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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 72

ANO DE 1951 22 DE FEVEREIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 72 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 21 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a, sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente comunicou estarem na Mesa os pareceres da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar dos Srs. Deputados Braga da Cruz e Calheiros Lopes.
O Sr. Deputado Carlos Moreira mandou para a Mesa um requerimento sobre delegados do Governo junto de companhias e empresas de serviços publicou.
O Sr. Deputado Armando Cândido pediu ao Governo a construção urgente de portos na ilha de Santa Maria e na vila da Povoação, da ilha de S. Miguel.
O Sr. Deputado Magalhães Ramalho ocupou-se dos aproveitamentos hidroeléctricos e das tarifas da energia.
O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu chamou a atenção do Governo para as moléstias que estão a destruir as vinhas e apresentou um requerimento.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Mendes do Amaral continuou a efectivar o seu aviso prévio acerca, da execução da Lei de Reconstituição Económica.
O Sr. Presidente concedeu a generalização do debate, a requerimento do Sr. Deputado Melo Machado, que em seguida subiu à tribuna.
Foi autorizado o Governo a vender dois terrenos em Lourenço Marques para a instalação dos serviços consulares dos Estados Unidos da América do Norte.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Avelino de Sousa Campos.

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Caetano Maria ao Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Bolara.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio dá Oliveira Alvos Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sã Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes ao Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 10 horas.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

"Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência.- Esta Cooperativa vem respeitosamente expor a V. Ex.ª o seguinte:
O Governo da Nação, sempre dominado pelo espírito do progresso e do bem-estar do seu povo, fez publicar em 10 de Outubro de 1941 o Decreto-Lei n.º 31:561, cujo artigo 6.º manteve em vigor o disposto no artigo 102.º do Decreto n.º 16:731 (1 por cento da taxa de sisa pela primeira transmissão a título oneroso dos prédios urbanos acabados de construir, se essa transmissão se efectuasse dentro de dois anos a contar da data da licença de habitação, estabelecendo ainda que o prazo fixado naquele decreto deve, porém, ser de quatro anos para os prédios compreendidos nos dois primeiros escalões de qualquer das alíneas do artigo 1.º daquele decreto.
Era o espírito de equidade que predominava sobre todos os interesses.
Terminada a guerra - 1945 - verifica-se pouco tempo depois uma terrível crise financeira, que ainda hoje persiste, parecendo querer destruir todas as actividades económicas do País.
Ora uma das classes mais atingidas por essa crise, e que neste momento está atravessando a mais difícil situação de todos os tempos, é sem dúvida a da construção civil, que nestes últimos quatro anos tem lutado com as maiores dificuldades para poder cumprir os seus compromissos.
Vejamos as razões:
As instituições oficiais de crédito retraíram o seu valioso auxílio, e daí a necessidade de se recorrer ao crédito particular, sempre mais oneroso; muitos dos prédios ultimamente construídos estão hipotecados por importâncias superiores aos preços que hoje são oferecidos pelos compradores; o benefício estabelecido pelo artigo 6.º do citado Decreto-Lei n.º 31:561 (1 por cento de sisa na primeira transmissão) findou para a maioria dos construtores com prédios ainda por vender, e outros já não têm possibilidade de aproveitar o prazo ali fixado, e os credores, por falta de confiança nos tempos que vão, correndo, não concedem prorrogações de prazos e exigem sem delongas o cumprimento dos contratos.
Mas é justamente o não poderem já beneficiar da taxa de 1 por cento na primeira transmissão onerosa dos prédios que impede a venda, ainda mesmo com graves prejuízos!
Vê-se, pois, que a numerosa classe construtora de prédios urbanos, que, em pouco tempo, fez de Lisboa uma cidade moderna, secundando assim os desejos dos Poderes Públicos, está resvalando para um tremendo abismo, cujo desenlace é necessário evitar sem demora, para que dentro em breve se não verifique a sua completa ruína e o inevitável arrastar de todas as outras muitas indústrias que estão ligadas a esta importante classe.
E como evitar, em parte, este mal?
Excelência:
Parece a esta colectividade que só o Governo da Nação poderá tomar uma atitude capaz de evitar a catástrofe que se avizinha, adoptando as medidas adequadas a essa finalidade.
Assim, tomamos a liberdade de alvitrar e suplicar a V. Ex.ª a publicação de um decreto que conceda novamente o beneficio da redução da sisa na primeira transmissão onerosa dos prédios urbanos concluídos depois de 1946 que, pelas razões expostas, não foi possível vender dentro dos prazos fixados.
Tal resolução ministerial, possivelmente acrescida de uma nova isenção de contribuição predial, talvez por cinco anos, que seria uma medida justa e humana, não só resolveria em parte a situação, dos interessados, que representamos, como também seria mais um estímulo para início de novas construções e a consequente maneira de evitar o desemprego do operariado de construção civil e de muitas outras actividades a ela ligadas.
Confiados, pois, no alto espírito de justiça de V. Ex.ª, digne-se aceitar os protestos da nossa consideração e admiração.
A bem da Nação.

Cooperativa Geral dos Industriais da Construção Civil.-(Seguem várias assinaturas)".

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O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os pareceres da Comissão de Legislação e Redacção desta Assembleia sobre a situação parlamentar dos Srs. Deputados Braga da Cruz e Craveiro Lopes. Vão ser publicados no Diário das Sessões, com as respectivas cartas que lhes deram origem.

Pausa.

O Sr. Presidente : - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Carlos Moreira.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: vem já de longe a tendência de se atribuir aos homens públicos atitudes mais consentâneas, por vezes, com o Boa interesse próprio do que com o interesse colectivo;
São muitas vezes malsinados, arguindo-os pela aceitação de cargos ou funções que se lhes atribuem como prémio de anteriores atitudes ou serviços prestados aos
departamentos ou entidades a que respeitam tais cargos ou funções. Isto traduz-se, muitas vezes, numa injusta interpretação o até em conceito ofensivo da dignidade e da honra alheias.
Cumpre, porém, defendê-las, quando é caso disso, repudiando a calúnia ou denunciando o vício daquelas que, porventura, tratem de comum com o desmazelo ou desdém que não usam nem sofrem no que lhes é próprio. Isto verifica-se, sobretudo, quanto aos homens que, tendo desempenhado funções governativas ou de alta responsabilidade na administração, são visados pela aceitação de funções ou colocação em cargos de fiscalização e defesa dos interesses do Estado.
Convém sobretudo, além do mais, averiguar da forma e eficiência dessa fiscalização.
Assim, a fim de poder tratar do assunto com a largueza e possibilidade que o mesmo comporte, tenho a honra de, ao abrigo do disposto no artigo 45.º, n.º7, ao Regimento dessa Assembleia, requerer me sejam fornecidos pelos diversos Ministérios os seguintes elementos:

a) Relação das actuais companhias ou empresas concessionárias de serviços públicos ou de utilidade geral, indicando a data da concessão e o termo previsto para ela;
b) Indicação, quanto aos últimos cinco anos, dos delegados do Governo junto das referidas entidades, especializando aquelas em que o Estado tem participação no capital social, com a indicação da data da sua nomeação, da remuneração que recebem e de quem a paga;
c) Relatórios, ou suas cópias, elaborados pelos respectivos delegados ou representantes, relativos aos últimos cinco anos.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: na sessão de 18 de Janeiro de 1950 ocupei-me da necessidade inadiável da construção de um porto de mar na ilha de Santa Maria.
Deixei nas minhas palavras o rumor de consciência com que traduzi essa aspiração, tão cheia de argumentos bons que não posso crer no esquecimento a que parece votada.
Agora, sem ter de negar o que disse, cumprindo-me, antes, reafirmar a verdade e a intensidade do meu pedido, desejo ocupar-me de um outro porto: o porto da Povoação, na ilha de S. Miguel.
Tenho aqui o livro Ancoradouros das ilhas dos Açores, escrito por esse marinheiro de lei que é o comandante Sarmento Rodrigues, hoje Ministro das Colónias.
Leio, a p. 18:

Meteorologicamente, as ilhas ocupam o planalto central atlântico das pressões atmosféricas. Mas nem por isso o tempo é ameno na boa estação, isto é, quando as altas pressões permanentes, na verdade, existem e o anticiclone dos Açores está, de facto, nos Açores, a situação desabrigada das ilhas, sem a protecção de uma extensa muralha de terras continentais, não lhos permito uma frequente tranquilidade meteorológica. -
Aqui, venha donde vier, o vento vem do mar. E como no mar há sempre vento...

Não estou produzindo considerações da rainha lavra sobre a meteorologia dos Açores. Poderia requerer da dura experiência própria certidões das tempestades suportadas no longo de mais de quarenta anos de vida nas bravas paragens açorianas, como as classificou essoutro grande marinheiro que é o comandante Liberal da Câmara, mas prefiro seguir as observações exaradas neste livro, que guardo o estimo como jóia de valor:

... o pior são os temporais. Em boa verdade, pequena é a quadra do ano que os não tem. Pode dizer-se que apenas nos meses de Julho o Agosto os não costuma haver. Contudo, num ano, lá de vez em quando, surge esporadicamente um ciclone tropical de violência não inferior à dos outros.

Sr. Presidente: repare-se no clima dos Açores, no tempo que faz nessas ilhas, na sua situação geográfica, e não se alongue, não se demore, a construção, cada vez mais urgente, de portos de abrigo onde forem necessários.
Mais uma vez, e para que a premência do assunto fique bem vincada, recorro ao comandante Sarmento Rodrigues, que navegou e viveu nos Açores:

Os temporais, as tempestades ciclónicas, que vêm da América, passam-lhes por cima ou nas imediações, a caminho de Marrocos, na direcção da Península, ou inflectindo para a Inglaterra e Islândia.
A frente polar também desce cá para baixo, e, assim, já não é preciso que os turbilhões se gerem nas costas americanas; nascem mesmo aqui, na orla destas ilhas, e cruzam-nas, separam-nas, devastam-nas.

Sr. Presidente: devastam-nas, e, se as devastam em terra, mais as devastam no mar, levando a dor e o luto, quantas vezes, ao seio de famílias inteiras de pescadores afoitos, que medem a vida pelo risco da morte.
Não ignoro que o Governo mandou estudar os pequenos portos dos Açores e que esse estudo se transformou num plano já aprovado.
Mas decorreu tempo de sobra, e ainda nada se fez de concreto que se veja.
São muitas as ilhas? São muitos os portos?
Também Portugal, quando se fez ao mar, não foi para negar o nome às terras que topasse.
Chegou a altura de falar da Povoação.
Sr. Presidente: na ilha de S. Miguel, a vila da Povoação é um largo, nada espaçoso, apertado entro a montanha e o mar. De cima correm três ribeiras. Em frente, quase ao rés-do-largo, a onda, noite e dia, boleia a pedra do "calhau".
Foi por esse lugar, então assombreado por espessas frondes, que os heróis do descobrimento entraram na ilha o pisaram a "joga" dura em ponto ainda não, esquecido, tanto que por lá começou a labuta dos colonos, dos primeiros que romperam caminho por entre os lenhos, senhores do ermo, até aos que, depois da terra desbravada, têm feito o comércio e o tráfego dos produtos.
O porto é ainda o mesmo, o mesmo calhau rolado, a mesma pureza bárbara.

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Se os marinheiros de Gonçalo Velho desembarcaram com água pelos peitos e o próprio frade navegador alagou ali, ao saltar, os borzeguins que trazia, daí para cá todos os penitentes do voto difícil, os que mourejam por cargas e descargas e os que saem ou chegam em breve trânsito, não fugiram à mesma sorte.
Mas a Povoação demora em área bastante produtiva. Saindo do coração da vila, e escalando os cimos, lá está o campo extenso, onde tudo dá pelos bens de Deus. O celeiro da ilha lhe chamam. E é pelo ancoradouro, feio e hostil, que a novidade é levada para outras torras mais carecidas; e é pelo mesmo porto de há quinhentos anos que a madeira em bruto ou apartada em folhas é exportada da região, e que tudo o mais se transporta, pesadamente, tristemente.
Com referência ao movimento médio anual desde Março a Setembro de 1930, únicos meses em que o porto, no decorrer do ano, se torna, de quando em quando, praticável, conheço este quadro, que passo a ler:

[Ver tabela na imagem]

Resumo

Exportação............................ 1:708$00
Importação ........................... 2:836$00

Tenho aqui o resumo do movimento médio anual em 1940:

Exportação............................ 1:742.000$00
Importação ........................... 1:550.000$00

Não recolhi números mais recentes, mas eles não são precisos para se ver que de então para cá o movimento do porto deve ter aumentado consideràvelmente. Até o
facto de referir cifras correspondentes a 1935 e 1940, sendo essas cifras tão eloquentes como são, só comprova que a necessidade, por ser imperiosa desde há muito, não aguenta mais demora.
Mas não é só a Povoação que precisa do seu porto construído e apetrechado. É toda uma zona de povos, desde as Furnas até ao Nordeste, de povos que trabalham na resignação do seu isolamento, com os olhos e os sentidos postos no porto da Povoação, que não existe, mas que há-de existir, e nessa miragem o usam, esfacelando o corpo e estragando as forças no lidar sobre-humano com navios de cabotagem, que chegam e partem temeráriamente do fundeadouro mau, e com os barcos de pesca, que não furtam a proa às vagas e às pedras que se movem de sociedade na perigosa e primitiva rampa de varagem.
Por imposição do ofício residi, durante algum tempo, na Povoação. A minha casa ficava tão chegada ao mar que estremecia quando a onda era forte de mais. Perto, a direito e a duzentos passos, se tanto, o porto, o mesmo do tempo do comendador de Almourol.
Algumas vezes vi, confrangido, o penar das tripulações, metidas na água, carreando, às costas, os volumes das cargas e descargas.
Um dia, com o mar pior, despejavam em terra a pedra de cal que atestava um «barco da vila».
Saí de casa, abeirei-me do «calhau».
Havia homens, sangrando das pernas, que teimavam na faina, e outros que respiravam, por momentos, esperando que a vaga se desfizesse no destroço das espumas.
Aquilo cortava a alma.
Sentado numa pedra, um velho pescador fumava «tabaco de rolo».
Dei-lhe a salvação.
Sem arredar os olhos dos que mourejavam, o homem desabafou:

- Raios de política que tantas vezes alinhavou este porto.
No tempo dos votos era um cabedal de engenheiros e bandeirolas. Votos dentro, sumia-se tudo e a gente cá ficava penando a sua vida.
Mas agora está Salazar, que é direito e atende aos pobres. Quem me dera Ter dinheiro para ir a Lisboa. Estou que ele havia de me ouvir.

Sr. Presidente: queira Deus que as palavras do velho pescador da Povoação, ao passarem por mim, não pracam o seu marulho de fé e o seu timbre de rudeza, que sobem e ressoam tanto como a maré viva, quando faz chiada na costa.
Tenho dito.

O Sr. Magalhães Ramalho: - Sr. Presidente: algumas palavras apenas que tinha preparado para proferir ontem aqui, para que não deixasse também de ficar assinalada nos anais desta Casa a hora alta de regozijo nacional vivida há cerca de um mês com a inauguração de uma das maiores obras de engenharia feitas em Portugal nos últimos séculos e de que, infelizmente, quase se não tirou a lição principal com a preocupação de certos aspectos materiais do problema, cujo esclarecimento público - como aqui salientei em Novembro passado - melhor fora ter sido feito há mais tempo.
Há momentos, de facto da vida dos povos como da de nós próprios em que essa ou outras preocupações ou a naturalidade e alegria com que os passamos, nos fazem quase escapar sem darmos por isso, o seu verdadeiro significado e aquilo que eles representam efectivamente de conquistas sobre nós próprios ou para muito da arquitectura do nosso futuro e felicidade.
Eu creio, Sr. Presidente, que Portugal viveu precisamente um desses momentos no passado dia 21 de Janeiro, quando S. Ex.ª o Sr. Presidente da República,

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Para quem assistiu a esse acto e não viveu, em todos os seus escaninhos, os esplendores e misérias do problema, num passado ainda próximo, ele talvez pouco mais representasse, de facto, que a consagração solene e lógica de um esforço que mais concentrada e afincadamente vinha desenvolvendo-se de há meia dúzia de anos para cá.
A inauguração oficial dessa central, bem como a da de Venda Nova, no Cávado, que se lhe vai seguir, hão-de ficar a marcar, porém, na história do nosso tempo como bom mais alguma coisa do que isso.

Vozes - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não falo da grandiosidade da obra, nem das consequências materiais que se podem esperar para o País de tais empreendimentos.
Diga-se o que se disser, tirem-se todas as conclusões que, com inteligência mais ou menos aguda, nos julguemos na obrigação de tirar.
A verdade será sempre esta: sem energia, os corpos, mesmo inanimados, não andam e o próprio espírito do homem se esvai nas sonolôncias mórbidas de uma vida puramente vegetativa.
Sem energia a Nação não poderá progredir nem desenvolver-se, e a sua alma, minada por mil complexos de inferioridade o preocupações, de fundamento material, voltará a tender perder-se, outra vez, numa crise de aguda introversão psíquica e de paralisia de acção, de que tanto tem custado a arrancá-la nestes últimos vinte e cinco anos!
Não falo também dos benefícios de ordem pessoal que cada um de nós pode pensar em tirar de tal obra, porque há coisas sobro as quais, mesmo como técnico, tenho sempre um certo escrúpulo em fazer cálculos, e a vida e a prosperidade da Nação são das tais que não podem ter outra medida nem outro preço que não sejam aqueles que cada um de nós lho atribuir e está disposto a fazer vingar do mais fundo da sua consciência.
Não falo do nada disso.
Que coisa estranha foi essa então a que me quero referir, que não tem matéria, nem forma, nem preço, nem medida e que não ó vantagem nem lucro, mas que fez pulsar mais ligeiro o coração dos velhos e arrancar de suas arcas recordações antigas; que fez sonhar os novos o guardar em sua memória uma linda recordação de amanhã; que andou, enfim, no ar nesse dia de romaria, em que o bom povo português, vindo de longe, se mirou enlevado na profundidade de umas águas o se alcandorou por fragarias e alturas, dando-nos a sensação de um alerta geral num altivo castelo de uma pátria?
Para compreendermos bem o que se passou nesse dia temos de regressar, em espírito, meio milénio atrás, a essa época da ínclita geração, em que um infante, tão grande de génio como de virtudes heróicas, se isolou no culto teimoso de uma fé e levou os seus compatriotas a vencerem-se a si próprios e a um mundo de falsas superstições, simbolizado no derrotismo do célebre «Cabo Não», de que se voltaria ou não ..., mas que uma vez dobrado descobriu horizontes que muitos séculos depois ainda não tiveram fim!
Pois, meus senhores, para quem viveu e assistiu em nossos dias a essa angustiosa luta, travada longos anos, entre a fé inabalável de meia dúzia e a indiferença e o derrotismo quase colectivo - que chegou à ignomínia de duvidar da capacidade de recuperação e realizadora dos portugueses e de advogar em voz alta a entrega. a mãos estranhas de alguma coisa que era carne da nossa carne e alma da nossa alma! -, a inauguração a que me estou referindo significou principalmente isto, só isto, meus senhores: mais uma vitória estrondosa de um espírito gémeo do desse infante, precisamente sobre um derrotismo análogo, esse novo gigante Adamastor, cuja sombra maldita ainda vimos em nosso tempo, tolhendo-nos miseravelmente o passo nas sendas de um presente e de um futuro gloriosos, vividos apenas na satânica e sádica preocupação de uma autocrítica e humilhação sem limites !

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Poderá assim ainda quem quiser continuar a proferir o rastejar na sombra de todas as mediocridades e a exploração fácil de erros e insucessos
- sempre possíveis em toda a acção -, esquecidos, ou fazendo-se esquecidos, de que a inacção ó em si mesma o pior dos erros, senão um verdadeiro crime de
lesa-pátria e de lesa-consciência.
A parte sã da Nação terá, porém, compreendido mais uma vez que o único lugar digno para o seu espírito ó nas alturas, nessas cumeadas de ares límpidos e cintilantes horizontes onde a fé do homem quase chega a roçar os pés da própria divindade!...
Não destruamos então o milagre desse novo estado de alma, deixando insinuar-se no nosso espírito essa larva negra e sombria da dúvida ou da especulação malévola que começam já a deslizar por ai, alimentadas pela demora de um esclarecimento público, cujo retardamento nenhum benefício poderá já trazer ao problema do fundo da questão, e antes só o poderá agravar.
Disse o Sr. Presidente do Conselho no seu último discurso, de 12 de Dezembro passado, com aquela sinceridade e autoridade moral que quebram a frieza e a desconfiança dos espíritos mais cépticos, que «Governar, dirigindo a consciência nacional, eis a única função verdadeiramente consistente e séria».
Não percamos então mais tempo em dar claramente a conhecer o que se pensa afinal em matéria de uma política nacional da energia, problema de consequências tão transcendentes para o futuro do País, mas que nos pareço ver às vezes conduzido com uma hesitação ou falta de confiança que nos desorientam.
À parte cortas fatalidades resultantes da nossa inexperiência, modo de ser próprio ou motivos de força maior - que, acentue-se bem, de passagem, para evitar confusões, eram quase inevitáveis em tarefa de tanta envergadura -, não há na obra realizada nada de que nos tenhamos de envergonhar. Pelo contrário, e já aqui o demonstrei em sessão de 29 de Novembro passado, temos nela muito e muito de que nos orgulhar.
Para quê então essa hesitação, que se pressente visivelmente, em se dar uma satisfação pública sobre o assunto, se a maior parte das populações interessadas já hoje sabe que, por esta razão ou por aquela, houve qualquer coisa para que se não chamou a sua atenção a tempo e que agora não tem outro remédio senão moderar um pouco o somatório de benefícios pessoais com que contava?
Por Deus! Haja a coragem de se dizer tudo o que se deve, e quanto mais depressa melhor!
Se, por exemplo, se tem já a certeza, como tem constado por vezes, de que se terão de agravar em média de 30 a 40 por cento as tarifas de parte importante da região norte do País, não se esconda essa realidade e muito menos se iluda a mesma, por exemplo, com o subterfúgio do recurso a quaisquer fundos, que o resto da Nação terá de pagar, apenas com o fim de manter preços artificiais, que só servirão afinal para desorientar os próprios beneficiados, que possivelmente amanhã terão de suportar então um aumento bem mais forte e brusco do que o actual.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Não se deve criar aí, sobretudo, a falsa e perigosa ideia ao que se a energia não baixa foi porque os aproveitamentos ficaram caros.
Chama-se a atenção muito simplesmente para o facto de que, e o índice geral do custo de vida sofreu um agravamento de mais de 100 por cento com a guerra - e o do custo dois materiais eléctricos foi bem maior do que esse -, não pode de maneira nenhuma pensar-se em descer mais ainda tarifas que já eram boas em 1940.
O confronto daquele aumento mínimo de 100 por cento dos índices de custo com o de 30 a 40 por cento a que me acabo de referir - e mais os 10 por cento já verificados durante a guerra mostra-nos mesmo que as tarifas assim corrigidas ficarão correspondendo a um valor equivalente a cerca de 75 por cento do de antes da guerra.
Quer dizer: já há muito que baixaram por aí mesmas, e bem o dizem, por exemplo, o fulminante desenvolvimento do consumo de energia verificado na cidade do Porto e os deficits de exploração dos respectivos serviços municipalizados.
Quanto a Lisboa, o problema parece ser bastante diferente da do Porto, pois que a simples passagem do sistema de produção térmica a hídrica deveria acarretar um muito sensível benefício tarifário, se se instalações relativas àquela estivessem já amortizadas e pudessem totalmente ser dispensadas. Infelizmente, porém, tal não sucede ainda.
Primeiro, porque a existência de uma única linha de alta tensão entro o Zêzere e Lisboa deve logicamente levar, como medida de elementar precaução, a manter constantemente acesas, ainda que a fogo brando, um número mínimo de caldeiras, isto, é claro, não querendo correr-se o risco de, em caso de avaria grave nessa linha, ter toda a vida de Lisboa parada durante três a quatro horas, à espera que possam ser postas em pressão caldeiras que estejam totalmente apagadas.
Segundo, porque, produzindo a central do Castelo de Bode uma média de 800 milhões de kWh por ano, dos quais 50 milhões, pelo menos, tem de ser destinados ao funcionamento do Amoníaco Português em 1952, a respectiva produção já não chega para cobrir as necessidades actuais satisfeitas através da Central Tejo - para mais crescendo a uma cadência muito perto dos 10 por cento, por ano -, não se podendo, portanto, assim dispor ainda da energia hídrica suficiente para se poder fomentar uma multiplicação rápida desse consumo e a correspondente diluição substancial dos encargos gerais de distribuição porta a porta por um muito maior volume de energia vendida.
E é aqui afinal que está a principal chave do problema dos baixos preços de venda de energia eléctrica em todo o Mundo o que ninguém pense que se poderá resolver só com preocupações ou campanhas de finalidade meramente demagógica.
Resolve-se, sim, com a construção das linhas o contrais que forem precisas, com o fomento nacional do consumo em função das possibilidades ao cada momento, com uma consciência colectiva suficientemente esclarecida para não pedir impossíveis antes de tempo e não se deixar apaixonar a tal ponto que chega às vezes a parecer que só os problemas da energia em Lisboa e Porto são os únicos que contam num conjunto de interesses de oito milhões de portugueses e que estes a única aplicação que ainda lhe encontraram e por que se interessam é a da sua prosaica utilização nos usos domésticos, importantes sim, mas não os principais, e muito menos aqueles em que havemos de fundar a conquista do nosso bem-estar futuro.
É qualquer coisa como isto, segundo receio, que terá de ser dito por quem de direito e de que eu não desejaria ter sido o primeiro a levantar a ponta do véu.
Mas já agora avanço mais: parece mais do que patente que chegou a hora de se definir claramente qual a posição que vamos tomar em matéria de política de energia.
Dispõe-se o Estado a chamar a si a responsabilidade do financiamento e da realização oportuna dos futuros empreendimentos e construção das redes de alta e baixa tensão necessárias a uma electrificação satisfatória do País?
Se se não dispõe, qual a orientação que conta seguir para interessar os capitais particulares nessa tarefa e como pensa, sobretudo, ladear a dificuldade da electrificação de vastas regiões do País - como a do Nordeste, o Baixo Alentejo e o Algarve - de exploração inicialmente não rentável, nem talvez durante muitos anos ainda, mas que também são gente?
E evidente que a primeira solução seria a mais compatível com uma política de energia abundante, acessível geograficamente e barata.
Mas, se o Estado não pode com todo esse esforço e com outros que cada vez mais se lhe podem, então parece melhor que entre não ter energia nenhuma em tão vastas e importantes regiões do País e a de ao pedir um pequeno sacrifício no preço das que estão electricamente mais avançadas não há que hesitar, mas é então também necessário que tal se saiba, desde já, e sem se deixarem criar igualmente aí motivos para outras decepções.
Apoiados.
Em suma, tudo isto são, de facto, aspectos melindrosos e aborrecidos de uma questão das mais vitais para o futuro progresso do País, mas que ao não podem resolver com silêncios, dúvidas ou desconfianças.
t preciso, antes de mais nada, mostrarmos confiança nos trilhos que estamos seguindo e na obra gigantesca que vimos realizando.
Não basta só dizermos que temos fé. É necessário também incuti-la nos outros e não os deixarmos perdê-la por nossa culpa.
Ainda há poucos meses, e por um acaso estranho, me foi dado sentir como nunca esse imperativo em relação aos problemas eléctricos.
Por amável deferência da actual administração clã Hidro-Elétrica do Cávado - que, num esforço exaustivo, tem procurado compensar, com a maior dedicação, as fatalidades de um passado -, encontrava-me, sozinho, numa elevação de terreno que dominava vasta região montanhosa até há pouco desconhecida e perdida humildemente perto da fronteira noroeste do País, entre as serras do Gerês e da Cabreira.
Havia já visitado as obras da barragem, a aldeia velha que vai ser inundada e a nova que a vai substituir e viajado, a quase 100 quilómetros à hora, através de uma ponte e de uma estrada que esperam apenas a passagem de certas peças pesadas para também serem alagadas ...
Era um desses fins de tarde de sonho em que é fértil a paisagem portuguesa do Outono.
À majestade azulina das serranias em volta soldava-se a policromia estranha de um céu de maravilha, a que a terra respondia, em uníssono, com um hino glorioso de tons, de contraluzes e de sombras!
De repente, um raio de luz, coado estranhamente das alturas, fez-me ver, envolta já no anil da neblina de um dia que morre, a linha de alta tensão, que, na suavidade do seu traçado, galgava agilmente o dorso da montanha, desferida como um dardo de prata apontado ao coração do País ...
Confesso que tremi e me comovi: havia qualquer coisa como uma mensagem do Alto naquele espectáculo surpreendente que os meus olhos atónitos estavam vendo, ali precisamente naquele monte, a cujos pós coleava o Cávado e lá ao fundo, bem ao fundo, alvejava, num vértice, de negrume do crepúsculo e dos pinheirais, a velha ponte em que, diz a lenda, Satanás aparecia e tinha um

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pacto de almas que fazia o desfazia com seu sopro maldito...
Passou-me, então, em rápida revoada pelo pensamento tudo o que naquele dia havia visto: o volume e a grandiosidade da obra que como técnico seguira friamente; a estrada e a ponte em que, antecipando-me ao tempo, havia já percorrido debaixo de água; a velha povoação da Venda Nova, que vai ser submergida, e de que a custo sentia apartarem-se, com os olhos rasos do água, muitos daqueles que à sua sombra haviam sido nados e criados; a jovem povoação da Venda Nova, garrida e moderna, olhando Segura do alto da sua colina a sua antepassada; aquele cemitério tão triste e tão só, numa encosta em frente, já sem a sombra amiga de uma cruz e cuja terra revolvida me deu a angustiosa sensação de ouvir o ruído. das preces de um pó santo que terá de ser lavado e girado nas turbinas do progresso, em holocausto à grandeza da sua pátria...
Sem saber porquê, vieram-me à ideia aquelas páginas de Selma Lagerlõf - essa adorável feiticeira da fantasia sueca - quando descreve o encontro do pequeno Nils com a cidade encantada de Vineta, que numa só noite em cada século emerge das águas durante uma hora o que o gnomozinho poderia ter retido para sempre à superfície da Terra se tivesse apanhado a tempo a única moeda de cobre corroído que teria tido esse poder.
Hesitei um momento na confusão de tantos sentimentos e ideias contraditórias, mas logo distingui perfeitamente, através dos séculos, o murmúrio das mil vozes do sacrifício de todos os nossos heróis, exprimindo unanimemente o voto de que também em Portugal nunca ninguém encontro a moeda de vil metal, corroída pelo azebre da maldade, do receio ou da indiferença, que possa deter o seu progresso, fazendo parar o pulsar constante das águas das suas barragens o que periodicamente há-de fazer voltar à clara luz do dia a memória desses lares e desses pedaços de terra que foram a luz dos olhos e da alma de tanta e tão pobre boa gente.
Que essa misteriosa alquimia dos sofrimentos, transformados em elevação, se repita, pois, pelos tempos fora nesta bendita terra que pisamos e que esse "Portugal eterno, nos ares, nos continentes e nos mares, possa continuar a erguer-se, sempre altivo, como um monumento sagrado às virtudes dos seus maiores e ao sacrifício anónimo de todos os seus pequenos e grandes heróis desconhecidos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu:- Sr. Presidente: se fosse lícito admitir que a Assembleia Nacional é constituída por representantes de classes e de interesses sociais nas suas diversas modalidades, como o é a Câmara Corporativa, bem podia dizer-se que a lavoura estava larga o brilhantemente representada.
Poder-se-ia mesmo acrescentar que nenhuma outra actividade de ordem administrativa, económica, cultural ou social tem na presente legislatura, um escol tão numeroso de competências técnicas e práticas. Disto tem havido sobejas provas na anterior e na decorrente sessão legislativa. E ainda bem que assim sucede, porque, como ainda há pouco li, a lavoura é o suporte da economia nacional.
Nestas circunstâncias, mais estranho deve parecer que em assuntos de lavoura se intrometa quem se limita ao granjeio de dois palmos de terra de que, afinal, principalmente beneficiam os humildes trabalhadores que aí empregam o seu braço. O que, aliás, não impediu que o órgão clandestino de uma seita, que quer convencer pela força e só pode viver da mentira, me catalogasse entre os grandes potentados da lavoura portuguesa!... Nem mais nem menos!
Seja-me, pois, relevado o abuso desta intromissão, aliás simples e limitada. E não é unicamente o interesse da lavoura que a determina: é, com o dela, e da Nação.
Andam alarmadas as populações rurais de várias regiões vinhateiras do País e, ao que parece, nomeadamente as do distrito de Aveiro. Alarmados os lavradores e os trabalhadores, que na vitivinicultura têm o campo quase exclusivo da sua actividade o muitos a única possibilidade de vida. E basta acrescentar que neste ramo se empregam 20 por cento ou mais da mão-de-obra agrícola do País para se justificar a importância do problema e a sua gravidade.
É que se tem propagado assustadoramente a moléstia que desde há anos a esta parte estava flagelando os vinhedos, ou seja uma cochonilha com a designação de
amola algodoeira" ou "algodão da vinha" e no vulgo por "ferrujão", devido, porventura, a as plantas e os frutos parecerem cobertos de ferrugem.
Destrói os pâmpanos e os cachos e acaba por matar a planta.
A praga, cujo veiculo principal é a formiga argentina, não tem sido combatida decidida e eficazmente, nem o pode ser só por simples iniciativa e acção dos particulares: uns porque não sabem, outros porque não podem, e todos porque a propagação é tal que torna irrelevantes os esforços que não sejam conjugados, a actuação que não seja geral e sistematizada. E, em qualquer caso, os tratamentos redundam em pura perda, se não forem realizados também nas propriedades vizinhas, ou mesmo em toda a região, com persistência o energia.
Os grandes e pequenos viticultores ainda não sabem combater radicalmente o mal, porque as indicações dadas e as experiências feitas não resultam eficientemente satisfatórias. E os pequenos lavradores não podem combatê-lo, porque não lhes foi apontada, nem porventura, existe terapêutica compatível com os seus modestos recursos, que mal chegam para o granjeio normal de uma das culturas da terra mais dispendiosas, absorventes e exaustivas.
Aconselha-se o descasque das copas, para que o parasita não se entranhe e as geadas o castiguem, e a aplicação de Otoclore, de calda sulfocálcica e outras substâncias oleosas.
Mas o efeito tem sido precário.

O Sr. Manuel Domingues Basto:- V. Ex.ª dá-me licença?
Se a organização da lavoura fosse o que devia ser, é evidente que, por intermédio dela, já teria sido chamada a atenção do Governo para o problema. Infelizmente, estamos perante a deficiência da organização da lavoura, que se patenteia neste e em muitos outros casos.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão.
Os resultados estiveram particularmente à prova em 1950.
Eis os motivos por que se impõe uma intervenção mais completa e eficiente do Governo na resolução deste importante problema da economia nacional.
Decerto ele, através dos serviços competentes, não está alheio e indiferente ao assunto e reconhece a sua gravidade.
Mas julgo necessário proceder rápida e energicamente como:
Através da Direcção-Geral respectiva ou da Estação Agronómica Nacional, ou da Junta Nacional do Vinho, completar, se ainda é necessário, o estudo da moléstia e divulgar processos químicos ou biológicos simples e eficazes para o tratamento, concentrando de preferência este serviço num só departamento;

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Tornar obrigatório o tratamento intensivo em todas as regiões do Pais onde a moléstia se tiver manifestado, mesmo em pequena escala;
Ordenar que brigadas móveis efectuem, dirijam ou fiscalizem directamente os tratamentos com o mínimo dispêndio e mesmo gratuitamente para os pequenos lavradores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se assim ou de modo semelhante não se proceder, todos os esforços do Estado e dos particulares podem resultar inúteis.
Neste, sentido e interpretando os interesses da economia nacional e os anseios das regiões mais sacrificadas e especialmente das suas populações rurais, dirijo um apelo aos Sr s. Ministro da Economia e Subsecretário da Agricultura, nossos ilustres colegas nesta Assembleia, que, graças a Deus, não são dos que têm os ouvidos moucos.
Por todos os títulos, o assunto está em boas mãos; e sirvam estas ligeiras palavras de incitamento para que a campanha se alargue e prossiga rápida e ininterruptamente, numa conjugação de esforços. À frente dos serviços ou dos organismos competentes não falta também quem saiba e possa esforçar-se para que se chegue a bom resultado pretendido com a maior brevidade.
Com o ataque imediato do mal evita-se o seu agravamento, porventura irremediável. E, então, os piores dias podem estar reservados para a viticultura, isto é, para uma das fontes primaciais da riqueza nacional; e regiões há onde a fome iria bater à porta de muitos lares.
São pessimistas estas profecias?
Deus o permita.
Mas lembremo-nos de que a viticultura do País ocupa 350:000 a 400:000 hectares, e Portugal, este recanto maninho da Europa, «o 4.º ou 5.º país produtor de vinho; a sua produção vinícola rendeu, nos cinco últimos anos, cerca de 2.250:000 contos. Lembremo-nos ainda de que, na expressão exacta de Bevan há dias nos Comuns, a pobreza agrária é a primeira aliada da Rússia na sua propaganda.
Isto é suficiente para justificar o apelo que dirijo ao Governo, confiado em que as minhas palavras não resultarão inúteis.
Como, porventura, voltarei ao assunto, envio para a Mesa o seguinte

Requerimento

Ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, roqueiro; pelo Ministério da Economia, informações urgentes sobre:
Estimativa provável dos efeitos da cochonilha com a denominação de «mela algodoeira» e outras, e no vulgo de «ferrujão», no resultado da colheita de 1950, nas diferentes regiões do País;
Resultados dos estudos técnicos e práticos, porventura feitos sobre as causas do incremento da moléstia e modos mais práticos, económicos e eficazes de
combatê-la;
Instruções dadas, propaganda feita e outras medidas tomadas ou em curso para aquele fim;
Possibilidade do tratamento obrigatório da moléstia, sob a acção ou fiscalização directas de brigadas móveis, com o mínimo dispêndio, e mesmo gratuitamente para os pequenos viticultores.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Joaquim do Amaral, para prosseguir no seu aviso prévio sobre a execução da Lei de reconstituição Económica.

O Sr. Joaquim do Amaral: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª que me tenha consentido prosseguir hoje as minhas considerações e entro imediatamente nu matéria, para apreciar as mais importantes verbas despendidas propriamente com a reconstituição económica, mas, evidentemente, com a brevidade e com a superficialidade que a estreiteza do tempo e a vastidão da matéria impõem.
Começarei pelas estradas, e já ontem referi que com elas se gastaram, em regime de despesa extraordinária, desde 1935 ao fim de 1949, qualquer coisa como 818:000 contos, isto além da dotação normal anual da Junta Autónoma de Estradas.
No total, diz-nos o relatório do Ministério das Obras Públicas, as estradas absorveram nestes quinze anos 1.837:000 contos, uma média, portanto, de 120:000 coutos, que desde 1947 para cá está elevada a 270:000.
Merece isto e ainda mais este precioso elemento de prosperidade pública, que, como aqui disse há dias o Sr. Deputado Melo Machado, é o sistema sanguíneo do corpo da Nação.
Dado que pelo Decreto n.º 34:593, de 11 de Maio de 1945, ficou fixada em 20:597 quilómetros, a extensão da rede rodoviária nacional, não incluindo a rede municipal, que desses 20:597 quilómetros ainda faltavam construir 4:167, dada a intensificação constante do tráfego motorizado e o aumento progressivo do peso unitário dos veículos que transitam nas estradas, é de concluir que aquela dotação anual tem de manter-se e, se possível, de aumentar-se.
Importa fixar um prazo, que não deve ser longo, para a conclusão do que falta e é indispensável que, tanto na construção do que falta como na grande reparação do existente, se vão adaptando as estradas à evolução do tráfego. Julgo que há bastante a fazer nesta matéria, mas creio que o problema está entregue em boas mãos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A hidráulica agrícola situa-se, para mim, logo a seguir às vias de comunicação como o elemento mais valioso para a nossa reconstituição económica.
Bem merecia, em meu entender, este tão discutido sector de fomento que o relatório do Ministério das Obras Públicas lhe dedicasse, para elucidação desta Assembleia, um pouco mais do que a curta página que lhe consagra, tanto mais que, em contrapartida da imponente verba de 630:000 contos já gasta com ele, apenas estarão neste momento a beneficiar de rega ou enxugo mas escassos 11:000 hectares, contando para este número que metade das áreas do vale do Sado e da campina da Idanha já estejam a ser irrigadas.
Fundamemto este meu reparo u concisão do relatório na circunstância de não ser nada fácil a qualquer pessoa vivendo fora do assunto orientar a sua opinião através dos volumosos e minuciosos relatórios publicados pela Junta de Hidráulica Agrícola.
Mas, para mim, o fomento pela irrigação é destas obras cujo valor não pode aferir-se apenas pelas cifras

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indicativas do seu custo, nem mesmo só por aquelas que traduzem a mais valia material realizada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- O valor da hidráulica agrícola situa-se no plano mais alto da integração dos benefícios de toda a ordem que ela determina além da mais valia da produção: o efeito agro-social, o efeito climático, o efeito geofísico e, ainda e sobretudo, o efeito de maior equilíbrio económico que representa sempre a transição da mono para a policultura, traduzindo-se em aumento de fruticultura e de pecuária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, e ainda pela circunstância de que a maior .percentagem de despesa feita com estas obras representa emprego de trabalho braçal, a obra de irrigação nunca poderá considerar-se cara senão quanto ao consumo de tempo, isto é, quanto à demora da sua realização. E que houve lamentáveis demoras de execução, confessa-o a própria Junta quando diz no seu relatório de 1945:

Se é legítimo - lançar um golpe de vista pelo caminho percorrido de 1930 para cá, talvez se possa dizer que não foi pouco o que se pôde fazer quanto a estudos e projectos, anãs haverá que aceitar que não foi muito o que se fez em execução de obras.

Sei muito bem que não deve atribuir-se à Junta a responsabilidade integral destas dilações; posso mesmo avançar mais: se alguma coisa sobra da que pertence u perplexidade burocrática ante a novidade da matéria, ao evento da guerra e às limitações de actividade por ele impostas e ao ritmo peculiar a toda a aprendizagem, esse saldo pode ser levado em conta de honrosa preocupação da Junta de manter a máxima tecnicidade na concepção e na execução das obras.
Mas, repito, o aspecto financeiro ainda é o que menos importa neste capítulo de fomento, e, porque assim penso quanto à sua execução, com mais forte razão sinto que assim deve ser quanto à sua exploração económica e social, e por isso espero ter oportunidade de demonstrar à Assembleia que se impõe modificar a regra jurídica da base VI da Lei n.º 1:949 - reembolso ao Estado do custo .das obras de hidráulica agrícola - e que urge pôr quanto antes em execução o regime jurídico prometido nas bases XIV e XV da mesma lei - reforma do regime dê exploração das terras irrigadas.
Como nota final, direi que, melhor que ia nenhum outro, a este sector de fomento se pode aplicar a observação contida na alínea a] do § 4.º do preâmbulo que precede o relatório do Governo sobre a execução da Lei n.º 1:914: do plano de rega de L935, abrangendo 80:622 hectares, com possibilidades, já então reconhecidas, de se duplicar esta área (para 168:585 hectares), ao fim de quinze anos está apenas realizado pouco mais de 10 por cento. Quando chegaremos aos 400:000 hectares estampados como legenda no frontispício do relatório da Junta de Hidráulica Agrícola de 1935?
Em compensação, e fundamentando o que se observa na - alínea c) do citado preâmbulo do Sr. Presidente do Conselho, só no mapa geral das despesas - realizadas pelo Ministério das Obras Públicas, à douta da Lei n.º 1:914
mostra-se um gasto de perto de 2.800:000 contos em edifícios militares, escolas, liceus, Cidade Universitária, edifícios públicos diversos e monumentos nacionais, estádios, prisões, hospitais e casas para habitação.
A cifra é suficientemente pesada para esmagar a crítica aleivosa dos adversários da situação quanto à política social do Estado Novo, pois bem revela a preocupação dominante da governação pública neste quarto de século decvorrido de contribuir ao máximo, não só para o conforto habitacional, para a melhoria sanitária e cultural da população portuguesa, como para a conveniente instalação de todos os serviços públicos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A verdade, porém, Sr. Presidente, é que se nem só do pão vive o homem, sem pão ou seus sucedâneos é que ele não tem possibilidades de viver, e por isso não podemos deixar de reconhecer e de confessar que, sob o ponto de vista da harmonia e do equilíbrio económico, foi exagerada esta aceleração de aquisições e de construção civil em detrimento da possível prioridade ou paralelismo de algumas outras obras que se impunham pela sua característica de reprodutividade.
Já me Referi à lentidão com que se trabalhou na hidráulica agrícola e agora aponto também o atraso com que se iniciaram os dois grandes empreendimentos de hidiroelecitricidade, hoje felizmente quase concluídos, mas um dos quais, pelo menos, o do Zêzere, poderia ter principiado a executar-se por 1932 e esitar concluído antes d a guerra mundial, com todas ias inestimáveis vantagens, que só agora, que começou a rodar a primeira turbina do Castelo do Bode, podemos começar a avaliar.
Quanto aos restantes capítulos das realizações da Lei n.º 1:914, limitar-me-ei: em fim de apreciação, a perguntar ao Governo se está devidamente estudada e apurada a justificação da nossa política portuária, que já nos custou, até fim de 1949, 913:223 contos e que, segundo as previsões dos (Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações, despenderão até 1955 mais 730:000 contos, sem falarmos já no 1.820:000 contos que se pensa gastar posteriormente com os portos de Lisboa o Leixões.
Perguntarei ,ainda se não será exagerado o favor financeiro que se tem dispensado à política do ar, que já nos custou, até fim de 1949, 504:000 contos, a uma boa parte dos quais (347:382 contos) é certo, com infra-estruturas, que não somente aproveitam à economia nacional, integrando o País na exploração internacional do tráfego aéreo, como se tornam indispensáveis à estratégia do ar em caso de guerra.
Mas é que, a par deste dispêndio com as infra-estruturas, parece terem-se, gasto com estudos, - experiências e tentativas de instalação de - linhas - aéreas portuguesas qualquer coisa como 275:000 contos, (e esta cifra não deixa de confranger-me quando verifico que normalmente são pesadamente deficitárias todas as explorações de linhas aéreas internacionais e intercontinentais.
Sinto realmente não poder acompanhar o optimismo com que o Ministério das Comunicações encara o futuro da navegação aérea nacional e não posso também
furtar-me e manifestar a minha incompreensão do contraste entre a facilidade com que têm sido concedidas estas avultadas verbas pana o lançamento das carreiras aéreas nacionais e a relutância que tem havido para conceder um subsídio eventual de alguns milhares de coutos para garantir a manutenção de ligações marítimas regulares entre a metrópole e as colónias do Extremo Oriente.
E por último, Sr. Presidente, uma palavra de melancolia acerca de um outro sector de fomento onde predominou a lentidão do trabalho, o atraso da marcha em relação ao horário previsto e simultaneamente, ou consequentemente, um apreciável encarecimento da obra feita em relação ao orçamentado: o povoamento flores-

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tal. Para este sector, cuja actividade é sobretudo função do trabalho braçal e depende minimamente do equipamento mecânico, a superveniência da guerra é desculpa demasiadamente débil para contrapor ao prejuízo económico que aquele atraso representa para um país que anualmente exporta mais de 1.000:000 de contos de produtos de origem silvícola e que mantém ainda largamente desarborizadas as maiores bacias hidrográficas do seu sistema fluvial.
Em verdade, não se pode acusar o Governo de desinteresse pelo desenvolvimento económico do País, mas o que se pode é lamentar que se não tivesse caminhado um pouco mais depressa e mais orientadamente.
Temos presente que a guerra trouxe dificuldades e restrições a muitas importações necessárias ao equipamento nacional, mas estou convencido de que não foi só por isso que se não iniciaram ou não se activaram mais certas obras de primeira necessidade e urgência. Não me resta dúvida de que se sentiu em dado momento a falta de disciplina de um programa rigoroso de trabalhos e de um organismo coordenador de movimentos entre os Ministérios da Economia e das Obras Públicas responsável perante o Governo pelo cumprimento daquele programa.
Não falta quem afirme que se perdeu muito tempo e muito dinheiro com furtas hesitações e modificações de projectos de muitas obras; mas também se compreende que tal tenha sucedido, sobretudo na fase inicial de audaciosa aprendizagem em que teve de lançar-se a engenharia portuguesa, e manda a verdade que se diga que aquilo que realizou em matéria de estradas, pontes e edifícios públicos será para ela um lídimo padrão de glória e ficará a atestar que cumpriu a divisa imposta pelo Ministro Duarte Pacheco de construir para cem anos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Enquanto se produziu com esta apontada evolução da administração pública a entrada na circulação económica do País de tão apreciável devolução de impostos, a Grande Guerra, alterando profundamente a conjuntara económica universal, fazia entrar em Portugal, por refúgio de capitais estranhos e por incremento anormal de exportações sem contrapartida equivalente de importações, um e outro fenómeno libertos do travão da mecânica cambial, uma tal torrente de recursos monetários que a nossa circulação fiduciária real subiu rapidamente do plafond normal dos 2 milhões de contos para 8 milhões.
E, em que pese aos adversários da teoria quantitativa dos preços, a verdade é que estes reflectiram imediatamente a pressão correspondente.
Nem podia deixar de ser assim, porquanto ao aumento normal e incidental da população do País acresceu a subida específica - pelo menos parcial - do seu nível de vida, e, não tendo aumentado correlativamente - paralelamente - a produção dos bens de consumo, era fatal que o aumento do custo da vida tenderia a traduzir-se pelo multiplicador 4.
Se está apenas perto do multiplicador 3, isso se deve exclusivamente ao apertado policiamento dos preços exercido pelo Governo.
Pelo que se infere da estatística agrícola oficial não houve aumento sensível da média de produção do decénio de 1925-1935 para a média de 1936-1948 dos principais géneros alimentícios: trigo, milho, centeio, legumes, batata e azeite, exceptuando-se precisamente o caso do arroz, graças ao aumento de produção verificado em 1950 com a entrada em serviço da irrigação das albufeiras do vale do Sado.
A produção e consumo de carne acusou neste período de quinze anos uma tendência para aumento, mas este apenas nos ovinos e suínos; mas o consumo de carne bovina, que é neste capítulo o verdadeiro índice da subida do nível de vida média, continua a acusar baixa capitação.
A diferença entre o efectivo bovino de 1870, 520:000 cabeças para menos de 4 milhões de habitantes, e o efectivo de 800:000 previsto para o ano de 1950, para 8 milhões, é sintomática e a conclusão última a tirar nesta matéria é a necessidade de aumentar a área de cultura de plantas forrageiras, o que hoje em Portugal só pode conseguir-se por via de irrigação.
No que respeita à pesca desembarcada, se tivéssemos de fazer fé apenas pelos números da estatística oficial - 211:000 toneladas, com o valor de 197:000 contos, em 1938 e 215:000 toneladas, com o valor de 920:000 contos, em 1949-, teríamos de concluir que este sector económico teria vivido em regime estático quanto à produção e como que à margem da economia dirigida, obedecendo apenas, quanto a preços, à teoria quantitativa da moeda.
Mas devo lealmente declarar que fui particularmente esclarecido de que os números estatísticos oficiais não correspondem à realidade das coisas, porque efectivamente se pesca hoje bastante mais do que em 1938 e que só por circunstanciais de ordem natural que escapam ião domínio da indústria, e ainda pela falta de uma boa instalação frigorífica destinada a compensar as
irregularidades naturais da produção e as oscilações do consumo é que este problema alimentar não está em melhor posição; esta é, de resto, caracterizada hoje por uma relativa carência e consequente tendência para agravamento de preço nas espécies mais1 finas de pescado e por lima efectiva abundância e barateamento de preço das espécies menos apreciadas.
Sem que tenha havido, portanto, o necessário aumento da produção de alimentos, constata-se terem subido apreciàvelmente as capitações de consumo dos géneros para cujo abastecimento concorreu a importação e terem baixado aquelas cujo consumo se limitou à produção nacional: a do trigo subiu de 57kg,5 para 68kg,5; a da batata de 82kg,4 para 106klt,8; a do feijão de 4kB,7 para 5kB,2 e a da carne de 8kg,27 para 9 quilogramas; mas baixou a do arroz de 10kg,2 para 9 quilogramas ; a do grão de lkg,23 para lkg,17, e a do azeite de 8 para 6kg,5, donde se conclui que destes últimos géneros o português teria comido mais se mais tivesse e muito mais ainda se os preços o permitissem.
Subiu de facto o nível de vida ide uma apreciável parte da população portuguesa, roas- o de grande parte, daquela que é constituída pelo funcionalismo público e privado e pelo grande sector do trabalho rural, esse está longe de ser o que deveria ser (apoiados). Se é exacto o índice do custo da vida em 1950, o trabalhador rural alentejano, com o salário, à volta de 16$, que está auferindo, recebe em poder de compra menos do que auferia com 10$ entre 1930 e 1940.
Podemos concluir de um modo geral que relativamente defronta-mos hoje maior carência de alimentos do que há quinze anos: podemos concluir que há um
profundo desequilíbrio, um grande desnivelamento de condições de vida entre as várias classes da população portuguesa, a que é mister acima de tudo obtemperar. Primum vivere ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pelo que acabo de expor, julgo da mais elementar coerência atacar com energia os problemas de cuja solução pode provir maior aumento de

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produção nacional, maior garantia de trabalho permanente aos sectores de população que o desemprego ameaça como uma tortura permanente.
Estão felizmente quase concluídos, e já não sem tempo, dois grandes empreendimentos de produção de energia eléctrica, mas eu já estou receoso, Sr. Presidente, acerca da orientação futura da nossa política de electricidade.
A humanidade tem uma natural tendência para viver sobre mitos, como já dizia Delaisé,- e pareço que a mítolatria actual se dirige para o grande desenvolvimento industrial à base de construções, planificações e geometria no espaço.
Receio, Sr. Presidente, que à garantia de fornecimento de energia eléctrica aos grandes empreendimentos industriais em curso ou para vista - electroquímica, siderurgia e afins - se sacrifique aquela quota de energia que é devida, sagradamente devida iria dizer, à produção agrícola, à industrialização rural, ao único sistema que pode de algum modo suavizar a vida dos campos, que é a de ir para o futuro criando dentro de cada casal agrícola uma oficina de artesanato que funcione como elemento compensador dos períodos inevitáveis de inlabor agrícola.
Se, como por aí vejo escrito a cada passo, a electricidade que há-de emanar do Zêzere, do Cávado e do Douro for totalmente .absorvida pela siderurgia, pela metalurgia, pela indústria do azote e por outros colossos industriais visionados, sobre cuja segura viabilidade técnica e económica as minhas antigas dúvidas não foram esclarecidas, se assim suceder, Sr. Presidente, receio ter de dar por mal empregado todo o esforço que a nossa geração suportou para conseguir fazer uni Portugal não direi maior, mas mais português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Realizado como está o primeiro escalão da grande produção hidroeléctrica, o que se impõe é acelerar a execução do programa de irrigação para o máximo aproveitamento agrícola Mas bacias inferiores do Tejo, do Mondego e do Vouga. Os estudos estão feitos; vamos a executá-los quanto antes, aproveitando para a sua aceleração a longa e custosa aprendizagem da irrigação do vale do Sado.
Peço que seja revisto com critério superior de economia, relegando para segundo plano a preocupação financeira, o antieconómico princípio de reembolso ao Estado das despesas com a irrigação, e insisto por que seja encarado com decisão o princípio jurídico que informa a base XIV da Lei n.º 1:949, reconhecendo-se já existirem neste momento os motivos superiores de ordem económica que devem levar o Governo à necessidade de modificar o regime de propriedade e de exploração das terras irrigadas.
Uma das mais evidentes oportunidades de aplicação do princípio de harmonia em estratégia económica ao caso português é a indispensável combinação do plano de irrigação com o plano de povoamento florestal.
Não receio exagerar a minha simpatia pela função económica da árvore afirmando não poder haver mais proveitoso investimento do que cobrir de arvoredo todas as adustas encostas do Norte montanhoso e grande parte das infecundas planuras - sob o ponto de vista arvense - dos pliocenos do Sul.
Olho para as estatísticas comerciais do País e vejo que a árvore, depois de nos fornecer quase toda a nossa madeira para construção e o combustível de quase metade dos lares nacionais, ainda nos traz do estrangeiro mais de 1.000:000 de contos por ano. E porque esta faixa de terreno europeu à beira do Atlântico é uma zona de carácter acentuadamente florestal, como afirmam todos os silvicultores portugueses, aponto a intensificação do povoamento florestal como necessário correctivo de certos desvios para exageros decepcionantes de cultura cerealífera e indispensável defesa da fertilidade das terras baixas.
Mas, evidentemente, não tenhamos a pretensão de resolver exclusivamente por estes dois sectores de fomento o dramático problema da subsistência da grei portuguesa, em perturbante aumento demográfico de ano para ano.
A par e passo com a manobra destas duas e outras alavancas do levantamento económico da Nação podemos e devemos contar com o precioso concurso das nossas possessões do ultramar, porque sem ele e impossível resolver a equação fundamental que liga o fenómeno económico ao demográfico.
Importa promover quanto antes a mais perfeita soldadura entre as duas economias metropolitana e ultramarina, unificando-as de vez, regulando-as e dirigindo-as debaixo de um único critério, já consagrado, de economia imperial.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para isso há que apressar o estudo já decretado da uniformização ou, pelo menos, de uniu boa coordenação de disposições aduaneiras, simplificar o sistema condicional do intercâmbio demográfico, sacrificando aqui, como é mister sacrificar noutras questões, o meio financeiro ao fim económico.
A verdadeira unificação política e económica do Império Português tem de
fazer-se na ordem administrativa, na ordem cultural, na ordem militar, em suma, sob todos os aspectos necessários para que nenhum cidadão português, ido do continente ou vindo de qualquer colónia, se sinta como estrangeiro sempre que tenha de atravessar as alfândegas ou com a sua pessoa física ou com a sua mercadoria.
Impõe-se igualmente o estudo sério - que creio estar ainda por fazer - dos métodos de colonização europeia, sobretudo em Angola, para se assentar definitivamente quais as zonas que devem ser, preferentemente, objecto da fixação da população branca e se esta deve obedecer ao princípio do isolamento rácico ou visar à formação de um novo sedimento demográfico à maneira do do Brasil.
E urgentíssimo tomar decisões a este respeito, porque entretanto a população continental cada vez superabunda mãos em relação às possibilidades da sua ocupação laboriosa.
Sr. Presidente: não é missão desta Assembleia formular qualquer plano de reconstituição económica, nem ela foi solicitada pelo Governo a mais do que dar-lhe, a através da larga discussão destas questões, a orientação conveniente para as respectivas soluções».
Pelo que deixei exposto, creio ter suficientemente esclarecido a minha tese a tal respeito: orientação visando predominantemente a produção de alimentos, mediante a irrigação, a modificação do regime agro-social dos terrenos por ela beneficiados, com a elaboração de um estatuto jurídico de ideias actualizadas, renovadoras, quanto ao problema dos arrendamentos, emprazamentos o parcerias agrícolas, de molde a estimular e - remunerar devidamente aqueles que, de facto, cultivam a terra; intensificação do povoamento florestal e da electrificação rural, tudo isto servido, por um sistema de extensão agronómica que não existe, mas que é absolutamente indispensável. Paralelamente, o maior impulso à ocupação económica de Angola e Moçambique.
Preconizo que o fomento industrial do País acompanhe compassadamente o seu desenvolvimento agrícola,

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sem pretender ultrapassá-lo nem prejudicá-lo, e que tanto uni como outro sejam quanto possível confiados ao natural espírito de iniciativa da população, activado por toda a possível liberdade nos preços e na movimentação dos produtos agrícolas.
Temos de caminhar decididamente para a extinção de todos os artificialismos, mais ou menos discutíveis, que actualmente dominam e complicam estèrilmente a política de preços da maior parte dos produtos de origem agrícola.
No que respeita ao fomento industrial, satisfaz-me o espírito que informa a proposta de lei que virá a ser discutida nesta Assembleia sobre a modificação do condicionamento industrial, pelo que ela contém de sentido de maior liberdade consentida à iniciativa individual, e declaro-me sinceramente convencido de que, persistindo nessa orientação, conseguiremos, entre outros resultados, aliviar enormemente o Estado e o seu Tesouro dos seus encargos de assistência e das suas responsabilidades de banqueiro a que as circunstâncias anteriores o levaram.
Com tal orientação creio bem que conseguiremos melhorar grandemente as condições de vida de grande parte da nossa população, daquela parte, modesta mas numerosa, que moureja na província, e que, com dar-lhes mais trabalho e mais pão, pouparemos em despesas com hospitais e sanatórios, com esses gigantescos
falanstérios da doença que arranham os céus e também a nossa sensibilidade.
Discordei da orientação que nos últimos anos se adoptou com o investimento de dinheiros públicos em empreendimentos que, por sua natureza e fins, deveriam ficar exclusivamente a cargo da iniciativa particular.
Além de terem absorvido enormes somas que tanta falta fazem ao fomento directo da riqueza fundiária colectiva da Nação, essas participações financeiras do Estado em alguns casos assumiram aspectos cie favor impensados e por via de regra transformam-se no decurso da vida das empresas beneficiadas numa espécie de túnica de Nesso que lhes garante a generosa fidelidade do Estado consorte em matéria de isenções e privilégios tributários, em garantia de preços, em direitos de requisição e expropriação, a maior parte das Vezes para elas comodamente realizarem fiais opostos ao espírito do artigo 33.º da nossa Constituição: em lugar de maiores benefícios sociais, prejuízos que derivam de um parasitismo restrito incrustado no sistema económico colectivo, ao mesmo tempo que outras vezes, com empreendimentos tanto ou mais úteis, tanto ou mais necessários, mas que não conseguiram colaboração financeira do Estado, a atitude deste é exclusivamente de preocupação fiscal.
Há, a meu ver, também que proceder a uma reforma no regime de relações fiscais entre o Estado e as empresas, porque todos os corolários que derivaram da reforma tributária de 1929, no que respeita a sociedades anónimas e por quotas, muito têm contribuído para afugentar o capital particular do investimento em iniciativas interessantes e com isso têm forçado, repito, o Tesouro a suprir essa falta, levando-o à situação de quase esgotamento em que veio a
encontrar-se.
Modificando essa situação, e em face da viragem que se desenha na conjuntura económica nacional, é legítimo esperar que em breve o Tesouro Público volte a dispor de avultadas disponibilidades e que se possa contar com um mínimo anual de 1 milhão de contos para consignar ao fomento directo do País, excluindo deste conceito de fomento aquelas despesos a que se refere o Sr. Presidente do Conselho no seu último discurso, as que são exigidas pelo desenvolvimento dos serviços, mas não podem considerar-se reprodutivas, e também aquelas exigidas pela defesa nacional, que deveriam ter no orçamento ordinário o seu lugar e a sua provisão.
Não quero terminar, Sr. Presidente, sem aqui deixar consignada uma palavra de sincera homenagem ao nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, pela insuperável tenacidade com que desde sempre se tem dedicado ao estudo do levantamento económico do País, formulando o meu ardente voto de que, pelo menos, resulte deste debate a corporização da sua velha ideia da necessidade de uma junta central de economia. Quero crer, Sr. Presidente, que se tal organismo já existisse, com as funções e a competência que devem ser-lhe atribuídas, não deixaria consumar-se agora, por exemplo, este tremendo erro económico da instalação em Lisboa de um matadouro gigante, cujo funcionamento vai representar um prejuízo de centenas de contos por ano para a pecuária nacional, com a perda de milhares de calorias para a economia alimentar do País.
Agradeço a V. Ex.ª e à Assembleia a magnífica paciência com que se dispuseram a escutar-me (não apoiados) e espero também que da discussão do meu aviso prévio resulte, como há dezasseis anos, mais uma manifestação da nossa fé inquebrantável nos destinos de Portugal e de confiança na clarividência e no patriotismo dos homens eminentes a quem eles neste momento se encontram confiados.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sequeiro a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Considero generalizado o debate.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : a intervenção do nosso ilustre colega Sr. Major Mendes do Amaral é sempre útil e proveitosa.
Mais uma vez a sua brilhante inteligência pôs perante a Câmara um dos problemas de maior interesse e de maior actualidade.
Cumpro-nos, secundando a sua brilhante acção, procurar dar satisfação ao desejo expresso por S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, pronunciando-nos sobre o programa futuro da reconstituição económica.
Terminada a vigência da Lei n.º 1:914, apesar do espantoso desenvolvimento que sob a sua influência foi possível realizar, surgiram algumas críticas.
Não é para admirar que tal suceda, pois, em matéria tão vasta e de tão grande alcance, milagre seria coincidirem absolutamente todos os critérios. Mas regozijemo-nos por que assim seja, por que, felizmente, essa crítica apareça, pois, na verdade, ela ó a prova iniludível de que existe o objecto criticado, isto é, existe uma obra de reconstituição económica, em que se gastaram, não os 6.500:000 contos prometidos, mas o dobro ou mesmo mais, se tivermos em consideração os empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e das caixas de previdência e ainda a colaboração dos organismos de coordenação económica.
Uma obra que marca uma época e o valor dos que a ela presidiram, a orientaram e tornaram realidade; uma obra que, se puder ser continuada, mudará os destinos do País, aliás já bem diferentes daquela mísera estagnação em que se viveu até 1926.
Entre as críticas que tenho ouvido, já por ser a mais recente, já pela posição de relevo que ocupa quem a produziu, uma das que mais me impressionaram foi aquela feita aqui ultimamente durante a discussão da Lei de

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Meios pelo nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Daniel Barbosa, cuja brilhante inteligência e irradiante simpatia o impõem como elemento de valor Desta Assembleia.
Não é que eu julgue descabida a crítica, especialmente quando bem intencionada, como é o caso. De resto, ninguém menos indicado para criticar a critica do que eu, que sempre tenho afirmado a necessidade de se debaterem aqui vivamente os assuntos para encontrar como resultante o esclarecimento das questões.
Justamente o que eu desejo é provocar o entrechoque das opiniões, e é para isso que eu, porque se me afigura que não têm inteiramente razão as criticas, me proponho fazer uma rápida, sucinta, quase instantânea análise da Lei n.º 1:914 e dizer depois a VV. Ex.ªs o que penso sobre a execução futura duma parte, pelo menos, da reconstituição económica.
Critica-se que o muito dinheiro gasto não o tivesse sido em obras mais reprodutivas, mas, Sr. Presidente, olhando o mapa que acompanha o aliás bem elaborado relatório do Ministério das Finanças em que se dá conta do dispêndio de 10.861:000 contos e tirando 4.194:005 contos que se despenderam com o rearmamento nacional, o que não discuto, e 1.166:732 contos com edifícios públicos, o que há nessa longa e notável lista de melhoramentos que não seja reprodutivo?
E mesmo no que se refere aos edifícios, em que se gastaram pouco menos de 10 por cento da quantia total, pergunto se neste país, onde faltava tudo, era lícito e económico permanecer nesse estado de miséria anterior sem ter feito um esforço para a vencer. Quando se progride, umas coisas têm de acompanhar as outras. E tenho a certeza de que, se tivesse sido possível deixar os serviços públicos, as escolas, os hospitais e os quartéis instalados nos antigos conventos, mal adaptados, - que para tudo têm servido, atestando um espirito de rapina que não honra nem enobrece a administração pública, depois da implantação do constitucionalismo, a critica apareceria aqui a apontar precisamente essas deficiências.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É na verdade lamentável que só em 1942 se tivesse começado a pensar na realização dos empreendimentos hidroeléctricos, e não o digo hoje, porque, se VV. Ex.ªs tiverem a paciência de folhear o Diário das Sessões desde o início desta Assembleia, poderão verificar que mais de uma vez me insurgi aqui contra á indiferença com que se olhava esse problema, para mim importantíssimo e primacial. Perdemos tempo, que mais do que nunca foi dinheiro, mas resta-nos a consolação de estarmos convencidos de que se lhe pegou agora com boa vontade.
Verifico que os empreendimentos francamente reprodutivos, por razões várias e certamente ponderosas, são aqueles que estão mais atrasados.
Efectivamente, a não ser as obras de hidráulica agrícola, que, embora muito atrasadas no seu vasto programa, têm, todavia, algumas já em efectivo funcionamento, e a hidroeléctrica do Castelo do Bode, que conseguiu antecipar-se à data pré-estabelecida para a sua conclusão; o repovoamento florestal, o amoníaco, a siderurgia, a celulose e os petróleos estão muito longe de estarem concluídos e de poderem começar a influir na economia nacional.
Penso mesmo que haveria vantagem, antes de nos lançarmos novamente em empreendimentos semelhantes, em verificar como se comportam, como influem ou beneficiam a nossa economia, pois qualquer deles é de tal monta que não podem ser desprezados os ensinamentos que possamos tirar da forma como foram levados a efeito e sobretudo a influência que venham a ter na economia nacional.
Guardadas aquelas reservas que sempre fiz à lei da hidráulica agrícola, não tenho palavras de louvor suficientes para o propósito de aproveitar a água por todas as formas, no intuito de a utilizar na revigoração da produção agrícola; um pouco tardiamente emenda-se o erro, para mim palmar, de não se ter junto de cada uma dessas obras de hidráulica agrícola um posto experimental capaz de estudar as culturas mais convenientes, oferecendo aos proprietários exemplos e conselhos seguros sobre o aproveitamento eficiente e económico da irrigação.
Seja-me licito, encarando o momento internacional que estamos vivendo, perguntar se a experiência do que sofremos em matéria de abastecimento na passada guerra não nos servirá de nada quando todo o Mundo age como se uma nova guerra, porventura mais vasta e temerosa, estivesse iminente.
Não procuramos estabelecer alguns stocks que sirvam para regular o abastecimento do País?
Suponho que neste momento e perante a perspectiva que nos oferece o ambiente internacional o problema mais instante e mais importante é o do abastecimento. Tudo nos será possível realizar - não nos faltará valor, nem coragem, nem decisão -, contanto que nos seja possível viver. Para isso é, porém, indispensável ter alimentos - o que já fez dizer a Napoleão que os exércitos marchavam sobre estômagos, querendo significar que as energias físicas são absolutamente indispensáveis para manter as energias morais.
Estamos, porém, em posição de fazer a terra dar tudo quanto precisamos?
Com a ajuda de Deus, Sr. Presidente, este admirável trabalhador da terra que é o português é com certeza capaz de realizar esse esforço, senão na totalidade, ao menos na maior parte, mas para tanto, Sr. Presidente, é indispensável que se não repitam os erros do passado.
Se o trabalho da terra não for remunerador, a produção diminuirá e então, Sr. Presidente, é possível que nos encontremos numa bem angustiosa situação.
Julgo, Sr. Presidente, que é tempo de considerarmos as culturas industriais que têm neste momento oportunidade e ambiente e a que já durante a discussão da Lei de Meios a voz autorizada do nosso ilustre colega Sr. Prof. André Navarro se
referiu.
A notável obra de hidráulica agrícola já realizada pode e deve ser instrumento seguro do melhor abastecimento do País, mas a cultura do arroz, a que principalmente se tem dedicado, está atingindo a saturação, e julgo, por consequência, que é absolutamente indispensável pensar em novas culturas.

O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença?
Gostaria que V. Ex.ª, se tivesse possibilidade, me esclarecesse se se justifica a cultura dos arrozais no vale do Sado e, se essa cultura do vale do Sado for suficiente para abastecer o mercado nacional, se se justifica o preço por que o arroz é vendido ao público.

O Orador: - V. Ex.ª faz-me uma pergunta a que não estou habilitado a responder.
Em todo o caso, devo dizer a V. Ex.ª que não há dúvida que a cultura do arroz por agora é a única que satisfaz os lavradores. Se é possível reduzir os rendimentos dela, não sei.

O Sr. André Navarro: - A minha opinião é que essa cultura é excepcionalmente remunerada no vale do Sado, pouco para a do vale do Tejo e muito pouco para as do Mondego e Vouga.

O Sr. Calheiros Lopes: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Melo Machado, dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

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O Sr. Calheiros Lopes: - É, só para dizer a V. Ex.ª que o preço do arroz tem sido estabelecido na comissão reguladora respectiva e é julgado justo, remunerador. Até hoje tem sido assim.

O Orador: - É compreensível que, tendo a cultura do arroz ambiente próprio em determinada região, seja menos economicamente cultivável noutra. É provável, portanto, que, na impossibilidade de fazer dois preços, se adopte o que satisfaz a região menos favorecida, mas, como disse, não conheço o problema suficientemente para elucidar VV. Ex.ªs.
É o momento de considerarmos as culturas industriais, nomeadamente a da beterraba sacarina, que, além de nos poder dor um apreciável auxílio nas nossas deficiências de abastecimento de açúcar, concorreria, pelo trabalho de cultura a que obriga, para o aumento da produção de trigo e para a melhoria da pecuária.
É uma preocupação absolutamente identificada com o estudo que catamos fazendo acerca do programa de reconstituição económica que interessa orientar.
É que a cultura da beterraba sacarina pressupõe a indústria respectiva e é meu parecer que não devemos perder tempo em solucionar convenientemente e com vantagem para todos um problema que foi por vezes bem angustioso no decorrer a guerra passada. Não temos de ter receio de virmos a afrontar por este meio a
produção de açúcar das nossas províncias ultramarinas, pois o pouco que poderíamos produzir não as prejudicaria, mesmo ligeiramente.
Penso mesmo que devíamos condicionar a produção de açúcar de beterraba àquela quantidade que já hoje importamos de outros países.
Esclareço VV. Ex.ªs dizendo que, na campanha de 1950-1951, o gasto de açúcar em Portugal é de 110:321 toneladas. Deste açúcar, 81:916 toneladas vêm das nossas províncias ultramarinas e 28:405 do estrangeiro, uma parte da Bélgica e outra de Cuba.
Se VV. Ex.ªs atentarem bem nestes números, verificarão que a importação de açúcar do estrangeiro anda por cerca de 30 por cento do nosso consumo. Há, por consequência, uma larguíssima, margem para permitir a cultura da beterraba sacarina no nosso país sem prejuízo das nossas províncias ultramarinas.
Acrescentarei mesmo que o consumo do nosso mercado passou de 69:000 toneladas em 1945-1946 para 95:000 em 1949-1950 e 110:000 em 1950-1951. De maneira que este aumento de consumo nacional e o próprio aumento de consumo das nossas províncias ultramarinas, que, com o seu extraordinário desenvolvimento, virão certamente favorecendo o aumento da nossa capitação de consumo, que ainda é das mais baixas do Mundo - cerca de 11 a 12 quilogramas por ano -, permitir-nos-iam encontrar a solução desejada.
Portanto, não há dúvida que a produção entre nós de alguns milhares de toneladas de açúcar de beterraba teria uma influência extraordinária na nossa economia agrícola, facilitaria o nosso abastecimento, podendo funcionar como fundo de maneio, que seria um auxílio precioso nas circunstâncias difíceis em que já nos debatemos na última guerra, em que um simples atraso de um navio ou qualquer embaraço no seu carregamento era bastante para interromper ou demorar o abastecimento do público.

O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu acho tão interessantes as considerações de V. Ex.ª que não quero deixar de fazer uma ligeira nota.
Esse problema do uso da beterraba sacarina é um problema que tem sido posto várias vezes e que tem defensores e detractores. E há uma questão que V. Ex.ª certamente conhece, mas que não citou, e é a da importância que teria a cultura a beterraba entre nós, pois que, sendo uma cultura óptima: do Norte da Europa, teria óptimas condições no nosso Noroeste. Considero essa cultura fundamental para se obter todo o açúcar necessário, além do consumo directo, que, como todos sabemos, tem entra nós um teor muito baixo para a indústria de conservas, a qual é fundamental também para que possa haver uma cultura pomareira industrial e a qual se não pode manter sem o aproveitamento dos frutos que não são consumidos em fresco, directamente, e que, pelos factos apontados, estamos impossibilitados de realizar. Daí resultam dois inconvenientes: o de se não poderem fazer conservas para consumo nacional e para exportação, e ainda o de se não poder explorar a indústria dos sumos, para o qual a produção de açúcar é fundamental. Considero, pois, este problema da maior importância.

O Orador: - Agradeço as considerações que V. Ex.ª acaba de fazer. Eu não tinha visto case aspecto do problema que V. Ex.ª acaba de demonstrar brilhantemente; todavia eu tinha visto outros que com ele estilo ligados. Trazendo aqui este problema, concorri com a minha achega a este momentoso assunto, pondo consideração da Assembleia e do Governo um problema que, interessando profundamente à nossa economia e dentro dela especialmente o abastecimento teria o condão de trazer aos trabalhadores da terra e nomeadamente aos do Alentejo, concorrendo para o sucesso necessário das obras de hidráulica agrícola, uma cultura sedutora com larga ocupação de mão-de-obra, cujos subprodutos industriais concorrem também para a melhoria da nossa população pecuária o traduzindo-se no movimento de rotação necessário num aumento da produção do trigo, que julgo desnecessário encarecer.
Uma região grande produtora de trigo é a do Norte da Europa, onde, como se sabe, se cultiva a beterraba. Na primeira grande guerra, e por virtude dela, tendo diminuído o cultivo, a beterraba não se produziu com a intensidade habitual; paralelamente a produção do trigo também decaiu enormemente.
Penso que vale a pena integrar este problema no programa de reconstituição económica futuro e encarar a instalação de uma ou duas fábricas cuja capacidade de laboração limitaria a quantidade de açúcar a produzir no nível necessário e conveniente. Desta maneira, julgo que seria possível rapidamente estarmos aptos a encarar com optimismo o futuro próximo.
Ainda no capítulo de consumo, o que atrás afirmei, com respeito à necessidade da existência de stocks, pressupõe a possibilidade de armazenamento, que, suponho, para muitos produtos da terra e em quantidades substanciais não estamos em condições de realizar.
Por outro lado, embora os críticos não gostem da construção de edifícios, o certo é que a mão-de-obra da construção civil tem de ser empregada, é preciso garantir-lhe trabalho. As adegas, os armazéns, os silos, onde se guarda o que porventura exceda no tempo das vacas gordas para ser consumido no das vacas magras, seria uma obra largamente reprodutiva capaz de nos evitar vultosos prejuízos, até mesmo no decorrer do ciclo normal das colheitas. Foi aproximadamente nesta ordem de ideias que tanto a França como a Itália recorreram ao Plano Marshall para construírem instalações, adquirirem tractores e pulverizadores para o amanho o tratamento das suas vinhas e ainda para obterem fundos para a construção de adegas cooperativas. Apesar do seu adiantamento técnico, não tergiversaram em aperfeiçoá-los ainda mais. E nós, que temos 80 por cento de pequenos vitivinicultores cuja produção não vai além de 5 pipas, nós que, apesar doa esforços realizados pela Junta Nacional do Vinho, precisamente pela razão

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daquela excessiva pulverização da propriedade, não temos possibilidade de realizar progressos sensíveis, aliás absolutamente indispensáveis, a não ser através das adegas cooperativas?
Que eu saiba, Sr. Presidente, não se fez qualquer tentativa para recorrermos ao Plano Marshall com o fim de construirmos mais adegas cooperativas. É certo que a Junta Nacional do Vinho construiu já catorze adegas cooperativas, que podem fabricar e armazenar 50:000 pipas de vinho, e tem em construção outras que podem armazenar mais 20:000 pipas.
É para as possibilidades da Junta um esforço notável e inteligente, mas, quando consideramos que a nossa produção é normalmente de 2 milhões de pipas, verificamos que estamos muito longe da meta a atingir e que essa aspiração não pode de modo nenhum ser realizada com os recursos normais da Junta Nacional do Vinho.
Se não o fizermos, recorrendo ao Plano Marshall ou por qualquer outro processo, deixar-nos-emos distanciar por tal forma dos outros países vinícolas que dificilmente nos mercados mundiais, onde a luta e a concorrência são cada vez mais ásperas, poderemos ombrear com eles.
E não nos esqueçamos de que o vinho é um dos nossos melhores valores económicos, dentro como fora do País.

O Sr. André Navarro: - Tenho a impressão de que V. Ex.ª é partidário da constituição dessas adegas cooperativas com o objectivo de reduzir o custo de produção. Gostaria de ser esclarecido se de facto essa política está de acordo com a daqueles que pretendem realizar a extensificação da cultura vitícola na zona de encosta. Pergunto se a orientação que convém imprimir à nossa viticultura será no sentido de uma política estreita de qualidade ou de uma. política em quantidade e se, numa política de qualidade, devemos ir para ia adega cooperativa ou se devemos antes manter-nos naquele aspecto tradicional que fez grandes algumas regiões da nossa tenra.

O Orador: - A esse respeito tenho a fazer a seguinte observação: o nosso país tem em número muito limitado os terrenos bons, ao passo que as encostas e terrenos pobres são em maior número.
Portanto, se vamos para uma produção de quantidade, teremos em pouco tempo liquidada a grande maioria dos proprietários de terrenos de encosta.

O Sr. André Navarro: - Estou de acordo com V. Ex.ª

O Orador: - Pelo que respeita ao programa anterior, julgo que, evidentemente, temos de continuar a obra hidroeléctrica -suponho que é um assunto que não sofre discussão - e o repovoamento florestal. Uma e outro influem poderosamente na nossa economia; as obras de hidráulica agrícola, cuja lei, no que respeita à sua estrutura financeira e fiscal, deve ser revista à luz da experiência e dos conhecimentos adquiridos. Que nada disto, porém, nos impeça de completar a nossa rede de estradas e que dediquemos toda a nossa atenção a melhorar, por todos os meios, as condições de vida da população, porque esta é a maior riqueza da Nação e tudo quanto gastemos com ela será largamente reprodutivo.
E, porque falo na nossa população, sempre crescente, pergunto se não é tempo já de encararmos a sério, embora cautelosamente, o problema da colonização das nossas províncias ultramarinas, objectivo que se enquadra perfeitamente num plano futuro de reconstituição económica.
Assunto de tal magnitude necessita de um estudo especial, que poderá ser feito através do aviso prévio apresentado pelo nosso colega Dr. Cândido de Medeiros.
Não poderemos continuar, Sr. Presidente, impassíveis perante o crescimento contínuo da nossa população, cuja vida económica começa a ressentir-se por esse facto, nem esquecer as nossas conveniências e obrigações de nação colonizadora.
Estou porém certo, Sr. Presidente, que, com o muito que aprendemos nestes quinze anos, em que tanto se fez, será possível prosseguir, com melhor aproveitamento, essa obra admirável e fecunda de reconstituição nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Este debate continuará na sessão de amanhã como ordem do dia.
Antes, porém, de encerrar a sessão vou submeter à deliberação da Assembleia o pedido do Governo dos Estados Unidos da América para que lhe sejam concedidas duas propriedades em Lourenço Marques para instalação dos seus. funcionários consulares. Este pedido já tem parecer favorável da Comissão do Negócios Estrangeiros desta Câmara.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai proceder-se à votação.

Submetido à votação, foi autorizado.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, tendo por ordem do dia a continuação do debate sobre a execução da Lei de Reconstituição Económica.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Délio Nobre Santos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
António Júdice Bustorff da Silva.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.

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Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Pareceres da Comissão de Legislação e redacção a que o sr. presidente se referiu no decorrer da sessão de hoje:

Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Pela sua carta- de 9 do corrente informa o Sr. Deputado General Francisco Higino 'Craveiro Lopes que ia ser (nomeado comandante da 3.ª Região Militar, pelo que não poderia assistir às sessões desta Assembleia, uma vez que não lhe é permitido ausentar-se da área da região que vai comandar.
A imprensa diária oportunamente tornou público que o mesmo Sr. Deputado já tomou posse daquele comando.
Ouvida esta Comissão sobre os efeito de tal nomeação quanto à subsistência do mandato, emite o seguinte parecer:
O artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição Política estabelece o princípio geral de que importa perda de mandato para os membros da Assembleia Nacional aceitar do Governo emprego retribuído ou comissão subsidiada.
A este princípio estabelece, porém, algumas excepções do § 1.º do mesmo artigo, entre essas excepções contam-se, sob a alínea a), as missões diplomáticas temporárias e as comissões ou comandos militares que não importem residência fora do continente.

Ora a sede da 3.ª Região Militar é em Tomar. Por isso a Comissão de Legislação e Redacção é de parecer que, nos termos da excepção consignada na referida alínea a) do § 1.º do artigo 90.º da Constituição, a nomeação daquele Sr. Deputado para comandante da 3.ª Região Militar não importa a perda do seu mandato.

Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 20 de Fevereiro de 1951. - Maria de Figueiredo.

Foi votado por unanimidade.

«Lisboa, 9 de Janeiro de 1951. - Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que, devendo ser nomeado para assumir o comando da 3.º Região Militar, não me é possível continuar a fazer parte do alto órgão da Administração a que V. Ex.ª preside.
Nestas condições, roga a V. Ex.ª se digne ordenar as providências que forem julgadas convenientes para regularizar a minha situação nessa Assembleia em face das novas funções militares, que não me permitem ausentar da área da região que vou ter a honra de comandar.
Creia-me, Sr. Presidente, de V. Ex.ª, At.º, V.or e M.to Obg.do, Francisco Higino Craveiro Lopes».

Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - O Sr. Deputado José Maria Braga da Cruz comunica, na sua carta de 24 de Novembro último, que foi nomeado juiz do Tribunal de Contas por portaria de 23 do mesmo mês, publicada no Diário do Governo, 2.ª série, do dia seguinte. Comunica também o mesmo Sr. Deputado que já tomou posse do cargo para que foi nomeado.
Quanto aos efeitos da nomeação sobre o mandato daquele Sr. Deputado, emite a Comissão de Legislação e Redacção o seguinte parecer:
Da portaria atrás referida verifica-se que a nomeação foi feita nos termos da primeira parte do § 1.º do artigo 1.º do Decreto n.º 22:257, de 25 de Fevereiro de 1933, com a redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37:185, de 24 de Novembro de 1948.
Ora daquelas disposições legais verifica-se que o Tribunal de Contas é composto de um presidente e mais sete juizes, todos de serventia vitalícia e nomeados pelo Ministro das Finanças.
Estamos assim em presença de uma nomeação abrangida pelo artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição Política, segundo o qual importa perda de mandato para os membros da Assembleia Nacional aceitar do Governo emprego retribuído ou comissão subsidiada.
A este preceito só fazem excepção os cargos referidos no § 1.º do mesmo artigo 90.º, mas, porque nenhuma de tais excepções se verifica, a Comissão de Legislação e Redacção é de parecer que o Sr. Deputado José Maria Braga da Cruz perdeu o mandato.
Observa-se que esta Comissão já emitiu parecer no mesmo sentido, publicado no Diário das Sessões de 20 de Março de 1948, quando foi nomeado juiz do mesmo Tribunal o antigo Deputado Manuel de Abranches Martins.
Nota-se igualmente que sobre esse parecer a Assembleia Nacional votou a perda de mandato daquele Deputado na sessão de 2 de Abril de 1948.

Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 20 de Fevereiro de 1951. - Mar w de Figueiredo.

Foi votado por unanimidade.

«Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª, para os devidos efeitos, que, por portaria de 23 de Novembro de 1950, publicada no Diário do Governo n.º 274, 2.ª série, de hoje, fui nomeado juiz do Tribunal de Contas, cargo de que nesta data tomei posse.
Apresento a V. Ex.ª as minhas melhores saudações e cumprimentos e subscrevo-me com a mais elevada consideração.

Lisboa, 24 de Novembro de 1950.-José Maria Braga da Cruz».

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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