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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 62
ANO DE 1950 14 DE DEZEMBRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 62 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 13 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com uma emenda do Sr. Deputado Abrantes Tarares, o Diário das Sessões n.º 61.
O Sr. Deputado Carlos Mantero Bélard também propôs alterações ao mesmo Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa um pedido da Direcção-Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna do Ministério dos Negócios Estrangeiros acerca da autorização a conceder ao Governo dos Estados Unidos para adquirir em Lourenço Marques duas propriedades destinadas a residência dos funcionários consulares naquela cidade.
Vai baixar à Comissão dos Negócios Estrangeiros e oportunamente será submetido à deliberação da Câmara.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Marques Teixeira, que se congratulou com a nomeação da Comissão Especial para a Literatura Infantil e Juvenil; Antunes Guimarães, para se referir a certos aspectos do problema de abastecimento de carne, e Miguel Bastos, acerca, do Congresso tios Homens Católicos, há pouco realizado.
Ordem do dia. - Continuou a discussão, na generalidade, da proposta de lei de autorizarão de receitas e despesas para o ano de 1951.
Usaram da palavra os Srs. Deputados André Navarro e Bustorff da Silva, que apresentou uma moção.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 61.
O Sr. Abrantes Tavares: -Sr. Presidente: desejo fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões em reclamação: na p. 144, col. 2.ª, l. 42.ª onde se lê: «eu tive», deve ler-se: «ele teve».
O Sr. Carlos Mantero Belard: - Sr. Presidente: desejo fazer as seguintes alterações ao Diário das Sessões em reclamação:
Na p. 148, col. 1.ª 1. 34.ª, a seguir às palavras «Com efeito», deve acrescentar-se: «existia um distanciamento, com relação aos preços, entre as taxas específicas anteriores ao decreto e as que estavam em vigor em 1939».
O período seguinte «O Governo procurou corrigir ...» deve ser substituído por: «O Governo procurou corrigir essa disparidade, mas a correcção, a meu ver, não foi feita com base no inquérito económico previamente estudado. E deu isso em consequência as disparidades que referi, que são as de taxas que aumentaram excessivamente e outras que, porventura, não foram suficientemente aumentadas».
Deve ser suprimido o período: «Porém, não é do aumento da pauta propriamente que eu falo neste momento».
Nas mesmas página e coluna, l. 47.ª a 50.ª, a parte do período que começa assim: «a minha referência ...» e termina por «entendo dever ser», deverá substituir-se pelo seguinte: «que a minha referência às implicações económicas das pautas é incidental, pois estamos tratando da Lei de Meios. Não estou, portanto, discutindo aqui as virtudes ou os inconvenientes económicos do aumento das taxas em bloco, mas simplesmente referindo as disparidades e absurdos económicos verificados em numerosas taxas».
Na mesma página, col. 2.º, l. 48.ª, as palavras «o grande» devem ler-se «como grande».
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação ao Diário, considero-o aprovado com as reclamações apresentadas.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o
Expediente
Telegrama
Do Grémio da Lavoura de Arraiolos associando-se às palavras do Sr. Deputado Nunes Mexia pedindo a criação do Ministério da Agricultura.
Exposição
De uma regente escolar relatando a situação angustiosa da sua classe e pedindo providências.
Ofícios
Do Grémio da Lavoura de Santo Tirso remetendo a cópia da representação que enviou à Câmara Corporativa respeitante ao diploma do Ministério da Economia sobre plantio da vinha.
Da Presidência do Conselho prestando esclarecimentos ao Sr. Deputado Elisio Alves Pimenta em relação ao seu requerimento de 20 de Abril passado.
O Sr. Presidente: - Transmitido pela Presidência do Conselho, está na Mesa um pedido da Direcção-Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna do Ministério dos Negócios Estrangeiros acerca da autorização a conceder aos Estados Unidos para adquirir em Lourenço Marques duas propriedades destinadas aos seus funcionários consulares naquela cidade.
Vai baixar à Comissão dos Negócios Estrangeiros e oportunamente será submetido à deliberação da Câmara.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Marques Teixeira.
O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: no final da última semana li, com prazer, num dos nossos jornais diários a notícia de que, por despacho de S. Ex.ª o Ministro da Presidência, havia sido nomeada a Comissão Especial para a Literatura Infantil e Juvenil.
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Tal facto conduziu-me a que não apenas rememorasse o conteúdo das instruções emanadas da Direcção dos Serviços de Censura à Imprensa referentes às condições da edição e circulação no País das publicações de literatura infantil e juvenil, mas despertou-me, outrossim, o desejo de proceder atentamente, e de novo, à sua leitura.
Depois de a ter feito senti-me espiritual e moralmente reconfortado!
Creio que igual satisfação terão de experimentá-la todos os portugueses de boa fibra e coração puro, para quem o presente e, sobretudo, o clima dos tempos vindouros da Pátria constituem uma natural preocupação obsediante.
Na verdade, Sr. Presidente, com a promulgação de tão acertada e por tantos títulos inadiável medida, que, pela sua natureza e pelos superiores e alevantados objectivos que visa, é achega preciosa para a salvaguarda do futuro da Nação, foi dado um firme passo em frente no sentido da defesa e valorização da juventude da nossa terra, gravemente ameaçada, no seu espírito, na sua consciência, na sua alma, pela influência deletéria, quando não da morbidez, da escabrosidade, até da insinuaçãozinha político-social, por vezes mal disfarçada, ao menos pela secura, pela aridez, pelo negativismo da contextura de certos livros que por ai pululam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E todos nós tínhamos de assistir de braços cruzados, tristemente, ao delineamento dessa horrível obra de desnaturação, de depravação e de perversão, quando, afinal, só compreendíamos, queríamos e aceitávamos a ideia de que, na frase lapidar do Eminentíssimo Cardeal-Patriarca, é «obra de redenção a dos que se servem da pena».
Pois bem: agora rejubilamos, porque irá, enfim, estancar-se a possibilidade dos fins anti-humanos e anti-sociais que certos autores, por inadvertência ou em consciência -em qualquer caso lamentavelmente, produziam e buscavam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: são de Salazar o conselho e o aviso de que a juventude deve ser preparada para tudo quanto possa exigir dela a honra e o interesse nacional. Função tão alta e tão digna que mais propriamente deverei chamar-lhe sagrada missão, não poderia nunca esperar-se de quem não tivesse bem arreigados na formação do seu espírito os eternos valores da moral cristã e do civismo: de quem não tivesse robustez de ânimo; de quem não tivesse a clara compreensão do que há de intrínseco, grande e imutável no património espiritual da grei lusíada; de quem não tivesse a noção viva da primazia do espírito sobre a matéria; de quem não tivesse amor às nossas mais belas tradições; de quem não sentisse, em plenitude, a legitimidade do orgulho da sua condição de português; de quem, em suma, não tivesse apego firme à ideia de que a raça portuguesa é indissolúvel e há-de ter perpetuidade.
Bem sabemos, Sr. Presidente, que nesta grandiosa e delicadíssima tarefa da preparação dos homens de amanhã há a actuação meritória, que deve ser convergente, da Igreja, depositária indefectível da Verdade, com a sublimidade do seu espiritualismo e a abundância das suas graças, da Família, «base primária da educação», com a influência construtiva e ò poder irradiativo dos seus bons exemplos, da Escola, que seja sempre a sagrada oficina das almas através da sua altíssima missão pedagógica e na preocupação constante de simultaneamente, pôr no cérebro e no coração dos que a frequentam os grandes ideais e os sentimentos da maior nobreza. Nada disto ignoramos.
Mas também não desconhecemos que a fecundidade dessa sementeira bendita (e ocorre-nos a máxima de Plutarco ao sentenciar que em agricultura faz-se mister bom torrão, hábil cultor e boa semente; em educação a natureza é o solo, o mestre o agricultor e os preceitos a semente), não desconhecemos, dizíamos, que a fecundidade dessa sementeira bendita, com certeza feita em terreno feraz, vinha a ser comprometida - tantas vezes irremediavelmente comprometida, Santo Deus! - pelas ervas daninhas que nele vinham a germinar mercê da nocividade doutros factores, dos quais agora apenas quero destacar as más leituras e os maus espectáculos públicos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com efeito, quanto à literatura infantil e juvenil, e restrinjo-me a este capítulo para me não alongar em considerações decerto fastidiosas para VV. Ex.ªs (não apoiados), sómente direi que a par da publicação de muitas obras, verdadeiros mimos de efabulação e de graça e ao demais construtivas e edificantes, que são, sem dúvida, autênticos títulos de glória para os seus autores, outras há, infelizmente, que, sem a menor réstea de pudor pela pureza e especial estrutura do espírito dos jovens que atravessam o período crítico da infância e da adolescência, constituem hediondos veículos de expansionismo de ideias estranhas e corruptoras, atrofiando o carácter, abalando os bons costumes, amortecendo o que deve continuar a ser peculiar à sensibilidade da nossa gente, provocando tendências inferiores; numa palavra: à margem de um plano de princípios, de ideias e de acção que se impunha fosse eminentemente nacional, iam-se sabotando muitas almas em flor da nossa mocidade! Estava pois em aberto, Sr. Presidente, um problema cruciante, que carecia de solução urgente e eficaz.
Saudamos com alvoroço a solução que acaba de ser preconizada. Todos convimos em que, se se impõe que robusteçamos as nossas defesas materiais, é inadiável que cada vez mais reforcemos as nossas defesas espirituais.
Como um alto espírito da nossa terra, direi também, por meu turno, que, se importa vigiarmos atentamente as nossas fronteiras geográficas, não podemos descurar, por forma nenhuma, a solidez das nossas fronteiras ideológicas.
Façamos, como disse Salazar, uma frente da inteligência. E porque os fins múltiplos da Revolução Nacional se interpenetram, se amalgamam, se fundem para formarem um só e o mesmo objectivo superior - o bem comum, a glória, a eternidade dos destinos históricos da Pátria-, volto a dizer afoitamente que, com a promulgação da medida a que venho referindo-me, a Situação bem serviu, mais uma vez, o País.
Sr. Presidente: não se estranhe que na formulação destas minhas desataviadas considerações seja omisso quanto ao problema dos espectáculos públicos.
Nesta matéria, nomeadamente quanto à sétima arte, e seus malefícios e seus benefícios, muita tinta tem corrido pela boa imprensa: destaco, sem desprimor, os jornais Diário da Manhã, Novidades e A Voz, este na lembrança de um minucioso inquérito adrede organizado.
Como sabemos, alguns distintos parlamentares se têm feito ouvir nesta Câmara sobre essa questão, e até eu já aqui ergui a humildade do meu clamor nas sessões de Dezembro de 1946, de Fevereiro de 1947 e de Março de 1949.
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Entretanto é-me muito grato exprimir o contentamento que senti ao ler no artigo 10.º, § 1.º, das instruções retro mencionadas este passo:
A Comissão Especial para a Literatura Infantil e Juvenil indicará às entidades competentes as infracções às presentes instruções, assim como as actividades da restante imprensa e dos espectáculos públicos que, de qualquer modo, possam ser prejudiciais à infância e à adolescência.
É imensamente agradável verificar-se que parece principiar agora a trilhar-se o bom caminho. Exultemos o louvemo-nos por isso. Mas - não resisto à pergunta - porque continua a jazer num sono eterno a Lei n.º 1:947, votada pela Assembleia Nacional? Porquê?!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente. Na pessoa do nosso prezado colega Sr. Dr. Cortês Pinto, a quem admirativamente saúdo, cumprimento com efusão as individualidades ilustres que compõem a Comissão Especial para a Literatura Infantil e Juvenil, de cujo trabalho sério e meritório, a bem da mocidade da nossa terra, a bem do porvir do nosso querido Portugal, é penhor seguro o conceito intelectual e moral em que são justamente consideradas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: quando regressava, na quinta-feira passada, no «rápido» da tarde, à cidade do Porto, ao chegar à estação de Gaia li no Diário do Norte que o governador civil afirmara ter o Ministro da Economia garantido que o problema das carnes seria resolvido até aos alvores do novo ano.
E que o seria a contento de produtores, que o mesmo é dizer da lavoura, do comércio, isto é, dos marchantes e dos consumidores, a cujo número deveria pertencer toda a população, carecida, como está, daquele precioso alimento de tão elevado potencial energético.
Se o ilustre Ministro da Economia conseguir realizar a sua promessa, boa consoada está reservada a todos: produtores, marchantes e consumidores; os primeiros, queixosos dos preços, que não remuneram suficientemente o seu esforço incansável, os segundos, os marchantes, que, conforme se lê no citado vespertino, têm suportado grandes prejuízos, e os últimos, os consumidores, que dificilmente podem abastecer-se de carne (notoriamente na cidade do Porto) e quando a obtêm é a preços incomportáveis para as suas reduzidas economias, sendo certo que a carne de 1.ª categoria e a de vitela quase desapareceram do mercado.
Tão deplorável escassez vai sendo, tant bien que mal, suprida por carne exótica frigorificada, mas as donas de casa, arbitras nos domínios da culinária, não conseguem, por mais que se esforcem, aplausos ao seu consumo, talvez por deficiência de operações complementares da frigorificação.
Está, pois, certa zona do Norte, e particularmente a cidade do Porto, a lutar com falta de carne, e, segundo me afirmaram, grande parte da que ali se cozinha procede dos concelhos das cercanias, mas resulta geralmente bastante cara, devido ao transporte, embora neles se obtenha aos preços da tabela.
Sr. Presidente: a baixa capitação de consumo de carne que normalmente se regista no povo português agrava-se agora em consequência de circunstâncias intercorrentes, que é forçoso remover quanto antes.
Num artigo recente de um vespertino desta capital pude ler que o nosso país figura num dos últimos lugares da lista de capitações de trinta e oito países.
Abaixo de Portugal apenas se registavam a Grécia e a Bulgária.
Tem laivos de paradoxal, mas é incontroverso que os Portugueses aparecem nas estatísticas internacionais sobre capitações de consumo com números muito baixos, justamente no respeitante a produtos para que o nosso país possui requisitos territoriais e climáticos notoriamente favoráveis.
É baixo o nosso consumo, como afirma o mencionado vespertino, relativamente à carne em geral, mas acentuadamente no que respeita à bovina, o mesmo se verificando sobre o leite e lacticínios.
Não obstante, em todo o noroeste da metrópole, na região aveirense, no Ribatejo e ainda noutras regiões, crescem pastagens que asseguram a engorda de importantes manadas de gado bovino e grandes expoentes na produção de leite.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Poucos países realizam habitat tão favorável como em Portugal à cultura da vinha e à produção de massas vínicas excelentes.
Contudo ficamos muito aquém da de outras nações em consumo de vinho.
Produzimos bastante lã, mas abunda a gente mal agasalhada nesta época em que os nevões cobrem as serranias onde se apascentam numerosos rebanhos de ovelhas.
E o mesmo se verifica quanto à fruta perfumada dos nossos pomares, ao peixe excelente das costas atlânticas e a outros produtos da natureza valorizados pelo esforço tenaz dos portugueses.
Até certo ponto, para estas restrições de consumo concorrem insuficiências verificadas nos transportes, defeitos de organização, que não beneficia quanto seria para desejar de fórmulas cooperativistas, técnicas por vozes acentuadamente rotineiras e uma infinidade de entraves resultantes de excessiva ganância ou duma burocracia que, longe de colaborar, vai contrariando o esforço dos variados sectores da economia nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, e apesar das conquistas que se vão registando na elevação do nível de vida, mercê de uma política inteligente e perseverante do Estado Novo, ainda estamos longe de garantir a todos os sectores da população poder de compra em harmonia com um passadio satisfatório.
É certo que notáveis melhorias se têm registado na população, destacadamente nos meios operários, não só no que respeita a alimentos, mas a vestuário, habitação, transportes, assistência médica e no respeitante a outras exigências da vida corrente.
Sr. Presidente: embora o poder de compra ainda não tenha atingido grau suficiente para garantir a toda a população o nível de vida que a política do Estado Novo se esforça por atingir, a verdade é que se mais carne houvesse, mais carne entraria na alimentação habitual dos portugueses.
E se a carne vale pelo seu notável valor energético como alimento precioso do povo trabalhador, ela continua a alinhar ao lado da estreptomicina e de todos os antibióticos e outros recursos terapêuticos com que beneméritos investigadores vão robustecendo os meios de defesa da humanidade, entre aqueles em que mais confiam os abandonados da saúde, notoriamente os da legião crescente de infelizes tuberculosos.
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Sr. Presidente: a escassez de gado bovino corresponderá de facto ao que se afirma em numerosos artigos, muitos deles assinados por competentes na matéria?
Pelo que tenho averiguado, julgo que, embora muito, aquém do número de reses que as largas possibilidades do solo nacional poderiam e deveriam comportar, a existência de gado bovino é, contudo, de molde a garantir um abastecimento, já não digo a, farta, mas sem a mingua que actualmente se verifica em alguns mercados.
Pelo que respeita à região nortenha, que eu saiba, apenas na cidade do Porto é notória a falta de carne. Tanto nos restantes concelhos do distrito, como, de uma maneira geral, nos restantes distritos, não sómente há facilidade em adquirir carne, mesmo de vitela, como a das reses ali abatidas contribui para o abastecimento do burgo portuense, provocando certo estado de crise entre os empregados dos respectivos açougues, onde o movimento passou a ser bastante reduzido, porque à carne exótica que em grande parte os abastece o consumidor portuense prefere a abatida nos concelhos limítrofes, embora os transportes e certa especulação lhe encareça o preço.
E por que não acorrem as reses ao matadouro portuense?
Ouçamos o Sr. Cunha Melo, ilustre presidente do Grémio da Lavoura de Vila do Conde.
Na cidade do Porto não vigora o auto-abastecimento.
A compra do gado é, ali, da competência da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, que depois faz o respectivo rateio pelos marchantes.
O preço pago à lavoura é calculado segundo uma tabela em que figuram quatro categorias -designadas especial, 1.º, 2.ª e 3.ª-, consoante a qualidade das reses, mas previamente abatido da respectiva gordura, que é paga a preços muito mais baixos.
Um exemplo:
Por uma junta do bois que, segundo a classificação obtida, e ao preço correspondente de 225$ cada arroba, deveria ser paga por 19.240$, visto pesar 1:283 quilogramas, o proprietário apenas recebeu 18.045$, isto é, menos 1.2005, porque fora despojada de 120 quilogramas de gorduras, pagos apenas por 600$.
Este procedimento tão prejudicial para a lavoura é justificado pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários pela necessidade de contrariar a engorda excessiva do gado bovino.
Ora, diz o Sr. Cunha Melo, tais casos apenas se verificam na escassa percentagem de 2 por cento do gado abatido, mas a aplicação de tão considerável e incomportàvelmente prejudicial despojo de gorduras generaliza-se a quase todas as reses ali entradas.
Desta forma, diz ainda o Sr. Cunha Melo, não é de estranhar que, tendo a lavoura outros mercados para onde mandar o seu gado livre de tais esbulhos, o faça.
Mas, acrescenta aquele considerado agricultor, a quem a lavoura confiou a presidência de um dos seus grémios, a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, constituída a pedido dos lavradores, para os defender da actuação, para eles ruinosa, dos marchantes, deve subsistir.
A sua interferência, convenientemente orientada, será útil a produtores e consumidores.
Mas deve agir simplesmente como entidade reguladora de preços, isto é, orientando por oportuna e inteligente intervenção a fixação de preços satisfatórios para o produtor e acautelando os consumidores de intoleráveis especulações.
E, assim, defendidos a produção e o consumo, só vantagens haverá em caminhar-se para o auto-abastecimento, deixando a compra de gado confiada à competência de pessoas especializadas na profissão de marchantaria.
É possível que o auto-abastecimento, apesar das vantagens que acompanham sempre a intervenção de técnicos competentes, quando defendida de abusos pela função reguladora de um organismo idóneo, não agrade à totalidade dos profissionais daquela actividade, porque, como diz o povo, «quem tem unhas é que toca guitarra».
O Sr. Cunha Melo entende ainda não haver inconveniente em que o auto-abastecimento vigore nos concelhos vizinhos da cidade do Porto e que a carne ali abatida continue a entrar naquele grande burgo, pois, sem concorrer incomportavelmente com a marchantaria portuense, muito poderá contribuir para o abastecimento daquela população numerosa e activa, não só em quantidade, mas com garantia de boa qualidade o de preços justos.
Sr. Presidente: trouxe estas considerações à Assembleia Nacional porque nas suas linhas gerais, estão certas.
Ainda recentemente ecoou neste grande hemiciclo a afirmação oportuna e eloquente de que os organismos oficiais e similares deveriam evitar toda e qualquer concorrência às actividades privadas, para se confinarem na função reguladora e orientadora que por lei lhes compete.
O comércio deve pertencer aos comerciantes, como a indústria aos industriais.
E convencido estou de que, embora sem atingir proporções de grande fartura, a carne não faltará à população portuense.
Mas uma tal política não deixará de concorrer também para que a bovinocultura tome no território metropolitano, como seria da maior conveniência, considerável incremento, já não digo para concorrer, como noutros tempos, nos mercados estrangeiros, sobretudo no britânico, com a carne frigorificada da Argentina, do Brasil e doutros países sul-americanos, mas para abastecer como convém a população portuguesa, que as estatísticas demonstram ir aumentando em ritmo anual que já excede a centena de milhares de habitantes.
Simultaneamente valorizar-se-á a lavoura com valiosa adubação orgânica e garantir-se-ão a variadas indústrias subprodutos de alta categoria, como os couros, que, convenientemente defendidos do bárbaro aguilhão, não têm rivais nos produtos similares importados do estrangeiro.
Sr. Presidente: mais que a cultura cerealífera, que ocupa área apreciável do sector agricultável do nosso território metropolitano, a pecuária, nos seus diversos ramos, encontra nas respectivas condições mesológicas habitat conveniente à sua exploração.
E se as varas porcinas, sobretudo nas montanheiras alentejanas, as recuas, em que se apreciam magníficos exemplares, e o armentio fornecedor de boas lãs e apreciáveis queijos, e que imprime nota pitoresca, sobretudo nas serranias beiroas e trasmontanas, constituem valores muito apreciáveis, o gado vacum, que vai medrando por toda a parte, aqui mais adequado à fracção, ali a constituir zonas leiteiras de 1.ª categoria, e, duma maneira geral, figurando como factor valioso da alimentação e fonte de subprodutos utilizados por variadas indústrias, já figura na riqueza nacional com elevado expoente, mas é ainda susceptível de aumentar e melhorar consideràvelmente, dispensando-nos de variadas importações, contribuindo assim para o equilíbrio das nossas balanças comercial e de pagamentos.
Sr. Presidente: o que eu acabo de dizer, e o muito mais que sobre tão importante tema poderia aventar-se, justifica o tempo tomado à Assembleia Nacional com a exposição que VV. Ex.ªs tiveram a paciência de ouvir.
Não apoiados.
Além disso, estes depoimentos que o Diário das Sessões vai publicar não deixarão de ser apreciados pelo ilustre titular da Economia ao elaborar a sua anunciada
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fórmula de abastecimento de carnes, especialmente no que respeita às cidades de Lisboa e Porto.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: tenho notado, com vivo prazer, que esta Assembleia nunca tem deixado de sublinhar, com traços bem expressivos, todos aqueles acontecimentos que em si contêm razões de verdadeiro interesse nacional.
Por esse motivo ouso erguer hoje aqui a minha voz, para assinalar um acontecimento que, pela grandeza de que se revestiu, força emotiva que dele se ergueu, expressão de sentimentos que revelou e projecção que teve no mundo português, é digno dum momento de atenção, dum momento de meditação. Refiro-me ao I Congresso dos Homens Católicos, reunido em Lisboa nos últimos dias da semana finda.
Numa hora cheia de inquietações, de dúvidas, de ansiedades, alguns milhares de homens reuniram-se nesta cidade e, firme e desassombradamente, estudaram e observaram u luz de certezas eternas alguns dos mais graves problemas que atormentam a vida da Humanidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Numa hora cheia de ódios e violências, esses mesmos homens, conhecendo o caminho, a verdade e a vida, proclamaram para aqueles problemas soluções de paz, de justiça, de caridade.
Numa hora cheia de apelos à força e à luta, angustiadamente se afirmou mais uma vez, com clareza iniludível, lógica insofismável, firmeza incontroversa, quais os dados seguros através dos quais todos os homens, como todas as nações, podem encontrar solução para a problemática que se ergue, nesta hora, perante todos nós, no caminho do futuro, no caminho de todos e no de cada um de nós.
Peço licença para chamar a atenção do Governo para as conclusões deste Congresso.
Não sei, na minha insignificância, que horas se vão viver nos tempos mais próximos. Estaremos com certeza presentes no momento e no lugar que nos for designado por aqueles a quem compete superiormente dirigir e orientar a Nação. Onde eles estiverem está com certeza o interesse nacional, a necessidade da defesa duma civilização à luz da qual nascemos e nos fizemos grandes. Com eles está com certeza a honra de Portugal. Mas neste plano, porém, tenho as coisas como certas e indiscutíveis.
O que interessa essencialmente é fazer apelo a governantes e governados para que se enfrente a luta por aquelas coisas que estão verdadeiramente, e desde já, à nossa mão, e que podem imediatamente sofrer a nossa decisiva intervenção, coisas que estão bem expressas nos votos aprovados naquele Congresso por fervorosa aclamação de milhares de portugueses, aclamação cujo ruí-lo soa ainda aos meus ouvidos e ainda agora me emociona e faz vibrar.
Estamos numa viragem da História. Sente-se que qualquer coisa de novo é indispensável que surja na estrutura social e económica do nosso tempo. Não nos desorientemos nem perturbemos. Conhecemos a verdadeira doutrina o sabemos os caminhos por onde ela nos conduz.
Tenhamos apenas a coragem de a proclamar, de a aceitar com firmeza, e sobretudo decidamos vive-la na sua plenitude - expressão pessoal duma vida, sentido duma política geral.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1901.
Tem a palavra o Sr. Deputado André Navarro.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: dou inteiramente o meu aplauso à proposta do Governo referente à autorização de receitas e despesas para 1951. E dou-o sem hesitar, aprovando-a na generalidade, pelo que ela contém e elevados propósitos que revela.
Esta atitude não me impede de apresentar pequenas discordâncias quanto a alguns pormenores. São aspectos, porém, para serem analisados noutro momento, quando se realizar a discussão da proposta na especialidade.
Cumpre-me destacar também neste momento e notável relatório da Câmara Corporativa, notável pela clareza da exposição e profundidade da análise e ainda pelo espírito crítico que o informa. E, por isso, estudo que em nada diminui o seu autor, pois é de facto igual a quem o subscreve.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ninguém, ou são tão poucos que não constituem força de opinião, duvida hoje do excepcional mérito da regeneração financeira de Salazar.
Seria lugar-comum, em que não desejo cair, falar em qualquer coisa da grande estrutura financeira em que se apoia o Portugal contemporâneo. Todos vemos o grande edifício, construção nuclear do Estado Novo. Até os míopes e os homens de vista cansada o vêem, e como já decorreu tempo suficiente para que à sua imagem se multiplicassem outras construções obedecendo à mesma arquitectura, e, como eles têm aparecido em número convincente, confirmam o acerto das grandes mestras.
A experiência portuguesa do segundo quartel do século XX, num mundo que inicialmente a desconheceu e depois a não compreendeu, constituiu fundamento do enunciado dum importante teorema de administração. E hoje assistimos, já com naturalidade, ao desenvolvimento de numerosos corolários ...
Não será, pois, necessário dizer que, quanto a este aspecto, Portugal deu ao Mundo mais um exemplo da maior valia. A Lei de Meios não poderia, por isso, deixar de reflectir a pureza dos princípios que nos guindaram a essa situação de estabilidade financeira, neste momento de equilíbrios instáveis em que povos e nações a anseiam, procurando o mesmo resultado por tortuosas veredas.
Os artigos 1.º, 2.º e 3.º da Lei de Meios, velando pela manutenção deste equilíbrio, colocam a proposta em discussão inteiramente dentro da filosofia do sistema.
Sr. Presidente: da proposta governamental deduz-se, na análise do capítulo referente a réditos fiscais, que se pretende avaliar, com maior rigor, a matéria tributavel, com vista a uma mais perfeita justiça na distribuição dos encargos pelos contribuintes. O propósito
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enunciado do cálculo aproximado do capital e do rendimento nacionais só por si deverá merecer o mais entusiástico aplauso desta Assembleia.
Isto não impede que consideremos árdua a tarefa e, por isso, talvez curto o período de tempo previsto para a conclusão da primeira estimativa.
São numerosos os países que actualmente dispõem destes preciosos elementos de estudo. Não afirmo, porém, que todos sejam de igual crédito - mesmo em relação a alguns julgo que nem merecem a designação de estimativas aproximadas.
O imposto não deve ser hoje considerado apenas como forma de conseguir meios para saldar os encargos da Administração. Numa saudável economia de um estado corporativo, a sua função poderá ser, sem que daí resulte mácula para a filosofia do sistema, a de uma redistribuição de rendimentos em ordem a proporcionar um progressivo acréscimo do nível de existência das gentes. Será assim uma função que não é de menor valia na extensificação da mais valia, isto é, na generalização do enriquecimento.
Talvez, uma vez apurado o rendimento nacional e o valor das suas múltiplas componentes, se faça então inteira justiça à sofredora indústria, que também é arte de empobrecer alegremente. Será possivelmente essa a altura de encaminhar para a terra o que da terra tem sido indevidamente desviado, para se transformar em ostentação e tantas vezes em loucura.
Vem já de longa data esta sangria.
Os gastos de que a capital do Império tem sido maravilhoso cenário, desde a delapidação daquelas riquezas que portugueses de antanho conquistaram para a vida da Pátria, vendendo a própria vida por todas as terras de além-mar - especiarias, ouro e diamantes da Índia e do Brasil -, e que, quando elas acabaram, outros as foram desentranhar neste velho e já cansado torrão, e a própria terra foi então desfeita, terão servido para alimentar úteis empreendimentos? Não vale a pena citar D. João de Castro e a sua nobre atitude em prol do prestígio de Portugal para mostrar a nossa penúria nos momentos de maior fausto.
Para quê iludirmo-nos? Não, minorias parasitárias, caruncho que corrói as maiores virtudes dos povos, minorias que são sempre iguais a si próprias em todos os tempos, que minaram Roma, como tinham abalado Esparta e Atenas, que fizeram ruir impérios e repúblicas e que foram e são hoje também os mesmos e negros corvos à procura de despojos, não permitem que sem dura luta a humanidade caminhe para horizontes mais nobres. Não podemos deixar, por isso, de dar sincero apoio nesta batalha a travar contra revoltantes tiranias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Rendimento nacional determine-se com urgência, aperfeiçoem-se sucessivamente as estimativas e calculem-se as maiores valias e o enriquecimento e caminhe-se depois para uma saudável redistribuição dos proventos através de justa e sábia política de impostos.
Que até lá se sistematize a legislação tributária, para que cada um, desde o menos ao mais letrado, saiba quanto, quando e como deve pagar e que possa reclamar, se achar injusta a carga, acho empresa que só pode merecer inteira e completa aprovação. De resto, o ilustre Ministro das Finanças, que foi um dos mais brilhantes ornamentos desta Casa (apoiados), foi sempre partidário da realização destas pequenas grandes coisas.
Sr. Presidente: sobre eficiência de serviços públicos e seu custo - capítulos IV e V da proposta governamental -, julgo que o nosso funcionalismo deve merecer neste momento uma palavra de justiça, quanto mais não seja por ser o mais probo do Mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se não é por vezes inteiramente eficiente o seu trabalho, deverá procurar-se noutras causas que não seja falta de interesse em cabalmente desempenhar as respectivas funções.
Talvez nuns casos deficiente estrutura dos serviços e noutros mecanização a menos. E não se poderá também dizer que é caro o seu trabalho por ser razoavelmente pago o esforço que despende.
Talvez se pudesse conseguir mais e melhor reduzindo, sim, algumas duplicações estaduais e estaduais corporativas, e, com o uso racional da máquina, poupando, aqui e além, esforços intelectuais e braçais.
Não devemos esquecer, contudo, que, por sermos muitos vivendo em pouco espaço, é necessário pensar a fundo antes de resolver no sentido de uma excessiva modernização.
Não vá tornar-se mais precária do que é hoje a situação da nossa sacrificada classe média. E este um caso como outros, de resto, em que será necessário dar tempo ao tempo para ultrapassar mais alguns degraus antes de se chegar ao primeiro patamar.
E não nos iludamos por isso quando compararmos o rendimento da nossa máquina burocrática com o das dos ricos países industriais ou dos plenos de juventude. Se os oito séculos nos dão velhice, dão-nos também alguma experiência.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que foi dito é apenas rápido preâmbulo, nota para o que desejamos agora desenvolver com um pouco mais de minúcia quanto a investimentos públicos.
Terminou em 24 de Maio do corrente ano o prazo de vigência da Lei n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935, conhecida pela Lei de Reconstituição Económica.
Na admirável síntese que o Sr. Presidente do Conselho enviou a esta Assembleia tivemos um exacto depoimento do que foi o valor do trabalho realizado, à sombra desta lei, no curto período de quinze anos.
E como afirma S. Ex.ª o Presidente do Conselho: «Apesar das guerras e das suas repercussões de vária ordem, apesar de más colheitas sucessivas, com baixa inevitável dos rendimentos de um dos maiores sectores económicos, a vida do País sofreu, nos últimos anos, uma grande transformação».
O triste tempo dos projectos bem intencionados, concebidos por altas mentalidades, mas tornados utópicos pelas dificuldades de realização, e que criaram no século XIX uma atmosfera de desolador pessimismo, deu lugar a um saudável optimismo que se tem transformado mesmo, por vezes, em exagerada exigência de progresso (apoiados). Recuperámos já quota-parte importante de um século perdido. E digamos perdido não só no que se refere a benefícios materiais, mas, o que é mais fundo nos efeitos, nas delapidações espirituais, que conduziram a nossa Pátria a uma situação que tornou urgente que a obra missionária regressasse na sua árdua missão da conquista da Verdade aos territórios da metrópole imperial. O notável Congresso da Acção Católica, a que assistimos nestes últimos dias, é bem expoente do valor desse regresso.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cuidou-se activamente da defesa nacional e também das estradas e dos caminhos de ferro,
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dos portos de mar e dos aeroportos, da marinha mercante, dos aproveitamentos de energia, das barragens e das condutas de rega, do povoamento florestal de serras o dunas e da colonização interna. E cuidou-se também da alma da Pátria, maculada por um século de estrangeirismo, consumida por labaredas que do Oriente vieram.
Castelos, igrejas e mosteiros e tudo que nos liga à tradição de um paus maior entre os maiores foi sucessivamente restaurado com acrisolado amor na sua primitiva grandeza. E, assim, vemos melhor o passado já distante, que uma reconstituição prodigiosa nos trouxe, aos nossos olhos, no ano dos Centenários.
O milagre operado pela aparição da nossa Padroeira, que fez nascer na Cova da Iria multidões de fervor religioso u volta de uns pobres pastorinhos, onde, anos atrás, se maculava a consciência católica da Nação com perseguições inauditas, foi o raio de luz a anunciar a aurora do Ressurgir.
Recebemos da Providência lima rica dádiva. Precisamos de nos tornar verdadeiramente dignos dessa Graça, cuja projecção ultrapassa o que podemos, pobres de nós, antever!
Olhemos para trás. Já não vemos, na realidade, sombras. E o que vemos? Vemos assinalados varões - reis, príncipes, chefes e guerreiros, missionários, navegadores e marinheiros, sábios e políticos e na longa esteira um grande povo.
Divisamos heróicas batalhas por ideais - sempre os mesmos, de resto: Deus, Pátria e Família - e como única bandeira a das quinas, dos castelos e das chagas. Divisamos a comunhão do clero, da nobreza e do povo em cortes, em que sábios reis nunca atraiçoaram a sua alevantada missão. Vemos rainhas santas e santas rainhas espalhando rosas onde corre a dor. Vemos Portugal eterno - o de hoje, o de ontem e o de sempre.
Se assim vemos, porque ainda hesitamos em o proclamar? Porque hesitamos em dar à Nação inteira consciência do que fomos e somos? Porque hesitamos em que seja inteiramente respeitada a consciência católica do nosso povo, permitindo que essa juventude, que é a nossa esperança, possa cumprir, como deseja, os seus deveres perante Deus, respeitando religiosamente os dias santificados?
Porque hesitamos em proclamar que é necessário ajudar, mas ajudar efectivamente, a preparação de novos soldados de Cristo para o seu santo trabalho em todas as províncias do Império?
Porque hesitamos em restaurar instituições tendentes no respeito pela dignidade dos ofícios, forte sustentáculo do trabalho nacional?
Porque hesitamos?
A ordem não tem de vir do chefe. É o País que o Rente, é a luz que novamente banha com esplendor as sombras.
Apoiados.
Povos mais afortunados que o nosso pela riqueza industrial puderam passar esse triste século XIX sem que a Cruz deixasse de ser sempre, na alma, o doce refúgio das dores e dos infortúnios. Passámos, infelizmente, essa época de sofrimento vendados os nossos olhos à luz que tudo alumia.
Hoje, que ela nos banha novamente, clarificando as almas, sejamos todos portugueses de Portugal, de aquém e além-mar, como uma só força na luta, conforme as palavras do Santo Padre contra as temíveis forças do mal: a Elas estão muito organizadas e são incansáveis ...».
Sr. Presidente: vai abrir-se um novo período de intensa renovação e já foi traçado prudentemente o seu rumo. Por onde seguimos então?
Fomos dos que sempre consideraram como anti-humanos os ideais filosóficos de Engels e de Cari Marx. Essas vãs promessas dum paraíso de igualdade, quando o próprio paraíso bíblico foi exuberante na variedade, já deu as suas provas. Multidões de escravos, soldados autómatos dum ideal imperialista - o eslavismo do século XX, que irá para a História com a figura enigmática dum Estaline, como o foi, em épocas já passadas, com Pedro, o Grande.
Planeamento integral de toda a vida económica, verificação da iniciativa privada, o zero humano igual à unidade humana, resultado em que a economia marxista ultrapassa as concepções mais audaciosas da matemática. Destruição da família, atomizada de acordo com as necessidades duma mecanização irracional da existência. E, quanto à alma desse povo, podemos dizer que é ainda no seu âmago que residirá a esperança de salvação, quando essa gente sofredora for libertada dos seus carrascos.
O resto da Europa, mais ou menos socialista, estatista em vários graus e também com apoios frequentes no planeamento parcial da economia, com assembleias democráticas caracterizadas por notáveis jogos florais, não nos pode também servir de guia. No fundo, apenas delapidação de riquezas em países felizmente muito ricos. Isto em relação à Europa para além-Pirenéus, é claro que não falando já das sombras onde dominam chacais, sugando indefesos cordeirinhos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não desejamos, pois, um Estado omnipotente e omnisciente, apoiado num planeamento total da vida económica e social.
Coordenação de actividades sim, por forma que o interesse colectivo seja devidamente acautelado. Programação das iniciativas de fomento de maior vulto, por forma a evitar desgastes. Colaboração íntima do capital e do trabalho, de operários e patrões, grémios, sindicatos e corporações. Homens livres em vez de homens escravos. Luz em vez de sombra.
E é dentro desta mística que vamos continuar. A segurança do caminho andado permite-nos dispensar de seguir rumos diferentes daqueles que sempre trilhámos. O Cruzeiro foi sempre seguro rumo nas mais difíceis rotas.
Já sabemos que é pobre o território que pisamos na velha Europa. Desde Haberlandt e Brunhes a Brokinanu e Jerosh, todos afirmam que a nossa paisagem florística não pode deixar dúvidas quanto a possibilidades agrárias. Não somos melhor dotados em hulhas e em matérias-primas industriais.
Se nos sobra a água em parcela reduzida no território, a paisagem xerófila domina inteiramente o ambiente. De resto, para tal concluir, basta observar de relance a extensão imensa do império do montado.
O alfobre de gente acantona-se por isso, desde que o homem se instalou neste recanto peninsular, onde as condições mais facilitaram a sua fixação. De resto, a semente tem provado ser bem fecunda. As duas pérolas insulares e a pátria que criámos, à nossa semelhança, na outra margem do Atlântico mostram-nos bem o valor criador da nossa raça.
Dizimada a grei em duras lutas no solo pátrio, na defesa do torrão e na .propagação da fé, arruinada ainda por pestes virulentas, o português é hoje falado em todos os continentes por muitas dezenas de milhões. Parece, pois, que gente não falta para a labuta do território.
É claro que diante de nós se levanta ainda hoje, prometedor, o extenso horizonte dos territórios ultramarinos escaldados pelo sol dos trópicos.
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Contudo, mesmo assim há, é um facto, o desfasamento entre as possibilidades actuais de gente e o ambiente material da sua existência.
Por outro lado, mais de metade dos que somos depende inteiramente da forma como decorrem as estações e a outra metade sente pouco depois os seus efeitos. Esta a situação real quanto a possibilidades económicas e de progresso social. Esta a situação, sem quaisquer rodeios ou visões deformadas, digamos melhor, miragens do mundo da utopia. Não é caso, porém, para desanimar, porque o engenho humano não cessa de progredir.
Essa nação que todos julgamos muito rica - os Estados Unidos da América - também tem os seus graves problemas, e talvez ainda de maior acuidade que os nossos próprios.
Lá também, enquanto eram poucos com referência à extensão do território e às disponibilidades de energia e de minérios ricos, a vida foi fácil e o nível de existência subiu a altura nunca vista na velha Europa. Mas hoje também o horizonte de existência desse grande povo tem, da mesma forma, nuvens carregadas a toldar o futuro.
O ferro, a hulha e o petróleo, que constituíram as molas reais do seu avanço, estão em via de chegar a difíceis condições económicas de explorabilidade.
E, assim, já se trabalha no estudo do aproveitamento de minas distantes e no difícil transporte de tão precioso minério, bem como na exploração de poços de combustíveis líquidos hoje cobertos pelos oceanos. E no território nacional já se começou também, há muitas décadas, activamente, a valorização de grandes bacias hidrográficas dos rios que correm nas zonas secas, como o Mississipi, sujeito - este como o nosso modesto Tejo - às intermitências estacionais. E assim vão conquistando para o povo dos Estados Unidos, no mesmo espaço, mais espaço económico.
Contudo, para atingirem estes resultados, já percorreram também falsos «talhos, desbravando em exploração agrícola mineira matagais e florestas que cobriam encostas de vário pendor. E o resultado foi sentirem, poucas décadas decorridas, o feroz rugido duma natureza ferida. Cheias, tempestades de pó que tudo esteriliza, tornados e, no fim desta trágica cadeia, a dramático, erosão. E, lá como cá, os rios eram disciplinados, mantendo-se nos seus leitos de equilíbrio.
Lá como cá, foi a necessidade de aumentar o cereal e o pasto que determinou o arranque da árvore e do arbusto.
Lá como cá, as águas coraram, talvez pressentindo já consequências funestas.
Lá como cá, depositaram-se nateiros nas margens e houve lavradores enriquecidos e outros empobrecidos.
Lá como cá, a nação é que perdeu sempre.
Lá como cá, na mira de resolver dificuldades por processos considerados expeditos, errou-se e foi o povo que teve de pagar, e bem caro, os enganos de homens pouco experientes. Surgiram, prometedoras, e «s dezenas, obras hidroeléctricas, acrescendo o potencial energético da Nação; irrigaram-se milhares de hectares de sequeiro.
Mas lá, antes da era da programação das iniciativas de fomento, muitas obras foram tornadas estéreis pelas ressacas da Natureza.
Lá como cá, muitas indústrias foram montadas, para, poucos depois, serem desmontadas ou então abandonadas.
Lá como cá, árvores de fruto preciosas, constituindo verdadeiros, jardins de Hespérides, foram arrancadas ainda em plena juventude, por se ter verificado, no decurso da exploração, que os estudos preparatórios não tinham sido bem fundamentados.
Lá como cá, grandes parcelas do rendimento nacional evolaram-se assim, sem contribuir para a melhoria das condições de existência da grei. Devemos, porém, considerar estes cadáveres, que, aqui e além, entristecem a rota para uma vida mais feliz, como escolhos a impedir definitivamente a grande caminhada ou apenas alguns exemplos de obstáculos em que é mister não mais tropeçar? E claro que assim tem de ser, e só então será para lamentar, amargamente, quando se insista no erro depois de conhecer a verdade.
Teve o americano do norte, amante da verdadeira liberdade, partidário convicto do valor da iniciativa privada, respeitador profundo dos verdadeiros direitos do homem, de se sujeitar, para benefício colectivo, da programação económica. E fê-lo sem hesitar, e nunca, também, a não ser em períodos de grave emergência, se aproximou do Estado-patrão.
De resto, o enterro de 1.ª classe de algumas loucuras deste género em países outrora ricos da Europa industrial constituirá exemplo para perdurar por séculos.
Não! Lá como cá, na América como na Europa, teremos de ir para a programação nos gastos importantes do rendimento nacional. E, se o não fizermos, a estatística, acusará declínio do capital nacional e desigualdades gritantes no enriquecimento.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Programação, contudo, é obra para profissionais. Escolhida a base de estudo - bacia hidrográfica, nos países em que os rios constituem a principal fonte da vida -, é necessário estudar a terra que fica nas suas malhas, o seu valor agrícola, florestal e mineiro, os fertilizantes de que carece, a. resistência que oferecem os diferentes tipos de solo à erosão e a forma de a combater, para que depois possam ser dados úteis conselhos aos interessados.
Calculam-se os caudais e as quedas pluviométricas por forma a permitir a regulação da vida do rio. Escolhem-se os melhores locais para cada unidade talergética ou fabril, dispondo as centrais onde elas forem mais rendosas e as condutas de irrigação onde derem mais proveito. Traçam-se as vias de comunicação por forma a permitirem a maior actividade circulatória, evitando-se a concorrência inconveniente entre a rodovia e a ferrovia.
As linhas férreas, como disse o ilustre Prof. Doutor Faria Lapa numa interessante conferência há pouco proferida, o têm de constituir as grandes artérias e veias do sistema circulatório e sobre elas tem de convergir e delas divergir uma vasta e apertada rede de capilares, constituída por transportes automóveis «em regime de carreira - o único que reúne as características de serviço público».
E tudo isto, que parece tão simples, e que o é de facto, não tem sido, infelizmente, realizado senão em número muito limitado de países. E não se julgue que é preciso muitos anos para se chegar a este resultado. Temos mesmo a. certeza de que é esta a forma mais rápida e mais segura de caminhar. Porque, além dos inconvenientes ligados a uma delapidação do rendimento nacional, a fábrica construída e que depois de terminada não pode funcionar, por falta de energia ou por outra causa qualquer, ou aquela que, instalada, produza bens a custo muito superior ao do mercado internacional constituem exemplo que só vem dificultar o progresso da iniciativa privada.
Aguardamos, por isso, que o Governo, na esteira d outras úteis programações já realizadas, como a da construção da rede de estradas, dos portos, das escolas primárias, dos liceus, dos hospitais, das moradias económicas, dos quartéis, etc., inicie também, sem demora,
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a programação económica da utilização dos nossos rios. Mas em relação a este ponto ouso fazer ainda uma pequena nota. É que não se perca o ponto e nos lembremos que estamos trabalhando num país de medianos recursos e que teremos de subir ainda vários degraus para atingir o primeiro patamar ... Deixemos os mármores e os granitos para doces sonhos dos nossos poetas ... E não se julgue que, uma vez terminadas as primeiras fases deste árduo trabalho - quinze ou vinte anos seria o prazo talvez compatível com as possibilidades do rendimento nacional -, chegaríamos à conclusão de que a terra continuaria a ser ingrata. O acréscimo de energia e de possibilidades de irrigação permitirá saldar as faltas de pão e de carne.
Teremos de modificar, possivelmente de forma radical, alguns aspectos da nossa vida agrária. O Nordeste, por exemplo, depois do esforço de aglutinação de minúsculas parcelas e de alteração do actual regime da sua exploração, seria o reino da agricultura intensiva, tendo uma pecuária rendosa como factor dominante e a indústria dos lacticínios e outras generalizadas na base cooperativa.
Quem sabe se não se justificaria então incluir nos hábitos de cultura a rica beterraba sacarina, num conveniente arranjo económico com os interesses das províncias ultramarinas. Assim se obteria o açúcar a preço razoável para as indústrias das conservas de frutas e se facilitaria o acréscimo de capitação nacional deste precioso alimento.
Levando a cabo esta alteração da vida agrária no sentido da sua intensificação e industrialização, deixará de haver ressalto sensível entre os níveis de existência de operários e de camponeses.
Como também no Sul, na paisagem do montado, será conveniente associar à glande e aos produtos híbridos das searas de milho dos futuros regadios o milho angolano, obtido a baixo custo. Instalando rede conveniente de unidades de conservação e preparação de carnes, deixaremos então de estar sujeitos às actuais flutuações estacionais de proteína de origem animal.
E, se então houver ainda falta, ela será facilmente coberta por uma melhor distribuição no interior continental de peixe do alto.
Nalgumas províncias onde o pomar é hoje acidente poderá também, num conjunto económico bem estudado, prever-se a extensificação da arboricultura industrial.
E não é necessário colher resultados prévios em países distantes. Bastará lembrarmo-nos do nosso passado e do que se passa, no presente, na vizinha Espanha.
De resto, os olivais, os vinhedos de vinho e de uva de mesa, os soutos e os montados continuarão a constituir fonte importante do rendimento da nossa agricultura. E tudo se fará, assim, sem delapidar riquezas e sem desequilibrar as forças da Natureza, reproduzindo, em pequena escala, o exemplo edificante do Vale do Tennesse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A programação económica do aproveitamento das bacias hidrográficas permitirá o cálculo rigoroso das disponibilidades de energia e a determinação da mais conveniente hierarquia do aproveitamento das diferentes unidades a instalar. Conhecidos estes resultados, poder-se-á, então, caminhar com segurança nos planos de fomento da agricultura e da florestação, do aproveitamento mineiro e do desenvolvimento industrial compatíveis com as reais determinantes do ambiente.
E havendo, como é de prever, maior cooperação económica nas relações internacionais, intra e extra-europeias, não faltarão mercados para os produtos do nosso labor, como também poderemos, sem gastos de ostentação, aumentar as nossas compras no estrangeiro.
Logo que a água fecundar mais hectares do Sul não faltarão, da mesma forma, condições para que desapareça de vez a crise de trabalho que hoje constitui amargura para muitos portugueses e razão de deficiente utilização de parcela importante do rendimento nacional. E, se ainda houver saldos humanos, não é difícil antever maiores possibilidades de progresso da pátria irmã de Além-Atlântico.
Mas isto só será um facto de real valor na comunhão de interesses das duas nações se essa corrente emigratória, verdadeira dádiva de sangue que às duas pátrias é comum, for unir pelos interesses o que o sentimento aproxima.
Continuemos, pois, a caminhar. As gerações vindouras furão possivelmente justiça ao nosso esforço. Farão com certeza justiça à intenção do nosso sacrifício.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: ecoa-me ainda na memória, com profunda emoção, a maravilhosa sinfonia oratória que ouvimos ontem ao Sr. Presidente do Conselho.
Um poder de síntese admirável, a sensação do sacrifício pessoal levado a extremos que, por vezes, já quase não são estímulo, tal a impressão do inatingível, de sobre-humano, que provocam, e, acima de tudo, uma concepção superior, uma autêntica visão de águia sobre todos os problemas que dominam não apenas a vida interna do País, mas também a vida internacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - São de S. Ex.ª estas duas notas:
O povo gosta que lhe mintam, mas não quer viver enganado. A regra da nossa vida futura tem de ser a da maior severidade nos gastos e na vida.
É no impulso destas duas sugestões que subo à tribuna mais uma vez. E faço-o para exaltar a orientação nova manifestada na Lei de Meios, que se encontra em discussão.
Desse diploma, a todos os títulos notável, quero destacar os preceitos contidos nos artigos 4.º, 7.º, 10.º e 18.º
No artigo 4.º consigna-se uma velha aspiração desta Assembleia, que já tive oportunidade de referir por mais de uma vez: a equidade na repartição do imposto.
Tenho afirmado, e cada dia me sinto mais convencido, que a capacidade tributária do País está atingida, importando um sacrifício que se suporta com resignação.
E o que todos pretendem é pagar com melhor equidade e, cumulativamente, com maior simplicidade. Esta simplicidade visa-a e atinge-a em absoluto o preceito consignado no artigo 7.º da Lei de Meios.
No artigo 18.º vêm consignados princípios novos, que acodem ao sobressalto e à preocupação daqueles a quem interessa e importa o estudo dos problemas da governação pública.
No § 2.º deste artigo determina-se que o respectivo § 1.º será aplicável aos serviços autónomos e aos dotados de simples autonomia administrativa. No corpo do artigo anuncia-se que o Governo realizará durante o ano de 1951 o estudo do regime legal e da situação financeira dos fundos existentes, ainda que não inscritos no Orçamento do Estado, encarando a sua fusão de uns com outros e a possível redução dos respectivos encargos.
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O § 1.º estabelece o princípio da compressão das despesas, a realização de uma separação mais perfeita entre a administração patrimonial a gestão económica do ano, a reserva do recurso ao crédito e de outros meios extraordinários para despesas reprodutivas e a racionalização dos serviços pela melhor organização e distribuição do pessoal nas suas funções e tarefas. É muito, é enorme. Mas não chega!
Estabelece-se um programa, mas não se vai ao ponto de autorizar os meios de controle indispensáveis à exacta realização dos objectivos desse programa.
VV. Ex.º poderão objectar-me que para se atingir esse desiderato existe o Tribunal de Contas. Mas a intervenção deste Tribunal continua a ser insuficiente, porque todos sabemos que a sua competência visa a verificação da exactidão do regime jurídico das contas, mas não atinge a revisão económica das mesmas contas.
Cumpre assegurar essa revisão, com efeitos prévios.
A verificação - digamos póstuma - da correcção ou deficiência de quaisquer contas reputo-a insuficiente.
Suponho indispensável, no período de angustiosas restrições que nos foi anunciado, uma forte intervenção prévia e directa do Governo, em termos de verificar antecipadamente os orçamentos dos organismos autónomos ou com simples autonomia administrativa.
Porquê? Para quê? Vou justificar o meu critério.
Por vezes, na direcção de determinados organismos afigura-se a existência de uma espécie de psicose na respectiva administração.
O fenómeno histórico do feudalismo, pode dizer-se, passou por Portugal sem deixar vestígios. Entre os portugueses de antanho nunca encontrámos radicado aquele tipo de senhor feudal, vivendo num castelo roqueiro, senhor de baraço e cutelo, com a sua corte, os seus cavaleiros, os seus homens do armas, quase que cunhando moeda, armando exércitos, lançando a guerra.
Mas a verdade é que, anos ou séculos decorridos, aquilo que não víramos nas barbacãs dos castelos senhoriais surge-nos num ou noutro caso caricaturalmente personalizado nuns senhores de rabona, instalados em primeiros e segundos andares catitas, ou em prédios que foram antigas moradias, nos quais se encontram em plena liberdade de actuação, dirigindo organismos autónomos ou com simples autonomia administrativa. E, então, verifica-se um contraste que confrange. Nos serviços públicos directamente dependentes de cada Ministério há a preocupação da parcimónia, da economia, da restrição de todas as despesas; nesses organismos, que valha a verdade constituem a excepção, depara-se-nos por vezes um fausto que quase se pode classificar de oriental.
E pior!
Noutro aspecto da paisagem - este agora caracterizado pela errónea, mas escusável, ideia de obter ampla liberdade de movimentos, como condição essencial de uma gestão proveitosa - esquece-se que tais organismos são prolongamentos do próprio Estado, serviços deste.
E as suas administrações passam a proceder em relação ao Governo Central por forma a evitar não só a sua fiscalização ou tutela, como, o que já se não admite, a impedir as justas participações económicas asseguradas nos respectivos diplomas constitutivos.
Para os que de perto conhecem a vida de certos desses organismos já não tem novidade o espectáculo da preocupação de esgotar os saldos que existam em quaisquer rubricas ao aproximar-se o termo de cada exercício.
E a par desta prática - já de si indefensável - ainda outra: a da elaboração de orçamentos confusos, com verbas de receitas e despesas consciente mas artificiosamente fixadas, a fim de se estabelecer um plafond, por baixo do qual é possível levar a cabo tudo, mas absolutamente tudo, que nas suas autonomíssimas ganas couber.
Esta orientação desenvolve-se no mais flagrante antagonismo com os princípios fixados desde 14 de Maio de Í928 e que serviram à restauração das nossas finanças.
Vêm dessa data normas morais do mais reconfortante amparo para os sacrifícios exigidos ao País. Ali se proclamou que:
O Orçamento Geral, o Tesouro e a capacidade do contribuinte têm de ser defendidos contra os abusos e a multiplicidade de serviços autónomos, fundos, corpos ou entidades dotadas de faculdades tributárias, desconjuntando o próprio Estado e violentando sem grande interesse para este o contribuinte português.
A autonomia dos corpos administrativos e a autonomia financeira das colónias têm de harmonizar-se e, em último caso, subordinar-se às necessidades superiores da conservação e progresso nacional.
Quer dizer: há que concentrar, e não que dispersar, a potência financeira do Estado e a capacidade contributiva da Nação para este objectivo supremo e urgente: equilibrar as contas públicas, como base e condição necessária do desenvolvimento da própria produção nacional.
E é forçoso estabelecer-se como regra que todos os orçamentos têm de apresentar os seus encargos ordinários nivelados com os réditos normais, podendo apenas ser cobertos com recursos de crédito os de carácter extraordinário que exclusivamente respeitem a restauração e fomento da, riqueza pública.
Estas passagens que transcrevo do relatório do notável Decreto n.º 15:465 são o digno enquadramento dos princípios consignados nos respectivos artigos 13.º e 19.º e § único.
ARTIGO 13.º
Todas as receitas e todas as despesas dos serviços públicos, estejam ou não sujeitos a administrações autónomas e haja ou não fundos especiais que lhes sejam destinados, serão incluídas no orçamento, exceptuando-se apenas as de estabelecimentos financeiros do Estado onde se realizem operações bancárias.
ARTIGO 19.º
Todos os serviços públicos, gerais, regionais ou locais, quer gozem ou não de autonomia administrativa ou financeira, estarão sujeitos às leis e regulamentos gerais de contabilidade pública no que respeita à organização dos seus orçamentos, à execução dos seus serviços, ao pagamento das suas despesas e à apresentação, fiscalização e julgamento das suas contas, ficando subordinada a esta regra, a sua relativa autonomia.
§ ÚNICO
São exceptuados os estabelecimentos bancários do Estado, que se regerão pelos seus diplomas especiais.
Sr. Presidente: manda a verdade que se diga que estes imperativos legais e morais ou não foram compreendidos ou caíram rapidamente no esquecimento de certos serviços autónomos ou dotados de simples autonomia administrativa.
Estas palavras não implicam uma generalização nem visam todos os organismos daquela espécie.
Ao contrário. Há os - e todos os conhecem e louvam - que primam pela escrupulosa integração das
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suas contas e regras de administração nos mesmos princípios que informam a actuação do Estado.
Nem todos, porém, assim procedem.
E escolho para demonstrar o asserto precisamente o mais importante dos organismos autónomos, cujos orçamentos acompanham o Orçamento Geral do Estado o nele são reproduzidos a final. Excluo, é óbvio, a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, já pela forma orçamental de 1.928 colocada em compreensível regime de excepção.
Passo, portanto, a dissecar agora as últimas contas dos CTT, organismo autónomo cuja actuação anda revestida de uma publicidade que impõe e justifica a escolha que acabo de fazer.
Vamos a verificar a clareza, a boa ordem e a homogeneidade das contas do organismo autónomo que nos vai servir de exemplo, para o que me socorrerei de números e passagens que fiz colher nos relatórios e contas oportunamente dados à publicidade e que me limito a enquadrar no desenvolvimento da minha intervenção.
A apreciação das contas respectivas no último relatório de gerência da Administração-Geral dos CTT, relativo a 1948, inicia-se da seguinte forma (Diário do Governo n.º 265, 2.ª série, suplemento, de 15 de Novembro de 1949):
Encerradas as contas desta gerência, verifica-se que as receitas cobradas atingem 283:335.201 $79 e as despesas 311:589.967$50.
Encerra-se deste modo a gerência com o saldo negativo de 28:254.765$71.
Depois de apresentar um quadro comparativo com 1947, por onde se verifica que as receitas aumentaram. 18:543 contos e as despesas 23:257, e de se fazer uma primeira discriminação de umas e outras, diz-se:
Da exposição que se seguirá ao longo deste relatório algumas importantes conclusões se tiram que convém desde já condensar.
E depois de dizer que, de um modo geral, se nota «acção da conjuntura na marcha das receitas e despesas» resultante da sensibilidade do tráfego às flutuações económicas, acrescenta:
Observa-se na gerência a que este relatório se reporta uma regressão notável nas despesas, sobretudo com pessoal suplementar, estagiário, ajudas de custo, etc.
Como esta observação se encontra em manifesta contradição com os números globais a que se refere e que revelam um agravamento geral das despesas de 23:257 contos, tornou-se necessário procurar uma explicação do caso.
De facto, duas páginas adiante, reconhece-se ter havido nas despesas com o pessoal um aumento de 14:520 contos e que, nas remunerações certas ao pessoal em exercício, o aumento foi de 8:924 contos, resultante do aumento de 11:529 contos no pessoal dos quadros e diminuições de 2:156 e 449 contos em pessoal suplementar e pessoal estagiário, respectivamente.
A frase,- portanto, induz em erro, visto que, se é certo que as despesas com pessoal suplementar e estagiário diminuíram, não é menos certo que as despesas do pessoal dos quadros aumentaram em mais de quatro vezes o valor conjunto daquelas! E isto, sem falar no aumento global de despesas, de valor muito superior e a que logicamente importava fazer referência.
Mas ainda o mais extraordinário do caso é que, ao explicar, logo a seguir, o aumento das despesas com pessoal dos quadros e a diminuição das do pessoal suplementar, o relatório informa que a última resultou da integração nos quadros do referido pessoal suplementar!
Quer dizer: «a diminuição das despesas com pessoal suplementar», posta em evidência no relatório como uma importante conclusão, é pura e simplesmente inexistente, de acordo com as explicações do mesmo relatório!
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
Mas o aumento de despesa referido por V. Ex.º não Fera uma consequência do suplemento?
O Orador: - Não importa a distinção, Sr. Doutor. Estou referindo números globais.
Sr. Presidente: esta constatação, que é de molde a impor a maior cautela a quem queira esclarecer-se sobre as contas, é pouco depois reforçada pela verificação de que dois importantes quadros demonstrativos de que a receita total liquidada foi inferior à orçamentada em 83:295 contos e que a despesa total foi também inferior à despesa orçamentaria em 55:040 contos (p. 6594) não são acompanhados de qualquer comentário; ao passo que na página seguinte, a propósito do movimento do fundo de 1.º estabelecimento, se comentam discriminações de 653f 15 e 1.009$68 e se chega a mencionar mesmo, a propósito de aquisição de terrenos, 60$ com «Despesas com a avaliação do terreno de Portalegre»!
Depois, a discriminação a seguir feita do movimento do Fundo de reserva mostra, na receita, uma transferência da despesa ordinária de 25:425 contos e na despesa outra transferência de 28:255 contos para cobrir o prejuízo de gerência.
Qualquer pessoa menos versada em contabilidade pública dirá: não é preciso tanto movimento, bastava «transferir» a diferença, ou seja 2:830 contos ...
Investigando melhor a discriminação de «Pagamento de servidos e diversos encargos», por onde sai a primeira das duas transferências acima indicadas, encontra-se a seguinte explicação (p. (6593):
j) Importância integrada no fundo de reserva (gráfico n.º 21). - Na gerência de 1948 ascendeu a 25:425 contos, importância da anuidade de reintegração do material e instalações, calculada segundo os competentes dados técnicos;
Trata-se de 25:000 contos; conviria saber o que são esses «competentes dados técnicos».
Quanto à segunda, o relatório diz (p. 6596):
d) Finalmente, o maior volume das despesas em relação às receitas fez surgir, conforme já foi dito, o deficit de gerência de 28:255.002$51, que, nos termos da base III da Lei n.º 1:959, foi coberto por este fundo.
Torna-se assim necessário ver o que diz a lei citada. De facto, a base III (dispõe, entre outras coisas:
O fundo de reserva destina-se a custear a renovação do imaterial e de instalações, bem como a cobrir prejuízos e déficits eventuais.
E, quanto à receita desse fundo, a base IV diz:
c) A anuidade de reintegração do capital convertida em 1.º estabelecimento, calculada por forma a permitir u renovação do material e instalações, se o Governo tiver entendido que as circunstâncias permitem essa reconstituição o nos termos em que o determinar.
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Deve estar aqui a explicação dos «competentes dados técnicos», concluindo-se portanto que o valor técnico da reconstituição do material e instalações no ano de 1948 foi totalmente integrado, não obstante as receitas do ano serem insuficientes para isso.
Admite-se o critério, mas deve notar-se que, nas circunstâncias verificadas, o Governo poderia ter suspendido ou adiado tal reconstituição. Se o tivesse feito, o déficit (abstraindo do exame outras verbas) teria sido apenas de 2:830 contos.
Causaria essa deliberação alguma perturbação nos serviços? Não parece, visto tratar-se apenas de movimentação de escrita.
Vejamos ainda um outro aspecto do relatório.
Como se disse acima, nenhuns comentários se fizeram à diferença de 83:000 contos entre a receita orçamentada e a liquidada.
Ora, ao tratar da receita de exploração postal, e o propósito de explicar que o respectivo aumento resultou, em parte, da revisão tarifária (Novembro e Dezembro), diz-se que, se tal revisão se não tivesse verificado (p. 6589), ca cobrança teria sido de cerca de 128:000 contos». Este número determinou-se com base na cobrança efectuada até Outubro de 1947, altura provável da preparação do orçamento seguinte.
Verifica-se desta forma que a Administração-Geral em Outubro de 1947 tinha elementos que lhe permitiam calcular em 138:000 contos a sua receita postal em 1948. A que critério obedeceu, portanto, para incluir no orçamento a receita de 156:600 contos, ou seja mais 28:600?
O mesmo se verifica quanto às receitas da exploração telegráfica e exploração telefónica, onde a Administração-Geral previu para 1048 receitas de 37:500 e 103:500 contos, em confronto com os números prováveis, indicados no relatório, de 17:310 e 79:214 contos, ou seja mais 20:190 e 24:286 contos, respectivamente.
Pode, portanto, concluir-se que a Administração-Geral avaliou conscientemente as três principais verbas da sua receita orçamental com os seguintes excedentes:
[Ver Tabela na Imagem]
Esta inflação orçamental representa 33 por cento sobre os valores que ela própria indica como prováveis.
Mas, como se disse, a despesa liquidada foi inferior à orçamentada em 55:000 contos, o que não impediu que as contas fechassem com um déficit de 28:000!
Por outro lado, a despesa total orçamentada é igual à receita total inscrita no mesmo orçamento; fica assim um orçamento «equilibrado»!
Com a margem existente entre o previsto e o realizado, pode bem dizer-se que a previsão das contas dos CTT para 1948 foi tudo menos um orçamento, na verdadeira acepção desta palavra e na interpretação que passou a ser-lhe dada a partir da reorganização financeira a que todos ficámos devendo a renovação do País.
No discurso de agradecimento que dirigiu às camâras municipais em 21 de Outubro de 1929 - Política de verdade, Política de sacrifício, Política nacional -, disse o Sr. Presidente do Conselho, então Ministro das Finanças:
Se temos um orçamento equilibrado, mas as receitas foram avaliadas em mais e as despesas fora artificialmente reduzidas abaixo do que hão-de ser, temos a mentira das previsões.
Mas já em 14 de Maio de 1928 S. Ex.ª tinha escrito no relatório do Decreto n.º 15:465:
A falta de ordem, homogeneidade e clareza das contas públicas é um resultado e um incentivo da má administração. E funesta ao crédito e à produção do País.
E em 31 de Julho do mesmo ano, no relatório do orçamento para 1928-1929:
O orçamento que se apresenta não resultou de artificiosas combinações: é o que sinceramente se espera que seja, é o que, em face dos factos e dos números conhecidos, há o direito de esperar que seja.
Teria sido assim elaborado o orçamento cia Administração-Geral dos Correios para 1948?
E os dos anos anteriores?
A Lei n.º 1:959 foi promulgada em 1937.
Vejamos resumidamente como se apresentaram as contas dos CTT de 1937 a 1948:
MAPA N.º 1
[Ver Tabela na Imagem]
Este quadro mostra-nos que, salvo no ano de 1941, as receitas foram sempre avaliadas por excesso, e não por defeito - o que é contrário a todos os princípios, todos!
Apoiados.
Nas quatro gerências que precederam aquela, em que a receita cobrada excedeu a orçamentada em 7:500 contos, o excesso da avaliação andou entre 3:500 e 15:000 contos. Depois de 1941 o caso mudou completamente de figura: os excessos de avaliação passam a ser astro-
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nómicos, subindo a 36:000 e 48:800 contos, flectindo para 26:700 e 40:000, para depois galgarem para 54:000, 104:000 e 83:000!
Isto parece revelar um sistema, uma política.
É para acudir à sua propagação que recomendo a revisão prévia do orçamento pelo Ministro das Finanças.
Sr. Presidente: no capítulo das despesas, graças aos imperativos legais, as verbas liquidadas nunca podem ser superiores às orçamentadas.
Nada impedia, porém, que estas últimas fossem avaliadas com a devida aproximação, do que resultariam, evidentemente, orçamentos com avultado saldo positivo; tais orçamentos, porém, não permitiriam as combinações a que se referia o Sr. Dr. Salazar.
Verifica-se, por sinal, pelo quadro já citado, que os excessos de despesa orçamental, com excepção de 1940 e 1941 (anos de superavit apreciável) e bem assim de 1945, 1947 e 1948 (anos de déficit} são, em geral, sensivelmente iguais aos da receita orçamental.
O fenómeno toma claramente, nesses anos, verdadeiro aspecto de resultado artificial, tão grande é o paralelismo das receitas com as despesas.
O ano de maior superavit -1941 - é o único em que as contas apresentam aspecto normal - receitas avaliadas por defeito, despesas avaliadas por excesso.
No entanto, não obstante o aumento da receita orçamentada em relação ao ano anterior ser já de cerca de 25:000 contos, o afluxo de receita foi tão grande que ultrapassou as previsões, já de si optimistas, em 7:500 contos.
Foi assim, por mero acaso, que as contas do ano de 1941 se apresentaram com aspecto normal.
Os dois anos de maior déficit apresentam este fenómeno, verdadeiramente estranho: deficits de 23:500 e 28:200 contos, não obstante as despeses liquidadas serem inferiores às orçamentadas em 80:700 e 55:000 contos, respectivamente!
Mas, depois de tantas surpresas, parece conveniente averiguar até que ponto são reais as indicações das contas.
O seguinte quadro dá-nos os resultados oficiais de gerência, em confronto com as verbas saídas por conta da despesa ordinária para o Fundo de reserva, para o fundo de 1.º estabelecimento e para amortização de empréstimos (base xii da Lei n.º 1:959).
MAPA N.º 2
[Ver Tabela na Imagem]
Verifica-se assim que da despesa ordinária saíram nestas doze gerências 264:731 contos para o Fundo de reserva, 27:850 para o Fundo de 1.º estabelecimento e 83:466 para a referida amortização, prevista na lei para se efectuar em quarenta anos, a partir de 1943, mas antecipada voluntariamente em 1943 a 1944, num total de 100:000 contos (42:000 dos quais saídos do Fundo de reserva).
O Decreto-Lei n.º 32:617, de 31 de Dezembro de 1942, ratificado sem discussão na sessão da Assembleia Nacional de 3 de Abril de 1943, mandou encerrar a conta corrente relativa à 1.ª série do empréstimo pela importância de 100:000 contos, a amortizar em vinte anos, e alterou a 2.ª série de 173:000 para 319:300 contos, diferença entre o valor máximo total do empréstimo, conforme a base XII da lei, alterada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 30:902, de 23 de Novembro de 1940, que aumentou o referido valor com 5:000 contos, destinados aos serviços dos Açores.
Temos assim um total de 376:047 contos, que foram agravar artificialmente aquelas doze gerências.
Por influência dessas verbas, o resultado efectivo total das doze gerências, que foi de 346:882 contos de saldos, depois de coberto o único déficit efectivo referente a 1948, no valor de 2:049 contos, transformou-se num resultado total negativo de 29:165 contos.
A confirmar mais ainda esta conclusão está o facto, deveras surpreendente, de o «mapa provisório do desenvolvimento da receita e despesa», organizado cede conformidade com o disposto no artigo 2.º do Decreto n.º 24:550, de 16 de Outubro de 1934», relativo a Novembro de 1949 e publicado no Diário do Governo n.º 26, 2.ª série, de 1 de Fevereiro de 1950, apresentar uma diferença positiva de 44:000 contos, números redondos, e de o mapa análogo referente a Dezembro do mesmo ano (Diário do Governo n.º 100, 2.ª série, de 1 de Maio de 1950) apresentar uma diferença negativa de 28 contos.
Que fenómeno extraordinário fez desaparecer num mês o avultado lucro apurado ao fim de onze meses?
A explicação salta à vista pelo confronto dos dois mapas, que nos diz que só em Dezembro a despesa de «Pagamento de serviços e diversos encargos» foi de 63:147 contos e que o total despendido nessa rubrica de Janeiro a Novembro foi de 65:860 contos!
Quer isto dizer que num mês se gastou praticamente tanto como nos restantes onze meses do ano.
Mas também esta prática é tradicional nas contas dos CTT (ver o mapa n.º 3).
MAPA N.º 3
Mapas provisórios do desenvolvimento da receita e despesa da Administração-Geral dos CTT, organizados nos termos do artigo 2.º do Decreto n.º 24:550, de 16 de Outubro de 1934.
[Ver Tabela na Imagem]
Enquanto que a média dos pagamentos mensais nos primeiros onze meses de cada exercício oscilou entre os 4:000 e os 8:000 contos, em Dezembro entrou na casa das dezenas de milhares de contos.
Não ignoramos que no último mês de cada exercício - ou seja o de Dezembro - pesam normalmente vários encargos inerentes a liquidação de contas com o Ministério das Obras Públicas, possível constituição de reservas, etc.
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Mas tal facto não chega para explicar a desproporção notada e conduz-nos naturalmente a novas indagações.
Como se disse, o excesso de receitas sobre as despesas dos CTT absorvido por lançamentos de escrita nas doze gerências da vigência da Lei n.º 1:959 (1937-1948) foi de 376:047 contos.
Para este número não se entrou, porém, com a renovação do material e instalações prevista na base III da referida lei.
A portaria citada traz a este respeito um esclarecimento interessante: o de que o Fundo de renovação do material e instalações foi dotado nesse período com as importâncias constantes da coluna 7 dum mapa inserto na referida portaria.
O total dessa coluna dá 161:299 contos.
Os números da referida coluna foram acrescentados dos relativos a 1948, de acordo com um curioso artigo publicado no Guia Oficial dos CTT de Fevereiro de ]950, intitulado «Actualizando alguns mapas de um relatório». Eliminando 1936, obtém-se 183:072 contos.
A anuidade de renovação de 1948 coincide com a inscrita nas contas de gerência, cujo relatório declara ter sido «calculada segundo os competentes dados técnicos».
Como a anuidade de 1947 - 21:609 contos - é igual à integração nesse ano no Fundo de reserva e esta, segundo o relatório, é a necessária para «fazer face aos encargos de renovação do material e instalações», há o direito de supor que as restantes importâncias foram calculadas da mesma maneira. O total acima indicado deve pois, constituir o limite máximo previsto na alínea c) da base IV em condições favoráveis que o Governo entenda permitem essa reconstituição.
Convém, por isso, rever os resultados efectivos mostrados na última coluna do segundo mapa, deduzindo de tais resultados as importâncias constantes da coluna 7 da portaria.
Esses resultados encontram-se postos em confronto com os resultados oficiais no mapa seguinte, mapa em que se indica também a percentagem que pertence ao Tesouro Público numa e noutra hipótese (20 por cento).
MAPA N.º 4
[Ver Tabela na Imagem]
Este quadro mostra que, onerando os resultados de gerência com os valores máximos de renovação do material e instalações, num total de 183:072 contos, se obtém ainda assim um total positivo de 183:810 contos, depois de cobertos dois deficits, de 15:088 e 27:474 contos, relativos a 1947 e 1948, respectivamente.
As duas últimas colunas do mapa mostram que as percentagens que os correios e telégrafos deviam ter pago ao Tesouro Público deveriam ter sido de 41:274 contos, em vez dos 5:808 resultantes das contas oficialmente apuradas.
Nota-se a este respeito um pagamento em 1937 de 50 por cento do saldo, e não de 20 por cento.
A diferença entre os 163:810 contos do resultado total positivo e os 41:274 contos da participação do Estado dá a importância global que deveria ter alimentado o Fundo de reserva nos termos da alínea a) da segunda parte da base IV da lei -122:536 contos -, depois de como se disse, cobrir dois deficits de escrita, no total de 42:562 contos (1947 e 1948).
O Ministro das Finanças tem a faculdade de fixar uma renda anual, cujo valor tem sido invariavelmente mantido em 3:000 contos. Mas tal renda tem onerado as contas anuais e, portanto, o Estado deveria ter cobrado, além disso, cerca de 35:466 contos que não cobrou.
Esta cobrança constituiria uma compensação indirecta do contribuinte que é, de um modo geral, também utente dos serviços telégrafo-postais.
Sr. Presidente: que conclusões haverá que extrair destes factos?
Destes factos que nem por constituírem excepção dispensam uma revisão prévia que os evite?
Que há desonestidades dos administradores?
De nenhum modo!
Presto gostosamente homenagem à probidade, à correcção moral, à perfeita isenção material de quantos exercem funções de comando nos organismos de que se trata.
A sua honestidade pessoal não está em causa. Mais claro - não pode nem ao de leve ser tocada, seja por quem for.
Para cada um deles, pessoal, economicamente, nada reverte.
Mas a tal psicose da autonomia, essa, perturba-os, arrebata-os, domina-os. Constitui um... complexo de inferioridade: aquele a que deve chamar-se o «conceito feudal» das funções de direcção.
Os organismos, os fundos, passam a funcionar contra o Ministro - nomeadamente o Ministro das Finanças.
Por vezes, inopinada, desavisadamente, a Caixa do Tesouro encontra-se em apuros, mercê de saques de dezenas ou de mais de uma centena de milhar de contos sobre ela emitidos.
Organismos corporativos recebem quantias igualmente avultadas, a título de empréstimo, aplicam-nas e..., paga a 1.ª ou a 2.ª prestação dos juros, supõem-se desobrigados de tudo o mais.
E o Estado não recebe as prestações convencionadas para as amortizações dos empréstimos ou, inclusivamente, os juros que se vão vencendo!
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Quanto aos fundos, há-os que vivem na desorganização a que faz referencia o relatório do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado do ano económico de 1948 e do qual o jornal O Século fez há dias largo e aplaudido comentário.
Pois, não obstante, no Diário da Manhã, o ilustre escritor Sr. Dr. Bento Coelho da Rocha, que se tem revelado perfeito conhecedor dos problemas financeiros, proclama que à maleabilidade da disposição de certos fundos se deve muita e importante obra realizada. E sugere uma restrição nas atribuições do Ministro das Finanças que o desnivelaria para uma espécie de subsecretário, com pouco mais do que a ingerência na movimentação do pessoal menor!
Sr. Presidente: só uma bem definida linha de conduta inteiramente oposta pode servir-nos.
Termino como comecei: há que ampliar a doutrina consignada no artigo 18.º da Lei de Meios até ao ponto de facilitar e assegurar a intervenção prévia do Ministro das Finanças nos orçamentos dos organismos autónomos ou com autonomia administrativa e nos fundos com autonomia administrativa, observadas as excepções previstas no Decreto n.º 15:465.
Não sugiro coisa nova ou subversiva.
O artigo 63.º da Constituição que nos rege contém prescrições regressando às quais nada perdemos. Proclama-se ali como princípio constitucional o da universalidade do orçamento.
Não desconhecemos como seria difícil entrar nesse regime de um momento para outro.
Por isso me inclino para uma solução de transição, mais do que modesta e prudente.
Kaynes defendeu e aconselhou a elaboração daquilo a que se chamou orçamento humano; Beveridge, na Inglaterra, devota-se à organização dos chamados orçamentos económicos. Esta prática já tem realidade na América e noutras nações.
Não faremos nada de mais conferindo ao Governo da Nação, ao Ministro das Finanças, os poderes ou os estímulos atinentes a que vá além do prometido no artigo 18.º da Lei de Meios e fixe-a obrigatoriedade da revisão prévia dos orçamentos, integrando-os - todos! - nas regras salutares que presidem à preparação dos orçamentos e contas do Estado.
Sr. Presidente: não quero terminar sem afirmar a V. Ex.ª e à Câmara que me associo às opiniões e aos comentários aqui expendidos pelo nosso ilustre colega Sr. Melo Machado. Estou inteiramente de acordo com S. Ex.ª embora por diferentes razões.
Os princípios de direito criminal que aqui foram doutamente expendidos pelo também ilustre Sr. Deputado Abrantes Tavares são do conhecimento da Câmara e, praticamente, do conhecimento de todos que têm um nível de instrução superior ou igual à instrução secundária.
Esses princípios já eram conhecidos quando foi promulgado o Estatuto do Trabalho Nacional ou na altura em que esta Assembleia interveio naquela série de diplomas legais sobre licenciamento industrial, que se completaram pela chamada Lei do Condicionamento Industrial.
No Estatuto do Trabalho Nacional, no artigo 6.º, que aqui foi referido pelo Sr. Deputado Abrantes Tavares, estabelecem-se as seguintes regras:
O Estado deve renunciar a explorações de carácter comercial e industrial, mesmo quando se destinem a ser utilizadas, no todo ou em parte, pelos serviços públicos, quer concorram no campo económico com as actividades particulares, quer constituam exclusivos, só podendo estabelecer ou gerir essas explorações em casos excepcionais, para conseguir benefícios sociais superiores aos que seriam obtidos sem a sua acção ...
Estes princípios são, nem mais nem menos, do que o prolongamento de princípios constitucionais, e não me parece que nesta referência a casos excepcionais destinados a conseguir «benefícios sociais superiores aos que seriam conseguidos sem a sua acção» possa caber o desacatamento de princípios legais aprovados pela Assembleia Nacional, precisamente contrários à prática que aqui foi referida pelo Sr. Deputado Melo Machado.
O problema, portanto, para mim é um problema de simples acatamento dos textos legais vigentes.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Então como se interpretam os benefícios sociais superiores?
Do que se trata precisamente aí é de benefícios sociais e de recuperar pessoas perdidas.
O Orador: - Já lá vamos. Deixe-me V. Ex.ª continuar o meu raciocínio, porque eu já chego a esse ponto.
Coloco o problema neste plano: ao promulgar-se o Estatuto do Trabalho Nacional e as várias leis do licenciamento ou do condicionamento industrial fixaram-se regras legais certas; e não concebo que haja interesses de ordem social que vão ao ponto de implicar a infracção de uma regra legal expressa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Portanto, a excepção não tem conteúdo.
O Orador: - A excepção tem conteúdo. Vou continuar, Sr. Presidente.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Pois vamos.
O Orador: - Se o Estado, com toda a autoridade e a respeitabilidade do seu selo, impõe a qualquer particular a necessidade dá requerimentos, de relatórios, de exposições e de consultas para a instalação das mais insignificantes indústrias, com o fim de evitar que essas instalações de indústrias venham perturbar o regime económico das demais indústrias concorrentes (apoiados), considero que o Estado, ao procurar servir interesses de natureza social, mencionados a título de excepção no artigo 6.º do estatuto, tem de integrar-se no regime legal que promulgou e verificar se o exercício da sua actividade implica ou não o desequilíbrio das actividades particulares.
O Sr. Caldeiros Lopes: - E, consequentemente, sociais.
O Orador: - O Sr. Deputado Mário de Figueiredo prendeu-se com a expressão «interesses sociais».
O Sr. Mário de Figueiredo: - Que V. Ex.ª leu. O lente sou eu, mas quem leu foi V. Ex.ª
O Orador: - Não encontro definição alguma fácil e certa para o limite do económico e do social; onde há perturbação do económico, também a há do social.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Continuo a dizer que a excepção não tem conteúdo.
O Orador: - A culpa não é minha.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Perdão, a culpa é de V. Ex.ª, por não fazer o esforço - que pode fazer - de se meter na interpretação capaz de encontrar o conteúdo dessa forma, como é obrigação do jurista.
O Orador: - Vamos ver se poderei fazer esse esforço.
O Estado serve interesses de ordem social, quer quando regula as actividades sociais, quer quando se propõe forçar ao trabalho os detidos nas cadeias.
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Quando surjam interesses antagónicos, cumpre-lhe definir quais prevalecem. E, para o fazer, não tem outro caminho razoável que não seja o de sujeitar as suas actividades próprias aos princípios do licenciamento ou condicionamento industrial que estatuiu para o interesse da Nação.
E o maior interesse social será o que mais se aproximar do interesse nacional. Estamos compreendidos?
O Sr. Mário de Figueiredo: - Perfeitamente.
O Orador: - Não vejam VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta intervenção o propósito de limitar os aplausos ou diminuir o reconhecimento e até a glorificação que merece o trabalho intemerato, inexcedível de inteligência, de dedicação e esforço do actual Ministro da Justiça. S. Ex.ª devotou-se inteiramente a uma obra que é enorme e que ficará através de todas as vicissitudes políticas, através de todos os tempos o de todas as criticas. Trata-se, por conseguinte, de um pequenino se. E mal iria a essa obra grandiosa se, para sua materialização completa, para seu desenvolvimento integral, fosse imprescindível criar um incidente ao redor de uma debulhadora a mais ou a menos.
A acção de S. Ex.ª reveste uma tal importância no aspecto social e político que não vale a pena diminuí-la com tão pequeno assunto. As realizações já conseguidas por S. Ex.ª avigoram o prestígio de Portugal, acabando com cadeias que eram autênticas vergonhas, realizando edifícios que são a justa exaltação do Poder Judicial.
Não será, por conseguinte, demais que os serviços do Ministério da Justiça ponderem que lhes não cabe a iniciativa de revogar leis em vigor ou ignorá-las.
E concluo, Sr. Presidente, pedindo a V. Ex.ª e aos ilustres Deputados que tiveram a infinita pachorra de me ouvir desculpa do tempo que lhes tomei (não apoiadas) e resumindo as minhas Considerações na moção que passo a ler à Assembleia:
Moção
«A Assembleia Nacional dá o seu incondicional apoio às medidas anunciadas no artigo 18.º da Lei de Meios em discussão e formula o voto de que, em ampliação dessas medidas, o Governo adoptará as necessárias para assegurar a revisão prévia do Ministro das Finanças aos orçamentos dos organismos autónomos ou dotados de simples autonomia administrativa e aos fundos da administração autónoma, por foram a integrar os respectivos orçamentos nas mesmas regras que presidem à elaboração do Orçamento Geral do Estado e harmonizar as respectivas previsões com as possibilidades económicas do exercício a que se refiram».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Galiano Tavares mandou para a Mesa uma proposta de alteração, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de aditamento à alínea a) do artigo 12.º:
A alínea a) do artigo 12.º «Limitar ao indispensável as compras a efectuar no estrangeiro» acrescentar: «sem prejuízo do reapetrechamento industrial do País».
Assembleia Nacional, 13 de Dezembro do 1950. - O Deputado A. R. Galiano Tavares.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Proença Duarte.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Luís Augusto das Neves.
José Luís da Silva Dias.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Paulo Cancela de Abreu.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Moura Relvas.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Pareceres da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia Nacional mandados publicar hoje por despacho do Sr. Presidente:
Em 8 de Março do ano corrente concedeu esta Assembleia, ao abrigo do Acto Colonial, autorização para que pelo Governo de Sua Majestade Britânica fosse adquirido o talhão n.º 491 da cidade da Beira, propriedade da Beira Works, L.da, a fim de nele serem instalados os serviços do Consulado da Rodésia do Sul naquela cidade, mas, verificando-se que não é ao Governo de Sua Majestade Britânica, que solicitava a referida autorização, mas sim ao Governo da Rodésia do Sul, que interessa fazer a mesma aquisição, é esta Comissão de
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parecer que o voto favorável da Assembleia Nacional deve considerar-se igualmente válido a favor do Governo da Rodésia do Sul.
Assembleia Nacional, 6 de Dezembro de 1950. - Sebastião Garcia Ramires, Mário de Figueiredo, Vasco Lopes Alves e Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Foi presente a esta Comissão, para parecer, um pedido, recebido do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em que o Ministério dos Negócios Estrangeiros da
Grã-Bretanha pede a cessão de uma casa em Lourenço Marques para instalação da residência do respectivo cônsul-geral.
Verificado que o Acto Colonial não se opõe ao deferimento do referido pedido, foi esta Comissão de parecer favorável à satisfação do desejo expresso pelo Governo Britânico.
Assembleia Nacional, 11 de Dezembro de 1950. - Sebastião Garcia Ramires, Mário de Figueiredo, Vasco Lopes Alves e Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA