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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 67

ANO DE 1951 13 DE JANEIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 67 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 12 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 38 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 66.
Por proposta do Sr. Presidente a Assembleia manifestou o seu pesar pela morte da mãe do Sr. Deputado Frederico Vilar.
Também o Sr. Presidente comunicou à Assembleia a noticia da morte do Sr. Deputado João Antunes Guimarães, cuja memória enalteceu. Ao me sino sentido falaram os Srs. Deputados Sebastião Ramires, Melo Machado, Cerqueira Gomes, França Vigon e Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente levantou a sessão, em homenagem à memória do Sr. Deputado Antunes Guimarães, às 17 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 29 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.

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João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 38 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre o Diário, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: tive há momentos a informação de que durante as férias do Natal tinha falecido a mãe do Sr. Deputado Frederico Vilar.
Certamente a Câmara desejará exprimir ao Sr. Deputado Frederico Vilar os seus sentimentos de pesar por esse acontecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: tenho sobre a Mesa um telegrama da família Antunes Guimarães com estes dizeres terrivelmente lacónicos: «Comunicamos dolorosamente notícia falecimento nosso pai - Família Antunes Guimarães».

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: estava-me reservado pela Providência o doloroso dever de, em nome da Assembleia, prestar à memória do Dr. Antunes Guimarães a homenagem que ela lhe deve, pelo afecto e pela veneração que por esta instituição ele tinha e conservou até aos últimos momentos da sua vida, e ainda pelos serviços prestados ao País pelo Dr. Antunes Guimarães. Faço-o com uma das maiores emoções da minha vida política. O Dr. Antunes Guimarães respirava, vivia o ambiente da representação nacional, como o ambiente e meio próprio, o ambiente de eleição do seu temperamento e do seu espirito.
A sua ânsia de servir o País, e designadamente de exprimir as aspirações das populações do Norte de Portugal, encontrava nesta instituição um instrumento idealmente adequado à sua compleição de homem ligado radicalmente àquela gente e àquela terra nortenha, como ele gostava de dizer, cujos problemas e cujas aspirações ele conhecia, sentia e vivia profunda e apaixonadamente.
Por isso, meus senhores, a Assembleia Nacional sofre com a morte do Dr. Antunes Guimarães um golpe rude, grave, profundo. Tinha a convicção inabalável da sua necessidade e da sua função no mundo político de hoje e de amanhã; tinha uma fé absoluta na sua sobrevivência às transformações das instituições políticas do nosso mundo em crise.
Por isso, meus senhores, não é apenas uma vaga, embora ilustre, que se abre nas bancadas da representação nacional; é no próprio espírito da instituição que ele amava, e em cujos destinos ele cria, que o luto ó mais. sentido e mais pesado.
Meus senhores: devemos pôr em relevo perante o País que o Sr. Vice-Presidente da Assembleia Nacional, que ontem se submergiu nas sombras da morte, era, porventura, um dos tipos mais acabados do homem público, quero dizer, do homem cuja consciência, superando o natural egoísmo dos interesses individuais ou familiares, vive a vida superior da colectividade e só por ela e para ela vibra e se consome nas suas exaltações ou nos dias. menos claros da sua existência.
Até ao último momento da sua vida, o Dr. Antunes. Guimarães manteve-se o homem público, pensando no Pais, amando o regime que serviu, e o seu espírito, ao eclipsar-se, fixava o futuro da Pátria, e na sua retina e no seu coração perpassavam ainda as figuras venerandas e simbólicas do Presidente da República e do Presidente do Conselho!
Inclinemo-nos, meus senhores, perante a sua memória honrada, a memória do homem de bem que viveu e morreu tendo no espírito um elevado pensamento de solidariedade nacional, humana e cristã. Fique no Diário das Sessões de hoje o tributo da piedade da Assembleia Nacional do homem que, durante mais de quinze anos,, por ela e para ela viveu e, através dela, por Portugal e para Portugal se consumiu e morreu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Sebastião Ramires: - Sr. Presidente: era natural que, depois das palavras do V. Ex.ª, não houvesse outra atitude senão guardar silêncio e respeito pela morte do Dr. Antunes Guimarães.
Quero, porém, associar-me também à homenagem que V. Ex.ª tão brilhantemente acabou de prestar ao colega que nos habituámos a conhecer e a admirar numa longa caminhada desta Revolução Nacional, ao homem que, apesar de cansado e da sua idade, mantinha sempre a

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mocidade ao espírito, a vivacidade de inteligência de um novo, com o coração aberto às mais amplas realizações nacionais.
Desde o 28 de Maio que o Dr. Antunes Guimarães enfileirou entre os primeiros nacionalistas e foi sempre dos nacionalistas mais dedicados.
Ocupou logo a seguir ao 28 de Maio a presidência da Junta Geral do Distrito do Porto, onde exerceu e desenvolveu uma obra valiosíssima, lugar que abandonou para ocupar, em 1929, o de Ministro do Comércio e das Comunicações, onde afirmou todo o seu carácter e demonstrou toda a sua competência, deixando o seu nome ligado a algumas das grandes realizações da Revolução Nacional. Nos melhoramentos rurais essa obra foi de alento e vida para todos os pequeninos centros populacionais, dando-lhe a alegria de viver e uma vida mais tranquila o mais cómoda. Efectivamente, hoje, quem percorrer o País não pode desconhecer a sua obra nem olvidar o nome a que ela se liga.
Vimos o Dr. Antunes Guimarães, sempre debruçado sobre os pequenos e sobre os pobres, perscrutando as aspirações e os interesses das populações rurais. Ele foi o paladino daquela lavoura nortenha, como V. Ex.ª há pouco salientou o que ele chamava "a sua lavoura nortenha" -, mas porque considerava que a defesa das pequenas actividades agrícolas constituía, na verdade, a defesa dos interesses gerais da economia nacional.
Foi também o Dr. Antunes Guimarães quem lançou as primeiras bases para a construção do porto de Leixões. E ninguém hoje poderá negar os resultados dessa obra, o movimento de tonelagem do porto de Leixões e que ele representa para o País, designadamente para o Norte, que excedeu todas as perspectivas, mesmo as mais optimistas.
A muitas obras ligou Antunes Guimarães o seu nome, e muitas delas recordarão com saudade aquele que as levantou o animou.
A sua paixão pelo Porto o os serviços a ele prestados tiveram a sua consagração na nomeação de cidadão honorário dessa cidade, honra que muito o desvaneceu.
Aqui, nesta Assembleia, encontrámo-lo como o mais assíduo, o mais pertinente de todos os oradores. Ele tinha a paixão da Assembleia, a paixão dos problemas que aqui se discutiam. Intervinha em quase todos os debates e ouvia-se sempre com agrado, porque, através daquela sua bonomia e daquela simplicidade que comprazia em admirá-lo, aparecia sempre um comentário inteligente e consciencioso da pessoa que estudava os problemas e procurava descortinar o caminho das realizações.
Era um homem bom, um homem leal, um camarada que todos nos habituámos a respeitar. Com a sua morte fica mais pobre esta Assembleia, mas também o País, que, perante o seu cadáver, lhe presta a homenagem devida a quem o procurou servir em larga caminhada.
Curvemo-nos respeitosos perante os desígnios da Providência e aproveitemos a lição da sua vida para o imitarmos nas lutas que hão-de vir.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: calou-se para sempre aquela voz que nos habituámos a ouvir quase diariamente nesta Assembleia. O Sr. Dr. Antunes Guimarães ora, na verdade, aquilo que antigamente se chamava um homem-bom. Apreendia com a sua inteligência e o seu bom senso as necessidades dos povos e vinha transmiti-las a esta Assembleia, procurando remédio para as queixas e ansiedades de que era intérprete.
A forma por que o fazia, o bom senso inigualável que punha sempre nas suas intervenções, a preferência que pequena lavoura e pequena indústria, eram um espelho do seu coração e da sua inteligência.
Mas o Sr. Deputado Antunes Guimarães não foi só um parlamentar ilustre, parlamentar que ou acompanhei desde o início desta Assembleia e cuja falta sinto sinceramente; S. Ex.ª foi, ao mesmo tempo, um homem de acção, e na sua passagem pelo Ministério do Comércio, que elo tantas vezes se comprazia em recordar, manifestou as suas qualidades como homem de Estado.
Felizmente que ainda na sua presença o há poucos dias pude recordar naquela tribuna a sua acção como Ministro do Comércio, numa das, leis mais inteligentes, mais sensatas e, ao mesmo tempo, mais úteis que se têm promulgado neste país. Refiro-mo aos melhoramentos rurais.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Essa ideia, aparentemente simples, mas ao alcance político e económico de enorme extensão, traduziu bem o talento e as qualidades de estadista de S. Exa.
Todos os benefícios que por esse Portugal fora os concelhos e as freguesias puderam obter através dessa lei admirável devem traduzir-se num agradecimento sincero ao Sr. Deputado Antunes Guimarães.
Se todos os políticos se baseassem no bom senso, no conhecimento íntimo e profundo das necessidades dos povos, certamente seria possível governar com mais humanidade o com mais satisfação de todos aqueles que pedem justiça.

vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - À memória do nosso querido camarada e colega de tantos anos, o Sr. Deputado Antunes Guimarães, eu presto, Sr. Presidente, na certeza de interpretar o sentimento de toda a Câmara, de novos e velhos Deputados, a minha profunda e sentida homenagem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: não vou dizer nada sobre o valor político do Sr. Dr. Antunes Guimarães; outras vozes mais autorizadas do que a minha o acabaram de fazer. Mas sobre outro aspecto, e quero recordar e homenagear nesta hora.
Sou Deputado pela cidade do Porto, como ele o era também, e, se aqui dentro temos um sentido nacional, não podemos também esquecer o valor local que representamos. O Dr. Antunes Guimarães tinha, na realidade, a paixão do Norte, mas em especial da cidade do Porto.
As suas intervenções nesta Casa gozavam de especial favor naquela cidade. Era sempre ansiosamente lido, dedicadamente amado. O Porto sentia que tinha na voz do Dr. Antunes Guimarães um defensor continuo e um de votado amigo de todos os seus interesses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A cidade queria-lhe, a cidade destacava-o no preito que rendo aos seus melhores procuradores. O coração da cidade está hoje, positivamente, de luto. E é como tradução desse luto que quero aqui falar, é em nome do Porto, que ele muito amou e dignificou, que ele procurou defender e prestigiar, que eu presto à

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memória do Dr. Antunes Guimarães a homenagem mais sentida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. França Vigon: - Sr. Presidente: não sei se chegarei ao fim das palavras que quero dizer hoje sem que a emoção, uma profunda emoção que me domina há algumas horas, me corte a apagada voz ou a transtorne ainda mais.
Morreu Antunes Guimarães, e eu não sei exprimir melhor os meus sentimentos deste momento senão dizendo que o perdemos sofrendo uma grande perda.
Vejo-o aí, nessa tribuna, Sr. Presidente: estou a vê-lo aqui, no seu último lugar, e parece-me ouvi-lo ainda na placidez dos seus discursos, na sequência persistente duma acção parlamentar que nunca esmoreceu, a propor-nos os problemas do seu grande burgo - que eram verdadeiros problemas da Nação -, a trazer-nos a fala da lavoura do Norte - a sua lavoura - e a ilustrar o estudo dos mais importantes assuntos da economia nacional com o seu inexcedível bom senso e a utilidade da sua longa experiência de homem público.
Nenhum parlamentar teve mais intervenções nesta Assembleia - creio -, e todos sabemos como era notável o seu efeito e que extraordinário valor assumiam no exercício da maior função desta Câmara: a fiscalização política da administração pública. Poucos Deputados poderão orgulhar-se de serem tão lidos, tão bem recebidas as suas intervenções parlamentares no exercício dessa alta missão.
Muitas vezes eu discordava das opiniões de Antunes Guimarães. Ele era o político conservador, com a mentalidade formada numa época em que a minha mocidade, a mocidade de muitos de nós, havia reagido, sofrera e lutara - às vezes turbulentamente, pelo menos irreverentemente. Mas não me custa confessar que por vezes o tempo veio mostrar-me a razão de algumas dessas arreigadas opiniões conservadoras o demonstrar a sem-razão de algumas das insatisfações dos novos.
Sempre me enterneci e cada vez guardei pela figura moral de Antunes Guimarães mais respeito ainda, mais veneração, ao vê-lo combater pela missão e superior natureza da Família ou quando o via proclamar com patriotismo intransigente os altos destinos da Nação Portuguesa. E não esqueço esse grande sentimento de que deu tão elevadas provas e o dominou ainda na hora da morte: a sua enorme, a sua total dedicação aos nossos dois grandes Chefes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não mais ouviremos dizer, como ele tanto gostava, aquando passei pelo Governo». Não mais ouviremos dizer «quando hoje, no rápido, vinha de longada, do Porto para Lisboa...».
Era assim que dava a si próprio a modesta satisfação de recordar a sua esforçada acção no Governo e era assim que designava modestamente também os momentos de meditação sobro os problemas que aqui tratava.
Dá-me intenso, embora doloroso, prazer espiritual repetir-lhe essas frases predilectas dos seus discursos na Assembleia e lembrá-las com o coração saudoso e grato, completando-as talvez assim: quando passou pelo Governo, quando viajou no seu rápido do Norte, em todo o tempo de trabalho nesta Assembleia, no convívio político, na intimidade, no decorrer da sua vida pública e privada, Antunes Guimarães foi juntando dia a dia uma grande multidão de amigos que hoje sentem ter perdido um dos seus melhores.
Burgo do Porto! Há menos um homem-bom na tua história!
Srs. Deputados! Do fundo dos nossos corações e no seio das nossas famílias elevemos a Deus uma veemente prece pela alma do nosso companheiro!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: entendo não dever deixar de dizer uma palavra que tem a intenção de traduzir não só o meu pensamento e o meu sentimento, mas o pensamento e o sentimento da Câmara, a propósito do triste acontecimento que foi a morte do nosso camarada Dr. Antunes Guimarães.
Não encontro - a emoção não me deixa que encontre - outras palavras além das que já foram ditas por V. Ex.ª e pelos oradores que me precederam. Não importa, porém, que de alguma maneira as repita.
Fui companheiro nesta Assembleia, desde a primeira legislatura, do Dr. Antunes Guimarães. Posso, como outros, depor sobre o que foi a sua actividade aqui; posso, como outros, marcar o traço que mais fortemente me impressionou ou os traços quo mais fortemente me impressionaram na actividade desse homem.
Digo o primeiro; era por temperamento, e talvez por um acto deliberado de vontade, o tipo do político. Não era, nem foi nunca, o aspecto propriamente técnico dos problemas que aqui se discutiram que o impressionou, e, não obstante, marcou uma posição na Câmara, como marcou uma posição no País.
Num tempo em que todos se deslumbram pelas formas de tecnicismo, ele manteve-se sempre como um político, como homem que olha, antes de tudo, não para as soluções técnicas que os problemas comportam, mas, antes de tudo, para as soluções politicamente mais convenientes.
Isto, Sr. Presidente, tem uma grande importância, segundo creio, numa hora em que o técnico procura abafar o político, em que chegam os homens públicos a envergonhar-se de afirmar-se políticos.
Porque assim era, ele olhou, antes de tudo, para o conspecto das necessidades do País e não se descobrirá qualquer aspecto dessas necessidades do que ele não tenha trazido o eco a esta Assembleia.
Por isso mesmo ele nos dava muitas vezes a impressão de que, ao desenvolver o seu pensamento nesta Assembleia, se interessava, porventura, menos em ser ouvido aqui do que em ser ouvido pelo Governo e pelo público. Por isso mesmo ele tinha, como parlamentar, uma projecção pública que eu suponho não magoar ninguém afirmando que mais nenhum outro a teve igual.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O político - o político convencido de que o interesse nacional teria de ser a conclusão dos interesses regionais - havia de olhar para o interesse nacional, não como alguma coisa do abstracto, não como alguma coisa que não é uma resultante de outros interesses, mas como uma resultante dos interesses regionais que podem ser divergentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, por isso, ele marcava sempre, em busca certamente do interesse nacional, aquilo que lhe parecia ser o interesse da sua região, o interesse - para repetir a palavra já dita por V. Ex.ª -, o interesse nortenho.
Porque ele entendesse que os interesses da sua região deviam prevalecer sobre os interesses do País? De ma-

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neira nenhuma; mas porque a seu ver o interesse nacional não é um interesse independente dos interesses regionais, mas uma resultante da conciliação destes últimos.
Suponho, Sr. Presidente, que este facto representa uma das suas grandes qualidades e, como as coisas têm sempre o seu reverso, também um pouco dos seus defeitos - digo mal: de um homem que morreu não se fala de defeitos - e eu não considero que a atitude do Dr. Antunes Guimarães constituísse, na verdade, um defeito, mas um dos aspectos da sua actividade que era susceptível de se prestar a críticas.
Alguma vez, porventura, estas lhe terão sido feitas, mas ao olhar-se agora para o que foi essa actividade há-de reconhecer-se que ele as não mereceu, porque, na verdade, se trouxe aqui a defesa dos interesses da sua região, fê-lo pela convicção em que vivia de que. defendendo esses interesses, estava a defender também o interesse nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Foi camarada. Vamos sentir muito a sua falta nesta Casa, e o País vai sentir connosco a falta do eco que nele fazia a sua voz aqui. Temos de inclinarmos diante dos desígnios da Providencia e com uma palavra de saudade afirmar também um pensamento de piedade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: vejo que a Assembleia, todos nós, vibrou de intensa dor ao ouvir a palavra dos oradores que quiseram prestar a sua homenagem ao Sr. Deputado Antunes Guimarães.
Ainda ontem enchia com o seu espirito e a sua presença esta Casa e já hoje é para todos nós apenas uma saudade.
Consolemo-nos, todavia, Srs. Deputados, e levantemo-nos da prostração em que naturalmente o golpe vibrado na Assembleia Nacional, pela morte do Sr. Deputado Antunes Guimarães, nos lançou, pensando que quando os homens têm a sua estatura, até mesmo depois de mortos, continuam a servir, e talvez melhor, os princípios que durante a vida defenderam.
Depois da sua morte, fica-nos a honra de os termos na galeria dos homens ilustres da nossa causa, mas fica. sobretudo, o seu grande exemplo, o exemplo de uma vida levada até aos 74 anos, servindo inalteràvelmente, com fé inabalável, os mesmos princípios e os mesmos ideais. E talvez que a nossa leiva política careça dessa fecundação para continuar a desabrochar em renovadas primaveras de vida e de beleza.
Julgo interpretar os sentimentos da Assembleia, manifestados aqui, levantando a sessão de hoje em homenagem ao Sr. Deputado Antunes Guimarães e designando para me acompanhar no seu funeral uma deputação constituída pelos Srs. Deputados Sebastião Ramires, Mário de Figueiredo e Manuel Cerqueira Gomes.
A próxima sessão será na terça-feira 16 do corrente, com a ordem do dia que estava marcada para hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Délio Nobre Santos. Joaquim Mendes do Amaral.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António de Almeida.
António de Matos Taquenho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz. José Pinto Meneres.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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