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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 58

ANO DE 1950 6 DE DEZEMBRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 58 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 5 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Castão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 6 minutos.

Antes da Ordem do dia. - Foi aprovado sem reclamações o Diário das Sessões
n.º 56.Sobre o n.º 67 usou da palavra o Sr. Deputado Galiano Tavares para uma rectificação, o mesmo fazendo o Sn. Deputado Silva Dias.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Manuel Lourinho enviou para a Mesa um requerimento sobre o Teatro de S. Carlos.
Usaram da palavra os Sr. Deputados Nunes Mexia, sobre o restabelecimento do Ministério da Agricultura; Vás Monteiro, acerca de obras de fomento na Guiné, e Antunes Guimarães, sobre assuntos ligados aos caminhos de ferro e ainda para se referiu à inauguração de mais um curso de estudos económicos e financeiros na cidade do Porto.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, na generalidade, da lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1951.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Barriga e Abrantes Tavares.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Heis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.

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Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastâo Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 56 e 57 do Diário das Sessões.

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: o n.º 57 do Diário das Sessões, a p. 86, col. 2.ª, 1. 10.ª, insere um erro, que consiste em empregar a palavra a diplomacia» quando a palavra por mim referida foi «diplomania».
Suscito a V. Ex.ª a necessária correcção.

O Sr. Silva Dias: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao n.º 57 do Diário das S escoes a p. 85, col. l.ª, 1. 59.% onde se lê: «nova», deve ler-se: «uma».

O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação os mesmos números do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero-os aprovados com as rectificações apresentadas.

Vai ler-se o

Expediente

Exposição

r. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - As sociedades comerciais e os comerciantes em nome individual, com sede em Coimbra, abaixo assinados vêm, respeitosamente, expor e solicitar a V. Ex.ª o seguinte:

Pelo disposto no § 5º do artigo 9.º da Organização dos Serviços do Registo e do Notariado, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 37:666, de 19 de Dezembro de 1949, em discussão na Assembleia Nacional, foi estabelecido que:

Para o registo de direitos sobre automóveis é competente a conservatória correspondente à direcção de viação onde os veículos estiverem matriculados.

A disposição transcrita foi interpretada pela Direcção-Geral. dos Registos e do Notariado no sentido de que abrange não só os registos de matrícula e transmissões de propriedade de viaturas automóveis como também os registos de ónus e encargos sobre as mesmas.

Acontece que, salvo raras excepções, todas as viaturas automóveis entram pelas Alfândegas de Lisboa e Porto, sendo, por isso, matriculadas nas Direcções de Viação daquelas cidades.
Consequentemente, todos os registos sobre elas têm de ser efectuados nas Conservatórias do Registo da Propriedade Automóvel de Lisboa e Porto, únicas competentes, por força da transcrita disposição de lei.
A Conservatória do Registo da Propriedade Automóvel de Coimbra ficará a ser, portanto, e se aquela disposição for mantida, simples sucursal ou intermediária das suas congéneres de Lisboa e Porto.
Paralelamente, acontece também, como é do conhecimento geral, que as viaturas automóveis vendidas para a área de determinada conservatória são, em geral, posteriormente transaccionadas entre habitantes dessa área.
Dadas tais circunstâncias, lógico será que os comerciantes de Coimbra e da área da Conservatória desta cidade possam efectuar os registos respeitantes às viaturas que inicialmente foram vendidas para a mesma àrea na respectiva. Conservatória, pois que esta, de contrário, será praticamente inútil.
E certo que pelo disposto no n.º 25.º da Portaria n.º 13:082, de 1 de Março último, foi concedida a faculdade de serem apresentados nas conservatórias do registo predial ou em qualquer conservatória da propriedade automóvel os documentos para registo, «a fim de serem por elas (conservatórias intermediárias) remetidos oficialmente à conservatória competente», mediante o pagamento de uma taxa de emolumentos, paga aos conservadores intermediários (alínea c) do n.º 6.º da citada portaria).
A prática, desde a entrada em vigor da referida organização, tem evidenciado os prejuízos e grandes inconvenientes que resultam para os comerciantes e agentes de automóveis do facto de não poderem ser efectuados na conservatória da área onde exercem a sua actividade os registos sobre veículos automóveis que, inicialmente, foram vendidos para a mesma área; incon-

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venientes e prejuízos que necessariamente resultam da demora com a troca de correspondência entre as conservatórias, agravados quando, por qualquer motivo, os documentos são devolvidos do pagamento de taxas nas conservatórias intermediárias e ainda da dificuldade de obterem esclarecimentos, de que necessitam, nas conservatórias competentes. Isto é, não podem os suplicantes aproveitar-se das vantagens que deveria oferecer-lhes a conservatória da área onde exercem a sua actividade, vantagens que devem ter sido-as principais determinantes do pensamento a que obedeceu a criação das mesmas conservatórias.
E porque, no que respeita ao registo comercial, a Assembleia Nacional se manifestou contrária à centralização dos serviços dos respectivos registos nas conservatórias das capitais dos distritos, não se compreende que essa comodidade seja desprezada ao tratar-se da propriedade automóvel, tanto mais porque, quanto ao registo comercial, se justificava a centralização, com base numa melhor especialização e organização dos serviços de registo e na circunstância de as capitais de distrito serem os centros onde se realiza a grande maioria das transacções comerciais, designadamente as de maior vulto, e onde, por isso mesmo, mais interessa conhecer prontamente a situação dos comerciantes perante o registo comercial.
Do exposto, e considerando que a competência para a matrícula pertence às direcções de viação e para os registos às respectivas conservatórias, lógico será, parece, separar os dois serviços, tornando-os, tanto quanto possível, independentes.
Assim:

A competência das direcções de viação, dependentes do Ministério das Comunicações, continuaria a ser determinada pelo Código da Estrada e a das conservatórias da propriedade automóvel, dependentes do Ministério da Justiça, pela residência do primeiro comprador da viatura automóvel.

Concretizando o seu pensamento, usam os signatários sugerir o seguinte:

a) O primeiro averbamento no livrete de circulação será feito a favor de ..., na qualidade de importador, pela conservatória da sede da direcção de viação onde houver sido matriculada a viatura automóvel;
b) Para todos os registos e averbamentos futuros, quer de propriedade, quer de ónus e encargos sobre viaturas automóveis, será competente a conservatória a cuja área pertencer a residência do primeiro comprador, não sendo considerada como tal a entidade importadora, as suas sucursais ou agências.

No caso, porém, de se entender que haverá conveniência numa mais completa separação entre os serviços das direcções de viação e das conservatórias, sugere-se esta outra modalidade:

a) A favor da entidade importadora será passada pela direcção de viação da área em que a mesma entidade tiver o seu domicílio uma cédula de importação;
b) A cédula de importação será substituída pelo livrete de circulação, passado a favor do primeiro comprador do veículo automóvel pela conservatória em cuja área este for residente;
c) No caso de o veículo ser directamente importado por entidade não inscrita como importadora, a cédula da importação será remetida oficialmente pela direcção de viação à conservatória a cuja área pertencer a residência do eventual importador, sendo a cédula de importação substituída, desde logo, pelo livrete de circulação;
d) Para todos os registos ou averbamentos, incluindo os de ónus e encargos, será competente a conservatória onde tiver sido passado o livrete de circulação a favor do primeiro comprador, não sendo considerada como tal a entidade importadora.

Convencidos de que é justa a sua pretensão, solicitam, respeitosamente, os signatários a V. Ex.ª se digne sujeitar à apreciação da Assembleia Nacional, de que é digníssimo Presidente, as sugestões que têm a honra de apresentar.
Esperam deferimento.

Coimbra, 4 de Dezembro de 1950. - Os Suplicantes. (Seguem-se as assinaturas).

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma exposição da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, enviada a esta Assembleia por despacho do Sr. Presidente do Conselho, acerca das referências feitas em sessão desta Assembleia de 30 de Novembro último pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães, a qual, para elucidação da Câmara, vai ser transcrita no Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Por resolução desta Assembleia de 8 de Março deste ano, foi autorizada a cedência de um imóvel para instalação do Consulado da Rodésia do Sul na cidade da Beira ao Governo de Sua Majestade Britânica.
Surgiram posteriormente dificuldades em virtude de essa autorização ter sido dada a favor do Governo de Sua Majestade Britânica, conforme era solicitada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em vez de o ter sido a favor do Governo da Rodésia do Sul.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros, através da Presidência do Conselho, solicita desta Câmara a autorização de cedência do mesmo imóvel em favor do Governo da Rodésia do Sul.
O assunto vai baixar à Comissão dos Negócios Estrangeiros desta Câmara.

O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte

Requerimento

Roqueiro que, pelas administração e direcção do Teatro Nacional de S. Carlos, me sejam fornecidos com a máxima urgência os seguintes elementos:

a) Lista das óperas portuguesas representadas no Teatro Nacional de S. Carlos nos anos de 1949 e 1950;
b) Lista dos maestros portugueses cujas obras musicais tenham sido apresentadas ao público no Teatro Nacional de S. Carlos nos anos de 1949 e 1950:

1) Por conta do autor;
2) Por conta da administração do teatro.

c) Lista dos artistas cantores portugueses que tenham actuado no Teatro Nacional de S. Carlos nos anos de 1949 e 1950:

1) Se em óperas portuguesas;
2) Se em cartéis de artistas exclusivamente nacionais.

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d) Lista das óperas representadas no Teatro Nacional de 3. Carlos nos anos de 1949 e 1950;
e) Receita total em cada uma das temporadas de ópera no Teatro Nacional de S. Carlos nos anos de 1949 e 1950;
f) Despesa total em referência ao assunto e às épocas aludidas na alínea anterior;
g) Despesa total em cenários para a montagem e representação no Teatro Nacional de S. Carlos do óperas estrangeiras nos anos de 1948, 1949 e 1950;
h) Despesa total em cenários para a montagem e representação no Teatro Nacional de S. Carlos de óperas portuguesas nos mesmos anos, mas discriminando por cada um dos anos referidos;
i) Despesa total com guarda-roupa em cada um dos casos das alíneas g) e/*);
j) Número de lugares cativos existentes no Teatro Nacional ^ de 3. Carlos para as noites de representação de ópera e discriminação dos seus detentores.

O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: durante o interregno parlamentar um facto se passou a que não posso deixar de me referir.
Na remodelação ministerial que se levou a efeito houve alteração na orgânica das pastas do Governo e nessa alteração não foi atendida a pretensão da lavoura nacional de ver restabelecido o Ministério da Agricultura.
Afirmar a V. Ex.ª que o facto foi razão de forte desapontamento o de grande desânimo para a lavoura era uma obrigação que se me impunha e que não posso deixar de cumprir.
Cumpro-a hoje.
Devo começar pela afirmação de que no espírito da lavoura, ao pôr o seu desejo da restauração do Ministério da Agricultura, não pesa como motivo a simples aspiração de ter no Governo representação que estaria de acordo com o que a sua actividade representa no conjunto nacional.
A lavoura, pelo próprio ensinamento das suas condições de trabalho, pelo sentimento das realidades que tira do seu contacto com a terra, que tantas teorias se apraz em desfazer, tem em si própria uma noção real das coisas, que muitos confundem com rotina, o que talvez seja senso ou sentimento das realidades.
A sua aspiração vem, pois, de mais alto. Do seu sentimento, da noção que tem da importância da missão que lhe pertence no conjunto nacional, missão que de forma alguma pode estar sujeita a razões políticas, tomadas estas no significado de política de momento, ou a normas que de qualquer forma levem a perder-se a oportunidade ou a diluir as resoluções dos seus problemas. Esta é a razão fundamental da sua pretensão.
A diluição do Ministério da Agricultura no da Economia pode, em teoria, defender-se como forma de coordenar o sector económico sobre um comando único. São, contudo, tão vastas e tão diferentes, na essência, as respectivas funções, que a prática demonstra que, se podo ser útil para um dado momento, quando a necessidade de vencer uma crise aguda de perturbação aconselhe alheamento de condições de fomento ou outras, para se impor simplesmente uma situação de emergência, se mostra, pelo contrário, incapaz de corresponder às necessidades, embora auxiliado pela divisão em subsecretariados, quando haja que entrar francamente na realidade.
Cada um dos sectores que assim se aglutinaram tem problemas em que a função tempo ou oportunidade é de vida ou de morte. Não se compadece por isso, sem graves prejuízos, com demoras de soluções, motivadas pelos vários degraus que têm de subir, nem permitem que quem tenha de lhes dar solução não tenha acompanhado o problema desde a sua origem e por isso possa dele ter uma .noção de menos gravidade.
Evidentemente que se não compreende que não haja coordenação nas várias actividades que compõem o sector económico. Ela é indispensável, para que seja possível que do seu desenvolvimento e da sua obra de conjunto saia a criação da riqueza, sem a qual a grandeza da Nação, a melhoria da vida no País, a manutenção e necessário alargamento da nossa obra social serão puramente teóricas, e não as realidades que têm de ser.
Mas coordenação sem sujeições a um ou outro sector, sem sujeição a movimentos políticos de ocasião.
Coordenação, sim, mas em plano mais elevado. Coordenação que se estenda a todos os sectores da administração nacional. Não é, pois, por simples desejo de ter representação condigna no Governo que a lavoura deseja a restauração do Ministério da Agricultura. É porque ela sente que nenhum dos seus problemas fundamentais está inteiramente, conscientemente, resolvido.
E os seus problemas são problemas nacionais. Não está resolvido o nosso problema do pão. E esse foi na passada legislatura tão conscienciosamente exposto nesta Assembleia Nacional.
Não está resolvido o nosso problema das carnes. Não está o das gorduras. Não estão devidamente acauteladas as condições de sanidade na nossa riqueza florestal. Não temos orientação bem definida quanto a pecuária e seara.
Temos apenas para todos estes problemas princípios dispersos e sem ligação. E nenhum deles pode ser resolvido se se não libertar do significado político a sua solução.
E não há dúvida de que, pela mecânica do Ministério da Economia, aliada a um predomínio de preocupação política nos preços, não só se não resolveram, como se complicaram, em termos de a nossa economia geral o ter tido do pagar bem caro.
Por efeitos desse predomínio, sacrificámos as fontes de produção, não fomentámos, quando tão necessário era tê-lo feito, e o resultado foi o que não podia deixar de ser: para fomentar economias estranhas foram gastas, em grande parte e escusadamente, muitas das economias que a nossa feliz neutralidade nos permitira ou forçara a fazer.
Crises de trabalho agravadas, falta de colocação para, muitos, impossibilidades de justa remuneração para outros, foram consequência do caminho seguido ou por ele agravadas.
Evidentemente que não podíamos deixar de sentir os efeitos da perturbação que a guerra trouxe ao Mundo, mas não há dúvida de que as viemos a sentir mais agravadas justamente porque entrámos nesta época de perturbação despidos de reservas, tendo apenas de constatar o erro do caminho seguido e como era frágil a máquina que supúnhamos ter montado para lhes resistir.
Bem patente ficou o erro de se ter feito política, e não fomento.
Temos, portanto, além dos problemas a resolver, de refazer toda a nossa economia.
Não se diga, pois, que a tarefa que vem a caber ao Ministério da Agricultura não seja de molde a bem explicar o aumento de despesas que possa trazer como boa colocação do capital da Nação para o futuro da Nação.
Eu não creio que a acção de que necessitamos possa ser levada a efeito pelo Ministério da Economia. Por maior que seja a sua obra de construção, o seu interesse, duas razões hão-de sempre contribuir para o prejuízo das soluções. Primeiro, porque os interesses que engloba dentro de si são de tal forma divergentes, muito por erro dos

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homens é certo, quanto a soluções de momento, que muito da sua actividade e do seu tempo se há-de perder na própria luta interna. Segundo, porque, Ministério essencialmente económico, por motivo dessas lutas de interesse estará quase sempre condenado a ser Ministério político. O receio do predomínio de qualquer dos sectores que engloba levará muita vez a ir buscar ao campo político, e não ao económico ou técnico, quem haja de o reger.
Outra razão da sua possível ineficiência virá da própria vastidão dos assuntos que lhe estão entregues.
Com a restauração do Ministério da Agricultura a lavoura pretende:
Marcar no conjunto nacional, em perfeito respeito de todas as actividades, mas com plena consciência dos seus deveres e dos seus direitos, o lugar que de direito lhe pertence:

Conseguir que a orientação pura a sua acção lhe seja dada com oportunidade, de forma que se evitem, como tanta vez aconteceu, prejuízos agravados pelo atraso dessa orientação;
Ver definido com realismo, de acordo com a realidade de meio e clima, as suas condições de trabalho;
Conseguir deixar de se sentir na situação de lavoura miliciana, sem directriz definida quanto a pecuária ou seara, levada tanta vez, na preocupação de momento, a sacrificar trabalho de anos por falta justamente dessa directriz;
Libertar-se da formação antieconómica dos preços, do artificialismo dos diferenciais, que se podem explicar e são necessários para corrigir desníveis do momento, mas que, quando tornados permanentes, acabam por descompensar a economia agrícola dentro de si mesma, a contrariar a justa interdependência do valor dos produtos, a levar o consumidor a pagar os próprios benefícios e, por fim, a criar uma vida artificial, que acaba sempre por se pagar caro;
Conseguir ainda que sejam inteiramente para bem da economia nacional os próprios melhoramentos em curso, como barragens, electricidade, frigoríficos, assim como assistência técnica e financeira, que devem ser a base do nosso ressurgimento, mas que tanto podem resolver como criar problemas sérios. Podem e devem funcionar como elementos de criação daquela riqueza sobre a qual se há-de apoiar toda a nossa estrutura, se postos em condições económicas de se pagarem a si próprios. Podem, porém, ser razão de ruína se não obedecerem a um estudo cuidadoso as suas finalidades e possibilidades de amortização, pela justa consideração dos preços do que permitam produzir.
O Ministério da Agricultura tem de ter a sua acção bem enquadrada. no conjunto nacional, mas tem de estar liberto de sujeições emocionais de momento, porque a sua actuação vai muito para além do presente. Não pode nem deve ignorar esse presente, mas a sua obra será sobretudo julgada pelas gerações que hão-de vir.
Se não for assim, continuaremos a ver crescer as cidades e a abandonar os campos; a pretender fixar gente à terra e a contrariar essa pretensão, a criar problemas de extensão, de espaço, a sentir cada dia mais pequeno o País para nele cabermos todos e nas melhores condições; a sentir cada dia mais pesados e forçados os encargos tributários.
Continuaremos a viver uma vida artificial, fora do meio que Deus nos deu, vida artificial mesmo para além do que será humanamente possível corrigir com trabalho e técnica.
Tudo isto, pois, creio que bom explica a justiça da pretensão da lavoura, quando, ainda por cima, o momento internacional nos tem de levar à preocupação de por nós, e com todos os meios, procurar resolver tudo o que for possível, evitando repetir os erros do passado.
Porque a obra do Ministério da Agricultura tem de ter toda esta extensão temos de lho garantir todos os meios para a poder cumprir. Temos de levar para o campo connosco os agrónomos e os veterinários, temos de abandonar falsos conceitos, abandonar lutas estéreis, para, com uma directriz bem definida, se marchar abertamente, confiadamente, para o futuro.
Tenhamos sempre bem presente aquele conselho que um velho lavrador deu ao filho que iniciava a sua vida agrícola: «Pisa bem a terra que é tua e ela te ensinará o que tens a fazer».
Pisemos, pois, bem a nossa terra, pisemo-la com atenção e cuidado, e ela nos ensinará o que devemos fazer para que a nossa vida, a vida dos portugueses em Portugal, seja uma vida real e bem de acordo com as nossas verdadeiras possibilidades.
Sr. Presidente: não desejo, com as palavras que acabo de proferir, mais do que procurar trazer a esta Assembleia o que julgo ser o pensamento da lavoura, a sua aspiração. Não pretendo criticar a acção pessoal de quem quer que soja. Muito menos o faria agora, quando tantas boas vontades se mostram para que se saia da situação em que caímos, quando justamente em lugares de comando estão pessoas que tão bem conhecem os problemas da nossa terra.
Discordo da mecânica, e não das pessoas. Pretendo apenas que a estas sejam dadas todas as possibilidades para que a sua acção possa ser a que é tão necessária.
E porque bem sinto a pesada tarefa que tem de caber ao Ministério da Agricultura, a sua necessidade do sequência, não posso deixar de exprimir aqui mais uma aspiração:
Que essa sequência seja garantida pela criação de um conselho superior de agricultura, que, à semelhança do que acontece com as outras actividades, nos traga a certeza de que essa sequência será mantida para além da acção pessoal dos homens.
Não creio que Ministério e conselho superior contrariem a necessária organização da lavoura dentro da organização corporativa, tão limitada ainda, apesar de todas as promessas, e que tão necessária é que se complete.
E termino, Sr. Presidente, repetindo a afirmação que há pouco fiz. Não pretendo criticar a acção de ninguém, pretendo apenas que aos homens sejam dadas todas as possibilidades para que a sua acção possa bom ser - a bem da Nação.

Vozes - Muito bem, muito tem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: é notával e digna dos maiores louvores a acção que o Estado tem desenvolvido em prol das nossas províncias do ultramar.
Pelo Ministério das Colónias trabalha-se activamente para se alcançarem os objectivos da nossa política ultramarina, tanto no que diz respeito a fazer evoluir os povos nativos no sentido de os assimilar à nossa civilização e trazer até ao nosso nível, estreitando cada vez mais os laços de contacto entre indígenas e metropolitanos, como no aproveitamento das possibilidades e recursos das nossas províncias de além-mar.
Esta actividade do Ministério das Colónias é extensiva a todas as províncias do ultramar, mas hoje eu desejo referir-me sómente a duas grandes obras, em plena execução na Guiné, e em que a metrópole tomou para si o encargo da direcção técnica o do auxílio financeiro.

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Há longos anos que a província ultramarina da Guiné se debate na conquista de duas grandes aspirações: a construção de um cais acostável no porto de Bissau e de uma ponte que ligue a ilha com o continente.
Estes dois ambicionados melhoramentos são absolutamente necessários ao desenvolvimento económico daquela província, à comodidade e segurança dos passageiros que têm de atravessar o canal do Imperial e até à urbanização, salubridade e higiene da cidade de Bissau; mas tais melhoramentos são duas grandes obras de engenharia que, além de serem muito dispendiosas, são também de difícil realização pelas dificuldades técnicas que apresentam. E foi devido a estas ponderosas circunstâncias que a província teve de esperar muitos anos antes que se vissem iniciar os trabalhos de construção daquelas duas importantes obras de engenharia.
Para se fazer ideia da necessidade imperiosa que há na construção da obra portuária de Bissau, e muito especialmente da sua ponte-cais, bastará dizer que é pelo porto de Bissau que se faz a maior parte do movimento comercial de importação e exportação de toda a província da Guiné. Ora, presentemente, este movimento é não só demorado e dispendioso como tem ainda os inconvenientes que resultam da baldeação dos produtos e mercadorias, porque tanto a descarga como a carga têm de ser feitas para lanchas e batelões, visto que os navios fundeiam ao largo. Torna-se, portanto, muito necessária a construção da ponte-cais no porto de Bissau.
E de justiça notar que esta grande aspiração! Guiné já foi satisfeita, mas apenas durante um número de anos que não atingiu três dezenas.
No tempo do governador Carlos Pereira foi construída por uma firma estrangeira, de 1913 a 1915, uma ponte acostarei, em T de cimento armado. Esta ponte teve apenas a duração aproximada de vinte e cinco anos para o serviço de acostagem dos navios de longo curso, pois foi fechada ao serviço destes navios em 2 de Fevereiro de 1940, quando se encontrava já em estado de não poder ser acostada, por ameaçar iminente ruína.
A partir desta data muito se fez sentir na Guiné a falta da ponte-cais de Bissau. E que nós só reconhecemos verdadeiramente os bens que usufruímos depois de os ter perdido.
Sr. Presidente: foi então que o Ministro das Colónias Dr. Francisco Machado promoveu que fosse à Guiné, em 1942, o engenheiro Henrique O'Donnell para colher os elementos necessários e proceder ao estudo das obras a realizar no porto de Bissau.
De então para cá foi preciso despender bastante actividade para se completar o estudo, elaborar os projectos e conseguir os meios necessários à realização de uma obra de extraordinária importância para o progresso económico da Guiné.
Coube a merecida honra ao então governador daquela província ultramarina, comandante Sarmento Rodrigues, de presidir, em Bissau, à cerimónia solene, que se realizou no dia 10 de Julho de 1948, para dar inicio aos trabalhos de construção da obra portuária de Bissau.
E a honra e alegria que aquele governador sentiu nesse dia foram bem merecidas, porque ele dera o máximo do seu esforço para que esta obra grandiosa viesse a ter o seu começo de execução.
No mesmo dia, o mesmo governador presidiu a outra cerimónia, no local denominado Ensalmá, para solenizar o início dos trabalhos de construção da ponte levadiça que ligará a ilha de Bissau ao continente.
Esta ligação sobre o Imperial deve ter sido um dos problemas mais discutidos na Guiné, devido à sua imperiosa necessidade.
E permanente e muito grande o movimento diário que se faz entre a ilha e o continente através do canal do Imperial. A travessia faz-se, presentemente, em vários pontos do canal, mas a da Nhacra é a mais importante, tanto pelo transporte de peões como de automóveis e camiões de carga.
Nesse local a travessia é feita numa jangada com pessoal de serviço permanente a cargo da circunscrição civil de Mansoa, mas tal meio de transporte, nem sempre isento de desastres fatais, é muito contingente, porque torna a travessia demorada, perigosa e dependente das marés. Foi por isso que o problema da travessia do Imperial constituiu sempre uma das grandes preocupações dos governadores da Guiné, e alguns tentaram dar-lhe solução.
É muito conhecida a tentativa do governador Teles Caro, que pretendeu, com uma obra de grande envergadura, atravessar o Imperial na ponta do Cumeré. Ainda hoje existem vestígios bem patentes de tal empreendimento e ainda se faz diariamente na ponta do Cumeré a travessia do canal por meio de canoas indígenas conduzidas por marítimos que vivem de transportar passageiros naquele ponto do canal.
Em consequência dos estudos realizados noutros pontos do canal, foi posta de parte a ideia de localizar a ponte no Cumeré. E foi assim que no tempo do governador Leite de Magalhães se decidiu que a ponte fosse construída no local denominado Ensalmá. Elaborado o respectivo projecto, procedeu-se em 1931 à cerimónia solene do batimento da primeira estaca, que ainda hoje, decorridos dezanove anos, se encontra cravada e abandonada no lodo da margem do Imperial.
A este importante problema da ponte que deverá transpor o canal dedicou também especiais cuidados o governador Carvalho Viegas, que sempre se manifestou, devido às dificuldades técnicas, no sentido de os estudos e trabalhos serem entregues a engenheiros especializados e, trabalhando com essa boa orientação, este governador ainda chegou a obter um projecto da autoria do engenheiro Sanches da Gama, que foi gratuitamente elaborado e se destinava a ser a ponte construída no local de Ensalmá.
Este salutar princípio da especialização, tanto na elaboração do projecto como nos trabalhos da construção, foi realmente satisfeito no tempo do governador Sarmento Rodrigues, pois o projecto foi apresentado pela Direcção-Geral de Fomento Colonial, elaborado por um engenheiro português de reconhecida competência, projectado o tramo móvel por um professor engenheiro espanhol e entregue a execução da obra a uma empresa portuguesa especializada.
Tudo está, pois, assegurado para que a ponte possa ficar concluída em 1951, em condições de oferecer todas as garantias de segurança. E o canal ficará livre à navegação, pois o vão útil do tramo móvel, medindo 12 metros, permitirá muito folgadamente a passagem de embarcações que navegam pelos canais da Guiné.
A demora que tem havido na execução desta ponte deve-se atribuir às alterações que se fizeram no sistema das fundações dos pilares e no aumento da primitiva largura do tramo móvel e a deficiências que sempre surgem aos empreiteiros nos meios coloniais, onde é grande a falta de recursos.
Porém, presentemente, tudo leva a crer que tanto a ponte do Imperial como a ponte-cais do porto de Bissau deverão estar concluídas dentro dos prazos ultimamente estabelecidos. E assim é para crer, sabendo que se encontra actualmente como governador da Guiné o capitão de engenharia Raimundo Serrão, com larga experiência colonial, que muito poderá impulsionar o regular andamento daquelas obras.

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Mas não podemos deixar de dizer que a maior garantia que nos pode ser oferecida para a conclusão das obras é a cuidadosa atenção que lhes dispensa o titular da pasta das Colónias. Ainda recentemente o comandante Sarmento Rodrigues, numa visita que fez, revelou, com a sua presença e com a sua palavra, o interesse que dedica às obras de Angola e da Guiné que se estão a fazer, em Cabo Ruivo, nas oficinas da empresa adjudicatária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Como Deputado eleito pela Guiné, daqui manifesto ao Sr. Ministro das Colónias os agradecimentos que lhe são devidos pela sua profícua actuação para que a mais antiga das nossas províncias ultramarinas seja dotada durante o próximo ano com os dois grandes melhoramentos de que muito necessita e há tantos anos aspira ver praticamente realizados.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: embarquei hoje na estação de Campanhã às 9 horas e 20 minutos, para chegar ao Rossio cerca de um quarto de hora após as 14.
Viagem rápida e confortável.
A chegada à capital, que durante muito tempo, e quando não havia atrasos, se verificava cerca das 13 horas, foi pelo novo horário retardada uma hora e dez minutos, o que não é indiferente.
Além de reduzir a permanência na cidade de Lisboa, onde uma centralização exagerada, mas evitável, obriga toda a gente a vir amiudadamente para resolver assuntos correntes, mas que bem poderiam e deveriam sê-lo nas terras da província, e isto justamente nas horas de maior actividade, determina a maioria dos passageiros a almoçar no comboio, o que não é desagradável, mas leva a uma despesa que anda à volta de 50$.
De um passageiro a quem os assuntos ferroviários não ..são alheios ouvi a explicação de que aquela alteração horária parecia justamente filiar-se na conveniência de se conseguir clientela, na sua viagem matutina Porto-Lisboa, para o retorno do vagão restaurante utilizado na viagem nocturna Lisboa-Porto, cujo horário, fixado das 19 horas e 20 minutos às 24 horas, aconselha a conveniência de ser ali servido o jantar, que não seria cómodo antes da partida ou após a chegada.
É uma explicação e até aceitável, se considerado isoladamente o caso daqueles magníficos comboios, que às terças-feiras, quintas-feiras e sábados proporcionam rápida e cómoda viagem a tantos que da região nortenha são forçados a deslocar-se à capital.
Mas se o problema dos vagões-restaurantes, melhor dizendo, do fornecimento de refeições à generalidade dos viajantes, for considerado no seu vasto conjunto, o caso mudará de aspecto, porque o resultado final da exploração não forçaria a alterar horários ferroviários com agravo dos altos interesses dos passageiros.
A gente nestas viagens, apesar de serem rápidas, aprende muito.
Notei logo de entrada o número escasso de passageiros.
E o mesmo ilustre companheiro de viagem foi comentando que houvera quem pensasse na supressão daqueles utilíssimos rápidos, mas que, felizmente, no conselho de administração da Companhia triunfara o voto favorável à sua manutenção.
Critério acertado, porque a exploração ferroviária deve considerar-se não sómente em todo o seu conjunto, mas devidamente integrada no magno problema dos transportes, cuja solução tem de ser presidida pela necessidade de bem servir o vasto conjunto de interesses nele envolvidos, isto é, o progresso da economia nacional e o bem-estar da população.
Aquando da minha passagem pelo Governo foram criados impostos de camionagem, sobre gasolina, pneus e outras incidências, e logo se pensou, com o grande montante dos fundos assim reunidos - que já se mede por centenas de milhares de contos- fazer face não sómente às despesas inerentes ao capítulo rodoviário, mas à cobertura de deficits de exploração ferroviária, conservação, actualização e desenvolvimento da respectiva rede e diverso material fixo e circulante, sem o que os nossos interesses económicos e populacionais não seriam devidamente acautelados.
Mais tarde, já no exercício de funções de Deputado, tive a honra de propor a nacionalização dos caminhos de ferro, o que, por poucos votos, esteve quase a vingar.
E o decorrer dos anos vem demonstrando que melhor seria que a minha proposta tivesse então sido aprovada.
Sr. Presidente: muito se aprende nestas viagens!
Fui registando o bom aspecto das pastagens, aliás confirmado pelo porte sadio do gado de trabalho o leiteiro que se ia encontrando por toda a parte, mas acentuadamente na região lacustre aveirense, no vale do Mondego e por todo o Ribatejo.
E com marcado interesse e incontestável proveito trocaram-se impressões entre Deputados, Procuradores e outros viajantes ilustres.
E chegou ainda o tempo para ler os jornais. Assim, logo na primeira página de um deles pude ler que ia ser publicado um decreto-lei sobre a reorganização dos serviços dos Municípios de Lisboa o Porto.
Matéria de grande importância e actualidade, que me interessa particularmente pelo grande reflexo que não deixará de ter na administração municipal da capital do círculo eleitoral do Porto, que tenho a honra, juntamente com outros ilustres Deputados, de representar nesta Assembleia Nacional, imediatamente fui lendo o extenso diploma, mas a circunstância de ele dever ser submetido à nossa apreciação fez me deixar para depois o seu estudo e critica.
E li também o relato da primeira lição proferida na Associação Comercial do Porto para inauguração do 4.º curso de estudos económicos e financeiros, inaugurado há alguns anos sob proposta inteligente e oportimíssimo do ilustre director daquele antigo o prestigioso organismo associativo, Sr. Pedro Maria da Fonseca, desde logo acarinhada pelos seus distintos colegas, que trabalham sob a presidência do prestigioso portuense Sr. António Calem e, de uma maneira geral, pelo exército de trabalhadores de todas as categorias que desenvolvem suas actividades prestimosas nos vastíssimos sectores económicos.
Recordo que o 1.º curso fora regido pelo catedrático de Direito da Universidade de Coimbra Doutor Teixeira Ribeiro, o 2.º pelo catedrático, também de Direito, Doutor Rui Ulrich e o 3.º pelo distinto professor da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra e notável economista Doutor Pacheco de Amorim.
Para a regência do 4.º curso, agora iniciado, foi acertadamente escolhido o catedrático da Universidade do Porto Sr. Engenheiro Daniel Barbosa, nosso muito ilustre colega.
O número de alunos inscritos, na continuação da afluência registada nos anos anteriores, é elevadíssimo, demonstrando mais uma vez o alto interesse que os estudos económicos e financeiros merecem à importante população portuense ligada às actividades económicas.
Esta insistente e cada vez mais acentuada frequência demonstra a necessidade de uma Faculdade de Ciências

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Económicas e Financeiras na cidade do Porto, o que não seria difícil nem criaria encargos incomportáveis, certo como ó poderem aproveitar se instalações e professorado já existentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Notei o optimismo animador com que o ilustre prelector, ao tratar do problema da demografia, encarou a hipótese de no ano 2000 a nossa população atingir os 15 milhões, para cuja instalação e alimentação ainda dispomos de muito espaço, tanto na metrópole como nas províncias ultramarinas.
Tudo se cifrara em organizar e trabalhar bem, tendo o ilustro catedrático e nosso muito prezado colega dissertado proficientemente sobre tão importante matéria.
Fui recordando que nas considerações com que Oliveira Martins precedeu o seu projecto de lei sobre reforma agrária se aludo ao censo populacional realizado na Lusitânia nos remotos tempos dos imperadores romanos.
Ali se diz terem-se registado cerca de 4 milhões de chefes de família, o que aproximaria a respectiva população de 20 milhões.
Aquela nota tem sido apreciada com cepticismo; mas o que se vai passando em matéria demográfica, na qual se regista um aumento anual da ordem dos 100:000 habitantes, leva-nos a ir habituando o nosso espírito a que os legisladores e estadistas futuros terão de ir preparando as coisas para que todo o vasto e importante potencial encerrado no território português possa ir sendo utilizado com ciência e perseverança, para que os vindouros encontrem na Pátria Portuguesa o preciso para aqui viverem felizes.
Sr. Presidente: para findar, por hoje, as minhas considerações, permita-me que reedite a citação feita pelo ilustre conferente duma grande verdade afirmada por um professor de Manchester:

O coração deve intervir a par do raciocínio para resolver os problemas económicos, que, fundamentalmente, são de ordem social.

Eu entendo que na resolução não somente dos problemas económicos, mas de qualquer ordem, ao lado do cérebro tem de intervir o coração.
O homem sem coração seria um monstro.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei do autorização de receitas e despesas para o ano de 1901.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Barriga.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: os Beirões gostam de louvar, mas gostam também de criticar quando necessário, com a mesma independência, com o mesmo são e corajoso critério de justiça; é esta franqueza que faz a sua força, o valor dos seus louvores e críticas.
Apreciar como português e patriota o nosso sistema financeiro, que, embora demasiadamente clássico, fez já largamente as suas provas na prosperidade e na crise, mas reconhecer que precisa duma sistematização renovada, ágil para este período de guerra larvada, de alta de preços pela emergência que infelizmente estamos atravessando.
Lembremos os nomes do Sr. Prof. Salazar, para o felicitar pelo seu magistral relatório sobre a reconstituição económica, que vale pelo seu conteúdo e pelas realidades que traduz, embora dissentindo da forma maciça como se efectuou o nosso rearmamento numa época de plena e rápida evolução tecno-estratégica, não obstante compreendendo todos os melindres e argumentos que se podem antepor justificadamente contra a minha divergência e sem deixar de prestar justiça ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, pelo esforço patriótico despendido a favor do nosso exército e do levantamento do seu respectivo nível moral e técnico; do Sr. Prof. Lumbrales, que deixou uma obra que não será fácil esquecer, pela honestidade com que foi concebida e executada; do Sr. Prof. Fernando Emídio da Silva e da bela lição que constituiu o seu parecer do ano passado, e da saudosa camaradagem do Sr. Doutor Águedo de Oliveira, a quem devemos a apresentação a tempo e horas da proposta da Lei de Meios e que merece o nosso inteiro aplauso por esse esforço de renovação.
Saudemos o relator do parecer da Câmara Corporativa, Sr. Dr. Supico Pinto, cuja vivacidade de espírito é desnecessário encarecer.
Todo o defeito e desactualização duma técnica orçamentológica que fez o seu tempo se reflecte na limpidez da proposta.
A actual técnica contabilística não empresta à extensão inevitável das funções do Estado os meios para uma regular arrumação das suas contas e previsões financeiras.
A Constituição não fala em despesas, receitas e orçamentos ordinários e extraordinários; essas nomenclaturas têm, apenas um valor regulamentar e fizeram o sen tempo.
A Constituição o que se refere é a despesas permanentes; o alargamento das funções do Estado permanentizou despesas que antes se apresentavam como de emergência.
Começaram a desaparecer nas técnicas modernas de contabilidade pública os termos orçamentológicos «ordinário» e «extraordinário», substituídos vantajosamente pelas designações «orçamentos de administração» e «investimentos», deixando as despesas que rompem subitamente da necessidade premente das circunstâncias de emergência para um orçamento com esse nome.
A problemática do equilíbrio orçamental faz-se em termos diferentes: para o orçamento de administração, o velho equilíbrio quantitativo e financeiro, para o caso de o qualitativo ou de estrutura não poder ser atingido; para o de investimentos, o económico, isto é, a produtividade das despesas; para o de emergência..., o que for possível económica e financeiramente.
O problema orçamental português tem um ponto de gravidade extrema: a desconstitucionalização, pela fuga das parafinanças da obrigatória orçamentação a que clarìssimamente as adstringe o artigo 63.° do nosso estatuto fundamental.
Previdência e organismos corporativos e de coordenação económica formam uma constelação, melhor dizendo, uma nebulosa de fundos, vivem feudalmente à margem da contabilidade, ombreando .quantitativamente com o Orçamento Geral do Estado. É este problema que temos do encarar com seriedade.
O «subestado» previdência orçamenta as suas receitas em mais de l bilião de escudos - a quarta parte das receitas gerais do Estado e quase o montante das suas contribuições e impostos. Gasta mais do dobro que a assistência o saúde pública e, conjuntamente com estas, tanto como a educação nacional.

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Os organismos de coordenação económica e corporativos recebem mais - só contando as taxas e abstraindo dos lucros comerciais - do que o que se gasta no Ministério da Economia. Os fundos, Sr. Presidente - sabia-me tão bem um diminuitivozito, mas já tenho a amarga experiência regimental do Fundo de Teatro, ou um aumentativo, lembrando o meu concelho natal, mas fugindo da tentação anti-regimental! -, dizia eu, os fundos especiais constituem nessa constelação parafinanceira, contabillsticamente, umas nebulosas - honni sott qui mal y pense-, que, orçamental e astronòmicamente, vemos de longe e que felizmente a Câmara Corporativa, e sem pretensão de indicar todos os que vigoram», conseguiu numerar até 68. Precisamos energicamente -vá lá de reusar o meu neologismo- de «ressalarizar» as parafinanças: um 26:115 e uma boa contabilização e fiscalização- isto para começar; depois a criação duma intendência dos orçamentos destas instituições.
Vamos a outro problema: o rendimento nacional.
Claramente se evidencia que quanto maior extensão tomar o sector público na economia nacional mais cresce a importância do orçamento no quadro económico.
O Estado não pode racionalizar as suas posições económico-financeiras, abstraindo dos dados fundamentais e gerais que dominam a economia nacional. Não pode fazer empirismo orçamental, tem de fazer a racionalização económica do orçamento, ajustando este aos dados económicos fundamentais.
O intervencionismo estadual desgastou universalmente essas regras dominantes, pela multiplicidade dos organismos intermediários, por uma fiscalização opressiva de preços e de câmbios, por uma rebusca incessante do pleno emprego; dizia eu que esses agentes de desagregação agiram comparavelmente ao que sucede na erosão das rochas.
Rendimento nacional que já traduz uma realidade na América do Norte, na Inglaterra, no Canadá, na Nova Zelândia, na Suécia e na Noruega, e doutrinalmente na França, na Suíça, na Bélgica e na Itália; mas é uma expressão equívoca e cambiante e que não vem esclarecida na proposta e a que o relator da Câmara Corporativa substitui pelo binómio «realidades económicas», salvo o devido respeito, muito mais equivoco e fora de uma boa linguagem técnica.
Falando em rendimento nacional, havia que prestar homenagem ao Sr. Prof. Luís Viegas, que foi o primeiro que o esboçou teoricamente em Portugal, ao nosso colega Sr. Araújo Correia, que desenhou numa boa tentativa para a consecução deste desiderato, e ao Dr. Amaro Guerreiro, que labutou nas dificuldades dos desdobramentos dos respectivos dados.
O estabelecimento do rendimento nacional havia de ser precedido por uma boa contabilidade nacional, retrospectiva e prospectiva; havia ainda que esclarecer a óptica empregada: produto, rendimento ou despesas; o seu método de avaliação; a opção entre a macro e a microeconomia, entre a estatística dos números globais e o inquérito discriminativo das economias domésticas ou das empresas.
Havia que evitar a duplicação na vertical dos preços, das quantidades ou dos valores.
Haveria que destrinçar o equipamento das reparações ou dos gastos amortizados; o capital do rendimento e, neste, o capital real do fiduciário, o mobilizável do imobilizável, o rendimento do investimento; a poupança e o consumo, o nível de vida real e nominal.
A um tempo, difícil, perigoso e útil o estabelecimento da noção de rendimento nacional; difícil, pela prospecção dos elementos primários em que se desdobra ou compõe; perigoso, quando mal determinado, pelas consequências fiscais que acarreta, e útil, porque, bem elaborado, conduz à justiça fiscal.
Para um dirigismo, pode transformar-se num mau instrumento de planificação e de fiscalidade, quando o seu melhor valor é ser um óptimo instrumento de trabalho.
No n.º 18.º do parecer, perdoe-me o ilustre relator, há uma certa confusão entre mais valia e enriquecimento.
Mais valia tem um significado de fracção; o enriquecimento tumefica um património.
O enriquecimento não se dá pela pletora dama desvalorização monetária senão quando ele ultrapassa o coeficiente médio" da degradação fiduciária; só então é que deve ser absorvido pelo imposto. Não se dá também sempre quando o intervencionismo produz quebras na hierarquia e no quadro dos valores económicos. Mas há enriquecimento, à certa, quando a urbanização, quantiosamente suportada pela comunidade, beneficia o património individual.
Quanto à restrição do provimento das vacaturas do quadro do pessoal, parece-me mais um mero expediente de ocasião do que um maior esforço útil para racionalizar os serviços do Estado.
Quanto aos vencimentos dos funcionários públicos, julgo de imperiosa e inadiável necessidade o Governo proceder à revisão dos seus vencimentos, tão criteriosamente categorizados e graduados pelo Decreto-Lei n.º 26:115, que se acha agora desierarquizado, desactualizado e envelhecido, pelas profundas modificações que se operaram no estalão de vida nacional nos diversos sectores ou camadas sociais nos anos decorrentes após a publicação desse decreto; pelo confronto sugestivo com os vencimentos e quadros dos organismos de coordenação económica e corporativos; pela criação de uma hierarquia de técnicos, resultante da extensão hodierna das funções do Estado; pela obliteração, imposta pelas circunstâncias, das disposições restritivas de acumulações.
A situação económica aflitiva dos pequenos funcionários, dos aposentados, das pensionistas, dos professores de instrução primária e dos funcionários técnicos alfandegários e a desigualdade em que estão os magistrados e os professores de ensino superior deve merecer ao Governo a maior atenção.
Voltarei ao assunto quando se discutir esta proposta na especialidade.
A situação dos construtores que não especularam e que presentemente não podem vender os seus prédios senão a preços inferiores aos da construção é também angustiosa; têm de ser amparados pelo Governo, prorrogando o prazo da isenção.
O volume da produção e o nível de vida de um país depende das riquezas naturais que tira do seu solo e subsolo.
Será possível pela venda do trabalho incorporado na transformação dos produtos suprir o que nos falta?
Em que medida e em que preço a insuficiência dos nossos recursos pode ser compensada pelo trabalho e pela troca internacional?
Em que proporção a produção eléctrica hidráulica lusitana, exigindo exaustivamente grandes capitais para a sua instalação, embora poupando-os nos fundos de maneio da exploração, em relação à térmica, desequilibrou o mercado de capitais portugueses e precipitou uma crise de investimento?
Ninguém com mais autoridade que o nosso colega Sr. Araújo Correia, com mais vivacidade que o Sr. Deputado Vieira Barbosa, com mais imaginação que o Digno Procurador Sr. Prof. Ezequiel de Campos e com mais segurança do que o Sr. Prof. Ferreira Dias poderá manifestar-se sobre o assunto.
Finalmente, espero que o Sr. Ministro das Finanças, com a sua bondade natural e com o seu fino tacto de político, reserve no orçamento de 1951 umas verbas para executar a lei de amnistia, para que se não possa dizer

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que, por seu turno, foi amnistiada, no pleno sentido etimológico da palavra.
Resumindo e vincando, procurarei demonstrar que o envelhecimento de uma terminologia e a desactualização do seu significado vinham perturbar a problemática do orçamento português e da necessidade de substituir as designações do orçamento ordinário e extraordinário pelas de administração, investimento e emergência.
Salientei que a crise da estrutura orçamental portuguesa evolucionou à margem dos princípios constitucionais, permitindo as parafinanças viverem descontabilizadas, largos anos descontroladas, no sentido puramente técnico da palavra, e notoriamente desorçamentadas.
Nem por mim aflorou a ideia de pôr em dúvida a honestidade dos dirigentes das parafinanças, mas sinto, como português, com toda a autoridade que me empresta a minha própria posição política de independência, pena de que esse sector deixasse a ideia ao Pais que nunca por lá se demorou muito Salazar.
Quero exceptuar os dedicados que fazem o prestígio das instituições que servem e que são mais numerosos do que se pode pensar, sobretudo nos organismos de coordenação económica; quero acentuar que, à parte essas excepções, a tecnocracia em Portugal está muito traduzida, como diria o Eça de Queirós... em calão, e... não venha a ideia a esta Assembleia de que eu quis utilizar esse vocábulo no seu duplo valor terminológico. As parafinanças, com o seu orçamento de receitas que ombreia com o do Estado, não têm uma eficiência correspondente às suas despesas. Creio que todos o reconhecem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abrantes Tavares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: sinto-me embaraçado ao cumprir, mais do que um mero acto protocolar, uma obrigação que, pelos talentos e virtudes de V. Ex.ª, pelo acerto e maleabilidade com que há tantos anos dirige os trabalhos desta Câmara, todos sentimos e não enjeitamos.
Não sei como o faça. De V. Ex.ª já tudo está dito, e repetir monotonamente o que V. Ex.ª já escutou milhares de vezes nem acrescenta nada aos seus reconhecidos méritos, nem se faz sem algum constrangimento. V. Ex.ª vai, certamente, permitir-me que lhe reafirme apenas, mas calorosamente, o testemunho da minha muita consideração, estima e respeito.
Para VV. Ex.ª, Srs. Deputados, vão também as minhas cordeais saudações e cumprimentos.
Não se estranhará, por certo, que, envolvendo-os a todos na mesma consideração e estima, peça licença para dirigir ao maior de todos nós uma palavra de evocadora saudade e da mais alta consideração. Será como se, recuando bons vinte anos, a aula universitária se prolongasse sob as arcarias da Via Latina, à luz suave e quente do meio-dia coimbrão. Esta Coimbra doutora é uma chaga viva que nos penetra a alma e nela fica doendo por toda a vida. Nas horas do quebranto, emergindo dos longes da distância, Coimbra ressurge, acenando-nos para um regresso impossível. Há tantos anos já que tudo isto lá vai, Dr. Mário Figueiredo!
Já o tempo e a vida acrescentaram mágoas e feriram!
Há tanto tempo! ...
Todavia, sobrepondo-se a tudo, quando os que andaram por Coimbra se topam sente-se a presença real e viva da sua «escola» ligando-os indissoluvelmente. E vêm então as recordações, renovando emoções antigas.
Ao subir a esta tribuna senti o arrepio de quem se apresenta a cactos. E, para mais, eu sabia que teria sobre mim os olhos amigos, mas inquisitoriais, do velho mestre. Espero, contudo, post tot tantosguz labores, a costumada benevolência da tradição escolar.
Quando às vezes oiço os apartes vivos e sacudidos do Dr. Mário de Figueiredo surpreendo-me, mas breve me refaço da surpresa.
Já nas aulas era a mesma coisa.
Discorrendo com elevação e brilho, mas sem afectação, o Dr. Mário de Figueiredo desdobrava diante do curso o jogo dos seus raciocínios, afastando argumentos, propondo novos caminhos, que depois abandonava, para, afinal, chegar à solução. Desta maneira dava às suas lições um sentido directo e comunicativo, como se fosse um de nós no quarto da «república» preparando a lição para o dia seguinte. Assistindo ao desdobrar dos raciocínios do mestre aprendíamos a abrir caminho para as soluções. Este modo de ensinar fazia o encanto dos cursos e prendia a atenção dos alunos.
Às vezes acontecia que o mestre argumentava com vivacidade, como se estivesse travando azeda polémica com um suposto adversário. Temperamento de lutador, servido por uma dialéctica vigorosa e pronta, o Dr. Mário de Figueiredo estimulava-se, dando mais vida à sua palavra fácil, para elevar à máxima tensão as suas enormes faculdades de argumentador.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aqui é o mesmo. Quando intervém sacudida e vivamente, não o faz para ferir ou magoar, mas para se estimular e dar às suas faculdades o máximo de vigor. E lutando ou criando para si próprio um ambiente de luta imaginada que o Dr. Mário de Figueiredo dá a medida do seu brilhantíssimo talento.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Muitos, ao vê-lo fremente de entusiasmo e reparando naquele sólido corpo de beirão, tê-lo-ão julgado um mata-mouros. Nada mais errado. O Dr. Mário de Figueiredo é de uma delicadeza que constrange e, no fundo, um emotivo. Sei o que isso é. Aquela serra áspera e escura, aquela terra arrepanhada, brava e madrasta, deixam em todos os que nela nasceram e cresceram uma emotividade fácil, ao mesmo tempo que, pela luta diária a que os submetem, desenvolvem o gosto de vencer, a tenacidade que não cansa e certo pendor para a concentração interior.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Vindo também da montanha e da sua brava gente, os anos de convívio de mestre e discípulo e depois de amigo cedo- me levaram a discernir o que muitos não terão entendido ainda.
Trocou a cátedra pela política. Fez bem? Fez mal? Não sei responder, mas sei que na política é ainda o professor dando lições de aprumo, austeridade e desinteresse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Talvez por isso a política nem sempre lhe tenha dado as satisfações morais que esperava. Satisfações morais, disse, porque, honra lhe seja, as satisfações materiais nem as procurou nem as quis nunca.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Aceite, pois, o velho e querido mestre as homenagens do desaproveitado discípulo que a sua amizade sempre distinguiu e honrou.
Sr. Presidente: na sessão de 29 de Novembro o ilustre Deputado (Sr. Melo Machado, ao apreciar a Lei de Meios para 1951, fez os seus reparos ao facto de a Colónia Penitenciária de Alcoentre explorar as indústrias que, com as suas próprias palavras, passo a enumerar: cerâmica -produzindo telha e tijolo-, fornos de cal, lagar de azeite, alambique para o fabrico de aguardente de bagaço e ainda uma máquina debulhadora.
Ao considerar a lista incompleta das actividades industriais daquela Colónia Penitenciária -e já veremos que está incompleta - é-se levado a crer que o Sr. Deputado Melo Machado, pondo em último lugar a propriedade e exploração de uma debulhadora - in cauda venenum - quis dar a esta maior relevo, destacando-a do cervo das outras actividades, igualmente maléficas e condenáveis. E. na verdade, creio ser esta máquina a causa (próxima das queixas de que o ilustre Deputado se fez eco.

O Sr. Melo Machado: - Aí está V. Ex.ª enganado.

O Orador: - Eu não afirmei; apenas disse crer.
A referência incidental e breve que o ilustre Deputado reservou, no seu longo e bem cerzido discurso, ao caso da Colónia Penitenciária evidencia, por um lado, que S. Ex.ª a fez para se desonerar da obrigação política de trazer a esta Assembleia as queixas, anseios ou necessidades dos povos e, por outro, que 8. Ex.ª, pelo facto de ter subido a esta tribuna imediatamente após a apresentação da Lei de Meios, não teve tempo de considerar a importância excepcional do assunto que veio referir e ultrapassa o mero caso local.
O assunto pode pôr em discussão não só as concepções actuais da ciência penal, no que toca ao fundamento do direito de punir, mas todo o nosso sistema . penal e a organização prisional que deve realizá-lo.
Rendo as minhas homenagens à recta intenção com que o ilustre Deputado levantou esta questão, mas lamento que não tivesse podido considerá-la na sua projecção nos domínios da ciência eriminológica e do sistema prisional em vigor.

O Sr. Melo Machado: - Isso já não é comigo.

O Orador: - Tá tentarei mostrar à Câmara como o caso em discussão ultrapassa os acanhados limites duma competência de debulhadoras e alcança todo o sistema penal e toda a, generosa e vasta obra prisional levada a cabo ou em vias de conclusão e que não é dos menores títulos de glória que o Estado Novo pode inscrever no seu activo.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Ao ilustre Deputado Sr. Melo Machado chocou-o que, por um lado, o Ministro cessante da Economia tenha afirmado não ter o Estado de ser industrial e nem sequer para, a pretexto de desbravar caminho, assumir o encargo das realizações experimentais», e, por outro, o Estado explore industrialmente a mão-de-obra prisional.
Se é com tais declarações que o Sr. Deputado Melo Machado pretende justificar a sua censura, eu posso fornecer-lhe base mais sólida, por vinculante.
E o artigo 6.º do Estatuto do Trabalho Nacional, no qual se dispõe:
O Estado deve renunciar a explorações de carácter comercial e industrial, mesmo quando se destinem a ser utilizadas, no todo ou em parte, pelos serviços públicos, quer concorram no campo económico com as actividades particulares, quer constituam exclusivos, só podendo estabelecer ou gerir essas explorações em casos excepcionais, para conseguir benefícios sociais superiores aos que seriam obtidos sem a sua acção.
Se a crítica do ilustre Deputado fosse procedente - e não é-, aqui tinha um texto legal que, para além dos Ministros individualmente considerados, é superior à própria vontade do Governo, porque nem este pode infringir a, ordem jurídica estabelecida.
Este texto, que o Sr. Deputado Melo Machado não invocou para fulminar com justa cólera as contradições que o seu zeloso cuidado julgou descobrir, dou eu o escândalo de o invocar, mas para me abalançar a demonstrar com ele a inanidade da acusação, como a seu tempo se verá.
É-me forçoso, para exacta compreensão do problema, recorrer ao enunciado, simples e sumário, de alguns princípios de direito penal e penitenciário. Não é sem apreensões que o faço, porque pode parecer a exibição pedante de noções tão generalizadas que não há interesse em chamá-las ao debate, e depois há sempre o cheiro raposinho «o sebenta», denunciando o «caloiro». Para fugir a estes temerosos perigos espero não transformar as minhas ligeiras considerações em aula de Direito Penal, com sabatina e, como diria o grande Camilo, com grande soma de meio grosso, grávida de sapientíssimos espirros. E acautelada a Câmara deste modo, que Minerva me seja propícia e me poupe às iras mortais da sua bola vingadora.
Começo, pois, mas previno desde já que nada do que disser é novo ou original.
É o crime um facto social ainda mal explicado nas múltiplas causas da sua génese, não obstante o esforço despendido na sua averiguação. Sabemos que existe e que sempre foi punido.
Para que se pune?
Esta interrogação, fundamental para a edificação de qualquer sistema penal, recebeu das várias épocas históricas respostas diferentes, consoante as concepções dominantes no meio social. Não importa para aqui referi-las, ainda que brevemente. Ao nosso propósito bastará a resposta actual da ciência penal, a qual, reduzida ao essencial, vem a ser isto: pune-se para que se não cometam mais crimes. Este conceito de punição evidencia desde já um fim ético na aplicação da pena: evitar a repetição dos crimes.
Como se procura, porém, atingir aquele fim?
Por um lado a punição em si mesma é um aviso aos que nas fronteiras da legalidade estejam tentados a delinquir - prevenção geral; por outro, e quanto ao delinquente punido, a dor da pena certifica-o de que devia abster-se de novos crimes, porque o esperam novas penas - prevenção individual.
Como se vê, não se pune, ou, melhor, não se pune principalmente para compensar com a dor imposta a dor emergente do crime. Se é certo que o geral sentimento de justiça reclama com veemência o castigo, acentuo, o castigo do criminoso, a pena, que é também isso, pois há que satisfazer àquele sentimento de justiça, é predominante e essencialmente mais do que isso, porque o seu fim último é prevenir a prática de novos crimes.
Se a prevenção individual decorrente da simples aplicação da pena tivesse suficiente poder intimidativo, nada mais haveria a fazer do que manter o criminoso no local e pelo tempo designado para o cumprimento da pena. Com esta simples segregação do criminoso a pena atingia o seu fim. Infelizmente não é assim.
Conquanto se não tenha chegado ainda a uma perfeita individualização da pena, isto é, à aplicação de

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uma certa pena variável de criminoso para criminoso, a sua «execução é que tem de ser individual, mo sentido de que cada criminoso constitui por si um caso à parte na categoria em que se enquadra, e, como tal, deve ser e é tratado.
Se o criminoso, com toda a luz e toda a sombra, é diferente dos demais, há que estudá-lo cuidadosamente e aproveitar o tempo da reclusão para completar e reforçar o poder intimidativo da pena, despistando ou anulando as solicitações para o crime.
Punir é necessário, mas a criteriosa execução da pena é essencial para que aquela atinja o sem fim. Em resumo e por outras palavras: a sociedade entrega os criminosos às prisões, mas espera que estas lhos devolvam como elementos úteis, como homens novos. A esta transformação radical aponta hoje toda a política prisional.
De que elementos se há-de lançar mão para operar a alquimia milagrosa?
De todos os que possam ajudar a alcançar o fim proposto: a pena em si mesma, o encarceramento, a disciplina prisional, o trabalho, o salário e suas divisões, a assistência imoral e religiosa, a leitura, a higiene, a instrução, as diversões e o mais que se omite. Dos elementos enumerados é o trabalho o que nos interessa para o caso em discussão e é sobre ele que nos fixaremos.
Abro agora um parêntese para pôr outra questão.
Sendo o que deixo referido o fim da ciência penal e penitenciária em geral, estará de acordo com ele o nosso sistema penal e prisional? Posso tomar a responsabilidade de responder afirmativamente.
Com efeito, para o nosso direito penal não há criminosos irrecuperáveis. Podemos encontrar e encontramos a categoria legal dos delinquentes de difícil correcção, mas, louvemo-nos por isso, não a dos incorrigíveis. E porque para o nosso direito penal todos os criminosos são regeneráveis, não temos nem a pena de morte nem a de prisão perpétua. O período de reclusão pode ser indeterminado para os delinquentes perigosos e que não foi possível modificar. Porque representam um perigo, a sociedade defende-se segregando-os até que dêem garantias de bom comportamento futuro. Se as derem e logo que as deremi, serão restituídos à liberdade. Até, pois, para os provadamente contumazes a lei guarda sempre a esperança de poder devolvê-las um dia à sociedade como elementos úteis.
Estará ordenado ao objectivo do sistema penal (recuperação de todos os criminosos) o nosso sistema prisional?
Quem se der ao trabalho de ler o Decreto-Lei n.º 26:643, de 28 de Maio de 1936, e os que posteriormente desenvolvem ou completam princípios ali enunciados, implícita ou explicitamente terá de reconhecer que todo o sistema prisional, na parte já realizada ou em vias de conclusão, se orienta exclusivamente para a recuperação dos criminosos.
E volto ao problema central de que nos ocupamos. Se a sociedade espera que o sistema prisional lhe devolva os criminosos como elementos úteis, então o sistema prisional deve proporcionar aos reclusos, durante a reclusão, condições de vida tão aproximadas quanto possível das que a sociedade lhes impõe, e, assim, o recluso terá de trabalhar, terá de cuidar da família, terá de pagar as dívidas legais e terá de economizar, como todo o homem prudente.
O trabalho é para todos os homens aptos para ele um dever moral e social. E ainda que tal obrigação não existisse, existiria, para nós portugueses, a obrigação legal de o fazer (artigo 6.º do Estatuto do Trabalho Nacional).
Ora se a sociedade exige de todos os homens aptos o cumprimento do dever do trabalho e o recluso ao ser restituído à sociedade tem de cumpri-lo, evidente se torna que a reclusão deve reforçar e estimular, para ser eficaz, as disposições e aptidões do recluso para o trabalho, isto é, deve ser organizado e funcionar o trabalho prisional, como primeiro e mais poderoso elemento de reeducação.
No seu livro Trabalho Prisional, escreveu Von Liszt:

O trabalho prisional organizado constitui a essência da pena privativa da liberdade, é o seu elemento vivificador, o elemento que a sustenta ou faz perecer.

Este pensamento tornou-se axiomático e ganhou foros de universalidade entre os povos cultos. Entre nós, há cerca de cem anos já o ilustre penalista Levi Maria Jordão reclamava o trabalho prisional, como elemento fundamental no cumprimento das penas privativas da liberdade, até para os condenados a prisão correccinnal. O problema, portanto, também repercutiu entre nós.
Não me deterei a exaltar o valor do trabalho como meio moralizador e correctivo. Isso está dito e creio não oferecer dúvidas. Não quero deixar de referir, porém, o que se escreveu no relatório do Decreto-Lei n.º 26:643, e passo a ler:

... o trabalho foi sempre uma escola de virtude e, portanto, um instrumento de regeneração, mas não é este sómente o motivo da necessidade de o estabelecer nas prisões; há ainda que contar com a preparação de condições necessárias para que o preso seja reabsorvido socialmente quando posto em liberdade, e esse objectivo será difícil de atingir se o preso esteve durante muito tempo ocioso.

Talvez não valha a pena ler o mais que sobre este assunto consta do referido relatório. Basta dizer que o decreto-lei, concretizando estes princípios, prescreveu (artigo 261.º) o trabalho como obrigação de todos os reclusos capazes. E, como só é trabalho o que tem uma finalidade útil, no artigo 266.º do aludido decreto-lei prescreve-se ainda: «O trabalho imposto aos reclusos deve ser sempre uma ocupação produtiva». Se nesta matéria não conseguimos ser inovadores, não ficámos atrás dos que foram mais longe.
Como se executam estas imposições do Decreto-Lei n.º 26:643?
Criando, equipando e alargando oficinas em todos os estabelecimentos prisionais para o cumprimento de certas penas. E para realizar o ideal, longínquo ainda, do pleno emprego retomou-se, noutras bases, o trabalho extraprisional. Para uniformizar, interligar e intensificar o trabalho criou-se em 1944 a Comissão para a Organização do Trabalho Prisional e Correccional e, pelo Decreto n.º .34:674, de 18 de Julho de 1945, organizou-se técnica e administrativamente esse trabalho fora dos estabelecimentos prisionais. Surgiram assim os campos de trabalho e as brigadas de trabalho prisionais, das quais o País conhece já algumas belas e grandiosas realizações. Ainda no intuito de facilitar o pleno emprego, o Ministro da Justiça projectou para 1948 o plano que vou ler, e que está em vias de conclusão:

Plano de construções e apetrechamento de oficinas para 1948

Projecto

I) Materiais de construção:

a) Cerâmicas:

1) Construção de fábrica de manilhas, azulejos, etc. (em Sintra).

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2) Construção de forno contínuo para fabrico de telha e tijolo (em Sintra).
3) Construção de fábrica de tijolo e telha na Frisão-Escola de Leiria.
4) A considerar:

Construção de fábrica de azulejos (em Monsanto).
Construção de forno de tijolo e telha (em Pinheiro da Cruz, Grândola).

b) Cal - Construção de forno de cal (em Monsanto - C. C.).

c) Pedreiras:

1) Apetrechamento da exploração de pedreiras (em Caxias e Monsanto - I. T. P.).
2) Apetrechamento de oficinas de cantarias (em Sintra e Santa Cruz do Bispo).
3) Fabrico do paralelepípedos (em Caxias e Santa Cruz do Bispo).

d) Madeiras:

1) Apetrechamento da oficina de serração na Prisão-Escola de Leiria.
2) Apetrechamento das oficinas de carpintaria e marcenaria nas Penitenciárias de Coimbra e de Lisboa.

III) Construções com utilização de mão-de-obra prisional:

1) Tribunal de Beja (L T. P.).
2) Campo de Trabalho de Alcoentre.
3) Reparação de oficinas, celas o torreões da Penitenciária de Lisboa; estudo da construção de casas para guardas-motoristas no bairro dos guardas.
4) Reparação do edifício da Policia Judiciária no Porto.
5) Reparação das oficinas da Penitenciária de Coimbra.
6) Estudo da construção de um pavilhão de prisão para delinquentes de difícil correcção em Grândola (Pinheiro da Cruz).

III) Apetrechamento da oficina de tipografia da Penitenciária de Lisboa».

O Sr. Carlos Borges: - Falta aí a construção do Palácio da Justiça de Santarém.

O Orador: - Isso já é trabalho extraprisional.

O Sr. Melo Machado: - Daqui a pouco o Ministério da Justiça toma conta dos Ministérios da Economia, Finanças, etc.

O Orador: - V. Ex.ª não deve ser pessimista! Não há esse perigo.
Se para os insatisfeitos com o que se fez e está fazendo serve como padrão de valor o que pensam os estrangeiros das nossas realizações, louvem-se nas lisonjeiras opiniões de quantos nos têm visitado e buscam no que fizemos sugestões para resolverem os seus próprios problemas. Contam-se por dezenas os que se têm debruçado sobre a nossa obra e já correm mundo as palavras de louvor com que se lhe referem.
Volto agora a outro aspecto da questão, já incidentalmente referido:
O trabalho prisional deve ter um fim útil não só porque se o não tiver não será trabalho, mas porque o criminoso, e pelo facto de o ser, não deve lançar sobre a sociedade o peso morto da sua ociosidade. Mesmo na prisão todos os que possam fazê-lo devem contribuir para a sua alimentação, em sentido lato, para a da família, que deles principalmente depende, e para a indemnização aos lesados pelo facto criminoso. São estas obrigações correntes para os homens livres e não se vê porque não devam sê-lo também para os reclusos.
Porque o são também para estes é que, no artigo 279.º do Decreto-Lei n.º 26:643 se divide a retribuição do trabalho dos reclusos por todos aqueles encargos. Portanto e concluindo: de harmonia com os princípios teóricos da ciência penal e de harmonia com a lei o trabalho prisional deve ter uma finalidade útil.
Pode dizer-se, porém, e disse-o o ilustre Deputado Sr. Melo Machado, que dessa forma o trabalho prisional concorrerá com o trabalho livre. É certo. Trata-se, porém, dum problema sem solução conhecida, aqui ou em qualquer parte onde o trabalho prisional exista.
Há, todavia, uma certa gerarquia nos valores em concorrência. O trabalho prisional não tem um fim exclusivamente lucrativo. Esse aspecto é absolutamente secundário. O que nele releva, e é fundamental, é utilizá-lo como meio correctivo e reeducacional.
Em todo o caso, se o princípio edonístico é o poderoso estimulante do comum dos homens, não creio que, mesmo para lá dos muros de uma prisão, ele não mantenha o mesmo valor moral e social, porque, e afinal, os reclusos, mesmo em reclusão, são homens com necessidades, solicitações, apetites e deveres.

O Sr. Melo Machado: - Mas, exactamente porque isso se realiza sem ideia de lucro, todo o trabalho que se faz nas prisões é executado por preços muito inferiores aos da indústria particular, especialmente no que diz respeito à indústria gráfica, conforme ainda há dias nós ouvimos ler numa exposição que por ela foi dirigida a esta Câmara.

O Orador: - Ao Estado o que interessa é o valor reeducativo, e por isso é que o trabalho prisional não tem um fim de lucro.
E V. Ex.ª não devia referir-se sómente à Colónia Penal de Alcoentre, mas sim a outras colónias prisionais, a asilos, etc.

O Sr. Melo Machado: - Referi-me apenas à Colónia Penal de Alcoentre, mas foi para citar um facto muito meu conhecido, não ignorando, porém, que idênticos casos se passam com outros estabelecimentos do Estado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - A solução do problema, a meu ver, não pode consistir em arrepiar caminho, porque o trabalho é condição fundamental de regeneração, e, além disto, é sempre económicamente útil o aumento da produção. A solução do problema afigura-se-me que deve estar especialmente em não concorrer no mercado com preços vis que arruinem a indústria particular.
Não é uma questão de produção: é uma questão de preço.

O Orador: - Mas para esses factos da concorrência ainda não se encontrou qualquer solução.

O Sr. Morais Alçada: -Esse trabalho é, em geral, imperfeito, e, portanto, não deve fazer grande concorrência à indústria particular.

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O Orador: - Há, pois, razões morais, legais e sociais para assinalar uma finalidade útil ao trabalho prisional. Se houver conflito de concorrência com o trabalho livre, é este quem deve ceder, porque para além e acima dos interesses materiais está a salvação, mesmo no sentido social, dos homens em risco de perder-se e cujos malefícios mais pesarão sobre a sociedade.
Formado no quadro de certos princípios tradicionais, ainda me atrevo -mesmo correndo o risco de estar em desacordo com o século- a considerar o homem e os seus uns a realidade suprema, à qual tudo o mais, desde os governos aos bens materiais, deve ordenar-se. Salvar um homem vale infinitamente mais do que qualquer mesquinha querela de debulhadoras, lagares e alambiques. Suportando aqueles leves sacrifícios, a sociedade em geral sairá ganhando, pela reintegração na sua vida de elementos úteis. Isto, claro está, penso eu, deformado certamente por aqueles princípios a que aludi. Concedo, porém, a liberdade de se preferir a debulhadora ou ... o alambique.

O Sr. Melo Machado: - É que V. Ex.ª só pensa em salvar os reclusos; mas, salvando os presos, ainda acaba por meter na cadeia as pessoas sãs.

O Orador: - Eu já respondo a V. Ex.ª, se me deixar concluir.
Prometi demonstrar não haver entre as palavras do Ministro citadas pelo ilustre Deputado Sr. Melo Machado, o texto legal que eu citei e a organização do trabalho prisional no sentido útil qualquer contradição na atitude do Estado.
Se houve a generosa paciência de acompanhar esta fastidiosa exposição, ter-se-á notado que, indirectamente, já respondi a tão inane objecção. Vejamos, porém: já acentuei que a finalidade útil do trabalho prisional é meramente acidental e secundária e não deve ser anulada, pelos motivos já expostos. Em relatórios e pareceres sempre o Ministério da Justiça, louvavelmente, tem insistido no aspecto secundário do rendimento económico do trabalho, ao menos na parte que ao Estado viria a caber.
Ora a empresa particular organiza-se com o fim do lucro, e é isto que juridicamente lhe dá carácter comercial. O Estado, organizando e montando o trabalho prisional, só muito secundariamente se interessa pelos lucros prováveis, mas sim e acima de tudo pela regeneração dos delinquentes. É este o seu fim último.
Desde que assim é, o Estado, enquanto organiza o trabalho prisional e lhe aproveita o rendimento, não é um empresário, porque não aponta exclusivamente ao lucro. Este só lhe serve para melhor atingir e realizar o fim principal de regeneração. Aqui está, com a possível clareza, como a contradição notada pelo Sr. Deputado Melo Machado é apenas uma enganosa aparência.
Será, porém, que o rendimento do trabalho prisional se utiliza como meio de realizar a moralização e recuperação social dos reclusos? Vejamos também essa questão:
Os salários pagos em 1949 à mão-de-obra prisional atingiram 5:000 contos. Lamento não poder dar a cifra exacta de quanto receberam as famílias dos presos e os ofendidos. Pode ajuizar-se, porém, do auxílio à família dizendo que u Cadeia Penitenciária de Lisboa remete trimestralmente para aquele fim entre 70 e 80 contos.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª pode esclarecer a quantos jornais de reclusos só referem os 5:000 contos de salários ?

O Orador: - Posso dar a cifra exacta dos presos. Dos que auferem salário não sei dizer a cifra, porque nem todos os presos trabalham.
De qualquer modo, continuo a preferir salvar os criminosos. V. Ex.ª, querendo, podo preferir-lhes as debulhadoras.
Com o alargamento e reequipamento de oficinas e a organização e divisão do trabalho, de data recente, o resultado económico do aproveitamento da mão-de-obra prisional, que em 1944 se cifrava em 2:000 contos, alcança actualmente 10:000 contos.
A que se destinou verba tão significativa?
À ampliação de possibilidades para o emprego da mão-de-obra prisional, como referi, e a substituir verbas orçamentais na execução de construções prisionais e outras daquelas dependentes. Desta forma e por este meio estão em construção: o Hospital Prisional de Caxias ; o novo edifício da Colónia Penal António Macieira; os novos bairros de guardas em Alcoentre, Leiria e Caxias. E só mais uma nota sobre este assunto: todo o reapetrechamento e ampliação oficinais se tem levado a efeito sem o concurso financeiro do Estado.
O ilustre Deputado Sr. Melo Machado aludiu também à carga tributária que recai sobre a indústria particular. Se bem entendi o remoque, o Sr. Deputado Melo Machado quis dizer na sua que a exploração da mão-de-obra prisional não paga contribuição. Se considerarmos literalmente aquele ónus fiscal, é claro que o Estado não cobra contribuição, mas, saiba-se, o Ministério da Justiça retém 10g por cento do rendimento bruto das oficinas e explorações.

O Sr. Melo Machado: - Enquanto os estabelecimentos prisionais fornecerem trabalho para os estabelecimentos do Ministério da Justiça ou outras prisões não tenho muito que observar.
Mas outro tanto não digo quando faz concorrência aos particulares, quando tem uma tabela como qualquer estabelecimento industrial e faz circular uma debulhadora.

O Orador: - Mas V. Ex.ª já vai ver porque é que a debulhadora trabalha.

O Sr. Melo Machado: - Naturalmente trabalha para arranjar dinheiro.

O Orador: - Estou às ordens de V. Ex.ª para discutir este problema sob o aspecto que quiser.

O Sr. Melo Machado: - Isso é com o Sr. Presidente.

O Orador: - Creio que o assunto está suficientemente ilustrado.
Quero dizer: por outro modo, a mão-de-obra prisional paga também u sua contribuição e esta até tem a singularidade de não incidir sobre os lucros prováveis, mas sobre o rendimento bruto, o que a eleva a cerca de 11 por cento. Não se pode dizer que esteja suavemente tributaria! ...
Ilustrado suficientemente o assunto, podemos agora virar-nos para o caso concreto da Colónia Penitenciária de Alcoentre, apesar de já estar mais ou menos enquadrado em tudo o que referi.
A Colónia de Alcoentre está instalada num meio caracteristicamente rural, de propriedade, salvo poucas excepções, bastante fraccionada. Com 2:063 artigos matriciais, a maior contribuição é paga pelo grande proprietário Sr. Gorjão Henriques, ao qual cabem 10 por cento do total. O total das contribuições, urbana e rústica, anda à roda de 114 contos. Se a este total se abater a quantia paga pelos proprietários de maior vulto, verificar-se-á que, por artigo matricial, se paga a média de 36$94. Parece certo estarmos em presença duma região de pequena propriedade. Assente isto, vejamos agora alguma coisa mais.

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A Colónia tem presentemente 480 reclusos e com eles granjeia 685 hectares de terreno, do qual colhe, em média, 500 pipas de vinho, 10:000 litros de azeite e 70 a 90 moios de trigo. Faz o seu próprio abastecimento em produtos de horta, sustenta gado leiteiro que basta para o seu consumo, mantém gado de pastagem e engorda suínos para consumo próprio e venda. Isto quanto à parte agrícola.
Quanto à parte industrial, explora barreiras e fabrica telha e tijolo; explora pedreiras e afeiçoa cantarias para as suas obras e estranhas; fabrica cal, que utiliza e vende, e tem uma serração, com a qual serve também particulares. Tem lagar de azeite, tem alambique e ... não sei de nojo como o conte! ... uma debulhadora.
E como se tudo isto não bastasse para condenar a sua limpa existência tem também oficinas complementares da sua exploração agrícola e industrial, tais como carpintaria e serralharia. Com a indicação de mais estas explorações industriais completo a lista das que o Sr. Deputado Melo Machado indicou.
Nestas tentaculares e parasitárias oficinas vêm os modestos proprietários consertar às suas charruas e carros de lavoura. Talvez o não devessem fazer porque ... põem em risco as oficinas livres! ... Que os pequenos lá vão não é maravilha, mas que os grandes se aproveitem ideias é de admirar. Pois, saibam-no todos, eu não sou de arcas encouradas e se acrescentar aos escândalos revelados pelo Sr. Deputado Melo Machado outro que a todos ultrapassa não me culpem de menos discreto. Aí vai: um dos grandes mandou construir na serralharia da Colónia, para uso próprio - efectivamente não a traz ao ganho -, uma grade de discos. Esta grade custava no mercado 24 contos e veiu a ficar-lhe por 12. Se não acreditam, que o Sr. Gorjão Henriques me não deixe mentir! ... Disto, porém, não parece ter-se queixado alguém.

O Sr. Melo Machado: - Mas o que é que V. Ex.ª quer demonstrar com isso? Eu estou justamente condenando o funcionamento da colónia penal, porque trabalha em concorrência, e V. Ex.ª vem dizer-me que ela trabalha por metade do preço. Assim toda a gente vai lá.
Veja V. Ex.ª, portanto, que eu tinha razão.

O Orador: - Saibamos, afinal, quem se queixou da concorrência desleal da Colónia: foram os modestos proprietários que dela recebem por módico preço tantos e tão variados serviços?
Ah! Estes não o fariam, porque vai nisso o seu próprio interesse. Se não foram os modestos proprietários, então devem ter sido os grandes, e estes, sim, têm motivos para o fazer. Os outros fugiram à tosquia I...

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª, naturalmente, queria que os grandes não pudessem mandar fazer os seus instrumentos agrícolas pagando 12 contos em vez de 24.

O Orador: - Não deviam fomentar a concorrência servindo-se, para seu interesse, das oficinas da cadeia, mas para isso serve-lhes, e V. Ex.ª acha bem.
Agora que os pequenos vão debulhar o seu cereal, pagando para isso à Colónia uma quantia mais modesta, já V. Ex.ª acha motivo de censura.

O Sr. Melo Machado: - Tenho telegramas de câmaras municipais, e não de pessoas.

O Orador: - Afinal, e feitas as contas, tudo isto arrancou da malfadada debulhadora. Até que ela surgiu no. horizonte económico da região tudo corria em perfeita harmonia. Apareceu, porém, a debulhadora e logo apareceram os pequenos proprietários a quererem debulhar nela o seu grão. A direcção da Colónia ouviu o Ministério da Justiça, e o Ministro, informado da qualidade das pessoas que à Colónia pediam aquele serviço e informado ainda de que na região não havia Casa do Povo ou grémio da lavoura, deu instruções para que na prestação destes pequenos trabalhos a Colónia se substituísse àquelas instituições na protecção dos económicamente débeis.
Pelos vistos fez mal, porque a Colónia, de harmonia com as instruções recebidas, começou a servir os pequenos proprietários, maquiando medicamente. Ora aconteceu por isto que a debulhadora de um dos grandes viu reduzido o seu trabalho à maquia, e daí que ... Tróia esteja em riscos de arder pela segunda vez.
O curioso do caso é que são sempre as malfadadas debulhadoras a perturbarem a harmonia das esferas. O caso não é novo, como vamos ver.
Aqui há uns bons vinte anos, o actual director dos serviços prisionais, então chefiando os serviços de menores, lembrou-se de dotar a Colónia Correccional de Vila Fernando com uma debulhadora. Antes tinha aumentado o gado de lavoura, tinha alargado consideràvelmente a área cultivada, tinha construído silos e tinha aumentado para mais do dobro os menores ali internados, nada disto suscitou louvores ou reparos dos vizinhos. Veio, porém, a debulhadora, e aí se armou o escândalo. Os grandes vizinhos vieram até ao Ministério e apresentaram ao então Ministro da Justiça as suas indignadas reclamações e protestos. Para que tudo reentrasse na calma antiga propunham-se, num largo e compreensivo gesto de generosidade, comprar a Colónia a sua debulhadora ... para depois lha alugarem à maquia. Era a paz por um pataco!
Se a crítica do ilustre Deputado Sr. Melo Machado fosse procedente, era seu dever ir mais além do que foi reclamar o encerramento de todas as oficinas dos estantes estabelecimentos prisionais, e não só deste. Os trabalhos oficinais em creches e asilos, na Casa Pia e suas dependências, nas escolas técnicas e nos reformatórios deviam ser suspensos também. Quanto aos reclusos, recuemos para as Ordenações Afonsinas: metamo-los nas celas e ponhamo-los a contemplarem basicamente o umbigo. Podem perder-se homens, mas salvam-se interesses e princípios mal compreendidos e - o que sobretudo mais importa - algumas debulhadoras.
Vou terminar. Não me vence o cansaço, mas vence-me o desgosto de ter subido a esta tribuna por tão mesquinho assunto. Para que tudo fique bem claro, não sairei daqui sem render as minhas homenagens calorosas à integridade de carácter e rectidão de propósitos do ilustre Deputado Sr. Melo Machado. Enganaram-no torpemente.
Para castigar tão mesquinhos informadores arrancarei ao génio literário de Fernão Lopes estas suaves e elegantíssimas palavras, que aliás não merecem, mas definem o seu caso: «Como andavam prenhes de mau falar, pariram duas falsas razões».
Se, depois disto, ainda obrigarem o meu ilustre colega a assistir às secundinas, haja-se moderadamente com eles. Eu, por mim, depois desta cataplasma algo emoliente, peço licença para me retirar de dedo no nariz.

O Sr. Melo Machado: - Simplesmente, V. Ex.ª nada demonstrou em contrário do que eu disse. Aliás, tenho muito prazer em ter concorrido para que V. Ex.ª tivesse feito a sua estreia nesta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: peço licença para mandar para a Mesa dois requerimentos.

O Sr. Presidente: - Estamos na ordem do dia. V. Ex.ª só sobre a matéria dela pode pedir a palavra.

O Sr. Melo Machado: - Então apresentá-los-ei amanhã.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, à hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma da sessão de hoje. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Artur Proença Duarte.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jorge Botelho Moniz.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Manuel Maria Múrias Júnior.

Sr s. Deputados que faltaram à sessão:

lexandre Alberto de Sousa Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António Calheiros Lopes.
António de Sousa da Câmara.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira. Gomes.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Exposição a que se referiu o Sr. Presidente no decurso da sessão de hoje:

Sr. Presidente do Conselho de Ministros. - Excelência. - Para os efeitos que V. Ex.ª tiver por convenientes, tenho a honra de enviar a exposição elaborada pela Direcção-Geral de Administração Política e Civil acerca das referências feitas pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães, em sessão da Assembleia Nacional de 30 de Novembro último, quanto ao modo como os inspectores administrativos exercem as suas funções.
Como resulta da leitura dos textos legais, transcritos na exposição, as atribuições da Inspecção Administrativa são múltiplas, porquanto lhe cabe orientar os presidentes das juntas de província e das câmaras municipais, chamando a sua atenção para as lacunas e deficiências notadas na sua gestão; proceder a estudos sobre a administração local; conhecer do modo como são aplicadas as disposições legais em vigor e as ordens e instruções superiores; realizar inquéritos, recebendo as queixas que se apresentem e conhecer dos seus fundamentos.
Quer dizer: ao lado das funções de estudo e orientação, com vista a garantir o respeito da lei no funcionamento da administração, cabe-lhe as de averiguar se a lei foi infringida, a fim de se pôr termo a qualquer procedimento ilegal.
No exercício desta última função realiza a Inspecção inquéritos aos corpos administrativos e respectivos serviços, abrangendo estes desde o presidente da junta ou da câmara ao mais modesto funcionário.
Por outro lado, competindo à Inspecção Administrativa receber não só as queixas que lhe sejam apresentadas, como conhecer dos seus fundamentos, não pode, no exercício desta última atribuição, deixar de ouvir os queixosos e testemunhas por eles indicadas, por forma a esclarecer a verdade.
O modo como tem sido exercida esta última função tem suscitado alguns reparos, pois nem sempre é fácil conciliar o interesse no esclarecimento da verdade com a necessidade de salvaguardar o prestígio das pessoas que exercem determinadas funções.
Não tenho conhecimento de que os inspectores tenham exorbitado das suas funções, mas, se tal se vier a averiguar, serão aplicadas aos responsáveis as correspondentes sanções disciplinares.
Na verdade, tanto no acto da posse dos inspectores administrativos como posteriormente, não lhes têm sido dadas outras instruções que não sejam as do respeito da lei e da autonomia administrativa, devendo preocupar-se mais com a função orientadora e meramente preventiva do que propriamente com a repressiva.
E porque os inspectores têm procedido de harmonia com esta orientação, a sua acção tem sido, de um modo geral, bem compreendida e aceite pelos corpos administrativos, e a tal ponto que a Inspecção Administrativa é já considerada como indispensável à normalidade da administração local e ao aumento do rendimento dos respectivos serviços.
Apresento a V. Ex.ª os protestos da minha mais elevada consideração.
A bem da Nação.

Lisboa, 4 de Dezembro de 1950. - O Ministro do Interior, Joaquim Trigo de Negreiros.

Sr. Ministro do Interior. - Excelência. - No relato da sessão da Assembleia Nacional de 30 de Novembro publicado na imprensa diária lê-se o seguinte com referência ao discurso pronunciado pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães:
A propósito da fiscalização que a política de restrições vai exigir, alude ao que se passa com certas câmaras municipais, onde inspectores do Ministério das Finanças e outros da administração política e civil excedem as suas atribuições, para invadir as que são privativas dos corpos administrativos, e, após devassas vexatórias às respectivas actividades, pretendem responsabilizar presidentes e vereadores por actos praticados ou aconselhados por funcionalismo nomeado pelo Governo. Tal procedimento tem causado reclamações e protestos e muito tem

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concorrido para que os homens bons que até agora cuidavam gratuitamente dos interesses concelhios se neguem a fazê-lo, para assim se livrarem dos vexames e sanções a que se expõem.
O Sr. Deputado Antunes Guimarães, ao referir-se em tais termos à actuação dos inspectores administrativos, ignorava certamente o que, na verdade, se tem passado com os serviços da inspecção. E, porque estes dependem da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, sente-se a mesma no dever de prestar a V. Ex.ª a seguinte informação:

1.º A Inspecção Administrativa nunca excedeu a sua competência própria, claramente definida no artigo 373.º do Código Administrativo e no artigo .16.º do Decreto n.º 36:702, de 30 de Dezembro de 1947.
Segundo a primeira das disposições citadas, compete à inspecção a exercer pelo Ministério do Interior sobre os corpos administrativos:

1.º Averiguar as possibilidades económicas e financeiras das autarquias locais, a obra por elas realizada, o modo como são desempenhadas as atribuições de exercício obrigatório, o sistema de colaboração e coordenação da actividade provincial com a municipal e desta com a paroquial e receber e procurar dar satisfação às queixas e reclamações dos povos.
2.º Orientar os presidentes das juntas de província e das câmaras municipais, uniformizando a interpretação e a aplicação dos textos legais e chamando a sua atenção para as lacunas e deficiências notadas na administração.
3.º Realizar inquéritos aos presidentes das câmaras, aos corpos administrativos e respectivos serviços e instruir processos disciplinares.
4.º Proceder a estudos sobre a administração local.
5.º Desempenhar-se das demais funções que lhe sejam conferidas por lei.

O artigo 16.º do Decreto n.º 36:702, por sua vez, diz que compete, em especial, à Inspecção Administrativa:

1.º Averiguar quais as necessidades públicas mais instantes cuja satisfação pertence à autarquia e dar parecer sobre o grau de urgência das obras e melhoramentos, colocando em primeiro plano as de carácter sanitário e de fomento.
2.º Verificar quais os obstáculos que se tenham oposto à realização dessas obras e melhoramentos e contribuir para que sejam removidos.
3.º Orientar os presidentes dos corpos administrativos sobre a ordem de resolução dos problemas, quando estes forem interdependentes, e sobre as diligências a fazer e as formalidades a cumprir para obter o que desde logo se afigurar viável sob os aspectos económico e financeiro.
4.º Sugerir o modo de obter novos rendimentos ou elevar os existentes, tendo em vista a capacidade económica local, quando se verifique que para as obras e melhoramentos necessários não bastam os recursos actuais do corpo administrativo com a participação do Estado.
5.º Conhecer do modo como são aplicadas as disposições legais em vigor e as ordens e instruções superiores.
6.º Dar aos presidentes e funcionários dos corpos administrativos os esclarecimentos necessários para boa ordem dos serviços, remédio das deficiências ou irregularidades encontradas e para o estudo e resolução dos problemas de administração local.
7.º Receber as queixas que lhes apresentem e conhecer dos seus fundamentos.
8.º Informar acerca da competência e zelo dos funcionários do quadro geral administrativo, utilizando, para esse efeito, boletim de modelo uniforme, e propor procedimento disciplinar contra aqueles que o merecerem.
9.º Verificar o estado dos edifícios que pertençam ao património da autarquia.

A acção dos inspectores mantém-se rigorosamente dentro dos limites fixados pelas disposições legais transcritas, e não tem, por isso, fundamento a afirmação no sentido de que eles têm invadido as atribuições dos corpos administrativos. Pelo contrário, além de se respeitar, através de tudo, a autonomia municipal, sempre se procedeu, até aqui, dentro da orientação traçada nas palavras do Ministro do Interior e do director-geral proferidas no acto de posse dos primeiros inspectores administrativos (documentos n.ºs 1 e 2).
2.º Salvo raras excepções, as visitas dos inspectores administrativos realizaram-se, e continuam a realizar-se, a pedido instante dos próprios presidentes ias câmaras e dos governadores civis, os quais, longe de as temerem, reconhecem a utilidade da intervenção e apenas se queixam da sua pouca frequência.
Na verdade, os inspectores administrativos têm exercido acção utilíssima, esclarecendo dúvidas, procurando uniformizar a aplicação das leis, procedendo a estudos sobre os principais problemas da administração local, animando iniciativas, orientando os funcionários e trazendo ao conhecimento do Ministério de que dependem elementos que lhe permitam ajudar a satisfazer as necessidades mais imperiosas.
A missão é difícil e raras são, infelizmente, as pessoas aptas a exercê-la em condições satisfatórias. Mas que o serviço tem funcionado de molde a corresponder aos propósitos que o inspiraram resulta com clareza das manifestações de apreço por parte da quase totalidade dos presidentes dos corpos administrativos inspeccionados. As expressões que a seguir se transcrevem dispensarão quaisquer comentários:

O relatório e os pareceres foram lidos com a devida atenção. Tal como sucedeu quando da inspecção, na troca de impressões, julgamos interessantes e benéficos para os serviços camarários considerações e conselhos que se fazem e dão. De desejar é que as inspecções se repitam com a frequência aconselhável e possível.

(Processo n.º F-1/1, Livro n.º 2-A - Câmara Municipal de Penamacor).

Embora desfavorável à administração dos membros desta Câmara, temos de concordar que o relatório em nosso poder está elaborado dentro de um são critério e os reparos que nele se fazem são coerentes e justos.
Não teríamos com certeza de lamentar os erros cometidos e apontados naquele relatório, erros, aliás, cometidos bem contra nossa vontade, se há mais tempo as inspecções administrativas, tão elucidativas e de tão frutuosos resultados, tivessem sido postas em prática.
Não há dúvida de que elas vieram abrir clareiras na administração dos municípios, tão carecidos de orientação, sobretudo no que respeita à parte técnica.
Os preciosos elementos que colhemos do relatório citado, as sugestões e conselhos que nos foram dados

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pelo Sr. Inspector ..., muito contribuirão para sanar as finanças desta Câmara e evitar de futuro a repetição de tais erros.

(Processo n.º V-1/1, livro n.º 4-A - Câmara Municipal de Valpaços).

... a Câmara Municipal de ... felicita-se por motivo da referida visita de inspecção, pela sábia orientação recebida, na certeza de que desse facto irá tirar o maior proveito, não só na organização dos seus serviços como ainda na administração da importante circunscrição que lhe está confiada.
E, de facto, a pouco tempo ainda dessa visita, os benefícios dela resultantes já se começam a sentir, quer na própria orgânica dos serviços, quer ainda no facto de se estar verificando uma maior eficiência na arrecadação das receitas municipais, e que, esperamos, se acentuará ainda mais no futuro.

(Processo n.º N-1/2, livro n.º 2-A - Câmara Municipal de Alcobaça).

O relatório, focando em sínteses rápidas, mas lapidares, os vários problemas em volta dos quais gravita a vida deste Município, é um trabalho que honra sobremaneira o seu autor, pela competência que demonstra em assuntos de administração municipal. Efectivamente, tanto as sugestões que no mesmo apresenta, como os conselhos e esclarecimentos que pessoalmente nos deu, muito têm contribuído para facilitar, e continuarão facilitando, a nossa árdua missão.
É evidente que num ou noutro caso podemos divergir em pormenor do seu alto critério, na certeza, porém, de que a essência aproveitamo-la sempre.

(Processo n.º X-1/3, livro n.º 4-A - Câmara Municipal de Tabuaço).

Julgo utilíssimas estas visitas, que creio deverem ser tanto de orientação esclarecida como de fiscalização rigorosa. E devo, em elementar preito de justiça, salientar e agradecer essa dupla atitude aqui verticalmente assumida pelo inspector que subscreve o douto parecer.
Problemas havia que eu mal divisava e quase só por instinto resolvia; foi (o inspector) que mós explanou.

(Processo n.º G-1/2, livro n.º 4-A - Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova).

... não quero, porém, deixar de manifestar o meu legítimo orgulho e regozijo e da «Câmara da minha presidência pela justiça que é feita à nossa administração no referido processo de inspecção, o que de alguma forma nos compensa do exaustivo trabalho e aborrecimentos inerentes ao exercício do nosso múnus.

(Processo n.º G-1/3, livro n.º 4-A - Câmara Municipal de Tábua).

E não posso também deixar de mencionar aqui, não como retribuição pelas referências favoráveis que nos são dirigidas, mas apenas num gesto de franqueza, agora que tive o ensejo de apreciar o alcance utilíssimo da inspecção administrativa, que na minha modestíssima e despretensiosa opinião estes serviços, quando actuando em termos amistosos - que não quer dizer demasiado benevolentes-, numa leal e íntima colaboração construtiva, no estudo das soluções dos diferentes problemas locais, são de uma tão grande utilidade prática que só bem pode avaliar quem de perto os aprecie, sobretudo quando a pobreza do município não permite o recrutamento do pessoal técnico competente nem tão-pouco, algumas vezes, as necessárias deslocações para procurar fora os ensinamentos indispensáveis a uma boa administração.
A inspecção exercida deste modo, longe de constituir uma inquietação por qualquer deliberação menos feliz, representa antes um desejado e valioso elemento de colaboração, sempre bem recebido por qualquer gestão administrativa séria. Bendigo, pois, a inspecção administrativa, quando exercida nos termos práticos ...

(Processo n.º 1-1/1, livro n.º 4-A - Câmara Municipal de Aljezur).

... Criou-se a Inspecção Administrativa naturalmente por imperativo de mais íntima e mais directas relações entre a Administração Política e Civil do Ministério do Interior e os mais sectores que dela sendo dependentes estão disseminados por todo o País. E instituiu-se assim uma escola de altíssimo valor para aqueles que dedicam as suas lides à política e à administração civil da Nação, da qual só pode resultar bem, quer para esta, quer para o Estado.
Em S. João da Pesqueira, terra afastada e difícil, tudo se tem experimentado, e, por isso, é com natural e justo desvanecimento e com um conhecimento de causa quase seguro que se pôde apreciar a utilíssima acção e benéfica influência da Inspecção Administrativa.
Ao Ex.mo Sr. Governador do distrito, que, desde os primeiros dias do seu auspicioso exercício, consagrou a esta terra e seus assuntos a melhor das atenções e o mais dedicado interesse, deve este concelho um serviço inestimável, ao ter conseguido para esta Câmara uma das primeiras visitas da inspecção. E este serviço é de tanta mais valia e virtude quanto é certo que, ficando o seu conhecimento limitado a um pequeníssimo número de pessoas -mas que nem por isso deixarão o agradecimento do concelho em falta -, acarretou à administração e orientação municipais soma considerável de benefícios substanciais. Podem os funcionários já ter desaparecido, podem ter sido substituídos já os edis, mas nem por isso os actuais e os vindouros deixam de ter para sempre à sua disposição, para consulta e para estudo, como um guia ou como um tratado prático, esse trabalho, a todos os títulos notável, que é o relatório da primeira inspecção administrativa a esta Câmara Municipal.
Pode ter pontos de discordância em campos abstractos onde se procuraram elementos informativos nem sempre seguros, ou onde se rebuscaram origens que, por remotas, não nos aparecem nitidamente definidas por conhecimentos certos, ou onde teve de se formar precipitadamente uma opinião em meio desconhecido e em curto lapso de tempo, mas parece indiscutível que este trabalho, feito através de meios honestos, inteligentes, com solicitude, diligência e superior conhecimento técnico e por uma linha recta impecável, atingiu plenamente os fins em vista recolher provas e promover justiça; estudar os meios para esclarecer e ensinar.

(Processo n.º X-1/2, livro n.º 4-A - Câmara Municipal de S. João da Pesqueira).

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3.º Não poderá dizer-se que seja menos útil a intervenção dos inspectores administrativos quando tende a reprimir graves infracções disciplinares imputadas aos funcionários.
As câmaras nem sempre têm disposição para aplicar sanções e então são elas que recorrem à Inspecção Administrativa, para, dentro da competência a que se refere o n.º 3.º do artigo 373.º do Código Administrativo, instaurar processos disciplinares e promover a punição dos arguidos. Nestes casos a Inspecção tem actuado para vencer a inércia dos corpos administrativos, usando, pela força das circunstâncias, de poderes que estes também poderiam exercer. Poderiam exercê-los; mas muitas vezes preferem, aliás por motivos bem compreensíveis, ceder o seu lugar à Inspecção Administrativa. Todos os presidentes das câmaras municipais onde se verificou até hoje intervenção neste aspecto podem testemunhar o benefício que dela resultou para os serviços.
4.º De quarenta e cinco inspecções realizadas até hoje - notar-se-á que é apenas de três o número de inspectores em serviço externo - só em três ou quatro casos os presidentes das câmaras se mostraram descontentes com os resultados a que se chegou. Em todos eles se apuraram irregularidades graves que ninguém de boa fé poderá admitir que fosse lícito ou conveniente ocultar.
Acrescentaremos que só uma vez se tratou de inquirir directamente acerca do procedimento do presidente, da câmara; e, nesse caso, o inquérito foi pedido pelo próprio presidente, que, no final, ainda que o resultado das averiguações não lhe tivesse sido inteiramente favorável, nos declarou em ofício:

Venho sensibilizado e com reconhecimento íntimo agradecer a maneira atenciosa com que V. Ex.ª atendeu o meu pedido para que esta Câmara fosse visitada, como recentemente o foi, pela Inspecção Administrativa e para que fosse feito aos meus actos, como presidente dela, um inquérito que requeri ...

Esta Direcção-Geral tem à disposição da Assembleia Nacional os processos que podem haver motivado a referência do Sr. Deputado Antunes Guimarães, a fim de se poder apreciar com rigor e justiça o modo como têm procedido os inspectores administrativos.
5.º Cremos que nada mais se torna necessário dizer para defesa do prestígio a que têm direito os serviços da Inspecção Administrativa.
A função principal dos inspectores consiste em orientar, esclarecer e colaborar com os corpos administrativos. Só se lhes substituem quando a lei o permite, e mesmo então procedem de acordo com os dirigentes locais. A sua espinhosa e benemérita actividade tem merecido gerais aplausos das pessoas que abnegadamente servem os municípios. E decerto não haverá motivo para recriminá-los quando -em casos, felizmente muito raros - tiverem, ainda no exercício da sua competência legal, de receber as queixas dos povos, de averiguar, prudente e conscienciosamente, acerca delas e, porventura, de concluir que foram praticados actos dignos de censura ou de repressão adequada. Procedendo assim, só poderá desagradar-se àqueles que muito se afastaram das normas de administração pública.

Eis o que tenho a honra de expor a V. Ex.ª para os efeitos que tiver por convenientes.

4 de Dezembro de 1950. - António Pedrosa Pires de Lima.

Propostas enviadas para a Mesa no decorrer da sessão:

Proposta de alteração ao § único do- artigo 1 º da proposta da Lei de Meios:

Propomos que ao § único do artigo 1.º da proposta seja dada a seguinte redacção:

§ único. Fica o Governo igualmente autorizado a aplicar às despesas extraordinárias reputadas de maior interesse e urgência todo ou parte do excedente de disponibilidades que possa resultar da maior compressão na fixação das despesas ordinárias e da mais valia que se verifique na cobrança das receitas ordinárias.

Proposta de emenda ao artigo 2.º da proposta da Lei de Meios:

Propomos que no corpo do artigo 2.º, a seguir à palavra «orçamentos», se intercalem as palavras «cujas tabelas não estejam incluídas».

Proposta de alteração ao ordenamento do capítulo III) - Réditos fiscais, da proposta da Lei de Meios.

Propomos que aos artigos 4.º a 8.º, inclusive, da proposta seja dada a seguinte ordem e redacção:

Art. 4.º Como base de ulterior reorganização tributária o Ministério das Finanças promoverá desde já a sistematização dos textos legais reguladores dos principais impostos vigentes. Procederá em seguida à nomeação de comissões que elaboraram, com brevidade, a definição dos princípios gerais e a sua regulamentação em um texto único para cada imposto, bem como a correspondente simplificação dos processos administrativos de liquidação e cobrança.
Art. 5.º A orientação a seguir neste trabalho obedecerá ao seguinte:

a) Revisão de taxas, de adicionais e de encargos, designadamente das verbas do selo, englobando-os numa taxa única;
b) Possibilidade de aceitar declarações e reclamações escritas pelos interessados ou especialmente por termo lavrado nas secções de finanças;
c) Actualização de isenções;
d) Revisão e uniformização do regime das liquidações, bem como das penalidades fiscais e do processo da sua aplicação. I
Art. 6.º Os trabalhos referidos nos artigos anteriores tenderão para um método de cobrança baseado num conhecimento único para todos os impostos de cada contribuinte, devendo igualmente uniformizar-se a divisão em prestações, os prazos de pagamento e as condições de relaxe para todos.
Art. 7.º Quando o estado destes trabalhos o permitir, reformar-se-ão os diferentes impostos directos com base nos rendimentos, no capital e no enriquecimento do contribuinte, com vista a conseguir-se que a carga tributária fique proporcionada ao valor verificado do rendimento nacional e distribuída em harmonia com a sua composição.
Art. 8.º O Governo fará prosseguir os trabalhos do Instituto Nacional de Estatística para a determinação do capital e rendimento nacionais, de forma

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a que fique concluída até 31 de Outubro de 1951, embora com carácter provisório, a primeira estimativa do rendimento nacional.

Proposta de emenda ao artigo 10.º da proposta da Lei de Meios:

Propomos que no artigo 10.º sejam intercaladas as palavras a ou agravamento», a seguir à palavra «criação».

Proposta de emenda ao § 2.º do artigo 12.º da proposta da Lei de Meios:

Propomos que ao final do § 2.º do artigo 12.º seja dada a seguinte redacção: «... bem como aos organismos corporativos e de coordenação económica».

Proposta de emenda ao artigo 13.º da proposta da Lei de Meios:

Propomos que no artigo 13.º seja eliminada a parte final que se segue à palavra «oficiais».

Proposta de emenda ao artigo 14.º da proposta da Lei de Meios:

Propomos que no artigo 14.º seja eliminada a palavra «existentes» a seguir a «vacaturas» e sejam acrescentadas as palavras «ou docentes» a seguir à palavra «direcção».

Pela Comissão de Finanças, Joaquim Mendes do Amaral; pela Comissão de Economia, Francisco de Melo Machado.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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