O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 267

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69

ANO DE 1951 18 DE JANEIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 69 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 17 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a, sessão às 15 horas e 58 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 68.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho uma proposta de lei que autoriza o Governo a contrair um empréstimo interno de 300:000 contos.
O Sr. Deputado Galiano Tavares ocupou-se da situação em que se encontra o Mosteiro de Flor da Rosa.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Jacinto Ferreira efectivou o seu aviso prévio acerca da situação em que se encontram os diplomados com cursos superiores que não conseguem emprego compatível com as suas habilitações.
O Sr. Deputado Manuel Domingues Basto requereu a generalização do debate, a qual foi concedida pelo Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Manuel Domingues Basto subiu à tribuna.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 30 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA: - Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes n.º 15/V.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 21 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.

Página 268

268 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69

João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes, da Costa Amaral.
Joaquim Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias ao Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Luís ia Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes ao Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel ao Sousa Meneses.
Manuel ao Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Remires.
Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estilo presentes 61 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 58 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das sessões n.º 68.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero aprovado aquele Diário.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está ma Mesa uma proposta de lei enviada pelo Governo, através da Presidência do Conselho, na qual se pede autorização à Câmara para poder contrair um empréstimo interno amortizável, até ao montante de 300:000 contos, denominado (Obrigações do Tesouro 1951", sendo de 1.000$ o valor nominal de cada obrigação, em títulos de 10 obrigações.
As obrigações serão amortizadas em vinte e cinco anuidades iguais, a principiar em 15 de Janeiro de 1952. Esta proposta de lei vai à Câmara Corporativa a às Comissões de Finanças e de Economia desta Assembleia.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Galiano Tavares.

O Sr. Galiano Tavares:- Sr. Presidente: em Flor da Rosa, freguesia do concelho do Crato, há um monumento nacional, constituído por mosteiro fortificado, que servia de alcácer no prior fundador da Ordem de Malta o que, no decorrer do tempo, foi sendo sucessivamente beneficiado e alargado - formado pela igreja, o castelo, os celeiros e as oficinas.
A igreja anexa, de Santa Maria, foi edificada em 1356 por Frei Gonçalves Pereira, pai de D. Nuno, o Condestável. Ali foi instalado pelo infante D. Luís, pai de D. António, prior do Crato, um colégio o ali repousam igualmente os restos mortais do pai do D. Nuno Álvares Pereira e de D. Diogo Furtado de Almeida, 6.º prior do Crato, irmão do 1.º vice-rei da índia.
HÁ vinte e cinco anos a imprensa doa a conhecer o estado de deplorável abandono em que se encontrava o túmulo do 1.º prior do Crato.
O falecido bispo de Portalegre, D. Domingos Maria Frutuoso, promoveu então a transferência dos restos mortais do fundador para capela própria e consagrada ao Beato de Santa Maria. As ruínas de Flor da Rosa foram consideradas monumento nacional o a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais louvavelmente empreendeu a sua restauração (1939).
Ora, Sr. Presidente, muito se gastou já o não seria de surpreender que os possíveis trabalhos de recuperação não prosseguissem com a mesma intensidade inicial. Sucede que a interrupção se deu no momento menos aconselhado e está em risco de se perder totalmente grande parte do volume de dinheiro que se despendeu que é manifesto desperdício.
Em 11 de Janeiro do ano de 1950 oficiou-se à Direcção-Geral dos Edifícios o Monumentos Nacionais nestes termos:
"Exmo. Sr. Director-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais - Lisboa. - Foi com o maior júbilo que este Município viu inaugurarem-se as obras de restauro do notável e vetusto Mosteiro de Flor da Rosa, em boa hora iniciadas por essa Direcção-Geral, numa acção altamente meritória.
Porém, há anos que aqueles trabalhos paralisaram, sem ter ficado devidamente protegida a grande abóbada da igreja, que, com as chuvas e as infiltrações consequentes, está em risco de totalmente se perder.
Não pode nem quer esta Câmara ficar indiferente perante o que considera um grave prejuízo do património artístico e histórico do concelho, pelo que leva ao conhecimento de V. Ex.ª esta informação.
Este oficio pretendo ser um grito de alarmo levado à Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
Esperando que V. Ex.ª tome as providências que julgar convenientes, termino apresentando a V. Ex.ª os meus cumprimentos".
Sr. Presidente: este brado de alarmo, que bem se pode considerar uma súplica, ficou sem resposta e, se não forem tomadas providências, será necessário, dentro em pouco, restaurar aquilo mesmo que já se restaurou e que custou 660 contos, segundo informação da repartição técnica dos serviços dos monumentos nacionais.
Considero um dever chamar a atenção do Sr. Ministro das Obras Públicas, solicitando-lhe que Flor da Rosa seja incluída no roteiro das suas assíduas visitas, para que possa inteirar-se de visu do lamentável abandono a que foram votadas as obras de restauração do histórico mosteiro, pois que, de outro modo, tudo quanto se fez, em relação à abóbada da igreja pelo menos, será perdido.
Tenho. dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jacinto Ferreira, para realizar o seu aviso prévio sobre a situação de grande número de recém-formados que não conseguem obter colocação compatível com a categoria social a que ascenderam.

Página 269

18 DE JANEIRO DE 1951 269

O Sr. Jacinto Ferreira: - Sr. Presidente: na sessão desta Assembleia, Nacional de 11 de Janeiro de 1951 requeri que me fossem fornecidos vários elementos necessários para ajuizar com segurança o problema que hoje venho tratar.
A meu pedido, alguns sindicatos nacionais de indivíduos diplomados pelas Universidades foram consultados sobro a existência de desempregados na sua profissão, ou de outros não ganhando, livremente, à custa do seu diploma, o suficiente para se manterem.
Embora todos estes organismos profissionais admitissem a realidade de qualquer destas situações, nenhum deles se declarou habilitado responder claramente, confessando mesmo alguns ignorarem a extensão em que qualquer delas se manifestava.
A Ordem dos Médicos esclareceu: "Não é possível dar resposta mesmo aproximada. Seria necessário proceder a um inquérito social, para o qual não possuímos meios".
A Ordem dos Engenheiros disse: "Não é possível responder por não ter havido até agora necessidade de se fazer registo dos engenheiros nesta situação. O § 2.º do artigo 7.º dos estatutos da Ordem. permite que sejam dispensados dos encargos os inscritos que declarem não exercer a profissão. Estavam nesta situação no fim de 1949 duzentos e dez".
A Ordem dos Advogados já foi um pouco mais expressiva ao afirmar que, "embora seja elevado o número de advogados que não auferem, proventos suficientes para viver exclusivamente da profissão, este organismo não pode, nem sequer aproximadamente, indicar um número".
O Sindicato Nacional dos Comercialistas desculpou-se com a seguinte frase: "Como se trata de um sindicato que agrupa indivíduos de profissões liberais, não possui este organismo elementos que permitam responder".
O Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários declarou: "É difícil responder concretamente em tão curto prazo. Para tanto seria necessário proceder a um inquérito demorado o dispendioso. Todavia, pelo conhecimento que tem da classe, este Sindicato julga não se afastar muito da verdade computando o número pedido em um terço dos seus profissionais".
Por fim, o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos avaliou em 75 por cento dos seus inscritos o número dos que não ganham o suficiente, tomando como limito inferior de suficiência os proventos, aliás baixos, de 2.000$ mensais.
Faltam referências a outros organismos. Parece que o Instituto Nacional ao Trabalho e Previdência não considerou formados por cursos superiores os engenheiros geógrafos e, pelo menos muitos dos professores do ensino particular. E foi pena, porque, quanto aos primeiros, bastará referir que, dos sessenta e oito em serviço no Instituto Geográfico e Cadastral, apenas cinco exercem funções próprias da sua categoria.
A maioria dos restantes está contratada com a categoria de topógrafos de La classe, a que corresponde um vencimento menor do que o de um regente agrícola de 1.ª classe - curso médio. E, esta situação foi até consagrada pelo Decreto n.º 37:7O7, de 30 de Dezembro de 1949, que concedeu aos engenheiros geógrafos a especial deferência de poderem ser admitidos à concurso para topógrafos-chefes.
É como se aos licenciados em Medicina, fosse conferido o direito de concorrerem a enfermeiros dos hospitais.
Nó que respeita aos licenciados em Letras, Ciências, etc., exercendo funções docentes não oficiais, ou, se oficiais, não efectivas, posso afirmar que estão presentemente desempregados mais de duzentos, muitos deles já com seis e oito anos de serviço.
Ao 10.º grupo (Português e História) do ensino técnico, profissional concorreram cerca de cem candidatos, até agora estão nomeados apenas cinco professores; ao-
8.º grupo (Português e Francês) de entre cinquenta a sessenta concorrentes só três foram nomeados.
Dos licenciados em Ciências os geólogos estão em situação muito parecida com a dos engenheiros geógrafos.
É incrível, mas é verdade, que no quadro permanente dos serviços geológicos não figura qualquer lugar do geólogo. Fazem, lá serviço alguns, sim, mas contratados, e, quanto a vencimento, são equiparados a engenheiros de 3.ª classe, sem direito de acesso a categoria superior.
Os licenciados em Ciências Físico-Quimicas têm quase todos (os que alcançam tal ventura) de se contentar com lugares de preparadores e analistas - lugares, afinal, para cursos médios, tal como os topógrafos, atrás referidos.
No que respeita aos licenciados em Biologia, não sei que diga senão afirmar a minha admiração pelos que se dedicam à aquisição de tais conhecimentos.
Neste campo da ciência para o panorama geral é este: os cientistas formados pelas nossas escolas vão esterilizar-se em ocupações subsidiárias, quando não dispersar-se em actividades estranhas, e quando se verifica a necessidade da sua colaboração não há remédio senão chamar os estrangeiros, principescamente retribuídos, e muitos dos quais acabam por deixar relatórios cheios de ridículo e de desinteresse.
Já não falo dos engenheiros agrónomos, muitos dos quais estio, neste aspecto, em igualdade de circunstâncias com os formados pelas outras escolas universitárias, porque a falta de informações oficiais a seu respeito se baseia no facto de eles ainda não estarem integrados na organização corporativa, com o que parece não terem perdido coisa alguma até agora.
Também não compreendo que haja uma Ordem dos Engenheiros e nela não estejam integrados os agrónomos e os geógrafos. Não aio, uns e outros destes, também engenheiros? Pelo menos o Estado confere-lhes tal título, e onde o Estado confere nenhuma entidade deve poder negar, sejam quais forem os argumentos aduzidos e as razões invocadas.
Não é de admitir que um órgão da mecânica estadual se negue a reconhecer os títulos conferidos pelo próprio Estado. E, no entanto, é isto que se passa com a Ordem dos Engenheiros em relação aos seus pares agrónomos e geógrafos, o que implica a ideia de que aquele organismo 6 a Ordem de apenas alguns engenheiros.
Enfim, não quero deter-me mais neste ponto, até porque a intervenção de estranhos nas desavenças familiares é quase sempre desagradável a ambos os grupos contendores.
O que seria lamentável era omitir uma lição preciosa, mas desoladora, que deste inquérito resulta.
Sr. Presidente: as respostas recebidas dos sindicatos revelam bem quanto a sua existência é artificial. Nilo será um dos requisitos basilares para elos poderem pro"curar melhorar as condições de vida dos indivíduos que representam o conhecimento real dessas mesmas condições ?
Pois não o possuem, e parece que jamais o possuirão, uma vez que declaram obrigar isso a um inquérito dispendioso, para o qual não dispõem de meios.
Pela resposta da Ordem dos Engenheiros ficar-se-ia com a impressão de que nesta profissão não há desemprego, visto só não pagarem quotas duzentos e dez engenheiros, naturalmente por serem proprietários, lavradores, industriais, etc. E, afinal, entre os clamores que até mim têm chegado destacam-se os dos engenheiros, dos quais, ao que me afirmam, mais de trezentos recém-formados estão presentemente sem colocação.
Quer dizer: os outros sindicatos vivem na ignorância consciente; este vive na ilusão. É mais feliz!

Página 270

27O DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69

O Sr. Simões Crespo: - É que os recém-formados não estão inscritos na Ordem, e por isso a Ordem não tem conhecimento deles e não poderá dar explicações nesse sentido. Mas são muitos, de facto, os desempregados.

O Orador: - É uma explicação.
O meu ponto de vista fica, porém, de pé, porque a Ordem dos Engenheiros espera receber informações quando afinal ela é que devia procurá-las.

O Sr. Carlos Moreira: - É para isso mesmo que ela é Ordem.

O Orador: - Falta a todos estes organismos iniciativa, autoridade, personalidade. E as entidades colectivas aro, a este respeito, semelhantes às pessoas singulares: quando lhes faltam aquelas genialidades poderão ser sofríveis servidores, mas o que nunca se conseguirá fazer delas é colaboradores úteis, ou sequer medíocres.
Pode-se dizer, sem exagerar, que a legião do proletariado intelectual no nosso país deve comportar à roda de 2:000 "indivíduos".
E o que isto representa de perigoso, socialmente, não seria necessário dizê-lo a esta Assembleia. Mas não posso furtar-me a abordar este aspecto do problema porque desta tribuna se fala também para o País.
Sr. Presidente: poderia citar aqui opiniões de sociólogos o de políticos sobre o desemprego intelectual, mas, além de que isso nada acrescentava aos nossos conhecimentos sobro o problema, considero este sério em demasia para servir de pretexto a erudições fáceis ou a dissertações académicas sonoras e graves.
Profiro apreciá-lo na sua realidade crua, denunciar sem rodeios os motivos que, em meu entender, a ele tem conduzido, e procurar, à luz da noção que possuo, do justo e do conveniente, esclarecida pelo conhecimento das possibilidades nacionais, os remédios adequados à sua solução.
Todos os que não encontramos aqui sabemos o que representa a aquisição de um curso superior.
Para os encarregados da educação representa despesas, sacrifícios, que só uma grande esperança justifica, o que, a ficarem em vão, se transformam numa decepção inesquecível. Para os estudantes, trabalhos, privações às vezes, numa idade em que tudo convida à largueza e à generosidade; mas a sobrepor-se a tudo isso a ideia de ia poderem gozar de liberdade; nas regiões mais altas da hierarquia social.
E os anos passam. E quando se atinge o último do curso, a ansiedade pela libertação deixa pensar que dificilmente se poderia aguardar mais.
Espera-os o futuro cor-de-rosa, o vão confiadamente ao seu encontro. Mas eis que o futuro empalidece, à medida que o tempo passa, o torna-se cinzento, o torna-se mesmo negro.
Que fazer? Pela profissão em que se formaram não vislumbram possibilidades de ganhar o pão de cada dia ... Colocarem-se em qualquer lugar?
Mas poderá um doutor, um engenheiro, com 24 ou 28 anos, colocar-se dignamente, em qualquer lugar, desviando o rumo da sua vida?
Ainda que o faça, permanecerá num semidesemprego com que só excepcionalmente se conformará.
Emigrar? "Dezenas do nós - diz um engenheiro do Porto - queremos ir trabalhar para as colónias, mas mesmo para aí é difícil conseguir emprego, a avaliar pelos esforços que eu o outros temos feito".
"Eu e muitos colegas estamos prontos a ir para qualquer parte do Mundo trabalhar como engenheiros - diz outro - desde que nos seja facilitada a emigração em boas condições.
Desta maneira, a pessoa sente-se diminuída perante si própria, perante os amigos, perante a sociedade. E a família, que elo, naturalmente, aspira a constituir?
Estes homens, desempregados, revoltam-se, ainda que não conspirem. E revoltam-se contra tudo o contra todos, por maior que seja a sua formação moral e política. E não é grande, pode dizer-se, na maioria deles, porque há já muitos anos a educação política da juventude portuguesa tem sido incompreensivelmente contrariada com neutralizações, cujos efeitos vão sendo agora dolorosamente verificados.
Dizia há dias o padre Américo, na sua linguagem simples, toda feita de verdade: "O homem não vivo para comer, é certo. Mas sem alimentação suficiente é impossível ele estar quieto ou escutar a doutrina dos que têm mesa e talher".
"Aqui no Porto - escrevem-me ainda -, a qualquer hora a que se vá a um café, é sabido encontrar-se um grupo de doutores ou engenheiros a conversar sobre a crise". .
Em Maio de 1926 havia, além de tudo o mais, uma greve académica, com o fundamento de nos cursos superiores não serem dadas garantias quanto à colocação futura dos que os frequentavam. Não foram os estudantes que fizeram o 28 de Maio, mas ajudaram a criar o ambiente propício à sua eclosão, e nas horas futuras, em que foi necessário dar apoio, eles souberam estar sempre presentes com o seu entusiasmo o com a sua palavra calorosa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que saudados! Saudados, principalmente, porque esse espírito moço e combativo parece hoje inteiramente perdido.
A Nação não pode desinteressar-se de estarem no desemprego ou em semidesemprego, e, por consequência, no azedume e na animosidade, muitos dos que, no futuro, serão, apesar de tudo, designados para ocupar cargos dirigentes de qualquer grau.
O Estado não pode deixar entregue ao desespero, com todas as suas consequências, um número indeterminado de membros das camadas intelectuais.
Esta é a importância do problema Retocar em demasia o quadro seria, decerto, impertinência.
Sr. Presidente: é altura de começarmos a ver quais os motivos por que se manifesta este fenómeno.
Afastemos, primeiramente, uma possível causa - a de o desemprego deste grau ser motivado por restrições de ordem política. Não há desemprego político (apoiados) Bem ao contrário, verifica-se que muitos adversários da actual. ordem social se encontram, em abundância, bem colocados nas repartições públicas e nos organismos de coordenação económica, mesmo já nomeados pelo Estado Novo.
Não é segredo para ninguém que ainda há pouco foi Publicamente acusado de formação marxista um funcionário que exercia o cargo de director dos Serviços Médico-Sociais - Federação das Caixas de Previdência; e muitos dos superintendentes da previdência social eram tidos como, durante muito tempo pelo menos, de formação adversa no regime corporativo.
Para cúmulo, numa comissão há pouco nomeada para efeitos que me não ocorrem agora foi incluído um indivíduo expulso anteriormente de um estabelecimento de ensino militar por insinuar no espírito dos alunos a leitura de publicações subversivas.
Se eu tivesse na minha presença alguns daqueles que ardem em indignação contra as declarações de repúdio

Página 271

18 DE JANEIRO DE 1961 271

do comunismo e da maçonaria, exigidos para o desempenho de funções públicas, dir-lhes-ia:
Porque vos indignais? Não sabeis que se procede por forma idêntica em todo o mundo ocidental? Ignorais também que na pátria do socialismo e nos países por ela dominados as coisas são ainda muito mais severas?
Também nunca vos disseram, ou já vos esquecestes de que por cá, há trinta ou. quarenta anos atrás, os Governos da República não se contentavam com declarações simplesmente negativas, como as actuais, mas exigiam, antes, atestados de bom republicanismo comprovado por actos e factos ?
Porque vos indignais, então?
Na lógica do vosso pensamento, visto serdes tão adversos dos excessos de autoridade e tão pugnadores das liberdades fundamentais, deveríeis ser fervorosos adeptos dos regimes monárquicos, por serem aqueles que conseguem estabelecer a harmonia mais perfeita entro a autoridade necessária o as liberdades convenientes. Mas preferis simpatizar com o comunismo, regime de autoridade férrea o opressor de todas as liberdades individuais.
Decididamente, não consigo entender-vos.
Num ponto, porém, estou de acordo convosco, prezados hipócritas - na inconveniência de tais declarações impostas por um Estado que aparenta defender-se. Proporcionam-vos armas que vós sabeis manejar com destreza e não constituem para ele couraça defensiva do valor.
Não há desemprego intelectual motivado por causas de natureza directamente política. Mas, não obstante isso, a política não está, como é natural, isenta de responsabilidades neste caso.
Os mapas oficiais que recebi acusam novecentas acumulações de lugares públicos, o que equivale, aproximadamente, a seiscentos cargos públicos ocupados, em regime de acumulação, por indivíduos formados em Universidades, tendo em vista que muitos deles acumulam lugares do Estado com outros em empresas concessionárias de serviços de utilidade pública.
Nestes números não entro em conta com as inerências nem com as acumulações de pequenos cargos em concelhos da província.
Há, todos o sabem, acumulações que são necessárias, porque determinadas funções de confiança só podem ser exercidos por pessoas também de confiança, que, naturalmente, não andarão desempregadas nem convirá distrair de outros cargos que estejam normalmente desempenhando.
Eu. não ponho em dúvida a legalidade das actuais acumulações ou das inerências, mas também não quero deixar de focar a elasticidade de que as leis têm sido impregnadas a este respeito.
Ainda há pouco o Tribunal de Contas nos veio referir que na Intendência-Geral dos Abastecimentos havia muitos funcionários com acumulações mal esclarecidas e outros que, depois de nomeados e de durante muito tempo exercerem funções sob este mesmo regime, acabaram por ver legalizada a sua situação com o parecer de que tais funções poderiam ser consideradas inerências.
Tal como na fábula do macaco e do queijo, poderemos dizer que a Justiça ficou satisfeita, mas os gatos devem ter ficado a olhar uns para os outros.
Sei de inerências que rendem, por ai só, ao feliz ocupante proventos superiores ao vencimento de outros funcionários de semelhante categoria em regime de exclusividade. E até os há habilidosos, que na percentagem dos emolumentos, também inerentes à inerência, fazem intervir, não a gratificação que por esta percebem, mas o vencimento total, para assim a proporção na partilha aumentar três ou quatro vezes.
Oh, a mentira dos vencimentos! Já tem sido motivo de justas e generosas palavras, e, naturalmente, continuará a sê-lo.
Sabe-se o que são, na generalidade, as acumulações, para quem não tem o dom da ubiquidade. Um exemplo:
Entra um cidadão numa repartição pública e diz que deseja falar ao Sr. Dr. X.
- Não está, diz o contínuo: - Só depois das cinco.
- Mas, então, isto não fecha às cinco?
- Sim, mas é que o Sr. Dr. X. faz também serviço na comissão Z, e só quando sai de lá vem para aqui.
- Então até logo - diz a visita. E volta às 17 horas e 30 minutos.
- O Sr. Dr. X. ainda não veio - acode o contínuo. Mas faça V. Ex.ª o favor de entrar para a sala de espera e aguardar um pouco.
Passa o tempo. São 18 horas e o contínuo abre a porta.
- Já veio?
- Não veio, e naturalmente não vem. Decerto teve lá em baixo mais que fazer hoje. Talvez, fosse melhor V. Ex.ª voltar outro dia.
- Também me parece. Adeus.
No dia seguinte, de novo às 17 horas e 30 minutos:
- O Sr. Dr. X. está hoje?
- Está sim, senhor. Já chegou.
- Então faça favor de me anunciar.
Passam as 18 horas e as 18 horas e 30 minutos. O Sr. Dr. X. está tão atarefado que nem sequer se lembra de que tem uma pessoa de categoria esperando ser recebida, nem mesmo lhe mandou dizer que não o podia atender ou que tivesse a bondade de aguardar uns minutos. Mas, para que este feliz funcionário puxe a dois carrinhos, sem fazer mover satisfatoriamente, como é natural, nenhum deles, o Estado paga horas extraordinárias ao porteiro, que vai soletrando a república, ao contínuo, que boceja a lembrar-se do jantar, à dactilógrafa, que, incansável vai gastando o teclado da máquina, à telefonista, ocupada com a feitura das suas intermináveis rosetas de crochet, etc.
Nem todos os seiscentos lugares acumulados poderiam ser ocupados pelos actuais desempregados, mas, com certeza, daqui poderia vir um grande alivio.
Também as informações oficiais que recebi denunciam outra causa de desemprego intelectual. Em fins da 1949 os quadros do Estado e afins incluíam mais ao 1:200 indivíduos do sexo feminino auferindo vencimentos superiores a 1.500$ mensais, e destes bastantes acima de 3.000$. Em um conselho técnico estava uma senhora com 4.050$ mensais.
Já não falo em mais 2:400 ganhando menos do que a primeira importância referida, mas que estão na escala para, a promoção, nem em professoras de qualquer grau ou outras funções acentuadamente femininas, quer por sua natureza quer por tradição longamente aceite.
Não enfileiro entre os que condenam em absoluto o trabalho feminino fora do lar. Por outro lado, o último recenseamento da população acusa um excesso de cerca de 300:000 mulheres sobre o número de homens, o que equivale a dizer-se que muitos milhares da indivíduos do sexo feminino não encontram ocupação no lar a que moral e socialmente seria a ideal.
Excluindo deste número as crianças a cargo dos pais, as viúvas mantendo-se por si próprias ou mercê da protecção dos filhos e as que, porventura, vivam de rendimentos próprios ou do conjunto dos rendimentos familiares ainda restará uma larga percentagem de mulheres necessitadas de se empregarem, e nem todos o poderão fazer dentro de casa em trabalhos de costura ou de puro artesanato.
Não se pode, portanto, condenar em absoluto o trabalho feminino fora do lar. Mas pode-se e deve-se

Página 272

272 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69

condenar a febre dos empregos em competição com o sexo masculino.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na Conferência Internacional do Trabalho realizada em S. Francisco da Califórnia, em Junho de 1948, p delegado do Governo Português afirmou: «Até certo ponto pode dizer-se que se retrocede no terreno do social quando se equiparam os sexos, não só na retribuição que se lhes paga como no esforço que se lhes exige».
Não poderia encontrar melhor apoio para a doutrina que acabo de expor, a qual é ou foi, afinal, a do Governo, embora nunca tivesse sido por este posta em prática ou sequer recomendada aquém-fronteiras.
Mas há ainda uma outra causa importante de proletarização intelectual, e essa primacial, porque é a que, fornece, afinal, a matéria-prima. Referi-me à má organização do ensino superior.
As anteriores podem classificar-se de causas por deficiência de saída; esta é, sem dúvida, uma causa por excesso e má regulação da entrada.
Hoje em dia entram para as Universidades todos os que pretendem: só se perscruta a sabedoria, mas não se atende à idade, ao sexo, às faculdades, mesmo à saúde física e mental dos candidatos.
O Estado Novo, que organizou com tanta eficiência e são critério os serviços de sanidade escolar para o ensino primário e secundário, deixou abandonado o ensino superior.
Quer dizer, ao Estado interessa em alto grau, e muito bem, a saúde daqueles que hão-de vir a ser empregados bancários, funcionários de carteira, etc., mas desinteressa-se da saúde dos que hão-de vir a participar dos agrupamentos de élite da Nação.
Eu não censuro o que se fez, lamento apenas que a empresa tenha ficado tão limitada. Presto até gostosamente a minha homenagem aos serviços de sanidade escolar, cujo funcionamento tenho seguido com uma admiração que só confirma a expectativa com que acompanhei a sua criação e a nomeação do corpo clínico de escol com que foram dotados.
O que tem sido possível fazer a favor da saúde moral dos rapazes isso ficará oculto na sua maior parte, até porque não se presta a publicidades nem a estatísticas, mas o progresso na saúde física das crianças e dos adolescentes é bem evidente, com o quase desaparecimento da difteria - essa doença tão grave, tão espalhada - e com a intensa profilaxia da varíola, da febre tifóide e, mais modernamente, da tuberculose.
E que se faz no âmbito do ensino superior, entre os 17 e os 20 anos, exactamente nas idades em que o organismo é mais sensível e as solicitações são mais intensas? Nada.
Quanto à admissão, não há peias. É um perfeito liberalismo pedagógico: Laissez entrer, laissez passer.
Contou-me um professor de certo estabelecimento de ensino superior que uma vez deixou passar um aluno porque teve medo que ele fosse vítima de qualquer acidente, tal a agitação nervosa que exibiu em plena prova. Era um tarado; hoje é um Sr. Dr. E o pai, naturalmente também pouco saudável neste aspecto, invocava a circunstância de o rapaz ser muito nervoso, como ele dizia, para junto dos professores implorar o favorzinho de uma benevolência especial.
Podemos ter a certeza de que entre as centenas de diplomados sem colocação há uma boa percentagem de incapazes, a quem nunca deveria ter sido atribuído um diploma universitário.
E, quanto ao número de alunos, bastará referir que numa Faculdade de Lisboa alguns deles tomaram a deliberação de trazer bancos de casa e entregá-los à guarda dos contínuos se quiseram ouvir, sentados, as prelecções docentes.
Pergunto sinteticamente: é ser o Estado pessoa de bem exigir aos seus súbditos determinadas quantias para ministrar aos filhos destes tal ou tal instrução e depois não cumprir o contrato porque os laboratórios são parcamente dotados, porque o pessoal docente é exíguo em relação ao número de alunos admitidos e até porque os seus estabelecimentos de ensino não dispõem de lotação suficiente para a população escolar?
Publicam-se reformas de uma ou de outra Faculdade; publicam-se decretos para a resolução de problemas acidentais. Ainda bem. Simplesmente do que nós precisamos não é disso, mas duma profunda reforma universitária.

O Sr. Carlos Moreira: - Eu estou de acordo com V. Ex.ª nesse ponto, mas vou um bocadinho mais longe. As reformas têm sido tantas e têm-nos afligido tanto por vezes que eu ousarei pedir uma reforma geral e integral do ensino, ou seja, no fundo, a reforma de todas essas reformas.

O Orador: - Isso é uma generosa aspiração, da qual eu partilho inteiramente.
Sr. Presidente: um oficial do Exército referiu-me que tinha querido tirar no Instituto Superior Técnico uma determinada cadeira, mas que não pôde fazê-lo porque isso era vedado como defesa do título de engenheiro; assim, neste país e naquela matéria, ou ignorante ou engenheiro. É o mesmo em muitas outras matérias. O espaço que na hierarquia intelectual deveria ser ocupado entre estes dois extremos tem estado e continua a estar vazio de operários especializados, de dirigentes de grau médio, na indústria, na agricultura, aio âmbito social.
A Universidade não pode servir para defender títulos profissionais ou académicos.
Eu não faço favor, porque só faço inteira justiça, supondo o actual titular da pasta da Educação, a cuja cultura e formação presto a minha homenagem sincera, inteiramente insatisfeito com o panorama do ensino superior. A apreciação que estou fazendo não se dirige a pessoas; visa apenas os acontecimentos e o seu mecanismo. E nesta explicação quero abranger alguns dos nomes que precederam S. Exa., e também não o faço por mera delicadeza, mas apenas porque sinto prestar assim culto à Verdade e à Justiça.
Diagnosticadas as causas dos males, fica bastante facilitada a prescrição dos remédios adequados.
Vamos estudá-los com a presteza que requer este já longo arrazoado.
Repugna-me apelar para o Estado-Providência. Isso não está na minha formação. Mas não posso deixar de incluir nesta terapêutica que vou preconizar a acção do Estado, porque também sou incapaz de cair no extremo oposto, ignorando a sua existência e a sua importância nas sociedades modernas.
Como satisfação moral - mais satisfação moral do que contribuição real para a solução do problema - urge fazer cessar muitas acumulações, a que não estão ligadas missões de confiança.

O Sr. Cortês Lobão: - Apoiado!

O Orador: - É, sobretudo, no ramo da engenharia, porventura a profissão deste grupo mais afectada pelo desemprego, que se verifica a existência de funcionários com dois, três e quatro lugares.
São mal remunerados?
Isso é já outra questão.

Página 273

18 DE JANEIRO DE 1951 273

Se fôssemos a entrar em linha de conta com remunerações insuficientes de funcionários, então teríamos de cair na situação inconcebível de mandar para o desemprego 50 por cento dos actuais servidores do Estado, para permitir acumular à outra metade, à que coubesse em sorte permanecer no activo.
De resto convém acentuar que só englobo nesta rubrica de proletariado intelectual os diplomados exercendo, por recurso, funções estranhas ao seu curso superior ou aqueles que, no seu pulso livre, não conseguem encontrar meios de mantença.
Ainda no campo das acumulações, convirá não perder de vista os funcionários civis ou militares que, afastados do serviço activo, mas recebendo o seu vencimento normal, vão depois concorrer no campo das actividades livres.
Esta situação prejudica sobretudo os licenciados em Ciências Económicas e Financeiras, porque, com muita frequência, os lugares de chefia de escritórios são confiados a oficiais do Exército e a funcionários de finanças na inactividade, cujos préstimos, retribuídos com vencimentos médicos, são valorizados ainda pela rede de conhecimentos e relações adquiridos anteriormente por aqueles empregados.
A propósito, julgo que não seria descabido rever o problema, posto aqui há meses com um radicalismo nada recomendável, da carteira profissional dos empregados de escritório, sobretudo quanto ao limite de idade para a sua aquisição, o qual só por motivo grave seria alterado, como, por exemplo, em relação a comerciantes que, por motivo não indigno, tivessem abandonado os seus negócios. Isto já poderia, de futuro, aliviar bastante o desemprego dos referidos licenciados.
Não é possível, evidentemente, proibir o trabalho feminino, mesmo nas modalidades menos recomendáveis. Mas o que se pode e deve, encarando o problema no seu conjunto, é chamar os diversos sindicatos à elaboração de uma lista das actividades que no ramo de cada um deles podem licitamente ser exercidas por indivíduos do sexo feminino. Fora desta lista o emprego de mulheres seria considerado causa de desemprego, e como tal fortemente tributado a favor do respectivo Fundo, tanto em relação ao empregado como em relação à entidade patronal.
E, quanto ao funcionalismo feminino, cuja extinção não teria fundamento, pelos motivos já expostos, conviria estabelecer para ele um limite máximo de vencimentos.
De facto, se o vencimento do funcionário supõe a satisfação das necessidade normais de um chefe de família, e se admitirmos o emprego feminino como uma necessidade da mulher isolada, nada justifica que a esta sejam atribuídos vencimentos de chefe de família. E à limitação de vencimentos teria de corresponder uma limitação de acesso aos lugares superiores da escala que ultrapassassem o limite estabelecido.
Parecerá estranha uma tal doutrina, mas mais estranho é verem-se as repartições pejadas de mulheres, e os cafés pejados de homens, cujo recurso é empregarem-se como maridos de funcionárias. Para combater esta tendência já o Estado sentiu a necessidade de regular o casamento das professoras primárias e das funcionárias dos CTT.
Mas não será isto contrariar tudo o que se passa lá por fora?
Há, sim! Talvez seja! Mas pergunto então: são muitos os países que consideram a família a base das suas instituições? São muitos também os que declaram solenemente guiarem-se pelas leis da moral cristã? E quantos os que estão, como nós, vinculados a uma tradição nacional de oito séculos, a qual, mesmo que sé pretenda ignorar, não pode, por forma alguma, deixar de imprimir carácter à nossa vida e às nossas aspirações?
Os exemplos de fora são sempre proveitosos quando os fazemos passar pelo filtro do nosso entendimento.
Ninguém ignora que os serviços públicos têm alargado consideràvelmente os quadros do seu pessoal técnico e admitido, por contrato, muitos outros diplomados.
Pena é que, por disposição legal, há dois anos esteja fechada inexoràvelmente a porta a novas admissões, o que é mais um motivo de desânimo para os que impacientemente aguardam e uma nova causa de agravamento do problema.
Há que admitir, porém, que nem sempre o alargamento dos quadros representa uma extensão dos serviços ou um benefício público. E que, com frequência, são apropriadas pelo Estado funções até então exercidas pela iniciativa privada, e outras que a esta poderiam ser entregues sem prejuízo da sua eficiência, reservando-se o Estado o papel de fiscalizador e impulsionador.
Já o escrevi algumas vezes: há funções assumidas pelo Estado e realizadas por esse País fora por técnicos com a patrulha da Guarda Nacional Republicana atrás de si que poderiam ser levadas a efeito por esses mesmos técnicos com inteiro consentimento dos interessados, em regime de pulso livre, se esta sua actividade fosse protegida e impulsionada.

O Sr. Melo Machado: - Por exemplo?

O Orador: - Por exemplo, a tuberculinização das vacas leiteiras.
Há mais exemplos, mas este basta decerto a V. Ex.ª, que o compreenderá tão bem como eu.
O fomento do pulso livre nas profissões com possibilidades para tal poderia ser também um elemento de resolução deste problema. Há um sector em que esta doutrina tem inteira aplicação - o sector médico; e isso já foi escrito em vários documentos da respectiva Ordem. Infelizmente, o pensamento dominante é de tendência socializante.
Durante muito tempo ouviu-se dizer: «Uma mentalidade nova fará ressurgir Portugal». Eu ainda penso o mesmo. O que é preciso é que essa mentalidade nova se revele e que, entretanto, todas as manifestações conducentes e sua formação sejam acarinhadas, mas de modo que não sufoquem sob a acção dos amplexos protectores.
Ora uma mentalidade sã, uma mentalidade nova e esclarecida aia direcção de certos serviços poderia ser também um bom remédio para o desemprego intelectual. E isto não é já um problema de Governo, mas um problema de administração, e talvez dependente menos dos Ministros do que dos directores-gerais e dos funcionários superiores.
Por isso, eu não simpatizo com a situação dos directores-gerais vitalícios. Penso até que isso pode revelar confusão entre continuidade governativa e continuidade administrativa, e desta é preciso defender a Nação, pelos perigos de estagnação e de rotina que dela podem derivar. Decerto que há, felizmente, excepções, mas o que interessa é a regra geral e o que dela pode resultar também na generalidade dos casos.
Quanto a mim, vitalício na orgânica do Estado só um, e esse mais do que vitalício e hereditário, para que, não devendo o Poder senão a Deus, que o criou, e ao seu progenitor, à sua volta tudo possa ser oportunamente renovado e transformado.
Desculpem agora VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que eu, pela primeira vez, verse nesta Casa assuntos da minha profissão, mas como se trata, na-

Página 274

274 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69

turalmente, daqueles que melhor conheço; escolhi-os para ilustrar estas afirmações.
Leio em revistas estrangeiras:
Nos Estados Unidos da América, onde havia, em 1949, 13:500 veterinários, notava-se a falta, só nos serviços de inspecção sanitária, de 500 destes técnicos para que este serviço resultasse eficaz. E quanto à sanidade animal, as perdas em leite, devido à brucelose, cifraram-se em 1948 em 50 milhões de dólares; não se fala nas derivadas das mamites e da esterilidade. No total seriam precisos àquela nação mais 25:000 veterinários.
No Canadá o director dos serviços veterinários, no seu relatório de 1948, dizia: «Os progressos realizados na profilaxia e na extirpação da tuberculose e da brucelose foram sèriamente limitados pela falta de veterinários».
Na Inglaterra calcula-se que o prejuízo imposto à indústria dos curtumes pelo berne é tal que diminui a produção de calçado em 10 milhões de pares. As perdas resultantes da brucelose, das mamites e da esterilidade diminui a produção de leite anualmente em cerca de 200 milhões de galões. Há 2:000 veterinários, mas só 1:500 estão ao serviço da lavoura. O Governo aprovou a criação de duas novas escolas nas Universidades de Cambridge e de Bristol; as quatro escolas actuais formam cada ano 150, mas é necessária uma saída anual de 220, pelo menos, para a realização de um plano nacional de sanidade animal.
Estes ingleses hão-de ser eternamente desportistas; prendem-se com estatísticas deste género e no fim ainda vão à procura de soluções!
Extravagante coisa é o tal espírito desportivo!
Sim, mas isso são nações ricas, poderá alguém objectar.
Então vou citar o exemplo de uma mais pobre. Durante a última guerra a Bélgica fez em Portugal grandes aquisições de conservas de peixe, mas não levantou uma caixa sem os lotes terem sofrido prévia inspecção sanitária. E o veterinário que a efectuou declarou muitas caixas impróprias para consumo.
E cá por Portugal? Ora, cá em Portugal nem se. sabe a quanto montam os prejuízos, porque não temos sequer no Instituto Nacional de Estatística uma secção pecuária.
Para não cansar, apenas direi: grande parte da população portuguesa come carne não inspeccionada; as fábricas de salsicharia, de lacticínios, de conservas trabalham sem qualquer fiscalização tecnológica ou sanitária; os subprodutos dos matadouros e da pesca vão quase todos para o esgoto ou para fazer adubo, os gados são dizimados pelas epizootias e o rendimento de uma, grande parte é considerável monte diminuído. E, não obstante isto, há 200 veterinários sem colocação.
Não criamos mais gado porque não produzimos alimentos para sustentar um número mais avultado de cabeças; a mosca da azeitona leva-nos uma parte da produção de azeite; o burgo invade os montados, forçando a reduzir a engorda dos suínos ou, antes, o número de suínos a engordar. E ao lado destas insuficiências verifica-se haver muitos agrónomos desocupados.
Se lançarmos as nossas vistas para o ensino, encontramos o seguinte quadro: desde 1926 os liceus masculinos de Lisboa foram aumentados apenas em uma unidade, apesar do acréscimo natural da população da capital e do fenómeno do urbanismo, que se fez sentir consideràvelmente nos últimos vinte e cinco anos. Estabeleceram-se turmas de quarenta alunos, o que, pedagogicamente, toda a gente acha mal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E como há muitas dezenas de professores sem emprego, a criação de novos liceus e o aumento do número de turmas impõe-se naturalmente. Paralelamente, a revisão das propinas no ensino técnico elementar, que fizeram desistir grande parte da população escolar dos cursos nocturnos, impõe-se também como uma necessidade.
E quanto ao ultramar? A este respeito tinha várias coisas a dizer, mas, pensando melhor, achei preferível guardar silêncio, porque não estamos isolados no Mundo. Apenas informo, a título de curiosidade, que no conjunto das províncias ultramarinas - regiões particularmente propícias ao desenvolvimento agro-pecuário - exercem a sua actividade cinquenta e sete veterinários e cinquenta agrónomos.
Tem-se falado muito na riqueza mineira de Angola. Ora o inventário dessa riqueza supõe estudos de prospecção. Para isso a Repartição Central dos Serviços Geológicos e de Minas dispõe de... um geólogo. E este mesmo .sujeito ao anátema lançado sobre a sua profissão: contratado em categoria inferior e sem direito a acesso.
E quantos botânicos, e quantos entomologistas, por exemplo, há em serviço nas províncias ultramarinas?
Mas há missões científicas... Sim, isso é bem louvável e muito necessário, mas, salvo o devido respeito, não me furto a dizer que o trabalho contínuo é que é lucrativo; o outro, quando rende 50 por cento já é muito bom, porque a outra metade perde-se em passeios.
Sr. Presidente: parece que, em face destes elementos, não será arrojo afirmar-se que no campo restrito da organização dos serviços a consideração de alguns problemas, sob um prisma mais actual, pode contribuir largamente para a redução do proletariado intelectual.
E, por último, não quero deixar de fazer referência ao remédio mais doloroso - a limitação de frequência dos cursos superiores.
Este remédio não poderá deixar de ser posto em prática desde já, para ajustar a frequência dos estabelecimentos de ensino à sua lotação normal; e, num futuro mais ou menos próximo, em maior extensão, para regular, se assim for necessário, a frequência das Universidades em harmonia com as possibilidades de absorção por parte do País, guardando-se embora a liberdade de em regime especial, todos os que o quiserem poderem adquirir cultura literária ou científica ou aumentarem a que já possuem.
É uma medida violenta? Parece-o mais do que, de facto, o é. Porque há-de toda a gente, homens e mulheres, poder ser médico ou engenheiro, se actualmente já só a alguns é permitido ser oficial do Exército ou da Marinha ou mesmo professor primário? Nem mesmo a qualquer é permitido abrir loja de padeiro ou de barbeiro onde lhe apetecer.
É, contudo, um problema que suscita diversos outros problemas, e muitas pessoas perguntarão desde já: e qual será o critério de selecção na admissão?
Por mim acho que não temos, ao discutir o assunto em tese, de nos prender com as modalidades de aplicação que poderão surgir quando forem, se chegarem a sê-lo, transportadas para o campo prático. Decerto, haveria muitos factores a atender e seria legítimo a todos alimentar receios neste país, onde o favoritismo e o empenho são uma sólida instituição nacional. Mas isso não deve obstar a que os problemas sejam encarados com coragem e com inteligência.

O Sr. Melo Machado: - Não parece a V. Ex.ª que as medidas que preconiza viriam transferir a crise para outras classes?

Página 275

18 DE JANEIRO DE 1951 275

O Orador: - Eu respondo a V. Ex.ª
No decurso das minhas considerações eu referi que o espaço, digamos assim, existente entre o quase ignorante e o formado nas Universidades está praticamente vazio de dirigentes médios.
ora) ainda que esse fenómeno apontado por V. Ex.ª viesse a verificar-se, o desemprego nas camadas mais baixas da hierarquia social é muito mais suportável do que nas camadas superiores e as suas consequências sociais são também muito menos graves naquelas do que nestas.

O Sr. Melo Machado: - Entre as várias causas existe uma que V. Ex.ª se esqueceu de enumerar: a questão económica.
O estado de coisas de que V. Ex.ª está a queixar-se não existia ainda há pouco tempo. Então sucedia exactamente o oposto, quer dizer, havia uma tal procura das pessoas formadas, engenheiros, etc., que o próprio Estado via sair dos seus serviços os melhores elementos, que eram absorvidos pelas actividades particulares.

O Orador: - Não ignoro essa cansa, mas ao citar as causas do desemprego não tive a pretensão de esgotar o assunto. Depois de as minhas considerações elaboradas. referiram-me outros aspectos do desemprego, e é natural que as pessoas que depois de mim usem da palavra falem sobre esses assuntos por mim não focados. No, entanto o que digo é que essa causa que V. Ex.ª citou não vem anular ou diminuir as por mim referidas.
A crise económica pode reflectir-se sobretudo no desemprego dos técnicos, mas não tanto sobro os indivíduos formados em Letras, em Medicina, em Ciências, etc.
De resto, eu não vim para aqui agitar um papelinho com o elixir para resolver o problema, mas sim tentar com a minha contribuição que o problema seja resolvido.

O Sr. Cortes Pinto: - V. Ex.ª dá-me licença? Tudo se articula de tal maneira que se torna causa e efeito. Há, porém, aspectos da crise económica que, como disse o Sr. Deputado Melo Machado, podem estar em parte dependentes desta crise de desemprego. V. Ex.ª há pouco leu una estudos estatísticos feitos na América, onde se produziram uns milhões de galões de leito a menos devido a diversas doenças de gado produtor, e, quando se referiu h mosca do Mediterrâneo, que está atacando a azeitona, V. Ex.ª aludiu a elementos que podem provocar também uma crise económica e que podem ser removidos se procurarmos extinguir este desemprego, nomeando os indivíduos que hão-de providenciar para que estas coisas não aconteçam. Há, portanto, uma crise económica proveniente do desemprego.

O Orador: - Agradeço a intervenção de V. Ex.ª, que só veio valorizar as minhas considerações.
Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o meu pensamento claramente exposto a respeito deste importante problema. Decerto outras opiniões sorrio emitidas, e Deus queira que de mérito superior ao das minhas. Ser-me-á muito agradável reconhecê-lo e perfilhá-las na medida em que elas se apresentem mais inteligentes o de realização mais prática.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: requeiro a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: fiel à razão do aforismo latino Est brevis et placebis (e não fica mal o latim nesta Assembleia na boca de um sacerdote Deputado), prometo a V. Ex.ª ser breve no que vou dizer ...
O ilustre Deputado Sr. Jacinto Ferreira, com o seu aviso prévio sobro o desemprego dos intelectuais, trouxe à consideração desta Assembleia um problema complexo e difícil, que merece toda a nossa atenção...
Pelas pessoas que por ele são atingidas, pelos múltiplos aspectos de que se reveste, pelas repercussões sociais de que pode ser causa, ou, pelo menos, pretexto ou motivo determinante, o assunto merece estudo atento e ponderada consideração.
Em todos os países e para todos os estadistas, em qualquer situação política e para quem tem responsabilidades, o desemprego é um problema que exige, para se resolver, atenção e bom senso.
Tem importância e merece cuidados, seja qual for a classe ou profissão em que se dá; tem particular interesse e assumo aspectos de maior transcendência, na classe dos chamados intelectuais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para ser tratado com objectividade e examinado com bom senso e espírito prático, metódica e ordenadamente, seria necessário, antes de tudo, precisar bem o que se entendo por intelectuais, dando do termo uma definição exacta, com o seu género próximo e diferença especifica, como se diz em linguagem de escola.
Por mim renuncio desde já à tarefa de o fazer, por me parecer que esta palavra é, como democracia, cultura e outras das tais palavras "que enlouqueceram", para repetir a frase de um célebre escritor.
Prefiro, assim, à designação do ilustro Sr. Deputado Jacinto Ferreira de "desemprego dos intelectuais", a de "desemprego de proletários com titulo", mendicantes de empregos.
Ordenadas desta maneira as coisas, por amor à clareza, ao método e à objectividade que o assunto demanda o impõe, entremos em cheio na questão, perguntando: há desemprego em Portugal de proletários com título?
86 com estatísticas rigorosas, que ainda não foram apresentadas nesta Assembleia, se poderia responder satisfatoriamente. Mas, admitindo que os há e que o seu número tem aumentado, o que me não parece corto é perguntar a quem deve atribuir-se a culpa o responsabilidade do facto.
Talvez haja quem pretenda afirmar quo a culpa disto, como de tudo o que acontece de mau e até das desgraças que os indivíduos, pela sua preguiça e insensatez, lançam sobra si mesmos ou em que se lançam pela incúria duma vida sem regra o sem trabalho, pertence ao Governo.
E pode dar-se até o caso de os que assim falam serem os mesmos, que acusam o Poder de absorventismo e demasiada centralização a tolher as actividades pessoais o a iniciativa particular.
Agrada-lhes um Estado-Providência que lhes acuda mesmo naquilo em que eles podem bastar-se, depois de se terem fartado de proclamar o absorventismo do Poder Central.
É uma contradição flagrante em que se vê com frequência cair muita gente chamada bem pensante.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para se saber a quem, no caso de haver aumentado o desemprego dos proletários com titulo, se deve atribuir a responsabilidade do facto, é indispensável saber-se se o diploma dá, a quem o tem, direito a que

Página 276

276 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69

o Governo o sustente à mesa do orçamento, garantindo-lho um emprego público.
Por mini entendo que não. O que o diploma pode dar é preferência a esse emprego sobre quem não tem diploma. E o que devia dar a quem o possui é mais saber, mais capacidade, mais garantia de triunfar na vida, o que nem sempre acontece.
Com frequência se vê serem batidos em concursos para lugares de inferior categoria pessoas com cursos superiores por candidatos que tem habilitações legais para o lugar, mas não são propriamente intelectuais pelo titulo ...
É que o diploma pode muito bem não passar do "canudo" da linguagem académica de Coimbra, que não dá saber nem habilitações a quem o possui.
Não, acusemos, porém, o Governo da incapacidade do tais candidatos para a vida o para qualquer coisa útil.
Acusemo-los a elos de terem procurado um estado de vida para que não foram nascidos nem fadados e, quando muito, acusemos as escolas de não terem sabido seleccionar vocações o terem consentido em que possuíssem títulos nulos ou incompetentes que os não mereciam:
Apoiados.
Anda -parece-me- intimamente relacionado o problema do desemprego, nos indivíduos com títulos ou exames, ao problema da orientação escolar.
Devia a escola preparar para a vida, dar cultura, formarem-se por ela portugueses mais úteis o mais capazes, seleccionar vocações, para que cada português ocupasse na vida da Nação o lugar em que mais proveitoso seja o seu trabalho e mais útil o seu esforço.
Infelizmente, porém, a escola quase se limita a preparar para o exame, e a inspiração do grande número de portugueses quase se reduz a fazer exame que lhes dê direito a um diploma e por ele a um emprego público.
Em vez de formarmos portugueses apetrechados para a vida, com capacidade para o máximo de rendimento em favor da economia ou. da verdadeira cultura nacional, criamos burocratas ou diplomados que não passam de pedintes de empregos.
Há excepções, numerosas e honrosíssimas, mas a tendência geral é conseguir um diploma, não um diploma que traduza e signifique saber e capacidade, mas dê ingresso no funcionalismo público.
Detido a escola primária até aos cursos superiores, o português que tem um diploma sonha no emprego e faz exame com a mira quase exclusiva de o conseguir.
É esta tendência doentia, agravada pelo horror a tudo que exija esforço e pela Ânsia de tirar da vida o maior proveito à custa do menor trabalho, que leva o rapaz da aldeia que sabe ler, escrever e contar a desejar um lugar na Polícia, na Guarda Republicana, na Guarda Fiscal, a pretender vender, como marçano, arroz numa mercearia antes que ser mentor pelos conhecimentos adquiridos na escola, administrando o seu património agrícola o constituindo o que Le Play chama uma autoridade social no seu meio o no exercício da sua profissão:
Filho e consequência do mesmo erro 6 o desejo o exclusiva preocupação de muitos pais e mães de família de que seus filhos o filhas persistam em frequentar o liceu até vencerem o 5.º ano, não para continuarem a sua carreira literária, para que são uma negação absoluta, mas porque o 5.º ano sempre dá possibilidades a um emprego modesto ou, a um lugar pago pelo Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Muitos destes rapazes o raparigas, sendo quase incapazes, serão amanhã maus funcionários, como foram péssimos estudantes.
Depois de serem peso morto na sua classe, julgam-se, porque sempre conseguiram um título, no direito de serem um peso inerte para o orçamento do Estado e argumentam para o direito à colocação com o titulo literário, que afinal lhes não mudou nem o carácter, nem a cultura, nem a incompetência de que sempre deram prova.
Entre eles há muitos que poderiam ser insignes em actividades profissionais aparentemente de menos brilho, mas de facto mais úteis à Nação e a eles mesmos, por que mais conformes com a sua vocação.
De raparigas que frequentam os liceus e escolas secundárias sei eu, até pela minha experiência de director de um externato académico na vila em que resido, que dariam excelentes desenhistas, modistas com larga clientela' mas as famílias, por orgulho de vida, obstinam-se em dar-lhes uma carreira literária e em lançá-las nas chamadas profissões liberais.
Nos rapazes se verifica o mesmo facto. Andam a atormentar os professores bom número deles que seriam bons comerciantes, excelentes lavradores, magníficos operários fabris.
São, porém, de famílias que os querem doutores e que se queixam ainda de Salazar por ter dificultado o acesso às Universidades aos que não revelam qualidades para se elevarem e, elevando-se, fazerem subir o nível cultural do País, em resultado do curso superior que frequentaram.
O País nada lucra e a comunidade nacional sofro graves prejuízos com os diplomados que o não deviam ser. Aumenta o número dos que um ilustre escritor francês chama declassé, ou seja de pessoas que ocupam um lugar a que não tinham direito pelos seus méritos e qualidades ou, dizendo melhor, por falta de méritos o qualidades.
Conheço terras da província em que estes tais déclassés são a maior desgraça para a vida do meio. Alcandorados por cansa dos títulos a lugares para que não têm competência e onde servem mal ou de que apenas se servem para realização de desmedidas ambições, o que está de acordo com o aforismo de que a ignorância é atrevida, toda a vida local empena na sua expressão de esplendor progressivo devido a esta circunstancia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E se por essa província fora há muitos sinais de vida velha na vigência do Estado Novo é que tais nulos e atrevidos se não decidem a reconhecer que o são, não obstante os diplomas que ostentam.
Sr. Presidente: o assunto é vasto o reveste-se de uma grande multiplicidade de aspectos. Abordá-los a todos seria prolongar além dos justos termos este debate e não me atrevo a fazê-lo ou a concorrer para isso.
Pretendi tão-somente trazer ao problema em discussão alguns elementos esclarecedores e chamar a atenção desta Assembleia e do Governo para alguns aspectos dele que se me afiguram essenciais.
Do que fica dito é lícito tirar algumas conclusões que reputo constituírem pontos basilares da moção com que há-de concluir este debate:
1.ª A Assembleia Nacional roga ao Governo que, continuando no prosseguimento da política de justiça que caracteriza a Revolução Nacional, dê ao desemprego toda a atenção e cuidadoso estudo, voltando em particular as suas atenções para o desemprego das classes intelectuais;
2.ª Proclama-se o princípio de que o diploma não dá direito ao emprego público, devendo significar mais competência de quem o possui o mais capacidade para triunfar na vida e ser útil à Nação;
3.ª Chama-se a atenção do Governo para a necessidade de fazer da escola seleccionadora de vocações, para que, orientando-se a actividade de cada português para a função e lugar mais de acordo com o seu feitio, tem-

Página 277

18 DE JANEIRO DE 1951 277

peramento e tendências de espirito, se obste ao aumento de proletários com titulo pedintes de um emprego. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - O debate continuará amanhã, em que haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava marcada para a de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

Proposta de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão de hoje:

Ministério das Finanças

Entende o Governo que os perspectivas actuais ao mercado de capitais oferecem oportunidade para colocação de um novo empréstimo interno amortizável de características semelhantes ao emitido pelo Decreto-Lei n.º 37:827, de 19 de Maio último, cujo produto se julga indispensável h cobertura das despesas extraordinárias, da natureza das previstas no artigo 67.º da Constituição Política.
Nestes termos, tem a honra de apresentar à, Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:

ARTIGO 1.º

É o Governo autorizado a contrair um empréstimo interno amortizável até ao montante de 300:000 contos, denominado "Obrigações do Tesouro, 1951", sendo de 1.000$ o valor nominal de cada obrigação, em títulos de 10 obrigações, que vencerá o juro anual de 3,5 por cento, pagável aos trimestres, a começar em 15 de Abril de 1951.

ARTIGO 2.º

As obrigações ao novo empréstimo serão amortizáveis em vinte e cinco anuidades iguais, a principiar em 15 de Janeiro de 1952.

ARTIGO 3.º

O serviço de emissão, representação e administração do novo empréstimo ficará a cargo da Junta do Crédito Público, ficando o Ministério das Finanças autorizado a contratar com a Caixa Geral de Depósitos, crédito e Previdência ou com estabelecimentos bancários nacionais a colocação, subscrição pública ou venda dos respectivos títulos.
§ único. O encargo efectivo do empréstimo, excluídas as despesas da sua representação em títulos ou certificados, não poderá exceder 3 3/4, por cento.

ARTIGO 4º

Além das regalias constantes deste decreto, gozarão os títulos e certificados deste empréstimo das garantias, isenções e direitos consignados nos artigos 57.º a 60.º da Lei n.º 1:933, de 13 de Fevereiro de 1936.

ARTIGO 5.º

As despesas com a emissão, incluindo as de trabalhos extraordinários que a urgência da sua representação justificar e forem autorizados, serão pagas pelo artigo 1.º do orçamento do Ministério das Finanças para o corrente ano económico.

Lisboa, 15 de Janeiro de 1951. - Artur Águedo de Oliveira.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lapas.
António Carlos Borges.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ameal.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Franga, Vigon.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Telas de Araújo a Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Vaz Monteiro.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa, Campos.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

CÂMARA CORPORATIVA

Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes

Acórdão n.º 15/V

A Comissão de verificação de Poderes da Câmara Corporativa, eleita na sessão preparatória de 25 de Novembro de 1949, no uso da competência atribuída pelo artigo 106.º da Constituição Política e tendo em vista o disposto no Decreto-Lei n.º 29:111, de 12 de Novembro de 1938, e bem assim o disposto no artigo 7.º

Página 278

278 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69

e seus parágrafos do Regimento desta Câmara, reconhece e valida os poderes como Digno Procurador ao Sr. Mário Lobo de Ávila, presidente da direcção do Sindicato Nacional do Pessoal da Indústria de Conservas do Distrito do Porto, o qual foi designado pelo Conselho Corporativo, em reunião de 12 de Dezembro de 1950, para preencher a vaga ocorrida na secção de Pesca e conservas, por virtude do pedido de demissão do Sr. António dos Santos Barroso do cargo de presidente do Sindicato Nacional do Pessoal da Indústria de Conservas do Distrito de Faro, como consta da cópia da respectiva acta enviada a esta Câmara, ficando assim o Sindicato Nacional do Pessoal da Indústria de Conservas do Distrito do Porto a representar na referida secção o trabalho industrial (Docs. n.ºs 53 e 54).

Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 16 de Janeiro de 1951.

José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Adolfo Alves Pereira de Andrade.
Inocêncio Galvão Teles.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Tomás de Aquino da Silva.
Virgílio da Fonseca.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×