão curto prazo jamais tivemos.
Terá de se tomar nu devida e precisa consideração este facto, agora que o Governo se propõe dar preferência às obras iniciadas e lançar-se empenhadamente em mais vasto caminho de reconstituição e fomento económicos.
A não ser tomada na devida conta tal circunstância, as ilhas de S. Miguel e de Santa Maria ficariam em situação de desfavor, o que não é nada justo, pois fazem parte integrante deste Império, que não conhece lapsos de carinho no seu ingente esforço de unidade, progresso e ressurgimento.
Esperamos então, e à face das novas e insistentes directrizes orçamentais, que se execute o plano portuário das duas ilhas, já aprovado; que se ajude, com a necessária largueza, a construção e reparação dos caminhos vicinais, o abastecimento de água às populações, a defesa contra a erosão; que se aprove e dê amplo cumprimento ao plano de povoamento florestal, há muito elaborado, e que não demore o início dos aproveitamentos hidroeléctricos, para o que a ilha de S. Miguel foi visitada por uma missão de engenheiros, cujos trabalhos têm já o voto favorável do Conselho Superior de Obras Públicas.
Não tenho conhecimento de que tivessem sido atribuídas quaisquer verbas provenientes do Plano Marshall a empreendimentos a levar a feito nos Açores. E com bastante estranheza que noto a excepção.

O Sr. Alberto de Araújo: - Os Açores têm beneficiado do Plano (Marshall na medida em que têm beneficiado todas as terras do continente. E explico porquê.
Há duas formas de auxílio. A primeira é a que se traduz na aquisição de bens de consumo, trigo, gasolina, etc., e da qual beneficiam todas as parcelas do território português.. A outra é a que diz respeito ao auxílio do Plano Marshall através do Fundo de contrapartida de contingentes em todas as regiões do País, quer seja a Madeira, o Minho, Algarve, Angola ou Moçambique, e isso faz-se em vista à realização de determinados fins. Ultimamente as verbas do Fundo de contrapartida do Plano Marshall têm sido aplicadas a obras de irrigação e de fomento hidroeléctrico. Por exemplo, a Madeira, onde estão em curso importantes obras hidroeléctricas, beneficia do auxílio dos fundos de contrapartida do Plano Marshall.
Os Açores, na medida própria, quando os seus planos estiverem elaborados, beneficiarão da ajuda do Plano Marshall, mas a falta que V. Ex.ª notou não é devida nem ao Governo nem às entidades que orientam a aplicação do fundo, mas sim ao facto de os planos não estarem ainda executados.
Estou certo de que na altura própria os Açores, como a Madeira e todas as terras do País, beneficiarão do mesmo plano em perfeita igualdade.

O Orador: - Agradeço o aparte de V. Ex.ª, que me dá ensejo para tratar com mais algum desenvolvimento a simples nota que não quis deixar de fazer aqui sobre a falta de aplicação dos fundos de contrapartida do Plano Marshall ao arquipélago dos Açores.
Aludiu V. Ex.ª em primeiro lugar à aquisição de bens de consumo, como, por exemplo, o trigo e a gaso-

Página 92

92 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57

lina, aquisição cia qual beneficiam todas as parcelas do território português. Ora eu devo dizer que os Açores continuam a receber a gasolina que dantes recebiam, conforme - é evidente - o volume das suas necessidades, e que o mesmo se dá com o trigo. Não vejo, francamente, que por este lado o auxílio se manifeste.
Respondida assim a primeira parte da sua interpelação, mais fácil ainda se me torna reafirmar-lhe que não há conhecimento de que tenham sido dispensadas quaisquer verbas Marshall aos Açores para obras realizadas ou a realizar ali.
V. Ex.ª falou da Madeira e das importantes obras hidroeléctricas que estão ali em curso. Mas eu não estou a negar a feliz posição da Madeira no assunto. Estou a ligar-me à menos feliz posição dos Açores e a pedir que chegue para lá o mais depressa possível a medida própria a que V. Ex.ª se referiu.
Pode ser que em relação aos Açores estejam, porventura, atrasados alguns planos, mas olhe que, por exemplo, o do povoamento florestal já está há muito concluído. E eu devo insistir em que os Açores, designadamente as ilhas do distrito de Ponta Delgada, carecem urgentìssimamente de que o Plano Marshall lhes seja aplicado. Peço mesmo ao Governo que olhe, com toda a atenção, para este problema, pois em 8. Miguel, principalmente, encontramo-nos a braços e deveras aflitos com graves crises resultantes da existência de muita gente a mais, que não encontra saída, nem trabalho, nem socorro.
Mais uma vez agradeço a V. Ex.ª o seu aparte e prossigo, voltando ao curso do meu discurso, que tive, aliás gostosamente, de interromper.
Renovo a minha estranheza perante a excepção e pergunto: qual o motivo? Porque não há-de o arquipélago açoriano beneficiar do auxílio Marshall?
Procurando, não atino com a explicação, pelo menos com a explicação necessária. Se os Açores serviram, e muito bem, para desempenhar, efectivamente, uma grande parte da posição portuguesa perante o último grande conflito mundial, não se percebe porque não hão-de servir agora para neles serem aplicadas parcelas dos recursos Marshall, que tanto e tanto concorreriam para melhorar o seu nível de vida, presentemente bastante baixo.
Deixo esta nota, com uma certa curiosidade na resposta, e não estendo mais a pergunta porque em outro lugar, e talvez em breve, pretendo demonstrar que por outras razoes, designadamente de ordem histórica, os Açores têm também neste ponto todo o direito à confiança e à lembrança do Governo.
Os Açores respondem sempre, com galhardo entusiasmo patriótico, aos chamamentos da Mãe-Pátria, mas respondem naturalmente, com a dará consciência do seu dever, sem mira em qualquer recompensa; em todo o caso, nas suas dificuldades, esperam receber da Mãe-Pátria a certeza da permanência do seu carinho.
Na sessão de 22 de Março último tratei da situação em que se encontram os terrenos dos campos de aviação de Santa Maria e de Santana. Sempre julguei
- disse nessa altura - que no orçamento para 1950 o assunto ficasse arrumado. Pagar o menos possível e dilatar a questão o mais possível é que nunca - acentuei quase no fim das palavras que proferi -, porque então teremos um grave problema de prestígio, e aí se dói a própria consciência do Governo, à qual eu ponho este caso de justiça inadiável.
A questão era esta: os terrenos nem tinham sido expropriados e pagos nem as respectivas rendas se mostravam devidamente actualizadas.
Não poupei nenhuma tinta de verdade ao quadro que expus, e experimento agora o desgosto de voltar ao assunto, dado que o problema se mantém no mesmo pé.
Estará o remédio no § 1.º do artigo 12.º da proposta?
Tenho as minhas dúvidas.
Nada no preceito autoriza a supor que as providências a tomar venham a ser aplicadas aos arrendamentos pretéritos. Destinando-se a disposição a regular simplesmente os arrendamentos futuros, não se vê a descoberto qualquer indicação de que o caso seja por aquele processo finalmente resolvido.
Resta confiar na justiça da reclamação, apelar para o bom senso do Governo e aguardar que desta vez, e no próximo orçamento, os proprietários dos terrenos onde estão instalados os campos de aviação de Santana e Santa Maria, entre os quais devo dizer que não me conto, vejam parar a soma das enormes canseiras e dos grandes prejuízos suportados.
Sr. Presidente: esta Lei de Meios dá margem para muitos comentários e eu desejaria analisar, ainda que sumariamente, a situação dos funcionários públicos dentro do clima que se lhes cria. Teria de estabelecer certo confronto para concluir que são eles os que mais vão sofrer com essa época, que se anuncia, de novas restrições e sacrifícios.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Parecia-me aconselhável a revisão dos vencimentos. Aconselhável ... e inadiável. Que não mutilem, ao menos, a suficiência dos quadros. Conheço serviços que estão a cremar as forças dos seus servidores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Poderia também lembrar ao Governo que tomasse as suas medidas no sentido de dar satisfatório cumprimento à lei da amnistia de crimes políticos que esta Assembleia votou em 25 de Abril deste ano. Juntaria à lembrança algumas reflexões e talvez voltasse a falar naquele velho sargento da minha terra, que vê, dia a dia, amortecer-se-lhe a luz da esperança, na angústia, cada vez mais alta, de que a vida não lhe chegue até ao ponto de receber a certeza há tanto tempo desejada e esperada.
Mas, se não tenho lido nenhuma apreciação à proposta da Lei de Meios - até mesmo o parecer da Câmara Corporativa, por ter faltado ontem, por motivos de saúde, à sessão, só agora o recebi -, li uma informação, aquela que S. Ex.ª o Presidente do Conselho mandou à Assembleia Nacional. Aí se nota que, no fim de contas, sempre foram gastos mais de 14 milhões de contos na execução da Lei n.º 1:914.
S. Ex.ª teve, mais uma vez, a justa visão da oportunidade. Mas não é só isto. O que mais nos chama, o que mais nos penetra, é esse apelo do fim, esse de que o Governo estimaria encontrar, com o auxílio da Assembleia Nacional, através da mais larga discussão, a orientação conveniente.
Há nisto, neste propósito declarado de ouvir, para prosseguir, muito de nobreza e muito de reflexão.
Admiremos a irradiação dessa nobreza e não nos neguemos ao poder dessa reflexão.
Apoiados.
Por mim, não poderei encontrar os melhores caminhos, as melhores soluções. Mas julgo que, dizendo cada qual aquilo que sabe, alguma coisa poderá vir a saber-se que sirva e aproveite aos fins que se buscam.
O § 1.º do artigo 16.º da proposta marca, sem dúvida, um sentido de preferência, colocando em primeiro lugar, e para fomento da produção na metrópole e no ultramar, a energia hidroeléctrica, a irrigação e o povoamento florestal.

Página 93

2 DE DEZEMBRO DE 1950 93

Salvo o devido respeito, não me parece que a seriação das obras pelo critério das prioridades deva ser feita assim.
É indiscutível que o aproveitamento hidroeléctrico tem direito de primazia em qualquer plano de fomento, mas também, e ao mesmo tempo, é indiscutível que a subsequente utilização da energia produzida na instalação de indústrias fundamentais se torna, desde logo, tão necessária e tão urgente.
É evidente que a irrigação deve figurar à cabeça de todo o programa de reconstituição económica, mas não é menos evidente que, sem o sistema de transportes assegurado, o aumento de produção conseguido perde grande parte do seu valor e nem chega mesmo a atingir as somas previstas.
É ponto de fé que o povoamento florestal ganha toda a altura entre as obras n.º 1 para o aumento da riqueza nacional, mas não deixa de ser igualmente ponto de fé que a rearborização, ainda que envolva serviços de melhoramento silvo-pastoril, de correcção de torrentes e de fixação do solo, desacompanhada das grandes correcções fluviais, não se completa nem oferece garantias de êxito que justifiquem as respectivas despesas de investimento.
Apoiados.
E, quando tivermos feito a equiparação e a coordenação de todos estes valores essenciais, ainda nos assaltará a necessidade irreprimível de acudirmos, pela intensificação dos melhoramentos rurais, à vida dos campos - a essa vida, que é o maior manancial das energias da raça e tão rica de fontes criadoras, que nada lhe pagamos se tudo lhe dermos.
Nunca levei a bem - repito o que disse na sessão de 20 de Janeiro - que no Orçamento Geral do Estado para o corrente ano tivesse baixado para 20:000 contos a verba de 30:000 atribuída a melhoramentos rurais no ano anterior.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E que dizer da colonização interna?
Terão sido suficientes as dotações concedidas?
Pelo que conheço, devo dizer que ficaram aquém, mas muito aquém, do necessário. Produzo a afirmação em face do que me parece dever ser pedido pelo serviço, e não em presença do bom ou mau rendimento dos serviços.
Estamos a ver, assim, que só um plano de conjunto, em que figurem, ao mesmo tempo, por valores de correlação, as obras imprescindíveis a uma grande tarefa de fomento, poderá servir a reconstituição económica do Pais, tal como pretende o espírito da proposta de lei.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Salvo o devido respeito, repito, não deve haver ordem de prioridades na designação de obras do mesmo modo importantes e do mesmo modo imprescindíveis à execução una de um plano uno.
Temos um exemplo, aliás já referido pelo ilustre Deputado Prof. André Navarro na sua conferência «Novas Rotas - Velhos Rumos» : é o do vale do Tennessee, nos Estados Unidos da América do Norte. Começou-se aí por uma boa carta dos solos, e, depois de estudos aturados, elaborou-se o plano de conjunto, «abrangendo a hidro-electricidade, a hidráulica agrícola, o fomento agrícola e a florestação, o fomento industrial e o da rede de vias de comunicação».
Momentos antes de subir a esta tribuna passei mais uma vez os olhos pelo n.º õ, vol. 8.º, da revista americana Holiday, onde vem uma reportagem gráfica dessa espantosa obra de recuperação e de fomento, que pode, no seu formidável processo de execução, oferecer lições de extraordinária beleza e de extraordinária utilidade.
Apoiados.
Não temos os recursos da América do Norte. Mas temos os nossos recursos e com eles já demonstrámos uma enorme capacidade de realizar.
Sr. Presidente: o relatório enviado à Assembleia Nacional por S. Ex.mo Sr. Presidente do Conselho não esconde a mais leve dúvida, a mais pequena hesitação do Governo no seu devotado propósito de dominar o ano futuro com um orçamento digno das nossas responsabilidades e capaz de responder, o melhor possível, às expectativas mais ansiosas.
É com o perfeito sentido da gravidade que reveste o problema que vejo a minha atenção demorar-se naquela parte em que se recomenda a presença do ultramar português neste momento de batalha pela melhor orientação.
Depois de cada guerra, e com o andar, dos anos, mais se levantam o têm seguimento estranhas ideias sobre o destino das regiões atrasadas na posse dos países colonizadores.
Eu nem desejaria chamar colónias às províncias ultramarinas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Precisamos de rever, quanto antes, essa designação. Mas, e seja como for, o que importa é prolongar Portugal por elas dentro, aumentar lá o nosso sangue, a nossa, marca, e depois dizer aos outros que venham topar Portugal todo, aqui e lá, uno, grande e indivisível.
Importa isso, em ritmo acelerado, e pode ser que os recursos não cheguem, não cheguem para ganhar o tempo necessário. Através das fortes dificuldades- que se desenham e que exigem de nós tudo a bem do Ocidente, não sei mesmo como há-de ser.
Põe-se, na realidade, a questão do recurso ao crédito externo. E eu pergunto: hoje, passadas as duas últimas décadas, em que tivemos e usámos plena independência em relação a bolsas estrangeiras, não tem o País a mais sólida e a mais inegável posição no plano internacional?
Recorrer ao crédito externo, para ganhar tempo, será diminuir essa situação de relevo ?
Não vivemos no Mundo em regime de auxílios mútuos em face do perigo geral?
Não precisará cada país que os demais - os domais e todos do Ocidente - lhe assegurem a mais activa e profícua colaboração, tirada do seu volume de forças, com base no maior desenvolvimento das possibilidades nacionais de cada um?
Eu não tenho medo de um empréstimo externo negociado por Salazar.
No momento de partir da minha terra, para vir tomar parte nas sessões desta Assembleia, fui abordado por um trabalhador do porto, que me perguntou se sempre era verdade ir o Mundo para a guerra. Respondi-lhe que não sabia. Mas na alma daquele homem existia e fulgurava uma crença sem limites.
Salazar não deixa disse-me ele quando o navio ia já levantar ferro para se fazer ao mar.
Sr. Presidente: diante da imensa tarefa de reconstituição económica a levar a cabo, impreterível e urgentemente, na metrópole e no ultramar, admito a possibilidade de recorrermos ao crédito externo. Mas tenho também acesa no fundo da minha consciência, como aquele homem tinha no fundo da sua alma, a luz de uma fé que não se apaga.
Poderemos, se necessário for, aproveitar o crédito externo, que daí não virão embaraços para a nossa independência, e liberdade de movimentos.
Salazar não deixa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

Página 94

94 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 57

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será no dia 5, à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.
Convoco as Comissões de Economia e Finanças para segunda-feira dia 4, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Délio Nobre Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
Jorge Botelho Moniz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António de Sousa da. Câmara.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Rectificação

Por lapso não foram mencionadas no fecho do parecer n.º 11/V da Câmara Corporativa, sobre autorização das receitas e despesas para 1951, as assinaturas dos Dignos Procuradores José Joaquim do Oliveira Guimarães e Rafael da Silva Neves Duque.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×