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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73
ANO DE 1951 23 DE FEVEREIRO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 73 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 22 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 71.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Amaral Neto mandou para a Mesa um requerimento e o Sr. Deputado Manuel Domingues Basto usou de palavra para chamar a atenção para determinados abusos cometidos por companhias de electricidade em propriedades pertencentes a particulares.
Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral sobre a Lei de Reconstituição Económica.
Usaram da palavra ou Srs. Deputados Pinto Barriga, Matos Taquenho e Proença Duarte.
O Sr. Presidenta encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se, a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso E mico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
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Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Cosia.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior
Manuel Marques Teixeira
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 71.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este Diário, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o
Expediente
Exposição
Dos ajudantes de notário, com referência à reforma dos serviços de registo o do notariado, pedindo sejam respeitados os seus direitos adquiridos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Amaral Neto.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro que, pelos Ministérios do Exército e do Interior, me sejam dadas informações de quanto despendeu o Estado, por verbas ordinárias e extraordinárias e no período de 1935 a 1950, em compras de solípedes para o Exército e para a Guarda Nacional Republicana, com discriminação, ano por ano, das espécies, número de cabeças adquiridas e importâncias despendidas respectivamente no Pais e no estrangeiro.
Mais roqueiro que os mesmos Ministérios informem das razões da forte preferência ultimamente dada a gado estrangeiro, sobretudo cavalar, que tem alarmado os criadores nacionais».
Tenho dito.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: a minha intervenção de hoje será curta, rápida, em estilo telegráfico, como o exige o recomeçar dos trabalhos da Assembleia Nacional, que não permite se tome com as intervenções de antes da ordem do dia mais do que o tempo indispensável para cada assunto.
Creio que o direito de propriedade não está ainda abolido em Portugal e que, por isso, se não justificam os abusos que contra esse direito se cometem, mais a pretexto do que pela razão de a propriedade ter uma função social a cumprir e o exercício desse direito dever subordinar-se ao bem comum e ao interesse colectivo.
Há certas companhias de electricidade que se julgam no direito de não ter em conta os legítimos interesses dos pequenos proprietários minhotos e que, acobertadas pela suprema razão de que a electrificação é um benefício colectivo, praticam toda a espécie de injustiças.
Têm elas sido frequentes, mas, porque recentemente se voltaram a repetir, entendo de meu dever chamar para o caso a atenção da Câmara e do Governo.
A carta que recentemente me enviaram, uma das muitas que à mão me têm chegado sobre o assunto, dará a VV. Exas., Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma ideia clara sobre o estudo da questão e sobre a extensão dos abusos praticados.
Diz ela: «Costuma V. levantar a sua voz em favor da lavoura. Creio que prega no deserto, mas é de admirar e louvar, ainda assim, a sua persistência. Uma omnipotente companhia de electricidade - e as outras fazem a mesma coisa-, quando procede a estudos ou vai abrir novas rotas nas bouças o pinhais para a passagem de linhas, não está com cerimónias. Entra nelas, mesmo que sejam fechadas, assenta seus aparelhos topográficos, corta o que estorva os seus também omnipotentes agentes e deixa uns papeluchos sem uma data, sem um timbre, sem indicar onde se há-de receber a indemnização, que fixa a seu talante..., e segue a vexar outro proprietário.
Ninguém se atreva a protestar, pois que a poderosa companhia ó tida como omnipotente, e sabe-se que são inúteis os protestos contra este método... de entrar, derrubar e seguir.
Os pretos, digo os proprietários, que se queixem depois, se quiserem, e que procurem receber o que se lhes quiser dar pelos estragos feitos.
Parece que não seria demasiado, num país em que o direito de propriedade é fundamental, que a omnipotente companhia e as suas congéneres previamente averiguassem onde precisam de instalar as suas linhas ou fazer serviços.
Depois, por não estarem em terreno conquistado e haver proprietários que o Estado bem conhece para deles receber as contribuições, delicadamente lhes faria aviso
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escrito, com oito dias de antecedência, para comparecerem, invocando a lei que autoriza o sacrifício que lhes vai ser imposto por utilidade pública, e marcando o dia e hora para essa comparência, a fim de os proprietários ou os seus representantes, munidos desse aviso, comparecerem no local, e ali, em terra bem sua, saberem o que é necessário.
Antes de se derrubar seriam os prejuízos avaliados, não unilateral e omnipotentemente pelos agentes da poderosa companhia, mas por acordo entre esta e o proprietário, recorrendo-se, em caso de necessidade para desempate, ao presidente da junta e ao regedor da freguesia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Haveria assim nessa avaliação um princípio de defesa e de justiça, que o proprietário não tem com o sistema de ter de ver chegar a caravana, derrubar e seguir... a fazer o mesmo a outro.
E para que nem tudo seja só proveito futuro para a omnipotente e poderosa companhia, a propriedade, assim desvalorizada, deveria ter ipso facto a contribuição predial diminuída e a poderosa companhia a contribuição aumentada na importância respectiva.
Seria o que há de mais sério e justo e libertaria o proprietário de continuar a ser vexado e prejudicado».
Até aqui a carta, Sr. Presidente. São tão claros os seus dizeres que eu podia terminar, limitando-me a dizer, usando da linguagem do povo, «que não é preciso pôr mais na carta».
Termino, porém, rogando ao Governo imediatas providências para casos desta natureza e reclamando, como é justo:
1.º Que as companhias de electricidade não possam invadir as propriedades sem autorização do seu legítimo dono e senhor.
O Sr. Ribeiro Casais: - Nem as companhias de electricidade nem nenhuma outra!
O Orador: - 2.º Que avisem, com antecedência bastante, o proprietário do dia e hora em que precisam de entrar na propriedade e lhe apontem a lei e o motivo de utilidade pública;
3.º Que a avaliação dos prejuízos se faça bilateralmente, ou seja entre o proprietário e a companhia, com desempate, sendo necessário, pelo presidente da junta e regedor da freguesia;
4.º Que a importância da desvalorização seja descontada na contribuição predial do proprietário e lançada na contribuição industrial da companhia.
Assim se respeita e garante o legitimo direito de propriedade e cumpre esta a função social que lhe anda inerente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio, apresentado pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral, sobre a execução da Lei de Reconstituição Económica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: sucinta vai ser a minha intervenção, mais para desfazer um mito do que propriamente para abordar em largueza e profundidade o problema da ordem do dia. O mito a que me quero referir é o da electricidade barata.
A realidade económica é totalmente diferente. O problema hidroeléctrico português resolveu-se técnicamente por mãos o capitais lusitanos - isto é patriòticamente consolador para o nosso orgulho -, mas financeira e administrativamente não foi um tão bom negócio como se imaginou.
Micro e macroeconòmicamente falando, dele resultou uma certa congelação de capitais auridos no seu mercado normal, precipitou e condensou uma crise do investimentos, planejou-se isolada e antecipando-se a uma planificação industrial, bem estruturada economicamente, mas redificultada pela súbita alta asfixiante de juros.
Não se compreendeu que uma coisa era a produção e outra era o transporte e a distribuição - façamos um pequeno hiato na exposição para relembrarmos o meu velho exemplo da água de Castelo (honni soit qui mal y pense) que na origem, na fonte, é quase gratuita, mas que a distribuição encarece - que a amortização do equipamento e das linhas distributivas de força torna onerosas.
Só se podia realizar, sem graves consequências para o custo do produção, esponjando os capitais necessários, não no mercado normal, mas nuns fundos relativamente congelados como teriam sido bem aproveitados se se tivesse feito a imobilização dos capitais volframistas.
Só a utilização de capitais baratos permitiria tarifas adequadas às possibilidades económicas da electroquímica e da electromotalurgia, uma boa utilização para a iluminação pública e doméstica e, finalmente, a sua ruralização com baixas tarifas; de outra forma estas finalidades entrechocar-se-iam, não se hierarquizando as tarifas em torno da sua utilidade social, arpoando-se umas às outras, parasitando-se.
Dificilmente, sob o ponto de vista económico, se defende uma indústria que não pode fazer stockayem, com perdas substanciais nas Unhas distributivas de força, com o consumo exigente de horas e dias de ponta, mas com necessidade imperiosa de reservas e agrilhoadas aos locais do consumo.
Fez-se uma improvisação planificada, foi um sonho realizado de engenharia, mas transformou-se num grande pesadelo para o economista.
Não se obteve a noção exacta, para a melhor rentabilidade e produtividade económica, da máxima potencialidade desejável e da média provável e localização do consumo.
Talhou-se em grande para um consumo de migalhas. Recearam-se importações anuais de combustíveis para não se amedrontarem com as cifras elevadas do equipamento das hidrocentrais.
Equipou-se para uma grande indústria, mal delineada em planejamentos de mera imaginação.
Foi uma visão, ilusão tarifária, que a realidade económica veio dissipar.
Esta é a percutante realidade que as mãos dextras do Sr. Ministro da Economia têm de resolver com as suas reconhecidas qualidades de inteligência, de energia e de honesto bom senso.
Previsões desencontradas de equipamento, de consumo, de preço de produção e de venda.
Não se equacionou o problema em função do consumo e dos seus locais prováveis e do mercado ordinário das disponibilidades financeiras, não se aproveitou o surto volframista para o congelar e o segundo e actual que desponta parece também não querer ser aproveitado.
Sonhou-se com uma economia hidroeléctrica de baixas tarifas e acabamos por acordar em plenas altas tarifas,
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contabilìsticamente quase irredutíveis, com um consumo diminuto das indústrias que podem pagar e sem as possibilidades de redução substancial para as indústrias, como a electroquímica, que só podem viver com preços limitados de corrente.
O Sr. Sebastião Ramires: - V. Ex.ª põe o problema às avessas. As indústrias que não podem pagar são aquelas que não existem.
O Orador: - Se isto acontece é por falta de planejamento adequado.
Na hidro a remuneração de capital investido pesa mais do que o restante custo de produção, enquanto na térmica o rendimento do capital é menor em relação e proporção das outras despesas que entram no custo de produção.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Tenho precisamente no ouvido que V. Ex.ª afirmou que o que vai agravar o preço da energia não é o custo da distribuição, mas sim o da produção,
O Orador: - Eu não afirmei isso, pois desde o princípio que digo que o custo da produção da energia hidroeléctrica ó mais barato do que o da térmica e o que a encarece é o transporte e a distribuição, agravadas capitalisticamente.
De facto, a produção é relativamente barata na energia hidroeléctrica, mas não nos devemos esquecer de que ela exige grandes capitais de investimento, está ligada a distribuição e ao transporto o que, por pior localizada, ocasiona maiores despesas.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas V. Ex.ª o que estava a dizer é que se fizeram investimentos na produção que encareceram a energia.
O Orador: - Peço desculpa a V. Ex.ª, mas eu não disse isso.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Então era eu que estava equivocado.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª os seus apartes, mas fui, talvez, eu que não me expressei muito claramente. Porém, o que eu não posso deixar de dizer é o seguinte: como o capital tem de ser muito maior na produção hidroeléctrica do que na térmica, há um investimento de capital muito maior na primeira do que na segunda; este investimento pesa no baixo custo de produção hídrica, enquanto na térmica, que tem maior preço, esse peso não se sente tanto.
O Sr. Magalhães Ramalho: - Mas, apesar disso, o preço de custo do kilowatt hidroeléctrico posto em Lisboa anda à roda de $35, ao passo que o da energia térmica deve oscilar entre $50 e $55. Isto diz tudo.
O Orador: - Mas não para o consumidor.
O custo da produção térmica é muito mais caro, mas o capital investido na produção hidroeléctrica é que tem de ser muito maior.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O que se pretende saber, afinal de contas, aqui, ó o preço do custo num o noutro caso.
O Sr. Magalhães Ramalho: - O que é fundamental não deixar confundir é que os custos da energia em alta tensão não são os responsáveis pela energia cara em baixa, mas sim o fraco volume desta, quando vendida, não permitir a diluição dos encargos gerais da distribuição de porta a porta, que são pesados.
O Orador: - O que mo interessa é o ponto de vista do consumidor e da totalidade dos investimentos nessa economia que pesam no conjunto económico português.
Claro que o custo da energia térmica é muito mais elevado que o da energia hidroeléctrica.
Mas, continuando, devo dizer que se trata de uma bela obra, e foi isto que eu tive o cuidado de afirmar em primeiro lugar; depois fiz a referência, bem clara, que, de facto, podemos e devemos cuidar, na medida do possível, de baixar as tarifas.
As tarifas hão-de necessariamente proteger os economicamente débeis, facilitar o emprego da corrente barata para o artesanato, maleabilizar-se para os remediados e para os ricos, de modo a permitir uma crescente utilização de aparelhagem que dê uma nota de civilização e progresso; permitir a criação de uma grande indústria electroquímica e de uma eficiente iluminação pública.
Produção, transporte e distribuição são três problemas que deviam ser economicamente integrados num só, mas que se encontram separados por necessidades capitalistas, em detrimento do consumidor.
Resumindo: o problema foi mal resolvido na macroeconomia, sem um planejamento industrial correspondente, e, na microeconomia, a questão repõe-se em tais termos que não poderemos saber se para essa resultou benéfica a mudança da térmica para a hidro. A sequência dos anos hidrográficos o dirão, se é que já se estabeleceu o início para o ano hidrográfico português...
Na mobilização industrial, que se discute na ordem do dia, louvo o conseguido, mas no juízo económico dos valores obtidos proporcionaria e hierarquizaria de outra forma o despendido, mais cingido à sua utilidade produtiva o mais afastado de uma certa ostensividade de despesas um tanto sumptuárias.
Aqui renovo as justíssimas homenagens que tive o prazer e honra de prestar ao Sr. Presidente do Conselho, e ao seu autorizado relatório, aquando da discussão da última Lei de Meios.
Que melhor elogio posso fazer à iniciativa deste aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Amaral que louvar-me no que ele disse para não o repetir? Os estudos do Sr. Engenheiro Araújo Correia, em que também me louvo, dispensam-me, de certa maneira, de mais considerações.
Ao discurso do Sr. Deputado Melo Machado, que tanto considero e estimo pelo inteligente bom senso com que aborda todos os problemas, quero dar toda a minha inteira adesão, e também ao que projecta acerca da beterraba sacarina, que talvez, de futuro, pudesse servir terapêuticamente de insulina para um certo género de «coma diabético penal», que injustificadamente tomou quase carácter maligno político e que ocupa, neste momento, patologicamente a opinião pública.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Matos Taquenho: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Mendes do Amaral, antes de terminar a vigência da Lei n.º 1:914, sentindo toda a sua importância e a necessidade de assegurar a continuação dos trabalhos que ela se propunha realizar, anunciou que dela desejava ocupar-se em aviso prévio.
Circunstâncias ocasionais impediram que então realizasse o seu objectivo, e o Governo decidiu mandar organizar relatórios pelos Ministérios que deram execução àquela lei, os quais foram apresentados a esta Assembleia, precedidos de uma síntese do Sr. Presi-
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dente do Conselho, no final da qual diz ser conveniente que tão importante assunto seja largamente debatido.
Encontramo-nos, pois, aqui para procurar dar algumas achegas, que fracas serão, mas a circunstância de sermos eleitos por um dos círculos que fora de dúvida se encontra na zona mais atrasada de Portugal continental, não nos pode dispensar de dar algum contributo, embora fraco.
Pensando que não vale grandemente a pena discutir detalhadamente o que já constitui passado, embora recente, faremos uma rápida análise, que nos permita tirar algumas conclusões, com vista ao futuro, que é o que interessa.
No seu conjunto a lei em discussão representa um triunfo da política financeira do regime. Ao longo de quinze anos o Ministério das Finanças, paralelamente com as despesas ordinárias, assegurou as dotações para execução das despesas extraordinárias, que se cifram em mais de 12.000$000 de contos.
E não é demais que se repita que nem sempre assim foi, para que os novos de 30 anos se não convençam de que sempre assim vivemos. Os que já completaram 50 anos de existência, os que conheceram e puderam sentir o descalabro a que chegara a situação moral e material do País, os que não esqueceram essas dezenas de anos, em que apenas se falava do passado glorioso para justificar o direito à existência num presente vergonhoso, tão de sentir-se não só maravilhados, mas reconhecidos à Providência.
De «reconstituição económica» foi chamada esta lei, mas não nos parece justo que assim deva ser designada.
O n.º 1.º da base I tira-lhe desde logo esse característico único e nas alíneas do n.º 2.º da mesma base há, pelo menos, três que manifestamente não têm esse objectivo.
Vasto era o programa a realizar, vasto tinha de ser. Definido em linhas gerais, era omisso em pormenores. A sua análise mostra bem que tudo estava por fazer.
Se nos situarmos em 1933 pura fazer uma apreciação da forma como o Governo deu aplicação às autorizações da Assembleia, facilmente verificaremos que o espirito da lei foi integralmente respeitado, o que não significa que não tenhamos algumas discordâncias com pormenores que absorveram largas verbas, dispensáveis naquele momento de desafogo financeiro, mas muito longe da época joanina.
Reportando-nos à verba global de 12.918:000 contos referida pelo Sr. Presidente do Conselho, vejamos como se comportaram, em percentagem, as verbas despendidas. Obteremos números aproximados, dada a falta de uniformidade na elaboração dos relatórios e a reconhecida repetição de verbas em mais de um deles:
Percentagens
Defesa nacional ................ 35
Fomento económico .............. 33
Crédito colonial e empréstimos . 10
Melhoramentos urbanos .......... 6
Instrução e cultura física ..... 5
Saúde pública .................. 5
Acção social ................... 3
Construções prisionais ......... 1,2
Património histórico o religioso 1
Missões diplomáticas ........... 0,4
Agrupados os dispêndios sob esta nomenclatura, verifica-se que o Governo respeitou inteiramente o espírito da lei. A defesa nacional, o fomento económico e o crédito colonial absorveram quase 80 por cento da verba global.
Entendemos ser justo prestar homenagem àqueles que tiveram de desbravar os caminhos para aquelas realizações, vencendo uma a uma dificuldades sem conta que se levantavam e careciam de solução, quantas vezes dependentes de outras que ainda não estavam estudadas (apoiados). Limitamo-nos a apreciar a obra no seu conjunto, dentro das possibilidades humanas e tendo de enfrentar a índole e tendências de tantos.
Nos grandes esforços para materializar as ideias que depois deram lugar aos planos e finalmente às obras foi possível, em determinados casos, ver os conhecimentos técnicos da nossa engenharia, e quantas vezes esta pressentiu, e depois verificou, que nem tudo que luz é ouro e que a sua modéstia de técnicos não experimentados ainda era um alto valor ao serviço da Nação.
Nesta guerra de quinze anos ao atraso nacional podo dizer-se que se perderam algumas batalhas, mas o que importa, considerado o ponto de partida, é que as resultantes são a favor e que nos encontramos hoje armados, não só com uma experiência que então não tínhamos, mas ainda com realizações positivas, que não prejudicam as finalidades superiores que se procuravam atingir.
Pagámos a aprendizagem, não lia dúvida, pagámo-la com técnicos nacionais, mas ficou-nos no País uma reserva de conhecimentos que não havia.
Perdemos tempo precioso para outros objectivos e gastámos verbas que poderiam ter tido aplicações mais conformes com imperiosas necessidades nacionais; é uma verdade que, se não foi geralmente reconhecida em 1935, e é hoje por todos que se debruçam sobre os problemas que mortificam a velha Europa, e em especial Portugal continental e imperial.
Por muito discutidos, não deixaremos de fazer especial referência ao restauro de monumentos nacionais, castelos, igrejas e comentos.
Restaurámos os castelos de Portugal?
Prestámos apenas a homenagem devida aos nossos maiores, aos que nos legaram a Pátria, que temos o d tiver de continuar, aos que escreveram as páginas sem par da nossa história; os castelos, cujas pedras venerandas guardam o vozear dos que congeminaram e realizaram a epopeia da formação do território nacional, as paredes que suportaram e aguentaram as escaladas do castelhano e do mouro. Eles são o traço de união entre o presente e o passado longínquo, padrões que atestam o esforço ingente da Baça, que é necessário conservar como documentário de mm direito à eternidade da Pátria.
O Sr. Melo Machado: - Quer isso dizer que, graças a Deus, não somos apenas homens de negócios, mas também homens capazes de relembrar e conservar o passado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Muito obrigado! É isso mesmo, e eu mais adiante tiro exactamente essa conclusão.
Restaurámos conventos e igrejas?
Como poderia ser de outra forma, sem continuarmos a negar o que sempre fomos, a fonte de espiritualidade onde desde o alvorecer da nacionalidade fomos buscai-as energias e o fim da nossa expansão universalista? Mais de um século de negação do que fizera a nossa grandeza, do direito a não se querer viver uma vida materialista apenas, carecia de pronto remédio, de pronta realização.
Gastou-se e gastou-se bem, não só nos templos vetustos, glorificação da arte sacra, salvando-se um património artístico e moral, mas ainda, e muito bem, os modestos templos, as capeias disseminadas pelo território nacional, que alvejam de novo, dando alegria às almas devotas e enobrecendo a paisagem pela sua presença
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redimida de um abandono pecaminoso. São despesas para glorificação da Cruz do Redentor, da cruz que levámos a todos os mores do Mundo, da cruz por que nos batemos há mais de oito séculos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Aqui aios distanciamos dos que realizam apenas uma obra material. Aqui encontramos a nossa própria espiritualidade, que não poderia compreender uma sem a outra face deste magno problema nacional.
Ressurgir sim, mas ressurgir em todos os campos onde o ressurgimento se tornasse necessário.
Sr. Presidente: em 1951 temos um mundo novo em relação ao de 1935, que nos aperta, que nos força a encarar de frente e a resolver os problemas mais instantes desta hora de incertezas.
Em 1935 o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia mostrou claramente como visionava as necessidades fundamentais da, Nação e como as definiu na sua proposta de lei.
A Assembleia não atendeu os seus propósitos e o Governo entendeu não merecer atenção a forma preconizada para estabelecer a coordenação e revisão dos planos de fomento económico. E foi pena, porque o organismo preconizado teria prestado altos serviços.
Continuamos a reconhecer a necessidade de um organismo de coordenação. Em apêndices aos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado o seu ilustre relator, com clareza sempre maior, tem evidenciado que se tornava necessário mudar o sentido da marcha. E continua a ter razão.
Nesta encruzilhada, consumidos os grandes saldos de gerências anteriores, sem grandes possibilidades de recursos a empréstimos internos e não sendo elevados os excessos das receitas sobre as despesas, o plano de prosseguimento de trabalhos terá de ser muito mais modesto, e por isso mesmo a aplicação das verbas convenientemente ponderada.
Está certamente aberto o caminho à utilização de capitais estranhos, mas não seria menos agradável que, mais uma vez, os recursos internos bastassem, desejo bem compreensível depois da resposta que os delegados portugueses receberam na falecida Sociedade das Nações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Vivemos uma época perturbada, em que o social é preocupação de primeira grandeza, mas este, para melhorar, carece de uma base económica suficientemente forte.
Se para melhorar a economia continental, durante os últimos quinze anos, gastámos, só pelas despesas extraordinárias, cerca de 33 por cento de 12:918 milhares de contos, como atrás dissemos, e se, não obstante, já tivemos ocasião de nesta Assembleia verificar que as zonas onde os problemas sociais mais gravidade apresentaram foram as regiões agrícolas em que predomina a monocultura em sequeiro, somos levados a concluir imediatamente que esta zona do País merece especial atenção, porque os dispêndios efectuados não lograram melhorar uma situação que continua com carácter endémico.
Por outro lado, são as regiões do País que se encontram mais atrasadas onde, por virtude de factores naturais vários, as vantagens que a civilização hoje oferece ainda são mal conhecidas e muito poucas lá chegaram.
E, na verdade, desolador verificar que há profundo desnível no desenvolvimento da zona compreendida entre o Tejo e o Algarve, comparada com o resto do País. No entanto, ali também vivem portugueses, ali também se pagam contribuições, também se dão soldados u Pátria, também se luta pura manter una a Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: os homens que vivem na terra, que dela procuram tirar o seu sustento, que a arrotearam e transformaram naquilo que durante anos foi chamado o celeiro do País, não aprenderam a pedir, porque ancestralmente sentem como que um fatalismo que os liga estreitamente à natureza, porque dela dependem, e não acreditam que os outros homens sejam capazes de se interessar pela sua sorte.
Não obstante, ainda não deixaram de cumprir com o seu dever de fazer produzir a terra e depois entregar quanto lhes tem sido exigido para o bem comum, tendo-se até chegado a reduzir as capitações tradicionais de alimentos basilares, como se a alimentação do campo fosse idêntica à da cidade.
Habituados a pisar a terra, a olhá-la com enlevo de namorados permanentes, quando levantam os olhos é para o Céu, quer seja para agradecer as benesses de um ano bom ou regular, quer para implorar melhores dias, que cubram os prejuízos resultantes dos anos maus. E este fatalismo, Sr. Presidente, não é uma inferioridade: é corolário de realidades seculares.
Será necessária a lanterna de Diógenes para descobrir o homem que possa quebrar o círculo vicioso em que se debate o Alentejo e lhe dê as possibilidades de alimentar a sua escassa população sem crises periódicas de desemprego forçado?
Mesmo sem a lanterna o problema já tem solução, mas precisa que sobre ela se faça luz intensa e que a sua importância seja reconhecida entre as fundamentais para o desenvolvimento do País e que sejam empregados os métodos já experimentados e provados em outros países.
Os distritos de mais baixa densidade populacional do continente são: Beja, Bragança, Castelo Branco, Évora e Portalegre, com 25 a 50 habitantes por quilómetro quadrado, os quais, sem se compararem com os mais densamente povoados de Lisboa e Porto, se afastam muito dos de Aveiro e Braga, compreendidos entre 150 e 200 habitantes.
Quanto às suas superfícies, podem avaliar-se em ordem de grandeza, comparando-os com o território continental, situando-se, em percentagem, da seguinte forma: Beja, 11,2; Bragança, 7,1; Castelo Branco, 7,3; Évora, 8,1; Portalegre, 6,7; portanto, mais do dobro dos de Aveiro e Braga, apenas com 2,9 e 3 por cento do continente.
A área, da cultura do sequeiro constitui cerca de uma terça parte da área de Portugal continental, é permanentemente a zona econòmicamente mais enferma, do País, o que lhe empresta situação especial para como tal ser considerada.
A tarefacção da sua população ocasiona as enormes distâncias entre os seus povoados, e daí todos os empreendimentos são influenciados por este factor e as populações fixas daquelas regiões desde longas datas lhe sofrem as consequências. O analfabetismo encontra aqui unia das suas várias explicações.
No recenseamento de 1940 ainda existiam percentagens assustadoras nos distritos de Beja e Castelo Branco, ambos com mais de 60 por cento.
É, não há dúvida nenhuma, uma região atrasada.
A população activa de Portugal continental e insular era em 1940 de 5.208:720 pessoas, ou seja 86 por cento da população presente maior de 10 anos.
Ao ramo agrícola dedicavam-se 1.419:134 pessoais, número este que mão permite uma comparação conve-
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niente para se verificar da importância ao economia, agrícola na população, geral do País.
Esta importância revela-se pela percentagem de varões activos ocupados na agricultura em relação ao total de varões activos e também pelo número de chefes de família ocupados na agricultura e das pessoas a seu cargo.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, em 1940 Portugal continental tinha as seguintes percentagens de varões activos:
Total de varões activos ... ... ... 79,7
Varões activos agrícolas ... ... .. . 51,9
Varões activos nas restantes actividades. 27,8
Por distritos as percentagens eram as seguintes:
[Ver Tabela na imagem]
Apenas nos distritos ao Lisboa, Porto e Setúbal não é dominante a actividade agrícola. Por outras palavras, quase dois terços dos varões activos do continente se dedicam a actividades agrícolas.
Os chefes de família da população activa agrícola representavam 56 por cento e, segundo a mesma estatística, eram os mesmos chefes de família que tinham maior número de pessoas a seu cargo, o que representa mais de metade da população de Portugal continental.
Não é, portanto de estranhar que, se a lavoura do sequeiro ainda depende exclusivamente do factor tempo, é precisamente naquelas regiões onde se verificam os maiores males económicos e, portanto, sociais.
Dado o baixo nível dos salários agrícolas, a capacidade de compra da maioria da população continental quase desaparece em face de condições climatéricas desfavoráveis para as culturas de sequeiro, que, repetimos, interessam a cerca ao um terço da área do continente. E não se insista mais uma vez em que o lavrador não quer pagar salários mais altos.
Aqueles que receberam e estudaram o inquérito ao custo da produção ao trigo, mandado em boa hora executar pela Federação Nacional, dos Produtores do Trigo, terão certamente corrigido a sua opinião, se ainda entendiam o contrário.
Em consequência, de nada valerá estimular indústrias que não estejam directamente ligadas à exploração da terra enquanto os problemas fundamentais da agro-pecuária não tenham sido resolvidos.
Está certamente no espírito ao todos que não basta elevar os preços dos produtos agrícolas para melhorar a economia das regiões que vivem da exploração da terra.
Haverá já possivelmente a certeza de que esta elevação criaria por sua vez um outro círculo vicioso, sem dar remédio aos problemas fundamentais. Não se incluem, bem entendido, aqueles produtos que quase sistematicamente são vendidos a preço inferior ao do custo ou sem lucro algum, o que ainda representa forte
encargo, dados os avultados capitais que a sua exploração obriga a investir.
O problema fundamental equaciona-se com muita facilidade.
Com densidade populacional muito diminuta, nos doze meses do ano, na generalidade, apenas há trabalho para cinco ou seis meses, onde as Jornas auferidas não consentem a constituição de reservas para as crises cíclicas de desemprego forçado.
Não obstante, em duas épocas do ano há trabalho intensivo, que obriga a recorrer a ranchos migratórios para que a faina agrícola se possa realizar.
Há, portanto, desequilíbrio entra a oferta e a procura de mão-de-obra. Toda a mecanização, necessária ao planeamento da produção, contraria gravemente a solução do problema social.
A falta dela leva a classificar o lavrador da rotineiro; o seu emprego faz com que seja avaliado como não compreendendo os seus devore humanitários para com os que vivam apenas do seu braço. Triste dilema o do rapaz, do velho e do burro ...
No entanto, forçada ou voluntariamente, já a lavoura experimentou largamente o significado de tentar minorar as agruras ao social e já nesta Assembleia o ilustra Deputado Nunes Mexia evidenciou em número e a sua incidência na economia agrícola.
Estamos convencidos de que o Estado Novo pode resolver este problema, que interessa h economia geral do País e, em especial, à economia de uma região tão vasta. Pode pôr-se o problema do volumoso dispêndio a realizar, pode pôr-se a questão de quantas gerações o deverão suportar; o que não pode é votar-se ao abandono, é fechar os olhos à realidade.
Será necessário fazer uma revolução nos espíritos que permita a aceitação desta necessidade imperiosa e em primeiro plano? Pois que se faça a revolução e o triunfo será certo ao fim dela.
Generalizou-se a ideia de que Portugal é um país pobre de solo a subsolo e, em consequência, não se pode lançar em largos empreendimentos.
Nas bases de avaliação da riqueza dos países, depois da descoberta da máquina a vapor, os valores fundamentais eram o carvão, de pedra e o ferro.
Os jazigos de petróleo e o motor de explosão destronaram o carvão mineral e alteraram os conceitos de riqueza. Por sua vez a hidroeléctrica concorreu grandemente para diminuir os consumos de carvão, do petróleo e seus derivados.
Não somos um país rico em carvões é muito menos em carvões ricos, mas algumas possibilidades temos, que parece não serem de, desprezar. Se ainda não podemos aquilatar das nossas existências em petróleo, tanto no continente como no ultramar, já estamos bastante adiantados nos conhecimentos das possibilidades energéticas dos nossos rios, calculadas em 9 biliões de unidades, e, consequentemente, podemos avaliar qual a força motriz que se desperdiça em cada ano pela água, que, inaproveitada, vai para o mar, depois de ocasionar assoreamentos, alagamentos de, zonas férteis o erosões graves, quanto estes males se poderiam evitar permitindo a navegabilidade de alguns rios importantes, produzindo muitos milhões de kilowatts da energia eléctrica e ainda desviando para a rega de alguns centos de milhares de hectares a água que hoje ocasiona os referidos malefícios.
Não é, necessariamente, a nossa competência técnica que nos abra horizontes neste, sentido; fazemo-nos eco daquilo que responsáveis em tão complexos problemas
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há anos vêm estudando e concluindo. São técnicos ao serviço do Estado quem o afirma; não nós, modesto conhecedor das agruras do sequeiro.
Temos, portanto, ao que parece, força motriz de valor muito importante, sem dependência de divisas para a sua aquisição.
Quanto ao ferro, parece que na realidade também não somos tão pobres como se tem feito acreditar. Se os números publicados no Boletim de Fomento Mineiro estão certos, só os jazigos, de Moncorvo devem guardar mais de 150 milhões de toneladas de hematite, com mais ou menos de 50 por cento de ferro, a curtos quilómetros do Douro, que parece aos técnicos ser possível tornar-se navegável. Mas não só os jazigos, de Moncorvo têm interesse; o mesmo Boletim refere a existência de outros de valor em Trás-os-Montes e no Alentejo.
Calcula-as que a exploração destes jazigos permita a exportação anual de 600:000 toneladas de hematites e a transformação em produtos siderúrgicos dentro do País de igual quantidade.
Da mesma forma parece estar demonstrado que a nossa modéstia em florestas não importa para obtenção de carvão Vegetal como elemento redutor. Em pequena escala, a fusão eléctrica já há anos ao pratica com significado económico na Europa, nas mais recentemente a América terá conseguido pelo mesmo sistema a obtenção de grandes unidades.
Daqui se há-de deduzir que nem o ferro nos falta para utilização interna e por seguinte sem dispêndio de cambiais, mas ainda para importação, e, evidentemente, com obtenção de divisas. Não seremos, portanto, um país pobre, no sentido referido; seremos talvez, antes, um país que até hoje não aproveitou as riquezas que a Providência generosamente colocou ao seu alcance.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A prosperidade dos estado Unidos, tão apontada e falada, não é apenas a consequência da riqueza do seu solo, subsolo e forte industrialização. Será porventura um aproveitamento integral das suas possibilidades, enquadradas num vasto plano de aproveitamento racional.
Sr. Presidente: julgamos que, na verdade, não há razão para desesperar por falta de meios para elevar o nível de vida nacional. Carecemos de um plano de conjunto que firmemente se execute, dando preferência ás soluções que possam com maior facilidade dar remédio aos males mais instantes e onde mais graves se apresentem
E voltamos ao Alentejo, aquela zona atrasada do País que já referimos, mas que é nosso berço e tem consequentemente direito aos nossos maiores carinhos.
0 Dr. Antunes Guimarães, que foi Deputado ilustre, quando Ministro, fez promulgar a lei dos melhoramentos rurais, conquistando não só um alto objectivo político (apoiados), mas uma grande realidade social. Quem vivo nu cidade, com vários meios de transporte colectivo, água e luz nas suas casas; habitações cómodas e modernas, higiénicas e arejadas, com estradas e caminhos de ferro que lhes permitem frequentar nos dias de descanso os arrabaldes, não pode avaliar o significado para as zonas rurais do marco fontanário na aldeia, o caminho vicinal, a estrada municipal que liga á sede do concelho, uma pequena calçada, quantas vezes uns pobres candeeiros de petróleo a atenuar o negrume da noite.
Se no seio do Governo estas necessidades tivessem tido o lugar próprio, as dotações para os melhoramentos rurais teriam tido outra amplitude e o desnível já referido não se teria acentuado tão profundamente.
Desde a lei do Dr. Antunes Guimarães para cá muito ao modificou em matéria de possibilidades dos organismos que haveriam de colaborar nos melhoramentos rurais e até mesmo a respectiva repartição diminuiu de cada orla, encontrando-se arrumada a um canto da amplitude que hoje tem a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização.
A iniciativa destes melhoramentos cabe, em especial, as câmaras municipais, que o Estado comparticipa. Elas, porém, viram-se impossibilitadas de dar execução da necessidades dos povos que administram, porque sucessivamente lhes foram sendo impostas maiores responsabilidades sem que os seus recursos tivessem aumentado na mesma proporção.
Falta-nos a competência de um Gama Barros ou conhecimentos de ciências administrativas para poder dizer se, no domínio dessas ciências, as coisas tal como se encontram estão bem ou mal. Apenas podemos ir até à verificação prática do que tem resultado pela aplicação de imposições legais.
Não há muito ainda uma esperança raiou em todos aqueles que se encontram á frente dos municípios ao ser anunciado por pessoa responsável que se estudava a forma de aliviar as câmaras de determinados encargos que asfixiam a sua vida.
Por certo, dificuldades insuperáveis impediram que aquele objectivo se efectivasse, mas esta circunstância não é impeditiva de que o problema se ponha, e precisamente nesta altura, por ser factor de particular importância a ter em conta nos gastos em conservar o que já existe, e, especialmente, em obras novas.
Foi-nos possível, no círculo que representamos, obter das câmaras municipais números que esclarecem completamente o quadro das possibilidades e ainda os encargos que, por falta dos referidos conhecimentos de ciências administrativas, se afiguram como devendo estar a car",o directo de alguns Ministérios.
Seria fastidioso estar a enumerar um a um esses encargos, mas para deles se dar ideia, indicam-se alguns: aquisição e reparação de mobiliário para as secções de finanças e tesourarias e casas de magistrados postos da Guarda Nacional Republicana, escolas primárias, etc., e, não existindo edifícios próprios, rendas de casa para magistrados, escolas primárias, postos da Guarda Nacional Republicana, repartições do Estado, carcereiros, etc.; expediente, impressos e material didáctico; luz, água e limpeza para as mesmas repartições ou serviços; porcentagem a pagar ao Estado pela cobrança de adicionais às contribuições, tratamento de doentes polires nos Hospitais Civis, etc.
Os números dão ideia mais nítida do que as palavras.
No decénio de 1940-1949 o distrito de Beja pagou em despesas desta natureza cerca de 11:000 contos.
Dispêndios em contos
[Ver tabela na imagem]
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Não há possibilidade de se avaliar do peso destes encargos sem se ter presente qual o montante das receitas ordinárias.
Se deduzirmos das receitas ordinárias as despesas obrigatórias, ficaremos com um saldo, que é o que permitirá a realização de obras de melhoramentos a comparticipar pelo Estado.
0 maior distrito do País nos últimos dez anos não conseguiu uma média anual superior a 800 contos.
Médias no decénio 1940-1949
[Ver tabela na imagem]
Sendo as comparticipações concedidas normalmente de 50 ou 75 por cento, pode desde logo concluir-se das possibilidades camarárias para a realização dos seus fins.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador: - Que dizer da possibilidade de conservação dos imóveis já existentes, e bem assim das estradas
Aumento das receitas ordinárias - Decénio de 1949-1949
( valores em contos)
[Ver tabela na imagem]
das municipais e caminhos vicinais? Que considerações se poderiam fazer pela utilização sempre crescente destas mesmas visa de comunicação pela, camionagem, cujos veículos aumentam constantemente de tamanho a peso, tomando por completo a largura dos caminhos e destruindo em poucas passagens os pisos realizados com tamanha soma de sacrifícios para o erário municipal?
Conto reembolsar o Tesouro de metade da verba despendida com a construção das escolas do plano dos Centenários e da sua mobília, construções que as câmaras não puderam discutir, mas têm de pagar? E saiba-se que até Dezembro de 1949 a divida do Distrito de Beja é de, mais de 3:700 contos, referentes a sessenta e sete salas da aulas. Porque não ter exigido que elas também pagassem alguma coisa para amortização do Liceu de Beja ou ainda uma certa percentagem para a Cidade Universitária de Coimbra, pela utilização que dela venham a fazer alguns filhos daquele distrito? ...
Os bairros de casas para classes pobres, feliz iniciativa que poderia resolver um dos gravíssimos problemas de habitação, e, não logra desenvolver-se em consequência, de a dotação do Estado e Fundo de Desemprego se manter no ponto inicial, quando o custo da construção subiu cerca de 200 por cento e as câmaras não podem dispor da diferença. Entretanto, nos catorze concelhos de Beja estão construídos seis bairros, com duzentas e vinte e duas moradias, para cuja construção, a comparticipação foi de 2:220 contos e as câmaras concorreram com cerca de 4:000 contos.
Um especial melindre impede-nos de dizer dos presidentes das câmaras o que seria mister, mas os números falam por si tão alto que são desnecessárias palavras para os enaltecer.
No inquérito, já referido proeurou-se averiguar se os munícipes poderiam suportar maiores encargos. A resposta única; foi negativo, e os adicionais às contribuições cobrados estão nos máximos permitidos pelo Código Administrativo. Entretanto interessa verificar qual o esforço pedido aos munícipes, fazendo-se a comparação entre o crescimento, dos adicionais e das cobranças directas nos dez anos referidos. Enquanto os adicionais subiram por motivo principal das matrizes cadastrais cerca de 1:200 contos, as cobranças directas subiram cerca de 4:000. E nada diremos sobre os encargos da organização corporativa, que mão são nada leves.
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E ainda se dirá que actualmente as mesmas câmaras devem a institutos de crédito cerca de 13:000 contos.
As possibilidades de realização dos fins cominados ás câmaras estão reduzidas a um mínimo total que se não vê como poderão constituir incentivo bastante para manter nos seus lugares os que se têm disposto a chefiar as edilidades pobres.
Sr. Presidente: nas zonas do continente, onde crises cíclicas várias mais dificultam as vidas dos povos, onde as massas trabalhadoras mais sentiram os efeitos da política económica e do desemprego forçado, não se conhece o economista Beveridge, mas sente-se que ele não se enganava ao escrever: "o maior mal do chômage não é a perda de um suplemento de riqueza material de que disporíamos se houvesse ocupação completa. Mas engendra dois males bem mais graves - o primeiro é o facto de os homens se suporem inúteis, indesejáveis e sem pátria; o segundo é que os homens passam a viver em estado de receio e o receio origina o ódio".
Nas mesmas regiões não se sabe se Leão XIII preconizou fórmulas para combater a lutado classes o conciliar o capital e o trabalho nem tão-pouco se em Inglaterra Adam Smith e depois lord Keynes procuraram fórmil1a9 que levassem ao full employment, depois de quanto tinham ensaiado os americanos Poster e Catchings.
Uma só coisa conta: a vida continua dura, por incerta, como há muitos séculos; os homens sentem-se desamparados e carecem de amparo.
Já referimos o número de portugueses que neste problema estilo interessados, já referimos a vastidão das áreas que lhe estão afectas, para que soja necessário insistir na urgência em dar remédio ao principal mal nacional.
Se o dar trabalho, sem significado económico ou tendo como consequência asfixiar as fontes da produção, não levou a uma melhoria, como já atrasadamente foi demonstrado nesta Assembleia, parece que se deverá concluir pela necessidade de criar condições novas, por meio de trabalhos novos que criem riquezas novas, para absorver a mão-de-obra em épocas onde actualmente não tem aproveitamento económico.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se as regiões mais afectadas são aquelas onde predomina a monocultura, a esta é consequência imediata da falta de água, e apenas são possíveis as culturas de sequeiro, tira-se como corolário que se torna imperioso levar água para rega a essas regiões.
Falta-nos competência para dizer se é ou não possível levá-la em condições económicas, mas outros com autoridade bastante batem-se com entusiasmo crescendo há al uns anos por esta ideia, que logrou já entusiasmar directamente interessados, que perguntam ansiosamente porque se não encara a sério esta hipótese tão inteligentemente formulada.
A água transformará todo o regime agrário das zonas onde possa chegar, exigirá a ocupação permanente para muitos braços o facultará trabalho nas épocas em que
actualmente não existe. Ela permitirá o fomento pecuário, assegurando forragens verdes, mais racionais na alimentação de herbívoros, que encontrarão nos prados artificiais as condições óptimas para o aumento da produção de carne, leite, peles, lã, etc.
A água, por si, levará a um parcelamento racional, e não o que possa resultar de concepções mais ou menos teóricas, que a natureza, na sua suprema indiferença pelas idealizações humanas, se encarrega de destruir a cada passo. A água não obriga a parcelamentos que forcem a uma pecuária liliputiana, sem significado económico.
Na água, numa palavra, parece residir a esperança de riqueza que levará a resolver grande parte dos males de que sofre mais de metade da população portuguesa e assegurará a elevação do poder de compra, indispensável ao desenvolvimento da indústria.
As vastas zonas desarborizadas onde a água não possa chegar, desde que, com o auxílio valioso do Estado, possam ser recobertas de floresta de essências e fruteiras, completarão o plano para a transformação possível do nível de vida Alentejo.
Se, pelos estudos já feitos, se antevê a possibilidade de a água poder ser aplicada à produção, de energia, regar zonas de sequeiro, servir aos transportes fluviais e com estas aplicações evitar os males ao assoreamento, inundações e erosão, quem não é economista atreve-se a acreditar que estes rendimentos terão significado económico e, em consequência, são de realizar.
Admitamos, porém, a pior das hipóteses. Uma empresa particular que se formasse para levar a água salvadora ao Alentejo viria a falir por o negócio não ser rendoso. Terá esta conclusão que levar a desistir do empreendimento de salvaguarda de mais de metade da população portuguesa? Deverá o problema social ficar por resolver e os cofres públicos terão de, em soluções de emergência, continuar a gastar milhares de contos, que ao fim de um certo número de anos terão absorvido a verba necessária à realização da obra de fomento que nunca se terá feito.
Esta solução parece que também não poderá ser adoptada, por ilógica, porque, no fim de contas, não é solução, é a manutenção do estado de angústias e preocupações periódicas, que leva ao ódio visto por Beveridge, em constante agravamento pelo aumento demográfico.
Por exclusão de partes, por lógica, pelos direitos garantidos a todos os portugueses, a conclusão só pode ser uma, uma única. 0 Estado, pela sua acção supletiva, terá de chegar onde as empresas particulares não poderiam ir. À empresa privada apenas pode interessar o que dê rendimento imediato e directo. Ao contrário, no Estado cumpre realizar o necessário para assegurar a usufruição de regalias idênticas a todos os cidadãos portugueses e promover o máximo de produção e riqueza socialmente útil.
Obras desta envergadura não podem ser vistas à luz de um rendimento imediato a directo. Da mesma forma que uma estrada cuja construção se não baseia em cálculos de recuperação em determinado prazo da verba despendida ou cujo rendimento se não avalia pelo capital despendido, mas pelo desenvolvimento económico a que levará; as regiões atravessadas, que indirectamente a seu tempo tornarão possível o aumento das colectas fiscais, assim também as obras necessárias a levar água às regiões do sequeiro deverão ser encaradas pelo Governo.
A extensão destas obras, os volumosos dispêndios a que obrigam, forçam a escalá-las por largos anos, ou seja que a sua execução tem de ser morosa. Se nelas reside a única possibilidade de valer às regiões do sequeiro, se delas depende a melhoria das condições de vida de uma parte importantíssima da população portuguesa, quanto mais tarde se iniciarem tanto mais tarde essas populações gozarão os benefícios que já hoje auferem outras regiões do País não submetidas às crises periódicas.
Se planos desta natureza só podem ser concebidos para uma execução que durará quinze ou vinte anos, certamente se concluirá pela urgência em lhes dar início.
0 que fica dito para a água tem aplicação para a electricidade, que hoje é factor primordial para o desenvolvimento das populações.
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0 estudo muito desenvolvido dos locais onde foi entrevista a possibilidade de constituição de albufeiras e construção de barragens leva desde já a poder concluir-se que para sul do Tejo muito pouco há a aproveitar.
A energia hidroeléctrica que beneficiar o sul terá; pois de vir, no seu maior volume, do Norte do País.
Pelos elementos de estudo obtidos julgamos que está desde já assegurado o transporte de energia em alta tensão até ao Sado, mas dali para o sul o problema parece revestir-se de aspectos diferentes, porque interferem, com grande peso, as grandes distâncias, sem povoados, que é como quem diz, sem consumidores, ou, finalmente sem rendimento para a empresa transportadora.
Uma vez assegurados os volumes desse fluído necessário ao regular o abastecimento de todo o País, terão de ficar por electrificar as regiões menos povoadas, por esse transporte não ser rentável?
Iremos cair em outro círculo vicioso que se não possa romper? Certamente que isso não é admissível. É necessário que a electricidade chegue a todos os recantos do País, e por certo chegará.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: vamos concluir estas muito extensas considerações. As zonas do sequeiro carecem que nelas se pense muito a sério e julga-se que têm preferência sobre quaisquer outras.
A água afigura-se indispensável para tirar tão vasta e importante zona do País da dependência absoluta das contingências naturais a que sempre tem estado submetida.
Todos os dispêndios realizados sem um plano de conjunto, em que o factor económico não prevaleça sobre o financeiro, parece não virão nunca a resolver, a acuidade do problema.
Tendo a Lei de Meios aberto o precedente de aplicar imediatamente os excedentes das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza em despesas extraordinárias, parece que na actual conjuntura, as despesas ordinárias ou extraordinárias deverão ser estudadas em conjunto, dando-se apenas preferência,
Para execução, ao que realmente leve rapidamente a um plano verdadeiramente eficiente para o desenvolvimento nacional.
0 Alentejo, aguarda confiante a acção do Governo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: quando nesta Assembleia foi apreciada a proposta da Lei de Reconstituição Económica o Sr. Deputado Águedo de Oliveira afirmou que na Assembleia ainda não tinha aparecido uma proposta de tamanha magnitude.
E o Sr. Deputado Araújo Correia disse dela:
Considero-a, de tudo o que até agora foi presente à Assembleia, talvez a medida mais importante, seguramente aquela que pode vir a impulsionar com mais rigor as actividades económicas de Portugal.
E era de tal magnitude essa proposta, como dizia o Sr. Deputado Águedo de Oliveira, situava-se num plano tão superior àquele em que de há tão, longos ano ora considerada a administração pública em Portugal, que aqui foram manifestadas sérias apreensões sobro a sua exequibilidade.
E essas apreensões podem ver-se concretizadas no que disse o nosso saudoso colega de então Sr. Deputado Dr. Manuel Fratel, inteligência brilhante e vida experimentada na administração pública.
Disse ele:
Há nesta proposta governamental circunstâncias que muito me preocupam. Não é propriamente a enumeração dos trabalhos nem a sua ordem: são tis autorizações que se concedem sem saber a quem.
Se eu tivesse a certeza de que durante os quinze anos a que a proposta se refere continuaria à frente dos negócios públicos o mesmo Presidente da República e o mesmo Presidente do Conselho votá-la-ia de melhor vontade.
Passaram os quinze anos marcados para a vigência da lei e para dar execução ao seu conteúdo.
E a primeira constatação que fazemos é de que felizmente permanecem à frente dos negócios públicos, sem nenhuma solução, 6 continuidade, o mesmo Presidente da República e o mesmo Presidente do Conselho, graças a Deus e à esforçada actuação de quantos desde a primeira hora lutaram para que assim fosse, sem desânimo, mesmo nos momentos mais duvidosos em que foi necessário arriscar tudo.
Louvores sejam dados aqui aos vivos, que nem todos terão sido justamente considerados; mais altos aos que nossas lances encontraram a morte, porquanto uns o outros bem serviram a Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quero também daqui dirigir comovida saudação a todos quantos alvoroçadamente votaram essa lei: aos que ainda hoje têm assento nesta Assembleia e Los que, já não o tendo, lá fora se encontram possuídos da mesma fé, da mesma esperança o ao mesmo ardor combativo que então os animava.
Sr. Presidente: o Sr. Deputado Joaquim Mendes do Amaral, com elevado sentido da função que como tal desempenha, anunciou e realizou aviso prévio para apreciação da forma como foi dado cumprimento ao disposto na Lei n.º 1:914.
Nada mais oportuno nem mais concernente ao exercício do mandato.
E o Governo, franca e nobremente, enviou a esta Assembleia desenvolvido relatório, sobre a execução que deu a essa lei, do qual constam todos os elementos para que a sua acção possa ser apreciada em toda a extensão o profundidade.
O Sr. Presidente do Conselho, na exposição com que abro esse relatório, solicita a colaboraç4o desta Assembleia para que auxilie o Governo a encontrar a orientação conveniente para a solução de problemas e das dificuldades que se - apresentam para a continuidade da obra de reconstituição económica que vem realizando-se.
Está, pois, a Assembleia Nacional neste momento para emitir seu juízo sobro a actividade governamental em matéria de reconstituição económica nos últimos quinze anos e para se pronunciar sobre a linha de ramo a seguir quanto a este aspecto da administração pública.
Assuntos são, estes de tamanha magnitude, como dizia Águedo de Oliveira, e tão elevada transcendência que sobre eles devem pronunciar-se os especialistas com
patentes.
Mas mesmo os que não têm essa especial competência, como eu, podem e devem emitir o seu parecer, porquanto por rezes acontece que "de uma ruim cabeça sai um bom conselho", a aproveitar na medida dessa bondade.
Porque assim é, e também porque fui um dos que com alvoroço aqui votaram a proposta de lei depois conver-
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tida na Lei n.º 1:914, e porque deste mesmo lugar mo pronunciei sobro as propostas de lei do povoamento florestal e hidráulica agrícola, decidi-me a intervir neste magno assunto.
Como o farei?
Considerando primeiro a acção do Governo em relação à terra à agricultura e ás populações rurais na execução da Lei n.º 1:914.
Segundo, a linha do ramo a seguir.
Sr. Presidente: quando em Portugal se faça qualquer tentativa de impulso ou de reconstituição económica não pode deixar de situar-se em primeiro plano a produção agrícola.
A produção agrícola é de substancial importância para a economia nacional, para a vida social e para a vida do Estado.
A indústria agrícola tem, portanto, de ser considerada uma indústria-base para a vida nacional.
Daqui deriva como primeiro corolário que a defesa da agricultura é uma inelutável necessidade de toda a política económica no nosso país, que tem feição caracterizadamente agrícola, e em que a agricultura tem uma função vital para a mantença de mais de 50 por cento da sua população, conforme se verificou pelo notável Inquérito Económico Agrícola, levado a efeito pelo Prof. Lima Basto, concluído em 1935.
Se a agricultura decai e definha, está desde logo perturbado o equilíbrio económico do Pala e não há medidas puramente financeiras que o restabeleçam, se não tiverem um carácter nitidamente proteccionista dessa actividade económica.
A vida agrícola portuguesa é de fraca rentabilidade, razão por que a economia da lavoura nacional é débil e extremamente sensível à acção de quaisquer medidas que, directa ou indirectamente, a atinjam num sentido desfavorável.
Por isso é necessário que a actividade de qualquer aos sectores da administração pública, por mais afastados que pareçam estar da vida agrícola, tenha sempre em consideração esta realidade da nossa vida económica.
É necessário que se conjuguem as actividades de todos estes sectores, com reflexos na vida agrícola, para que lhe dispensem auxilio eficiente, de forma a robustecê-la, a estimular e melhorar a produção e a diminuir o custo desta.
Ao Estado incumbe, por vários meios e por intermédio de todos os seus serviços, cooperar com a lavoura para se conseguirem estes objectivos, de que advém aumento de riqueza, com benéfica e imediata repercussão para toda a população portuguesa.
Por assim senão fazer é que Bento Carqueja, escrevia em 1900 no seu livro 0 Futuro de Portugal:
A indiferença dos Governos e a desorientação dos espíritos deixaram cair a agricultura portuguesa em um abatimento tal que ameaçava levar-nos o melhor da nossa riqueza, a melhor parte da nossa vitalidade.
E o Prof. Lima Basto, no seu já referido Inquérito Económico Agrícola, disse:
Na política económica do nosso país não ao tem dado à agricultura - erro que de longo vem - o lugar a que ela incontestavelmente tem direito. É sobre o progresso da, agricultura, sobre o bem-estar dos que a praticam, que deve e pode assentar todo o desenvolvimento económico do País.
Oliveira Martins no relatório do seu projecto de fomento rural, escrevia em 1887:
Os vícios acumulados da legislação e dos costumes ocasionam o abandono das terras; as encostas e os cumes dos montes, despovoam-se de florestas; lavra a queimada, começa o alqueive, os homens preferem ao trabalho a aventura e os capitais, a agiotagem aos empregos socialmente reprodutivo!
É necessário canalizar os capitais para a terra, porque, se o homem é o agente, se a árvore e a água são os colaboradores, se as leis são um coeficiente, o capital é o instrumento sem o qual os braços humanos cairiam inertes e impotentes.
E o economista alemão Adolfo Weber escrevem no seu tratado de economia política:
...ª agricultura está mais ligada do que qualquer outra profissão, à salvação ou ao afundamento a Pátria.
0 que acabo de dizer, sem qualquer preocupação de erudição, que não tenho, pretende, apenas ser motivo justificativo da relevância do aspecto sobre que me propus apreciar o assunto em discussão.
Direi dada já, como primeira e genérica conclusão a que cheguei sobre a forma como foram distribuídas as verbas consignadas à execução da Lei n.º 1:914
que hoje, não teriam inteira razão do ser as palavras de Bento Carqueja, nem as conclusões do Prof. Lima Basto, nem as razões de Oliveira Martins, porquanto
de há anos a esta parte a agricultura portuguesa, o começou a ser considerada e tratada pelo Estado como elemento de primeira grandeza para a reconstituição da
nossa vida económica.
Mas também é verdade, como o atestam os dados estatísticos e a observação directa de quem atenta nos nossos actuais processos culturais o nos progressos pecuários, que a lavoura portuguesa vai correspondendo ao que dela se solicita e se integra nos novos ritmos económicos.
Dentro da lógica ao nosso raciocínio situa-se desde já a interrogação: poderia ter-se feito mais e melhor?
A conclusão virá depois de vermos o que se fez.
0 que se fez então ?
Na alínea e) do n.º 2.º da base I da Lei n.º 1:914 estabeleceu-se que seriam elaborados planos respeitantes à hidráulica agrícola, irrigação e povoamento interior, para serem executados a verba dos 6.500:900 contos.
Não há dúvida que estes planos se dirigiam e tendiam directamente a beneficiar a terra, a agricultura e as populações rurais.
Para dar cumprimento a este imperativo legal, pelo Ministério da Agricultura, que então, felizmente, ainda constituía um departamento autónomo da vida governativa, foram elaboradas as propostas de lei sobre povoamento florestal e sobre fomento hidroagrícola, depois convertidas nas Leis n.º 1:971 e 1:949.
Era então Ministro da Agricultura o Sr. Dr. Rafael Duque a cujo esforço, esclarecida inteligência, profundo sentido das realidades e indomável impulso criador o País ficou devendo os mais destacados serviços neste período heróico da sua reconstituição económica.
Apoiados.
Na execução destes planos - dizem-nos o relatório e mapas respectivos do Ministério das Finanças - foram despendidos 980:151.266$ até 1949, que, acrescidos de 150:000 contos que lhe foram atribuídos pelo orçamento de 1950, perfaz o total de 1.063:000 contos.
Foi quanto coube directamente à terra dos 11.667:000 contos despendidos com a Lei de Reconstituição Económica; não atingindo 10 por cento do total despendido.
Em matéria de grandeza ficou em 5.º lugar, depois, do despendido com a reforma geral do Exército e seu armamento, de outros problemas ou realizações do n.º2 da
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base I, do crédito colonial e dos portos comerciais e de pesca.
Quanto a povoamento florestal, diz-nos o relatório ao Ministério da Economia que o plano de povoamento florestal não chegou a consumir toda a verba que lhe foi orçamentada, do montante de 308:272 contos, dos quais só ao gastaram 231:016 contos, ou seja, números redondos; menos 77:256 contos; os planos estabelecidos não foram totalmente executados, a não ser os das dunas.
Despendeu-se assim, extraordinariamente, uma média anual de 15:400 contos no povoamento florestal.
São evidentes os benefícios que resultam do povoamento florestal, quer de ordem económica quer de ordem social, como se afirmou no relatório da proposta de lei respectiva e aqui foi posto em destaque quando essa proposta foi discutida o aprovada.
As razões que então se apontaram há que acrescentar agora o estar em marcha a instalação da indústria da celulose, nova em Portugal, que absorverá no futuro grande quantidade de madeiras, cujo abastecimento é necessário assegurar internamente, e que constitui mais um elemento para robustecer a economia nacional.
E ao considerarmos que por virtude das duas últimas grandes guerras muito desapareceu dos nossas matas e, portanto, do nosso povoamento florestal, não deverá deixar de se concluir que ao impõe o prosseguimento da execução, em ritmo mais acelerado, ao plano de povoamento florestal, como se consigna no artigo 16.º, § 1.º alínea a), da lei de receita e despesa.
A execução integral do plano é economicamente muito reprodutiva e, sob o ponto de vista social, de impreterível necessidade, pela quantidade ao trabalho que fornece nos trabalhadores rurais, que, como todos os outros homens, precisam, primeiro que tudo, viver.
E estamos a verificar nos últimos tempos que a crise do desemprego nos trabalhadores rurais começa a aparecer, acompanhada de toda a série de gravíssimas consequências.
O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença?
Estou inteiramente de acordo com as considerações de V. Ex.ª, excepto quando diz que a crise do desemprego rural começa a aparecer: eu julgo que ela já existe há muitas décadas.
O Orador: - Este "começa a aparecer" quer significar que se fez um grandíssimo esforço neste País nos anos anteriores para que não houvesse crise de desemprego rural.
O Sr. Pereira de Meio: - Mas houve!
O Orador:- Mas em forma mais atenuada do que noutros países mais ricos do que o nosso.
O Sr. André Navarro:- Mas é preciso não confundir o desemprego rural que chega a esta Assembleia através dos clamores de vários ilustres Deputados com aquele desemprego rural que de facto existe e que se verifica largamente na zona nortenha.
O Orador: - Com a continuação desta política de povoamento florestal as encostas e os cumes dos montes voltarão a aparecer povoados de florestas, como preconizava Oliveira Martins; o fenómeno da erosão, de que com tão primorosa e impressionante eloquência nos falou no Porto o Prof. Sonsa da Câmara, será atalhado o as areias das dunas deixarão de caminhar para o interior e de tornar estéreis grandes tractos de terra produtiva.
Também, para mais eficientemente ser dada execução à alínea e) do n.º 2 da base I da Lei n.º 1:914, foi em boa hora criada a Junta de Colonização Interna, logo
em 16 de Novembro de 1936, com vista, primacialmente, a fazer o reconhecimento o reserva de baldios para efeitos de colonização, que a mesma, Junta devia promover.
Este reconhecimento e reserva de baldios vinha sendo reclamado desde muito longe, pois já em 1766 se publicava um alvará a ordenar o arrolamento dos baldios, e tentou-se levá-lo a efeito pelos Poderes Públicos, por modalidades várias, que resultaram improfícuas.
Levou agora a Junta de Colonização Interna a efeito esse trabalho por forma definitiva, de que nos dá conta em dois substanciosos volumes que fez publicar.
Alguns casais agrícolas foram já instalados, mas muito menos' do que os previstos nos respectivos planos, e também não puderam ser executados outros elaborados projectos de colonização por dificuldades de vária ordem, que parece estarem removidas.
Não é de estranhar que tais dificuldades tenham surgido, pois no todos os grandes planos, por mais completa que seja a previsão ao serem elaborados, encontram retardamento na execução por imponderáveis que surgem nessa fase e têm então de ser solucionados.
No entanto, alguma coisa foi feita que, quando menos, constituiu experiência para poder agora caminhar-se com maior rapidez, recuperando o atraso sofrido, atraso que pode avaliar-se pelo facto de só terem sido utilizados 31:500 contos dos 107:220 com que foram dotados no período de 1947-1949.
Porém, neste sector há assuntos que requerem rápida e enérgica solução.
Destaco de entre eles o da colonização da campina de Idanha-a-Nova, onde está construída e inaugurada a barragem Marechal Carmona, para fina de irrigação, desde 1947, sem que até hoje se tenha começado a executar qualquer ordenado aproveitamento das águas represadas, e que custou cerca de duas centenas de milhares de contos.
Também à Junta foi atribuída a execução da lei de melhoramentos agrícolas, que foi por corto das medidas de grande beneficio para a lavoura e para a terra, designadamente para a lavoura média, que, com estes créditos a longo prazo e reduzida taxa de juros, realizou já numerosos melhoramentos, que sem tal financiamento impossível lhe teria sido realizar.
E que a providência legislativa era necessária e foi oportuna certifica-o o número de financiamentos realizados - 1:780, no montante de 80:000 contos - para
obras de pesquisa de água para rega, enxugo e defesa contra a erosão; arroteias, surubas e novas plantações; silos, nitreiras, ovis, palheiros, estábulos, etc., obras estas que umas, valorizam a terra e, outras, contribuem para o fomento pecuário.
É de salientar e louvar neste aspecto o processo adoptado pela Junta na concessão dos financiamentos e a assistência técnica que presta a execução dos respectivos melhoramentos, mandando os seus técnicos acompanhar as obras depois de aprovados os respectivos projectos, levando esses técnicos para o campo, o que é proveitoso para o lavrador e também para eles técnicos, pelos ensinamentos que por certo colhem no contacto directo com as realidades da vida agrícola.
São altamente reprodutivas estas despesas extraordinárias feitas pelo Estado; considero-as nos auxílios mais práticos e profícuos dispensados à lavoura, até pelo que contribuem para a libertar das mãos rapaces e impiedosas da agiotagem.
Os resultados obtidos aconselham a que se prossiga nesta política.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Ainda temos de considerar da maior vantagem para as populações rurais as verbas despendidas com o fomento mineiro, porquanto são essas populações que realizam grande parte do trabalho que advém da elaboração das respectivas, minas.
E aqui quero deixar uma palavra de agradecimento aos respectivos serviços, a quem devo a oferta das magníficas o tão elucidativas publicações dos trabalhos que têm realizado, cujo exemplo devia ser seguido por outros serviços públicos para que os Deputados que têm por função fiscalizar a administração pública possam ter concebimento do que fazem os respectivos serviços.
Também neste campo da nossa actividade económica tudo aconselha a que dos estudos já feitos se passe para a fase da execução, impulsionando a exploração o aproveitamento dos respectivos minérios.
Mas nem só as verbas que foram despendidas com hidráulica agrícola, irrigação e povoamento interior aproveitam directamente à terra e às populações rurais.
Há que acrescer a estas as despendidas, em grande parte, nos melhoramentos rurais, que têm sido uma das obras mais meritórias realizadas em execução da Lei n.º 1.914.
Quase não havia na memória dos homens lembrança de que alguma vez qualquer aldeia deste país tivesse recebido melhoramento realizado k custa do erário público, o hoje já se pode dizer que um grande número dessas aldeias tem tido seus melhoramentos no arranjo de fontes, lavadouros públicos, realçadas, posto telefónico, luz eléctrica, escolas, postos médicos, etc., realizações estas que constituem um sete de elementar justiça distributiva, que não deve deixar ao se continuar a praticar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Presidente, esta política de grandes realizações em benefício da terra, da agricultura e das populações rurais h custa de verbas extraordinárias, para alcançar os objectivos a que visa, tem de ser acompanhada simultaneamente de outras medidas governativas ajustadas ao novo condicionalismo por ela criado.
Não pode concentrar-se toda a atenção governativa e a acção dos serviços exclusivamente nos grandes empreendimentos de carácter extraordinário, em prejuízo das pequenas realizações, que se compreendem na acção normal e ordinária da administração pública e dos respectivos serviços.
Assim:
â) As dotações ordinárias para, os serviços agrícolas têm de ser reforçadas, de modo que os respectivos técnicos vão para os campos divulgar os novos processos culturais;
b) Aos institutos de investigação científica que se propõem contribuir para fixação de tipos de sementes ou para descobrir a origem e tratamento das doenças e pragas que assolam cada vez mais as nossas culturas e pomares devem ser concedidos amplos meios de realizar os seus objectivos.
Os serviços fitopatológicos têm de prestar intenso auxílio e permanente assistência à lavoura;
é) É preciso criar nos serviços técnicos do Ministério da Agricultura, quando este for restabelecido - e deve sê-lo -, um sentido de activo utilitarismo em benefício da lavoura, fim único para que existem, o não para a atormentarem o emperrarem a sua acção com inúteis e esterilizantes formalismos burocráticos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os técnicos do Ministério da Agricultura - agrónomos, veterinários o regentes agrícolas - existem para exercerem a sua acção no campo, junto da lavoura, como amigos, e não para permanecerem na repartição como indiferentes ou como inimigos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E que isto é possível mostra-o a acção das brigadas agrícolas da Junta de Colonização Interna o de outros organismos.
Foram as brigadas agrícolas que em 1937 reintroduziram o orientaram a cultura do cânhamo no País, tendo-se já obtido uma produção anual de cerca de 400 toneladas de fibra, no valor de 10:000 contos.
Sob a direcção dos técnicos da brigada agrícola do Ribatejo, exercida nos próprios olivais, foram em 1949 podadas cerca de 150.000 oliveiras de diversos proprietários e conferidos 119 diplomas de podadoras aos trabalhadores rurais que realizaram esse serviço naquela escola prática, ao ar livre, em pleno campo.
Estes trabalhadores fizeram assim uma aprendizagem teórica e prática, cujos conhecimentos transmitirão a outros, de que advêm benefícios para os nossos olivedos, de tanto valor económico o por vezes tão mal tratados pela ignorância e pelo empirismo, dos que os trabalham.
Mas, infelizmente, as dotações para esses serviços externos são exíguas, esgotam-se rapidamente, e, por isso, nesse mesmo ano de 1949 não pode a brigada satisfazer outros pedidos do assistência técnica que lho foram solicitados pela lavoura para poda de mais oliveiras o para tratamentos de pomares de vária ordem, que estão sendo cada voz mais atacados por doenças, de que resulta avultado prejuízo para a economia da Nação.
Ora, Sr. Presidente, não faz sentido que se fomente por um lado e por outro se deixo perder, por falta de assistência técnica, a produção fomentada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E o que fica dito é de aplicar igualmente aos serviços de hidráulica agrícolas aos quais devem ser concedidas as. verbas ordinárias precisas para os soas técniéo5 irem para o campo realizar as pequenas obras de hidráulica, limpezas de valas o ribeiros para escoamento das águas e enxugo das terras, onde as culturas por vezes morrem por excesso de humidade, porque tais obras se não realizaram.
Para tanto há que rever, coordenar e actualizar as anacrónicas disposições legais sobre serviços hidráulicos, como o Regulamento de 18929.
Mas outra leg1slç§Lo que interesse à vida agrícola tem de ser revista e adaptada ao novo condicionalismo económico e social.
Destaco para aqui, como medida legislativa a adoptar urgentemente, à revisão e adaptação às condições dos novos tempos o dos novos ritmos económicos das disposições legais que disciplinam os contratos de arrendamento de prédios rústicos.
Cada estádio da nossa evolução económico-agricola tem tido as suas medidas legislativas apropriadas para aproveitamento das terras e intensificação da produção, como fossem a lei das sesmarias, que remonta ao tempo de D. Fernando, os reguengos, a enfiteuse, etc.
Ao abrigo desses preceitos legais se arrotearam e desbravaram muitas terras, que assim foram trazidas paira a produção.
0 sistema de arrendamento dos prédios rústicos a curto prazo não oferece garantias ao rendeiro o redunda em prejuízo da produtividade das terras o dos arvoredos que nelas existem.
Por este sistema o rendeiro procura extrair da propriedade arrendada o máximo de produção com o mínimo do dispêndio. Não faz nela investimentos de capi-
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tais, não planta árvores, não explora águas, não enxuga terrenos, não arroteia, não poupa nem cuida das árvores.
Assim, tudo se vai estiolando o empobrecendo, pois que o senhorio arrenda para viver dos rendimentos, quo vai gastar, normalmente, nos grandes centros urbanos, e nenhumas melhorias faz nas terras.
Nos regimes cerealíferos publicados de há anos a esta parte inseriram-se disposições que de algum modo procuraram defender a situação dos que amanham a terra, fazendo acrescer ao preço de tabela do trigo um "subsídio de cultura" e estabelecendo que este pertencia, exclusivamente, aos que produziam o trigo, pois que as rendas a trigo seriam pagas em dinheiro, ao preço da tabela, sem o subsídio de cultura.
É, conhecida a disputa que incidiu. sobro este princípio, que afinal deu, para os arrendamentos, resultados contraproducentes, pois que os senhorios passaram a arrendar apenas de ano a ano, para assim poderem garantir-se com sucessivos aumentos de renda, desde que o rendeiro não lhes pagasse o trigo ao preço da tabela, acrescido do subsídio de cultura.
Este sistema de amanho e cultura das terras faz com que nelas se inverta o menos capital possível em defesa o melhoramento das mesmas; traz o empobrecimento das terras e dos rendeiros, que nelas sucessivamente se vão arruinando e acabam por as abandonar. Já extinguiu os seareiros.
Parece-me, Sr. Presidente, que se impõe obviar a estes males por via legislativa, em defesa da terra, daqueles que morrem de amores por ela e da economia da Nação.
Será, talvez, também um meio de fazer regressar à terra muitos capitais que dela provêm, mas dela se afastam para serem gastos, improficuamente, longo dela.
Deve vir em breve a esta Assembleia, para discussão, a proposta sobre condicionamento industrial, que o Sr. Ministro da Economia oportuna o corajosamente elaborou, pelo qual sairá do condicionamento tantas pequenas indústrias complementares da indústria agrícola, indevidamente consideradas incluídas no condicionamento industrial e que outrora viviam o se desenvolviam livremente nos nossos meios rurais, animando a sua vida, ajudando a fixar neles as populações e contribuindo para, o melhoramento do nível de vida dos que nelas trabalhavam, tais como os descasques de arroz, moinhos, azenhas, lagares de azeite o outras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Eu disse que todos os sectores de administração pública, por mais afastados que pareçam da vida agrícola, devem actuar tendo em atenção, por vezes, o reflexo que as suas deliberações nela têm.
Cito, como exemplo, a forma como pelo Ministério da Guerra se dá execução ao Decreto n.º 18:068, do 22 de Fevereiro de 1930.
Este decreto foi publicado para animar a criação de cavalos de sela no território português, de modo a poder contar-se, num determinado momento, com o número de solípedes necessários ao Exército para a defesa nacional.
Para conseguir esse objectivos dispõe, além do mais, que o Ministério da Guerra se obriga a comprar as piaras que os lavradores apresentem, com excepção dos poldros que as comissões permanentes da remonta verifiquem não poderem vir a ser utilizados em qualquer serviço do Exército.
Esses poldros podiam ser apresentados a partir dos dois anos de idade.
Em virtude deste decreto aumentou notoriamente a criação de poldros, pois que o lavrador obtinha em curto prazo remuneração do capital empatado e tinha de dispor de pastagens só para a criação de 2 anos.
Porém um despacho ministerial de 1937 passou a compra dos poldros nacionais para os 4 anos, o que provocou diminuição sensível na criação, que está a ser inteiramente abandonada, não só por essa razão, como também porque não são suficientemente remuneradores os preços pagos pelo Ministério da Guerra.
Isto representa prejuízo para a lavoura e para a economia nacional e possivelmente perigo para a defesa nacional, apesar de vivermos na época de motorização dos exércitos.
É prejuízo para a lavoura, que vê assim desaparecer uma fonte de receita.
O Sr. Meio Machado: -V. Ex.ª dá-me licença?...
Em contrapartida vão-se comprar cavalos à Argentina!
O Orador: - Eu vou dizer, Sr. Deputado. É prejuízo para a economia nacional, porquanto o Exército e Guarda Nacional Republicana vão fazer as suas compras ao estrangeiro e por preços superiores aos que pagam à lavoura nacional, com a agravante de que em 1948 e 1949 os cavalo estrangeiros anglo-árabes importados foram comprados com idade de 3 anos.
Parece que devem ser tomadas providências ministeriais no sentido de que as comissões de remonta possam adquirir à lavoura o maior número de cavalos de 2 a 4 anos, ainda que nem todos satisfaçam as condições ideais, mas apenas o mínimo de requisitos, nesta situação de emergência e de defesa da nossa economia.
O Sr. Meio Machado: -V. Ex.ª dá-me licença?
Em todo o caso da Espanha vinham cá comprar cavalos e achavam-os muito bons.
O Orador: - É que talvez não pudessem ir a nenhuma outra parte comprá-los.
Mas volto, Sr. Presidente, às realizações levadas a efeito em execução da Lei n.º 1:914, que por alguma forma interessam à terra, à agricultura e às populações rurais como os aproveitamentos hidroeléctricos do Zêzere, do Cávado, de Belver e Pracana e outros de menor relevo.
É evidente que a política da utilização desta energia tem de orientar-se no sentido de também ser utilizável pela agricultura. E este sentido ficou desde logo marcado, em meu entender, nos respectivos cadernos de encargos das concessões, pois que o Estado se reservou o direito de requisitar 30 por cento da produção, com mira na indústria electroquímica e na de siderurgia.
Ora, por iniciativa, impulso directo e auxílio financeiro do Estado e organismos corporativos, está concluída e a poucos dias de produzir sulfato de amónio a fábrica do Amoníaco Português, em Estarreja, na qual estão investidos cerca de 200:000 contos, a que o Sr. Presidente do Conselho por mais % uma vez se tem referido e que expressamente cita na sua exposição de que fez preceder os relatórios parcelares enviados a esta Assembleia.
É uma indústria-base o uma realização deste período heróico da vida nacional, que " muito nos honrará", para me servir de uma expressão do Sr. Presidente do Concelho.
O sulfato de amónio destina-se a fertilizar a terra.
A indústria do sulfato de amónio vem assim revigorar a nossa vida económica o trazer beneficio, ainda que indirecto, a toda a população portuguesa.
Ela tem de utilizar em larga escala a energia eléctrica o a preço conveniente.
Mas não se diga que essa energia eléctrica podia ter outra melhor e mais profícua aplicação, ou que não é
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justo distribuir por outros consumidores a diferença de preço da energia fornecida a esta indústria.
A produção do sulfato de amónio em Portugal na quantidade de cerca de 100:000 toneladas evita a saída para o estrangeiro, anualmente, de uma importância superior a 200:000 contos o dá trabalho a engenheiro: e operários especializados, contribuindo assim para absorver tantos dos nossos diplomados com engenharia e muita mão-de-obra industrial.
Depois o agravamento das tarifas para os outros consumidores de energia não tem peso sensível.
Vejamos, por exemplo, o caso do Amoníaco Português, na hipótese de vir a ser abastecido de energia pelo Castelo do Bode e pelo Cávado-Rabagão.
Estas duas barragens produzirão, pelo menos, 600.000:000 de kWh por ano.
0 Amoníaco Português, na sua primeira fase, para produzir 25:000 toneladas de sulfato de amónio precisa de 100.000:000 de kWh, ou seja 20 por cento da energia produzida pelas duas empresas.
Se o Zêzere entrega a energia nas suas barras a 422 e o Cavado a 627, temos o preço médio de 623(5) kWh.
Logo os 500.000:000 a M(5), rendem 117:500 contos.
Se ao Amoníaco Português forem cedidos os 100.000:000 a $06, ficar-lhe-à a energia a $09 ou a $08, conforme pagar $03 ou $02 para transporte da mesma.
Esses 100.000:000 a $06 rendem às empresas 6:000 contos, que, deduzidos dos 117:500 contos que elas têm de realizar ao preço médio de 493(5), dá 111:500 contos.
É esta importância que as empresas precisam de realizar nos 400.000:000 de kWh que lhes ficam depois de abastecerem o Amoníaco.
Dividindo esses 111:500 contos pelos 400.000:000 de kWh, dá o preço de $28 por kWh, ou seja um agravamento de $04(5) em cada kWh, para os consumidores dos 400.000:000.
Não é ilegítimo que tal sacrifício, bem reduzido, seja suportado em beneficio da agricultura, que é em beneficio directo de toda a população portuguesa, pela qual a agricultura faz sacrifícios de bem maior monta.
Também é de esperar que na utilização da energia hidroeléctrica se tenha sempre presente a necessidade de levar essa energia até aos campos a preço conveniente.
Apoiados.
Sr. Presidente: em perfeita concordância com as considerações que acabo de fazer, posso concluir que todas as verbas extraordinariamente despendidas com as realizações que beneficiaram a terra e as populações rurais são altamente reprodutivas sob o ponto de vista económico e de profunda e benéfica projecção imediata e no futuro sobre o trabalho nacional, sobro o nível de vida das populações, que, antes de filosofar, precisam de viver.
Portanto, na linha de rumo a traçar, as despesas reprodutivas e de robustecimento da vida económica devem er colocadas no primeiro plano, direi mesmo que devem er graduadas em primeiro lugar, de preferência a quaisquer outras.
E praza a Deus, Sr. Presidente, que todos os portugueses de boa vontade, todos os homens bem formados, todos os portugueses de responsabilidade intelectual considerem e apreciem de alto a obra formidável que se realizou nestes quinze anos, tão radicada nos melhores sentimentos patrióticos e tão profundamente imbuída de um nobre sentido humano, para que em Portugal se mantenha um clima propício á continuação desta obra de sentido universalista e de redenção o dignificação de uma pátria.
As gerações vindouras bendirão os grandes obreiros Carmona e Salazar e todos quantos com eles colaboraram neste esforço heróico.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:- Vou dar por findos os trabalhos de hoje. Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas o 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Artur Proença Duarte.
Délio Nobre Santos.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Manuel França Vigon.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque. Paulo Cancela de Abreu.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Henriques de Araújo.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Francisco Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Botelho Moniz.
José Diogo Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Pinto Meneres.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Vasco de Campos.
O Redactor - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA